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ISSN 2317-1782 (Online version)

Reabilitação da força da língua utilizando


Relato de Caso
Case Report biofeedback: relato de caso

Aline Vargas Maia1  Tongue strength rehabilitation using


Renata Maria Moreira Moraes Furlan2 
Keiner Oliveira Moraes1  biofeedback: case report
Mariana Souza Amaral3 
Adriane Mesquita de Medeiros2 
Andréa Rodrigues Motta2 

Descritores RESUMO
Língua Esta pesquisa teve o objetivo de relatar um caso clínico em que foi realizada a reabilitação da força lingual com
Terapia por Exercício estratégia de biofeedback. Trata-se de uma paciente de 20 anos de idade, cuja avaliação miofuncional orofacial
evidenciou diminuição grave de força do terço anterior da língua e alterações na mobilidade e na coordenação
Reabilitação linguais. A quantificação da pressão lingual foi realizada por meio do Iowa Oral Performance Instrument durante
Força Muscular a elevação, a protrusão e a lateralização, tendo se verificado redução nos valores obtidos em todas as direções
Fonoaudiologia medidas em comparação aos padrões de normalidade. Foram realizadas 11 sessões de terapia, com frequência
semanal, utilizando estratégia de biofeedback que consistia em jogos computacionais acionados pela língua.
Um instrumento encaixado na cavidade oral funcionava como um joystick, sendo método de entrada para jogos
digitais específicos. Em casa, a paciente realizou exercícios isométricos de pressão de ponta de língua contra
espátula, retração exagerada de língua, afilamento lingual e isotônico de tocar comissuras e lábios alternadamente,
diariamente. Após oito sessões, em relação à pressão na elevação, houve melhora de 28,6% para o ápice e
7,1% para o dorso. Quanto à protrusão, houve melhora de 123,5%. Nas medidas de lateralizações esquerda
e direita, os valores aumentaram 53,8% e 7,4%, respectivamente. Após 12 sessões, percebeu-se melhora, em
relação à avaliação inicial, de 35,7%, 7,4%, 164%, 76,9% e 40,7%, para elevação de ápice, de dorso, protrusão,
lateralizações esquerda e direita, respectivamente. Apesar do aumento, valores preconizados na literatura, como
normalidade para o sexo e a idade, não foram atingidos com 12 sessões.

Keywords ABSTRACT
Tongue This research had the objective of reporting a clinical case in which the rehabilitation of tongue strength with
Exercise Therapy biofeedback strategy was performed. It is about a 20-year-old patient whose orofacial myofunctional evaluation
revealed a severe decrease in the force of the anterior third of the tongue and alterations in lingual mobility and
Rehabilitation coordination. The measurement of lingual pressure was performed using the IOPI during elevation, protrusion
Muscle Strength and lateralization, and a reduction in the values obtained
​​ in all measured directions, compared to normality
Speech, Language and Hearing patterns, was verified. We performed 11 sessions of therapy, with weekly frequency, using biofeedback strategy
Sciences that consisted of computer games controlled by the tongue. An instrument embedded in the oral cavity functioned
as a joystick, being the input method for specific digital games. The patient performed at home the isometric
exercises of pressing the tip of tongue against a spatula, exaggerated retraction of tongue, tongue tapering and
isotonic exercise of touching the commissures and lips alternately daily. After eight sessions, in relation to the
elevation pressure, there was an improvement of 28.6% for the apex and 7.1% for the back. As for protrusion,
there was an improvement of 123.5%. In the measurements of left and right lateralization, the values increased
​​
53.8% and 7.4%, respectively. After twelve sessions, 35.7%, 7.4%, 164%, 76.9% and 40.7% improvement was
observed in relation to the initial evaluation, for apex elevation, back elevation, protrusion, lateralization left
and right, respectively. Despite the increase, values ​​recommended in the literature as normal for sex and age
were not reached with 12 sessions.

Endereço para correspondência: O trabalho foi realizado na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
Renata Maria Moreira Moraes Furlan 1
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
Departamento de Fonoaudiologia, 2
Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG - Belo Horizonte (MG),
Faculdade de Medicina, Universidade Brasil
Federal de Minas Gerais – UFMG 3
Programa de Pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Av. Alfredo Balena, 190, sala 249,
- Belo Horizonte (MG), Brasil.
Belo Horizonte (MG), Brasil.
CEP: 30130‑100. Fonte de financiamento: nada a declarar.
E-mail: renatamfurlan@yahoo.com.br Conflito de interesses: Há conflito de interesse por parte dos autores Renata Maria Moreira Moraes Furlan e
Andréa Rodrigues Motta, por fazerem parte do grupo de inventores que solicitaram junto ao INPI patente do
equipamento (joystick) empregado no estudo.
Recebido em: Agosto 01, 2018

Aceito em: Dezembro 10, 2018 Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite
uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.

Maia et al. CoDAS 2019;31(5):e20180163 DOI: 10.1590/2317-1782/20182018163 1/7


INTRODUÇÃO Recentemente, um grupo de pesquisa no Brasil desenvolveu um
recurso de biofeedback que transforma os exercícios tradicionais
A língua é um órgão do sistema estomatognático que em jogos eletrônicos acionados pela língua, motivados pela
participa ativamente das funções de mastigação, deglutição e possibilidade de tornar a mioterapia mais agradável e melhorar
fala. É composta de músculos intrínsecos e extrínsecos que atuam a adesão dos pacientes ao tratamento. O paciente utiliza um
em sinergia, promovendo mudanças em sua forma e posição(1). instrumento intraoral que funciona como um joystick controlado
A língua pode ser considerada um hidrostato muscular, assim pela língua. Por meio do monitor do computador, o paciente
como a tromba dos elefantes e os tentáculos dos moluscos(2). visualiza alvos que aparecem em diferentes regiões da tela e
O hidrostato muscular apresenta arranjo muscular em três precisa levar o cursor do centro da tela até os alvos a fim de
direções e seu volume é constante. Logo, qualquer diminuição
alcançá-los. Durante os exercícios, ele realiza o movimento com
do comprimento do órgão em uma direção ocasiona aumento
a língua, empurrando a haste intraoral do joystick na mesma
compensatório em pelo menos outra direção. O alongamento,
direção do alvo que aparece na tela, sendo o movimento dessa
por exemplo, é provocado pela contração do músculo transverso,
haste proporcional ao do cursor na tela. O fonoaudiólogo pode
o que diminui a seção transversal e aumenta o comprimento,
enquanto o encurtamento é provocado pela contração do músculo ajustar previamente a força a ser realizada pela língua para
longitudinal, o que aumenta a altura e a largura da língua(2). alcançar os alvos, o tempo de manutenção dessa força e o
A maioria dos movimentos realizados pela língua, número de movimentos a serem realizados.
independentemente da direção, requer contração de vários grupos Embora os recursos de biofeedback para reabilitação da
musculares simultaneamente(3) e, para cada direção que a língua musculatura da língua sejam citados na literatura, poucos são
exerce força, grupos diferentes de músculos são ativados, havendo os estudos que mostram os resultados com dados quantitativos.
constante interação entre os músculos extrínsecos e intrínsecos Diante disso, o objetivo desta pesquisa foi relatar um caso
da língua em todas as funções por esta desempenhadas(4). clínico que teve o propósito terapêutico de reabilitar a força
Diante da importância da língua para as funções estomatognáticas, lingual utilizando um recurso de biofeedback.
o fonoaudiólogo, na prática clínica, realiza uma avaliação
detalhada dessa estrutura, o que geralmente inclui a investigação Apresentação do caso clínico
da postura habitual, dos aspectos morfológicos, do frênulo
lingual, do tônus e da mobilidade da língua(5). Trata-se de um relato de caso de um indivíduo do sexo
O tônus é definido como estado natural de contração do feminino, com 20 anos de idade, atendido por estudantes do curso
músculo(6). Nos músculos esqueléticos, como os que compõem de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, sob
a língua, o tônus auxilia a manutenção da postura(6). Já a força supervisão de uma professora fonoaudióloga com experiência
de um músculo é observada durante a contração. Em geral, a no tratamento de distúrbios miofuncionais orofaciais. A terapia
força da língua é avaliada de maneira qualitativa, por meio ocorreu durante o estágio curricular em Motricidade Orofacial.
da tarefa de protrusão contra resistência, em que é solicitado Este estudo foi descrito após aprovação do Comitê de Ética em
ao paciente que protrua a língua e empurre-a contra o dedo Pesquisa da Instituição (Parecer CAAE – 67187417.5.0000.5149) e
enluvado do avaliador e/ou contra uma espátula posicionada a paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
verticalmente a poucos centímetros da boca(7). A força da A paciente iniciou fonoterapia um mês após ser acometida por
língua pode ser avaliada também por métodos quantitativos(8), paralisia facial periférica idiopática à esquerda, tendo evoluído
utilizando-se instrumentos contendo sensores que fornecem o para recuperação total dos movimentos da face após dois meses
valor da força exercida pela língua contra uma superfície. Há, de terapia, sem sincinesias ou contraturas. Nesse período, não
ainda, instrumentos que fornecem o valor da pressão exercida foram trabalhadas alterações de tônus nem mobilidade de língua.
pela língua(3), sendo a pressão definida como a força realizada A terapia teve por foco a realização de massagens indutoras de
em uma determinada direção por unidade de área(9). movimento associadas à contração isométrica da musculatura da
A fraqueza da língua é uma das causas de alterações nas face(13) e a paciente recebeu orientações para mastigação bilateral
funções(10). Para reabilitar a força da língua, exercícios de
alternada, visto que demonstrava preferência mastigatória à
contrarresistência demonstraram ser eficazes, resultando em
direita, tendo sido realizadas oito sessões com frequência semanal.
melhora tanto na força quanto no desempenho funcional da
Ao retornar para reavaliação, após recuperação dos movimentos
deglutição em indivíduos com disfagia após acidente vascular
da face, ficaram evidenciadas as seguintes alterações: diminuição
cerebral(11). Em indivíduos saudáveis, exercícios de elevação,
protrusão e lateralização associados à contrarresistência resultaram grave de força do terço anterior da língua, incoordenação do
em aumento da força da língua em todas as direções (elevação, movimento de língua, postura de língua rebaixada e queixas
protrusão e lateralização)(3). sugestivas de alterações na articulação temporomandibular
Recursos tecnológicos de biofeedback também podem (ATM) referentes a desconforto na musculatura mastigatória e
ser empregados como estratégia terapêutica eficaz, sendo estalos na abertura de boca, além de diminuição de lateralidade
capazes de aumentar a adesão do paciente ao tratamento. Para de mandíbula, presença de desvio mandibular em abertura e
terapia com exercícios de língua, são citados o biofeedback fechamento de boca e imprecisão articulatória. A paciente não
eletromiográfico(12) e o biofeedback fornecido pelo Iowa Oral apresentava doenças musculares nem neurológicas de origem
Performance Instrument (IOPI), um aparelho que mede a pressão genética ou degenerativa. O Exame Miofuncional Orofacial
realizada por estruturas orais(11). MBGR foi utilizado para avaliar e reavaliar a paciente.

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Na avaliação clínica da língua, realizada utilizando-se o para medir a pressão posterior da língua na elevação, o bulbo foi
Exame Miofuncional Orofacial MBGR(5), foram avaliados: posicionado com a borda anterior coincidindo com a extremidade
posição habitual, simetria, largura, altura, mucosa, frênulo, mesial do primeiro molar(14). Para medir a pressão da língua
mobilidade e tônus. Na avaliação do frênulo, verificaram-se durante a lateralização e a protrusão, o bulbo foi fixado em
extensão e fixação na língua e no assoalho. Na avaliação da um suporte com fita adesiva dupla face. O suporte apresentava
mobilidade, foram solicitadas as tarefas de protrair, tocar o uma base para a fixação do bulbo e duas superfícies macias de
ápice sequencialmente nas comissuras direita e esquerda e silicone, as quais a paciente mordia para estabilizá-lo. Para a
nos lábios superior e inferior, tocar o ápice na papila incisiva lateralização, o suporte foi posicionado entre os pré-molares
e nas bochechas direita e esquerda, estalar o ápice, sugar a superior e inferior com a superfície contendo o bulbo voltado
língua no palato e vibrá-la. Acrescentou-se a essa avaliação a para a língua(3). Na protrusão, o suporte foi posicionado entre os
verificação da força lingual por meio da protrusão sustentada incisivos superior e inferior, com a superfície contendo o bulbo
contra resistência realizada pela espátula. voltado para a língua(3). Em todas essas medições, a paciente
Na avaliação clínica da língua, a posição habitual não foi foi instruída a pressionar o bulbo com a língua, com a máxima
observável devido à postura de lábios fechados; largura, altura força que conseguisse, durante dois segundos. Nas avaliações
e mucosa estavam adequadas. Não se observou alteração não lhe foi permitido visualizar os valores da pressão gerada
do frênulo lingual. No exame intraoral da língua, a paciente na tela do IOPI.
pontuou 0 em 17 no MBGR. Na avaliação da mobilidade, A pressão das bochechas também foi avaliada com IOPI
verificaram-se incoordenação dos movimentos de língua pela para fins de controle. O objetivo de avaliar a bochecha era saber
dificuldade de tocar o ápice sequencialmente nas comissuras se a força dessa estrutura aumentaria apenas com o efeito do
direita e esquerda e nos lábios superior e inferior e dificuldade aprendizado motor para a utilização do IOPI. Para medir a força
em sugar e estalar a língua.
das bochechas, o bulbo foi posicionado entre os pré-molares
No exame de mobilidade da língua, a paciente pontou 3 em
superior e inferior com a superfície contendo o bulbo virado
16 no MBGR. A sensibilidade mostrou-se reduzida no ápice
para as bochechas(3), sendo solicitada contração das bochechas
da língua, tendo a paciente relatado não sentir a parte apical da
pressionando-se o bulbo com força máxima durante dois segundos.
língua, realizando todos os movimentos com o dorso lingual.
Todas as avaliações e medições foram realizadas por uma mesma
O tônus lingual encontrou-se diminuído. Verificou-se também
fonoaudióloga especialista em Motricidade Orofacial, a qual
diminuição grave da força do terço anterior da língua na tarefa
também participou do processo de reabilitação da paciente.
de contrarresistência, conforme mostra a Figura 1.
Para cada uma dessas medições, foram obtidas três medidas
Na fala, a paciente apresentava dificuldade na produção dos
com intervalos de 30 segundos e considerado o maior valor.
fones vibrantes e linguoalveolares. Tais fones eram realizados
de forma adaptada, havendo contato do dorso da língua com As medições de pressão da língua e das bochechas foram
alvéolo e ausência de movimentação do ápice da língua. realizadas em quatro momentos: na avaliação, na oitava
A quantificação da pressão lingual foi realizada por meio do semana, na 12a semana de intervenção e após seis meses da
IOPI. Foram realizadas medidas das pressões anterior e posterior alta fonoaudiológica.
de língua na elevação, pressão de língua durante a lateralização Na avaliação da pressão de língua realizada com IOPI na
para direita e para esquerda e durante a protrusão. Para medir primeira sessão (Tabela 1), verificou-se redução nos valores
a pressão anterior da língua na elevação, o bulbo do IOPI foi obtidos em todas as direções medidas, em comparação aos
posicionado sobre a língua, logo atrás dos dentes incisivos e, padrões de normalidade(3,14). Observou-se, ainda, assimetria
caracterizada por valores mais reduzidos à esquerda e valores
semelhantes de pressão nas regiões anterior e posterior da língua,
com provável auxílio do dorso na medição anterior, conforme
relato da paciente.

Tabela 1. Valores de pressão de língua, em kPa, obtidos ao longo do


tratamento
6
8a 12a meses
Medições Início
semana semana após
alta
Elevação anterior (kPa) 14 18 19 24
Elevação posterior (kPa) 14 15 15 14
Lateralização direita (kPa) 27 29 38 40
Lateralização esquerda (kPa) 13 20 23 42
Protrusão (kPa) 17 38 45 43
Bochecha direita (kPa) 20 20 22 18
Bochecha esquerda (kPa) 15 13 15 14
Figura 1. Avaliação da força de língua antes do tratamento Legenda: kPa: quilopascal

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Foram realizadas 11 sessões de terapia com frequência configurados na primeira avaliação: 1 Newton de força e um
semanal. Nas sessões foram propostas estratégias de biofeedback. segundo de sustentação da contração muscular.
Em cada sessão, a paciente realizava atividades utilizando um A paciente foi orientada a realizar em casa, três vezes ao
instrumento intraoral, conectado ao computador, que funcionava dia, os seguintes exercícios: pressão da ponta de língua contra
como joystick acionado pela própria língua (Figura 2). Optou-se espátula posicionada entre pré-molares superiores e inferiores,
pelo uso dessa ferramenta para incluir nas terapias um desafio três séries de dez segundos; retração exagerada de língua, três
que motivasse a paciente. séries de dez movimentos; três séries de afilamento de língua de
As atividades consistiam em alvos (frutas) que apareciam dez segundos; pressão de ponta de língua no palato, três séries
em quatro regiões da tela do computador (direita, esquerda, para de dez segundos; exercício isotônico de tocar a língua no lábio
cima e para baixo) e deviam ser alcançados quando a paciente superior, no lábio inferior e na comissura labial direita e na
realizava o movimento com a língua e mantinha-o por alguns esquerda de maneira alternada e repetida em dez séries. O feedback
segundos. Nas primeiras cinco sessões para mover o joystick, dos exercícios realizados em casa era visual, tendo-se utilizado
era necessário 0,5 Newton de força, na sexta e na sétima sessão, o espelho. Solicitou-se à paciente que a pressão realizada pela
1 Newton de força e, a partir da oitava sessão, 2 Newton de língua nas tarefas contra resistência fosse a maior possível, sem
força. A duração da contração muscular iniciou‑se em um que houvesse deformação do terço anterior da língua.
segundo e foi aumentada gradativamente até cinco segundos para Quanto às demais alterações, a paciente recebeu orientações
cada nível de força ao longo do tratamento. Foram realizados para eliminar hábitos inadequados quanto à postura da língua e
12 movimentos em cada sessão, sendo três para cada direção. foi encaminhada para avaliação multidisciplinar especializada
Na sexta, sétima e décima sessões, a paciente realizou a atividade em articulação temporomandibular. Concomitantemente ao
mais de uma vez, conforme mostrado na Tabela 2. Na oitava treino mioterápico, nas sessões foram realizadas estratégias
e décima segunda sessões, a paciente foi reavaliada quanto ao de terapia miofuncional com treino dos pontos articulatórios
seu desempenho no jogo, utilizando-se os mesmos parâmetros dos fones alterados.
Após oito sessões terapêuticas, em relação à elevação de ápice,
houve melhora de 28,6%. Já a elevação do dorso melhorou 7,1%.
Quanto à protrusão, houve melhora de 123,5%. Nas medidas
de lateralizações esquerda e direita, os valores aumentaram
53,8% e 7,4%, respectivamente. Após 12 sessões, percebeu-se
melhora, em relação à avaliação inicial, de 35,7%, 7,1%, 164,7%,
76,9% e 40,7%, para elevações de ápice, de dorso, protrusão,
lateralizações esquerda e direita, respectivamente. Os valores
das pressões medidas encontram-se na Tabela 1.
Apesar do aumento, os valores preconizados na literatura
como normalidade para o sexo e a idade não foram atingidos com
12 sessões, como pode ser visto na Figura 3. Houve melhora nítida
no tempo de sustentação da contração e a paciente conseguiu
manter pressão de ápice no palato sem deformação (Figura 4), o
que não foi possível antes. A pressão das bochechas permaneceu
praticamente constante ao longo das medições, sendo o lado
esquerdo mais reduzido.
Figura 2. Instrumento (joystick) acionado pela língua O desempenho da paciente nos jogos também teve notável
melhora. Na primeira avaliação, levou, em média, 23,9 segundos
Tabela 2. Força e duração da contração muscular da língua nas para alcançar os alvos que exigiam 0,5 Newton de força e
atividades de biofeedback ao longo do tratamento
um segundo de sustentação. Alvos com os mesmos níveis de
Duração da
Sessão Força (N)
contração (s) força e tempo de sustentação da contração foram alcançados
1ª 0,5 1 com apenas 1,9 e 2 segundos, em média, na segunda e terceira
2ª 0,5 2 avaliações, respectivamente.
3ª 0,5 3 Após 12 sessões de terapia fonoaudiológica, a paciente
4ª 0,5 4 apresentou melhora em todos os aspectos avaliados inicialmente.
5ª 0,5 5 Houve melhora considerável na mobilidade da língua durante
6ª 1 1, 2 e 3 a mastigação e a fala, tendo sido referido por ela menos
7ª 1 4e5 dificuldade em produzir fones vibrantes e linguoalveolares.
8ª 2 1 Tais fones passaram a ser produzidos com ápice da língua e
9ª 2 2 ponto articulatório correto. O exame de mobilidade da língua
10ª 2 3e4 no MBGR pontuou 0 em 16. Os sinais e sintomas de alterações
11ª 2 5 na articulação temporomandibular desapareceram e a paciente
Legenda: N: Newton; s: segundo recebeu alta fonoaudiológica.

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Figura 3. Gráfico das medidas de pressão de língua ao longo do tratamento e valores de normalidade(3,14)

alterações da língua apresentadas pela paciente (diminuição


grave de força do terço anterior, incoordenação do movimento
e postura rebaixada) não podem ser explicadas pelo quadro de
paralisia facial. O que a literatura refere é o aumento da utilização
da língua em indivíduos com paralisia facial, especialmente
para o lado paralisado como compensação para retirada de
resíduos no vestíbulo oral(15). A paciente também não apresenta
distúrbios neurológicos nem musculares de caráter degenerativo
ou progressivo que possam explicar as alterações linguais.
Na avaliação da pressão da língua, realizada na primeira
sessão, observaram-se valores reduzidos em todas as direções(3).
Houve assimetria de força das bochechas, com o lado esquerdo
apresentando menos pressão, por provável consequência da
paralisia facial periférica.
No presente estudo, a paciente apresentou ganhos na força
lingual após oito e 12 semanas de treinamento com exercícios
Figura 4. Reavaliação da força de língua na 12a sessão de contrarresistência, o que corrobora a literatura. Um estudo
realizado com idosos saudáveis(18) verificou aumento significativo
da pressão lingual após oito semanas de treino por meio de
DISCUSSÃO exercícios de contrarresistência. Em pesquisa subsequente, a
equipe de Robbins et al.(11) verificou aumento significativo das
Trata-se do caso clínico de uma paciente acometida por paralisia pressões máximas isométricas medidas pelo IOPI nas partes
facial periférica à esquerda. Como consequência da paralisia anterior e posterior da língua, na quarta e na oitava semanas de
facial, a literatura refere mastigação unilateral contralateral ao treino, por meio de exercícios de contrarresistência em pacientes
lado paralisado em razão de limitações funcionais decorrentes disfágicos após acidente vascular cerebral. Em indivíduos
da flacidez do músculo bucinador e da incompetência labial do saudáveis, observou-se aumento da pressão lingual após um
mesmo lado(13,15), podendo ser esse padrão mastigatório fator período de treino de nove semanas(3).
desencadeante de disfunção temporomandibular(16). Os ganhos observados na presente pesquisa na oitava
Sassi et al.(17) verificaram redução na amplitude de semana (28,6% para elevação anterior, 7,1% para elevação do
movimentação mandibular de indivíduos acometidos por paralisia dorso, 123,5% na protrusão, 7,4% e 53,8% nas lateralizações
facial, nas provas de abertura de boca, lateralização e protrusão direita e esquerda, respectivamente) foram maiores do que os
mandibulares, e sugerem que provas de funcionalidade da ATM achados da literatura, provavelmente pela redução grave de
sejam incorporadas à avaliação da paralisia facial. Embora a força encontrada na avaliação inicial da paciente.
paciente não apresentasse mastigação unilateral na reavaliação, Um estudo prévio(3) verificou aumento de 6% na elevação,
tal padrão foi observado durante quadro de paralisia facial e 13,4% na protrusão e 26,6% na lateralização, respectivamente,
pode ter contribuído para os achados relacionados à ATM. Já as após nove semanas de treino. Em outro trabalho(19), verificou‑se

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aumento de 12% na pressão de elevação da língua em indivíduos a manutenção do tônus lingual. Contudo, por se tratar de um
jovens saudáveis, após quatro semanas de treino, com relato de caso, os dados não podem ser generalizados. A paciente
exercícios de contrarressitência. Destaca-se o fato de que esses do estudo foi assídua e comprometida com o tratamento, o que
autores realizaram a pesquisa com indivíduos saudáveis sem contribuiu para o sucesso terapêutico. Uma limitação desse
comprometimento de força, por isso os resultados não podem estudo foi o fato de a fonoaudióloga responsável pela avaliação e
ser diretamente comparados. O estudo que mensurou o ganho reavaliações ter participado também do processo de reabilitação
de força em pacientes disfágicos em decorrência de acidente da paciente. Outra limitação refere-se à ausência na literatura
vascular cerebral verificou aumento de 63% na pressão de de estudos realizados com indivíduos de mesmo diagnóstico,
elevação da língua anterior e 76% posterior, na quarta semana o que culminou na utilização de dados obtidos com outras
de treinamento(11), o que indica que ganhos maiores são obtidos populações para comparação.
para casos mais alterados.
Outro fator que se difere entre a presente pesquisa e os CONCLUSÃO
estudos que mensuraram a pressão lingual antes e após um
período de treino foi a frequência de realização dos exercícios. Houve evolução na força da língua, perceptível clinicamente
Robbins et al.(18) conduziram um programa com 30 exercícios, e comprovada por meio da medição da pressão, após um
realizados três vezes por dia, durante três dias na semana. período de 12 semanas de terapia com biofeedback e exercícios
Robbins et al.(11) realizaram um protocolo de treino com dez miofuncionais.
repetições de exercícios, três vezes ao dia, três dias por semana.
No protocolo de Clark et al.(3), os participantes realizaram três REFERÊNCIAS
séries de dez repetições do exercício por dia, sete dias por semana.
1. Gilbert RJ, Napadow VJ, Gaige TA, Wedeen VJ. Anatomical basis of
No estudo de Lazarus et al.(19), os participantes treinaram cinco
lingual hydrostatic deformation. J Exp Biol. 2007;210(23):4069-82. http://
dias por semana. Já no presente estudo, a participante realizou dx.doi.org/10.1242/jeb.007096. PMid:18025008.
os exercícios diariamente, três vezes ao dia, o que pode ter 2. Kier WM, Smith KK. Tongues, tentacles and trunks: the biomechanics and
contribuído para o elevado ganho de força. movement of muscular hydrostats. Zool J Linn Soc. 1985;83(4):307-24.
As medidas de pressão de bochechas não receberam treinamento http://dx.doi.org/10.1111/j.1096-3642.1985.tb01178.x.
muscular nem se alteraram ao longo do período de terapia, mesmo 3. Clark HM, O’Brien K, Calleja A, Corrie SN. Effects of directional exercise
com o aprendizado motor, sugerindo que o aumento de força on lingual strength. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(4):1034-47. http://
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observado na língua não deve ser atribuído somente ao efeito do
4. Pittman LJ, Bailey EF. Genioglossus and intrinsic electromyographic
aprendizado motor por sucessivas avaliações. Na reavaliação após activities in impeded and unimpeded protrusion tasks. J Neurophysiol.
seis meses da alta fonoaudiológica, esperava-se diminuição dos 2009;101(1):276-82. http://dx.doi.org/10.1152/jn.91065.2008. PMid:18987117.
valores de pressão(3), mas o que houve foi aumento nas medidas 5. Marchesan IQ, Berretin-Félix G, Genaro KF. MBGR protocol of myofunctional
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e esquerda, indicando que a paciente, além de ter conseguido 6. SBFa: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Comitê de Motricidade
manter o tônus lingual por meio da adequação das funções, Orafacial [Internet]. Vocabulário técnico - cientifico em motricidade
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aumentou ainda mais os valores, embora estes ainda não tenham br/portal/pdf/dicionario_mfo.pdf
alcançado o padrão de normalidade encontrado na literatura.
7. Rezende BA, Furlan RMMM, Las Casas EB, Motta AR. Avaliação clínica
O instrumento utilizado como recurso de biofeedback nas da língua em adultos jovens. Rev CEFAC. 2016;18(3):559-67. http://dx.doi.
sessões mostrou ser uma alternativa efetiva para a paciente, uma org/10.1590/1982-021620161832516.
vez que a motivou para o treino em casa, a fim de conseguir 8. Araújo TG, Rodrigues TM, Furlan RMMM, Las Casas EB, Motta AR.
sucesso em desafios com maior nível de dificuldade a cada sessão. Avaliação da reprodutibilidade de um instrumento para medição da força
axial da língua. CoDAS. 2018;30(3):1-7. http://dx.doi.org/10.1590/2317-
A literatura aponta que os jogos computacionais constituem um
1782/20182017191.
importante recurso motivacional para pacientes em reabilitação
9. Doebelin EO. Measurement systems, application and design. 5th ed. New
e podem ser realizados com pacientes de qualquer idade. York: McGraw Hill; 2004.
Por aumentarem a adesão dos pacientes ao tratamento, estão 10. Stierwalt JAG, Youmans SR. Tongue measures in individuals with normal
sendo cada vez mais explorados nos programas de treinamento and impaired swallowing. Am J Speech Lang Pathol. 2007;16(2):148-56.
motor(20). http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2007/019). PMid:17456893.
É importante ressaltar que o recurso de biofeedback apenas 11. Robbins J, Kays SA, Gangnon RE, Hind JÁ, Hewitt AL, Gentry LR, et al.
foi utilizado durante as sessões, portanto atribui-se melhora da The effects of lingual exercise in stroke patients with dysphagia. Arch Phys
Med Rehabil. 2007;88(2):150-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.apmr.2006.11.002.
força lingual ao treino diário realizado pela paciente em casa PMid:17270511.
com os exercícios tradicionais. Entretanto, seu papel indireto na 12. Freitas GS, Mituuti CT, Furkim AM, Busanello-Stella AR, Stefani FM,
motivação, com possibilidade de quantificar a melhora a cada Arone MMAS, et al. Electromyography biofeedback in the treatment of
semana, foi fundamental para o sucesso, segundo ela. neurogenic orofacial disorders: systematic review of the literature. Audiol
Os resultados desta pesquisa mostram a efetividade da Commun Res. 2016;21:e1671. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2016-
1671.
terapia miofuncional orofacial. A mioterapia proporcionou
13. Goffi-Gomez MVS, Vasconcelos LGE, Bernardes DFF. Intervenção
melhora do tônus da língua, importante para a manutenção de fonoaudiológica na paralisia facial. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi
uma postura habitual adequada, enquanto a terapia miofuncional SCO, organizadores. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 2004.
propiciou equilíbrio nas funções, o que também contribui para p. 512-26.

Maia et al. CoDAS 2019;31(5):e20180163 DOI: 10.1590/2317-1782/20182018163 6/7


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and posteromedian tongue by healthy young adults. J Speech Lang Hear 19. Lazarus C, Logemann JA, Huang CF, Rademaker AW. Effects of two
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eletromiográfica e ultrassonográfica do músculo masseter em indivíduos AVM, RMMMF, KOM, MSA, AMM e ARM foram responsáveis pela concepção
com paralisia facial periférica unilateral. Arq Int Otorrinolaringol. e delineamento do estudo. AVM, RMMMF, KOM e MSA realizaram a coleta,
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18. Robbins J, Gangnon RE, Shannon MT, Kays SA, Hewitt AL, Hind JA. The trabalho, supervisionando o projeto de pesquisa, a análise dos dados e a
effects of lingual exercise on swallowing in older adults. J Am Geriatr Soc. redação do manuscrito.

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