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FESTAS JUNINAS

 As festas juninas brasileiras inserem-se num longo processo iniciado com a cristianização de
ritos imemoriais que celebravam o solstício de verão na Europa e no Oriente Médio.

 Pouco antes que o cristianismo se tornasse a religião imperial, o Concilio de Niceia


ajustou o calendário lunar judaico e o calendário solar romano, no ano de 325. Como a memória
da ressurreição de Cristo ficou ancorada no calendário lunar, um bloco de festas móveis
(Carnaval, Semana Santa, Pentecostes e Corpus Christi) acompanha o movimento pendular do
domingo da Páscoa, que oscila entre duas datas fixas extremas – 22 de março a 25 de abril.

 Dessa forma, a Páscoa foi inserida na estação da primavera enquanto o Natal e o São João
cristianizaram os ritos tradicionais dos solstícios de inverno e verão do hemisfério norte.

 Depois que se ergueu uma basílica sobre o túmulo de São Pedro no Vaticano, local privilegiado
do culto solar, o Natal cristão passou a concorrer desde o ano de 354 com as celebrações do Sol
Invictus e de Mitra nas cidades romanas.

 É dos anos 360 o batistério de São João Batista, em Poitiers, talvez o mais antigo edifício
cristão da Gália. Santo Ambrosio teria enviado de Milão para Rouen as relíquias de São João Batista
em 393.

 O bispo Perpetuus instituiu em Tours, na década de 460, a comemoração da natividade de


São João Batista. Bento de Núrsia, fundador da ordem dos beneditinos, ergueu no mosteiro de
Monte Cassino um oratório a São João Batista sobre as ruínas de um templo de Júpiter e ali foi
sepultado.

 Gregório, o Grande, primeiro papa beneditino, celebrou a paz entre lombardos e bizantinos no
dia de São João, padroeiro dos lombardos, em 590. Na Ibéria, o rei visigodo Recesvinto dedicou uma
pequena capela a São João numa estação termal do rio Pisuerga, em 661.

 Apesar das iniciativas do clero e da aristocracia, um dos sermões de Santo Eloi contra o
paganismo mostra que o solstício de verão continuava sendo celebrado com danças alegres ao
redor do fogo, em meados do séc. VII.

 A devoção ao santo ganhou maior importância a partir da Aquitania. Segunda a lenda, o


monge Félix, guiado por um sonho, traz de Alexandria para Angoulins o crânio de São João
Batista, em 817; Pepino da Aquitania cria a abadia beneditina Saint-Jean d’Angély e a relíquia
atrai muitos peregrinos, mas a região é assolada pelos vikings e a maioria dos monges é
massacrada.

 A relíquia é milagrosamente recuperada em 1016 e a abadia reconstruída torna-se ponto


de passagem da peregrinação a Santiago de Compostela. O papa Urbano II a visitou em 1096
quando convocava a Primeira Cruzada. As ordens militares dos hospitalários e templários
impulsionaram a devoção a São João durante as Cruzadas (a famosa relíquia d’Angély
desapareceria nas guerras religiosas do séc. XVI).
 Na península ibérica, mouros e cristãos organizavam luxuosos torneios equestres (origem
das cavalhadas atuais) no solstício. Na Reconquista de 1492, os reis católicos entraram
solenemente em Granada no dia de São João e consagraram uma mesquita ao santo. Os restos
mortais do casal foram depositados por Carlos V na capela real de São João Batista e São João
Evangelista junto a muitas relíquias, entre as quais o braço direito e uma mecha de cabelo de
São João Batista.

 São João era festejado com entusiasmo nas aldeias jesuíticas brasileiras, provavelmente
porque as fogueiras e tochas acesas pelos missionários provocavam grande efeito sobre os
indígenas.

 Embora a festa tenha absorvido elementos das culturas nativas e, mais tarde, africanas, a
hegemonia da tradição europeia e portuguesa é evidente.

 Os instrumentos de música, os hinos e os passos de dança eram ensinados por irmãos


leigos das ordens religiosas, recrutados entre os camponeses e os artesãos na Europa. Assim,
ritos imemoriais que persistiam nas festas quinhentistas portuguesas foram trazidos à colônia
como elementos normais da cultura cristã.

 Como a festa coincidia com a época de colheita do milho e de preparação de novos


plantios, as fogueiras de São João dialogavam com as práticas rituais indígenas ligadas à
coivara. Por outro lado, a escassez de mulheres brancas na colônia portuguesa justificou,
segundo Gilberto Freyre, grande tolerância diante das relações entre os brancos e as mulheres
índias, negras e mestiças; daí a enorme popularidade adquirida pelos cultos prestados a
entidades como São João, Santo Antonio e São Gonçalo que aproximavam os dois sexos e
protegiam a maternidade.

 As fogueiras de São João tinham ainda um papel fundamental na complementação das


relações familiares por meio da instituição do compadrio que estreitava laços entre vizinhos e
entre diferentes grupos de status. Tal como no sacramento do batismo, os “compadres da fogueira”
assumiam compromissos de ajuda em caso de ausência ou morte, de cooperação nos trabalhos da
roça e mesmo eventualmente, em assuntos de política.

 A centralidade da relação entre as festas de São João e o casamento, a família e o parentesco


aparece em um incidente emblemático. Quatro anos após a proclamação da República, em 28 de
junho de 1893, O Apóstolo, jornal da diocese do Rio de Janeiro, afirmava que, enquanto as festas
cívicas se reduziam ao desfile militar e à iluminação dos edifícios públicos, as festas religiosas
vinham ganhando mais vigor. “São João há muito nunca foi tão festejado como agora”. É que na
véspera da festa a Câmara dos Deputados decidira suprimir a obrigatoriedade de precedência do
casamento civil perante o casamento religioso, pondo fim a incontáveis pendências decorrentes
da separação entre a igreja e o Estado.

 “A noite, os sinos de todas as igrejas do Rio de Janeiro repicaram; fogos, balões, pianos,
charanga popular, o povo se esbaldara pelo noite adentro erguendo vivas ao glorioso São João.
Era, pois, à sombra da Igreja, e pela porta da religião um brilhante renascimento das nossas
quase perdidas alegrias nacionais”.

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