Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
PISTAS DENTRO DE UM
PROCESSO DE CRIAÇÃO
CÊNICA PELO MAR DE
CARLOS ALBERTO DOLES JUNIOR
RUAS E PRAÇAS
MARCELO RAMOS LAZZARATTO
Palavras-chave:
Deriva; Processos Criativos; Teatro de
Rua.
A Deriva e Suas Pistas Dentro de um
Processo de Criação Cênica Pelo Mar de
Ruas e Praças
89
pitágoras 500 || volume x || 2016
90
pitágoras 500 || volume x || 2016
91
pitágoras 500 || volume x || 2016
92
pitágoras 500 || volume x || 2016
93
pitágoras 500 || volume x || 2016
Parece que essa visita nos apresenta já estava iniciada há tempos. Esses textos foram
novas noções da organização, percebidas trocados entre nós. O que eu havia escrito foi
por André Carreira em seus estudos sobre lido por outros olhos e escutado por outros
A Cidade como Dramaturgia e o Teatro de ouvidos. Também foram compartilhados os
Invasão. Novas pistas parecem chegar dentro locais escolhidos. Um navegante apresentava
de garrafas em pleno mar aberto: a outro o seu local. Chegamos à provocação
final desse grande circuito de derivas: cada
navegante deveria escolher um local (o seu, que
já havia reconhecido, ou outro, escolhido por
É interessante poder pensar a presença
outro navegador, que talvez lhe parecesse mais
extra-cotidiana do teatro na rua como
inusitado e cheio de novidades) para realizar
um estímulo a uma desordem que
se aproxima de projetos de Deriva uma situação, propor um acontecimento com
(DEBORD). Kevin Linch em seu livro base nas questões impressas em seu texto e nos
de 1960 A imagem da cidade observava textos compartilhados. Ou seja, cada navegante
que “perder-se completamente talvez tinha em mãos uma série de possibilidades, de
seja uma experiência bastante rara direções e escolhas a serem feitas sem critérios
para a maioria das pessoas que vivem estabelecidos. Percebo aí um deslocamento do
na cidade moderna”. Essa dificuldade estado de Deriva do âmbito espacial para o do
está relacionada com os processos de procedimento de criação.
orientação característicos das cidades
contemporâneas, que buscam diminuir
Agora, cada integrante da equipe de
ao máximo as margens para o acaso
navegadores, ainda em Deriva, teria o tempo
e a deriva. O comportamento da
deriva identificado por Guy Debord de uma semana para elaborar procedimentos,
representa sempre uma ameaça às disparadores, lógicas, elementos cênicos, etc.
lógicas ordenadoras que aparentemente, para o seu acontecimento, para a sua situação
dão forma à cidade. Reconhecer a que iria ser presenciada por toda a equipe e por
imprevisibilidade significa aceitar a quem mais por ali estivesse.
possibilidade, ainda que momentânea, de
uma completa inversão de papéis sociais,
e até mesmo da desorganização da ordem
estabelecida. (CARREIRA, 2007, p.04) >A Deriva que gera Situações ainda à Deriva
94
pitágoras 500 || volume x || 2016
também existe uma tensa relação no que gerar novos eixos, novas fórmulas cristalizadas
entendemos como acaso, que parece ser tão e pré-definidas que nada têm a ver com o próprio
inerente ao processo de Deriva na rua, mas acaso, abortando assim a espontaneidade do
talvez não seja. Quem percebe essa tensão processo. Então, a Menina Crespa diz que
em relação ao termo e suas sensações é a precisamos estar atentos para não deixar o
navegante dos cabelos Cacheados. Olha só – estado de Deriva dissolver, precisamos nos
diz ela – existe um perigo na relação com o manter atentos na presença, ouvindo e vendo
acaso, escutem isso. Foi quando nos leu em de verdade o espaço, as pessoas, abrindo
voz alta uma pista encontrada na teoria da brechas reais em nossa percepção para a
Deriva: composição. Todos concordamos com sua
afirmação, mas no fundo brotava ali mais uma
questão provocadora: Como se manter assim?
Achamos melhor voltar à prática e deixar que
O acaso ainda tem importante papel na a ação de estar em experiência nos indicasse
deriva porque a observação psicogeográfica caminhos, que já sabíamos não serem exatos.
não está de todo consolidada. Mas a ação
do acaso é naturalmente conservadora e
tende, num novo contexto, a reduzir tudo
Voltamos, então, ao preparo das
a alternância de um número limitado de situações nos espaços escolhidos, buscando
variantes e ao hábito. Como o progresso manter o estado de Deriva, descoberto,
consistirá, pela criação de novas condições discutido e até desconfiado por todos nós.
mais favoráveis a nosso desígnio, na Uma proposição e vários possíveis rumos a
ruptura de um dos campos onde ocorre o serem tomados pelos atores navegadores, era
acaso, é possível afirmar que os acasos da o que tínhamos em nosso barco. Coloco-me
deriva são fundamentalmente diferentes neste jogo junto com toda a tripulação. Eu
dos do passeio, e que os primeiros atrativos que derivei com eles, que também escolhi um
psicogeográficos descobertos correm o risco lugar por algum tipo misterioso de afetação,
de fixar o sujeito ou o grupo derivante
que escrevi, li escritos inspiradores, que
em torno de novos eixos habituais, para
os quais tudo os leva constantemente.
encontrei no espaço à Deriva derivações para
(DEBORD, 1957. In: JACQUES, 2003, a criação. Junto todo esse material e busco,
p.88) intuitivamente, colocar-me em processo
criativo. Penso, escrevo, formato.
95
pitágoras 500 || volume x || 2016
96
pitágoras 500 || volume x || 2016
97
pitágoras 500 || volume x || 2016
98
pitágoras 500 || volume x || 2016
com o rumo das experiências, indica- Não há preparação - ensaio - que possa
nos a pista exata, dizendo que programas responder, do ponto de vista da tarefa
performativos são “um conjunto de ações interpretativa, a todas as variáveis que
previamente estipuladas, claramente necessariamente funcionarão no momento
da “invasão”. Consequentemente, o
articuladas e conceitualmente polidas a ser
trabalho do ator que se prepara para
realizado pelo artista, pelo público ou por
“invadir” não deverá supor a plena
ambos sem ensaio prévio” (FABIÃO, 2013, p. realização no projeto dos ensaios, mas
04). Neste momento o navegador Alto Forte, o construir um instrumental que se defina
mais novo entre nós, que vem estudando com pela capacidade da adaptabilidade.
grande afinco os conceitos de Performance (CARREIRA, 2007, p.05)
em um curso de formação, percebe que esse
procedimento, apesar de, até certo ponto, ser
planejado com antecedência, ainda propicia
um estado de Deriva em sua execução, pois
não há ensaio. A Ruiva interfere dizendo Pertencer, fazer parte, estar em estado
que mesmo não tendo ensaiado, se este ator criativo, com escuta dilatada. A Deriva
não se colocar em estado de jogo, de escuta deslocada para a criação teatral na rua, para
e percepção, a Deriva pode não acontecer: o Teatro de Invasão, para a cidade como
creio que a Deriva acaba quando o ator se dramaturgia, parece-nos um procedimento
fecha nos preceitos que preparou; na ânsia bem atraente, de múltiplas possibilidades
de só executar o planejado da maneira e desdobramentos, ainda mais quando
planejada. Eu acredito – continua a Ruiva correlacionada com as pistas dos Programas
– que esse tipo de relação não condiz muito Performativos que poderão ampliar o
com o criar na rua na perspectiva que campo de experiência do ator em curso de
pretendemos. E só falo isso por perceber pesquisa criativa, abrindo a ele novas rotas
uma profunda diferença em mim, no meu com “outras temporalidades, materialidades,
corpo e na minha ação quando busco estar metafisicalidades, experimentando mudanças
em jogo com o todo e sinto essa diferença de hábitos psicofísicos, registro de raciocínios
por já ter passado por experiências na rua e circulações energéticas; acessado dimensões
onde o que me importava era dar conta do pessoais, politicas e relacionais” (FABIÃO,
que eu tinha proposto e da maneira como 2013, p.08).
havia planejado e se algo estranho a isso
ocorresse e modificasse o rumo da ação, eu Parece que esse tipo de espaço é deveras
encarava essa situação como erro e desvio de instigante para a criação, experimentação
rota. Hoje – conclui – percebo que o desvio e realização artística. Esse é um pequeno
de rota pode ser um importante material e consenso dessa equipe de navegantes em
caminho para mim. pleno mar. E talvez o mar seja, por enquanto,
uma metáfora adequada para nosso campo,
Então me coloco na discussão: para esse espaço inóspito da rua; A Deriva é
Eleonora diz que o navegante em curso, um disparador eficaz para esses navegantes
através dos procedimentos dos Programas que começam a entender (no sentido mais
Performativos, “suspende o que há de variável da palavra entendimento) seus fluxos
automatismo, hábito, mecânica e passividade inconstantes. De fato, é um perder-se para
no ato de ‘pertencer’ – pertencer ao mundo, poder se achar. É uma tentativa incessante
pertencer ao mundo da arte e pertencer ao de dilatação do olhar e do ouvir para não
mundo estritamente como ‘arte’” (FABIÂO, “ignorar a fala da cidade que se expressa pela
2013, p.05). E ainda recorro a Carreira articulação do desenho dos edifícios, das vias,
quando fala dos desafios no processo criativo de seus pontos nodais, bem como do fluxo e
no Teatro de Invasão: do repertório dos usos sociais” (CARREIRA,
2007, p.03).
99
pitágoras 500 || 10ª edição || 2016
Em tempo continuamos em
navegação, eu, o Capitão provisório, e os
outros seis tripulantes, em busca de mais
pistas para esse ator em ato criativo em pleno
mar aberto das praças, asfaltos, passantes,
ocupantes e postes.
100
pitágoras 500 || 10ª edição || 2016
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
>Livros
>Publicação On-line
ABSTRACT
KEYWORDS
101