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Nome: Flávia Barretto Corrêa

N. USP: 5672931
Literatura das Origens – Maurício Dias
Período: Matutino

O “manifesto” do Dolce Stil Novo: Al cor gentil ripara sempre Amore

Federico Svevia, que pode ser considerado o primeiro grande monarca


laico, influenciou de maneira positiva o desenvolvimento da escola siciliana, já
que foi em torno dele e pelo seu apoio e incentivo que se formou um dos
centros mais produtivos intelectualmente da época.
A escola siciliana, nascida na corte de Federico, deu início à chamada
literatura de arte e ao processo de elevação do dialeto à língua, a tentativa de
se criar um italiano vulgar ilustre, pois a língua deveria ser ilustre, escrita,
literária e vulgar. Para isso, eles se utilizaram do siciliano literário entrelaçado
com o provençal (língua d’oc) e o latim.
Essa preocupação com a adequação da língua era também uma
preocupação de Dante; em seu ensaio De vulgari eloquentia, ele aponta que as
canções excelentes devem ser escritas em vulgar, de acordo com sua
grandeza e importância, ou seja, temas de alta grandeza devem ser escritos
com uma linguagem à altura. Por exemplo, a tragédia deve ser escrita em
vulgar ilustre; a comédia deve ser escrita em vulgar mediocre ou humilde; e a
elegia em vulgar humilde.
Um dos grandes problemas para a análise dos textos da escola siciliana
é que boa parte dos manuscritos encontrados foram “toscanizados” pelos
monges que os copiaram. A rima siciliana foi modificada, e até mesmo Dante a
criticou sem considerar essa toscanização.
Após a morte de Federico II, a escola siciliana acaba se enfraquecendo
e se mantém com alguns poetas toscanos, que se adaptaram, usando seu
próprio vulgar. A poesia cortês toscana tinha um cunho mais elitista, em favor
da burguesia. A língua cumpria seu papel de língua superior, pois a região era
muito próspera, ou seja, a língua era usada para se reconhecer a autoridade na
linguagem de Firenze, que usava o vulgar em seu sistema educacional. Esta
escola foi um elo entre a escola siciliana e o dolce stil novo, apesar de não se
utilizar das inovações já introduzidas por Guinizzelli.1
O Dolce Stil Novo foi um movimento nascido em Bologna, um “nuovo
modo di fare poesia, basato su scelte linguistiche eleganti, armoiose,
equilibrate, in contrasto con le oscurità e le durezze (...) della poesia cortese
precedente”2. Foi escrito com um fiorentino culto e refinado, dirigido a um
público específico; sua primeira menção foi no Purgatório na Divina Comédia
de Dante. Foi Dante quem cunhou o termo “dolce stil novo”, onde “dolce” se
refere ao tema sentimental e à expressão musical; “stile” sendo uma maneira
não convencional, mas pessoal e genuína de expressão; e “novo”aponta para a
superação das velhas formas do fazer poético.3
Como lembra Giuliano Procacci, a novidade desta escola “consistette
essenzialmente in una decantazione e raffinamento dello strumento linguistico
e nell’arricchiamento dei contenuti poetici che, pur rimanendo strettamente
legati al tema dell’amore e della donna, si “materiarono” anche di discussioni
filosofiche e morali attinte dalla cultura dell’epoca.”4
O amor, para essa nova escola, torna-se menos áulico e feudal, mais
humano e místico. Ele é visto agora como inspiração e dá ao amante uma força
interior mais humana, despertando a imagem de uma mulher cuja beleza
espiritual é a manifestação divina, a qual demonstra a presença de Deus entre
os seres humanos. O amor é visto como virtude interior que se identifica com a
nobreza espiritual, enquanto a beleza feminina e a presença da sua imagem no
mundo e na fantasia lírica, vêm transmitidas pelo divino, conquistando, assim, o
valor semelhante ao da fé.5
Guido Guinizzelli, o pioneiro nesse estilo, nasceu em Bologna, por volta
de 1230, filho de um juiz, embebido de cultura clássica e ele também juiz, foi
condenado ao exílio, fugiu para Monselice e ali ficou até a sua morte, em 1276.
Guinizzelli pensava em atribuir à experiência e à função da poesia uma
consciência intelectual e uma finalidade de revelação interior. Desejava

1
Armellini, Guido; Colombo, Adriano. La letteratura italiana – Duocento e Trecento. Zanichelli: 1991,
pág.1 61.
2
Idem, pág. 172.
3
Gustavo Rodolfo Ceriello. I rimatori del Dolce stil novo. RCS Libri: 2003, Milano, pág, 06.
4
Giuliano Procacci. Storia degli italiani. Laterza: 1991, p. 62
5
Salvatore Battaglia. La letteratura italiana. Medioevo e Umanesimo. Sansoni-Accademia: s/d, pág. 103.
redefinir uma aristocracia espiritual laica e literária, fundada exclusivamente na
consciência individual.
A célebre canção Al cor gentil ripara sempre Amore, reúne os principais
elementos do dolce stil novo, por isso é chamada por alguns como o manifesto
dessa escola. Faremos, então, uma breve análise baseada nos textos teóricos
que versam sobre essa canção relacionando-a com as características do
stilnovismo. A versão do poema usada para a análise será aquela encontrada
no livro I rimatori del Dolce stil novo, já referido anteriormente.
Nessa canção, já vemos logo no início a relação entre o amor e o
coração virtuoso. Um está para o outro numa relação intrínseca assim como o
abrigo das aves está na selva. Os dois nasceram juntos : “né gentil core anti
ch’Amor natura”. O amor habita no coração virtuoso assim como o calor está
na claridade do fogo: “e prende Amore in gentilezza loco/ così propriamente/
come colore in clarità di foco”.
Assim como as estrelas e as pedras preciosas têm o seu valor e estão
na natureza, é só por ela (a natureza) que existe a possibilidade do amor entre
um homem e uma mulher. O amor está no coração gentil pela mesma razão
que a chama resplandece; ele não poderia estar em outro lugar.
Guido faz várias comparações com o coração virtuoso e a natureza,
assim como em um tratado e filosofia, utilizando exemplos das pedras
preciosas, da astronomia, para dar à sua idéia de amor, um sentido universal,
compreensível.
Logo adiante, vemos a teoria de que a nobreza não é questão de
sangue, de hereditariedade, nem de classe social, mas sim dos valores, da
virtude, que traz cada pessoa. O autor faz ainda uma série de críticas ao nobre
de nascimento que se acha gentil, virtuoso, apenas pelo direito hereditário. Ele
é comparado à lama a qual o sol fere todos os dias:
Fere lo sole il fango tutto’l giorno,
vile riman, né ‘l sol perde calore.
Dice omo altier: gentil per schiatta torno;
lui sembro al fango, al sol gentil valore.
Ché non de’ dare om fede
che gentilezza sia, for di coraggio,
in dignità di rede,
se da vertute non ha gentil core:
com’aigua porta raggio,
e ‘l ciel ritèn le stelle e lo splendore.

Na quinta estrofe há uma comparação entre de caráter místico, digamos


assim. Assim como os anjos admiram e reconhecem o valor de Deus,
obedecendo-o por toda a sua criação, assim também faz o homem, no
momento em que vê a bella donna: “così dar dovria il vero/ la bella donna, poi
che ‘n gli occhi splende,/ de ‘l suo gentil talento,/ chi mai da le’ ubidir non si
disprende.”
Nesse texto vemos também a concepção de mulher angelical,
inalcançável, que só pode contemplada e nunca tocada: “Dir li potrò: tenea
d’angel sembianza/ che fosse del tu’ regno;/ non mi fu fallo, s’eo li posi amanza”
Como lembra Erich Auerbach “Todos os poetas do stil nuovo tinham uma bem-
amada mística. Todos tinham, grosso modo, as mesmas fantásticas aventuras
amorosas. Os dons que Amor lhes concedia (ou negava) tinham mais em
comum com uma iluminação do que com o prazer sensual.”6

6
Erich Auerbach. Dante, poeta do mundo secular. Trad. Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro. Topbooks, 1997,
pág. 81

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