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Recensão crítica ao texto “Growing with Improvisaton” de John Kratus

Kratus, John (1991), “Growing With Improvisation” in Creativy in the Music


Classroom, ed. por Donand L. Hamman,

O artigo será divido em diferentes secções (“Studies on Improvisation”; “An


Inside Look”; “Product versus Process”; “Sequencing Instruction”; “A Chance to Grow
Muically”), em que cada uma delas terá referências a diversas investigações
fundamentais para compreender o processo de aprendizagem relativa à improvisação,
em particular, à improvisação em crianças.

Em primeiro lugar, John Kratus aborda as diferenças de abordagem na


improvisação de um músico experiente e uma criança em iniciação. Ao longo do texto
também são apresentadas algumas semelhanças entre ambos, sendo estas a realização de
movimentos propositados com o intuito de produzir som, a inevitabilidade daquilo que
tocam no momento, dado que isso será o produto final sonoro, e por fim, a liberdade de
escolherem a altura e a duração do som (p. 49). No entanto, apesar das semelhanças será
impossível adotar as mesmas estratégias de ensino para a criança e o músico experiente.
Desse modo, com o intuito de conceptualizar a improvisação de uma forma mais
precisa, o autor constrói um modelo divido em sete níveis sequenciais – indo estes do
menos complexo para o mais complexo - do comportamento musical”. Propõe-se que os
professores utilizem esse modelo para identificar em que nível os seus alunos se
encontram, e desse modo adaptar os seus métodos de ensino. De seguida, Kratus vai
apresentar alguns estudos que confirmam as capacidades de improvisação das crianças
(p. 50). Por exemplo, John Flohr observou que estas seriam capazes de utilizarem
padrões musicais para unificarem a sua improvisação. Com base nesse conhecimento
Flohr formulou um modelo sobre os estágios de desenvolvimento da criança.
Respectivamente, o primeiro, descrito como “motor energy stage”, associado às
crianças de 2 e 4 anos, mostra que a criança consegue tocar notas repetidas e mais ou
menos com a mesma duração; “experimentation stage”, que vai dos 4 aos 6 anos, no
qual se demonstra já uma experimentação com novas ideias, mas sem a preocupação de
introduzi-las num “contexto maior”; e por fim, “formal properties stage”, referente a
crianças dos seis aos oito anos capazes de reproduzirem “características estruturais”
como a tolidade e a repetição de padrões maiores. O próximo estudo tratado pelo autor
foi delineado. por Deborah Reinhardt. Esta investigação demonstrou que as crianças são
capazes de improvisar com elementos simples, particularmente através da repetição de
padrões rítmicos.

De seguida, o autor alerta para a falta de estudos sobre os processos cognitivos


dos músicos durante a improvisação. Por outro lado, no sentido de compreender melhor
como funcionam os processos de aprendizagem de um músico improvisador, Kratus faz
referência à auto-análise de David Sudnow, relativa ao seu progresso como pianista de
jazz. Desse modo, a descrição de Sudown é constituída por três fases, em que a primeira
se baseia em desenvolver vocabulário ou “licks” e tocá-los de uma forma “formulativa”,
respectivamente, a segunda fase vai consistir na variação e utilização flexível desses
mesmos padrões apreendidos, e, por fim, na terceira fase, a improvisação torna-se mais
“relaxada”, “fluida” e “coerente”. Em contexto de uma cadeira de introdução ao jazz, o
investigador David Hargreaves notou que os alunos principiantes recorriam
frequentemente a estratégias, tais como “filling in the time with no organizational plan”,
“emphasizing one musical element”, e “focusing on one element while remaining open
to change as the improvisation progresses” (p. 51). Os músicos mais experientes
tocavam de forma mais relaxada e mudavam as suas estratégias enquanto
improvisavam. Tal como menciona Jeff Pressing, isso mostra que o acto de
improvisação implica um processo de toma de decisões. Juntamente com essa
investigação P.N. Johnson-Laird cria um modelo aplicado ao jazz em que o objectivo é
condicionar no sentido de retirar as “más” decisões musicais e trabalhar em torno das
“boas”. Este processo selectivo arbitrário servirá para a constituição de uma linguagem
estilística. De seguida, indo de encontro aos valores defendidos por muitos músicos de
jazz, Edwin Gordon acrescenta a importância de se ouvir internamente primeiro antes
de tocar, visto que para uma “autêntica” improvisação as ideias devem ser
auditivamente intercaladas entre si, ao contrário de serem mecanicamente expressas
(memória motora),

No que toca ao modelo de Kratus, o autor primeiramente distingue dois tipos de


orientação quanto à improvisação, na qual uma será processual (mais próxima das
crianças que estão a começar a improvisar), isto é, “(…) a person creates music for the
sake of experiencing the process of creation (...)”, e outra o produto (orientação
associada a um músico que já tem bagagem suficiente para improvisar), ou seja, “When
a person creates music that is or could be shared with others, then that person has a
product orientation” (p. 51). No mesmo sentido, o músico experiente é capaz de
corresponder às suas expectativas do som produzido, enquanto o principiante, pelo
contrário, dada dificuldade em manipular o instrumento, não corresponde às mesmas.
Uma listagem também é fornecida sobre o conhecimento e técnicas detidas por um
músico experiente que improvisa. Essa listagem inclui, respectivamente, a capacidade
de ouvir padrões musicais que estão prestes a serem tocados, um conhecimento musical
estruturado em que audiência compreende o que está a ser tocado, a técnica de
manipular o seu instrumento, o conhecimento de estratégias e flexibilidade das escolhas
musicais durante a construção de uma improvisação, conhecimento das convenções
estilísticas, e a técnica que possibilita transcender essas mesmas convenções.

Tendo isto em conta, é apresentado um modelo com sete níveis referentes ao


conhecimento e técnica do aluno e a sua capacidade de improvisar. Numa primeira
instância o aluno encontra-se numa fase de exploração, em que é necessária a repetição
de padrões e a interiorização auditiva desses pelo aluno (fase pré-improvisacional). O
segundo nível lida com a improvisação processual, cuja organização e coesão dos
padrões musicais anteriormente explorados será o foco. No terceiro nível (“product
improvisation”) o estudante tem noção das condicionantes externas da música, isto é,
sobre os princípios estruturais que compõe a “peça” (tem consciência do ritmo,
tonalidade, andamento, etc.), que poderá ser uma composição criada no momento da
aula com uma progressão harmónica simples (I-IV-I). O nível quatro concerne à
“improvisação fluida”, ou seja, neste período a técnica do estudante torna-se relaxada,
fluida e automática, relativamente à utilização de alguns dos elementos musicais, bem
como uma facilidade técnica ao manipulá-los. O papel do professor aqui será fornecer
oportunidade ao aluno de improvisar com diferentes modos, tonalidades, compassos,
tempos, etc. No quinto nível, intitulado “Structural Improvisation”, o aluno tem
consciência da estrutura como um todo durante a improvisação. Neste ponto, este já
utiliza diferentes estratégias ou decisões enquanto toca. Desse modo, o aluno estará
preparado para improvisar estilisticamente. Por consequência, o nível seguinte será
focado na improvisação estilística em que o aluno aprende um número de aspectos
musicais pertencentes a um estilo musical, e incorpora esses aspectos na sua
improvisação. O nível sete só se tornará possível depois de uma absorção densa dos
elementos anteriores. Há uma tentativa de quebrar as regras pelo estudante e o professor
deve encorajá-lo e ajudá-lo nessa tarefa. Apesar dos níveis serem sequenciados durante
a aprendizagem (só se passará para o nível seguinte se o precedente estivar bem
consolidado), a introdução de novas características musicais novas pode levar o aluno a
voltar a níveis anteriores, pois, como refere o autor “(…) a student may revert from a
higher level when encoutering a difficult musical element, a new musical style, or a
change in mood” (p. 54)

O modelo do autor parece-me bastante útil para aplicar aos meus alunos mais
novos de piano de iniciação. Além de poder ver o estágio de desenvolvimento musical
em que estes se encontram, é possível também atribuir algumas das ideias práticas
propostas pelo autor. Pela minha experiência como docente e da observação de outros
docentes, denota-se que a improvisação é um pouco deixada de parte para alunos mais
novos. Apesar de muitos destes professores tenham tido formação em jazz (visto que a
performance é maioritariamente baseada na improvisação), os métodos primordiais para
a improvisação que envolvem a transcrição e exercícios de vocabulário (diferentes
exercícios consistindo na variação e desconstrução de segmentos melódicos ou “licks”),
parecem ser apenas aplicáveis para alunos que tenham já alguma facilidade técnica ou
experiência no instrumento. Provavelmente, e seguindo o modelo de Kratus, a
implementação desses métodos não corresponde ao nível de desenvolvimento em que os
alunos mais novos se encontram. Aliás, a transcrição e os exercícios para obter
vocabulário são já preocupações estilísticas, correspondendo ao nível 6 do modelo de
Kratus. No entanto, isto não significa abandonar por completo a introdução de marcas
musicais estilísticas às crianças, uma vez que é possível complementar diferentes níveis:
“The kownledge and skills that students develop at a certain level, however, need not be
taught only at that level. (…) while a student is working at level 3 (product-oriented
improvisation), the teacher could introduce some characteristics of specific
improvisational styles” (p. 53). Possivelmente, a dificuldade de os músicos/professores
de jazz introduzirem a improvisação à criança advém da experiência ou do background
de ensino que tiveram. Isto é, a maior parte destes só aprenderam improvisação no
ensino profissional e na escola superior.1 Por conseguinte, estes músicos durante o seu
período de infância frequentaram conservatórios e academias de música 2, onde a técnica
do instrumento e a leitura musical é largamente desenvolvida, no entanto, nesses

1
No entanto, a confirmação científica desta constatação teria de ser realizada através de um estudo sobre
os processos de aprendizagem “informais” e formais (referente de igual forma ao passado, quando foram
introduzidos à improvisação). dos músicos de jazz.
2
Que frequentemente reproduzem os mesmos modelos de ensino.
contextos de ensino não é explicado ao aluno como improvisar. No meu caso, ao ensinar
numa escola não-oficial tenho possibilidade de trabalhar com alunos de conservatório
que procuram alternativas de ensino. Num dos primeiros exercícios de improvisação,
baseado somente em tocar ideias na escala de dó maior sob um pedal, reparei que o
aluno tendia a repetir um parâmetro musical, sendo, neste caso em particular, o ritmo.
Sucediam-se mudança de notas, conjuntamente com a exploração de registos graves e
registos agudos. Por outro lado, no meu entender o desenvolvimento das capacidades de
improvisação do aluno será um complemento à formação musical tida no conservatório,
ao invés de ser uma “alternativa” a este. Na tese de Kevin Woosley (2012) está patente
uma das preocupações centrais na forma que vejo o ensino institucionalizado. O autor
assinala a relevância de métodos aurais e da improvisação no ensino de pianistas
“clássicos”. Alguns benefícios são salientados pelo autor tais como uma maior
compreensão dos conceitos teóricos e análise da música, o que, por sua vez, contribui
para menos erros durante a performance, visto que “instead of relying on muscle
memory, they can remember specific chords, key areas, sequences, etc.”
Inevitavelmente, dada o reforço da memoria através de métodos aurais e da
compreensão teórica daquilo que se está a executar, contribui para a diminuição da
ansiedade na performance. Daí que será importante o reparo que Gabriel Solis (2016)
faz relativamente à falta de oportunidades, no nível terciário, dos alunos desenvolverem
a improvisação concernente ao estilo musical que lhes é próximo. Penso que este
“problema de género” (Solis, 2016), em que a improvisação é rapidamente legitimada
pela sua associação ao jazz, pode ser algo transversal no ensino. Por isso, é necessário
relembrar as palavras de Kratus ao sublinhar o papel crucial da improvisação durante
toda a educação musical: “Improvisation is not simply an intuitive musical behavior,
nor is it only an actively reserved for the most proficient musicians. It is both, and
improvisation can and should be a meaningful part of every student’s education, from
preschool through adulthood” (p. 55).

Finalizo com uma citação da autora relativamente à valorização da improvisação


na educação musical, e o como esta pode promover a criatividade, personalidade e
contribuir para uma visão holística da música:

“The personality of the musician is often displayed through improvised music.


Every musician has creative ideas and imagination. Improvisation allows this creativity
to be released. It stimulates imagination.Many students may at first be hesitant or even
fearful of allowing their creativity to shine through their improvisations. They may
believe that they lack the ability to be creative. But, everyone has a unique musical story
to tell.Encourage students to not give up until they see what is hidden within their
musical imagination” (Woosley, 2012: 15, 16)

Referências bibliográficas:

Solis, Gabriel (2016), “From Jazz Pedagogy to Improvisation Pedagogy: Solving the
Problem of Genre in Beginning Improvisation Training” in Improvisation and Music
Education: Beyond the Classroom, Ed. por Ajay Heble & Mark Laver, Routledge: Nova
Iorque

Woosley, K. D. (2012), The Lost Art of Improvisation: Teaching Improvisation to Classical


Pianists, Thesis submitted for the degree of Doctor of Musical Arts, The University of
Alabama, Alabama, USA

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