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Direito,, Política e
Política
Manejo P esqueir
Pesqueir
esqueiroo na
Bacia Amazônica
2012
© 2012 dos autores
132 p.
ISBN 978-85-7656-244-3
COMISSÃO EDITORIAL
Dirlene Ribeiro Martins
Paulo de Tarso Martins
Carlos Eduardo M. Bicudo (Instituto de Botânica - SP)
Evaldo L. G. Espíndola (USP - SP)
João Batista Martins (UEL - PR)
José Eduardo dos Santos (UFSCar - SP)
Michèle Sato (UFMT - MT)
www.rimaeditora.com.br
Rua Virgílio Pozzi, 213 – Santa Paula
13564-040 – São Carlos, SP
Fone/Fax: (16) 3411-1729
À memória de meu pai, João Maria Franco de Camargo,
por despertar em mim o gosto e o respeito
pela natureza e o amor pela Amazônia.
Apresentação ......................................................................................... XI
Capítulo 6 – Acordos de P
Acordos esca na Amazônia Brasileira:
Pesca
Princípio da Dignidade da P essoa Humana e
Pessoa
Conhecimento T radicional no Manejo P
Tradicional esqueir
Pesqueiro ................................ 95
esqueiro
Denison Melo de Aguiar; Serguei Aily Franco de Camargo;
Thaísa Rodrigues Lustosa de Camargo
A bacia Amazônica não foi escolhida por acaso. Trata-se da maior bacia
hidrográfica brasileira e onde se concentra a maior parte da pesca (em sentido
lato) do país. Na Amazônia, foram constatados os maiores níveis de consumo
de pescado do mundo, chegando, de acordo com alguns autores, a atingir até
600gr/pessoa/dia, como será discutido ao longo do presente estudo. A im-
portância do pescado para as populações dispersas nas vastas áreas de várzeas
e da bacia é vital, constituindo-se na maior fonte protéica disponível.
Historicamente, a pesca se desenvolveu à margem do Estado. Com o
passar do tempo, a população da Amazônia cresceu, aumentando as pressões
sobre os estoques pesqueiros. As viagens de pesca passaram a buscar locais
cada vez mais distantes dos grandes centros e os primeiros sinais de depleção
foram detectados na década de 1970, pelo Prof. Dr. Miguel Petrere Jr., então
pesquisador do INPA.
O acirramento dos conflitos deu lugar a embates cada vez mais freqüen-
tes e violentos. Em 1973, foi deflagrada a “Guerra do Peixe” no lago de
Janauacá, próximo a Manaus. Com a igreja católica trabalhando em suas co-
munidades eclesiais de base, os agrupamentos humanos do interior da Ama-
zônia consolidaram um senso de comunidade, dando poder às suas lideranças
e assumindo uma postura coesa na proteção de seus locais de pesca.
Vieram inovações tecnológicas, políticas públicas e incentivos fiscais que
deram fomento ao setor. Entretanto, o caminho do antigo Código de Pesca
de 1967, para a atual Lei de Pesca de 2009 foi longo. Muitas estratégias de
manejo foram adotadas e abandonadas. Novos paradigmas ambientais surgi-
ram com a Constituição Federal de 1988 e, no Brasil inteiro, os movimentos
sociais se fortaleceram, com destaque para o importante papel que o Grupo
de Trabalho Amazônico desenvolveu em prol das comunidades tradicionais,
resultando no surgimento de novos direitos.
Estava aberto o caminho jurídico para a participação das comunidades
de usuários na gestão dos recursos naturais (pesqueiros) em um sistema deno-
minado posteriormente gestão participativa. Entretanto, a construção de uma
cultura institucional que permitisse a recepção dos usos e costumes (ou do
conhecimento tradicional) dos usuários na elaboração de estratégias e a
implementação de ações de manejo ainda levou algum tempo.
Os anos 1990 e 2000 marcaram a importante contribuição dos projetos
de cooperação técnica internacional no fortalecimento institucional do IBAMA,
e na execução do sistema de gestão participativa da pesca. O ano de 2002
entrou para a história do setor pesqueiro como o ano da edição da Instrução
Normativa n° 29 do IBAMA, que prevê todos os passos para a construção dos
acordos comunitários de pesca, atualmente tão usados na bacia.
Apresentação 13
As redes de emalhar são as mais utilizadas em todos os casos, mas elas predomi-
nam nos ambientes lacustres. A miqueira e a malhadeira predominam nos lagos,
e as bubuias são mais usadas nos rios. Dentre estas redes, distinguimos o uso
muito freqüente de três tipos diferentes: i) a miqueira que é utilizada principal-
mente para a captura de mapará, mas também de peixes de escama, como o
pacu; ii) as malhadeiras muito utilizadas nos lagos na captura de tambaqui, acari
e pescadas, e no rio para pescar curimatã e bagres; iii) a bubuia utilizada princi-
palmente nos canais dos rios, para a captura de bagres, tais como dourada,
piramutaba, filhote, surubim, jaú e cujuba.
A tarrafa é um apetrecho polivalente, pois pode ser usada tanto nos rios
como nos lagos, destaca-se na captura de curimatã e surubim, por sua eficiên-
cia durante as subidas de piracemas nos canais mais estreitos dos rios ou nas
10 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
entradas dos lagos. Já, a redinha destaca-se na captura de jaraqui, bem como
de curimatã, piramutaba e mapará. É uma arte bem peculiar, que é utilizada
nos canais dos rios para a captura dos peixes migradores.
o consumo per capita oscila entre 100 a 200g/dia (36 a 72 kg/ano). Como o
consumo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 12 kg/
ano, fica evidente a importância deste alimento para a região, onde o consumo de
pescado é até 15 vezes maior que o recomendado (FERREIRA, 2009, p. 22).
[...] anzol (inclui espinhel, caniço, poita, pinauaca, linha de mão, curumim e
currico), arpão (arpão, flecha, zagaia), redes de arrasto (rede-malhadeira,
arrastadeira e redinha), tarrafa (tarrafa), rede de emalhar (malhadeira), armadi-
lhas (curral), outros (mãos, não identificado)”. Barthem (1999) descreve as carac-
terísticas e o uso desses aparelhos em Tefé. (VIANA, 2004, p. 255).
Considerações finais
Diante do contexto descrito acima, algumas considerações preliminares
podem ser registradas, como forma de direcionar a discussão para os próxi-
mos capítulos. Assim, pode-se afirmar que a pesca é uma atividade extrativa
de imensa importância para a bacia Amazônica e suas populações. A depen-
dência dessas populações em relação aos recursos pesqueiros pode ser confir-
mada pelo alto consumo de pescado nas cidades e pelos ribeirinhos, distribu-
ídos ao longo das várzeas e dos cursos d’água da bacia, onde seus padrões
culturais e suas formas de vida reforçam essa dependência.
As tecnologias de pesca evoluíram através do tempo. Melhores motores,
redes e formas de conservação do pescado tornaram-se disponíveis. Estas faci-
lidades refletiram na dinâmica do setor e proporcionaram capturas e desem-
barques crescentes. O aumento da pressão sobre alguns estoques conduziu a
sobrepesca e a necessidade de deslocamentos cada vez maiores por parte dos
pescadores comerciais.
Entretanto, apesar do volume e da importância do setor pesqueiro na
Amazônia, pode-se afirmar que o mesmo ainda carece de investimentos go-
vernamentais, implementação de políticas de ordenamento e incentivo à or-
ganização.
Referências
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ário-Amazonas-Solimões. Dissertação de Mestrado, INPA, Manaus. 2001.
18 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
O direito pesqueiro
pesqueiro
Ainda não se pode falar em um direito pesqueiro autônomo, uma vez
que este ramo do direito não possui autonomia epistemológica e nem princí-
pios próprios que o fundamentem. O direito pesqueiro localiza-se abrigado
pelo direito agrário, seguindo a orientação do art. 187 da Constituição Fede-
ral, ao dispor que o planejamento agrícola deve compreender as atividades
agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais. Reforçando essa idéia,
encontra-se o art. 27, da Política Nacional de Pesca, instituída pela Lei 11.959
de 29 de junho de 2009, que declara que são considerados produtores rurais
e beneficiários da política agrícola as pessoas físicas e jurídicas que desenvol-
vam atividade pesqueira de captura e criação de pescado. No mesmo sentido
dispõe o ainda vigente art. 18, parágrafo único do Código de Pesca, Decreto
20 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
1. A análise dos instrumentos jurídicos internacionais referentes à pesca será feita em capí-
tulo próprio.
O Direito Pesqueiro no Ordenamento Jurídico Brasileiro 21
3. Tirar proveito econômico de (determinada área), sobretudo quanto aos recursos naturais.
O Direito Pesqueiro no Ordenamento Jurídico Brasileiro 23
Tipifica ainda a lei em seu art. 34, que quem pescar em período no qual
a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente, será
penalizado com detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente. Além disso, incorre nas mesmas penas quem:
No art. 35, a lei penal ambiental destaca que é crime pescar mediante a
utilização de explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produ-
zam efeito semelhante, bem como a utilização de substâncias tóxicas, ou ou-
tro meio proibido pela autoridade competente. Nestes casos a pena é de
reclusão de um a cinco anos.
Vale mencionar também que, em seu art. 36, a lei que pune os crimino-
sos ambientais, define a pesca como:
todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espé-
cimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetí-
veis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de
extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.
28 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
O Decreto Lei 221/1967, em seu art. 1o, definia pesca como sendo: “[...]
todo ato tendente a capturar ou extrair elementos animais ou vegetais que
tenham na água seu normal ou mais frequente meio de vida.”. Assim, é possí-
vel perceber que a lei criminal ampliou o rol de verbos-tipo relacionados à
conduta criminosa do agente. Ressalte-se também que para a lei criminal, a
finalidade da pesca não precisa ser econômica.
Por outro lado, segundo Constantino (2001), o legislador cometeu peri-
goso equívoco, ao deixar propositadamente desprotegidos os mamíferos aqu-
áticos, cuja pesca é regulamentada por legislação própria. Nesse caso, ao men-
cionar no final do art. 36 “ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção”, os
mamíferos aquáticos restam duplamente desprotegidos, pois, apesar de cons-
tarem nas listas oficiais de espécies ameaçadas, estão sujeitos a aplicação de
legislação pesqueira especial (de cunho administrativo, proveniente do IBAMA
ou MPA). Caso inexistam essas normas administrativas, as condutas típicas
não poderão ser punidas, uma vez que os mamíferos não se enquadram em
nenhum dos grupos biológicos descritos no caput do artigo em tela.
Política nacional
por seu turno, tem competência sobre a política nacional pesqueira e aquícola,
abrangendo produção, transporte, beneficiamento, transformação,
comercialização, abastecimento e armazenagem (Lei nº 11.958/09, art. 27,
XXIV).
O primeiro conflito encontra-se na própria política, uma vez que os
recursos pesqueiros integram diversos ecossistemas, possuindo diversidade es-
pecífica e, em grande parte, desconhecida (v.g. na bacia Amazônica, onde
estimativas mais conservadoras indicam cerca de 2000 espécies de peixes,
enquanto outras chegam a indicar até 8.000, para um universo descrito de
algumas poucas centenas – BATHEM; FABRÉ, 2004). Cabendo, dessa forma,
aos dois Ministérios versarem sobre o assunto. A duplicidade de regulamenta-
ção sobre um mesmo recurso natural, proveniente de ministérios com orien-
tações distintas pode ensejar problemas práticos, interferindo na distribuição
das competências materiais.
As ações de execução das políticas fazem parte da esfera das autarquias
do MMA: IBAMA e Chico Mendes. No primeiro caso, as ações referem-se
“[...] às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle
da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscali-
zação, monitoramento e controle ambiental [...]” (Lei nº 7.735/89, art. 2º,
II). O Instituto Chico Mendes possui uma atribuição mais restrita, sendo com-
petente especificamente para executar ações em unidades de conservação ins-
tituídas pela União (Lei nº 11.516/07, art. 1º, I), o que também está incluído
nas atribuições genéricas do IBAMA.
Normatização
Fiscalização
Educação e pesquisa
Cabe às Superintendências Federais de Pesca e Aquicultura do MPA a
competência pela pesquisa pesqueira e aquícola (Lei nº 10.683/03, art. 27,
XXIV, l). Ao Instituto Chico Mendes, fomentar e executar programas de pes-
quisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação
ambiental (Lei nº 11.516/07, art. 1º, III).
A questão da promoção da educação ambiental era melhor explicitada
na legislação da extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (Dec. nº 73.030/
73, art. 4), cujas competências incluíam: i) promover, em todos os níveis, a
formação e treinamento de técnicos e especialistas em assuntos relativos à
preservação do meio ambiente; ii) promover, intensamente, através de pro-
gramas em escala nacional, o esclarecimento e a educação do povo brasileiro
para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do
meio ambiente.
Antes da criação do MPA e do Instituto Chico Mendes, existiram diver-
sas ações de pesquisa, conservação da biodiversidade e educação ambiental.
Cite-se como exemplos alguns projetos de cooperação técnica internacional
da Amazônia (IARA e ProVárzea), que além de desenvolverem ampla ativida-
de de pesquisa, contribuíram sobremaneira para o ordenamento pesqueiro,
desenvolvendo ainda diversas atividades de educação ambiental,
consubstanciadas na produção de inúmeros documentos institucionais,
documentários e eventos com participação social (Cf. Página institucional do
IBAMA/ProVárzea).
O Direito Pesqueiro no Ordenamento Jurídico Brasileiro 35
Ações conjuntas
Há ainda as previsões de parcerias entre o MMA e o MPA. O MMA
também deverá atuar em conjunto e sob a coordenação do MPA nas temáticas
relacionadas ao uso sustentável dos recursos pesqueiros (Lei nº 10.683/03, art.
27, §6º, I), como, por exemplo, o estabelecimento de limites de sustentabilidade
para autorização de embarcações estrangeiras (art. 27, XXIV, i), conforme já
citado.
O MPA deve fornecer ao Ministério do Meio Ambiente os dados do
Registro Geral da Pesca relativos às licenças, permissões e autorizações conce-
didas para pesca e aquicultura, para fins de registro automático dos beneficiários
no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e
Utilizadoras de Recursos Ambientais (Lei nº 10.683/03, art. 27, XXIV, m).
O MMA também deve atuar em parceria com o Ministério das Relações
Exteriores para “subsidiar, assessorar e participar de negociações [...] e eventos
que envolvam o comprometimento de direitos e a interferência em interesses
nacionais sobre a pesca e aquicultura” (Lei nº 10.683/03, art. 27, XXIV, §6º, II).
O IBAMA deve executar as ações supletivas de competência da União,
de conformidade com a legislação ambiental vigente.
Apesar de inúmeros exemplos de previsões legais de ações
interministeriais nos níveis interno e externo (internacional), observa-se que
na prática, poucos resultados foram atingidos até o momento. No âmbito
do Tratado de Cooperação Amazônica, assinado na década de 70, apesar da
grande ênfase que se deu a promoção da utilização racional dos recursos
naturais da bacia Amazônica e ao desenvolvimento da navegação, até o
presente momento não se observou nenhuma Comissão ligada ao Ministé-
rio das Relações Exteriores tratando, por exemplo, da pesca dos grande bagres
migradores; ou ainda, da implementação de ações concretas para o desen-
volvimento da navegação, apesar do grande volume de recursos arrecada-
dos pela Receita Federal através da cobrança do Adicional ao Frete para
Renovação da Marinha Mercante (que iniciou na década de 40 e persiste até
hoje).
No âmbito específico da relação MMA e MPA, observa-se a dificuldade
de articulação interministerial, denotada pelo acompanhamento prático de
processo para homologação de acordo comunitário de pesca no município de
Boa Vista do Ramos (AM). O referido processo foi encaminhado ao IBAMA
em 2009, levando mais de dois anos para ser concluído. Note-se que no
momento da homologação do acordo em pauta, vários de seus dispositivos
36 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
Considerações Finais
Finais
Diante do exposto, podem ser registradas algumas conclusões preliminares
sobre a tutela da atividade pesqueira no Brasil. Em primeiro lugar, destaca-se a
falta de autonomia epistemológica do direito pesqueiro, sujeitando este ramo do
conhecimento à aplicação dos princípios gerais do direito e, mais especificamen-
te, do direito agrário. Isso impede o desenvolvimento de uma exegese legal ade-
quada e a consequente aplicação relativizada da lei aos casos concretos.
Tal falta de autonomia epistemológica se reflete na prática, através da
criação de um Ministério que congrega duas atividades visceralmente distintas:
Referências
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Renováveis e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos,
cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX
do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de
1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Disponível em: <https:/
/www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l9433.htm>. Acessado em: 29
de janeiro de 2012.
_____. Lei nº 9.605
9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e adminis-
trativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras provi-
dências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/
l9605.htm>. Acessado em: 29 de janeiro de 2012.
38 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
A bacia Amazônica estende-se por nove países. Nesse caso, alguns estoques
pesqueiros podem ser compartilhados por um ou mais países. A atividade
pesqueira é desenvolvida tradicionalmente por comunidades ribeirinhas e o
pescado é a principal fonte de proteína animal de toda essa população.
Pesquisas recentes indicam que o Brasil avançou na gestão de recursos
pesqueiros, principalmente através da implementação do sistema de gestão
participativa da pesca, enquanto que na esfera internacional pouco se tem
feito para regulamentar o aproveitamento de estoques pesqueiros comuns e
fomentar o desenvolvimento regional sustentável.
Nesse contexto, o presente capítulo traz como estudo de caso, a questão
da pesca do pirarucu Arapaima gigas na região da tríplice fronteira (Brasil,
Peru e Colômbia), para em seguida abordar aspectos relacionados ao direito
internacional e direito comparado em seus pontos mais relevantes para a ba-
cia Amazônica.
A região da tríplice F
Frronteira Brasil, Peru e Colômbia
Peru
De acordo com Faulhaber (2010), no fim do século XIX, colocou-se em
questão a linha de fronteira Brasil, Peru e Colômbia, que desde fins do século
XVIII, já era objeto de divergências entre Portugal e Espanha. Chegou-se a um
40 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
tas espécies da fauna e da flora selvagem contra toda exploração pelo comér-
cio internacional.
Em seu texto inicial, os Estados contratantes reconhecem que a fauna e a
flora selvagem, em suas muitas belezas e variedade de formas, são uma parte
insubstituível do sistema natural da Terra que devem ser protegidas por esta e
pelas próximas gerações. Reconhecem também que a cooperação internacio-
nal é essencial para a proteção dessas espécies.
Assim, toda importação, exportação e re-exportação de animais e vege-
tais (bem como suas partes e derivados), cuja classificação esteja presente nos
anexos da Convenção, precisa ser previamente autorizada. As espécies encon-
tram-se distribuídas em três apêndices, de acordo com o grau de proteção
considerado necessário.
Os apêndices I, II e III da Convenção listam as espécies protegidas sob
diferentes níveis ou tipos de proteção contra a exploração descabida. O apên-
dice I apresenta as espécies ameaçadas de extinção, cuja comercialização inter-
nacional é proibida pela CITES, exceto para fins científicos. O apêndice II traz
os nomes das espécies que não necessariamente estão em perigo de extinção,
mas devem ter sua comercialização reduzida e controlada para sua conserva-
ção.
O comércio internacional das espécies do apêndice II deve ser autoriza-
do pelo outorgante da permissão de exportação ou do certificado de re-ex-
portação (exportação de produto importado). A CITES não exige a permissão
de importação para essas espécies, contudo, alguns países são mais rigorosos
neste sentido. Permissões e certificados devem ser outorgadas apenas se auto-
ridades superiores estiverem certas das condições encontradas, bem como que
toda a comercialização não causará detrimento à sobrevivência da espécie em
seu ambiente natural.
O apêndice III é uma lista das espécies incluídas sob o requerimento de
uma das Partes que já regulam sua comercialização e necessitam da coopera-
ção de outros países para prevenir exploração não-sustentável ou ilegal. O
comércio internacional dessas espécies é permitido apenas com a apresenta-
ção de permissões ou certificados apropriados.
Nomes de espécies podem ser acrescidos ou removidos dos apêndices I,
II e III, ou movimentados entre eles apenas por convenção das partes em
encontro ordinário ou extraordinário com este fim. No entanto, espécies po-
dem ser acrescidas ou removidas do apêndice III a qualquer momento e por
qualquer uma das partes unilateralmente.
Segundo dados da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espé-
cies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES, 2012), o Brasil
44 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
1. O Código de Conduta para uma Pesca Responsável foi adotado pela Conferência da
FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) na sua vigé-
sima oitava sessão, em 31 de Outubro de 1995.
O Direito Pesqueiro na Esfera Internacional: A Região da Tríplice Fronteira... 45
Isso, consequentemente, trouxe uma disputa das potências pelos estoques das
riquezas naturais, uma vez que a distribuição geográfica de tecnologia e de recur-
sos está distribuída de maneira desigual. Enquanto as tecnologias avançadas são
desenvolvidas nos centro de poder, as reservas naturais estão localizadas nos pa-
íses periféricos, ou em áreas não regulamentadas juridicamente. Esta é, pois, a
base da disputa.
Segundo o diplomata brasileiro Pedro Motta Pinto Coelho, “No TCA estão firma-
dos princípios básicos para a cooperação regional, como a idéia de que, para
lograr-se o desenvolvimento integral dos respectivos territórios da Amazônia, é
necessário manter o equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação
do meio ambiente; ou a idéia de que tanto o desenvolvimento sócio-econômico
como a preservação do meio ambiente são a responsabilidades inerentes à sobe-
rania de cada Estado. (RODRIGUES, 2001, p. 39)
Além de outros acordos que podem ser apresentados tais como: o Acordo
de Pesca entre o Brasil e a Argentina (1967) e o Acordo de Pesca e Preservação
de Recursos Vivos entre o Brasil e o Uruguai (1968).
Considerações finais
A bacia Amazônica se distribui por diversos países e, consequentemente,
compartilha estoques pesqueiros, tais como dos bagres migradores (dourada
e piramutaba) e de peixes sedentários, como o caso do pirarucu.
A necessidade da promoção do desenvolvimento em bases sustentáveis
da bacia e a utilização racional dos recursos naturais motivou o estabeleci-
mento do Tratado de Cooperação Amazônica, no início da década de 1970.
Entretanto, a partir do direito comparado é possível perceber que os Estados
signatários do mencionado documento pouco avançaram no sentido de criar
legislações compatíveis para a manutenção desses estoques pesqueiros com-
partilhados, ignorando até o momento, a poluição transfronteiriça, que ame-
aça a integridade ecológica da bacia, prejudicando a pesca.
Referências
AXELROD, H.R.; BURGESS, W.E.; PRONEK, N.; WALLS, J.G. Dr Dr.. Axelrod’s Atlas of
Axelrod’s
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O Manejo de
Recursos Pesqueir
Pesqueiros
esqueiros
4
Blanca Lourdes Bottini R ojas
Rojas
Serguei Aily Franco de Camargo
Franco
Miguel P etrere Jr
Petrere Jr..
Bases conceituais
O manejo de recursos naturais abrange várias disciplinas, tais como a
ecologia, ciências sociais e a gestão pública. As regras que o fundamentam
envolvem formas de aproveitamento e a definição de seus respectivos titula-
res, visando à regulação de padrões de uso e à potencialização dos resultados.
Portanto, o manejo (gestão ou gerenciamento) de recursos naturais possui
duas dimensões inter-relacionadas: o sistema social e o sistema ecológico (Cf.
CARLSSON; BERKES, 2005; CASTRO, 2004; SEIXAS; BERKES, 2005).
Assim, o manejo dos recursos naturais ocupa um papel determinante no
processo de regulação das inter-relações entre os sistemas naturais e sociais a
longo prazo. Neste caso, deve-se levar em consideração a diversidade de inte-
resses dos atores sociais envolvidos no processo de manejo, e as incertezas e
controvérsias científicas sobre as dinâmicas ecossistêmicas (VIEIRA; BERKES;
SEIXAS, 2005).
60 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
3. Segundo Reis, Kullander e Ferraris (2003), 20% das espécies continentais já estão extintas.
4. Sobre ese tema, ver ACHESON, 1981; HILBORN; WALTERS, 1992; PROYECTO FODEPAL,
2004; PAIVA, 2004.
62 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
benefícios individuais esperados. Assim, o pescador opta por aumentar sua cap-
tura porque existem benefícios individuais esperados por um esforço maior de
captura, enquanto os custos esperados, entendidos como uma sobre-explotação
do recurso são compartilhados entre todos os usuários do recurso.
Com esta premissa, todos os pescadores aumentam o esforço pesqueiro
e investem na melhoria do poder de pesca das embarcações. Esta situação
gera a sobre-explotação do recurso e produz importantes perdas para os pes-
cadores que tem que exercer um esforço pesqueiro maior para obter menores
capturas, terminando, finalmente, numa situação onde não há mais recurso e
não há novos ingressos (BERKES et al., 2006).
Camargo (1998) aponta que, nas circunstâncias de livre acesso, os riscos
econômicos da extinção das pescarias são maiores que a circunstâncias de
acesso limitado, pois no manejo dos recursos naturais é pertinente estabelecer
direitos, taxas e privilégios. No Brasil, apesar da situação jurídica dos estoques
pesqueiros, não se pode falar em livre acesso, uma vez que a atividade é
regularmente licenciada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura. Observam-se
também diversas práticas de limitação de acesso aos estoques pesqueiros, através
de medidas de restrição de frota pesqueira (v.g. pesca de camarões).
Assim, a sustentabilidade da atividade pesqueira tem que lidar com a
questão de como se define o “uso” dos recursos. As formas de apropriação do
espaço pelos pescadores são o eixo principal da polêmica sobre as perspecti-
vas de vida e trabalho das comunidades de pescadores. Portanto, os tipos de
manejo pesqueiro procedem do sistema de acesso aos mesmos, do comporta-
mento de territorialidade e das interações intra e intercomunitárias, principal-
mente com o estado (Cf. McCAY; ACHESON, 1987; CAMARGO, 1998; BERKES
et al., 2006).
O manejo da pesca é necessário para que a atividade permaneça lucrati-
va. Para tal, a agência/órgão gestor (governamental ou não) que dirige o
manejo deve estar preparada para manter o equilíbrio entre os interesses de
todos os envolvidos, enquanto garante que o sistema pesqueiro de forma
geral seja sustentável (FAO, 1999; BERKES et al., 2006).
Assim, diferentes abordagens de manejo são reconhecidas pela literatu-
ra. Segundo Berkes et al. (2006), entre elas, observam-se o manejo
ecossistêmico, o manejo adaptativo, os novos regimes de governança, o ma-
nejo compartilhado (ou co-manejo), o uso do conhecimento tradicional ou
local dos pescadores e os meios de vida sustentáveis.
O Manejo de Recursos Pesqueiros 65
Manejo ecossistêmico
A abordagem de manejo ecossistêmico foi inicialmente tratada no Fórum
de Consultas sobre Princípios Ecossistêmicos dos Estados Unidos (EPAP), em
1998. Baseado na literatura dos ecossistemas pesqueiros e na experiência de
seus representantes, este fórum sugeriu princípios, objetivos e políticas que
incorporam elementos-chave para a abordagem ecológica do manejo da pes-
ca. Assim, seus elementos fundamentais são: i) a manutenção dos bens e servi-
ços ambientais e seus benefícios; ii) a redefinição dos limites que caracterizam
o manejo, pois o ecossistema funciona como uma entidade una e indivisível,
o que sugere transcender limites jurisdicionais, posto que os ecossistemas ul-
trapassam as fronteiras entre estados e países; iii) a adoção de uma visão a
longo prazo, garantindo a sustentabilidade dos recursos para as gerações futu-
ras; iv) a integração da informação social e econômica com a informação
ambiental e; (v) a manutenção do potencial produtivo (FAO, 2004a).
Também chamado de manejo pesqueiro baseado no ecossistema -
“Ecosystem-based fisheries management” (EBFM), este enfoque foi posterior-
mente discutido na “Conferência de Reykjavik sobre a Pesca Responsável no
Ecossistema Marinho”, organizada pela FAO e pelos Governos de Islândia e
Noruega, no ano 2001. A declaração desta Conferência afirma que a incorpo-
ração do conceito de ecossistema implica na sua conservação mais efetiva e
no seu uso sustentável, reafirmando-se igualmente os princípios do Código de
Conduta para a Pesca Responsável (FAO, 2004a, b; FAO, 2006; COCHRANE,
2005; FAO, 2007).
Mediante o enfoque ecossistêmico das pescarias, procura-se equilibrar os
diversos objetivos sociais, considerando os conhecimentos e as incertezas so-
bre os componentes bióticos, abióticos e humanos dos ecossistemas e suas
interações, para então aplicar à pesca um enfoque integrado dentro de limites
ecológicos fidedignos. Assim, segundo a FAO (2004a; 2006; 2007), o EBFM
não é incompatível com os enfoques atuais de ordenamento da pesca sendo
mais uma extensão ampliada destes.
O EBFM orienta-se não só para a regulamentação da pesca de certas
espécies, mas também cuida para que a pesca não tenha um efeito indesejável
em outras espécies afins ou dependentes das espécies alvo. Os esforços, por-
tanto, estarão dirigidos na preservação da integridade do ecossistema medi-
ante o estabelecimento de limites conservadores (precaucionários) (Cf FAO,
2006; COCHRANE, 2005).
Na abordagem ecossistêmica, deve-se considerar o homem como parte
da cadeia alimentar e não apenas as relações tróficas no ambiente aquático. O
homem assume a função de predador e ente de distorção das relações existen-
68 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
Manejo adaptativo
Este conceito foi desenvolvido pelos ecólogos Holling e Walters da Uni-
versidade de British Columbia, Canadá em 1970. O manejo adaptativo está
relacionado com o aprendizado através da prática. É um processo sistemático
de melhorar continuamente as políticas e práticas de manejo, aprendendo
com os resultados dos programas operacionais (WALTERS; HOLLING, 1990).
Segundo Hilborn e Walters (1992), o manejo adaptativo é um processo
de realimentação, onde a combinação da informação formal e informal e as
políticas formuladas pela administração pesqueira têm que ser repassadas aos
usuários e tomadores de decisão, de forma que as lições sejam absorvidas e
incorporadas pela sociedade.
Assim, este enfoque é um processo que tenta organizar os usuários e
administradores, para que tomem suas decisões a partir de informações gera-
das por diversos testes de hipótese e por modelagem (HILBORN; WALTERS,
1992). As decisões de manejo são periodicamente revisadas e corrigidas com
base na avaliação dos resultados obtidos através do monitoramento das ações
efetivadas.
5. A exemplo disso, cita-se o ProVárzea (IBAMA, GTZ, KfW e DfID), que teve como um de
seus principais objetivos o monitoramento da integridade da bacia Amazônica, através
da avaliação das condições da pesca.
O Manejo de Recursos Pesqueiros 69
6. Esta é a forma de manejo mais comum observada na bacia Amazônica. É com base
nesses critérios que são elaborados os acordos comunitários de pesca, conforme será
visto detalhadamente no decorrer desta obra.
O Manejo de Recursos Pesqueiros 71
10. Mais uma vez, cita-se como exemplo da utilização desse conhecimento no manejo
pesqueiro, o processo de formulação de acordos de pesca na bacia Amazônica.
O Manejo de Recursos Pesqueiros 73
Considerações finais
Como visto acima, a escolha das estratégias de manejo aplicáveis a um
caso concreto envolvem a disponibilidade de informações científicas sobre os
estoques (biologia e ecologia das espécies-alvo), de aparelhamento de gestão
do Estado e da possibilidade e/ou viabilidade da participação dos usuários no
processo de gestão de uso dos estoques.
Os objetivos das diferentes estratégias são convergentes: proporcionar o
desenvolvimento sustentável da atividade em diferentes escalas. Nesse senti-
do, praticamente qualquer alternativa de manejo exposta neste capítulo en-
contra amparo legal em nosso ordenamento, partindo da interpretação da
própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, no qual o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado assume o status de direito funda-
mental para as presentes e futuras gerações.
A interpretação do referido texto constitucional permite ainda a aplica-
ção do princípio da precaução ao manejo pesqueiro, ensejando grande diver-
sidade de estratégias possíveis. Resta assim, interpretar a legislação brasileira
sob a óptica dos conceitos expostos, permitindo o desenvolvimento sustentá-
vel do setor pesqueiro.
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O Manejo de Recursos Pesqueiros 75
1. Nesse sentido, dipõem McGRATH et al., 1993; CASTRO; McGRATH, 2001; BARTHEM
et al., 1997.
2. Este é o posionamento adotado por PAIVA, 1983; PETRERE, 1990; FURTADO, 1993;
ISAAC; RUFINO, 1996.
Síntese Histórica Sobre o Manejo Pesqueiro na Amazônia Brasileira 81
Outras iniciativas
como “Movimento de Preservação dos Lagos”, e foi liderado pela Igreja Ca-
tólica, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Assim, várias comunidades passaram a controlar o acesso e uso dos lagos
através de instrumentos informais, estabelecidos entre as comunidades vizi-
nhas. Por meio de suas associações e organizações comunitárias, constituíram
os acordos de pesca que, em princípio, foram instituídos como contratos par-
ticulares, sem validade extra-partes e de legalidade questionável, porém do-
cumentados em atas e abaixo-assinados (ISAAC; CERDEIRA, 2004).
Para Furtado (1993), o objetivo principal desses instrumentos era estabe-
lecer regras para a pesca nos lagos, a fim de limitar o acesso e as formas de uso
dos recursos pesqueiros, visando garantir a manutenção e produtividade.
Apesar de desde o ano de 1972 haver registros de iniciativas voltadas
para a regulamentação do acesso aos recursos aquáticos na região de Maicá,
município de Santarém (ISAAC; CERDEIRA, 2004), somente na década de
1990, as populações ribeirinhas passaram a se organizar e utilizar de fato os
acordos de pesca, devido à ineficiência da fiscalização do Estado (BATISTA;
ISSAC; VIANA, 2004).
Muitos acordos de pesca (conforme a Instrução Normativa-IBAMA no
29/2002) ainda estão em vigor na Amazônia. Estes eram regulamentados na
forma de instrumentos administrativos pelo IBAMA. Entretanto, após a cria-
ção do MPA e do estabelecimento de competências conjuntas entre MMA e
MPA, os processos para a homologação de acordos de pesca devem tramitar
nas esferas administrativas apropriadas nos dois Ministérios.
Atualmente, os comunitários de uma determinada região, interessados
na negociação de um acordo de pesca, devem promover uma discussão am-
pla, onde comunidades vizinhas, instituições governamentais e não governa-
mentais e pescadores profissionais (Colônias de Pescadores) discutem e geram
propostas de manejo de pesca e fiscalização. Para que os acordos tenham
viabilidade operacional, foram desenvolvidas medidas quem garantam sua
eficácia. Uma dessas medidas era a formação de Agentes Ambientais Voluntá-
rios (AVV), que colaborassem com as instituições competentes na fiscalização
e ações de educação ambiental (CERDEIRA, 2002).
Acredita-se que a sequência prática adotada para o estabelecimento de
um acordo de pesca (adaptado a partir da IN-IBAMA 29/2002) deve passar
por: i) ações de mobilização comunitária e institucional; ii) reuniões inter e
intra-comunitárias, com a participação dos demais atores interessados no pro-
cesso; iii) encaminhamento da proposta final ao MPA, lembrando que o pro-
cesso também tramitará pelo IBAMA; e iv) posterior conversão do acordo em
instrumento de caráter administrativo. Ações de monitoramento e avaliação
88 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
ças eleitas pelas comunidades. Antes das assembleias, cada grupo de comuni-
dades e os setores propõem uma pauta de tópicos relevantes que é transmiti-
da para as comunidades previamente. Assim, cada comunidade tem a oportu-
nidade de discutir internamente os assuntos da pauta, elegendo um represen-
tante como porta-voz destas decisões.
Os representantes eleitos das 63 comunidades da RDSM se reúnem anu-
almente em assembleia, quando interagem com outras instituições locais para
discutir os avanços, os retrocessos e as novas estratégias na implementação do
plano de manejo. No processo de tomada de decisão, são considerados os
moradores da reserva que participam da escolha dos lagos que são destinados à
pesca, no estabelecimento da cotas de captura, na definição das épocas de pes-
ca, assim como outras atividades de ordenação. Para respaldar estas decisões,
um programa de pesquisas é mantido e também são promovidas atividades de
sensibilização, mobilização, informação e fortalecimento da organização.7
Como demonstra Queiroz (2009), as Reservas Mamirauá e Amanã con-
tam com um sistema misto de fiscalização, formado por guardas-parque con-
tratados e uma rede de agentes voluntários treinados pelo IBAMA. Órgãos
estatais oferecem apoio ao sistema, como o Instituto de Proteção Ambiental
do Amazonas (IPAAM), vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (SDS), IBAMA, Polícia Militar e Exército. Além
disso, cada sistema de manejo possui um protocolo próprio de controle, rea-
lizado pela respectiva associação comunitária nas atividades locais de execu-
ção. Estes últimos, como uma forma de controle social endógeno do sistema,
buscam controlar o acesso e uso das zonas de pesca e o respeito às normas de
uso. Os resultados são variáveis no tempo e de acordo com a associação
comunitária em questão.
Queiroz (2009) também discorre que uma metodologia mista de
monitoramento da pesca manejada foi implementada, com a participação
dos membros das associações comunitárias. Através dela, são principalmente
acompanhadas as formas de uso das zonas de pesca, as cotas de produção, a
aplicação correta dos apetrechos, a comercialização e a partilha das cotas
globais em cotas individuais entre os membros das associações.
Segundo Castello (2004) e Queiroz (2005), os planos de controle da
pesca nas Reservas Mamirauá e Amanã envolvem o manejo de cerca de 5
espécies, mas o mais conhecido e de maior visibilidade é o do pirarucu. Para
esta finalidade, foi elaborado um sistema de zoneamento. Entretanto, o
zoneamento proposto não foi totalmente acatado pelos pescadores. A pro-
7. Nesse sentido dispõem QUEIROZ; CRAMPTON, 1999; BATISTA; ISSAC; VIANA, 2004;
RUFFINO, 2005; QUEIROZ, 2005.
90 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
Considerações finais
Diante do exposto, percebe-se a evolução dos sistemas de manejo utili-
zados nas pescarias da Amazônia. A falência de um sistema centralizado no
governo, devido à ausência institucional, política e administrativa cede lugar
a participação dos usuários em um sistema de gestão participativa.
O sistema de gestão participativa, entretanto, possui origens culturais
(das comunidades ribeirinhas) e institucionais, sendo inegável o impulso dos
projetos de cooperação técnica internacional para a institucionalização desse
sistema pelo IBAMA.
Com a evolução dos movimentos sociais na Amazônia e a implementação
de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), este modelo
de gestão participativa se espalha, adentrando em áreas especialmente afeta-
das e protegidas. Isto pode ser observado claramente com o caso relatado
sobre a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá.
Este modelo, posteriormente inserido no SNUC, tem servido de paradigma
em outras áreas do Brasil. No mesmo sentido, é esperado que o sucesso do
envolvimento comunitário no manejo do pirarucu em Mamirauá possa ser
replicado, beneficiando outras comunidades.
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Síntese Histórica Sobre o Manejo Pesqueiro na Amazônia Brasileira 93
seu fundamento. Os princípios possuem conexões entre si, assim como com
todas as demais normas, formando um conjunto harmônico que impede que
o ordenamento seja uma série de fragmentos desconexos.
Dessa forma, verifica-se que os princípios jurídicos desempenham papel
importante, podendo auxiliar na interpretação de outras normas jurídicas,
possibilitar a integração de lacunas e servir de padrão para se verificar a vali-
dade de leis. No âmbito do direito ambiental, eles servem ainda para balizar
a atuação do Estado em relação à tutela do ambiente.
Os princípios apresentam diferentes graus de importância e de concre-
tização dentro do ordenamento jurídico. Os princípios que compõem a base,
a estrutura do ordenamento, constituindo-se em fundamentos de interpreta-
ção e aplicação do direito positivo, foram denominados por Canotilho (2003),
ao dispor sobre a ordem constitucional portuguesa, como princípios estru-
turantes.
Os princípios estruturantes são concretos, possuem conteúdo específico
e condicionam-se mutuamente. Eles podem ser concretizados por princípios
constitucionais gerais ou especiais e ainda por regras constitucionais. Seu grau
de concretização e sua densidade podem ser aumentados por meio da prática
legislativa e jurisprudencial.
Tais princípios possuem duas dimensões: constitutiva e declarativa. Pela
primeira, pressupõe-se que os princípios auxiliam na compreensão global da
ordem constitucional. Pela dimensão declarativa, eles tornam-se “super-con-
ceitos”, utilizados para representar a totalidade de outros subprincípios.
A dignidade da pessoa humana é um dos principais princípios estruturantes
de qualquer Estado Democrático de Direito, estando expressamente previsto
no art. VI, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezem-
bro de 1948, ao dispor que: toda pessoa tem o direito de ser reconhecida
como tal perante a lei, em qualquer lugar. Em outros termos, a dignidade é a
“condição humana de ser humano” (SARLET, 2009, p. 28).
Como dispõe Silva (2005), a dignidade é o valor supremo que funda-
menta todos demais direitos fundamentais do homem, uma vez que decorre
diretamente do direito fundamental à vida. No ordenamento jurídico brasi-
leiro, tal princípio está consolidado como um dos fundamentos do Estado
Democrático brasileiro, no art 1º, III da Constituição Federal de 1988, ao lado
da soberania (I); da cidadania (II); dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa (IV); e do pluralismo político (V).
No mesmo sentido, Derani (2008, p. 214) menciona:
Acordos de Pesca na Amazônia Brasileira: Princípio da Dignidade... 97
[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comuni-
dade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamen-
tais que assegurem a pessoa tanto quando contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
atividade co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comu-
nhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres
que integram a rede a vida. (SARLET, 2009, p. 64).
1. Raynaut (2004, p. 29) também se manifesta neste sentido: “A visão de uma natureza virgem
e intocada não passa de um mito e quase todos os meios ‘naturais’ do mundo não podem
ser analisados sem levar em conta o papel da intervenção humana na sua dinâmica”.
100 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
nizar, criando suas próprias regras de manejo. O objetivo era excluir da região
os pescadores de fora. Esta medida acirrou as disputas pelos lagos e os confli-
tos entre os pescadores locais de subsistência, os fazendeiros que utilizavam as
áreas de pesca para o manejo de gado (bovino e bubalino), e os pescadores
de fora (comerciais).
Frente a esses conflitos, a busca pelo consenso aparece, então, como
única alternativa para manutenção dos estoques. Pescadores comerciais e ri-
beirinhos, enquanto categorias distintas passam a se organizar e a escolher
seus representantes, no intuito de defender seus interesses e formular bases
legais que limitem a atividade pesqueira em cada localidade.
Os acordos de pesca surgem, assim, como marco no sistema de gestão
participativa. Apesar de não se poder falar em inovação, pois sua prática já
era constatada antes da Instrução Normativa n° 29/2002 do Instituto Brasilei-
ro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), os acor-
dos passam a ser o foco de vários projetos de cooperação técnica internacio-
nal (v.g. Projeto Administração dos Recursos Pesqueiros do Médio Amazonas:
Estados do Pará e Amazonas - IARA, Projeto Aproveitamento dos Recursos
Naturais de Várzea – PróVárzea, e Projeto de Aproveitamento Pesqueiro das
Águas Interiores do Ceará - PAPEC), executados em contrapartida pelo IBAMA.3
4. Ráo (2004) menciona que Direito Costumeiro são normas não-escritas, que podem ser
positivadas, quando incluídos em um sistema legislativo, obedecendo a ordem política
e pública, definindo e limitando o poder e as funções do Estado. No entanto, há de se
prevenir que, conforme Bourdieu (1989), quando ocorre a codificação, pode ocorrer
que a lei prejudique o fluído social e a criatividade.
Acordos de Pesca na Amazônia Brasileira: Princípio da Dignidade... 107
5. Estas informações foram baseadas no levantamento realizado por meio do Censo Esta-
tístico Comunitário (CEC), em abril de 2009, no âmbito do projeto “Gestão Participativa
da Pesca na Região do Rio Urubu, em Boa Vista do Ramos/AM”.
Acordos de Pesca na Amazônia Brasileira: Princípio da Dignidade... 109
Considerações finais
As pescarias amazônicas possuem características que conformam as es-
tratégias de manejo empregadas. O caráter multiespecífico e difuso da ativi-
dade, somados a vastidão geográfica abrangida e a falta de fiscalização pro-
movem diversas dificuldades.
A utilização de técnicas paramétricas de manejo implicariam em grande
base científica sobre a ecologia e biologia das espécies-alvo, assim como infor-
mações detalhadas sobre as pescarias e seus pescadores. No caso brasileiro,
não existem bases suficientes para o estabelecimento, por exemplo, de políti-
cas de captura por espécie e/ou região, como acontece em pescarias
monoespecíficas no Atlântico Norte (v.g. bacalhau e arenque).
Nesse caso, algumas tentativas pontuais e bem sucedidas, como o manejo
do pirarucu em Mamirauá assumem extrema importância, dado o caráter
multiplicador da iniciativa, que envolve o estabelecimento de cotas de captura,
pressupondo a participação das comunidades usuárias no processo de gestão.
Surge como alternativa para o ordenamento do setor na Amazônia a
inclusão dos usuários na gestão dos recursos. A partir de uma cultura local de
organização comunitária, consolidada pela iniciativa da igreja católica, as li-
deranças locais foram fortalecidas. Essa noção de conjunto social, aliada a
ausência do Estado e o aumento da pressão pesqueira e o acirramento dos
conflitos entre comunidades locais e pescadores de fora, criaram o cenário
ideal para a implementação de um sistema de gestão participativa da pesca.
Este sistema visa inicialmente garantir os meios e a forma de vida das
comunidades. Possui caracteres claramente precaucionários, situando-se em
limites seguros para o desenvolvimento da atividade pesqueira. Objetiva a
manutenção cultural das comunidades ribeirinhas, refletindo por fim, sobre a
manutenção da sóciodiversidade amazônica.
112 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica
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Acordos de Pesca na Amazônia Brasileira: Princípio da Dignidade... 113
Miguel Petrere Jr
Petrere Jr.. – Possui graduação em Filosofia (1972) e Matemática pela antiga
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Sorocaba (1974), mestrado em Biologia (Ecolo-
gia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1977) e doutorado (1982) na School
of Biological Sciences - University of East Anglia, Inglaterra. Foi co-merecedor do The
Ibaraki Kasumigaura Prize (Copenhagen, Dinamarca) devido a excelência do artigo apre-
sentado na 8th. International Conference on the Conservation and Management of Lakes –
Lake99. Professor Livre-Docente aposentado do Departamento de Ecologia na UNESP –
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, onde ensinou Ecologia Quantitati-
va, Modelos Estatísticos em Ecologia ao nível de graduação, de 1984 a 2010. Na pós-
graduação ministra os cursos de Dinâmica da População de Peixes e Métodos Estatísticos
para Ciências Biológicas, na PG em Zoologia. Atualmente é professor da Universidade do
Estado do Amazonas, em Manaus, na PG em Direito Ambiental. Também é professor
pesquisador da Universidade Nilton Lins (Manaus), professor-orientador credenciado no
CHREA/USP (São Carlos), na PG em Biologia de Água Doce e Pesca Interior no INPA
118 Direito, Política e Manejo Pesqueiro na Bacia Amazônica