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EM MEMÓRIA DE MIM
Roteiro de Coelho De Moraes, sobre a obra de Miguel Sanches Neto
Maria – José – Senhora – Menina
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CENA 1
INT. RESIDÊNCIA. À TARDE
Maria, troca objetos de lugar, interfere na mobília da residência
MARIA
Mudar os móveis de lugar...
é u’a maneira de tomar posse desse lugar...
Senhora entra, com sua bengala. Deposita uma bandeja sobre a mesa
SENHORA
Gosta daqui?
MARIA
Não tenho certeza.
Acredito que sim.
Tenho que gostar.
SENHORA
Você deve se sentir em casa.
MARIA
Mesmo assim, não é minha casa.
É casa do meu marido e eu...
não tenho amigos ou parentes nesta cidade...
na verdade, a estrangeira sou eu.
SENHORA
Mas é uma bela casa.
MARIA
muda mais alguma coisa de lugar / observa se ficou bem
SENHORA
Então você não pode estar feliz.
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MARIA
Não queria ter vindo depois do casamento, mas,
também...
fiquei sem coragem de contrariar meu marido,
tão ligado à velha casa da infância.
SENHORA
E filhos?
MARIA
Filhos... Para que fosse mais minha,
imagino muitos filhos correndo pelos cômodos,
só que esse não é o desejo de José...
SENHORA
Ele não deseja filhos?
MARIA
Ele quer apenas uma criança...
ela faz sinal para o ventre e a SENHORA põe a mão em sua barriga
SENHORA
Sim.
Terá companhia e... talvez...
deixe de se sentir uma estranha.
Por isso a mudança da mobília, pra lá e para cá?
MARIA
sorri
É... para receber festivamente o filho...
anúncio de novos dias.
varredura pela residência, imagens de uma casa formal, grave
SENHORA
A casa mantém vivo... o formalismo...
da família de seu marido. Você sabe.
MARIA
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Exatamente.
Eu estou acostumada à vida alegre do interior...
SENHORA
Por acaso não estranhou este mundo sem prazer,
de homens religiosos?
MARIA
Mudar a sala de lugar, na verdade,
um pequeno ato de revolta.
Agora, se torna um espaço meu, assim penso.
CENA 2
INT. CASA.
MARIA coloca um vaso de flores na mesa e sai. No se quarto mexe em
objetos sobre o velho guarda roupa e em velharias empoeiradas. Vai
desistir. Descobre uma tela enrolada - retrato a óleo de um jovem loiro
de olhos azuis. Por um instante, teve a impressão de estar diante de
algo vivo, tão intenso o brilho dos olhos. Enamora-se daquela imagem.
Olha o retrato e o retrato parece olhá-la. Alternância de dias e noites e
ela nada mais faz se não tomar da tela e olhar o quadro. MARIA está
absorta e não nota JOSÉ a entrar. Assusta-se.
JOSÉ
Não queria te assustar...
Lembro de uma história que me contaram...
quando ainda era pequeno. São cenas de infância.
Minha avó rezando, fazendo penitência,
cuidar dos netos. E, por fim a esclerose.
Ela dizia...
que faltava um homem de verdade nesta casa.
JOSÉ toma da tela e joga sobre a cama / sai / Maria pega da tela e a
desenrola ... pendura no mesmo prego onde antes ficava o crucifixo.
CENA 3
INT. QUARTO
MARIA
Maria está no quarto, sobre a cama, pega da tela, a desenrola, vai ao
banho e toma banho com a tela que vai destroçando sobre Maria. Maria
carrega os restos de tela para a cama e faz sexo com a tela. José
repentinamente entra no quarto e topa com a visão sexual.
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CENA 4
INT. QUARTO. NOITE
Maria cola pedacinhos de tela para formar um mosaico dos restos.
MARIA
Com certeza,
ele não vai gostar de ver o quadro na sala,
mas preciso impor, ao menos uma vez,
o meu desejo.
CENA 5
INT. SALA.NOITE
JOSÉ chega. Malas na sala, ele beija MARIA sem maior interesse, olha
para a parede e lá vê o quadro todo recolado em fragmentos / retira o
retrato da parede e leva para longe
MARIA
refletindo / fala em off
Ficou imaginando
se a avó de José tivesse engravidado do amante.
Teria sido rompida toda essa melancolia?
MARIA ouve que a porta bate / olha pela janela e JOSÉ está partindo
carregando malas / MARIA procura a tela / só encontra a moldura / faz
sexo com a moldura e goza bastante.
CENA 6
calendas que passam / tempos depois / JOSÉ retorna depositando as
malas na sala / JOSÉ para em pé e olha para o corredor / lá no fundo a
porta do quarto se abre e aparece MARIA que olha para JOSÉ / surge a
filha que olha para JOSÉ / trocam olhares.
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