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FILHOS

E FILHAS
DE UM
PEREGRINO
Rumo a uma teologia das migrações

Alberto Ares Mateos, SJ

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FILHOS
E FILHAS
DE UM
PEREGRINO
Rumo a uma teologia das migrações

Alberto Ares Mateos, SJ


Tradução | Isabel Pérez Alves53

Alberto Ares Mateos é jesuíta, doutor em Migrações Internacio-


nais e Cooperação para o Desenvolvimento. Tem acompanhado
comunidades migrantes em vários lugares do mundo. Foi diretor
da fundação Rede Íncola em Valladolid e do Centro Pueblos Uni-
dos de Madrid. Especializou-se em Ética Social, em Economia e
Teologia. Atualmente é diretor do Instituto Universitário de Estu-
dos sobre Migrações (IUEM) da Universidade Pontifícia Comillas
e adjunto à coordenação do Serviço Jesuíta a Migrantes Espanha.
É autor do livro La rueca migratoria: tejiendo historias e experiencias
de integración (2017).

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1. INTRODUÇÃO

A realidade migratória, em quanto “sinal dos tempos”, precisa ser


apropriada mais profundamente pela reflexão teológica. A Teo-
logia das migrações é uma disciplina que começa a se tematizar
nas últimas décadas dentro da reflexão teológica, mas devemos
achar suas raízes nas origens da compreensão do Povo de Deus e,
de certa forma, no nascimento da humanidade. Esta peregrina-
ção percorre a Sagrada Escritura, a tradição e o magistério.

A Bíblia se reconhece como realidade em movimento, com


experiências migratórias, de exilio, de acolhida e hospitalidade que
se inserem nas experiências fundantes do povo eleito: “O meu pai
era um arameu errante.” (Dt 26,5). Do mesmo modo, o Novo Tes-
tamento, em que o próprio Jesus se apresenta como um migrante,

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põe especial ênfase na acolhida e na fraternidade, no universalismo
e numa vida apostólica em movimento, que desborda fronteiras.
Durante os primeiros séculos, a tradição patrística inicia
uma reflexão teológica sobre o acolhimento e a hospitalidade cris-
tã, entre outros. Diversos padres apostólicos e, depois, os padres
apologistas refletem sobre as migrações a partir de perspectivas
diversas: a Epístola a Diogneto, Clemente de Roma, Didaquê, Orí-
genes, Lactâncio, Basílio, Aristides, João Crisóstomo, Gregório de
Níssa e Ambrósio. “Habitam pátrias próprias, mas como imigran-
tes (peregrinos): participam de tudo, como cidadãos, e tudo so-
frem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles uma
pátria e toda a pátria uma terra estrangeira.” (A Diogneto 5, 1.5).
Do mesmo modo, o Magistério da Igreja presta atenção à re-
alidade das migrações, mas é a partir do século XIX que se começa a
tratar de maneira especial. Do papa Leão XIII ao papa Francisco, filho
de família migrante, o Magistério eclesial tem acompanhado com dor
e sofrimento a realidade, mas também tem apresentado a riqueza e
a esperança que trazem as pessoas migrantes. É significativa a cen-
tralidade que as migrações ocupam no magistério do papa Francisco.
O contexto atual da realidade migratória e de refúgio em escala
mundial, como também o convite que recebemos de aprofundar o olhar
sobre esta mesma realidade, nos põe frente a, pelo menos, 5 encruzilha-
das: a identidade, a dignidade, a justiça, a hospitalidade e a integralidade.
Quem é minha família? Como Deus nos criou? Quando te
vimos estrangeiro e te acolhemos? Com quem é que Jesus parti-
lha a mesa? Está tudo conectado? Todas essas são questões que
seguem desafiando e animando nossa maneira de compreender e
de nos aproximar à realidade migratória.

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2. O FENÔMENO
MIGRATÓRIO COMO
“SINAL DOS TEMPOS”

O próprio Jesus, junto ao povo de Deus, continua essa pere-


grinação que começou há séculos e que se recolhe no próprio
desenvolvimento histórico do conceito de “teologia”.

Um olhar a partir de um ponto de vista teórico que nos


leva da definição clássica de teologia de Anselmo em quanto fi-
des quaerens intellectum até uma visão moderna: “reflexão crítica
sobre a práxis histórica à luz da Palavra de Deus”1. Séculos de
peregrinação e de compreensão teológica que tem nos ajudado a
amplificar nosso olhar e a crescer em profundidade para entender
a Revelação de Jesus, tentando dar testemunho da nossa fé. Essa
compreensão tem uma inclusão profunda da experiência humana
como um objeto legítimo da reflexão teológica. O próprio Karl
Rahner sugere que o conhecimento do Deus misterioso e trans-
cendente é possível graças à experiência humana:

“Somente aquilo que é experimentado, vivido e sofrido é um


saber que não sofre decepção, terminando em aborrecimen-
to e esquecimento, mas completa o coração com sabedoria
preenchida de ciência e um amor experimentado. Não o que
é excogitado, mas o que é vivido e sofrido há de completar
meu espirito e coração. E todo saber aprendido a través do
estudo não é mais que uma pequena ajuda para a experiência
da vida, única que da sabedoria para ir ao encontro do mundo
com espirito alerta e preparado.”2

Por sua vez, alguns autores, como Stephen B. Bevans, chega-


ram a afirmar que não pode se falar em teologia em abstrato, que só
existe a teologia contextual que se entende e se reflete a partir de
uma fé encarnada em um contexto vital e cultural concreto. Para este
autor, a contextualização da teologia não é uma opção que somente
seja de interesse às gentes do Terceiro Mundo, mas que é realmente
um imperativo teológico, e se encontra na mesma base do ser da teo-
logia.3 “Quando reconhecemos a importância do contexto para a teo-
logia também reconhecemos a absoluta importância do contexto para
o acontecer das Escrituras e da Tradição. Os escritos das Escrituras e
o conteúdo, práticas e sentido da tradição não caem simplesmente do
céu. Eles mesmo são produtos dos seres humanos e seus contextos.”4

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Deste modo, em cada período da história, nossa Igreja e


suas teologias são filhas de diversos contextos atravessados por
diferentes modos de pensamento ou tradições culturais. Não po-
demos falar, portanto, de teologia sem falar de um percurso ao
longo da história, de um processo marcado por uma constante
construção: “Voltando o olhar aos primeiros teólogos depois da
era neotestamentaria, veremos que eles tratavam de lhe dar sen-
tido à sua fé, porém dentro dos termos da dominante e bem pro-
pagada cultura helénica. Clemente de Alexandria, por exemplo,
fez uso da visão estoica, Orígenes usou o pensamento de Platão,
Agostinho esteve fortemente influenciado tanto por Platão como
pelos neoplatonistas de seu tempo.”5
A reflexão teológica atual, se quer realmente ser significa-
tiva para os fiéis, não pode obviar a diversidade geográfica, histó-
rica e cultural que caracteriza nosso mundo e nossa Igreja. “O que
está claro, em todo caso, é que um breve olhar para a história da
teologia revela que não tem havido nunca uma teologia original

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que se articulasse em uma torre de marfim, sem referência ou
dependência de nenhum evento, as formas de pensamento ou da
cultura do seu tempo e lugar particular.”6
Se nos aproximarmos da teologia desde uma perspectiva
epistemológica, podemos dizer que partilha dos mesmos obje-
tivos das ciências humanas e naturais, porém com uma meto-
dologia e âmbito diferentes.7 Desta forma, a teologia interpreta
criticamente a realidade social a través do referente primário da
revelação divina, com o fim de dar razão sobre nossa fé, nossa
esperança (1Pe 3,15).
Nos últimos tempos, no mundo estamos sentindo uma rea-
lidade dramática das migrações forçadas e do refúgio. Hoje em dia,
há mais de 232 milhões de pessoas migrantes, que, só para termos
uma ideia, equivaleria a ser o quinto país pais povoado do planeta.
Mais de 65 milhões são pessoas que se viram forçadas a abando-
nar seu lar por um conflito armado, por violência generalizada ou
por um desastre natural. De este número, 21 milhões são pessoas
refugiadas; 38 milhões deslocadas internas e 3,2 milhões solicitan-
tes de asilo. Lamentavelmente, o Mediterrâneo tornou-se o maior
cemitério em nível mundial, onde só em 2016 perderam a vida mais
de 5.000 pessoas. Síria é o país que gera o maior número tanto de
refugiados como de deslocados internos, seguido pelo Afeganistão,
Somália e Sudão do Sul. Longe do que é costume pensar nas nossas
sociedades ocidentais, os países em vias de desenvolvimento são
os mais solidários com as pessoas refugiadas e acolhem a 86% dos
refugiados no mundo todo. Entre estes países, é na Turquia, no Pa-
quistão no Líbano, no Irã, na Etiópia, na Jordânia e no Quênia onde
está concentrado o maior número de refugiados.8

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Há um amplo debate na opinião pública sobre a tragédia


dos refugiados e migrantes forçados. De certo modo, estamos vi-
vendo uma encruzilhada da história onde os fluxos migratórios e
a emergência humanitária estão questionando seriamente nossa
maneira de viver, de entender as relações internacionais, de gerir
a diversidade nas nossas sociedades e de oferecer uma respos-
ta clara às dramáticas situações de muitas famílias que tocam a
nossas portas:9 Até quando poderemos manter um sistema eco-
nômico que facilita a mobilidade de capital e fluxos financeiros,
mas que trava a circulação de pessoas? É viável um sistema de
produção que esgota os recursos naturais dos mais pobres pro-
duzindo por consequência sérias sequelas em nosso planeta? É
possível um sistema que reforça autoritarismo no Sul e alimenta
conflitos bélicos com a venda de armas para manter um nível de
vida no ocidente? É viável se nos leva, por sua vez, a fechar nossos
olhos e fronteiras aos milhões de pessoas que chamam à nossa
porta porque fogem desses desastres ambientais, dessas guerras
ou de situações que fazem inviável e inumana a vida digna? Como
estamos respondendo ao progressivo envelhecimento de nossas
sociedades e a gestão da diversidade que já vivemos no coração
da Europa e do mundo ocidental? Estamos aguardando que sur-
jam os conflitos para investir em integração10 ou por acaso segui-
remos alimentando o nosso medo e construindo muros cada dia
mais altos? Quando vamos reformular neste contexto a maneira
de entender a cidadania, as políticas sociais e o Estado-nação?
Neste contexto, como estamos respondendo os cristãos
a muitas destas questões e, especialmente, às necessidades de
pessoas violentadas em deixar seus lares em diferentes cantos
do mundo? Existem amplos estudos sobre os fluxos migratórios a
partir das perspectivas econômica, sociopolítica, cultural, psicoló-
gica, etc., mas um percurso bem menor na perspectiva teológica
ou pastoral. Esta pobre presença na reflexão teológica não parece
concordar com a abundante presença das migrações na Bíblia.
Encontramos histórias de mobilidade humana desde o iní-
cio: desde o chamado ao Êxodo no Egito recebido por Abraão, o
povo de Israel vagando pelo deserto na experiência do exilio, a
viagem da Sagrada Família para o Egito até a atividade missioná-
ria da Igreja... Em definitiva, a identidade do Povo de Deus está
intrinsecamente ligada a histórias de pessoas e comunidades des-
locadas, de peregrinação e de hospitalidade. Alguns teólogos sus-
tentam que “a migração é fundamental para entender a condição
humana, a pratica religiosa e a identidade cristã”.11
Portanto, o fenômeno migratório, como outros temas re-
levantes da natureza humana, representa um elemento que deve
ser levado em conta numa reflexão teológica séria e rigorosa. As

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migrações constituem um verdadeiro “sinal dos tempos”12 com


caráter estrutural em nosso mundo global, tal como reflete a encí-
clica Gaudium et Spes13, que requer um olhar profundo iluminado
pela fé14. Alguns teólogos descrevem a migração como o rosto
humano da globalização15. Essa forma de fazer teologia é a que
é conhecida como “teologia das migrações”, disciplina cujas raízes
se remetem aos inicios da Igreja e, de certo modo, às origens da
humanidade, mesmo que no conjunto da reflexão teológica não
tenha grande tradição. Esse processo ou peregrinação percorre a
Sagrada Escritura, a tradição e o magistério.

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3. A BÍBLIA, UMA REALIDADE


EM MOVIMENTO

A Bíblia apresenta a realidade migratória como um elemento


comum na história da salvação. Nos textos bíblicos o Povo de
Deus se apresenta como um povo peregrino, em movimento.

3.1 O Antigo Testamento: “O meu pai era


um arameu errante.” (Dt 26,5)
O Antigo Testamento outorga abundante doutrina e práxis
sobre as migrações e as pessoas em movimento. Por um lado, jun-
to com os órfãos e as viúvas, os migrantes constituem a trilogia tí-
pica do mundo dos marginalizados de Israel. Para eles, Deus pede
um trato digno e comespecial respeito e atenção. Por outro lado,
Israel, o povo de Deus, não só conhece o fenômeno em primeira
mão, mas se consititui como povo migrante: ““O meu pai era um
arameu errante. ” (Dt 26,5). “Conheceis o que sente o estrangeiro,
vós que fostes emigrantes no Egito.” (Ex 23,9). O período fun-
dacional de Israel tem dois marcos fundamentais em dois movi-
mentos migratórios: o exílio no Egito (Gn 42, 1-8) e o êxodo para
a terra prometida (Ex 33, 1-3). Como parte das suas normas de
comportamento, o povo de Israel tem clara a proibição de opri-
mir, explorar ou violar o direito do emigrante: “Não oprimirás o
estrangeiro ” (Ex 23,9), “não o oprimireis” (Lev 19, 34) “Não o ex-
plorareis” (Dt 23,16), ““Não violarás o direito do estrangeiro” (Dt
24,17), “Maldito o que viola o direito do estrangeiro” (Dt 27,19).
Além dos códigos de comportamento, existe um olhar rico
e uma atitude positiva perante os migrantes. Em épocas tardias,
aos estrangeiros residentes lhes era atribuído alguns atributos que
praticamente os converte em membros da comunidade, inclusive
no que se refere ao acesso à propriedade: ““Partilhareis esta terra
entre vós, segundo as tribos de Israel. Vós as distribuireis por sor-
te a vós e aos estrangeiros residentes entre vós e que têm lançado
raiz entre vós. “ (Ez 47, 21-22). Também se expressa uma atitude
de amor pelo forasteiro: “Também vós, amai o estrangeiro, por-
que fostes estrangeiros no Egito.” (Dt 10, 19) “Se um estrangeiro
vier habitar convosco na vossa terra, não o oprimireis, mas esteja
ele entre vós como um compatriota, e o amarás como a ti mes-
mo” (Lev 19, 34). Nesse sentido, a eficácia do amor se traduz na

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partilha: “Quando segares a messe no teu campo e deixares por


esquecimento algum feixe, não voltarás para levá-lo. Deixa-o para
o estrangeiro, o órfão e a viúva.” (Dt 24,19)

3.2 O novo Testamento: Jesus, o migrante


O Novo Testamento leva o antigo a toda sua plenitude. (cfr.
Mt 5,17-19). Um dos elementos centrais do Novo Testamento vis-
to a partir da realidade migratória é o fato de Jesus se apresentar
ele mesmo como um migrante. Mateus mostra a infância de Jesus
e a Sagrada Família sob uma primeira experiência cruel de emigra-
ção forçada (Mt 2, 14-15). Por sua vez, o Evangelho de Lucas nar-
ra o nascimento de jesus fora da cidade “porque não havia lugar
para eles na hospedaria” (Lc 2,7).
No estrangeiro, mais do que no próximo, o cristão contem-
pla o próprio rosto de Cristo nascido numa manjedoura e que,
como estrangeiro, foge para o Egito, assumindo e sintetizando em

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si esta experiência fundamental de seu povo (cfr. Lc 2,4-7), “ habi-
tou entre nós” (Jo 1, 11.14) e passou toda sua vida pública como
itinerante, percorrendo povos e aldeias (cf. Lc 13,22; Mt 9,35). Já
ressuscitado, mas ainda estrangeiro e desconhecido, no caminho
de Emaús apareceu a dois de seus discípulos, que o reconheceram
somente ao partir o pão. (cfr. Lc 24,35). Os Cristãos seguem, pois,
as pegadas de um viandante que “não tem onde repousar a cabe-
ça” (Mt 8,20; Lc 9,58) (Erga migrantes caritas Christi, 15)
Sua vida pública é um continuo peregrinar ao redor das
cidades do lago da Galiléia e, principalmente, em volta de Cafar-
naum, sem esquecer das suas viagens ao norte, em Tiro e Sidônia;
ao sul, para Galileia; ao leste, na Decápole, e, para além do Jordão,
na Perea. Sua experiência de desvalimento permite que Jesus po-
nha a ênfase na acolhida, na fraternidade, identificando-se com
os mais pequenos e tornando o migrante um sinal de acolhida em
seu reino: “fui peregrino e me acolhestes” (Mt 25,35)
Outro elemento da mensagem de Jesus é o universalismo.
A chegada de um Reino para todos, sem excluídos, pondo a ênfa-
se nos pagãos e nos estrangeiros. Essa característica lhe segue um
componente essencial nas curas: o bom samaritano (Lc 10, 25-
30), a mulher sirofenicia (Mc 7, 24-30), o centurião (Mt 8, 5-10) e
a mulher samaritana (Jn 4, 5-42), entre outros. A missão de Jesus
transborda as fronteiras de Israel e a ação do Espirito levará a
Boa Notícia a todos os cantos do mundo. Seus seguidores per-
petuarão esse universalismo. O próprio Pablo, por exemplo, dirá:
“Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem
nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gal 3,28).

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4. A TRADIÇÃO APOSTÓLICA,
PADRES DA IGREJA E
IMIGRAÇÃO

É possivel encontrar uma incipiente reflexão sobre a mobilida-


de humana na tradição patrística (séculos I ao VIII) Por exem-
plo, no que diz respeito à hospitalidade cristã, alguns padres
apostólicos e, mais tarde os padres apologistas começaram
uma reflexão teológica: Epístola a Diogneto, Clemente de
Roma, Didaquê, Orígenes, Lactâncio, Basílio, Aristides, João
Crisóstomo, Gregório de Níssa e Ambrósio de Milão. “Habitam
pátrias próprias, mas como imigrantes (peregrinos): partici-
pam de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangei-
ros. Toda a terra estrangeira é para eles uma pátria e toda a
pátria uma terra estrangeira. ” (A Diogneto 5, 1.5).

Em Orígenes, no comentário sobre a Epistola aos Romanos,


nos é pedido estar solícito e ativos na hospitalidade: “Esmerai-vos
na prática da hospitalidade” (RM 12,13) não só passa a ideia de
que devemos receber ao hospede que vier a nós, mas também
que o procuremos, que sejamos solícitos, que escrutemos e inda-
guemos com afã por toda parte, não vá ser que por acaso se ache
em alguma praça a dormir sem teto”.16
No século IV, João Crisóstomo prioriza a hospitalidade
frente a outras necessidades materiais: “Pensa também isto a
respeito de Cristo, quando errante e peregrino vagueia sem teto.
Não o recebes como hóspede, mas ornas o pavimento, as paredes
e os capitéis das colunas, prendes com cadeias de prata as lâm-
padas...Todos estes tesouros podem te ser tirados...; quanto faças
pelo teu irmão faminto, imigrante ou sem vestes, nem mesmo o
demônio poderá te tirar”.17
Por sua vez, santo Ambrósio de Milão propõe alguns enun-
ciados em defesa das pessoas migrantes que poderiam se aplicar
a nossos dias: “De maneira alguma devem ser aprovados aqueles
que expulsam os imigrantes em tempos de fome, quando deve-
riam ajudá-los mais. São separados da relação com o Pai comum,
lhes é negado os frutos dados a todos, são separados da comuni-
dade de vida já iniciada: em tempos de necessidade, não querem
partilhar os recursos com os que tem direitos comuns”.18
Santo Agostinho descreve que a Hospitalidade enriquece
tanto ao hospede como quem acolhe: “ninguém se orgulhe por-
que acolhe um imigrante: Cristo foi um. Melhor foi Cristo acolhido

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e socorrido que os que o acolheram e socorreram... Ninguém pois,


meus irmãos, seja soberbo quando socorre ao pobre, nem diga no
seu espirito: eu dou, ele recebe; eu o admito na minha casa, ele
não tem teto. Por acaso é mais o que tu necessitas. Tal vez é justo
aquele a quem acolhes, e ele precisa de pão, tu de verdade; ele
precisa teto e tu de céu; ele carece de dinheiro, tu de justiça”.19
Inclusive Santo Agostinho chegará a se perguntar pela sua
condição de migrante, no mundo que habitamos e que é de todos:
“Como poderias receber alguém como hospede se todos vives-
sem na sua própria pátria?”.20

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5. AS MIGRAÇÕES, UM
DESAFIO ECLESIAL: O
MAGISTÉRIO DA IGREJA

Se bem a atenção que a Igreja dedica aos imigrantes pode


ser encontrada ao longo da história, é a partir do século XIX
quando o Magistério começa a dedicar uma atenção espe-
cial a esta temática.

Leão XIII é o primeiro Papa que elabora um documento


específico sobre as migrações, autorizando a constituição de pa-
róquias nacionais, sociedades e patronatos a favor dos emigran-
tes por meio da carta Quamaerumnosa. Os sucessores deste Papa
seguem a linha do seu predecessor, instituindo obra católicas es-
pecíficas para os emigrantes. Pio X sublinha o papel das dioceses
de origem neste serviço, enquanto Bento XV e Pio XI indicam a
responsabilidade da acolhida por parte das igrejas locais. Em 1914,
sob o pontificado de Bento XV, instaura-se a Jornada Mundial do
Migrante e do Refugiado. Com Pio XII, que vive a guerra de 1939-
1945 e as suas sequelas (deportações massivas, exilio e desterros),
se propõe a emigração na perspectiva dos direitos permanentes
e universais, com base no principio da solidariedade dos homens
em quanto pessoas e reconhece a garantia da “liberdade natural
de emigrar”. Na exortação apostólica Exsul Familia (´A família em
exilio´) propõe a Sagrada Família no seu exilio ao Egito como ícone
das massivas migrações forçadas que vivemos atualmente:

“A família de Nazaré modelo e consolo dos refugiados. A fa-


mília de Nazaret desterrada, Jesus, Maria e José, emigrantes
para o Egito e refugiados ali para evitar a ira de um rei ímpio,
são o modelo, o exemplo e o consolo dos emigrantes e pere-
grinos de todos os tempos e lugares e de todos os prófugos
de quaisquer condições que, por medo de persecuções ou
acuados pela necessidade, se veem obrigados a abandonar a
pátria, os pais queridos, os parentes e os doces amigos para se
dirigirem a terras estranhas.” (Introdução 1)

Nas encíclicas Pacem in Terris e Mater et Magistra, Joao XXIII


reafirma os princípios iniciados por Pio XII e propõe novas luzes
ante os crescentes fenômenos de globalização que se iniciaram
durante os anos 60 (PT 106). O Concílio Vaticano II aprofundou na
mesma linha, e por sua vez propôs uma generosa legislação com os

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recém-chegados. A Gaudium et Spes inclui inúmeras referencias ao


problema dos movimentos migratórios (GS 66). Pablo VI continua
nessa linha marcada pelo Concílio e seus predecessores, e institui
a comissão Pontifícia para a Pastoral das Migrações.
O papa João Paulo II inclui nos seus escritos múltiplas refe-
rencias ao problema dos emigrantes, desenvolvendo amplamente
a doutrina social da Igreja sobre este tema. Os últimos documen-
tos de caráter social de João Paulo II, principalmente Laborem
Exercens, Sollicitudo Rei Socialis, Centesimus Annus, bem como
Familiaris Consortio, Christhi fideles Laici e Redemptoris Missio, de
caráter maioritariamente eclesial, contem uma rica doutrina e
numerosas e uteis orientações de tipo prático para a Pastoral da
Mobilidade Humana (Le, 23, SRS, 38; CA, 48; CL, 35-44, FC, 46,
RM, 58). Uma das características sublinhadas por Joao Paulo II é o
valor central da pessoa. De mesmo modo, transforma a Comissão
Pontifícia, criada por Paulo VI, no Pontifício Conselho para a Pas-
toral dos emigrantes e itinerantes.

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Durante o pontificado de Bento XVI, vive-se uma crise fi-
nanceira global, este propõe em Caritas in Veritate um olhar in-
tegral e mais ético, que dá novo foco as relações internacionais,
prestando uma atenção especial aos fluxos migratórios. Nessa
encíclica fica proposta uma autêntica autoridade política mundial
e se fala em um desenvolvimento humano integral. No ano de
2006, o papa Bento XVI apresenta as migrações como “sinal dos
tempos” (JME 2006).
Frente ao grande aumento global dos fluxos migratórios
forcados, o papa Francisco, procedente ele próprio de uma famí-
lia migrante, em varia encíclicas e documentos ministeriais (EG,
AL, LS), insiste em oferecer grande apoio e especial olhar aos mi-
grantes e refugiados.21 Na atualidade tem se convertido em um
dos grandes lideres mundiais que tem focado especialmente a
realidade de dor e sofrimento, além da riqueza e esperança que
trazem as pessoas migrantes.22 Em janeiro de 2017, cria um novo
Dicastério para o Serviço do desenvolvimento Humano Integral,
em que confluem os Pontifícios Conselhos para a Justiça e a Paz,
Cor Unum, para a Pastoral do Migrantes e Itinerantes e para a Pas-
toral dos agentes Sanitários. Devido à importância desta realida-
de, o Papa se ocupa pessoal e temporariamente da seção do novo
Dicastério que vai atender aos refugiados e migrantes.

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16 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

6. ALGUMAS
RECOMENDAÇÕES PARA
SEGUIR O CAMINHO

Neste contexto atual e a partir da peregrinação do povo de


Deus, quais são as encruzilhadas e as fronteiras que precisa-
mos transitar como cristãos? Ao nosso modo de ver, existem
pelo menos cinco que nos propor um olhar comprometido
com a realidade: a encruzilhada da identidade, a da digni-
dade, a da justiça, a da hospitalidade e a da integralidade.23

6.1 Identidade: quem é minha família?


Um dos grandes debates vividos por nossas sociedades
a respeito da realidade migratória tem a ver com a questão da
identidade24, mostrada a partir de diversas tensões: segurança
nacional vs. Insegurança humana, cidadania nacional ou europeia
vs. cidadania universal, etc.
Alguns teólogos católicos25 tem apresentado a hipótese
de que, nos países ocidentais, a maioria dos cristãos se sentem
cômodos com a ideia de Estado-nação em que se aceita a assun-
ção de que os países em que vivemos são “nossos” e que, como
poderosos anfitriões, somos chamados a agir benévola e caritati-
vamente com os estrangeiros. Muitos discursos destes pressupõe
uma noção de nação como sinônimo de “família” ou “lar”, expres-
sado com termos como “a terra de nossos pais/mães ou ances-
trais”, “cuidar da nossa herança”, “proteger nossos lares”26. No ou-
tro extremo, se encontram aquele fieis que vivem a sua cidadania
como manifestação do fato de partilhar o pertencimento a essa
grande família dos cristãos, a través do corpo de Cristo.
Mesmo assim, é interessante explorar o Evangelho de Ma-
teus para iluminar estas posturas: Mateus inicia seu primeiro capí-
tulo com a genealogia de Jesus (Mt 1,17) e mostra sua bona fides
familiar. Apresenta-nos a Sagrada Família antes (Mt 1, 18-25), du-
rante (Mt 2, 10-15) e depois do nascimento de Jesus (Mt 2, 19-
23). O diabo foi o primeiro em chama-lo “Filho de Deus” (Mt 4,3)
e o próprio Jesus se refere a Deus como “abba” “padre” quando
ensina a rezar a seus discípulos. Se bem esta linguagem familiar
abunda no Evangelho, não é menos verdade que o inicio da vida
pública supõe uma certa ruptura na que o seguimento de Jesus se
situa na frente dos laços de sangue (Mt 8, 21-22).

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No capítulo dez, Jesus instrui os apóstolos em sua missão,


pondo claramente na frente o seguimento à vontade de Deus
frente a qualquer outra tarefa ou meditação, inclusive a família
(Mt 10,21). Nesta perspectiva, existem duas passagens que são
muito esclarecedores, por exemplo (Mt 10, 34-39): “Não pensem
que vim trazer paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.
Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe,
entre a nora e a sogra; e os inimigos de cada um serão as pessoas
de sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a
mim não é digno de mim. Quem ama seu filho mais que a mim não
é digno de mim. Quem não toma a sua cruz e não me segue não
é digno de mim. Aquele que tentar salvar a sua vida a perderá e
aquele que a perder, por minha causa, a reencontrará.”
Também (Mt 12, 46-50): “Jesus falava ainda à multidão,
quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora
a ocasião de lhe falar. Disse-lhe alguém: “Tua mãe e teus irmãos
estão aí fora, e querem falar-te”. Jesus respondeu-lhe: “Quem é

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minha mãe e quem são meus irmãos?”. E, apontando com a mão
para os seus discípulos, acrescentou: “Eis aqui minha mãe e meus
irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos
céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe””.
A partir do olhar de conjunto, parece evidente que, na vida
de Jesus, o seguimento e o discipulado predominam sobre os laços
familiares ou o apego à terra natal. Portanto, o que outorga identi-
dade a todo cristão é, ante tudo, seguir Jesus, sua vida de peregrino
nesta terra, mais do que os laços de sangue ou o pertencimento a
esta ou aquela nação. “Nossa identidade reside não no credo de
uma nação mas em quem somos como povo peregrino e nosso mo-
vimento de saída na missão com os estrangeiros necessitados”.27
E é justamente nesse movimento de saída onde o diálogo
se torna peça chave para abordar os temas de identidade. Um
diálogo que toma especial protagonismo no diálogo inter-religio-
so profundo: “que o diálogo sincero entre homens e mulheres de
diversas religiões, implique frutos de paz e justiça”.28

6.2 Dignidade: como Deus nos criou?


Uma das primeiras questões que chama a atenção quan-
do alguém se aproxima ao mundo da mobilidade humana são os
termos que se empregam: migrante, refugiado, migrante forçado,
refugiado de facto, migrante econômico, imigrante indocumentado
ou deslocado interno, entre outros. Marcar uma pessoa em movi-
mento com uma destas etiquetas implica assumir umas conota-
ções claramente legais, políticas, culturais, econômicas e socieis.
Etiquetar as pessoas desta forma muitas vezes produz desigual-

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18 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

dade, assimetria nas relações, exclusão, exploração, estigmatiza-


ção e privilégios. De certo modo, gera uma forma de exclusão que
alguns tem chamado de novas formas de “colonização”.29
Parte da tarefa da teologia das migrações é aprofundar
nestes termos, levando-os a um patamar mais profundo dentro
da nossa tradição judaico-cristã. No livro do Gêneses se introduz
uma definição de ser humano que está na base da compreensão
sobre humanidade: o ser humano é criado a imagem e semelhan-
ça de Deus (Gn 1, 26-27; 5, 1-3; 9,6; 1Cor 11,7) Nenhuma etique-
ta ou termo aplicável as pessoas migrantes pode se comparar à
dignidade de ser imagem de Deus.
Lembro que, numa paroquia de Boston, uma das questões
que compartilhávamos com a comunidade salvadorenha, quando
celebrávamos os batismos, era justamente essa a aposta. Numa
comunidade onde um numero considerável de pessoas tinha ob-
tido a cidadania; outros a residência permanente; outros, a licença
temporal, e um bom número era indocumentado, receber o ba-
tismo era percebido como reconhecimento da dignidade de ser
profeta, mestre e rei como o próprio Jesus, assim como de ser
chamado a ser filhos de Deus, na sua imagem, formando parte
de uma Igreja sem fronteiras. No batismo,30 toda a comunidade e
cada um dos seus membros, independente da etiqueta recebida
em nível legal, se sentiam coerdeiros e com a mesma dignidade.
Em alguns raciocínios que estão na base dos termos que
se aplicam as pessoas migrantes, há uma aposta economicista
ou mercantilista clara. Muitas das pessoas que emigram, além de
fugir de zonas em conflito, o fazem, por sua vez, buscando um
futuro melhor para os seus, junto com emprego digno, educação
para seus filhos, etc. Em muitos casos, a etiqueta recebida tem a
ver com a possibilidade de obter uma licença de trabalho e com
a capacidade de obter um trabalho real nos países de destino. As
sociedades que só veem o imigrante como simples mão de obra,
ao ponto de acomodar suas políticas migratórias unicamente à
necessidade do mercado de trabalho, têm sido duramente critica-
das. Quando se precisa de trabalhadores, são úteis, mas, quando
não, são “descartáveis”. Nas palavras do escritor suíço Max Frisch
(1965): “pedimos mão de obra e vieram pessoas”. A Doutrina So-
cial da Igreja propõe claramente que a economia está ao serviço
do ser humano e não o ser humano ao serviço da economia. Por
isso, a qualidade moral da economia não se mede pelo PIB, mas
por como a economia ajuda a melhorar a qualidade de vida de
toda a comunidade.31
Nesse sentido, a encíclica Gaudium et Spes nº 24 aprofunda
essa posição de igual dignidade dos seres humanos que formam
uma mesma comunidade: “Deus, que por todos cuida com solici-

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tude paternal, quis que os homens formassem uma só família, e se


tratassem uns aos outros como irmãos. Criados todos à imagem e
semelhança daquele Deus que «fez habitar sobre toda a face da ter-
ra o inteiro género humano, saído dum princípio único» (At 17,26),
todos são chamados a um só e mesmo fim, que é o próprio Deus”.32
Esses vínculos que nos unem à família humana reconhe-
cem a fraternidade como um novo paradigma no qual o outro não
é um sujeito que deve superar obstáculos dentro da sociedade
pra ir ganhando direitos, mas é meu irmão.
Essa noção de “dignidade humana” está enraizada na teo-
logia cristã, mas tem implicações de universalidade em outras tra-
dições religiosas e filosóficas, inclusive em muitas afinidades com
os direitos humanos expressados na Declaração Universal (1948)
e na Convenção das Nações Unidas relacionada com o status dos
refugiados (1951). Em Pacem in Terris nº 145, afirma-se que os di-
reitos humanos derivam diretamente da dignidade humana e por
isso são universais, invioláveis e inalienáveis.

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Em definitiva, a criação a imagem e semelhança de Deus
transmite uma mesma dignidade e fraternidade a todos os seres
humanos que levam tatuados no seu coração e que nada nem
ninguém poderá apagar. Daí que nenhum cristão possa consentir
e menos ainda alimentar manifestações de racismo, xenofobia33,
discriminação ou opressão ante nenhuma pessoa, especialmente
diante dos mais pobres e vulneráveis, pois todos formamos uma
mesma comunidade universal.

6.3 Justiça: quando te vimos estrangeiro e


te acolhemos?

Nos exercícios espirituais, Santo Inácio de Loiola propõe


a contemplação da Encarnação: “como as três pessoas divinas
observavam toda a planície ou redondeza de todo o mundo... se
determina que a segunda pessoa se faça homem, para salvar o
género humano. e, assim, chegada a plenitude dos tempos” EE
[102]. Deus trino olhando o mundo “em tanta diversidade,... uns
brancos e outros negros, uns em paz e outros em guerra, uns cho-
rando e outros rindo, uns sãos e outros enfermos, uns nascendo e
outros morrendo, etc... e todas as gentes em tanta cegueira”34 EE
[106] decide enviar a Jesus. É a encarnação onde o próprio Deus
decide se por em caminho e se converter num migrante.
No Evangelho de Mateus se aprecia como o Deus de Jesus
não só abraça a natureza humana e emigra a este mundo, mas ele
mesmo se torna refugiado quando a sua família sofre perseguição
política e tem que fugir para o Egito (Mt 2, 13 - 15). Deus não

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20 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

se apoia em nenhum privilégio humano nem se poupa de difi-


culdades. O próprio deus nasce numa manjedoura, sem moradia
e ao relento, longe da terra onde vivia sua família. Sabemos se
a Sagrada Família tinha todos os documentos necessários para
poder viajar e cruzar a fronteira com o Egito? Não sabemos ao
certo. Nesta passagem se apreciam pelo menos duas idolatrias
que numa perspectiva migratória tem uma entidade considerável:
a da lei e a do sedentarismo.
Se nos aproximamos ao âmbito legal da perspectiva te-
ológica, observamos como existem diferentes leis que afetam a
realidade das migrações. Segundo Tomás de Aquino poderíamos
diferenciar quatro tipos de leis – a lei natural, a lei civil, a lei divi-
na e a lei eterna35. Enquanto a política se centra principalmente
na lei civil, a Igreja leva em conta também as outras36. Assim, no
que diz respeito a migração, se uma lei civil exclui o pobre sem
levar em conta alei natural - como por exemplo, aquelas leis que
penalizam ao que abriga o necessitado ou aquelas que promovem
a exploração ou a extorsão, então diríamos que são leis injustas.
Se uma lei civil favorece ou permite que milhares de pessoas mor-
ram no mar sem possibilidade de sobreviver, essa lei não toma
em conta a lei divina de não matar, por tanto seria uma lei injusta.
Em alguns casos, a injustiça pode chegar a se legalizar quando as
estruturas sociais favorecem a classe privilegiada e exclui os mais
vulneráveis. Um cristão deve, pois, obedecer a uma lei injusta?
A questão sobre a legislação migratória e o controle de
fronteiras se apresenta também no marco teológico, e mais con-
cretamente na tentativa de procurar respostas na Escritura. Nessa
linha é interessante o debate mantido entre Carroll37 e Hoffmeier38,
dois doutores e professores do Antigo Testamento em universida-
des dos Estados Unidos. Por um lado, Hoffmeier aponta na Bíblia
numerosos paralelismos e um referendo do modelo que muitos
países ocidentais (concretamente Estados Unidos) estão aplicando
nas suas políticas migratórias atuais. Por sua vez, Carroll vê com
claridade que a visão cristã que se descreve na Bíblia favorece uma
relativização das fronteiras contra o auxilio ao perseguido e des-
valido. É interessante seguir este debate e elaborar nossa própria
síntese. No meu caso, partilho da tese de Carroll ao defender que
as fronteiras têm um valor, mas são um meio, não um fim nelas
mesmas. As fronteiras não podem prevalecer contra o ser humano.
Nelas deve-se salvaguardar o auxilio ao desvalido e não se podem
vulnerar os direitos básicos dos indivíduos. Outra idolatria que
se percebe é a do sedentarismo. Se bem está comumente aceito
que o gênero humano tende a se estabelecer e buscar certas se-
guranças, é preciso ser cuidadoso e não pressupor o sedentário
como normativo. Se estabelecer, como oposto a se mover, pode

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ser facilmente convertido em ídolo – privilegiando àqueles que se


estabelecem e marginalizando àqueles que estão em movimento,
especialmente os migrantes. Segundo Matovina e Tweed (2012)
ao longo da história tem sido associado “arraigo” à “civilização” e
“aceitação”, e “mobilidade” à “barbárie” e “criminalidade”; mas os
imigrantes nos oferecem um convite de “re-cordar” (passar pelo
coração) a essência da identidade cristã, em tanto que peregrinos
nesse mundo. De alguma maneira, nos lembram que caminhar e
não só se estabelecer é um elemento central para o cristão.
Nesse contexto onde se associa de forma preconceituosa
uma pessoa indocumentada e em movimento a um criminoso, e
tendo como base comum a dignidade de todos os seres humanos,
não podemos falar em pessoas ilegais, mas em pessoas indocu-
mentadas. Tal vez de pessoas que cometem uma infração admi-
nistrativa quando entram num país sem a devida documentação
regulamentada, mas não são criminosos. Não se pode aplicar-lhes
a mesma normativa, nem de facto o mesmo trato, do que a outras

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pessoas que estejam cumprindo penas, em modelos de centros de
detenção ou carcerários.
Faz poucas semanas conversava com uma família refugiada
síria, que tem quatro anos vagando pelo norte da África, fugindo
da Guerra, da morte de da destruição. Depois de anos na Argélia
e logo no Marrocos, entraram na Espanha pelo escritório de asilo
e refúgio em Melilla. Uma família dividida pela guerra, pela neces-
sidade, pelas máfias. Na sua chegada à Espanha, foram conduzi-
dos ao Centro de Estancia Temporal para Imigrantes (CETI), um
centro sobressaturado, sem instalações para acolher uma família
em conjunto, nem às crianças e aos bebês. A mãe me dizia: “Além
das penúrias passadas na viagem; agora, retidos. Porque somos
retidos? Não somos criminosos. Porque passam as semanas e se-
guimos vivendo isto?”.
Se seguimos com o mesmo raciocínio anterior, os migran-
tes indocumentados infringem uma lei civil, mas na maioria dos
casos estão honrando uma lei natural e divina de cuidar dos seus
em casos de extrema necessidade ou de violência generalizada.
É nesse contexto de injustiça, de conflito, de cegueira aon-
de Deus se encarna. A misericórdia de Deus se põe em caminho
fazendo redenção e praticando a justiça; move à ação. Um Deus
que, se dando gratuitamente, se esvazia de si mesmo de tudo,
menos de amor, e se converte em um de tantos, especialmente
num migrante, passando por uma condição de vulnerabilidade e
de acompanhamento num profundo ato de solidariedade divina.
A passagem de Mateus 25 nos apresenta Jesus assim: “E quando
te vimos estrangeiro, e te acolhemos?... Em verdade vos digo que,
quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim

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22 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

o fizestes. (Mt 25, 38;40). Jesus se torna o refugiado. Se Deus se


torna migrante, isso implica que no contato com os migrantes e
refugiados conhecemos mais de perto como é Deus.39 “Em cada
um destes “pequeninos” está presente Cristo em si mesmo.”40

6.4 Hospitalidade: com quem é que Jesus


partilha a mesa?

Jesus vai descobrindo na sua vida que a única lei que tem
sentido é a lei do Amor (Jn 13,34). O Amor que nos permite passar
por cima de nossos medos, das inseguranças humanos e que se
abre gratuitamente aos outros. Um amor que recebemos gratui-
tamente de Deus e que, por sua vez, nos convida a doá-lo aos
outros. “Recebestes de graça, de graça daí” (Mt 10,8). Jesus realiza
sua missão como migrante, como peregrino em terra estranha,
incompreendido pelos seus, sempre em caminho, sem casa nem
sustento próprio. No caminho vai atualizando e fazendo presente
o Reino. É no caminho onde tem a oportunidade de se encontrar
com o desvalido, com a viúva, com o leproso, com a pecador, com
o cobrador de impostos, com os pescadores, com os escribas e
com os que são excluídos pela sociedade. Um convite que rece-
beu a primeira Igreja, desde suas origens e que a dinamizou para
se por em caminho, para se fazer peregrina, migrante, levando a
boa nova, a lei do Amor, a todos os cantos do mundo.
Um elemento central da missão de Jesus e, portanto, da
Igreja é a hospitalidade41, uma hospitalidade que se vive de ma-
neira especial a través do ministério da reconciliação, de fazer
pontes em um mundo despedaçado, rompendo os limites do le-
gal-ilegal, do puro-impuro e da inclusão-exclusão. É a partir do
mesmo olhar misericordioso de Deus onde a Lei, o que é legal, o
que é puro adquirem seu mais profundo sentido e ocupam seu
lugar como meios e não como fins (Mc 2,23-3,6; Lc 6,1-22; Mt 12,
1-14). “Para Jesus, a misericórdia de Deus não pode ser contida
dentro dos muros e mentes limitadas, e desafia as pessoas a re-
conhecer uma lei maior embasada na incalculável misericórdia de
Deus antes do que em noções restritivas sobre o digno e o indig-
no”42. O ministério da reconciliação43 parte do olhar misericordio-
so e amoroso de Deus. Continuando com o trecho dos Exercícios
de Santo Inácio, a Trinidade olhou o mundo e disse “Façamos a
redenção do gênero humano” EE [107]
Dia após dia, milhões de pessoas vivem um calvário li-
dando com os limites do puro-impuro, da exclusão e inclusão.
Lembro que faz tempo, em um pequeno povoado do interior da
Índia, passeava com algumas crianças que moravam num centro

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de acolhida para órfãos de famílias dalits (intocáveis). Passeamos


por ruas estreitas, brincando e fazendo graça, até que chegamos
num arco. Ali, vários homens gesticulavam exageradamente para
que não passássemos. Logo percebi que o povoado estava divi-
dido por castas, assim como as turmas de uma escola... Ninguém
podia tocar aquelas crianças, eram filhos dos intocáveis. De fato,
impressionou-me o depoimento da professora da escola, quem
tinha escolhido a opção de perder a “pureza” dando aula pra essas
crianças: nenhum homem se casaria com ela44.
A família migrante é um espaço privilegiado para a hospitali-
dade. O próprio papa Francisco, na exortação apostólica Amoris La-
etitia (46) indica: “As migrações constituem outro sinal dos tempos,
que deve ser enfrentado e compreendido com todo o seu peso de
consequências sobre a vida familiar. A mobilidade humana, que cor-
responde ao movimento histórico natural dos povos, pode revelar-se
uma verdadeira riqueza tanto para a família que emigra como para
o país que a recebe” (AL 46). Precisamos ter um olhar especial para

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aquelas famílias que vivem experiencias migratórias dramáticas e de-
vastadoras, especialmente quando ocorrem fora da legalidade e são
sustentadas por circuitos internacionais do tráfico de pessoas. Tam-
bém quando concerne às mulheres ou crianças desacompanhadas.
A hospitalidade de Jesus, como nos nossos dias, se apoia
em “pilares sólidos”: acolher no lar e convidar à mesa; criar espa-
ços de encontro para ajudar à cura, partilhar, reconciliar, discernir,
celebrar e ser testemunhas da esperança45.
Olhando a vida de Jesus, suas refeições e celebrações são
um elemento central na sua experiencia como migrante ou como
peregrino. Com quem se sentava à mesa? Quem eram seus con-
vidados favoritos? Em muitas ocasiões, Jesus se senta à mesa
com pecadores, reconfigurando as barreiras do pluralismo, com
aqueles que viviam marginalizados por razões econômicas (Lc 7,
11-17), de saúde (Lc 7,22; Mc 10,46; Jn9,8), raciais (Lc7,1-10),
religiosas (Lc 7, 24-35) e morais (Lc 7, 36-50). Seu convite à mesa
foi uma boa noticia para os pobres e excluídos, mesmo que em
muitos casos supôs ser recusado e foi motivo de escândalos.46
Alguns teólogos tem a opinião que a sua maneira de transitar pe-
las categorias da inclusão e a exclusão, sobretudo na forma de se
sentar à mesa, foi o que o levou a ser julgado e crucificado: “Jesus
foi crucificado pela forma em que comia”47.
Nas palavras de J. Jeremias: “Toda comunidade de mesa
para um oriental é garantia de paz, de confiança, de fraternida-
de; comunidade de mesa significa comunidade de vida. Para um
oriental está claro que, admitindo pecadores e marginalizados à
mesa, Jesus oferece salvação e perdão. Por isso reagem violenta-
mente os fariseus”48.

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24 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

É na mesa onde tudo cobra sentido, onde Jesus é reconhe-


cido pelos de Emaús “ao partir o pão”49; é na Eucaristia, na fração
do pão partilhado e do sangue derramado, onde lembramos de
Jesus. Jesus é hospitalário até o extremo. Nesse sentido, a hospi-
talidade torna-se misericórdia, abra as portas, acolhe ao desvali-
do, ao excluído (Lc 10, 25-37).
Jesus era hospitalário e sentava à mesa quem se encon-
trasse no caminho, festejando, antecipando a mesa partilhada do
Reino de Deus (Lc 15, 11-32) Uma festa, uma celebração que,
comparando com a acolhida de refugiados e migrantes na Euro-
pa, alguns autores tem descrito como “celebrações de encontros
interculturais que podem chegar a ser experiencias modernas do
Espirito Santo”50 como em pentecostes (At 2,1-13)

6.5 Integralidade: está tudo conectado?


Vivemos num mundo onde a globalização e a interdepen-
dência afetam de maneira direta ou indireta todas as pessoas,
comunidades e nações do planeta. Nossa rede de comunicações
tanto terrestres como marítimas e aéreas, sem mencionar as ele-
trônicas, está crescendo de forma exponencial. Neste mundo glo-
bal, interconectado e complexo, o que ocorre em uma parte do
planeta afeta de uma maneira ou de outra milhões de pessoas em
outros cantos. Por exemplo, uma queda na cotação do cacau na
bolsa de Londres afeta milhões de agricultores no mundo todo.
Do mesmo modo, quando olhamos muitas das etiquetas da rou-
pa que compramos, descobrimos toda uma cadeia de produção
e montagem que percorre o mundo: as primeiras etapas do pro-
cesso, mais intensivas em mão de obra, costumam aproveitar ao
máximo os países em desenvolvimento e, as últimas, geralmente
junto ao lucro das vendas, se realizam nos países do Norte51.
São Paulo expressa muito bem essa ideia de que estamos
conectados por meio da metáfora do corpo humano, em referencia
à igreja e nossa conexão com Jesus. Todos formamos um só corpo
em cristo (1Cor 12,12). Cada um é um membro diferente, com fun-
ções diversas (Rm 12,4), mas um só corpo (1Cor 12,27). Por isso, o
que afeta um dos membros afeta o resto, pois todos somo um só.
Na nossa tradição, essa mesma imagem de interconexão,
especialmente com a terra e o meio ambiente, se vive com grande
força a partir dos relatos da criação (Gn 1-3) aonde Deus é fonte e
se envolve em tudo que é criado, se comovendo e acompanhan-
do, especialmente por meio de seu Filho, até a consumação da
nova criação (2Cor 5,17).
Jesus cresce num ambiente rural, dai que toda a sua vida e
predicamentos tenham como referencia simbólica os elementos da

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natureza, as colheitas, etc. Essa interconexão daquilo que foi criado


com Deus, o próprio Jesus expressa utilizando metáforas muito co-
nectadas com a criação: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o
agricultor... Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo
não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira...
Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu
nele, esse dá muito fruto... Nisso é glorificado meu Pai, para que
deis muito fruto e vos torneis meus discípulos.” (Jn 15, 1-8)
Essa interconexão que vivemos, mencionada também por
Jesus, nos apresenta desafios cada vez maiores, que implicam em
compromissos mais fortes, junto de necessidade de respostas
resistentes e transformadoras. Um desses grandes desafios são
as migrações ambientais. Na atualidade, a população que deve
abandonar seu lar por causa dos problemas gerados por catás-
trofes naturais, o aquecimento global, a concentração de gases
efeito estufa, o crescimento do nível do mar ou outros episódios
naturais extremos é, em geral, superior aos deslocados por confli-

SERVIÇO JESUÍTA A MIGRANTES E REFUGIADOS | BRASIL


to bélicos, razões políticas ou socioeconômicas. Acredita-se que,
por ano, 25 milhões de pessoas se vêm forçadas a deixar seu lar
por causas ambienteis. O Alto Comissionado das Nações Unidas
para os Refugiados (ACNUR) calcula que, nos próximos 50 anos,
entre 250 milhões e 1 bilhão de pessoas perderão suas casas e
propriedades, ou então se verão obrigadas a deixar seu território,
e inclusive seu país.
Como viemos dizendo, nosso mundo nos apresenta desafios
mais complexos cada dia, que requerem respostas também comple-
xas, resistentes e transformadoras, que tentem olhar a realidade nas
suas mais diversas perspectivas; isto é, em conjunto. Não podemos
oferecer respostas parciais a um desafio complexo e global. O Papa
Francisco consagrou um conceito, “ecologia integral”, com o que
apresenta um vínculo entre assuntos ambientais e questões sociais,
um vínculo que nas migrações ambientais tem um nexo ineludível.
Para Francisco, “a análise dos problemas ambientais é inse-
parável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, ur-
banos, e da relação de cada pessoa consigo mesma” (LS 141), por-
que “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social;
mas uma única e complexa crise socioambiental” (LS 139). Nesse
contexto, “É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria
agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos
como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso
da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa” (LS 25)
Neste processo, a terra é levada em conta como bem co-
mum (LS 156), compartilhada com outros e pela qual somos res-
ponsáveis frente as gerações futuras (“solidariedade intergeracio-
nal”); além disso, vai unida a uma opção preferencial pelos pobres

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26 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

(LS 158), as principais vítimas das migrações meio ambientais (LS


48) e que em muitos dos casos, por causa das brechas digital e
financeira, entre outras, nunca alcançam a tocar com as próprias
mãos a benesse do mundo interconectado.
Tudo está conectado, por isso esta crise ecológica que afe-
ta tudo, é, em último termo, uma crise espiritual que se enraíza
numa desconexão do ser humano consigo mesmo, com a terra,
com seus semelhantes e com Deus. Por essa razão, precisamos fa-
zer uma “conversão ecológica”; isto é, apostar num outro estilo de
vida (LS 203-2018) e propor uma educação ambiental (LS 2013).
O conceito teológico de “reconciliação” expressa esse
olhar integral e o próprio modo de ser de Deus que “nos reconci-
liou consigo, por Cristo, e nos confiou o ministério dessa reconci-
liação porque é Deus que, em Cristo, reconciliava consigo o mun-
do” (2Cor 5, 18-19). Esta conversão ecológica, esse olhar integral,
é no fundo uma missão que busca reestabelecer relações justas
conosco, com os outros, com a criação e com Deus (CG 35 e 36).
Em resumo, temos um desafio urgente, para cuidar e pro-
teger nossa casa comum, que inclui o fortalecimento da consci-
ência de que somos uma única família humana e nossa necessi-
dade de conversão ecológica. Nosso olhar a partir das migrações
transborda toda perspectiva parcial, portanto nos enfrentamos ao
desafio de procurar” desenvolvimento sustentável e integral, pois
sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos aban-
dona, nunca recua no seu projeto de amor” (LS 13). Mas esta so-
lução requer “uma abordagem integral para combater a pobreza,
devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da
natureza” (LS 139).

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7. RECAPITULANDO

A realidade migratória como “sinal dos tempos”52 precisa ser


apropriada com maior intensidade e profundidade pela re-
flexão teológica.

No contexto atual das migrações em nível mundial e o con-


vite que recebemos a redescobrir um olhar misericordioso dian-
te dessa mesma realidade, nos expõe cinco encruzilhadas: a da
identidade, a da dignidade, a da justiça, a da hospitalidade e a da
integralidade.
Em primeiro lugar, a identidade de todo cristão assenta
suas raízes primordialmente no seguimento a Jesus, na sua vida
de peregrino, de caminhante e não nos laços de sangue ou de
pertencimento a uma etnia ou nação. Essa identidade se constrói

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a partir do diálogo.
A segunda encruzilhada é a da dignidade: o ser humano é
criado a imagem e semelhança de Deus. Esta filiação que nos abre
à fraternidade outorga uma mesma dignidade a todas as pessoas
que nada nem ninguém poderão apagar jamais. Portanto, como
cristãos nos reconhecemos membros de uma mesma comunidade
universal na que não cabem o racismo, a xenofobia nem a opres-
são de nenhuma pessoa.
Em terceiro lugar, Deus se entrega gratuitamente se esva-
ziando de si mesmo e se encarna no mundo, passando por uma
condição de vulnerabilidade e de acompanhamento num profun-
do ato de solidariedade divina. Neste sentido, a misericórdia de
Deus se põe em caminho praticando a justiça. Jesus, neste pro-
cesso de doação, se torna um migrante: “Quando foi que te vimos
peregrino e te acolhemos?... ‘Em verdade eu vos declaro: todas as
vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeni-
nos, foi a mim mesmo que o fizestes.’” (MT 25, 38-40). Por tanto,
se Deus mesmo se torna um migrante, isso implica que no encon-
tro com os migrantes e refugiados conhecemos mais de perto em
profundidade como é Deus.
Em quarto lugar, a hospitalidade, que nos abre a um dos
elementos centrais da missão de Jesus e adquire uma marca espe-
cial a través do ministério da reconciliação e da celebração. Num
mundo que as vezes se apresenta dividido ou quebrado, o cristão
é chamado a tender pontes, saltando os limites do legal e ilegal,
do puro e impuro e da inclusão-exclusão. Também, a hospitalida-
de tem um grande pilar na celebração, convocando à mesa, ao
banquete. Jesus convida a sua mesa, a celebrar, àqueles aos que

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28 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

a sociedade rejeita ou demoniza. È nessa capacidade de hospita-


lidade, nesse sentar-se à mesa, onde Jesus antecipa o Reino de
Deus. Essa forma de fazer hospitalidade o levou à cruz.
A última encruzilhada, mas não por isso menos importan-
te, é a integralidade. Deus nos criou como uma só família com o
convencimento de que tudo está conectado. De certa forma, a
globalização nos deixa espiar o que isso pode significar, mas pre-
cisa por no centro às pessoas, a criação, a deus; e não a interesses
econômicos ou políticos. As migrações ambientais propõem uma
seria interrogação ao nosso mundo que não pode se enfrentar de
maneira parcial ou tendenciosa. Precisamos caminhar rumo a um
desenvolvimento sustentável e integral, que devolva a dignidade
às pessoas e ao meio ambiente.
Quem é a minha família? Como nos criou Deus? Quando
te vimos estrangeiro e te acolhemos? Com quem partilha a mesa
Jesus? Está tudo conectado? Essas cinco perguntas seguem alen-
tando, desafiando e questionando a maneira de nos aproximar-
mos à realidade dos migrantes no nosso trânsito por uma teologia
das migrações.
Além de campanhas midiáticas e ações de incidência polí-
tica a favor das pessoas migrantes mais vulneráveis, quem sabe a
Igreja e todos nós precisemos um olhar que, a partir da identidade,
da dignidade, da justiça, da hospitalidade e da integralidade, im-
pregne a vida ordinária da igreja, nossos corações e os das nossas
comunidades, e sobretudo que nos comova e nos impulse à ação.

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8. ORAÇÃO EM MEMÓRIA DAS


VÍTIMAS DAS MIGRAÇÕES

Concluímos com uma oração que o Papa Francisco, em me-


mória das vítimas das migrações, realizou em Lesbos, em
abril de 2016, junto de sua beatitude Hieronymos, arcebispo
de Atenas e de toda a Grécia, e sua Santidade Bartolomeu,
Patriarca Ecumênico de Constantinopla.

Deus de misericórdia,
pedimo-Vos por todos os homens, mulheres e crianças,
que morreram depois de ter deixado as suas terras
à procura duma vida melhor.
Embora muitos dos seus túmulos não tenham nome,

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cada um é conhecido, amado e querido por Vós.
Que nunca sejam esquecidos por nós, mas possamos honrar
o seu sacrifício mais com as obras do que com as palavras.
Confiamos-vos todos aqueles que realizaram esta viagem,
suportando medos, incertezas e humilhações,
para chegar a um lugar seguro e esperançoso.
Como Vós não abandonastes o vosso Filho
quando foi levado para um lugar seguro por Maria e José,
assim agora mantende-Vos perto destes vossos filhos e filhas
através da nossa ternura e proteção.
Fazei que, cuidando deles, possamos promover um mundo
onde ninguém seja forçado a deixar a sua casa
e onde todos possam viver em liberdade, dignidade e paz.
Deus de misericórdia e Pai de todos,
acordai-nos do sono da indiferença,
abri os nossos olhos às suas tribulações
e libertai-nos da insensibilidade,
fruto do bem-estar mundano e do confinamento em nós mesmos.
Daí inspiração a todos nós, nações, comunidades e indivíduos,
para reconhecer que, quantos atingem as nossas costas,
são nossos irmãos e irmãs.
Ajudai-nos a partilhar com eles as bênçãos
que recebemos das vossas mãos
e a reconhecer que juntos, como uma única família humana,
somos todos migrantes, viajantes de esperança rumo a Vós,
que sois a nossa verdadeira casa,
onde todas as lágrimas serão enxugadas,
onde estaremos na paz, seguros no vosso abraço.

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30 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

9. QUESTÕES PARA A
REFLEXÃO

1. O caderno apresenta a realidade migratória como sinal


dos tempos. À luz dos dados colocados e do peso que o de-
bate migratório tem em nosso mundo atual, qual seria em seu
modo de ver a melhor maneira de aproximar esta realidade das
pessoas em movimento no seu contexto mais próximo?

2. A Bíblia descreve Abraão como pai da fé a partir da expe-


riencia fundante como migrante. Este elemento é lembrado em
diversos momentos na Bíblia: “meu pai era um arameu errante”
(Dt 26, 5). Você acredita que o cristianismo e as outras religiões
do livro que têm Abrão como pai na fé, vivem essa realidade mi-
gratória como constituinte da sua própria experiencia religiosa?

3. O Povo de Deus se configura como comunidade fiel em


dois marcos cruciais conectados com a experiencia do povo
migrante: o exilio no Egito e o êxodo à terra prometida. Você
era consciente disso antes de fazer essa reflexão? Você sabe
quantas vezes se faz referência na Bíblia a estes dois aconteci-
mentos associados à realidade migratória?

4. Jesus se reconhece a si mesmo como o migrante, desde


suas origens. Mateus apresenta a infância de Jesus e a Sagrada
Família sob uma experiencia muito dura de migração forçada
(Mt 2, 14-15). O próprio Lucas narra o nascimento de Jesus
fora da cidade, como uma família migrante, “porque não havia
lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7). Você já tinha se dado
conta dessa realidade na vida de Jesus? Fica o convite a fazer
uma releitura da sua vida à luz do “fio migratório”. Pode ser
reconhecendo suas origens e os da sua família, percebendo
toda sua experiencia peregrina na vida, etc.

5. “De maneira alguma devem ser aprovados aqueles que


expulsam os imigrantes em tempos de fome, quando deve-
riam ajudá-los mais. São separados da relação com o Pai co-
mum, lhes é negado os frutos dados a todos, são separados da
comunidade de vida já iniciada: em tempos de necessidade,
não querem partilhar os recursos com os que tem direitos co-
muns”. Você sabe quando se denunciaram estas práticas? São
narradas por Santo Ambrósio no século IV. Palavras tão anti-
gas, porém, tão atuais. Que ensinamentos você pôde aprender

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das mensagens que nos expressam os Santo Padres tanto sé-


culos atrás?

6. O Papa Francisco, assim como seus predecessores tem


reconhecido a importância e a necessidade de “acolher, pro-
teger, promover e integrar os emigrantes e refugiados” (JMM
2018). O mesmo Papa Francisco tem realizado ações concre-
tas, visitas e sinais de acolhida, animando à toda a comuni-
dade cristã nesse sentido. O Papa Francisco nos fala sobre a
acolhida ao migrantes e refugiados: “acolher o outro é acolher
Deus em pessoa”. Como você recebe este convite a partir da
sua experiencia pessoal ou da sua comunidade? Você conhe-
ce experiencias de pessoas concretas que tenham vivido essa
experiencia de êxodo?

7. O caderno propõe cinco encruzilhadas no âmbito das mi-


grações: identidade, dignidade, solidariedade, hospitalidade

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e integralidade. Cada uma delas vem acompanhada de uma
questão: quem é minha família? Como Deus nos criou? Quan-
do te vimos estrangeiro e te acolhemos? Com quem é que Je-
sus partilha a mesa? Está tudo conectado?

Que respostas você daria a cada uma destas perguntas desde sua
própria vida e experiencia pessoal?

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32 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

10. NOTAS DE FIM

1. GUTIÉRREZ, Gustavo (1975). Teología de la Liberación: perspectivas. Sala-


manca: Sígueme, pág. 38.
2. RAHNEr, Karl (1986). «Dios del conocimiento» en Oraciones de Vida. Madrid:
Publicaciones Claretianas, pág. 31.
3. BEVANS, Stephen B. (2004). Modelos de Teología Contextual. Quito: Verbo
Divino, pág. 3.
4. BEVANS (2004). Op. Cit., pág. 24
5. BEVANS (2004). Op. Cit., pág. 29-30.
6. BEVANS (2004). Op. Cit., pág. 31
7. FISICHELLA, Rino (1993). Introducción a la teología fundamental. Estella:
Verbo Divino.
8. Dados e testemunhos atualizados podem ser encontrados nos sites da OIM,
www.iom.int/; de ACNUR, www.acnur.org/; del SJR Internacional, www.jrs.
net y del SJM España, www.sjme.org/ (último acceso, marzo de 2017).
9. ARES, Alberto (2015). Inmigración e nuevas encrucijadas. Cómo ser profeta
en un mundo diverso. Barcelona: Cristianisme i Justícia. Colección virtual, núm.
9, págs. 4-14.
10. ARES, Alberto (2017). La rueca migratoria: tejiendo historias y experiencias de
integración. Madrid: Universidad Pontificia Comillas
11. MATOVINA, Timothy e Tweed, Thomas (2012). «Migration Matters: Perspec-
tive from Theology and Religious Studies». Apuntes: Reflexiones teológicas desde
el contexto Hispano-Latino 32, pág. 4.
12. Bento XVI, citando o concilio ecumênico Vaticano II e a constituição Gaudium
et Spes 4, reconhece que «entre os sinais dos tempos reconhecíveis hoje podem
se incluir certamente as migrações» (Jornada Mundial do Emigrante e do Refugia-
do 2006). Igualmente, o Papa Francisco apresenta as migrações como sinal dos
tempos na Mensagem para a Jornada Mundial do Migrante e Refugiado 2018.
13. GS 4-6, 63, 65.
14. CAMPESE, Gioacchino (2012). «The irruption of migrants: theology of migra-
tion in the 21st century». Theological Studies, 73(1), 3-32
15. MARTÍNEZ, Julio Luis (2007). Ciudadanía, migraciones y religión: un diálogo
ético desde la fe cristiana. Madrid: Universidad Pontificia Comillas, pág. 51.
16. Orígenes. Comentario a la Epístola a los Romanos, XII, 13.
17. CRISÓSTOMO, Juan. Homilías sobre San Mateo, homilía L, 4 e 5.
18. DE MILÁN, Ambrosio, Sobre los deberes de los ministros, III, VII, 45.
19. SAN AGUSTÍN, Sermones, sermón 239,4.
20. SAN AGUSTÍN, Enarraciones sobre los salmos, salmo 83,8.
21. Para aprofundar na compreensão do olhar do papa Francisco sobre as mi-
grações: ARES, Alberto (2014). «El Papa Francisco: una mirada a las migracio-
nes». Revista Corintios XIII (151-152), Madrid, págs. 184-200.
22. ARES, Alberto (2014). «El Papa Francisco: una mirada a las migraciones».
Revista Corintios XIII (151-152), Madrid.

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23. Para elaborar este tópico, me apoiei numa reflexão anterior de ARES, Al-
berto (2016). «Cuándo te vimos forastero e te acogimos: Transitando una te-
ología de las migraciones ». Revista Corintios XIII (157), Madrid, págs. 69-83.
24. Duas interessantes reflexões sobre identidade desde la teología das migra-
ções pueden ser encontradas em CASTILLO, Jorge (2013). «Teología de la migra-
ción: movilidad humana y transformaciones teológicas». Theologica Xaveriana,
63 (176), págs. 367-401; Pham, Hung (2015). «“Am I my Brother’s Keeper?” Se-
arching for a spirituality for immigrants». The Way, Vol. 54. núm. 3, págs. 31-43.
25. BUDDE, M. L. (2006). «“Who is My Mother?” Family, Nation, Discipleship,
and Debates on Immigration». Journal of Scriptural Reading, págs. 67-76.
26. Em alguns idiomas, como o inglês, estes termos adquirem um sentido mais
plástico: fatherland, motherland, homeland security, securing our backyard.
27. GROODY, Daniel G. (2013). «The Church on the Move: Mission in an Age
of Migration». Mission Studies 30, pág. 41.
28. PAPA FRANCISCO (2016). El Video del Papa Francisco. Red Mundial de
Oración del Papa.

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29. ELIZONDO, Virgilio (2007). «Culture, the Option for the Poor, and Libera-
tion. The Option for the Poor» en Christian Theology, págs. 157-168.
30. Uma reflexão muito interesante a partir do ámbito teológico pode ser
encontrada em: Budde, Michael (2011). The Borders of Baptism: Identities, Al-
legiances and the Church. Theopolitical Visions, Eugene, CO., Cascade Books.
Este autor propõe que a principal identidade para todo cristão vem permeada
pelo batismo e pela seu pertencimento a uma comunidade trasnacional que
é a Igreja, com todas as implicações que isto supõe a partir da Eclesiologia da
Solidariedade para o âmbito das migrações, entre outros. Sobre a Igreja como
espaço trasnacional também veja-se: ARES, Alberto (2011). «Iglesia como es-
pacio trasnacional. La religiosidad popular que viaja de Ecuador a España: la
devoción a la Virgen del Quiche». Revista Migraciones núm. 29. Madrid: Uni-
versidad Pontificia Comillas, págs. 175-192.
31. PAPA FRANCISCO (2013). Evangelii Gaudium núm. 93.
32. CONCILIO VATICANO II (1965). Gaudium et Spes, núm. 24
33. É interesante a reflexão e o convite a mudar “Xenophobia” pela “Xenophi-
lia”, entendida como “hospitalidade, amor e cuidado pelo extrangeiro” em: RI-
VERA-PAGÁN, Luis N. (2012), «Xenophilia or Xenophobia». The Ecumenical
Review, 64, págs. 575–589.
34. DE LOYOLA, Ignacio (1990). Ejercicios espirituales. Santander: Sal Terrae.
35. DE AQUINO, Tomás. Summa Theologiae (Textus Leoninus), Taurini-Romae,
Marietti, 1950. Versión en español: Suma Teológica de santo Tomás de Aquino,
edición bilingüe, texto de la Edic. Leonina y versión en español, PP. Dominicos, 16,
1947-1960.
36. GROODY, Daniel G. (2013). «The Church on the Move…». Op. Cit., pág. 37.
37. CARROLL, M. Daniel (2013). Christians at the Border: Immigration, the Chur-
ch, and the Bible. Brazos Press.
38. HOFFMEIER, James K. (2009). The immigration crisis: immigrants, aliens,
and the Bible. Wheaton: Crossway

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34 FILHOS E FILHAS DE UM PEREGRINO

39. MATOVINA, Timothy e TWEED, Thomas (2012). «Migration Matters…»,


Op. Cit., pág. 13.
40. PAPA FRANCISCO (2015). Bula Misericordiae Vultus, 15.
41. GONZÁLEZ, Miguel (2015). De la Hostilidad a la Hospitalidad, Barcelona:
Cristianisme y Justícia, núm. 196.
42. GROODY, Daniel G. (2009). «Crossing the divide: Foundations of a theolo-
gy of migration and refugees». Theological studies, 70(3), pág. 658.
43. SCHREITER, Robert (2008). «Migrants and the Ministry of Reconciliation»,
en GROODY, Daniel G. e CAMPESE, Gioacchino (ed.). A Promised Land, A Pe-
rilous Journey: Theological Perspectives on Migration. Paris: Notre Dame Press.
44. O sistema de castas foi abolido em 1950, mas persiste em muitos lugares
da Índia, em particular dentro do âmbito rural.
45. Para aprofundar nas comunidades de hospitalidade, veja: ARES, Alberto
(2015). «Comunidades de Hospitalidad». Revista Jesuitas. Jesuitas Social. Madrid.
46. SICRE, J. L. (2015). «Jesus y las periferias». Sal Terrae 103/11, págs. 947-
959; GROODY, Daniel G.. (2009). «Crossing the divide…», pág. 657.
47. KARRIS, Robert J. (1985). Luke: Artist and Theologian, Nueva York: Harper
& Row, pág. 47. Também em PERRIN, Norman (1967). Rediscovering the Tea-
ching of Jesus, Nueva York: Harper & Row, págs. 102-107.
48. JEREMIAS, Joachim (1972). La dernière Cène, les paroles de Jésus, París: Édi-
tions du Cerf, pág. 243.
49. Sobre uma leitura de tologia política a partir da chave eucarística: IZU-
ZQUIZA, Daniel (2010). Al partir el pan. Notas para una teología política de las
migraciones. Barcelona: Cristianisme Justícia, núm. 169.
50. BEDFORD-STROHM, Heinrich (2008). «Responding to the Challenges of Mi-
gration and Flight from a Perspective of Theological Ethics» en Churches’ Commis-
sion for Migrants in Europe, Theological Reflections on Migration. Bruselas, pág. 46.
51. Um livro muito sugestivo, atual e que soma propostas a partir do cotidiano
é BALLESTEROS, Carlos (2016). Las cuentas de la vieja. Apuntes para el empo-
deramiento y la soberanía económicas. Madrid: San Pablo.
52. CAMPESE, Gioacchino (2008). Hacia una teología desde la realidad de las
migraciones: Método e desafíos. Jalisco. Cátedra Eusebio Kino SJ., Guadalajara.
53. (NOTA DE TRADUÇÃO) As traduções das citações ocorrem assim: as
citações bíblicas foram buscadas na https://www.bibliacatolica.com.br/ aces-
sada por última vez em 10/12/2018, as citações de documentos do Papa
que se encontrassem disponíveis traduzidos ao português foram tiradas do
site da Santa Sé https://w2.vatican.va/content/vatican/pt.html acessado por
última vez em 10/12/2018, as citações dos Exercícios Espirituais de Santo
Inácio também foram buscadas em uma versão disponível online, as demais
citações foram traduzidas pela tradutora do texto.

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