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Miopia no marketing
Theodore Levitt
TODO GRANDE SETOR foi um dia contrário, subiu. As ferrovias não estão
O crescimento um setor em crescimento. Mas al- em apuros hoje porque essa necessi-
guns dos que hoje ainda sentem um dade foi satisfeita por outros meios
sustentado depende certo entusiasmo de crescimento estão (carros, caminhões, aviões e até telefo-
da amplitude com que à sombra do declínio. Outros, tidos nes), mas porque não foi satisfeita por
como setores de crescimento compro- elas. As ferrovias permitiram que ou-
se define o negócio - vado, na verdade já pararam de cres- tras tomassem seus clientes porque su-
cer. Em todo caso, a razão pela qual o punham que seu negócio era o ferro-
e da atenção com que
crescimento é ameaçado, desacelerado viário, e não o de transportes. E por
se mede as necessidades ou interrompido não é que o mercado que definiram o setor incorretamente?
ficou saturado. É que houve falha na Porque sua orientação era a ferrovia,
da clientela. administração. não o transporte. Eram voltadas ao
produto, não ao cliente.
Propósitos fatídicos • Hollywood escapou por pouco de
A falha está na cúpula. Os executivos ser totalmente arrasada pela televi-
responsáveis, em última análise, são são. Com efeito, todos os grandes es-
aqueles que lidam com metas e políti- túdios cinematográficos sofreram uma
cas amplas. Portanto: drástica reorganização. Alguns simples-
•As ferrovias não pararam de crescer mente desapareceram. Todos tiveram
porque a necessidade de transporte de problemas não devido ao avanço da TV,
passageiros e carga tenha caído. Pelo mas devido à própria miopia. Tal como
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vez era o substituto do produto que enfeiam tantas ruas, assim como do in- de sua novidade. O que o público que-
havia conseguido depor. Apesar disso, cessante quebra-quebra de calçadas e ria era a conveniência do mercadinho.
todos esses celebrados setores entra- do corte da energia durante tempesta- Se "cooperasse com fornecedores, pres-
ram em declínio. Vejamos brevemente des. No horizonte há ainda a energia tasse atenção nos custos e melhorasse
alguns deles, desta vez tomando exem- solar — e as pioneiras também são de o atendimento", o mercadinho supor-
plos que até agora receberam um fora do setor elétrico. taria a concorrência até que ela se
pouco menos de atenção. Quem disse que as elétricas não têm fosse.3
Lavagem a seco. Este já foi um setor concorrência? Podem ter um monopó- Ela nunca se foi. As redes descobri-
em crescimento de belas perspectivas. lio natural hoje, mas amanhã talvez ram que para sobreviver era preciso en-
Numa era de roupas de lã, imagine tenham uma morte natural. Para evi- trar no negócio supermercadista. Isso
poder lavar tais peças de forma fácil e tar tal destino, também terão de desen- significava a destruição em massa de
segura. Era o início de um boom. Mas volver células de combustível, energia seu enorme investimento em mercadi-
aqui estamos, 30 anos depois, e o setor solar e outras fontes de energia. Para nhos de esquina e em métodos estabe-
está em apuros. De onde veio a concor- sobreviver, terão, elas mesmas, de tra- lecidos de distribuição e promoção de
rência? De um jeito melhor de lavar? çar a obsolescência daquilo que hoje é vendas. Empresas com "a coragem de
Não. Veio de fibras sintéticas e aditivos seu ganha-pão. sua convicção" seguiram fiéis à filosofia
químicos que eliminam a necessidade Mercadinho. Para muita gente, é do mercadinho. Mantiveram o orgulho
da lavagem a seco. E é só o começo. Pai- difícil imaginar que já houve um intactp, mas perderam todo o resto.
rando no horizonte, pronto para tornar próspero empreendimento conhecido Um ciclo de auto-engano. Mas a me-
a lavagem química a seco totalmente como "mercadinho de esquina". O su- mória é curta. Para quem hoje saúda
obsoleta, está um mágico poderoso: o permercado assumiu o controle com com fé a dupla messiânica de eletrôni-
ultra-som. incrível eficácia. As grandes redes de cos e químicos, por exemplo, é difícil
Concessionárias elétricas. Este é armazéns da década de 1930 por pouco imaginar de que forma algo poderia
outro daqueles artigos supostamente não foram exterminadas pela agressiva dar errado para esses dois galopantes
"insubstituíveis" que foi entronado expansão dos supermercados indepen- setores. Provavelmente também não
num pedestal de invencível cresci- dentes. O primeiro verdadeiro super- entende como um empresário razo-
mento. Quando a lâmpada incandes- mercado foi aberto em 1930, em Ja- avelmente sensato pôde ter sido tão
cente apareceu, a de querosene foi ex- maica, Long Island. Em 1933, o conceito míope quanto o famoso milionário de
tinta. Mais tarde, a roda d'água e o já se expandia pela Califórnia, Ohio Boston que, no começo do século 20,
motor a vapor foram destronados pela e Pensilvânia, entre outros. Mas as involuntariamente sentenciou os her-
flexibilidade, confiabilidade, simplici- redes estabelecidas ignoravam pompo- deiros à miséria ao estipular que todo
dade e pronta disponibilidade dos mo- samente sua presença. Quando deci- seu patrimônio fosse investido para
tores elétricos. A prosperidade de con- diram abrir os olhos, foi para menos- sempre somente em ações de empre-
cessionárias elétricas continua a soar prezar a ameaça com descrições como sas de bondes elétricos. Sua declara-
exuberante à medida que o lar se con- "ordinário", "ultrapassado", "gerência ção póstuma de que "Sempre haverá
verte num museu da parafernália elé- tosca" e "oportunistas antiéticos". grande demanda pelo transporte ur-
trica. Como perder dinheiro investindo O executivo de uma grande rede de- bano eficiente" não é consolo para
nas elétricas se não há concorrência, só clarou à época que achava "difícil acre- os herdeiros, que ganham a vida en-
crescimento pela frente? ditar que alguém irá dirigir quilôme- chendo o tanque de atomóveis em pos-
Um segundo exame, porém, não é tros para comprar alimentos e abrir tos de gasolina.
tão reconfortante. Uma série de em- mão do atendimento personalizado Todavia, numa sondagem informal
presas de fora do setor caminha a pas- que as redes aprimoraram e ao qual que fiz com um grupo de executivos,
sos largos no desenvolvimento de uma [o consumidor] está habituado".2 Em todos inteligentes, quase metade afir-
possante célula de combustível que, 1936, a convenção da National Whole- mou que seria difícil prejudicar seus
instalada num canto qualquer da casa, sale Grocers e a New Jersey Retail Gro- herdeiros se atrelassem seu patrimô-
geraria silenciosamente energia elé- cers Association declararam que não nio para sempre à indústria eletrônica.
trica. Seria o fim dos fios elétricos, que havia nada a temer. Segundo elas, o Quando dei o exemplo do bonde de
estrito apelo do supermercado ao con- Boston, sua resposta, unânime, foi: "Era
Theodore Levitt foi por muito tempo pro- sumidor só preocupado com o preço diferente!" Será mesmo? Não seria a
fessor de marketing da Harvard Business limitava o porte de seu mercado. Ele situação basicamente a mesma?
School, em Boston, e é hoje professor emé- teria de atrair gente a quilômetros de O fato é que não existe setor em cres-
rito da instituição. Seus livros mais recen- distância. Quando surgissem imitado- cimento, creio eu. O que existe são
tes são Thinking About Management res e o volume caísse, haveria liquida- empresas organizadas e operadas para
(1990, Free Press) e A Imaginação de ção em massa. As altas vendas dos su- criar e capitalizar oportunidades de
Marketing (1990, Atlas). permercados seriam fruto, em parte, crescimento. Setores que se presumem
cada empresa tentou superar as con- mento de postos com várias bombas, cimento, maturidade e decadência. A
correntes com o aprimoramento da- com sua vitoriosa ênfase em espaços sobrevivência do setor se deve a uma
quilo que já vinha fazendo. Natural- amplos e limpos, serviço rápido e efi- série de escapadas milagrosas da obso-
mente, isso faz sentido se supusermos ciente e gasolina de qualidade a preços lescência total, da salvação inesperada
que a venda esteja atrelada a variações baixos. do desastre no último instante, algo no
populacionais do país, pois o cliente só Com isso, a indústria petrolífera está estilo dos perigos de Pauline.
pode comparar produtos com base em pedindo para apanhar de gente de Os perigos do petróleo. Para ilus-
suas características. Acho significativo, fora. Mais cedo ou mais tarde, nessa trar, esboçarei apenas os principais epi-
por exemplo, que, desde que John D. terra de investidores e empreende- sódios. Primeiro, o petróleo bruto foi
Rockefeller enviou lampiões a quero- dores famintos, uma ameaça está fa- patenteado como medicamento. Mas
sene de graça para a China, a indús- dada a surgir. Tal possibilidade se mesmo antes de essa moda se esgotar,
tria petrolífera não tenha feito nada tornará mais concreta quando avan- a demanda foi grandemente expan-
de realmente excepcional para criar çarmos para a próxima noção peri- dida com o uso do petróleo em lam-
uma demanda para seu produto. Nem gosa de muitas administrações. A tí- piões a querosene. A perspectiva de
mesmo no aprimoramento do produto tulo de continuidade, e porque essa iluminar o mundo deu vazão a uma ex-
ela se destacou. A maior melhoria iso- segunda noção é intimamente ligada à travagante promessa de crescimento.
lada — o desenvolvimento de chumbo primeira, seguirei com o mesmo exem- Eram visões similares às que o setor
tetraetil — veio de fora do setor, es- plo. hoje nutre pela gasolina em outras par-
pecificamente da General Motors e da A idéia da indispensabilidade. O tes do mundo. O setor mal pode espe-
DuPont. As grandes contribuições fei- setor petrolífero está bastante conven- rar para que haja um carro em cada ga-
tas pelo setor em si estão confinadas à cido de que não há substituto compe- ragem das nações subdesenvolvidas.
tecnologia da exploração, da produção titivo para seu principal produto, a ga- Nos dias do lampião a querosene, as
e do refino do petróleo. solina — ou, se há, que ele continuará petrolíferas competiam entre si e com
Pedir para apanhar. Dito de outra sendo um derivado do petróleo bruto, a iluminação a gás tentando melhorar
forma, o foco dos esforços do setor pe- como o diesel ou o querosene de avia- o poder de iluminação do querosene.
trolífero foi melhorar a eficiência em ção. Até que, de um dia para o outro, o
obter e transformar o artigo, e não em Há uma boa dose de pensamento impossível aconteceu. Edison inventou
aprimorar o produto genérico em si ou ilusório automático nessa suposição. O uma iluminação totalmente indepen-
seu marketing. Além disso, seu princi- problema é que a maioria das refina- dente do óleo cru. Não fosse pelo cres-
pal produto é continuamente definido rias possui imensas reservas de petró- cente uso do querosene em aquece-
nos termos mais estreitos possíveis — leo bruto que só têm valor se houver dores, a lâmpada incandescente teria
dizimado o petróleo como setor em
crescimento àquela época. O petróleo
Para quem hoje saúda com fé a dupla messiânica teria servido para pouco mais do que
de eletrônicos e químicos, é difícil imaginar graxa de eixo.
Então, desastre e alívio voltaram à
de que forma algo poderia dar errado para cena. Houve duas grandes inovações,
nenhuma delas originada na indústria
esses dois galopantes setores. petrolífera. Primeiro, o surgimento de
sistemas de aquecimento central do-
ou seja, gasolina, não energia, combus- um mercado para produtos derivados méstico a carvão tornaram o antigo
tível ou transporte. Essa atitude aju- do petróleo. Daí a tenaz crença na aquecedor obsoleto. Enquanto camba-
dou a garantir que: continuada superioridade competitiva leava, o setor recebeu seu maior em-
• Grandes melhorias na qualidade dos combustíveis de automóveis feitos purrão de todos os tempos: o motor
da gasolina em geral não se originam com base no óleo cru. de combustão interna, também inven-
na indústria petrolífera. O desenvolvi- Essa idéia persiste apesar de toda a tado por gente de fora. Quando a pró-
mento de combustíveis alternativos su- evidência histórica em contrário. Tal diga expansão da gasolina finalmente
periores também vem de fora do setor, evidência demonstra não só que o começou a arrefecer, na década de
como mostraremos mais adiante. petróleo jamais foi um produto supe- 1920, surgiu a milagrosa salvação do
• Grandes inovações no marketing rior para finalidade alguma por muito aquecedor central a óleo. De novo, a
de combustíveis para automóveis vêm tempo, mas também que a indústria salvação veio da invenção e do desen-
de novas petrolíferas, empresas peque- petrolífera nunca foi de fato um setor volvimento de fora do setor. Quando
nas cuja principal preocupação não é a em crescimento. É, antes, uma suces- esse mercado enfraqueceu, a demanda
produção ou o refino. São essas empre- são de diferentes negócios que passa- dos tempos de guerra por combustível
sas as responsáveis pelo rápido alastra- ram pelo ciclo histórico típico de cres- de aviação veio salvar a pátria. Finda
pre milagrosamente salvo por inova- dela. Segundo ele, isso responde pelos mais violada do que seguida. Vejamos
ções e desenvolvimentos da autoria de comerciais cantados, pela profanação a indústria automobilística.
outros. O setor não cresceu numa pro- da paisagem rural com painéis de pu- Aqui a produção em massa é mais
gressão regular pelo fato de que a cada blicidade e por outras práticas inúteis famosa e mais honrada, e tem o maior
vez que julgou ter um produto supe- e vulgares. Galbraith tocou num ponto impacto sobre toda a sociedade. O
rior a salvo da possibilidade de subs- real, mas não percebeu a questão es- setor atrelou sua sorte às implacáveis
titutos competitivos, esse produto era tratégica. A produção em massa de fato exigências da mudança anual de mo-
na verdade inferior e notadamente su- gera grande pressão para a "dispersão" delo, política que torna a orientação ao
jeito à obsolescência. Por ora, a gaso- do produto. Mas o que em geral é en- consumidor uma necessidade especial-
lina (para motores, em todo o caso) fatizado é a venda, não o marketing. mente premente. Diante disso, as mon-
escapou desse destino. Mas, como ve- O marketing, um processo mais sofisti- tadoras gastam anualmente milhões
remos mais à frente, ela também pode cado e complexo, é ignorado. de dólares em pesquisas de mercado.
estar com os dias contados. A diferença entre marketing e venda Mas o fato de que os novos carros com-
A tese por trás de tudo isso é que não é mais do que semântica. A venda tem pactos estejam vendendo tão bem em
há garantia contra a obsolescência de como foco as necessidades do vende- seu primeiro ano indica que as vastas
um produto. Se a pesquisa da própria dor, o marketing as necessidades do pesquisas de Detroit por muito tempo
empresa não torna um produto obso- comprador. A preocupação da venda é não puderam revelar o que o consumi-
leto, a de outra o fará. A menos que um a necessidade do vendedor de conver- dor de fato queria. Detroit não se con-
setor seja especialmente afortunado, ter o produto em dinheiro. A preocu- venceu de que o público queria algo
diferente do que vinha obtendo até
Se pensar é uma resposta intelectual a um perder milhões de clientes para outras
fabricantes de carros compactos.
problema, a ausência de um problema Como foi que essa inacreditável defa-
leva à ausência do pensar. sagem em relação ao desejo do consu-
midor se perpetuou por tanto tempo?
como o petrolífero tem sido até agora, pação do marketing é a idéia de satisfa- Por que a pesquisa não revelou as
ele pode facilmente mergulhar num zer as necessidades do cliente por meio preferências do consumidor antes que
mar de cifras vermelhas — como ocor- do produto e de todo o aglomerado de suas decisões de compra expusessem
reu com as ferrovias, com os fabrican- coisas associadas à criação, à distribui- os fatos? Não é para isso que serve a
tes de chicotes para charretes, com as ção e, por fim, ao consumo dele. pesquisa de mercado — para descobrir
redes de mercadinhos, com a maioria Em certos setores, os encantos da o que irá ocorrer antes dos fatos? A
dos grandes estúdios de cinema e, de produção em massa fizeram tanto resposta é que Detroit nunca sondou
fato, com muitos outros setores. efeito que a alta direção na prática de fato os desejos do consumidor. O
Para uma empresa, a melhor saída disse ao departamento de vendas: "Cui- que sondou foram as preferências dele
para ser afortunada é fazer a própria dem de se livrar da produção e deixem entre o tipo de coisa que já havia de-
sorte. Para tanto, é preciso saber o o lucro por nossa conta". Já uma em- cidido oferecer. É que Detroit é orien-
que faz o sucesso da empresa. Um dos presa realmente atenta ao marketing tada sobretudo ao produto, não ao
maiores entraves a esse conhecimento busca criar produtos e serviços de cliente. À medida que se reconhece
é a produção em massa. valor, satisfatórios, que o consumidor que o cliente possui necessidades que
vá querer comprar. O que ela coloca à o fabricante deveria tentar satisfazer,
Pressões de produção venda é não só o produto ou o serviço Detroit costuma agir como se isso pu-
Setores de produção em massa são mo- genéricos, mas também de que ma- desse ser feito inteiramente por mu-
vidos por um grande impulso a produ- neira ele é disponibilizado ao cliente, danças no produto. Às vezes, dá-se
zir tudo o que podem. A perspectiva de de que forma, quando, sob quais condi- atenção também ao financiamento,
queda acentuada dos custos unitários ções e em que termos comerciais. Mais mas isso é feito mais com o intuito de
com a elevação da produção é irresis- importante, o que ela coloca à venda é vender do que com o de capacitar o
tível para a maioria das empresas. As determinado não pelo vendedor, mas cliente a comprar.
possibilidades de lucro soam espetacu- pelo comprador. O vendedor coleta pis- Quanto a satisfazer outras necessida-
lares. Todo o esforço se concentra na tas do comprador de modo que o pro- des do consumidor, não se faz o sufi-
produção. O resultado é que o mar- duto se torna conseqüência do esforço ciente para que se escreva a respeito. As
keting acaba negligenciado. de marketing, e não o contrário. áreas de maiores necessidades insatis-
John Kenneth Galbraith sustenta Defasagem em Detroit. Pode soar feitas são ignoradas ou, na melhor das
que ocorre justamente o oposto.4 A como uma regra elementar dos negó- hipóteses, recebem atenção marginal.
produção é tão prodigiosa que todo es- cios, mas isso não impede que seja vio- Elas estão no ponto-de-venda e na ques-
forço se concentra em tentar livrar-se lada a torto e a direito. É certamente tão do conserto e da manutenção de ve-
ículos. Para Detroit, são problemas de foi o marketing. Achamos que ele foi nufatura e à venda com esse método
importância secundária. É algo enfati- capaz de cortar seu preço de venda e forçado do que com qualquer outro
zado pelo fato de que as pontas de va- assim vender milhões de carros de US$ método de investigação livre.5
rejo e de serviços do setor não perten- 500 porque sua invenção da linha Provincialismo do produto. A hip-
cem aos fabricantes, nem são operadas de montagem havia reduzido os cus- notizante possibilidade de lucro da
ou controladas por eles. Uma vez que tos. Na verdade, ele inventou a linha produção com baixos custos unitários
o carro é produzido, fica tudo pratica- de montagem porque havia concluído talvez seja a atitude mais seriamente
mente nas mãos inadequadas da con- que, por US$ 500, ele poderia vender auto-ilusória capaz de acometer uma
cessionária. Um exemplo da atitude dis- milhões de carros. A produção em empresa, sobretudo uma empresa em
tante de Detroit é o fato de que, embora massa foi o resultado, não a causa, de "crescimento" na qual uma aparente-
a ponta de serviços traga enormes opor- seus preços baixos. mente garantida expansão da demanda
tunidades de estímulo a vendas e gera- Ford frisava repetidamente essa já tende a minar a devida considera-
ção de lucro, apenas 57 das 7 mil conces- questão, mas uma nação de adminis- ção à importância do marketing e do
sionárias Chevrolet contam com serviço tradores de negócios orientados à pro- cliente.
noturno de manutenção. dução se recusa a ouvir a grande lição O resultado típico dessa estreita pre-
O motorista não cansa de expressar que ele ensinou. Eis a filosofia opera- ocupação com as chamadas questões
sua insatisfação com os serviços e sua cional de Ford, por ele sucintamente concretas é que, em vez de crescer, o
apreensão ao comprar um carro no expressa: setor declina. Em geral, significa que
atual esquema de vendas. A ansiedade Nossa política é reduzir o preço, am- o produto deixa de se adaptar aos pa-
e os problemas a que é sujeito du- pliar as operações e aprimorar o ar- drões em constante mutação de ne-
rante os processos de compra e manu- tigo. Vocês notarão que a redução do cessidades e gostos do consumidor, a
tenção do veículo são provavelmente preço vem primeiro. Nunca conside- novas e modificadas instituições e prá-
mais intensos e disseminados hoje do ramos nenhum custo como fixo. Por- ticas de marketing, ou ao desenvolvi-
que anos atrás. Apesar disso, as mon- tanto, primeiro reduzimos o preço mento de produtos em setores concor-
tadoras não parecem ouvir esse consu- ao ponto em que, a nosso ver, gerará rentes ou complementares. O setor tem
midor angustiado ou se orientar por mais vendas. Em seguida tentamos o olhar tão fixo no próprio produto que
ele. Se ouvem, deve ser através do chegar a esse preço. Não nos preocu- não vê como ele vem se tornando ob-
filtro da própria preocupação com pamos com os custos. O novo preço soleto.
a produção. O esforço de marketing derruba os custos. A maneira mais Aqui, um exemplo clássico é o do
ainda é visto como uma necessária comum é tomar os custos e então de- setor de chicotes para charretes. Não
conseqüência do produto — e não o terminar o preço; e embora esse mé- havia aprimoramento de produto capaz
contrário, como deveria ser. Esse é o todo possa ser científico no sentido de afastar a sentença de morte. Mas,
legado da produção em massa, com estrito, não é científico no sentido tivesse o setor se definido como parte
sua visão paroquial de que o lucro re- amplo, pois qual o valor prático de do negócio de transportes em vez do
side basicamente na produção plena a
baixo custo. O esforço de marketing ainda é visto como uma
O que veio primeiro para Ford. O
apelo do lucro da produção em massa necessária conseqüência do produto — e não
obviamente tem espaço nos planos e
estratégias da administração dos negó- o contrário, como deveria ser.
cios, mas deve sempre seguir uma refle-
xão aprofundada a respeito do cliente. saber o custo se ele lhe diz que de açoites, talvez tivesse sobrevivido.
Essa é uma das lições mais importan- você não pode produzir a um preço Teria feito o que a sobrevivência sem-
tes que podemos tirar do contraditó- pelo qual o artigo possa ser vendido? pre requer — mudança. Ainda que ti-
rio comportamento de Henry Ford. De Porém, mais pertinente é o fato de vesse definido seu negócio meramente
certa forma, Ford foi o mais brilhante e que, embora possamos calcular qual como provedor de um estimulante ou
o mais insensato empresário da histó- o custo, e todos os nossos custos catalisador para uma fonte de energia,
ria americana. Insensato porque se re- são cuidadosamente calculados, nin- poderia ter sobrevivido migrando para
cusou a dar ao consumidor outra coisa guém sabe quanto o custo deveria a produção de, digamos, correias de
que não um carro preto. Brilhante por- ser. Uma das maneiras de descobrir ventoinha ou filtros de ar.
que criou um sistema de produção que (...) é estabelecer um preço tão baixo O que um dia talvez seja um exemplo
se ajustava às necessidades do mer- que todos são empurrados ao ponto ainda mais clássico é, de novo, o da in-
cado. Em geral, celebramos Ford pelo da mais alta eficiência. O preço baixo dústria petrolífera. Tendo deixado que
motivo errado: por sua genialidade na leva todos a lutar por lucros. Faze- outros roubassem de si espetaculares
produção. Sua verdadeira genialidade mos mais descobertas ligadas à ma- oportunidades (incluindo o gás natu-
ROTAS DO C R E S C I M E N T O J U L H O 2004 95
O MELHOR DA HBR « M i o p i a no m a r k e t i n g
ral, já mencionado, combustíveis balís- conjunto com diversas concessionárias integrada de petróleo há pouco son-
ticos e lubrificantes de turbinas a jato), elétricas, que esperam usar a capaci- dou a área da célula de combustível
seria de supor que tal setor tivesse to- dade de geração em horas de menos e concluiu que embora "empresas que
mado medidas para que o fato nunca consumo para recarregar baterias du- ativamente se ocupam dela mostrem
mais se repetisse. Mas não. Vemos hoje rante a noite. Outra empresa, também convicção no sucesso (...) o momento
extraordinários desenvolvimentos em usando baterias, é uma fabricante de e a magnitude de seu impacto são de-
sistemas combustíveis especificamente eletrônicos de médio porte com vasta masiadamente remotos para justificar
projetados para automóveis. Esses des- experiência em baterias pequenas por que figurem em nossas projeções".
dobramentos não só estão concentra- ela projetadas para aparelhos auditi- Naturalmente, alguém poderia inda-
dos em empresas de fora da indústria vos. Essa empresa vem colaborando gar por que as petrolíferas agiriam de
petrolífera como vêm sendo quase que com uma montadora de carros. Recen- outra forma? Afinal, células de com-
sistematicamente ignorados pelo setor, tes avanços surgidos da necessidade de bustível, baterias ou energia solar não
contente que está em sua feliz união unidades miniaturizadas de alta capa- aniquilariam suas atuais linhas de pro-
com o petróleo. É a reencenação da cidade de armazenamento de energia dutos? A resposta é sim — e justa-
história do lampião a querosene ver- em foguetes nos colocou a pequena mente por isso as petrolíferas teriam
de desenvolver esses geradores de ener-
Não surpreende que, tendo criado uma empresa gia antes da concorrência, para não
serem empresas sem um setor.
de sucesso com um produto superior, a Talvez a administração das empresas
tivesse mais ímpeto para fazer o que
administração continue a se orientar ao é preciso para a própria preservação
produto, e não àqueles que o consomem. se visse a si mesma como parte do ne-
gócio de energia. Mas mesmo isso não
sus lâmpada incandescente. O setor pe- distância de uma bateria relativamente será o bastante se persistir atrelada ao
trolífero vem tentando aprimorar com- pequena e capaz de suportar grandes limitado alcance de sua forte orienta-
bustíveis à base de petróleo em vez de sobrecargas ou oscilações bruscas de ção ao produto. A administração tem
criar qualquer combustível mais ade- energia. Aplicações de diodo de ger- de se ver como responsável por satis-
quado às necessidades dos usuários, mânio e baterias que usam técnicas fazer as necessidades do consumidor,
feitos ou não de forma diferente e com de placas sinterizadas e níquel cádmio não pela prospeccão, refino ou mesmo
matérias-primas outras que não o pe- prometem revolucionar nossas fontes venda de petróleo. Assim que de fato
tróleo. de energia. passar a encarar como seu negócio a
Vejamos alguns dos campos em que • Sistemas de conversão de energia satisfação das necessidades de trans-
empresas de fora do setor vêm traba- solar também vêm recebendo cres- porte das pessoas, nada impedirá que
lhando: cente atenção. Um executivo da indús- crie o próprio e altamente lucrativo
• Mais de uma dezena dessas empre- tria automotiva em Detroit, em geral crescimento.
sas conta hoje com avançados mode- cauteloso, recentemente arriscou pre- Destruição criativa. Uma vez que
los de sistemas de energia que, quando ver que carros movidos a energia solar falar é fácil e fazer é difícil, talvez seja
aperfeiçoados, substituirão o motor de podem ser comuns em 1980. apropriado indicar o que esse tipo de
combustão interna e acabarão com a Quanto às petrolíferas, sua postura é raciocínio envolve e a que ele leva.
demanda de gasolina. O mérito supe- mais ou menos de "monitorar os desdo- Comecemos pelo começo: o cliente. Já
rior de cada um desses sistemas é a eli- bramentos", como ouvi de um diretor ficou provado que os motoristas abo-
minação da freqüente, demorada e irri- de pesquisa. Algumas vêm fazendo minam a chateação, o atraso e a expe-
tante parada para reabastecimento. A uma certa pesquisa com células de riência de encher o tanque. As pessoas
maioria desses sistemas são células combustível, pesquisa quase sempre na verdade não compram gasolina.
de combustível feitas para gerar ener- restrita a desenvolver células alimen- Não é algo que vejam, saboreiem, sin-
gia elétrica diretamente de substâncias tadas por hidrocarbonetos. Nenhuma tam ou de fato testem. O que compram
químicas, sem combustão. A maioria delas está pesquisando entusiastica- é o direito de continuar dirigindo o
usa químicos que não derivam do pe- mente células de combustível, baterias carro. O posto de gasolina é como um
tróleo — hidrogênio e oxigênio, em ou usinas de energia solar. Nenhuma coletor de impostos a quem as pessoas
geral. delas está gastando nessas áreas pro- são obrigadas a pagar um tributo peri-
• Várias outras empresas possuem fundamente importantes uma fração ódico como preço por usar o carro. Isso
avançados modelos de baterias de ar- sequer do que gastam em pesquisa torna o posto de gasolina uma institui-
mazenamento elétrico para alimentar com coisas usuais, como reduzir depó- ção antipática. Ele nunca será popular
automóveis. Uma delas é uma fabri- sitos em câmaras de combustão de mo- ou agradável, apenas menos impopu-
cante de aeronaves que trabalha em tores a gasolina. Uma grande empresa lar, menos desagradável.
fronteiras nas quais as Forças Armadas em 1959 para celebrar a descoberta de com as necessidades do consumidor
abriram mercados praticamente asse- petróleo em Titusville, na Pensilvânía, por seus produtos. Dessa posição pri-
gurados. Essas empresas estão na feliz trazia 21 artigos proclamando a gran- mária sua definição retrocede gradati-
posição de ter de suprir, não de encon- deza do setor. Somente um versava vamente para áreas de menor impor-
trar, mercados, de não ter de descobrir sobre as conquistas no marketing — tância até que, por fim, chegue à ponta
o que o cliente necessita e quer, mas e mesmo assim era um registro visual da prospecção do petróleo.
de ter o cliente informando voluntaria- da evolução da arquitetura dos postos O começo e o fim. É vital que toda
mente o que exige de novos produtos. de gasolina. A edição também continha pessoa envolvida em negócios entenda
Se tivesse sido encarregada de projetar uma seção especial sobre "Novos hori- a visão de que um setor é um processo
um cenário de negócios calculado para zontes", dedicada a mostrar o magnífico de satisfação do cliente, não um pro-
impedir o surgimento e o desen- papel que o petróleo desempenharia no cesso de produção de mercadorias. Um
volvimento de uma perspectiva de futuro dos EUA. Toda referência era de setor começa no cliente e em suas ne-
marketing orientada ao cliente, uma um otimismo efusivo. Em nenhum mo- cessidades, não numa patente, numa
equipe de consultores não poderia ter mento se aventou que o petróleo um matéria-prima ou numa habilidade de
criado nada melhor do que as condi- dia pudesse sofrer uma concorrência venda. Partindo das necessidades do
ções descritas acima. acirrada. Mesmo a referência à energia consumidor, o setor se desenvolve em
Tratamento marginal. A indústria atômica era um animador catálogo de sentido inverso, primeiro se dedicando
petrolífera é um impressionante exem- como o petróleo ajudaria a tornar esse à satisfação concreta das necessidades
plo de como a ciência, a tecnologia e tipo de energia um sucesso. Não se ma- do consumidor. Em seguida, volta a re-
a produção em massa podem desviar nifestou um único temor de que a aflu- troceder, para a criação das coisas pelas
todo um grupo de empresas de sua ência da indústria petrolífera pudesse quais tal satisfação é em parte garan-
principal tarefa. Se o consumidor chega estar ameaçada ou uma sugestão de tida. A forma como esses materiais são
a ser estudado (o que não é muito), é que um "novo horizonte" pudesse in- criados é indiferente para o consumi-
sempre com a intenção de obter in- cluir novos e melhores meios de servir dor — daí que a forma específica de
formações projetadas para auxiliar as os atuais consumidores de petróleo. manufatura, processamento ou o que
petrolíferas a melhorar o que já vêm Mas o exemplo mais revelador do for não pode ser considerada um as-
fazendo. Elas tentam descobrir motes tratamento marginal que o marketing pecto vital do setor. Por fim, o setor re-
publicitários mais convincentes, meca- recebe é uma outra série especial de trocede ainda mais, passando então à
nismos mais eficazes de promoção de breves artigos sobre "O revolucionário busca da matéria-prima necessária à fa-
vendas, a participação de mercado das potencial da eletrônica". Sob este tí- bricação dos produtos.
concorrentes, do que as pessoas gostam tulo, o índice trazia a seguinte lista de A ironia de alguns setores orientados
ou não gostam a respeito de operadores artigos: à pesquisa e ao desenvolvimento téc-
de postos de gasolina e das petrolíferas • "Na prospecção de petróleo" nicos é que os cientistas que ocupam
— e por aí vai. Ninguém parece inte- • "Nas operações de produção" as altas posições executivas são total-
ressado em sondar a fundo as necessi- • "Nos processos de refino" mente anticientíficos quando a ques-
dades humanas básicas que o setor por- • "Na operação de oleodutos" tão é definir as necessidades e os pro-
ventura esteja tentando satisfazer tanto Significativamente, todas as grandes pósitos gerais da empresa. Eles violam
quanto em sondar as propriedades bá- áreas funcionais do setor figuram ali, as primeiras duas regras do método
sicas da matéria-prima com que as em- exceto o marketing. Por quê? Ou por- científico: identificar e definir os pro-
presas trabalham ao tentar satisfazer o que se acredita que a eletrônica não blemas da empresa e, então, tecer hi-
consumidor. tenha um potencial revolucionário póteses testáveis para sua solução. Eles
Questões básicas sobre mercados e para o marketing do petróleo (o que é são científicos somente a respeito do
consumidores raramente são feitas. palpavelmente errado), ou porque os que lhes convém, como testes de labo-
Ambos têm um status marginal. São re- editores esqueceram de discutir o mar- ratório e de produtos.
conhecidos como existentes, como dig- keting (o que é mais provável e ilustra O consumidor (e a satisfação de suas
nos de cuidados, mas não de muita o status marginal da área). necessidades mais profundas) não é
reflexão ou de atenção dedicada. Ne- A ordem na qual as quatro áreas fun- encarado como "o problema" — não
nhuma empresa petrolífera se interessa cionais são listadas também revela a porque haja a convicção de que tal
tanto pelos consumidores em seu pró- alienação da indústria petrolífera em problema não exista, mas porque toda
prio quintal quanto pelas jazidas do de- relação ao consumidor. O setor é impli- uma vida organizacional condicionou
serto do Sahara. Nada ilustra melhor o citamente definido como começando a administração a olhar para a direção
desprezo ao marketing do que o trata- pela prospecção e terminando na dis- oposta. O marketing é marginalizado.
mento da imprensa especializada. tribuição do petróleo a partir das re- Não quero dizer que a venda seja ig-
A edição do centenário do American finarias. Mas a verdade, ao menos na norada. Longe disso. Mas venda, repito,
Petroleum Institute Quarterly, publicada minha opinião, é que o setor começa não é marketing. Como já observado, a
venda está ligada aos truques e técni- por subsídios públicos, eles julgariam Para produzir essa clientela, a corpo-
cas que levam as pessoas a trocar seu estar falando com um louco. Tal futuro ração inteira deve ser vista como um
dinheiro por um produto. Ela não trata simplesmente não era considerado pos- organismo criador de clientes e de sa-
dos valores que essa troca envolve. E sível. Não era sequer um ponto de de- tisfação para esses clientes. A empresa
não vê, como o marketing invariavel- bate, ou uma pergunta permitida, ou um deve pensar em si não como fabricante
mente faz, todo o processo de negó- assunto que qualquer pessoa de juízo de produtos, mas como provedora de
cios como um esforço fortemente inte- consideraria digno de especulação. To- satisfações de valor criadoras de con-
grado de descobrir, criar, despertar e davia, muitas noções "insanas" hoje têm sumidores. Deve promover essa idéia
satisfazer necessidades do consumidor. aceitação generalizada — por exemplo, (e tudo o que ela significa e exige) por
O consumidor é uma entidade externa a idéia de tubos de metal de 100 tonela- todos os cantos da organização. Deve
que, com a devida lábia, pode ser indu- das deslocando-se suavemente pelo ar 6 fazer isso continuamente e com um
zido a abrir a carteira. mil metros acima do solo, transportando toque que empolgue e estimule as pes-
Aliás, nem mesmo a venda recebe 100 cidadãos em perfeito juízo beberi- soas envolvidas. De outra forma, a em-
muita atenção em certas empresas de cando um martíni — e desferiram golpes presa será meramente uma série de
orientação tecnológica. Como há um terríveis no setor ferroviário. partes estereotipadas, sem um sentido
mercado praticamente garantido para O que, especificamente, outras em- consolidador de propósito e direção.
o abundante fluxo de novos produtos, presas devem fazer para evitar esse Em suma, a organização precisa
elas não sabem de fato o que é um destino? O que a orientação ao cliente aprender a se enxergar não como pro-
verdadeiro mercado. É como se vives- envolve? Essas questões foram par- dutora de mercadorias ou serviços, mas
sem numa economia planificada, trans- cialmente respondidas pelos exemplos como conquistadora de clientes, como
ferindo rotineiramente seus produtos e análises precedentes. Seria preciso realizadora de coisas que farão com
da fábrica para o ponto-de-venda. Sua outro artigo para mostrar em detalhe que as pessoas queiram fazer negócios
triunfante concentração em produtos o que é necessário para cada setor es- com ela. E o presidente tem a inevitá-
tende a convencê-las da adequação do pecífico. De qualquer forma, deveria vel responsabilidade de criar esse am-
que vêm fazendo. Com isso, não perce- ser óbvio que construir uma empresa biente, esse ponto de vista, essa ati-
bem as nuvens que se formam sobre o orientada ao cliente envolve muito tude, essa aspiração. O presidente deve
mercado. mais do que boas intenções ou tru- definir o estilo da empresa, sua direção
• • • ques promocionais; envolve profun- e suas metas. Deve saber precisamente
Menos de 75 anos atrás, as ferrovias das questões de organização humana aonde quer chegar e garantir que toda
americanas tinham a lealdade do in- e liderança. Por ora, quero apenas su- a organização também o saiba com
vestidor astuto de Wall Street. Monar- gerir o que seriam alguns requisitos todas as suas forças. Esse é um pri-
cas europeus investiam pesado nelas. genéricos. meiro requisito da liderança, pois a
Uma riqueza eterna estaria ao alcance O sentimento visceral da grandio- menos que um líder saiba para onde vai,
de qualquer um que pudesse investir sidade. Naturalmente, a empresa tem qualquer caminho o levará até lá.
alguns milhares de dólares em papéis de fazer o que a sobrevivência exige. Se qualquer caminho serve, o presi-
de empresas do setor. Nenhuma outra Tem de se adaptar às exigências do dente pode simplesmente pegar a pas-
forma de transporte podia competir mercado, e sem muita demora. Mas a tinha e ir pescar. Se uma organização
com o ferroviário em velocidade, flexi- mera sobrevivência é uma aspiração não sabe para onde vai, ou não liga
bilidade, durabilidade, economia e po- banal. De um jeito ou de outro, qual- para isso, não é preciso chamar aten-
tencial de crescimento. quer um pode sobreviver, até um pe- ção para o fato com um fantoche ceri-
Como escreveu Jacques Barzun: "Na dinte na rua. O segredo é sobreviver monial. Mais cedo ou mais tarde, todo
virada do século, [o trem] era uma ins- com classe, sentir o crescente impulso mundo vai perceber.
tituição, uma imagem do homem, uma da supremacia comercial. Não só pro-
tradição, um código de honra, uma var o doce sabor do sucesso, mas ter o 1. Jacques Barzun, "Trains and the Minei of Man",
fonte de poesia, um celeiro de desejos sentimento visceral da grandiosidade Holiday, February 1960.
da infância, o mais sublime dos brin- empreendedora. 2. Para maiores detalhes, veja M.M. Zimmerman,
The Super Market: A Revolution in Distribution (Mc-
quedos e a mais solene das máquinas — Nenhuma organização pode alcan- Graw-Hill, 1955).
quase como o carro funerário — a mar- çar a grandeza sem um líder vigoroso 3. Idem, páginas 45-47.
car as épocas na vida do homem."6 que seja motivado a avançar por um 4. John Kenneth Galbraith, A Sociedade Afluente
Mesmo com o advento do automóvel, pulsante desejo de sucesso. Um líder (Thomson Pioneira, 1987).
do caminhão e do avião, os magnatas tem de ter uma visão de grandiosi- 5. Henry Ford, Minha Vida, Minha Obra (Compa-
nhia Editorial Nacional, 1926).
da ferrovia seguiram imperturbáveis em dade, uma visão capaz de produzir
6. Barzun, "Trains and the Mind of Man", op.cit.
sua confiança. Se alguém tivesse dito 6o um grande número de ávidos seguido-
anos antes que dali a 30 anos eles esta- res. Nos negócios, os seguidores são os
riam no chão, quebrados e implorando clientes.