Disciplina: Conteúdo e Metodologia no Ensino de História I
O Ensino de História nas escolas: do Império aos dias atuais
O estudo da História, enquanto disciplina obrigatória nos currículos escolares
no Brasil é algo relativamente recente; nasce em 1838, no Rio de Janeiro, juntamente com a criação do Colégio Dom Pedro II. Antes disso, não há registro da disciplina em nenhum documento que trate do sistema educacional, tanto no ensino primário quanto secundário. Centralizando todo o sistema de ensino secundário e servindo de modelo para os demais, o Colégio Dom Pedro II valia-se de modelos pedagógicos vindos da Europa, em especial do modelo francês positivista e era o único estabelecimento educacional autorizado a expedir o certificado de conclusão do Ensino Secundário. A proposta da educação era portanto bastante conservadora, e apesar das bases positivistas, era também muito forte a presença da filosofia e teorias católicas no ensino da disciplina. Havia também forte vinculação entre o Colégio Dom Pedro II e o recém criado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), cujo objetivo era ajudar a construir a identidade da Nação brasileira. Todas as diretrizes do Instituto, no que tangia ao ensino da História, acabavam se tornando matéria a ser estudada no Colégio, e portanto a fazer parte do currículo, o que nos leva a refletir em qual medida o ensino da História esteve conectado aos projetos políticos vigentes naquele momento.
Havia assim um propósito para o ensino da História, qual seja, o de formar
homens preparados para assumir postos de liderança e governo, e ainda promover a consolidação de uma Nação recém constituída. Para tanto, a historiografia francesa positivista serviu como base curricular, porém com fortes influências ainda da educação jesuítica. Ao mesmo tempo em que se estudavam os autores clássicos para uma formação humanista, a filosofia moral católica direcionava os futuros governantes e administradores à uma vida de prudência e boas práticas. Era fundamental solidificar as bases da nação brasileira, e o contexto histórico não era o mais favorável: existia uma grande tensão no ar e a reunificação com Portugal ainda era um fantasma que rondava um governo regencial pouco organizado e sólido. Então o que poderia ser feito para ajudar na promoção dessa consolidação e aglutinação de interesses tão díspares e fragmentados, oriundos de uma sociedade fortemente regionalizada e conflituosa? Era fundamental proporcionar meios para que esses interesses se unificassem e o caminho encontrado foi o de promover heróis nacionais e tradições produzidas que permitissem essa harmonia nacional, mesmo que esses heróis e fatos históricos não fossem totalmente reais. Do mesmo modo, era imprescindível que a elite governante estivesse muito bem preparada para conduzir a nação, sob a égide do catolicismo e dos ideais da civilização branca européia. Essas raízes religiosas estavam tão fortemente arraigadas à escola no país, que mesmo após a laicização oficial do ensino pós república, mantiveram-se presentes até parte do século XX. Os responsáveis pelo ensino da história nesse período, apesar de beberem na fonte dos textos clássicos, estavam muito influenciados pela doutrina católica, e deixavam essas influências bastante explícitas em seus ensinamentos, principalmente aqueles que eram também responsáveis por produzir materiais didáticos. Esses livros didáticos muitas vezes foram reeditados por inúmeras vezes, como é o caso do livro “Epítome de História Universal”, escrito por Jonathas Serrano em 1912, e cuja última edição foi em 1954, o que nos faz observar como a influência católica perdurou até a metade do século XX. O autor era assumidamente católico e deixava bastante claro que a única forma de periodização da história por ele aceita era a divisão em História Antiga, antes de Cristo, e História Moderna, iniciada à partir de seu nascimento, fato que para ele teria provocado grande transformação social e histórica. Revelava-se portanto uma disputa acirrada entre os ideais positivistas e as bases jesuíticas no ensino: ao mesmo tempo em que os materiais didáticos traziam as influências da historiografia francesa, também demonstravam em seus conteúdos a essência religiosa de seus autores, uma ambiguidade difícil de ser transposta, principalmente pela relação simbiótica estabelecida entre o Estado e a igreja Católica naquele momento e que perdurou por muito tempo. Assim, os materiais didáticos cujos autores se fundamentavam somente nos aspectos positivistas e não se deixavam influenciar pela doutrina católica, ficavam em segundo plano, não obtendo assim a devida projeção que mereciam.
Com a Proclamação da República, a educação no Brasil ganhou novos ares.
Havia um movimento de expansão do ensino secundário e o desejo de levá-lo para além da capital do país e das cidades maiores, como a cidade de São Paulo. Cidades menores, porém importantes economicamente, começaram também a oferecê-lo. O ensino não estaria dessa forma mais restrito à elite e aqueles que ocupariam postos de comando na administração do país, mas sim deveria chegar aos demais, para formar o cidadão adequado ao atual cenário. É claro que as camadas mais pobres da população não foram favorecidas nesse momento, porém os filhos da classe média passaram a ser instruídos como aqueles advindos das classes mais altas, únicos que anteriormente teriam direito ao ensino secundário. O cidadão comum deveria conhecer as bases do ideal republicano liberal, deveria entender que não era mais um mero espectador da história, mas sim peça chave na construção da sociedade da qual fazia parte. No entanto, com a criação dessas instituições de ensino em mais cidades, houve a necessidade de ampliação do número de profissionais e veio à tona um problema que apesar de existir há tempos, não era tão aparente: não havia um curso superior de História no país que formasse historiadores e professores de história que pudessem lecionar nessas escolas. Até então, os professores da disciplina saiam tradicionalmente dos cursos de Direito e aprofundavam seus estudos no campo da história por conta própria. Pode se dizer que somente o Colégio Dom Pedro tinha privilégio de ter em seu quadro professores de história que possuíam bases acadêmicas mais sólidas, primeiro por ser o colégio que serviria de modelo aos demais do ensino secundário, e também porque havia uma estreita ligação entre o Colégio e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Muitos de seus membros faziam parte do corpo docente do Colégio, o que certamente trazia excelência ao ensino da história naquela instituição.
Outro fato que direcionou a preocupação em produzir cidadãos com maior
sentimento patriótico foi o início da Primeira Guerra Mundial. Era indispensável produzir no brasileiro o apego a sua nação, à sua pátria. Esse apego era fundamental para alicerçar a nação brasileira e garantir sua integridade. O jovem, futuro do país, precisaria crescer alimentando esse sentimento, e nada mais apropriado que o cultivo de práticas com bases militaristas nas escolas, como a ampla utilização de fardas, prática de ginástica, entre outras rotinas que se assemelhavam às militares. Olavo Bilac foi um dos maiores líderes do movimento nacionalista, e junto com outros teóricos, buscava transformar a escola em um elemento que seria responsável em produzir o alicerce de uma sociedade democrática: “A propósito da liderança de Olavo Bilac no movimento nacionalista que se irradiava por todo o país, Sampaio Doria, em conferência de 1915, expunha sua filiação àquela campanha, justificando-a mediante o pressuposto de se tomar a escola como alicerce fundante de uma edificação democrática. Forjadora da nação, a educação pública passa a ser vislumbrada como a pedra de toque da reorientação dos costumes políticos. Magno problema da nacionalidade, a instrução viria, nesse sentido, a tomar-se a base da cultura popular e do efetivo exercício da liberdade política. Cabe,no entanto, estabelecer matizes de distinção entre a prevalência orgânica do discurso de Bilac e a tonalidade mecânica contida nos termos da argumentação de Sampaio Dória. Para este, a inquietação motriz era a seguinte: inscrito no rol dos povos livres,faltava ao Brasil o espírito da democracia. Tendo por cotidiano político a liberdade apenas nominal, a democracia brasileira jamais passara de palavra vã porque destituída de seu próprio valor semântico. Ora, para compreender a soberania que lhe compete exercer, o povo necessita de ilustração: para eleger quem deseja, o voto secreto; para desejar o melhor, a instrução popular. Instituir o ensino nacional obrigatório era, no discurso de Dória, dever urgente de formação patriótica, prefácio imprescindível à efetivação de premissas da democracia liberal, tais como o sufrágio universal em escrutínio secreto.” (BOTO, Carlota. Pag. 148).
Em São Paulo, a criação da Liga Nacionalista em 1917, buscava justamente
colocar em prática esses ideais. Tratava-se de uma sociedade secreta e apartidária em sua origem, constituída essencialmente por professores do ensino superior, estudantes e profissionais liberais. Em 1919, a Liga publica no Jornal “O Estado de São Paulo” um documento no qual sugere os conteúdos que deveriam ser trabalhados nas escolas e a forma como deveriam ser abordados em sala de aula. Em História, os ideais sociopolíticos defendidos pela Liga surgiam em destaque, priorizando temas relacionados à República, cidadania e democracia, inclusive não se levando em conta a cronologia dos fatos históricos e sim a importância que lhe eram atribuídas. O período do Brasil Império e o colonialismo deveriam ser apresentados em contraste ao período republicano, que teria trazido a luz da democracia, a modernidade e introduzido a nação ao progresso para o qual caminhava o restante do mundo. Era importante mostrar ao cidadão que o antigo Brasil agrícola, a partir da Proclamação da República, deveria ceder espaço a um país mais moderno e industrializado, não bastando mais que perdurassem os antigos valores herdados da civilização branca, cristã e européia, mas sim os valores atrelados à ciência, progresso e tecnologia apregoados pelos ideais norte- americanos, que inclusive fundamentaram as obras de escritores pós 1930.
Com essa necessidade crescente de se formar professores aptos ao ensino
da História nos moldes adequados ao momento, e que auxiliassem a constituir o cidadão consciente de seu protagonismo no atual contexto, em 1934 é criado na Universidade de São Paulo o curso de História e Geografia, que teve forte influência da historiografia francesa, e cuja implantação foi realizada por professores vindos diretamente da França. Em 1936, a primeira turma de oito professores finalizava seus estudos e iniciava uma nova etapa para o ensino da História no país. A esses profissionais cabia a responsabilidade de trazer ares mais progressistas, fazendo com que soubéssemos que éramos donos de uma História própria, desvinculada daquela oriunda de nossas raízes provincianas, e que deveria nos conduzir ao que era tendência mundial: o ideal progressista, que apontava para a industrialização, modernização e a desruralização.
O cidadão formado nesses moldes era o cidadão condizente ao Brasil
Republicano que buscava consolidar-se; era o cidadão que tinha na educação secundária os elementos essenciais ao afloramento de seus sentimentos patrióticos e a docilidade necessária à manutenção da sociedade como desejado pelos governantes durante os períodos da Era Vargas, durante o período em que vigorou a ditadura e até mesmo após a redemocratização. Há uma ruptura portanto do ensino da história praticado nas escolas primárias e secundárias e a leitura dos clássicos aclamados no universo científico e objetivo do ensino superior . O material de estudo nas escolas traz um conteúdo muito mais subjetivo, mais necessário e adequado ao contexto político e ideais vigentes em cada período histórico, e em algumas vezes até mesmo sofrendo grande influência de tendências ou partidos políticos.
Após 1970, houve um maior incentivo por parte do governo à educação.
Jovens impulsionados a buscar formação visando melhores colocações no mercado de trabalho acabaram causando um aumento na demanda do número de escolas e professores. Na contramão, as Universidades públicas conseguiam formar um número insuficiente de professores, e para suprir essa carência de profissionais começam a surgir faculdades particulares que ofereciam formação duvidosa, muitas vezes em cursos que ocorriam aos finais de semana. O abismo entre a história pautada na objetividade e objeto de estudo nas universidades públicas e a história ensinada nas escolas secundárias e primárias aumentou ainda mais, os professores, em sua maioria com formação deficitária, apenas reproduziam de forma mecânica os conteúdos contidos nos livros didáticos, de forma bastante superficial, enfatizando ainda mais o papel da escola em formar mão de obra dócil e nem um pouco questionadora e detentora de saberes mais aprofundados. A partir de 1980, com a crescente preocupação diante desse abismo entre o meio acadêmico e a escola, há uma tentativa de propor modificações nos currículos escolares, objetivando a formação de cidadãos mais críticos. No estado de São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Educação rompe com a concepção de processo histórico e sua cronologia, aproximando-se mais da história diacrônica proposta pela historiografia francesa e fundamentada na abordagem através de feixes temáticos, estimulando o aluno a se tornar um individuo consciente de seu papel e pronto a exercer sua cidadania, mesmo contrapondo-se aos planos daqueles que detêm o poder, como nos mostra Circe Bittencourt: “...temos que o ensino de história deve contribuir para libertar o indivíduo do tempo presente e da imobilidade diante dos acontecimentos, para que possa entender que cidadania não se constitui em direitos concedidos pelo poder instituído, mas tem sido obtida em lutas constantes e em suas diversas dimensões. A relação entre História escolar e cidadania nos remete evidentemente às finalidades políticas da disciplina. A relevância de uma formação política que a História tende a desempenhar no processo de escolarização tem sido inerente à sua própria existência e permanência nos currículos. O papel da História como disciplina encarregada de formação do cidadão político não é velado ou implícito, como ocorre com as demais disciplinas curriculares.” (BITTENCOURT, 1998, p. 20). Deste modo, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) vinculada à Secretaria de Educação do estado de São Paulo, em 1987, criou essa proposta através da qual levava o aluno a compreender que a construção da cidadania e conquista de direitos era um projeto ainda em andamento, fruto de constantes embates ao longo do tempo e travado por inúmeros atores sociais em situação de opressão em diferentes partes do planeta. Os eixos temáticos propostos neste programa foram três: Terra e Trabalho; Indústria, Urbanização e Trabalho; História e Movimentos Sociais, Cidadania e Direitos Urbanos. Esse projeto no entanto não obteve êxito, praticamente não saiu nem mesmo do papel, passando por insatisfações entre os professores, principalmente os mais antigos, e inconsistências teórico-metodológicas, revelando-se por fim inapropriado ao cenário político e social daquele momento. Mais tarde, a nova L.D.B. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), datada de 20 de dezembro de 1996, parecia dar continuidade à ideia do ensino de História como mecanismo de conscientização do indivíduo enquanto ser político, herdando da década anterior, do projeto da CENP, a visão humanista vinculada ao conceito burguês liberal de cidadão. Apesar das bases semelhantes, a L.D.B. trazia inovações importantes, que fundamentavam-se na nova historiografia e enfatizavam os conteúdos próprios ao cotidiano, como hábitos e comemorações tradicionais dos momentos históricos a serem estudados. E foram essas diretrizes que serviram de base para a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (P.C.N.). Os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados entre 1997 e 1998 pelo Ministério da Educação, buscaram a uniformização dos conteúdos a serem trabalhados nas diferentes partes do país. É um manual destinado aos educadores que abrange desde os eixos temáticos que nortearão o planejamento das aulas e atividades, até mesmo os saberes que deverão ser alcançados a cada ciclo pelos estudantes. No P.C.N de História, espera-se que o aluno ganhe algumas habilidades à partir dos conteúdos estudados, tornando-se capaz de exercer sua cidadania de forma consciente e participativa, passando de mero espectador a agente de mudança e construção da sua própria história. Conclusão
O ensino da História no Brasil ao longo do tempo esteve intimamente
relacionado ao contexto sócio-político. Os materiais didáticos utilizados no ensino da História sempre estiveram portanto suscetíveis aos mandos e desmandos governamentais, em maior medida durante o período de regime autoritário, mas também depois, após a redemocratização brasileira. No período Republicano, atendia a necessidade de consolidação de uma Nação recém constituída e ávida por homens preparados para governar e conduzir o país nos moldes progressistas europeus. Mais tarde, assumiu o papel de formar mão de obra para os diferentes níveis, chegando às classes mais populares, ação essa necessária para fomentar o sentimento nacionalista e patriota em meio a um contexto de guerras mundiais. Durante o governo autoritário, através dos conteúdos mais voltados à formação moral e cívica dos estudantes, foi responsável por produzir brasileiros menos questionadores e mais manipuláveis, que não se opusessem ao governo no período ditatorial.
Na contramão do ensino de História na educação básica e secundária, a
História que é estudada na Universidade, nos meios acadêmicos, é bastante diversa, muito mais aprofundada e conectada a uma historiografia praticada globalmente. Na escola, vemos que cada vez mais os materiais produzidos, em especial os livros didáticos, se afastam cada vez mais de um estudo aprofundado da história e se aproximam mais e mais do estudo superficial, simplificado e muito distante do que é produzido por historiadores nas pesquisas acadêmicas. A História ensinada na escola distancia-se da História científica da universidade, e esse distanciamento ao longo do tempo transforma-se em um abismo difícil de ser transposto.
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