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2ª edição
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Nana Valenttine foi emocionante ter suas palavras neste livro. Obrigada!
E finalmente, quero desejar uma ótima leitura a você, e dizer que cada
palavra, cada frase deste livro carrega um pedaço do meu coração. Escrevi O
Anjo e a Fera com minha alma. Espero que você consiga ser tocado por essa
história, e que ela represente algo em sua vida.
"O convite para escrever o prefácio de O Anjo e a Fera me pegou de
surpresa. Não minto, fiquei emocionada.
É importante saber que, ao lê-lo, você não irá se deparar apenas com uma
história de amor, não é apenas o conto de fadas que está presente nesta obra.
Stephen é um homem machucado, não apenas por fora, mas por dentro
também. Aterrorizado por seus pesadelos, enclausurou-se na própria casa,
despertando em todos ao redor um misto de curiosidade, temor, produzindo,
então, uma áurea de mistério.
Tal como a fera dos contos, Stephen quer que ela o sirva, como pagamento
por ele ter salvado sua vida quando a encontrou, à beira da morte, em sua porta.
Juntos enfrentam muitas barreiras, ele cheio de mau humor; ela, de otimismo
e respostas tão inocentes quanto afiadas. Você verá muitas cenas inesquecíveis,
diversas frases marcantes, memoráveis.
Eu diria que estou, sim! Bom, é impossível não se apaixonar por Stephen,
mas é preciso entendê-lo.
Por fim, convido você a abrir o coração e se apaixonar por essa história
maravilhosa. Uma história de amor, de perdão, de redenção. Mas já aviso:
peguem seus lencinhos, pois é impossível não se emocionar.
Nana Valenttine – Autora de O Beijo da Lua.
FRANÇA, 1820.
Stephen ficou de costas para a janela, olhando para o quarto vazio. A lareira
estava apagada, mesmo ele tendo alimentado o fogo antes de se deitar. Quanto
tempo havia passado desde que adormecera? Supunha que muitas horas.
Talvez fosse alguma esposa, que, flagrada com o amante, estava agora sendo
disciplinada.
Não importava.
Virando para o canto mais escuro do quarto, Stephen fechou os olhos e tentou
ignorar os gritos, que agora se tornavam mais baixos.
A última coisa que ouviu antes de pegar no sono foi uma pequena e baixa
lamúria:
— Socorro!
Rosaleen correu o máximo que pôde, tudo que suas pernas permitiram.
Infiltrou-se nas pequenas ruas escuras, pulando por cima de algumas caixas de
lixo e, às vezes, enroscando seu vestido em algum canto; nada importava, exceto
fugir.
Ela entrou em uma rua estreita repleta de casas enormes. A noite estava clara,
o que possibilitou ver por onde estava andando. Rosaleen diminuiu a corrida,
passando a uma caminhada rápida, ainda atenta a qualquer movimento ao lado.
Puxou a barra do vestido para cima e começou a andar pela calçada de pedra.
O que faria? Talvez devesse procurar uma igreja. Não tinha mais nada, a não ser
a si mesma. Sentia fome, frio e medo. Muito medo.
Quando se preparava para dar o primeiro passo rumo a seu esconderijo, mãos
firmes seguraram seu braço, apertando seus músculos com extrema força.
Tentou correr, desvencilhar-se das mãos do homem, mas foi em vão. Ele a
puxou de encontro ao seu corpo, torcendo seu braço nas costas.
— Ei, Moll, Canth! Eu a encontrei! Venham até aqui! — ele gritou chamando
os outros homens.
— Vamos sair daqui, não quero que alguém nos veja — o homem mais alto
falou. — Leve-a até aquele beco. — Apontou para um lugar mais à frente.
Não adiantou. Seu captor a segurou pelos cabelos, puxando-os com força.
Quando chegaram ao beco escuro, o homem lançou Rosaleen ao chão. Ela
tentou se colocar de pé e fugir, mas foi atingida por um chute nas costelas,
caindo novamente.
— O que vocês querem de mim? Por favor, deixem-me ir. Eu imploro, por
favor — pediu desesperada.
— Logo você estará livre, isso levará apenas alguns minutos. — Um deles
começou a desafivelar o cinto da calça, enquanto os outros acendiam uma
lamparina e iluminavam o rosto de Rosaleen.
A jovem levou a mão aos lábios quando a luz atingiu o homem a sua frente, e
ela viu o que ele fazia.
Ele se ajoelhou em frente a ela e a sujeitou com seu peso e mãos asquerosas.
Ela tentou golpeá-lo, fugir, empurrá-lo. Nada adiantou. Seu violador era mais
forte e maior.
Rosaleen gritou. Gritou pela dor, pela vergonha, pelo medo. Gritou tantas
vezes, implorando por ajuda, para que alguém a ouvisse. Mas não vieram por
ela.
Quando ele terminou, sujando-a com seu sêmen, Rosaleen achou que enfim a
deixaria ir.
Mas, não.
Dessa vez ele não a xingou. Não pronunciou qualquer palavra. Apenas a
espancou.
— Não deixarei você morrer. Quero que fique viva para se lembrar disso por
toda sua vida — o homem disse friamente.
O trajeto foi curto. Ele parou em algum lugar que ela não saberia identificar e
então a jogou no chão.
Rosaleen caiu, com as costas batendo contra algo duro, provavelmente uma
pedra.
Seus olhos se umedeceram com poucas lágrimas. Rosaleen mal tinha forças
para chorar. Nem para se mover. A dor era terrível, queria morrer.
A sala estava iluminada pelas enormes velas presas ao chão por grandes
castiçais, de maneira que ele pôde finalmente enxergar. Pegou uma vela menor e
a acendeu na maior, seguindo em busca de algo para beber.
Parou por um momento, pensando que era extremamente cedo para beber.
Mas o que mais podia fazer se era a única forma de se livrar daquela odiosa dor
de cabeça e dos fantasmas que o perseguiam? Não havia outro método, e ele não
incomodaria seu mordomo naquela hora da madrugada.
Encheu o cálice novamente, mas dessa vez bebeu mais devagar, sentindo o
gosto quente em sua boca.
Ouviu um gemido.
Mais um gemido.
Suspirou.
Estava ficando louco. Era isso, sua loucura havia chegado a um nível
extremo.
Outro gemido.
Stephen olhou para todos os lados pensando no que faria com a jovem em
seus braços. Não poderia simplesmente deixá-la jogada em frente a sua porta a
ponto de morrer. Mas também não poderia colocar uma pessoa estranha dentro
de sua casa. Ele fechou os olhos por um momento e respirou fundo, tentando
tomar uma decisão rápida. Quando voltou a abri-los, deixando o olhar vagar
sobre o pequeno corpo encolhido em seus braços, percebeu que, apesar de ser o
que era, não podia ser tão impiedoso a ponto de deixar a jovem morrer. Não, ele
não era tão cruel assim.
Tomando uma decisão rápida, Stephen caminhou para a sala. O percurso até
lá ainda era escuro e ele não podia carregar uma vela, de modo que precisou ser
cuidadoso ao desviar-se de alguns móveis. No enorme salão iluminado, notou
que a mulher em seus braços começava a acordar e a se debater contra ele,
murmurando algo incoerente e aparentemente sem sentido. Antes de começar a
subir as escadas, ele colocou o dorso da mão sobre o rosto da jovem e constatou
o quanto ela estava quente, a febre era o motivo pelo qual delirava daquela
forma. Stephen subiu com cuidado, firmando os pés nos degraus.
Ele chegou ao corredor escuro e estacou ao perceber que não sabia para onde
levar a jovem. Deveria colocá-la em um quarto de hóspedes, mas estes não eram
usados há anos e provavelmente estavam em condições deploráveis, então só lhe
restava uma única e terrível opção: seu próprio quarto.
— Chame Moira, Ned. Mande que ela traga água quente e panos limpos. —
Stephen ordenou enquanto observava a mulher se debatendo.
— Oh, meu Deus, que tamanha covardia! — Ela deixou a bacia em cima da
mesinha e começou a tirar as mãos e o cabelo do rosto da mulher. — Olhem só o
que fizeram a essa pobre criatura! — exclamou, assustada com os ferimentos.
— Não faça isso, deixe-me… Por favor, não… — A jovem colocou as mãos
em frente ao rosto e puxou as pernas para cima.
Moira suprimiu um soluço quando viu a quantidade de sangue que manchava
o corpo da mulher e os lençóis. Olhou para Stephen em busca de uma resposta e
ele balançou a cabeça assentindo em resposta à pergunta silenciosa.
Ele sabia o que ela perguntava e lhe doía dizer-lhe que sim, confirmar o que
havia acontecido.
Sua cabeça latejava terrivelmente, a dor que achava ter passado havia se
tornado mais forte agora, seu rosto ardia, as feridas queimando como o inferno.
Inferno. Ele estava lá novamente. Havia voltado na noite anterior, quando
ignorou os gritos que tinha ouvido; gritos que imploravam por ajuda.
Stephen se levantou e saiu da cozinha sem olhar para trás. Subiu a escada dos
criados e abriu a enorme porta do sótão, o lugar escuro dando boas-vindas a ele.
Fechou a porta e respirou fundo, deixando o alívio temporário correr por seu
corpo.
Era ali, nas profundezas, na escuridão, que a Fera de Bordeaux, como todos o
chamavam, devia ficar.
Após se ausentar do quarto por alguns instantes, a jovem criada voltou com
uma enorme bandeja cheia de comida. Ao ver as iguarias, Rosaleen ouviu seu
estômago roncar vergonhosamente.
Moira havia ido até a cozinha devolver a bandeja. Já era quase noite e
Rosaleen estava sozinha no quarto. Aproveitou para correr o olhar pelo cômodo,
avaliando-o, reparando como era grande e luxuoso. A janela era muito alta e
ostentava cortinas azuis com bordados dourados; o tecido descia do teto e cobria
toda extensão da parede, flutuando até o piso. O olhar da jovem foi para a grande
lareira, onde o fogo crepitava mansamente.
O quarto era o maior que já tinha visto na vida, parecia ter sido decorado para
um homem, a julgar pela enorme cama em que ela se encontrava. Entretanto
Rosaleen podia sentir um perfume diferente no ambiente, cheiro de sândalo,
madeira queimando e de algo mais… Diferente, aconchegante. A cama era
macia, tinha as mantas limpas e bem-arrumadas, os travesseiros mornos e fofos.
Rosaleen concluiu que estava na casa de alguém muito rico. Moira tinha dito
que seu senhor a encontrara jogada em frente à sua casa. Mas que casa? E que
senhor era aquele? Por que não se lembrava de nada? Bem, ela sabia o que tinha
acontecido, os flashes daquela terrível noite ainda estavam ali para atormentá-la,
mas realmente não fazia ideia de onde estava.
— Sei que passou por coisas horríveis, senhorita — a jovem começou, com a
voz engasgada. — Mas estou aqui para ajudar no que precisar. Meu senhor
também a ajudará.
— Quem é ele? — Rosaleen perguntou em um sussurro.
Lorde Edmond? Era esse o homem que tinha lhe salvado a vida?
— Não o vi nos últimos três dias, mas suponho que meu senhor esteja
tratando de negócios. Ele é um homem muito rico, sabe?! — Ruborizou-se pelo
comentário ousado e sorriu timidamente.
— Vou precisar fazer o jantar para meu senhor, mas prometo-lhe voltar para
vê-la antes de dormir. — Juntou as mãos em frente ao peito e sorriu. — Talvez
deseje algo para ler?
— Sim, por favor. Adoraria algum livro para ler — disse com um breve
sorriso.
Rosaleen não gostava da solidão daquele quarto, mas não teve alternativa,
senão permanecer banhada pelo estranho silêncio que envolvia o ambiente.
Poucos minutos se passaram até que Moira voltasse com quatro livros de
capa de couro, que deixou sobre o colo de Rosaleen.
— Obrigada. Gosto muito de ler. — Rosaleen passou a mão pela capa escura
de um dos livros, sentindo a textura do couro em sua pele.
Moira deixou o quarto com um aceno de cabeça e voltou para seus afazeres.
Rosaleen nem percebeu que ela havia saído, estava tão encantada com os livros
que tinha nas mãos que tudo ao seu redor desapareceu.
“Todo meu respeito e apreço por meu estimado amigo S.E, M.C.
Ela correu o dedo pela caligrafia rebuscada e franziu a testa. Quem seria S.E?
M.C ela deduzia que fosse o autor do livro, do qual nunca ouvira falar.
Deu de ombros.
Desde que aprendera a ler, há alguns anos, tivera poucas oportunidades de ter
um livro nas mãos, e essa era a primeira em que leria poemas. Os livros que o
padre Bernard emprestava a ela eram na maioria religiosos, inclusive a própria
Bíblia, que Rosaleen lera diversas vezes enquanto o religioso lhe tomava lições
de catecismo.
Sorriu.
Fora uma época feliz. Seu pai havia ficado muito orgulhoso quando, em um
dia muito frio, Rosaleen esperara por ele até à noite, debruçada na janela, com os
olhos fixos na estrada da casa. Quando ele chegara cansado do dia do trabalho,
ela se jogara em seus braços. Com lágrimas nos olhos, fizera-o sentar em frente à
pequena fogueira da cabana e, acomodada ao seu lado, lera alguns trechos do
Salmo 40.
— É uma princesa, Rosaleen. Sua mãe teria ficado muito orgulhosa —tinha
dito ao abraçá-la.
Bem, seu pai estivera certo. A vida de Rosaleen mudaria drasticamente, mas
não para melhor.
Agora, depois do que tinha acontecido, ela acreditava que o tal destino
mencionado pelo pai havia lhe apunhalado pelas costas, assim como Deus, que,
pensava então, esquecera-a.
Ela levou o livro até o peito e apertou com força, fechando os olhos e
buscando forças em seu interior para não chorar.
Por mais que o destino e Deus a houvessem traído, seria forte para não
chorar. Precisava desesperadamente ser forte para não recordar o que havia
acontecido naquela terrível noite. Se tivessem lhe dado a chance de escolher, ela
teria optado por não ser salva. Parecia insano desejar a própria morte quando
havia a oportunidade de viver, mas, sim, Rosaleen teria ido por esse caminho.
Como poderia ela viver se estava arruinada? Sozinha, sem casa e sem sua
dignidade.
Tudo lhe fora arrancado de repente, sem chance de reação. O pai adoecera de
um dia para o outro, tinha padecido do pulmão e, dentro de poucos dias, morrera,
deixando-a sozinha no mundo. Padre Bernard a tinha acolhido, oferecido comida
e abrigo. Rosaleen, no entanto, não movera os pés da cabana onde morava com o
pai, permanecendo ali até que os credores aparecessem exigindo o pagamento
das dívidas que ele contraíra, das quais ela não tinha conhecimento.
Com a situação em que se encontrava, não houvera outra solução a não ser
entregar tudo o que tinha, o que era pouca coisa; o espelho de prata que
pertencera à mãe, alguns pratos, sua Bíblia e, por fim, a própria casa. Para os
cobradores, no entanto, não fora o suficiente; deixaram claro que, para saldar a
dívida, Rosaleen deveria pagar com seu corpo. Obviamente ela se negara, tentara
pedir ajuda ao amigo padre, mas não houvera tempo, precisara fugir para a
cidade, sem nenhum franco, sem sequer uma roupa. Tinha pensado em conseguir
um trabalho como costureira ou lavadeira e morar em uma hospedaria, mas não
tivera tempo para isso.
— Meu senhor tem apenas dois criados. Ned é o mordomo, e eu… — Ela
hesitou por um momento. — Bem, eu cuido de tudo que posso. Cozinho, lavo e
cuido das necessidades de meu senhor.
Rosaleen olhou ao redor, espantada pelo fato de a criada dar conta de tudo
aquilo. Mas era óbvio: Moira não conseguia cuidar de tudo. Isso deu a Rosaleen
o que pensar e, bem lá no fundo, na escuridão de seu coração, uma chama se
iniciou.
Rosaleen não gostou disso. Durante todos aqueles dias não tinha visto o tal
homem e, pelo pouco que Moira comentara, seu senhor era muito reservado e
vivia sempre ocupado. Mas agora ele queria lhe falar. Isso a deixou nervosa,
embora não demonstrasse; manteve-se firme enquanto descia as escadas e seguia
para a biblioteca.
Não iria fugir agora. Mesmo que temesse desesperadamente ficar a sós com
um homem que jamais vira, ela sabia que não tinha outra solução.
Seus pés pararam há poucos metros do homem, que ainda não tinha se
movido e nem respondido.
Rosaleen deixou de lado a cadeira e virou-se para o homem. Mas ele não
estava mais lá.
— Estou aqui, senhorita Wickford — uma voz rouca e potente surgiu ao seu
lado.
Ela virou rapidamente na direção da voz e levou as mãos à boca para conter
um grito ao ver o homem ao lado das velas, banhado pelas luzes.
Seu coração parou de bater por alguns segundos diante daquela visão.
QUANDO ERA APENAS UMA CRIANÇA, Rosaleen, em uma manhã de domingo, fora
com o pai à missa da pequena igreja do vilarejo em que moravam. Ela assistira
às orações com ouvidos atentos ao que o sacerdote dizia, mesmo não
compreendendo nada. No final, depois que saíram da igreja, caminhara pelo
roseiral que ficava ao lado da construção; o pai tinha permanecido conversando
com alguns amigos e não dera por falta da filha.
O homem deu as costas a ela e voltou para a janela, onde a luz da lua o
banhou por entre as grandes vidraças.
Rosaleen começou a pensar no que dizer, tendo em mente que, claro,
primeiro deveria agradecer-lhe por lhe salvar a vida. Era o mais cortês a fazer,
embora seus sentimentos em relação a isso não se resumissem à gratidão.
Ela o olhou e viu que suas mãos estavam apertadas contra suas coxas, a
respiração visivelmente alterada. Estava bravo, era óbvio. Mas por quê?
— Senhorita Wickford, costuma desafiar dessa forma a todos que lhe pedem
que não abra a boca? — ele perguntou de forma áspera.
Ela olhou para a direita, para a porta pela qual tinha entrado na enorme
biblioteca. Talvez devesse segurar suas saias e sair em disparada para fora.
Consideraria aquilo.
— Perdão?
Rosaleen virou o rosto para o outro lado e fechou os olhos. Isso fez com que
Stephen retrocedesse.
Ele podia ouvir a respiração dela. Rosaleen estava prestes a entrar em pânico.
— Ora, senhorita Wickford, eu não sou tolo. Sei que não tem absolutamente
nada para abandonar.
— Como…?
— Como eu disse, você não tem escolha. Mas vou deixá-la a par de sua
situação: a senhorita não tem sequer um mísero franco, está usando as roupas da
minha criada, não tem para aonde ir e nem como se sustentar. Diga-me, senhorita
Wickford, qual seria seu destino senão vender seu corpo pelas ruas empesteadas
de Bordeaux?
Deus! Ela não queria aquilo. Também não queria ter que trabalhar e servir
aquele homem cujo nome nem sabia! Mas que escolha tinha? Como ele mesmo
tinha dito, não tinha nenhuma.
— Muito bem, senhorita Wickford, retire-se e procure por Moira, ela lhe
explicará suas funções nesta casa.
— Sim, senhor — ela concordou com um leve e sutil gesto de cabeça, saindo
silenciosamente da biblioteca.
Stephen viu a porta se fechar diante de si, então foi até a mesa de bebidas e
serviu-se de Porto, logo apreciando o calor que escorria por sua garganta.
De corpo e alma.
NA MANHÃ SEGUINTE, O DIA mal havia começado e Rosaleen já estava de pé em
frente ao espelho do quarto. Seus cabelos estavam arrumados, presos em um
coque no alto da cabeça. O vestido cinza de Moira pendia desamassado no corpo
da jovem recém-convalescida e a insinuação de um sorriso sereno já se mostrava
em seu rosto. Estava pronta para começar seu trabalho.
Ela conferiu pela última vez se estava tudo em ordem com sua aparência, viu
que as sombras escuras em volta dos olhos já tinham sumido completamente e
que as manchas arroxeadas eram agora apenas fracas pinceladas esverdeadas
sobre a pele pálida.
Sorriu fracamente. Era bom ver que seu rosto estava voltando ao normal, mas
esperava que, assim como as marcas na pele, as lembranças daquela noite se
dissipassem de sua mente.
Havia algo mais. Durante a noite, Rosaleen tinha jurado ouvir alguns
barulhos vindos da parede ao lado de seu quarto. Os ruídos eram semelhantes ao
de móveis sendo arrastados e de algo caindo sobre a madeira. Consideraria que
fossem ratos, seria melhor pensar isso do que supor que fossem fantasmas,
certo? Até porque ela não acreditava em fantasmas de forma alguma.
— Desculpe-me por assustá-la, não foi minha intenção. Achei que fosse outra
pessoa, não esperava que você fosse aparecer por aqui tão cedo — explicou,
enquanto juntava alguns gravetos e colocava dentro da abertura do fogão.
— Ontem você me disse que eu deveria acordar cedo para começar meu
trabalho — contou Rosaleen, lembrando-se da conversa que tivera com Moira
assim que saíra da biblioteca de seu senhor.
— Está certo. Eu só não esperava que fosse acordar tão cedo. Ninguém mais
levanta a essa hora além de mim. Pode colocar a água para ferver? — Indicou
uma panela em cima de uma mesinha.
— Meu senhor é muito exigente, somente eu sei o que ele gosta de comer. E
agora ele também é seu senhor, senhorita. — Sorriu novamente, dessa vez de
forma convencida.
Rosaleen deu de ombros. Ainda não estava acostumada com aquela situação.
Aproximou-se de um armário e passou os dedos pela madeira desgastada, uma
grossa camada de poeira grudou em sua pele, fazendo-a franzir a testa.
— Moira, por que o salão está daquela forma? Seu senhor não se incomoda
com a aparência daquele lugar quando recebe visitas? — perguntou ao sentar ao
lado da criada.
— Meu senhor não recebe visitas há anos. — Entregou algumas ervilhas para
Rosaleen, que começou a ajudá-la. — Ele não permite que eu toque em qualquer
coisa naquele salão. Sinceramente, tenho desejo de poder arrancar aquelas
cortinas horrorosas e aqueles móveis que devem ter mais de quatro gerações. —
Riu baixinho.
— Oh, claro que sim. Mas meu senhor me mataria por isso.
Rosaleen abriu bem os olhos.
— Estou brincando, senhorita. Ele jamais seria capaz de algo assim, eu lhe
asseguro.
Ela não as considerava feias. Em verdade, o corte era bonito, mas a cor
escura atribuía ao cômodo uma atmosfera lúgubre, além, é claro, do fato de o
veludo estar corroído pelo tempo.
Rosaleen não conseguiu esperar por Moira e, com um leve esforço, conseguiu
subir no sofá, de onde começou a puxar as cortinas pesadas, fazendo-as cair no
chão levantando uma grande nuvem de pó. Ela tossiu, tentando respirar.
Desceu do sofá para admirar seu primeiro trabalho.
Por entre os vitrais, era possível ver, ao longe, pequenas nuvens rosadas
surgindo, revelando o nascer do sol. Era um presente para seu primeiro dia ali.
Então, pela primeira vez desde a morte de seu pai, Rosaleen sorriu
verdadeiramente.
Sim, ela iria ser dona de sua própria vida, iria também provar àquele homem,
a quem ela recusava chamar de seu senhor, que poderia mudar o lugar que ele
chamava de casa.
Levou a mão ao peito e fechou os olhos, sentindo, como não fazia há muito
tempo, o ritmo do próprio coração.
— Sim, senhor.
— Ótimo. Agora fique de joelhos! Cada vez que meu chicote queimar em
suas costas, quero que se lembre de como conduzir um cavalo corretamente.
Entendeu?
Stephen jogou as mantas para longe da cama e deitou sobre seus braços,
fixando o olhar no teto.
Mais uma vez, mais uma noite ele havia ido para o inferno. Isso sempre se
repetia. Stephen já devia ter se acostumado ou pelo menos não se incomodar
mais. Porém, mesmo assim, depois de tantos anos, ainda era difícil conviver com
aqueles monstros. Era um homem adulto; em seus trinta e um anos, já devia ser
capaz de controlar tais “fantasmas”, mas, quando a noite chegava, tornava-se
apenas um menino. Um menino amedrontado.
Parou para pegar sua máscara sobre a cama e, no momento em que a segurou
na mão, ouviu um barulho alto vindo do andar de baixo. Enquanto prendia a
máscara no rosto, outro barulho, dessa vez seco, soou lá embaixo. Algumas
vozes também podiam ser ouvidas.
Não sabia muito bem o motivo, talvez fosse sua intuição, mas, enquanto
percorria o corredor e descia as escadas, Stephen julgou que a possível culpada
para aqueles sons indesejados no começo da manhã era sua nova criada, a
senhorita Wickford.
Ele não estava errado. Assim que chegou ao patamar da escada, encontrou a
cena mais inusitada, que jamais esperara ver.
Rosaleen se assustou ao ouvir aquilo. Destruindo? Ele achava que ela estava
destruindo o salão?
Mas não podia, principalmente porque tinha certeza também de que, naquele
exato momento, seu nada convencional senhor estava evidentemente irritado
com ela. Isso lembrou Rosaleen que deveria parar de divagar a respeito do
homem e se concentrar em mostrar-lhe que aquele salão estava à beira de um
colapso.
— Não estou fugindo de nada, meu senhor. Acredito que seus olhos o estejam
traindo, porque é evidente que seu salão está inteiro. Eu apenas estava tirando o
pó e organizando algumas coisas. — Os olhos dela brilharam com a provocação
tão clara.
— Não, não deu. Porque meu senhor estava dormindo com o sol já alto no
céu — ela espetou.
Dessa vez, exclamações assustadas preencheram o ambiente e, por um
momento, Rosaleen se arrependeu do que dissera.
Stephen tentou controlar a raiva, tentou acalmar o latejar em seu rosto. Mas
não conseguiu evitar que seus pés se movessem até ela.
Rosaleen, assustada, olhou para os lados à procura de uma rota de fuga, mas
só tinha duas opções: jogar-se pelos vitrais da janela, ou tentar passar por ele
sem ser pega.
Nenhuma das opções era boa, apesar de que ela estava quase cogitando se
atirar pela janela.
Todos se viraram para ver Lorde Matthew Cheeven entrar pela grande porta.
Era um homem alto, robusto, de cabelos negros despenteados e sorriso
malicioso.
Rosaleen abriu e fechou a boca, espantada pelo gesto do homem. Não tinha a
mínima ideia do que responder. Olhou para Stephen e percebeu que ele a
encarava furioso. Constrangida, ela apertou as saias do vestido entre as mãos e
correu para onde Moira estava.
— Nós ainda teremos nossa conversa, criada. — Sua voz era fria e cortante.
Finalmente, ele entrou, fechou a porta e, então, Rosaleen pôde respirar por
um momento.
— Quem é ela? — foi a primeira coisa que Matthew perguntou quando
Stephen sentou em sua cadeira, atrás da mesa abarrotada de papéis.
— Ela é?
— Você está jogando com a vida dessa mulher como se ela fosse um simples
objeto. Não achei que fosse tão cruel assim, Edmond.
— Tudo bem, vamos esquecer o passado. Nós dois somos cruéis. A diferença,
meu amigo, é que eu uso as mulheres, mas, antes de descartá-las, dou o maior
prazer que elas já sentiram na vida. E você? Que prazer está dando a essa mulher
que, mesmo depois de tudo que passou, você trata dessa forma?
— Achei que ela o estivesse limpando. Foi o que vi quando entrei. E, para ser
sincero, fez um ótimo trabalho. Não aguentava mais ver aquele lugar
empoeirado e escuro. — Fez um gesto vago com as mãos.
— Não?
— Você está aqui como meu contador e não como conselheiro. Aliás, não
preciso de conselho algum — explicou enquanto separava o selo do ducado em
cima da mesa.
— Eu sou seu senhor. Ela só recebe ordens minhas e eu estou dizendo que ela
não irá ser sua amiga. — Stephen tentou não usar um tom muito urgente nas
palavras.
Stephen o ignorou.
Rosaleen estava mais calma agora. Depois de ter ingerido — por insistência
de Moira — quatro xícaras de chá de uma erva doce que tinham lhe dito ser
calmante.
Moira e Ned a tinham arrastado até a cozinha, pois ela mal conseguia se
mover, pelo estado de choque das ações anteriores dela e de Lorde Edmond.
Stephen.
Rosaleen teria com muito prazer ingerido mais algumas xícaras daquele chá
calmante, mas suas pernas já estavam moles demais e ela tinha medo de que não
funcionassem quando precisasse.
Quem preparou a comida foi Moira; como tinha explicado, somente ela
cozinhava para seu senhor. Rosaleen não a contrapôs, obviamente.
Ela seguiu quase tropeçando nos tapetes e desviando das esculturas sobre as
mesas.
De cabeça baixa, entrou no salão azul, em cujo centro havia uma enorme
mesa, a qual agora abrigava apenas dois homens. Com um rápido olhar, ela
percebeu que Lorde Stephen estava sentado na extremidade da mesa; a sua
esquerda, estava Lorde Cheeven.
Reunindo toda coragem que conseguiu, Rosaleen apertou a bandeja nas mãos
e alcançou a mesa em alguns passos. Parou ao lado de Stephen, que, com um
olhar indiferente, indicou que servisse Matthew.
Ela obedeceu sem pestanejar. Deixou a bandeja sobre a mesa e girou nos
calcanhares de volta para a cozinha.
Rosaleen olhou para a garrafa em suas mãos. Nunca tinha provado vinho,
nem mesmo durante as longas missas na capela do povoado em que morava.
Mas lembrava de seu pai falando sobre os maravilhosos vinhos produzidos em
Bordeaux, mesmo que nem ele tivesse tido a chance de experimentar.
O peito de Rosaleen pulsou apertado. Pensar no pai a fazia querer chorar.
— Lady Isobel tem citado seu nome em alguns salões de Paris — Matthew
contou enquanto devorava um pedaço do faisão.
Nesse momento, sem que nenhum dos dois percebesse, Rosaleen entrou no
salão, carregando a garrafa de vinho e duas taças em uma bandeja de prata.
— Que coisas?
Stephen levantou rapidamente e foi até onde sua criada estava caída,
embolada em seu vestido e molhada pelo vinho que carregava. Assim que viu
Lorde Edmond se aproximar, ela tentou levantar rapidamente, batendo as mãos
contra os cacos de cristal e se cortando.
— Desculpe… Eu… Seu vinho… — ela gaguejou olhando para poça escura
de vinho que escorria pelo chão.
— Suba para seu quarto. Não faça nada até que eu mande. Em alguns
minutos, iremos ter nossa conversa, senhorita Wickford.
Ele mal terminou de falar, e Rosaleen já estava correndo para fora do salão.
— Acho que sou mais cruel que você, meu amigo. Nunca fiz isso por uma
mulher — Matthew comentou atrás dele.
Sua mão doía terrivelmente, mas o que mais a estava preocupando era que, a
qualquer momento, Lorde Edmond abriria aquela porta, e ela teria que enfrentá-
lo.
Por Deus! Por que tinha tropeçado? Claro, isso acontecera após ela ouvir
aquela palavra…
Enfer!1 Stephen quase havia socado o amigo por tal comentário, por mais que
em seu íntimo soubesse que ele tinha razão. Em toda sua vida, nenhuma mulher
cometera a atrocidade de afrontá-lo. Ele era Lorde Stephen Edmond, Duque de
Caston, todos o temiam e respeitavam. Estava acostumado a isso. Acostumado a
ser A Fera de Bordeaux, que assustava todos e deixava em prantos qualquer
mulher que tentasse uma aproximação mais ousada. Qualquer mulher, menos
ela… Rosaleen, diferente de qualquer outra, olhava-o nos olhos, desarmava-o
com sua boca esperta, sempre preparada para uma resposta rápida, que o fazia
ter vontade de calá-la. Por Deus! Se Matthew não tivesse interferido,
provavelmente ele a teria castigado por sua insolência e, principalmente, por ter
destruído seu salão.
Muito estranho.
Stephen inclinou a cabeça para o lado para ver melhor. Ela deveria estar
usando meias de seda. Tão rápido quanto chegou, ele afastou aquele pensamento
indesejado. É claro que ela não iria usar meias tão luxuosas, era uma criada,
afinal.
Outro pensamento atingiu Stephen ao olhar ao redor. Por que infernos ela
ainda dormia naquele quarto se era uma simples criada?
Era óbvio que teria que colocá-la para fora dali. Era uma regalia que nem
mesmo o melhor criado da França merecia, que diria aquela mulher desastrada.
Tentando não acordar Rosaleen, Stephen tocou nas mãos dela. O lenço que
ele enrolara sobre as feridas estava empapado de sangue, e ele precisou usar toda
sua delicadeza para não a ferir mais ainda enquanto retirava o tecido. Mas,
felizmente, ela não acordou quando ele retirou os cacos de vidro da palma de sua
mão, nem quando limpou o sangue acumulado com os panos úmidos.
Era estranho ter aquelas pequenas mãos nas suas grandes e desajeitadas.
Apesar dos cortes, a pele dela exalava um calor agradável.
Sorriu.
Feliz, ela se virou para o outro lado, ajeitou os travesseiros e voltou a dormir
tranquilamente.
ROSALEEN ESTAVA CONSIDERANDO ADORÁVEIS OS castiçais de bronze em cima da
lareira. O fogo formava desenhos interessantes com as sombras dos objetos. Em
algum momento, ela achou ter visto a forma de um pequeno coelho de orelhas
grandes.
Bufou.
Três dias confinada naquele quarto e já estava perdendo a razão. Por ordens
expressas de seu senhor, Rosaleen fora obrigada a permanecer em repouso por
ter se estatelado sobre os cacos de vidro. Parecia muito digna a atitude de Lorde
Edmond, mas ela não concordava com isso. Suas mãos estavam boas! Os cortes
ainda doíam, mas não eram tão profundos, e ainda era possível mover as mãos.
Além do mais, não gostava de passar o dia todo sem fazer nada!
É claro que ela havia tentado sair daquele quarto. Tinha até espiado pelo vão
da porta, procurando por qualquer um que pudesse vê-la. Mas, quando começava
a descer a escada, foi flagrada por Moira e, como uma menina teimosa, Rosaleen
fora arrastada pelos braços até o quarto, onde a criada esclareceu as ordens do
patrão.
— Meu senhor ordenou que não saia deste quarto. Suas mãos estão feridas e
não poderá trabalhar até que elas estejam melhores — Moira informara enquanto
dobrava as bandagens de pano limpo.
— Acalme-se, senhorita. Meu senhor teve que viajar junto com Lorde
Cheeven e deve voltar amanhã — começou a desembrulhar a mão esquerda de
Rosaleen.
— Ele é muito reservado quando precisa se ausentar de casa, nunca diz para
aonde vai — explicou.
Rosaleen compreendeu. Moira era muito fiel ao seu senhor e também muito
discreta.
— Não suporto ficar enclausurada neste quarto. Por favor, deixe que eu saia,
Moira. Garanto-lhe que Lorde Edmond não ficará sabendo. — Forçou um
sorriso amistoso.
Precisou de um pouco de esforço para se vestir, visto que suas mãos ainda se
encontravam machucadas, embora melhores. O remédio que Moira aplicara
sobre as palmas das mãos de Rosaleen ajudara a prevenir uma possível infecção
e aliviar a dor. O unguento tinha um cheiro horrível, que infelizmente passara
para os lençóis, os quais ela lavaria mais tarde.
Antes de descer para a cozinha, lavou as mãos na água gelada da bacia que
ficava em cima da mesinha e, por um instante, olhou-se no espelho.
Definitivamente sua aparência estava mais agradável do que nos dias anteriores.
Não havia mais marca alguma no rosto.
Dando as costas para o espelho, ela seguiu para fora do quarto, balançando
alegremente o vestido.
Um sorriso iluminou seu rosto quando ela percebeu que o salão ainda estava
como deixara. As cortinas não estavam mais lá e isso a agradou muito. Os
móveis que tinha arrastado e trocado de lugar foram mantidos na ordem que a
jovem escolhera. Ainda não havia amanhecido, mas, com a janela desnuda, um
pouco de claridade entrava no salão.
Rosaleen quase pulou de alegria, porque sabia que tinha conquistado uma
pequena vitória. Lorde Edmond não mandara que as coisas voltassem para os
antigos lugares!
Ela começou a caminhar para a cozinha, mas parou ao notar a velha mesa de
madeira que tinha usado como apoio para subir e retirar as cortinas… A mesma
mesa da qual tinha caído… diretamente para os braços de Stephen…
Bem, ela decidiu ignorar tais pensamentos estranhos; faria isso, ou então
ficaria ali divagando até o sol aparecer.
— Moira, sei que somente você prepara o almoço de seu senhor, mas eu… —
Hesitou por um momento, refletindo se estava fazendo o certo. — Hoje eu
gostaria de cozinhar. Tenho certeza de que ele não notará a diferença.
— Não sei, senhorita. Sinceramente, eu adoraria não ter que cozinhar por um
dia, mas e se ele descobrir? — perguntou preocupada.
— Usarei os mesmos temperos que você usa. Garanto que ele nem perceberá.
Por favor, Moira. Sinto falta de cozinhar, eu fazia isso todos os dias quando
morava com meu pai… — A voz dela foi sumindo com cada lembrança que
começou a voltar.
Contente, sob as luzes das velas e o calor do fogo, ela picou todos os legumes
que iria precisar e os separou em um lado. Moira também tinha terminado com
as batatas e agora as duas permaneciam em um terrível silêncio.
— Sim?
— Ele esteve na guerra — a voz de Moira surgiu baixa, com um tom triste.
Rosaleen abriu os olhos. — Meu senhor serviu ao nosso rei, foi enviado em
diversas batalhas. Era temido por todos os inimigos, tinha uma inteligência
acima dos demais…
— Não sei muito bem. Ned me contou uma vez que ele tinha se ferido em
uma batalha, que parte do seu rosto se deformou… É tudo que sei, senhorita —
e, de repente, levantou-se incomodada.
— Oh, sim. Pode ir, senhorita — Moira disse, indo dar uma olhada no
caldeirão.
Rosaleen saiu pela porta de trás e foi para a horta. Sentiu o vento frio bater
em sua pele e sorriu agradecida. O sol estava quase no topo do céu e era uma
sensação agradável olhar para as flores e a grama que ladeavam enorme casa.
Olhou também as outras casas que ficavam ao lado. Eram grandes, mas nenhuma
se comparava àquela.
Lorde Edmond era um homem muito, muito rico — concluiu Rosaleen.
Assustada, Rosaleen virou-se para correr, mas, antes que desse o terceiro
passo, um latido soou às suas costas.
Uma bolinha de pelos marrons estava observando-a com seus grandes olhos
curiosos e abanando o rabo alegremente.
— Posso garantir uma carga para dois meses, mas somente se o valor for
cumprido — Stephen informou.
O homem idoso sentado a sua frente cerrou os lábios. Não estava contente
com o que Lorde Edmond havia pedido.
— Dois mil francos por uma carga?! Desculpe-me, meu lorde, mas conheço
pessoas que aceitariam o que estou disposto a pagar. — O homem jogou o corpo
para trás e a cadeira rangeu. Por um momento, Stephen achou que o velho fosse
ao chão.
Levou mais de um quarto de hora para que Lorde Edmond e Lorde Cheeven
conseguissem entrar em um acordo com o comerciante e, depois de assinarem os
documentos, Matthew conseguiu convencer Stephen a tomar um vinho antes de
pegarem a estrada de volta para casa.
— Sei que talvez não seja o momento, mas eu gostaria de lhe falar sobre um
assunto importante.
— Do que se trata?
— Não. Não é isso, meu amigo — Matthew o acalmou, mas nem mesmo ele
estava tranquilo.
— Você está suando, Matthew. O que está acontecendo? Diga logo, homem!
— Stephen exclamou.
— Tenho pensado em algo. Você me contou o que aconteceu com ela, sobre a
violação… — Estudou a reação de Stephen antes de continuar. — O que me
preocupa são as consequências disso na vida dela, mais precisamente, eu me
pergunto se você está preparado para enfrentar isso, meu amigo.
— Não compreendo.
— Vou ser mais claro, Stephen: sua adorável criada Rosaleen pode estar
carregando dentro dela o resultado daquela terrível noite — Matthew falou
rapidamente, despejando tudo aquilo.
Stephen parou com a taça a meio caminho dos lábios. Estava estático, os
olhos bem abertos e a respiração falha.
— Tem pensado nisso, meu amigo? O que você irá fazer se isso aconteceu?
Você a jogará na rua mesmo sabendo que ela não tem casa e nem dinheiro? Ou
esperará que a criança nasça para doá-la para algum casal desafortunado?
Jesus! Por que nem mesmo tinha considerado essa possibilidade antes de
deixá-la ficar naquela casa? E agora?
Stephen o estudou.
— Tenho uma ideia, mas ainda não direi. Procure todas as alternativas e
depois me procure se não encontrar uma que sirva.
— Por favor, Moira, Cookie não tem ninguém. Posso cuidar dele, alimentá-lo
e limpar o que ele sujar. — Fez um beicinho infantil.
— O problema não sou eu, senhorita. Gosto de cães. Mas meu senhor não
suporta nenhum tipo de animal que não seja algum de seus cavalos de raça —
explicou.
— Está bem, mas, se meu senhor descobrir, assuma a culpa. Preciso desse
trabalho para viver.
Rosaleen riu.
— Por que você tem tanto medo de Lorde Edmond, Moira? — questionou.
— Eu não tenho. Eu o respeito. Mas nem todos são assim. Meu senhor é
conhecido como A Fera de Bordeaux — contou.
Rosaleen se espantou.
— Sim.
— Meu senhor Lorde Edmond acaba de chegar e solicita almoço para dois.
Lorde Cheeven o acompanhará. — Ned surgiu na porta, interrompendo
Rosaleen.
— O que faz aqui, senhorita Wickford? Pensei ter dito para que ficasse em
repouso! — rosnou.
— Usou unguento?
Stephen suspirou.
Rosaleen se assustou. Sabia que, se não fizesse algo, Lorde Edmond iria
golpear o pobre animal.
Rosaleen desejou que o chão se abrisse aos seus pés para que ela fugisse
daquele terrível olhar que Lorde Edmond dirigia a ela. E havia mais um
problema: Cookie agora estava tentando subir em seu ombro, cravando as unhas
em sua carne. Mas a jovem não podia gritar, porque provavelmente Stephen não
perderia a oportunidade de enxotar seu novo amigo. Então, ela fez a única coisa
que podia, puxar Cookie discretamente de seu ombro, sem que as unhas do
animal se afundassem mais em sua pele.
Rosaleen deu de ombros e virou o rosto para o outro lado, tentando evitar o
confronto. Mas era inevitável, sabia disso.
Houve uma força, algo inexplicável, que a fez olhar para ele, talvez fosse sua
altivez falando mais alto, ou, talvez, o tom da voz de Stephen a tenha intimado a
reagir. Mas quando Rosaleen encontrou os olhos esverdeados fitando-a com
raiva, soube que não era apenas altivez ou medo, era mais profundo. Nunca
estivera tão perto daquele homem nem de outro e não sabia ao certo qual era o
motivo daquela sensação desconcertante… Ora! Sabia, sim!
Stephen tinha ouvido corretamente? Acreditava que não; por certo, fora sua
mente lhe pregando uma peça. Mas não! Sabia que não estava tão velho a ponto
de ouvir mal e, tampouco, louco.
O que ele…?
Em pânico, ela começou a bater os pés no chão para impedi-lo, mas o homem
era forte e muito maior que ela.
Rosaleen era como uma pluma. Leve. Stephen jurava poder sentir os ossos
dela cutucando seu estômago. Por Deus! Aquela mulher não se alimentava?
Vivia apenas de brisa? A questão aborreceu Stephen enquanto ele percorria o
corredor e parava em frente ao quarto da criada.
Ela olhou para todos os lados, procurando algo naquele quarto com o que
pudesse se defender. Encontrou um castiçal de bronze sobre a lareira, poderia
usá-lo… golpeá-lo na cabeça. Não deixaria que ele lhe fizesse mal! Rosaleen
tentou discretamente dar dois passos em direção a sua possível arma, mas
Stephen percebeu seu movimento e interceptou seu caminho antes que ela
conseguisse tomar distância.
— Não há como fugir de mim, senhorita Wickford. Sua única opção será me
enfrentar. Sua coragem é suficiente para isso? — Ele se aproximou
ameaçadoramente.
Stephen queria apenas assustá-la. Não planejava sentir aquela onda de calor
desesperador que subiu por seu corpo, aquele desejo quente que se apossou dele.
Stephen também não esperava que suas mãos desencostassem da parede e a
tocassem. Esperava menos ainda que sua boca descesse sobre a dela.
No começo, foi apenas um toque leve, um roçar de lábios, mas logo Stephen
perdeu o controle e acolheu o rosto dela em suas mãos.
Rosaleen não pensou. Não reagiu. Por mais que o medo gritasse em alerta em
sua mente, não teve forças para se desvencilhar dele. Na verdade, ela não tentou.
— Tão doce… — A língua dele encontrou um ponto atrás da orelha dela, que
arqueou o corpo para ele.
— Solte-me! Tire suas mãos de mim! — gritou, usando toda sua força para
empurrá-lo.
Ela o chamara de monstro. Ela o vira por dentro. Rosaleen sabia quem ele
era.
Atordoado pela dor em seu rosto e o ódio que queimava em suas veias,
Stephen caminhou para a porta, mas, antes de sair, virou-se lentamente para
Rosaleen.
— Farei com que pague por cada uma de suas palavras, criada. De hoje em
diante, verá como posso ser mal quando desejo. — Abriu a porta e saiu.
Quando finalmente ficou sozinha, Rosaleen se moveu até a cama e caiu entre
os lençóis. Abraçou um travesseiro fofo e fechou os olhos. Ficou assim por
vários minutos, pensando no que tinha acontecido.
Não chorou. Não havia motivo. Tinha sido beijada pela primeira vez em seus
vinte e três anos. E não tinha a mínima ideia de como reagir a isso.
Só sabia de algo: não poderia mais permanecer naquela casa. Lorde Edmond
tinha deixado bem claro como seria seu comportamento para com ela daquele
momento em diante.
Rosaleen fugiria.
Stephen podia sentir pena de si mesmo, mas sabia que ela estava certa.
Talvez, o fato de Rosaleen dizer isso a ele abertamente, de enfrentá-lo, tenha-o
ferido. Ninguém, nem mesmo Matthew, fora capaz de dizê-lo.
Com um suspiro, Stephen olhou pela última vez para o copo em sua mão,
antes de jogá-lo na lareira. Com um ruído, as labaredas aumentaram, lambendo
as pedras de granito.
Ele olhou para as chamas crepitando e entrecerrou os olhos. Sabia que devia
estar arrependido por tê-la beijado, afinal, a pobre mulher tinha passado por
coisas horríveis há apenas alguns dias e estava amedrontada… Mas, mon Dieu!
Ele não conseguira resistir. Não pudera deixar de invadir aqueles lábios rosados,
e descobri-los doces e quentes não suprimira a vontade de beijar aquela pele
sedosa… Sim, tinha sido um fraco. Um homem, um mortal.
Primeiro, pensou, deveria ter certeza do fato e então poderia pensar mais
claramente em que decisão tomar.
Stephen revirou os olhos. A mulher estava tremendo. O que achava que ele
faria a ela?
O olhar que Moira dirigiu a ele poderia ter sido interpretado como
curiosidade ou espanto, mas Stephen achou melhor considerá-lo como completo
assombro. Deus! Por que a mulher o encarava daquela forma? Ele era o senhor
daquela casa, obviamente poderia interessar-se pela saúde de seus criados,
incluindo a senhorita Wickford. Era algo normal, aceitável.
Moira abriu a boca para dizer algo, mas nenhum som saiu.
— Perdoe, meu senhor, mas por que deveria eu perguntar tal coisa?
— Não tenho tempo para perguntas. Ficarei muito agradecido se exercer essa
tarefa com total discrição. — Ele a encarou fixamente. — Serei muito generoso
por sua dedicação.
Cookie deu uma volta completa ao redor da mesa e voltou aos pés de
Rosaleen, deitando de barriga para cima e latindo novamente.
Moira parou em frente a ela, com as mãos nos quadris, no mesmo momento
em que o cãozinho emitia um gemido por ser espremido contra a mesa.
— Esse que está se debatendo sob seus sapatos. — A criada apontou para o
chão.
Desconcertada por ter sido pega no flagra, Rosaleen tentou disfarçar com um
sorriso. Moira balançou a cabeça em negativa, e a outra desistiu de sua
encenação.
— Por favor, não conte a ninguém, prometo que em breve eu o tirarei dessa
casa, Moira. Eu lhe juro, dê-me apenas mais um tempo.
— Tudo bem, mas faça logo. Não quero que meu senhor o encontre
novamente. Deus sabe o que ele poderia fazer ao pobre animal. — Lançou um
último olhar ao cãozinho e então foi até a pia cuidar de algumas coisas.
Justamente por isso, Rosaleen não lhe contaria que fugiria naquela noite.
Sim, tinha decidido isso há algumas horas. Levara tempo pensando em um plano
para escapar da casa no silêncio da noite sem ser vista. Sabia que seria uma
prova e tanto, mas não deixaria que seus medos a impedissem de sair daquele
lugar.
Por um lado, Rosaleen estava contente em ter um teto sobre sua cabeça, uma
cama enorme e quente na qual se deitar e várias refeições ao dia, mas a soma de
todos esses benefícios não anulava seu maior temor: estar à mercê de Lorde
Edmond. Naquela manhã, a jovem experimentara sua ira, quando
inesperadamente ele se jogara sobre ela, beijando-a escandalosamente… Tudo
bem, precisava, embora relutantemente, admitir que, mesmo assombrada, tinha
desfrutado muito de tal contato, do calor que os lábios dele despendiam, sua
maciez e a insistência de sua língua contra a dela. Essas lembranças fizeram com
que Rosaleen sentisse uma estranha onda de calor em seu corpo. Com um aceno
de cabeça, dispersou tais pensamentos.
Frustrada, Rosaleen partiu um cubo de carne em dois e puxou outro naco para
cortar.
O que poderia ter feito, afinal? Nunca um homem a tinha beijado daquela
forma (nem de outra forma). Vivera quase sua vida toda no vilarejo, cercada por
um pai ciumento e cuidadoso, que a mantinha longe de qualquer rapaz que
pudesse se interessar por ela. Apresentada à vida religiosa ainda criança,
Rosaleen aprendera, nos sermões das velhas senhoras, que a tentação da carne
conduzia diretamente para o inferno e que as moças direitas deveriam manter
longe os pensamentos pecaminosos. Apenas o marido poderia tocá-la e somente
depois do casamento. E fora assim até algumas horas atrás, quando Lorde
Edmond a havia beijado.
— Eu estava distraída.
Rosaleen a olhou.
— Hmm?
— Não. Sempre fui muito regular. Acho que essa é primeira vez. — Vendo a
expressão de Moira, adiantou-se a perguntar: — Algo errado?
— Oh, não. Eu estava apenas pensando em como nós mulheres temos que
sofrer todos os meses com isso. — Deu uma risadinha e se virou para cuidar da
panela.
Quando o jantar ficou pronto, uma hora mais tarde, Ned apareceu na cozinha
para informar que Lorde Cheeven estaria presente para o jantar daquela noite.
Moira negou.
— Meu senhor ordenou que fique em seu quarto, ele não quer que você ajude
no jantar de hoje.
— Não sei lhe dizer. Quer que eu pergunte a ele? — Sorriu ao ver a raiva de
Rosaleen e saiu balançando os quadris para o salão de jantar.
O duque ergueu a taça contra a luz das velas e a estudou por uns segundos.
— Acha realmente? Creio que está normal. — Entregou a taça para o amigo e
fez um brinde silencioso antes de se sentar em uma das grandes poltronas de
veludo.
— Não, não o sei. Explique, por favor. — Stephen cruzou as pernas sobre a
banqueta em frente e suspirou com o calor adocicado do líquido em sua
garganta.
— Aconteceu algo contigo, meu amigo. Ainda não sei o que é, mas algo me
diz que sua criada está envolvida nisso.
— E por que acha isso? — Sorvou mais um gole da bebida e esperou pela
resposta.
— Eu…
— Entre.
— Senhor?
— Seja rápida.
— Disse que não tinha acontecido isso antes e que essa é a primeira vez.
— Não tenho notado, meu senhor. Talvez tenha acontecido, mas não estamos
sempre juntas.
Stephen caminhou até a mesa com o vinho, encheu uma taça e virou-a nos
lábios. O efeito foi muito fraco. Precisava de mais. Bebeu outra, e mais uma.
Sim!
— Não quero sua compaixão, Matthew. Você falou que me diria o que
deveria fazer. — Ele se aproximou. — Então, diga. Quero ouvir.
Não seria responsável pela morte da pobre mulher e da criança que ela
carregava na barriga.
— Sim, eu quero! — gritou irritado e tomou uma lufada de ar. — Não espera
que eu arranque isso de você à força, espera?
— Sua última opção, Stephen, é que a mulher se case. — Prendeu seus olhos
nos dele. — Com você.
Stephen ficou calado, apenas o observando. Era possível que tivesse ouvido
mal.
— MATTHEW?
— Está louco — Stephen disse, passando ao lado dele e indo até a lareira
alimentar o fogo.
Stephen endureceu a mandíbula. Por que ele ainda era amigo de Matthew
mesmo?
— Você mesmo disse que a beijou. Suponho que tenha gostado, verdade? —
Quando percebeu a dúvida no olhar do amigo, ele decidiu continuar. — Ela me
parece muito encantadora, sem dúvida seria uma boa esposa. E você não
precisaria viver sob o mesmo teto que ela, seria apropriado mandá-la para seu
solar no campo.
— A criança não tem culpa de nada, meu amigo. Nem a senhorita Wickford
tem. O que aconteceu com ela… — Balançou a cabeça, nervoso. — Quem fez
isso a ela merecia ser morto em praça pública.
— Não concordei em me casar com ela. Não vejo bons motivos para isso.
— Pois darei a você alguns motivos. A moça precisa se casar, ou será jogada
na rua, onde se tornará uma prostituta e morrerá em alguns anos de sífilis. E
você — Matthew apontou para Stephen — precisa se casar e gerar um herdeiro
para seu ducado. Já me disse várias vezes que não está interessado em nenhuma
das beldades da sociedade. Ela é sua criada, Stephen, é sua responsabilidade.
Não percebe? Você tem o destino dela em suas mãos, basta decidir se a salvará,
ou se a deixará sem amparo — ele terminou de dizer e então levantou, deu dois
tapinhas no ombro do amigo e se retirou da biblioteca.
O que faria? Realmente não desejava que a pobre criada fosse para rua,
tampouco gostaria de vê-la perder a criança. Mas casar? Casar com a senhorita
Rosaleen Wickford? Ele seria capaz disso? Teria forças para tal sacrifício?
Estava tudo ali. Os dois vestidos que havia ganhado de Moira, o embrulho
com pão e queijo que roubara da cozinha, um par de sapatos… Faltava algo…
Rosaleen desceu lentamente a escada. Não podia fazer ruído algum, ou seria
descoberta, e tinha certeza de que, se Lorde Edmond a encontrasse naquele
momento, não teria piedade dela. Abaixou os pés com enorme cuidado sobre a
madeira dos degraus, guiando-se pelo corrimão. Estava muito escuro. Tinha
esperado todos estarem na cama, principalmente Stephen.
Quando chegou ao salão principal, Rosaleen parou para pensar no que faria a
seguir. Sairia pela frente, ou pela porta da cozinha? Olhou para os lados e
decidiu-se pela da frente. Estava mais próxima.
Apertou Cookie contra o peito e rumou para a porta. Deixou a bolsa no chão
e, com a mão livre, tentou abrir o trinco. Enquanto ela abria a porta, o cão latiu
novamente, fazendo ecos no grande salão. Rosaleen se apressou, alcançou a
bolsa e correu para fora, sem olhar para trás.
A noite não estava tão escura quanto esperado, mas estava fria. A jovem deu
graças a Deus por ter a capa de lã para cobrir os ombros. Amassou Cookie em
seu colo e passou o tecido por cima dele, tentando aquecer o animal.
Sem saber muito bem para aonde estava indo, seguiu pelo caminho em frente
a casa, o qual era ladeado por grandes construções. Voltaria para o campo,
procuraria os vizinhos, pediria ajuda e encontraria um trabalho.
Sorriu com um calor de esperança tomando conta de seu coração. Sim, daria
tudo certo. Poderia, talvez, ajudar a senhora Amiéé em sua casa, a mulher era de
idade e precisava de alguém que cozinhasse para ela. Rosaleen poderia fazer
isso.
Não soube exatamente por quanto tempo caminhou, mas, quando percebeu, já
estava em uma rua movimentada, que supôs ser a região central da cidade.
Enquanto percorria com receio o caminho, avistou algumas pessoas à sua frente.
Com a pouca luz, podia ver somente as sombras emitindo gemidos e gritos
incoerentes. Assustada, desviou para o beco seguinte, que exalava um cheiro
fétido de excrementos, e uma espessa fumaça se dissolvia no ar.
Quando Rosaleen passava perto de uma caixa de alimentos podres, uma
mulher surgiu das sombras e se arrastou até seus pés.
— Aqui, vai matar um pouco da sua fome — ofereceu a Cookie, que devorou
tudo prontamente.
Isso frustrou Rosaleen. Agora não tinha mais solução, não poderia
simplesmente voltar para a casa e se enfiar em sua cama quente, fingindo que
nada havia acontecido. Sua cama… A lembrança dos lençóis macios e das
mantas quentes fez Rosaleen gemer em desgosto. Mas o que ela queria? Sempre
dormira em colchões de restos de tecidos ou palha e, às vezes, até mesmo sobre
a grama seca. Não poderia sentir falta do luxo. Sabia que, a partir daquele
momento, não teria mais comida sempre que desejasse, nem tomaria banhos
quentes todos os dias. Mas pelo menos estaria livre. Enfim, poderia recomeçar
sua vida.
E a primeira coisa que faria, decidiu, seria pedir ao padre para rezar uma
missa pela alma do pai, além de voltar a frequentar as missas dominicais.
Precisava mais que tudo de toda ajuda disponível e, se Deus se compadecesse
dela, ajudando-a, Rosaleen não seria ingrata de negá-lo. Pensando nisso, tentou
recordar alguma oração que aprendera com as velhas senhoras da igreja, mas
nada veio a sua mente. Nenhuma prece, nenhum sermão. Ela engoliu em seco.
Será que tinha perdido sua fé?
Pela pouca claridade, percebeu que eram duas pessoas. Um homem e uma
mulher. Eles estavam contra a parede. A figura do homem esmagando a mulher
contra os tijolos.
Rosaleen parou de repente. Ficou observando a cena.
— Oh, sim, sim. Devore-me! — Ela o segurou pelo pescoço e o atraiu para
seus seios.
Quando achou que a cena tivesse acabado, Rosaleen viu o homem virar a
mulher de costas, fazendo-a se apoiar na parede, empurrando o quadril contra as
nádegas dela. Ele começou a se mover e desferir tapas contra a mulher, que
gritava alucinadamente.
Meu Deus! Rosaleen se virou para sair correndo, mas, em seu primeiro passo,
topou com algo grande e firme. Ela foi ao chão, agarrando-se a Cookie.
Tentou ficar de pé para correr, mas duas mãos fortes a seguraram firmemente
e a puxaram para fora do beco.
Ela não tinha ideia do porquê, mas uma sensação de alívio a invadiu quando
percebeu que era Stephen. Alívio, que logo foi transformado em desespero.
Como ele a havia encontrado? O que faria a ela?
Aquela mulher só podia ser louca. Stephen tinha quase certeza de que sim.
— Por que fez isso? Por que fugiu? — perguntou assim que teve a
oportunidade.
A jovem o fitou assustada. Era a primeira vez que ele a chamava pelo nome.
Era uma mudança significativa.
Stephen queria rir. A mulher achava que ele a açoitaria, era isso?
— Mulher tola. — Conduziu-a para uma rua adiante, onde havia dois homens
encostados a pilastras de madeira.
Rosaleen não compreendeu muito bem o que Stephen disse aos dois, só
percebeu quando ele a levava até uma carruagem preta, atada a dois cavalos.
Rosaleen negou. Mas ele percebeu que ela estava batendo os dentes, os
braços em torno de si mesma.
No começo foi difícil, mas, depois de um tempo, com o calor daquele corpo a
aquecendo, os braços a envolvendo e a respiração dele no topo de sua cabeça,
Rosaleen conseguiu se acalmar.
— Desculpe. — Não sabia por que tinha dito aquilo. Por que estava se
desculpando, afinal? Estava apenas tentando proteger-se dele.
Stephen suspirou. Passou a mão pelas costas dela, para cima e para baixo.
— Eu não a machucaria. Quero que entenda que é minha criada e que não
adianta tentar fugir, porque eu a encontrarei onde quer que você vá.
Compreendeu?!
— Sim. — Ela abaixou a cabeça.
Stephen subiu a mão pela coluna dela e deslizou pela base do pescoço,
erguendo-lhe o queixo levemente. Queria que ela o olhasse nos olhos.
— Você não precisará mais fugir de mim, Rosaleen. Porque amanhã nós nos
casaremos — a voz dele soou baixo.
— Casar? — Por que ele queria casar com ela? Ele a amava? Ele a queria
como esposa? Por quê?
— Você trouxe esse animal? — Stephen ralhou, mas ela já não ouvia mais.
Ela estava…? Apertou as mãos contra seu ventre plano. Como…? Ah,
Deus… Não!
— Seu sangramento…
— Isso pode ser uma prova, mas não podemos esperar que novos sintomas
surjam. Precisamos nos casar rapidamente, para que ninguém note a gravidez.
— Não posso me casar com você. Eu posso ir para o campo, posso ter a
criança…
— Não! Não irei permitir que você saia da minha casa. Lembra que eu disse
que é minha criada? Pois eu falo sério. E nós dois sabemos o que acontece com
uma mãe solteira. Você não seria aceita em lugar algum. — Ele bateu a mão
contra a coxa. — Infelizmente também não posso deixá-la viver nessas
condições em minha casa, todos pensariam que nós… — Limpou a garganta. —
Veja, a única saída é nos casarmos.
Rosaleen olhou para ele. Tentou, porque a escuridão não deixava vê-lo
perfeitamente.
Stephen congelou.
Stephen compreendeu. Era isso. Precisava dizer o que ela queria ouvir
naquele momento.
Com aquela resposta, Rosaleen ficou em silêncio. Os dois não falaram mais
nada, até que a carruagem parou em frente à casa de Stephen.
Grávida.
Como não tinha percebido antes? Seu sangramento não havia aparecido ainda
naquele mês, e Rosaleen sempre fora regrada, nunca tinha se preocupado com tal
coisa. Estivera tão ocupada e preocupada com o novo rumo de sua vida que nem
se dera conta de que seu corpo não estava normal.
Por quê? Por que Deus havia lhe destinado tal desdita? Não bastava ter
perdido o pai, a casa onde vivera e sua virtude? Que Deus era esse que quando
criança aprendera amar e adorar, mas que, agora, em sua vida adulta, deixava-a à
mercê do mundo? — Rosaleen pensava o que poderia ter feito de errado, qual
pecado teria cometido para ser castigada daquela forma.
Uma lágrima deslizou pelo olho da jovem enquanto ela passeava a mão pelo
tecido do vestido que lhe cobria a barriga.
Não, não pensaria nisso agora. Faria todo possível para ter afeto por aquela
criança. Tentaria amá-la, se já não a amasse. Como poderia não amá-la? Aquele
pequeno ser não tinha culpa de absolutamente nada. Rosaleen sempre ouvira das
mulheres, algumas vizinhas que estavam grávidas e visitavam sua mãe, dizendo
que a gravidez era uma benção, o melhor presente que uma mulher poderia
receber da vida. E, bem, agora ela estava grávida.
Nunca tinha sido uma romântica incurável à espera do homem perfeito, que
lhe roubaria o coração. Não, mas tampouco desacreditava do amor. Sim,
desejava um casamento como o de seus pais. Ainda tinha lembranças, um pouco
difusas, deles andando de mãos dadas pelo campo, o olhar entre os dois, a forma
como sua mãe corava diante de um elogio de seu pai, os sorrisos… Era isso que
ela esperava de um casamento.
Mas Rosaleen era consciente de que seus sonhos não eram relevantes naquele
momento. Em verdade, sabia que não poderia se deixar sonhar com coisas tão
grandes e fora da realidade em que vivia agora. Se fosse uma boa filha de Deus,
deveria cair de joelhos e agradecer por Lorde Edmond ter se apiedado dela e lhe
proposto casamento. Provavelmente isso lhe provava que estava enganada a
respeito daquele homem, e que ele não era de todo mau. Claro, por que outro
motivo, que não fosse sua generosidade, ele proporia casamento a uma simples
criada que vivia em sua casa? Estava muito óbvio para Rosaleen que essa era a
única solução. Não exatamente a única, mas a que lhe permitiria continuar viva
mantendo seu filho nos braços. Não poderia dizer não.
Com as mãos enlaçadas sobre a barriga, Rosaleen suspirou.
Era seu bebê. Estava crescendo dentro dela, e ela faria de tudo para ser
exatamente como sua mãe fora; amável e bondosa. Seguraria o bebê nos braços e
cantaria no ouvido dele, contar-lhe-ia histórias mágicas e dormiria ao seu lado.
O coração dela disparou. Talvez isso fosse possível, talvez devesse acreditar
no futuro. Faria por aquela criança.
Stephen não dormira. Passara a noite toda com os olhos vidrados no teto,
tentando colocar em ordem seus pensamentos. Havia muita coisa para pensar, e
ele estava a ponto de gritar ou esmurrar alguém. Durante a madrugada, à luz
fraca da lareira, tinha sonhado acordado com sua vida dali para frente. Em breve
estaria casado e isso o atormentava.
Ele vestiu o casaco e arrumou a máscara sobre o rosto, ignorando a dor que
rasgava sua pele. Enfrentar a si mesmo diante do espelho era uma das piores
coisas para Stephen; fugia disso o máximo que podia e, somente quando
necessitava se barbear, permitia-se ver seu próprio reflexo. Normalmente seu
estômago se retorcia diante da imagem da pele avermelhada, das feridas que
nunca cicatrizavam e da deformidade que carregava. Era apenas a sombra do
homem que fora antes.
Stephen saiu bem cedo naquela manhã. Não se deu ao trabalho de tomar o
desjejum, apenas informou a Ned que ficaria fora por todo o dia e deixou ordens
para que Rosaleen não trabalhasse e que, precisamente, ficasse em seu quarto
sem se esforçar com nada. O mordomo, a princípio, havia ficado um pouco
contrariado com tal ordem, mas bastou um olhar feroz do patrão para que se
colocasse em movimento rapidamente.
— Espero que o motivo pelo qual tenha me feito levantar da cama tão cedo
seja algo realmente relevante — reclamou ao desistir de cortar o naco de
presunto e passar para o croissant de queijo.
— O que tenho para dizer é tão urgente que talvez eu devesse ter vindo na
noite passada, enquanto você gozava de prazeres carnais.
Stephen estava exasperado, quase a ponto de voar por cima de toda aquela
comida sobre a mesa e apertar o pescoço de Matthew.
O criado entrou no salão carregando uma bandeja com ovos cozidos, mas
logo Matthew indicou que ele saísse.
— Não seja ridículo, Matthew. O papel de ignorante não lhe cai bem — disse
irritado.
Lorde Edmond respirou fundo. Seria difícil, mas tentaria explicar ao amigo
tudo o que tinha acontecido.
— Agradeço a gentileza, mas a verdade é que não estou aqui apenas para lhe
dar a notícia. Preciso que você me acompanhe a alguns lugares hoje.
Assim que Matthew conseguiu encontrar seu chapéu (o que levou quase
metade de uma hora), os dois saíram para as ruas de Bordeaux. O primeiro
destino era em Saint Emillion, na Capela da Trindade, onde Stephen conseguiria
uma licença especial para o casamento. De forma alguma poderia esperar mais
pela união, não poderia, já que em pouco tempo a gravidez de Rosaleen poderia
ser descoberta e, pior ainda, os meses de gestação e o nascimento da criança não
estariam de acordo com a data do casamento.
Assim, quase uma hora depois, Lorde Edmond finalmente desceu as escadas
da capela com o documento queimando em suas mãos. Agora, sim, poderia se
casar com Rosaleen.
Enquanto passavam por uma rua comercial no centro da cidade, Stephen teve
sua atenção desviada para a vitrine de uma loja de vestidos.
Lorde Edmond deu de ombros. Quase fora expulso da loja de vestidos porque
a costureira tinha ficado transtornada com sua aparência e havia solicitado à
ajudante seus sais aromáticos, mas, fora esse pequeno incidente, tudo estava
bem.
Rosaleen passou o dia todo sem fazer absolutamente nada. Novamente, por
ordens de seu ilustríssimo senhor, ela fora advertida de que não deveria exercer
nenhuma função naquela casa.
Já era fim de tarde e ela continuava escondida em seu quarto; tinha descido
somente para as refeições, mas, logo depois, Ned a tinha feito subir novamente.
Qual era o problema de Stephen? Será que ele achava que ela era uma
inválida que não poderia nem mesmo lavar uma camisa? Ah! E aonde ele havia
ido tão cedo?
Era Moira, que estava com uma caixa enorme nas mãos.
A criada passou por ela e foi até a cama, onde deixou a caixa.
— Meu senhor ordenou que eu entregasse isso à senhorita. Ele pediu que o
use essa noite — disse já saindo do quarto.
Rosaleen concordou.
Foi então que Rosaleen se deu conta de que o vestido que tinha nas mãos era
para seu casamento. E se Moira tinha dito que ela deveria usá-lo naquela noite…
Oh, meu Deus! Aquela era a noite de seu casamento!
Rosaleen precisou sentar-se na cama, ou então seus joelhos cederiam.
Mas, espere! Ela não poderia ficar ali, sentada, esperando algo acontecer.
Se Lorde Edmond desejava se casar naquela noite, o que ela poderia fazer?
Era por ele, por aquele ser que estava dentro dela que Rosaleen estava
entregando sua vida na mão daquele homem.
Para sempre.
Moira não disse nenhuma palavra quando entrou para avisar a Rosaleen que
descesse. Apenas a acompanhou em silêncio até o grande salão.
Ela fez uma breve reverência ao homem, que já era bem idoso.
Abriu a boca para protestar, mas foi interrompida, pelo braço de Stephen, que
a puxou pela cintura, e pela boca que cobriu a dela.
Tão breve foi o beijo que Rosaleen ficou desejosa de mais. Estranho.
Um pouco atordoada, ela olhou ao redor e viu Moira e Ned sorrindo para ela,
de forma gentil.
Não podia…
— O que houve? — perguntou, mas, assim que a mulher abriu a boca para
responder, interrompeu-a com um gesto.
Agora lembrava.
Bastou baixar o olhar para a própria mão esquerda onde se encontrava uma
fina linha de ouro e depois para o vestido que usava para então confirmar que
sim, estava casada.
Engoliu o líquido amargo que se formou em sua boca. Não era apenas isso.
Havia mais. Ela lembrava que o reverendo tinha dito algo sobre… sobre Stephen
ser um duque.
Tinha se casado acreditando que não seria nada mais que um adorno, um
objeto, e, menos de cinco minutos depois, descobria que era uma duquesa. Uma
duquesa! Deus! Mal sabia o que tal posição significava. Como poderia…? Não,
absolutamente, devia ser um erro.
Rosaleen a encarou.
— Seu marido está no salão azul com Lorde Cheeven, senhora — respondeu
sorrindo.
Moira levantou da cama e foi até a tina do outro lado do quarto. Adicionou
uma barra de sabão aromático na água morna e deixou pendurada uma enorme
toalha felpuda. Rosaleen assistiu a tudo, um tanto atordoada.
A criada terminou a tarefa e se voltou para ela, com o rosto cheio de dúvidas.
Noite de núpcias.
— Senhora, sei de tudo por que passou, mas posso lhe garantir que o ato
carnal é muito agradável quando feito corretamente — Moira comentou,
atravessando o quarto e se ajoelhando em frente a Rosaleen.
— Escute, minha senhora, o que lhe contarei é algo que não contei nem
mesmo a minha mãe — confidenciou. — Quando eu era uma menina e brincava
pelo vilarejo em que morava, sofri o mesmo que você naquela noite. — Os olhos
de Moira se tornaram melancólicos. — Não temos muita diferença de idade,
apesar de eu colecionar alguns anos a mais que a senhora. Tento dizer que, anos
depois, quando já era uma mulher feita, encontrei um homem que fez meu
coração bater tão forte que achei que iria morrer. Já sentiu isso, senhora? Já
sentiu que morreria por seu próprio coração? — Ao ver a expressão de
curiosidade e a negação de Rosaleen, Moira continuou seu relato: — Pois eu
senti. No começo achei que ele não me aceitaria, porque eu não tinha nada a
oferecer-lhe, nem mesmo minha virgindade. Mas me surpreendi quando ele disse
que não lhe importava, que me desejava de qualquer forma. Encontrei-me com
ele em uma noite e, no calor da paixão, acabei me entregando. — Uma cor
rosada surgiu na face dela. — Não tenho como explicar o que senti. Só posso
dizer que agradável não definiria nem metade do sentimento. Rosaleen observou
Moira.
As coisas haviam se tornado estranhas. Moira agora era sua criada e tinha
acabado de se curvar diante dela, porque agora ela era uma duquesa e porque
estava casada com Stephen Edmond, porque estava grávida. Um fato levava a
outro, mas nenhum deixava Rosaleen menos apavorada.
A ideia era estranha para Rosaleen. Ela não lhe pediria isso.
Mas Lorde Edmond tinha dado sua palavra de cavalheiro e, apesar de ela
achar que ele não merecia tal título, confiaria que não seria obrigada a se deitar
em sua cama.
Por mais que Moira tivesse lhe dito que o leito conjugal poderia ser muito
agradável, Rosaleen não tinha tanta convicção disso. Já tinha experimentado o
ato e, mesmo se recusando a lembrar, suas únicas memórias eram de dor,
humilhação e medo. Não conseguia, porém, deixar de se perguntar se o que a
criada havia confidenciado era realmente verdade.
Nunca descobriria.
Jamais deixaria outro homem tocá-la, por mais que a ideia de Stephen com
suas grandes e quentes mãos sobre ela lhe provocasse uma dor no ventre, ainda
que a recordação do beijo que ele lhe dera fosse inebriante, tampouco assim.
Rosaleen faria todo o possível para nunca se deitar com seu marido.
— Não? É algum tipo de desejo secreto, como se deitar com ela no sótão, ou
quem sabe na cozinha? — Lorde Cheeven sorriu matreiro.
— Não seja ridículo, Matthew, não tenho tais desejos profanos. — Apesar de
que a ideia do sótão era tentadora… — Estou tentando dizer que não me deitarei
com ela nesta noite e provavelmente em nenhuma outra.
Stephen bufou.
— Ouviste bem. Minha esposa pediu que eu não me deite com ela.
Lorde Cheeven o encarou por uns segundos e depois abriu lentamente um
sorriso.
— Ardilosa. Ela o está tentando! — Riu alto. — Tenho certeza de que isso o
deixa ainda mais excitado, não é?
— Não. Não é. Ela não me aceitará em sua cama por causa da minha
aparência.
— Não foi necessário. E você estava presente, viu como ela desmaiou
quando percebeu que estava casada comigo.
— Está fazendo papel de tolo. Qualquer um que estava naquela sala percebeu
que Rosaleen desmaiou porque se assustou ao saber que era uma duquesa. Você
não tinha mencionado isso a ela, verdade?
— Eu não…
— Meu senhor, com sua licença. — Ela segurou as saias nas mãos.
Stephen engasgou com o vinho, e o amigo teve que correr para bater em suas
costas.
Depois que Matthew saiu, Stephen ainda ficou um tempo sentado, pensando
no que tinha acontecido.
Rosaleen o esperava?
Ela o queria?
Será que…?
Serviu mais uma taça de vinho e sorveu tudo em um único gole.
Com um gemido alto, Stephen levantou e foi para a porta. Saiu do escritório e
subiu as escadas em direção aos quartos, com uma terrível dor entre as pernas, as
alças mais apertadas do que nunca.
Antes de chegar naquela casa, nunca tomara um banho tão bom quanto
aquele. Normalmente, a água era fria, porque precisavam economizar a lenha e
não havia sabão perfumado. Não sabia, até então, que um ritual de limpeza podia
ser tão prazeroso.
Sorrindo, Rosaleen caminhou até a lareira, onde deixou que a toalha caísse a
seus pés, ficando nua e deixando o fogo aquecê-la.
— Rosaleen!
Ela virou rapidamente. Encontrou Lorde Stephen parado perto de sua cama,
com o cabelo desarrumado, o peito arfando e os olhos… Havia algo, que ela não
reconheceu.
Ah, Deus! Ele estava bravo, era possível ver o olhar duro por trás da máscara.
Assustada, ela cambaleou alguns passos para trás, percebendo que Stephen tinha
a respiração mais acelerada, seus ombros balançavam e os passos dele…
pareciam os passos de um lince. Lentos, mas firmes.
Ficaram ali, parados, ele sentindo o calor da pele nua dela atravessando as
camadas de roupas, queimando-o, a respiração acelerada que deslizava
suavemente em seu pescoço e o ritmar do coração, que batia inquieto no peito
dela. Todo o corpo de Stephen recebeu uma onda gigante de luxúria, de desejo,
de loucura. Ele não podia suportar aquilo. Que homem suportaria? Ela aferrada a
ele, completamente nua, com seu perfume de rosas…
Rosaleen tinha os olhos cerrados, mas isso não a impediu de perceber o que
ele estava a ponto de fazer, embora tampouco tenha feito algo para impedi-lo.
Ela achou que talvez estivesse em outro mundo. Um mundo quente, que fazia
sua pele arder terrivelmente. Mas era tão bom…
O choque do abraço dela fez Stephen aferrar os pés ao chão para que os dois
não caíssem e, quando ele recobrou o equilíbrio, perdeu-se.
Não foi ele, foi ela quem dessa vez o fez abrir os lábios, empurrando a língua,
abrindo caminho. Stephen não negou de forma alguma. Beijou-a
desesperadamente, segurando-a pela nuca e pela cintura, enquanto empurrava-se
descaradamente contra seu quadril.
Stephen apertou-a nos braços e caminhou até a cama, onde, ainda a beijando,
depositou-a levemente sobre os lençóis.
Ela não abriu os olhos, e ele não o pediu.
Com a claridade da luz das velas, Stephen podia ver cada curva, cada
centímetro do corpo de Rosaleen. Encantou-o o formato dos seios, o tom coral
dos mamilos eretos e a suavidade que os envolvia. Seus dedos correram pela
pele dos seios, provocando-os delicadamente e, quando chegou nos pontos
rosados, Rosaleen gemeu alto.
Ele gostou disso; tanto, que abaixou os lábios e a beijou ali. Rosaleen
arqueou o corpo em resposta, oferecendo-se a ele. Stephen contornou o mamilo
com a língua e chupou, até o corpo dela começar a tremer.
Rosaleen não conseguiu pensar em nada mais quando ele desceu os beijos
pelo ventre dela, mordendo-a de leve, fazendo círculos com a língua.
Quando o hálito morno de Stephen tocou a junção das coxas dela, Rosaleen o
segurou pelo cabelo.
Stephen ergueu o rosto para ela, e Rosaleen viu um sorriso brilhando nos
lábios dele. Oh, e ele estava tão fantástico banhado pelas luzes das velas, a
máscara conferindo-lhe uma aura de mistério.
— Vou apenas beijá-la aqui — ele disse ao levar os dedos até o sexo dela,
acariciando-a.
Ela engasgou.
— Eu não acho que isso seja correto... Talvez... — Calou quando sentiu a
língua morna e úmida tocá-la.
Uma onda de prazer correu pelo ventre de Rosaleen. Era... Não tinha o que
dizer, a não ser que seu marido sabia muito bem como usar a língua. Oh, como
sabia!
Ele a torturou, fê-la gemer, gritar, debater-se contra o colchão. Quando ela
chegou ao ápice do prazer, Stephen a assistiu se contorcer eroticamente a sua
frente. Foi o paraíso.
O duque não se permitiu mover até que Rosaleen acalmou respiração. Ela
ainda continuava de olhos fechados quando ele sentou ao seu lado na cama.
Era uma cena gloriosa; sua esposa nua, com os cabelos bagunçados, os lábios
inchados e cheirando a sexo. Stephen podia se acostumar a isso facilmente.
Rosaleen sabia exatamente qual seria o assunto daquela conversa. Era óbvio.
Stephen lhe diria que ela havia se comportado com uma qualquer, porque era de
conhecimento geral que um casal não fazia aquilo que tinham acabado de fazer.
Uma esposa não gemia descontroladamente como ela fizera, nem sentia aquela
necessidade estranha a qual a consumia agora e que gritava
desavergonhadamente dentro dela pedindo mais.
— O que aconteceu... Não foi premeditado — ele começou. — Mas saiba que
apreciei muito e tenho certeza de que você também. — Stephen sorriu ao olhá-
la.
Ela não precisou responder, o rubor em suas bochechas falava por si só.
— Sei que passou por coisas horríveis... — Ele viu que agora ela desviava o
olhar, mas continuou mesmo assim. — Quero que esqueça o passado, não a
obrigarei a compartilhar sua cama comigo, já lhe disse isso uma vez. Mas não
suportaria que nosso casamento fosse como os que estão na moda na sociedade.
Não quero ter que vê-la somente na hora do jantar, nem passar dias sem dirigir-
lhe uma palavra.
Ela suspirou.
— O filho que você carrega dentro de você, esse foi o motivo do nosso
casamento. Mas você precisa saber que não o odeio, nem a culpo e, se eu
pudesse, mataria com minhas próprias mãos aqueles homens. — Ele abaixou o
rosto, atormentado pelos gritos que ouviu naquela noite sobre os quais nada
fizera.
— Isso é ilusão. Não procure ver entre o escuro, Rosaleen, porque encontrará
somente dor e ódio. — Os ombros dele tremeram.
— Não estou errada. E, por favor, não diga como devo pensar. Não importa o
que tenha feito, a imagem que tenho de você não mudará — afirmou convicta.
Definitivamente não queria se sentir assim. Tinha medo. Acontecia que havia
prometido jamais deixar outro homem machucá-la outra vez. Mas... Stephen não
iria machucá-la, verdade?!
— Sei que está confusa pelo que aconteceu e eu também. — Passou a mão
pelos cabelos. — Só que, mesmo querendo, não irei ignorar esse momento.
Proponho que estipulemos um acordo sobre nosso casamento.
— Acordo?
Ele se aproximou dela, puxou uma manta e a cobriu. Era tentação demais vê-
la nua daquele jeito.
— Qual?
— Prometa-me que irá me procurar cada vez que se sentir quente, quando
sentir seu sexo queimar e pulsar desesperadamente. Quando isso acontecer,
quero que vá até mim, não importa onde e com quem eu esteja.
— É simples: porque sou seu marido e meu dever é cuidar das suas
necessidades. Prometa-me! — Stephen apertou a perna dela.
— Eu... Eu... Prometo. — Sim, ela prometeu e realmente quis dizer aquilo.
— Mas tenho medo.
— Medo?
— Não quero gostar disso. Porque... há dor, há medo em minha mente. Não
sei se poderia deixar você... se deitar comigo — confessou.
Stephen entendeu.
— Não estou lhe pedindo isso. Lembre-se que só compartilharei uma cama
com você quando me pedir. Jamais a forçarei a nada — explicou.
— Sim, verdade. Por mais que eu tenha certeza de que esse momento irá
chegar logo. — Ele olhou ao redor e, com um suspiro cansado, levantou-se. —
Acredito que esteja tarde e você queira descansar.
— Obrigada. — Rosaleen puxou a manta até o queixo.
— Mais uma coisa; Moira disse-me que você esperava por mim. Isso é
verdade? — Ele não pôde deixar de perguntar.
Ele riu.
Enquanto Rosaleen voltava para a cama, a dor ainda a atingia e, ao olhar para
os lençóis, parou abruptamente.
Com um grito afogado, ela olhou para o próprio corpo e se encontrou com as
pernas cheias de sangue.
Meu Deus! O que estava acontecendo? Era seu bebê? Ele estava morrendo?
Não!
E ali estava ela, com as mantas até o queixo, os olhos inchados e o corpo
trêmulo, além, é claro, da dor no ventre e o sangue que escorria entre suas
pernas.
Stephen ignorou tal atitude. Estava tão acostumado com aquilo, que agora
mal lhe afetava.
— Pode me oferecer uma bebida? Estou velho e cansado para me levantar tão
cedo.
E velho demais para beber, pensou Stephen. Mas apenas apontou para a
escada e seguiu atrás do médico.
Em seu escritório, depois de servir ao velho uma enorme taça de seu melhor
vinho, Stephen pediu que ele lhe explicasse detalhadamente em que estado se
encontrava o bebê de Rosaleen.
— Como disse?
Wilms lambeu os lábios finos e roxos.
Stephen o encarou.
— Nada que lhe diga respeito, doutor — disse entre dentes. Ora, jamais diria
àquele homem, por mais que ele fosse um médico, que na noite anterior estivera
com a língua entre as pernas de sua esposa!
— Estou tentando dizer, meu lorde, que sua esposa nunca esteve grávida —
falou ao levar a taça aos lábios.
— Perdão?
O doutor se voltou para ele.
— Está com algum problema de audição, Lorde Edmond? Acredito que tenho
um tônico em minha maleta que possa ajudá-lo a...
— E a hemorragia? — questionou.
— Não foi hemorragia, meu lorde. Foi apenas seu sangramento mensal que
havia atrasado como eu lhe disse e agora voltou. As dores que ela sente são
cólicas devido a isso. — O doutor passou um lenço pela testa, limpando o suor
que se acumulava.
Stephen tinha ouvido tudo aquilo, mas ainda não podia acreditar. Deixou de
prestar atenção no médico e começou a focar em seus próprios pensamentos.
Levou alguns minutos, nos quais o escritório ficou em absoluto silêncio, e,
quando processou e compreendeu o assunto, teve vontade de esmurrar a si
mesmo.
O doutor ficou mudo, ou melhor, Stephen o deixou mudo com sua sutil
pressão na garganta do velho.
— Escute bem, seu velho. — O corpo de Stephen tremia pela raiva. — Sua
opinião não me é útil para nada, por isso quero que pegue suas coisas e saia da
minha casa. — Apertou mais um pouco e o doutor engasgou. — E esqueça tudo
que viu e ouviu nesta casa sobre minha esposa. Não dirá uma única palavra a
ninguém, entendeu?!
— Ótimo. Meu mordomo lhe entregará seu pagamento e o levará até a porta.
— Soltou-o e o homem aterrissou no chão.
Stephen deixou Wilms para trás e saiu do escritório. Ned cuidaria dele, senão
provavelmente ele perderia o controle mais ainda.
Passou pelo largo salão e rumou para a escada. Precisava realizar a tarefa
mais difícil de todas; contar a verdade a Rosaleen.
A criada suspirou.
— Para falar a verdade, também não entendo. Por falar nisso, por que não me
contou sobre o título de Stephen? — perguntou enquanto bebericava a água.
Stephen sentou ao lado de Rosaleen, e ela ficou imóvel. Ele pegou o prato de
sopa na mesa e lhe ofereceu uma colherada.
— Precisa se alimentar para estar forte o suficiente para sair dessa cama. —
Forçou a colher nos lábios dela, que acabou aceitando.
— Ainda sente dor? — Stephen perguntou enquanto lhe oferecia mais sopa.
— Sim, mas agora são mais fracas. O doutor me deu um tônico horroroso
para dor — explicou. Nossa, a sopa estava realmente boa, ou aquele apetite se
devia ao fato de que não se alimentava desde a noite anterior? Ao pensar na
última noite, um rubor tomou conta do rosto de Rosaleen, porque, junto com o
pensamento lhe vinham as lembranças do que ela e Stephen tinham feito...
— Eu falei com o doutor. Ele me disse que você está bem. Provavelmente
dentro de uma semana estará correndo por toda casa. — Levou mais sopa aos
lábios dela, mas dessa vez Rosaleen fez que não.
Deus o ajudasse!
— Não é isso. Ouça o que tenho a lhe dizer, Rosaleen. — Segurou o queixo
dela, fazendo-a encará-lo. — Você nunca esteve grávida, carinho. Foi um erro,
uma suposição precipitada de todos nós.
Rosaleen engoliu em seco. Não estava grávida? Não tinha um bebê dentro
dela?
— Vou lhe explicar tudo. — Ele contou todos os detalhes a ela, sobre as
regras, o atraso e as dores.
No final, Rosaleen estava muda, com o olhar perdido nas pedras da lareira.
Ainda estava aninhada ao peito de Stephen, recebendo um agradável calor, que
lhe acalmava, mas que, ainda assim, não conseguia tirá-la da maré de dúvidas e
medos.
Ela assentiu.
Infelizmente, só podia fazer isso, por mais que agora estivesse terrivelmente
nervosa, porque, ora, havia se casado com Stephen por causa daquela criança e,
se não havia criança, o que aconteceria?
— Ah, achei que deixaria que meus pés criassem raízes — Matthew
comentou ao sentar relaxadamente.
— Não sabia que tinha trazido seus vícios para fora dos clubes. — Stephen
espantou a fumaça da frente dos olhos.
— Está recuperada. — Na verdade, Stephen poderia ter dito que ela estava
perfeitamente bem, porém, se o fizesse, certamente Lorde Cheeven conseguiria
fazer algum comentário totalmente sem nexo.
— Não vamos falar sobre isso. Seu lacaio disse-me que teria algo urgente
para me falar.
Para o bem de todos os envolvidos nesse disparate, fica exposto que o não
comparecimento do senhor duque de Caston denotará a renúncia de todos os
seus direitos e deveres para conosco.
— Certamente, não de sua desgraça, velho amigo. Garanto que o fato de que
você está a um passo de ser jogado ainda mais para baixo da sociedade francesa,
o mais próximo da escória, não me agrada absolutamente. — Um sorriso maroto
brincou nos lábios de Matthew. — Mas confesso que é impossível me controlar
diante da perspectiva de vê-lo fazendo sua grande volta para sociedade, agora
junto de sua refinada duquesa.
— Está perdendo seu tempo imaginando tal espetáculo, Mathew. Eu não irei
a esse baile. — Olhou novamente para a carta em suas mãos e franziu a testa, era
como se o pedaço de papel lhe queimasse a pele.
— Vejo que prefere perder tudo que tem. — Mathew deu de ombros. — Por
falar nisso, poderia me presentear com aquele belo cavalo entalhado em madeira
e ouro? Será uma pena vê-lo nas mãos da Coroa. — Apontou para uma estante
abarrotada de livros, onde se encontrava o minúsculo adorno.
Matthew mudou de posição no sofá e, com o rosto coberto por uma máscara
de mistério, aproximou-se do amigo.
— Preciso encontrar alguém que ensine à Rosaleen como ser uma dama em
menos de três semanas. — Suspirou profundamente. Nada estava bem. — Agora
que sua mente aflorou, poderia me dar a honra de me ajudar a encontrar alguém
para tal função?
— Obrigado por seus elogios, mas acho que você não se recorda de que todas
as pessoas que conheço são jogadores, prostitutas, estelionatários e toda classe
de dissolutos. Provavelmente não irá querer que sua esposa seja orientada por
uma mulher que saiba exatamente o que fazer quando está de joelhos, estou
certo?
Lady Dami, mãe de Lorde Cheeven, era viúva há tantos anos que mal se
recordava. O marido falecera depois de contrair varíola em uma de suas supostas
viagens de trabalho. Matthew ainda se recordava do pai coberto por pústulas e da
última vez em que o vira antes que a morte o levasse. Ao contrário do que
imaginava, não fora tão difícil sobreviver sem o pai. O velho era mesquinho e
ambicioso, além de exibir um comportamento indecoroso e dispensar um
tratamento ultrajante à esposa, a quem traíra diversas vezes, sem ao menos
conservar o senso de discrição. Matthew — filho único — e a mãe viveram em
um pequeno solar, em uma cidade perto de Bordeaux, por muitos anos, até que o
rapaz decidiu mudar-se para a mansão que possuíam na cidade e assumir
definitivamente os negócios do pai. Lady Dami nunca mais se casara, o que o
filho acreditava ser um reflexo da vida que levara com o falecido marido. Era
claro que ela não mais acreditava no amor. E com Matthew não fora diferente. O
jovem logo se tornara bem-sucedido em seus investimentos nas vinícolas, além
de notório por sua lascívia. Junto de Stephen, Matthew ficou conhecido como
um dos Lordes Dissolutos, que destroçavam os corações das jovens, erguiam as
saias das viúvas e enlouqueciam as casadas.
— Sua tia Sophie ainda está viva? — perguntou enquanto levava o charuto
aos lábios novamente.
— Sim, recebi uma carta dela há alguns meses. Está vivendo em Paris, junto
de sua dama de companhia e uma garrafa de rum.
Lorde Cheeven sorriu. Estava tudo resolvido.
— Envie uma carta a ela dizendo que se casou e que necessita de sua ajuda.
Não especifique exatamente qual será a tarefa dela, deixe-a curiosa o suficiente
para que arraste sua dama de companhia e a garrafa de rum para Bordeaux.
— Matthew? — chamou.
— Sim?
— Rosaleen.
Exatamente. Convidar tia Sophie para que o visitasse era fácil, o real
problema era convencer Rosaleen a participar de toda aquela situação.
— Oh, Deus! — Rosaleen bateu com a mão na testa ao recordar que a lei da
consumação não valeria porque era óbvio que ela não era mais virgem, o que
levava a crer que Stephen cumprira com seus deveres conjugais.
Se pelo menos ainda fosse virgem, se aquela noite não tivesse acontecido...
Não! Não choraria, nem recordaria o que acontecera. Era uma promessa para
si mesma. Não precisava se lamentar e chorar como um animalzinho assustado.
Estava viva e, o mais importante, não carregava em seu ventre o resultado
daquela atrocidade. Claro que, se estivesse realmente grávida, faria de tudo para
amar o bebê por mais difícil que fosse. Desejava ser mãe desesperadamente.
Podia imaginar-se com um pequenino bebê nos braços, de olhos verdes e
brilhantes iguais aos do pai, iguais aos de... Stephen.
Era o efeito do cárcere em que se encontrava, só podia ser! Jamais teria filho
algum de seu marido, porque não se deitaria com ele. Não outra vez. Por mais
que a noite de núpcias houvesse sido uma grande surpresa e que Rosaleen
tivesse aproveitado muito, deveria ficar claro que fora apenas um evento isolado.
Era certo, precisava sair daquele quarto e tomar ar fresco, ou se jogaria pela
janela, porque aquelas ideias não tinham fundamento algum (por mais que a
lembrança da boca de Stephen entre suas pernas fosse maravilhosa).
Passaram pelo salão principal, onde Moira, que tirava o pó de uma mesa,
sorriu abertamente para os dois. Um pouco constrangida, Rosaleen virou o rosto
e seguiu para fora da casa junto de Stephen.
Era noite e, mesmo sem nenhuma nuvem no céu, Rosaleen, que sempre
adorara observar as estrelas, não conseguiu encontrar uma sequer.
Sorriu.
Era fácil ter simpatia por Rosaleen. Ela era tão diferente de qualquer outra
mulher que já conhecera.
Rosaleen sentiu o hálito morno de Stephen em seu rosto. Ele iria beijá-la. E
ela queria muito.
As mãos dele a seguraram pela nuca, fazendo com que seu corpo se
arqueasse. Os lábios de Stephen contornaram o queixo de Rosaleen em uma
delicada carícia. Ela ofegou, entregando-se.
Stephen estava lutando contra um pequeno animal que tinha se aferrado a sua
calça. Cookie!
— Volte para casa, seu menino mau. — Deu palmadinhas nos flancos de
Cookie, que saiu correndo para dentro da casa.
Ela olhou para Stephen. Mesmo no escuro, podia ver que ele estava zangado.
— Sobre Cookie...
— Eu não esperava que fosse acontecer tal coisa, mas recebi uma carta da
Coroa. Devo me apresentar em Paris dentro de três semanas, para voltar a atuar
na sociedade. Portanto terei que viajar por algum tempo.
— Não, você não compreende; a Coroa sabe que me casei. Como deve saber,
sou um duque e passei muitos anos sem exercer minha função. Agora o
parlamento de Paris quer que eu volte à sociedade. E isso inclui você, Rosaleen.
Você é a duquesa de Caston e é imprescindível que esteja ao meu lado — ele
explicou.
— Perdão?
Stephen mudou o peso do corpo para a outra perna. A conversa estava mais
difícil do que esperava.
— Você irá comigo para Paris e será apresentada como a nova duquesa
durante o baile de Lady Catherine.
— Como eu disse, não imaginei que aconteceria isso. Mas, entenda, se não
formos, tudo que possuo será tomado pela Coroa.
— Há mais uma coisa que precisa compreender, Rosaleen; não irei deixar
você. Nosso casamento é perfeitamente válido. — Passou o polegar pela
bochecha dela. — E você é minha. Nossa noite de núpcias foi a prova de quão
bom somos juntos. Porém não a irei apressar, farei com que me deseje tanto, que
queime tanto por mim, que me implorará para estar dentro do seu corpo. —
Beijou a ponta da orelha dela e se afastou.
Perdida.
Sem ar.
Rosaleen estava em outro lugar. Ali não poderia ser, porque certamente seu
marido, Stephen, não tinha lhe dito aquelas palavras. Ela demorou a recobrar os
sentidos, ainda atordoada e intoxicada pela masculinidade de Stephen.
— Eu...
Ela sabia que, mesmo que não a quisesse como esposa, Stephen não a jogaria
na rua. Tinha certeza absoluta, confiava nele. Mesmo não sabendo ao certo o
motivo.
FORAM NECESSÁRIOS TRÊS DIAS PARA que tia Sophie conseguisse ser transportada
de Paris para Bordeaux. Demorara mais do que o previsto porque, infelizmente,
a carruagem havia perdido uma roda ao passar pelas trepidantes estradas
francesas. Esse imprevisto fez com que Lady Sophie fosse remanejada para outra
carruagem, que levara horas para chegar. Depois de transportarem a grande
quantidade de baús, finalmente puderam seguir viagem. Isso até a velha senhora
exigir que parassem em uma estalagem na beira da estrada para que ela tomasse
um banho, o que, é claro, foi apenas uma tola desculpa para poder reabastecer
discretamente seu estoque de rum.
Ned olhou para os lados, envergonhado, mas logo deu um pequeno sorriso.
— Pois então beba mais rum, ele fortalece os ossos, garanto-lhe — Tia
Sophie aconselhou enquanto suspendia as saias e subia os degraus da escada
frontal da casa.
Ned logo apareceu ao lado dela, para lhe abrir a porta com um gesto cortês
desengonçado.
— Seja bem-vinda, tia Sophie — a voz dele saiu abafada porque tinha o rosto
enterrado no ombro da mulher.
— Ora, está ótimo! Quando foi a última vez que o vi? Há dois, ou cinco
anos? — Ergueu a mão esquerda e começou a contar nos dedos.
Ela o ignorou.
Confusa, a duquesa olhou para o casaco em sua mão, para Sophie e depois
para o marido, procurando por uma resposta.
— Rosaleen não é uma criada, tia Sophie — ele disse irritado, enquanto
entregava a ela a peça de mau gosto.
— Oh! Perdoe-me! — Ela tentou sorrir, ainda sem jeito. — Eu não sabia,
imaginei que... Bem, suas roupas... — gaguejou, mortificada.
Sophie corou mais ainda pelo gesto indecoroso de afeto que o sobrinho
demonstrava, mas se apressou em voltar à sua bela e parisiense educação:
Rosaleen olhou para Stephen e, depois de um leve menear de cabeça, saiu dos
braços dele e foi até a velha.
— A senhora deve estar muito cansada. Pedirei que Ned suba sua bagagem, e
que Moira prepare algo para comer — Lorde Edmond ofereceu.
Infelizmente, para a sorte de Ned, havia mais baús esperando fora da casa
para serem transportados.
— Peço que desculpe minha tia. — Suspirou cansado. — Não esperava que
ela...
Stephen moveu-se até o sofá do salão, levando Rosaleen colada em seu peito.
Sentou, afundando-se na espuma, e a esposa caiu junto, com as pernas
escarranchadas sobre as dele.
Estavam tão perdidos um no outro, que mal perceberam quando Moira entrou
no salão, soltando uma risada abafada.
Stephen riu.
— Somos casados, Rosaleen. Supõe-se que os casais façam isso quando estão
sozinhos.
Ela bufou.
Ela se negou a responder. Estava tão suscetível às mãos do marido que não
encontrou forças para pronunciar qualquer palavra.
Uma semana depois, as lições passaram para outro tema; dos floreios e
mesuras para as conversas com as outras damas e cavalheiros. Para Sophie, ficou
um tanto óbvio que Rosaleen tinha um pouco de dificuldade em interagir com os
demais e, para corrigir isso, usou Ned e Moira como cobaias. A velha organizara
pequenos ensaios de conversas, onde a duquesa deveria colocar em prática tudo
o que tinha aprendido.
— Não, não. Não quero suas lamentações, menina. Não vê? Somente você
pode curá-lo.
— Ame-o. Ame Stephen, menina. Faça com que o coração do meu sobrinho
volte a bater. Sei que pode amá-lo. Logo verá que atrás daquela máscara há um
homem encantador, apenas deixe que isso aconteça. — Sophie crispou as mãos
nas saias do vestido.
— Sophie, você não sabe. Há coisas que aconteceram. Meu casamento com
seu sobrinho não foi por amor. Eu era apenas uma criada — confessou.
— De forma alguma. Já que está aqui, ajudará na valsa. — Tia Sophie foi até
o grande piano recém-polido e se sentou. Folheou algumas partituras e encontrou
uma apropriada. Começou a tocar.
Ela aceitou.
— Olhe nos olhos de seu parceiro, Rosaleen. Não encare seus sapatos, por
mais belos que sejam — Sophie a corrigiu.
Ele a apertou mais entre os braços e a rodopiou pelo salão, ambos embalados
pela música que Sophie tocava.
Espremido no banco pelas longas saias da tia, Lorde Edmond tinha passado a
maior parte da viagem estudando sua esposa, que estava sentada no banco em
frente. A jovem duquesa mantinha-se encolhida contra o veludo escuro, com as
saias azuis graciosamente derramadas sobre o banco, as luvas de pelica
cobrindo-lhe as mãos recatadamente. Levava um chapéu de tecido cor creme,
com fita da mesma cor, e algumas mechas de cabelos escapavam, caindo-lhe nos
ombros. Apesar da bela aparência, o que mais havia chamado a atenção de
Stephen fora a expressão preocupada no rosto de Rosaleen. Sem oportunidade
para perguntar-lhe o que a deixava daquele modo, Edmond apenas supusera que
ela estava ansiosa pelo baile. Não a culpava, porque até mesmo ele estava a
picos de nervosismo enormes. Aparentemente, a única que estava tranquila era
tia Sophie, que divagava sem parar sobre os salões de bailes parisienses e os
escândalos da última temporada.
— Oh, oh... Vossa graça, eu não sabia que havia contraído bodas. Peço que
me perdoe. É uma honra recebê-la, duquesa. — Audrey abaixou-se
elegantemente, sorrindo com simpatia.
Rosaleen apenas meneou a cabeça. Não podia dizer qualquer coisa quando
ainda estava fascinada pela esplendorosa construção de tijolos cinza.
Seu marido estava tão belo. Mesmo com a viagem de dois dias e com a barba
já crescida, ele conservava a postura séria, os olhos misteriosos atrás da máscara
negra e a pequena insinuação de um sorriso atravessando seus lábios.
— Cuidado com meus sapatos! — Tia Sophie passou esvoaçante pelos dois,
seguindo o par de criados que transportava um baú escada acima.
Ela franziu a testa, achando graça da forma como seu marido tentava ser
gentil.
Ela se curvou para trás, perdida em sensações mornas que reverberavam por
sua pele.
Ela gargalhou.
Depois de um jantar informal, com apenas carne, pão e queijo, Lady Sophie
se retirou para seu quarto mais cedo, alegando estar cansada da viagem.
— Sim, nós possuímos. Lembre-se de que tudo que é meu pertence a você
também, Rosaleen — disse sobriamente.
Ela apenas desviou o olhar, incapaz de falar qualquer coisa. Acontecia que
Rosaleen não se importava com qualquer franco que Stephen tivesse. Sempre
vivera com pouco, acostumara-se assim e, mesmo estando agora envolta em
luxo, não esqueceria o que havia passado.
— Devemos nos recolher — ele disse ao deixar a taça de cristal sobre a mesa.
O que ela poderia fazer a não ser dizer sim? Que outra opção teria?
O dia amanheceu quente. As temperaturas naquela época do ano não eram tão
inconstantes havia décadas. Normalmente o frio impossibilitava muitos eventos
sociais, porque nenhum nobre e nenhuma dama de estirpe se aventurariam em
deixar sua confortável casa, aquecida por uma grandiosa lareira, para
comparecer em algum baile ou recital. Mas, naquela noite, com as altas
temperaturas que assolavam Paris esporadicamente, o certo era que a sociedade
francesa compareceria em massa ao baile de Lady Catherine. Ninguém, nem
mesmo sob as intempéries do clima, deixaria de testemunhar a volta do famoso
duque de Caston e a apresentação de sua nova duquesa, uma camponesa que
todos estavam curiosos para conhecer.
Ela observou o travesseiro e a manta que ele tinha usado, sorrindo com um
pensamento. Tinham dormido juntos. Lado a lado. E, surpreendentemente,
Rosaleen não havia sentido medo algum de qualquer contato. Na noite anterior,
Stephen, tinha deixado claro que não faria nada que sua esposa não desejasse e
que apenas dormiriam. E fora exatamente assim, embora, para ela, não tivesse
sido apenas isso. Havia algo tão profundo, possivelmente vindo de seu coração,
que tinha mudado. Como descreveria? Confiava no duque. Sim, era isso. Depois
daquela noite em que o ouvira respirar calmamente ao seu lado, sentira seu
perfume e o calor de seu corpo, poderia dizer que gostava de estar casada com
Lorde Edmond.
Rosaleen se moveu contra os lençóis, sentindo o roçar do linho em sua pele.
Dormira com uma camisola que a cobria dos pés a cabeça e agora o calor
começava a incomodá-la. Um pensamento a deixou curiosa... Como seu marido
havia dormido? De bata ou... completamente nu? Não sabia ao certo, pois o
quarto estava escuro quando ele se deitara ao seu lado. E, apesar de não poder
enxergá-lo perfeitamente, as sombras que entravam pela janela lhe permitiam ver
os contornos do corpo sob a manta.
Ela estava feliz. Stephen era um homem bom. Tinha uma beleza obscura, mas
um coração cheio de gentileza. Será que tia Sophie estava certa? Será que
Rosaleen realmente poderia amá-lo? E ele? Ele a amaria?
— Oh, bom dia, menina. Dormiu bem? — Lady Sophie perguntou com um
sorriso que, no mínimo, era malicioso.
Rosaleen enrubesceu. Obviamente tia Sophie sabia que ela e Stephen haviam
compartilhado uma cama na noite anterior. Bastava agora saber o que ela estava
pensando.
— Mas lembrem que o baile será esta noite e que precisam estar aqui às cinco
horas. — Sophie advertiu veemente.
Minha menina.
— Podemos?
Estavam de volta a casa antes mesmo das cinco horas, como Sophie ordenara.
Satisfeito, Stephen também subiu para um dos quartos o qual, segundo suas
ordens, havia sido preparado para ele usar naquela noite.
— ONDE ELA ESTÁ? — STEPHEN perguntou quando viu somente a tia descer as
escadas que levavam ao andar superior.
Lorde Edmond olhou para ela e então o mundo saiu de seu eixo.
— Linda! Eu sabia que esse vestido ficaria bem em você — Sophie comentou
enquanto ajudava Rosaleen a descer os degraus da escada. O vestido amarelo-
claro tinha saias bufantes, o que não permitia à jovem duquesa movimentos
exagerados.
Stephen não pôde deixar de sentir o perfume de rosas que Rosaleen exalava.
Ansiava desesperadamente soltar os cachos daqueles cabelos e envolvê-los entre
os dedos. Como Rosaleen ficaria completamente nua com os cabelos caindo
sobre os seios?
— Não fique. A noite será maravilhosa, você está preparada para isso,
menina. Você é uma duquesa, Rosaleen. — Segurou as mãos dela e as apertou
docemente.
— Oh, minha menina, não faça essa velha rabugenta chorar! — Soltou
Rosaleen e a pegou pela mão. — Ande, vamos logo! Não vejo a hora de esse
baile terminar logo para eu poder me deitar junto ao meu rum.
A casa de Lady Catherine ficava do outro lado da cidade. Era uma construção
tradicional de mais de dois séculos, considerada uma obra-prima da arquitetura.
Em frente, fazia-se uma fila de carruagens de vários tamanhos, de onde
cavalheiros e damas desciam elegantemente e eram direcionados para o interior
da casa, guiados por diversos criados impecavelmente uniformizados.
Tudo por Stephen, tudo por meu marido — ela recitava mentalmente. Era
isso; a única coisa capaz de acalmá-la era pensar que estava ali por seu marido e
que tudo sairia bem.
— Ele não é. Não entendo por que está aqui. — Percebeu que, ao ficarem
parados naquela extremidade do salão, estavam chamando mais ainda a atenção
para si mesmos. — Lady Catherine está mais adiante, vamos até ela.
Rosaleen aquiesceu.
— Lady Catherine?
— É um prazer tê-la em meu baile, duquesa. Espero que se divirta esta noite
—ofereceu um sorriso amigável.
— Eu... Er...
Stephen dirigiu um olhar impassível a ela. Era um aviso. Não poderia falhar.
— Peço que me perdoem, mas terei que subir ao quarto das senhoras. Parece-
me que uma de minhas convidas sentiu-se mal e necessita de meus sais. —
Agarrou as saias e olhou para a pista de dança. — Brevemente estarei aqui para
vê-los dançar a valsa.
— Não devia me evitar dessa forma — ele disse observando a interação das
outras pessoas em volta. — Manter a cabeça baixa não é gesto apropriado para
uma duquesa.
— Sim, estou.
— Está nervosa. — Segurou a mão dela na sua e a fez abrir os dedos. — Não
fique, estou aqui com você. Passaremos por isso juntos.
Juntos.
Entendia o motivo pelo qual ela estava nervosa. Até mesmo ele sentia-se
sufocado no meio de todos aqueles olhares invasivos de pessoas e antigos
amigos com quem havia convivido anos atrás e que agora eram apenas
desconhecidos que o evitavam e o repudiavam por sua aparência. Ele havia
notado, quando conduzira Rosaleen até Catherine, que muitas damas, enquanto o
viam passar, soltavam cicios consternados. Ora, o duque não era surdo, pudera
ouvir muito bem seu outro nome sendo seguidamente sussurrado.
A Fera de Bordeaux.
Com uma força que desconhecia, o duque conseguiu controlar-se e evitar que
a ira explodisse em suas veias fazendo cada uma daquelas pessoas entender o
que ele realmente era. Ardia de vontade de torcer o pescoço de todos aqueles
supostos cavalheiros que antes o veneravam e saldavam-no alegremente e que,
agora, anos depois, repudiavam-no por sua aparência.
Bastardos! Ele havia se tornado aquilo que era por ter servido a seu país.
Carregava feridas por ter jurado honra à França, levava uma horrorosa máscara
negra por ter defendido a honra de cada dama e cada cavalheiro que naquele
momento o olhavam com evidente repugnância. Mas, por ela, pela mulher ao seu
lado, se controlaria. Somente por Rosaleen. Deus! Não se importava com aquele
maldito baile. Não haveria nada tão desastroso quanto ficar sem sua esposa.
— Ouvi boatos de que ele estaria aqui esta noite. Não pude deixar de
comparecer.
Ao perceber que Stephen deixava a esposa junto da asquerosa tia para ter
com Lorde Cheeven, a dama entregou a taça ao homem ao lado e se dirigiu
sorrateiramente até Edmond.
— Stephen — ela falou em voz alta, fazendo com que todas as pessoas
próximas ouvissem.
Lorde Edmond endureceu ao ouvir aquela voz que conhecia tão bem.
— Mas agora está de volta, Stephen. Você voltou por mim — murmurou as
últimas palavras.
— Sentiu-se mal. Duas criadas tiveram que ajudá-la a subir para um aposento
oferecido gentilmente por Lady Catherine. — Deu um suspiro exagerado.
Sua esposa estava sentada em uma cadeira em frente à janela, de costas para
ele. Quando o ouviu, virou-se lentamente.
Rosaleen percebeu que o marido tinha a respiração acelerada, seu peito arfava
e os olhos estavam assustados por trás da máscara.
— Está bem? — Ele não suportou mais, foi até ela e a segurou pelas laterais
do rosto. — Tia Sophie disse-me que você se sentiu mal.
Rosaleen fechou os olhos atordoada pelo toque morno em sua pele.
— Sophie pediu-me que subisse para o quarto e depois foi até você, para que
assim aquela mulher de cabelos cor de fogo o deixasse em paz — ela explicou,
fitando-o.
O rosto de Stephen se contorceu, uma mescla de fúria e algo mais que ela não
reconheceu.
Ela retirou a mão do marido de seu rosto e se afastou, ficando de costas para
ele.
Queria rir, queria gritar, mas a única coisa que conseguiu foi ir até sua esposa
e a agarrá-la pela cintura.
— Está ciumenta de mim, carinho? — Puxou alguns fios do cabelo dela para
trás e beijou-a no pescoço.
Stephen mordeu o lóbulo da orelha dela, fazendo uma pressão tentadora com
a ponta da língua.
— Não irei até Isobel, Rosaleen. Não preciso de outra mulher quando tenho
isso. — Imprensou as mãos dela contra a pele dos seios. — Sinta, veja o quanto
é perfeita. Quer minha boca em seus mamilos, minha esposa?
— Sim. — Stephen a virou para ele e, antes que ela protestasse, beijou-a.
Ela não o ouviu, não o obedeceu. Puxou-o pelo cabelo para outro beijo, e
mais outro.
— Sim, Stephen. Farei amor com você. Mas não esta noite, não aqui, por
favor, temos que voltar para o baile. — Rosaleen tocou o peito dele, sentindo o
calor que se espalhava.
— O que devo fazer? Não podem pensar que eu estava beijando alguém... —
olhou-o alarmada.
— Oh, por favor, pode me chamar de Catherine. Já sinto que seremos amigas.
— Deu uma risadinha.
Catherine revirou os olhos e saiu dando pulinhos até uma roda de mulheres
matronas.
— O que foi?
— Dance comigo, Rosaleen. — Stephen sabia que era indecoroso dançar com
a própria esposa em um baile tão formal. Mas ele realmente não se importava
minimamente. Ela era dele.
Quando ela regressou para os braços do duque, seu olhar encontrou o dele; os
olhos verdes como os campos que percorria quando menina, onde brincava
alegremente, onde era feliz, livre... Os olhos de seu marido. Do homem que a
protegia.
Deus, o que era aquilo que estava fazendo seu coração fraquejar daquela
forma? Todo o resto deixou de existir. Não estava mais em um baile, não estava
em Paris, não usava aqueles trajes apertados e caros. Rosaleen sentiu como se
estivesse voando sobre as nuvens, flutuando em algodão macio, aquecida pela
quentura das mãos de Stephen.
A constatação daquilo a assustou. Não tinha como explicar, mas sabia com
toda certeza que amava aquele homem que agora a fitava ardentemente. Teve
vontade de chorar. A intensidade da revelação e do sentimento que surgiu em seu
coração era tão grande que a única coisa que desejava naquele momento era
jogar-se nos braços de Stephen e contar-lhe que o amava.
Desejo-o.
Quando a valsa terminou, o duque levou sua esposa até Lady Sophie.
— Eu não perderia por nada sua grande volta à sociedade, bom amigo. E há
outra razão para isso. — Tirou um cisco imaginário da manga de seu casaco.
— A bebida e as mulheres?
Ignorá-la foi o que a duquesa fez. Sentia-se feliz, mesmo no meio de todas
aquelas mulheres exageradas. Não seria uma mulher do passado de seu marido
que a afetaria. Isobel podia ser o passado de Stephen, mas Rosaleen era o
presente e o futuro.
— Tenho um compromisso.
— Sei. — Edmond riu, já sabendo a que o amigo se referia. Provavelmente
alguma dama disposta a uma noite selvagem de prazeres.
Matthew riu.
— Perdão?
— Por quê? Achei que ficaríamos alguns dias mais... — ela sussurrou.
— Entendo que deseje fazer compras e passear por Paris, mas não pretendo
ficar por mais tempo. — Parou para refletir. — Se quiser, pode ficar junto de tia
Sophie por quanto tempo desejar. Deixarei uma quantidade de dinheiro
suficiente.
O marido tentou evitar uma gargalhada, porque era evidente o tema a que ela
estava se referindo.
Stephen encostou a cabeça contra o vidro frio da janela. Rosaleen era tão
inocente...
— Porque, minha adorável esposa, você me deixou tão duro, tão excitado,
que eu mal pude me mover sem sentir que minha calça fosse arrebentar. — Ele
colocou as duas mãos nas laterais da cadeira e aproximou o rosto do ouvido dela.
— A única maneira como você poderia me ajudar seria deixando que eu entrasse
em seu corpo com meu pênis, Rosaleen. — A respiração morna arrepiou o
pescoço dela. — Passei a noite toda acordado, olhando para o teto, imaginando
todas as formas como eu lhe daria prazer e, tenha certeza, a maioria delas a
deixaria chocada.
Stephen deslizou as mãos pelo pescoço dela, exercendo pressão nos pontos
exatos, os quais já conhecia. Puxou o decote do vestido de renda e o afastou para
o lado, maravilhado ao descobrir que ela não usava espartilho.
Fascinada pelo prazer que sentia, Rosaleen deixou que seu corpo caísse
contra o assento da cadeira.
Era isso, precisava ser muito direta com tia Sophie se quisesse que ela a
ajudasse. Nada de timidez.
— Quero me deitar com meu marido, mas não sei como faço isso — tentou
explicar, um pouco sem jeito.
— Bem, se as coisas não mudaram desde o meu tempo, é necessário que você
se deite, preferencialmente em uma cama, já que é mais confortável, e então ele
fique em cima de você para que...
— Oh, meu sobrinho não tem se sustentando, é isso minha querida? — Lady
Sophie abriu bem a boca em sinal de incredulidade.
Rosaleen a encarou.
— Como sabe?
— Acredito que a forma como você dançou com ele no baile deixou isso
claro. — Olhou para os lados antes de cochichar: — Vocês praticamente
copularam durante a valsa, minha sobrinha. Seus olhos brilhavam mais do que
qualquer estrela. Foi fácil presumir o que se passava em sua mente.
A velha tia Sophie era boa nisso, muito, na verdade — concluiu Rosaleen.
— Pois bem, terá que aprender. Vou contar exatamente como você tocará a
flauta de seu marido...
Flauta? Do que ela falava? O que isso tinha a ver com sedução?
Santo Deus! Queria jogar-se sobre ele! O que acontecia com ela? Mal
controlava seu próprio corpo!
Assim que pisou na recepção do local, Rosaleen teve uma certeza: faria amor
com Stephen naquela noite.
Por isso, quando chegou ao quarto, correu para lavar-se, usando o sabonete
de limão que carregava em uma mala e procurou, no fundo de uma bolsa, sua
camisola de renda transparente a qual ganhara da costureira. Por último, soltou
os cabelos. Ansiosa, correu para a cama, onde puxou as mantas até o queixo. Iria
esperar seu marido.
E ela esperou. Por tanto tempo que mal sabia o quanto. Até que ouviu uma
batida na porta.
Para sua decepção, eram duas criadas carregando bandejas com carne assada,
pão, queijos e vinhos.
Com raiva, Rosaleen saiu da cama e foi até a mesa com a refeição. Onde
estava Stephen? O que infernos ele estava fazendo?
Fez todo esforço para não acordar a esposa enquanto se despia e deitava ao
seu lado. Provavelmente, Rosaleen estava brava com ele, e com razão.
Mas o que ele poderia fazer? Não permitiria que ela o visse em situação tão
degradante. À sombra da única vela acesa, Stephen acompanhou os movimentos
dos ombros da duquesa. Esta dormia profundamente. Se estivesse bem, se a dor
não cortasse sua pele, com toda certeza estaria entre as pernas de sua esposa a
noite toda.
Mon Dieu! Não esperava que fosse tão torturado naquele casamento.
Seu consolo era que, no dia seguinte, estaria em casa, com sua esposa à sua
disposição em tempo integral. Ele a teria de manhã, à tarde e durante toda a
noite.
Pela primeira vez desde o dia anterior, ela o olhou. Tinha ficado tão magoada
ao perceber que voltara de madrugada para o quarto, que só conseguiu controlar
as lágrimas porque não queria que ele visse o quão triste ela estava. De manhã,
tomara o desjejum sozinha, enquanto ele verificava a carruagem. Até então, não
haviam trocado uma palavra.
— É um castelo — concluiu.
Saiu de seu lugar à mesa e colocou o braço dela no seu, dirigindo-a para fora.
E, bem, foi naquele momento que Rosaleen colocou em prática seu plano.
Atrás do solar, havia um jardim com vários tipos de rosas. Foi preciso
Rosaleen se conter para não sair inalando o perfume de cada uma delas. Queria
muito, mas havia outra coisa que ela queria ainda mais naquele momento.
Fingindo desinteresse, fez com que Stephen a conduzisse mais para dentro do
roseiral em flor. Caminharam à luz do sol por alguns minutos. Stephen
continuava em silêncio, e isso estava deixando-a a ponto de socá-lo.
Rosaleen olhou para todos os lados para conferir se não havia ninguém por
perto. Ótimo. Chegara o momento.
— Não acha que está um clima agradável hoje, milorde? — perguntou com
um sorriso grandioso.
— Rosaleen...
— Sabe?
— Sei. E, apesar de apreciar seu jogo, quero que fique bem claro que quem
está no comando sou eu. Compreende o que quero dizer, Rosaleen?
Oh, ela compreendia. E gostava da ideia.
— Beije-me — ela pediu com a voz rouca. — Não suporto mais meu corpo
pedindo para que você me faça sua. Beije-me, Stephen.
— Você não irá mais precisar disso. — Enganchou os dedos nas costuras da
regata e a rasgou com um único puxão. Rosaleen arregalou os olhos, em choque.
Com a respiração acelerada e os punhos cerrados, ela achou que odiaria seu
marido por tal tortura.
Ela mordeu os lábios para não gritar quando sentiu os mamilos entre os lábios
do marido, ele os sugando avidamente, mordendo sutilmente, brincando com a
língua.
— Abra os olhos e olhe para mim. Sou eu que estou possuindo você,
Rosaleen. Seu marido. — No princípio, seus movimentos eram lentos, estocadas
curtas para que ela se acostumasse. — Essa é sua primeira vez, Rosaleen, sou
seu primeiro homem. Nenhum outro esteve dentro de você. — Ele aumentou o
ritmo.
Sim, ele estava certo. Apenas ele estivera dentro dela, não houve aquela
noite, não houve aqueles homens. Nada daquilo existiu.
Stephen tentou ao máximo ser paciente, porque, apesar de sua esposa não ser
virgem, sabia que ela poderia sentir medo. Porém o prazer era tamanho, tão
intenso, que ele acabou se perdendo. Penetrou-a mais e mais fundo, deixando
que a duquesa o acolhesse tão quente dentro de seu corpo, e ela gemia, e arfava,
seu prazer crescendo cada vez mais, quase chegando à ebulição.
E, então, Rosaleen gritou. Gritou pelo prazer quente rasgando-a e por sentir
Stephen imóvel dentro dela, com o corpo endurecido derramando seu prazer.
— O que disse?
— Sua tia disse-me que, quando o homem coloca sua flauta dentro de uma
mulher, ela sente como se estivesse pisando em nuvens — explicou.
— Não, foi perfeito. — Moveu o quadril para cima. — Está muito cansado,
milorde? Eu gostaria de fazer isso novamente...
Rosaleen ronronou.
— Se não voltarmos logo, os criados começarão uma busca por nós. Não
quero que eles me vejam enterrado em você. — Ele começou a vestir a calça de
costas para ela.
Stephen estava com o cabelo despenteado pelo vento e pela luxúria do ato
sexual, os olhos verdes tão intensos quanto qualquer outra vez. Era como se os
olhos cor do campo refletissem a alma do homem. E Rosaleen podia jurar que já
podia reconhecer vários sentimentos através apenas daquele olhar. Naquele
instante, no entanto, tais olhos eram infinito mistério para Rosaleen. Talvez, sua
pouca experiência com homens, a qual, em seus vinte e três anos era baseada
somente em seu pai, no sacerdote da vila e em algum garoto vizinho quando era
criança, deixasse-a à mercê dos pensamentos de Stephen. Não conseguia
compreendê-lo.
Stephen a estudou por um momento. Desde que haviam feito amor, minutos
atrás, deitados sob a sombra de um carvalho, sua esposa estava se comportando
de um jeito estranho. Será que fora algo errado que ele fizera? Bem, ele tinha
certeza de que ela havia apreciado o momento... A menos que...
Grande idiota! Devia ter sido mais cuidadoso, mais delicado. Em vez disso,
agira como um bruto!
Ele passou a mão pelo lado direito do rosto, sobre a máscara, como se
sentisse dor, e, por fim, suspirou exasperado.
— Milorde, garanto-lhe que senti muitas coisas inesperadas, mas entre elas
não está dor, de forma alguma. — Esboçou um sorriso contido.
— Sim, fizemos. Estive dentro de você, dei-lhe prazer, fiz com que
implorasse por mim. — Escovou o lábio inferior dela com o polegar. — Mas eu
também tive meu prazer, Rosaleen, derramei minha semente dentro de você.
Sabe o que isso significa?
— Sim, você sabe. — Desceu a mão pelo pescoço da esposa, pela clavícula e
para o ventre plano. Encostou o corpo dela no seu, numa posição em que ele
ficasse atrás dela. — Aqui — contornou a barriga de Rosaleen — poderá crescer
uma parte de mim. Depois do que nós fizemos, você poderá ficar grávida.
Grávida.
— Você não gostaria de ficar grávida de um filho meu, não é?! — Fez
círculos no ventre dela, ao mesmo tempo em que deixava sua respiração pulsar
sobre o pescoço de Rosaleen. — Seria um desastre carregar dentro de você um
pedaço da Fera, verdade?
Rosaleen entrou no solar e ignorou todos que encontrou pela frente. Subiu as
escadas de pedra e correu para o quarto que havia sido designado para ela. Com
um gemido baixo, jogou-se na cama de dossel.
Não, não, não! Stephen estava errado! Por mais que a ideia de ficar grávida a
assustasse um pouco, com certeza ficaria imensamente feliz em ter dentro dela
um filho do homem que amava.
Ela ficou de costas sobre os lençóis de seda e, com os olhos fechados,
deslizou a palma da mão sobre a barriga.
Sorriu.
Teve vontade de rir. Sim, rir, de toda situação. Se Stephen acreditava que ela
não gostaria de um bebê, ele estava muito enganado. Mais ainda, o pobre homem
não sabia, mas acabava de colocar um grande desejo no coração da esposa.
Bom, de uma coisa Rosaleen sabia: eles teriam que praticar muito para
conseguirem o êxito, e ela iria prestar-se a tal ato com muito esmero. Oh, como
iria.
LORDE EDMOND ACREDITAVA TER UM pouco de compreensão a respeito das
manifestações do humor feminino. Bem, ele estava enganado. A reação de
Rosaleen diante de suas palavras fora no mínimo imprevista. Era de se esperar
algum desequilíbrio por parte dela, uma enxurrada de lágrimas ou palavras
hostis, mas não. E, incrivelmente, isso o alegrava, porque significava que sua
esposa estava cada vez mais forte. A mulher acuada que o duque conhecera há
alguns meses se tornava uma perfeita duquesa. Claro que ele devia dar certo
crédito à tia Sophie, porém sabia que a mudança também viera da própria
Rosaleen, algo mais profundo. Era possível perceber, enquanto ela se afastava,
furiosa, atravessando o roseiral bufando, com sua altivez característica, seu lindo
florescer.
Ele não quisera irritá-la. Mas, depois que fizeram amor, no momento em que
se vestia, percebera o quão imprudente havia sido ao derramar-se dentro dela.
Estava tão inebriado, tão enlouquecido com a sensação de possuí-la, de prazer
em seu corpo, que seu cérebro não fora capaz de agir de maneira apropriada.
Rosaleen era sua esposa, e ele a tinha feito sua, mas nem por isso desejava que
ela carregasse dentro dela um filho seu. Não que Stephen não quisesse um filho.
Que homem não desejaria um filho ao seu lado? Ele não seria tolo em negar. O
problema era que Edmond sabia exatamente quem era e o que isso acarretava.
Por mais que tecnicamente estivesse de volta à sociedade francesa, não se
enganava de que seria aceito prontamente. O ódio e o asco das pessoas para com
ele não desapareceriam tão facilmente. Então, por que condenar um pedaço de si
ao mesmo destino? A criança seria odiada por ter o sangue do pai, da Fera.
Stephen suspirou longamente. Realmente não queria ter perdido a razão com
Rosaleen. Quando estava junto dela, perdia momentaneamente a distinção entre
o certo e o errado, havia uma força estranha que emanava diretamente de
Rosaleen para ele e que o desestabilizava. Provavelmente agora tudo se
duplicaria, porque Edmond estava certo de que gostaria de fazer amor com sua
esposa outra vez, e mais outra, quantas bastasse para seu desejo amenizar, o que
intimamente sabia que levaria muito, muito tempo.
Cansado, percebeu que uma leve dor de cabeça começava a se abater sobre
ele. Era isso que o irritava. As dores constantes, que começavam fracas, mas que
logo tomavam uma grande intensidade. Como ainda conseguia suportar tal dor,
Stephen decidiu voltar para o solar. Precisava resolver alguns negócios sobre a
produção e a venda dos vinhos, além das despesas dos funcionários.
No decorrer das horas, ela rolou de um lado para o outro da cama, pensando
no bebê rosado que pretendia ter. Depois, levantou-se e sentou na banqueta em
frente ao grande espelho forrado de veludo vermelho. Encarou a mulher do
espelho com um pouco de desconfiança, percebendo algumas marcas arroxeadas
nas bordas dos seios. Stephen...
Foi acordada uma hora depois, duas horas após entrar no quarto, por uma
criada que bateu à porta para questioná-la sobre o jantar daquela noite. Foi então
que Rosaleen percebeu que passara a tarde trancada no quarto, e que seu marido
não viera vê-la.
— Irei com você até a cozinha. — Caminhou até a porta, mas parou para
encarar a criada. — Onde está meu marido? — Sim, não conseguiu se conter e
acabou perguntando.
— Célia — murmurou.
Ela tinha o rosto cansado, sinal de que trabalhara muito, o cabelo preso com
uma touca de renda negra. Os olhos verdes aguados e a pele manchada. Estava
na casa dos quarenta. Rosaleen considerou-a bela a seu modo.
— Pois vamos até a cozinha, Célia. Pretendo ensiná-la como preparar uma
boa torta de miúdos. — Abriu a porta, esperou que a criada saísse e a fechou,
decidida.
Ela deu alguns passos até ele, cuidadosa para que não o incomodasse.
Ignorou o aviso que soava em sua cabeça e caminhou até ele, desviando do
que restou da baixela espalhada no chão. Tocou o ombro do marido
delicadamente, tentando trazê-lo de volta.
— Eu vou andando. — Ela fez um gesto para descer do colo dele, mas
Stephen a apertou mais.
— Não.
Desistindo, Rosaleen permitiu que ele a levasse até seu quarto, onde a
depositou levemente sobre a cama. Voltou então para fechar a porta.
— Preciso que me permita cuidar dos seus cortes — a voz doce e calma de
Rosaleen soou atrás de Stephen.
Ele suspirou.
Stephen foi até a cama e se sentou, indicando que ela fizesse o mesmo.
Apesar de serem pequenos cacos, Stephen franzia o rosto cada vez que
Rosaleen retirava um deles. Não que não suportasse a dor, durante a batalha
sobrevivera a coisas infinitamente piores que isso. Talvez o problema fosse a
proximidade de sua esposa, concentrada em seu trabalho.
Rosaleen tocou o rosto dele, o lado bom, sem a máscara, e Stephen fechou os
olhos.
— Como eu poderia, Stephen? Sei que viu coisas horríveis, mas sei também
que jamais me machucaria. — Sentiu o coração dele acelerar sob sua palma. —
Você é meu marido.
— Sim, ma chérie, eu sou. — Com a mão boa, tirou uma mecha de cabelo
que caía sobre os olhos dela e a beijou.
— Stephen... — Ela afastou os lábios para poder falar. — Para a cama, por
favor — pediu, quase implorou.
E ele fez.
Novamente o quarto ficou em silêncio. Porém dessa vez foi um silêncio bom,
de pós-coito, quando as duas pessoas não têm palavras suficientes para descrever
sensações anteriores.
Ela abriu os olhos, as poucas velas mal iluminando o quarto. Stephen estava
sentado na beirada da cama, já vestido.
— Eu fiz torta de miúdos. — Sorriu satisfeita, não sabia se pelo êxito de ter
feito a torta, ou se pelos momentos maravilhosos junto do marido.
— Nós dormimos juntos desde que você chegou a minha vida, Rosaleen.
— Como?
Ele ofereceu o prato para que ela depositasse a comida antes de continuar a
explicar.
— Era o único que estava em condições de ser usado. Você mesma viu como
estava o estado da casa.
Ele assentiu.
— O quarto do casal ducal é conjugado. A tradição reza que o casal não deve
dormir na mesma cama, a não ser quando é preciso copular. É por isso que existe
uma porta de comunicação entre os dois quartos, para que o marido possa visitar
sua esposa durante a noite, sem que precise recorrer ao corredor. É discreto e
prático — explicou por fim e, quanto a Rosaleen, estava de boca aberta, olhos
arregalados.
— E esse quarto? Há uma porta dessas para que você invada meu quarto
durante a madrugada e faça amor comigo? — Ficou de joelhos na cama e
colocou as mãos na cintura, fazendo graça.
Edmond colocou o prato dela ao lado da cama e a puxou para seu colo.
— Não, esposa. Este quarto é único e, por sorte, muito espaçoso. Tenho
certeza de que nos acomodará perfeitamente. Aos dois. — Circulou um mamilo
com o polegar, no mesmo instante em que posicionava Rosaleen com as pernas
abertas sobre seu joelho, para estimulá-la.
Graças a Deus!
Na manhã seguinte, quando Rosaleen acordou, o marido já não estava ao seu
lado.
Rosaleen estava feliz naquela manhã. Não só porque tivera uma noite
incrível, mas também porque começaria uma nova atividade. Cuidaria do jardim
do solar.
No dia anterior, ficara encantada com a beleza das rosas, mas também
percebera que precisavam de alguns cuidados. E ela, filha de jardineiro, sabia
exatamente o que fazer.
Depois de se lavar e vestir a roupa que a criada lhe deixara, Rosaleen desceu
as escadas cantando alegremente.
Quem?
Rosaleen sentiu uma pontada estranha na cabeça e, sabe-se lá por que motivo,
julgou ser um pressentimento.
— E você quem é?
Sorriu languidamente.
Com os lábios apertados em uma linha reta, Rosaleen a viu sumir de vista.
Não gostara dela e, se tinha algo em que Rosaleen podia confiar, era em sua
intuição, que, naquele momento, estava em vermelho.
AINDA PEQUENA, ROSALEEN APRENDERA COM o pai a cuidar das rosas. Aos
domingos, dias em que ele não trabalhava, pai e filha passavam horas em um
pequeno jardim de rosas vermelhas que fora cultivado atrás da cabana em que
viviam. Era pequeno, continha poucas flores, todas e cada uma mais especial que
a outra. A duquesa recordava que o pai sempre dizia que aquele pequeno jardim
era uma homenagem para a esposa, que naquela época já havia falecido há anos.
Não era necessário dizer o quanto fascinava a pequena menina deitar-se sobre a
grama fresca e ficar observando o balançar das pétalas e o esplendoroso tapete
que se formava ao chão quando o vento soprava forte. Aprendera, com muita
atenção, a adubar a terra, a podar os galhinhos que estavam secos. O pai ensinara
tudo com amor e ainda era assim que ela via aquele jardim magnífico de Le
Vente Solaire.
Ela respirou fundo o aroma que desprendia das flores com o ressonar do
vento frio que atingia seu rosto. Queria sorrir, abrir os braços e sentir-se livre,
como fazia quando criança, sonhar que estava voando acima das nuvens. Mas
não podia. Sentia-se mal. Estava angustiada. E o motivo estava dentro do solar
naquele momento.
Cristine.
A nova governanta.
Por que Stephen não havia contado sobre a tal mulher? Era direito de
Rosaleen, como esposa, saber e escolher quem seria a governanta, verdade?!
A jovem duquesa não tinha o hábito de julgar as pessoas sem antes conhecê-
las, porém, que os céus a perdoassem, ela realmente não gostara da tal mulher.
Havia algo, pode-se dizer que dentro de seu peito, que a levava a sentir uma
antipatia pela tal senhorita Cristine. Uma governanta que se vestia de vermelho?
Acreditava que não.
Rosaleen pegou uma rosa despetalada que caíra ao chão e franziu o cenho.
Algo havia mudado. Ela percebia agora que fora a primeira vez que pensara
naquela noite havia dias. E, também, não tivera pesadelos a respeito.
Ela sorriu.
Bom Deus! Estivera tão envolvida com o marido, tão feliz, que deixara
espontaneamente que sua alma se libertasse de tal medo, permitira mesmo sem
perceber que o passado se enterrasse e lhe permitisse viver.
Sim, era motivo para que ela sorrisse, para que se sentisse feliz. Oh, Deus,
realmente estava feliz. Faltavam, porém, apenas duas coisas; o amor de seu
marido e um bebê rosado com olhos iguais aos do pai.
Rosaleen deixou a mão roçar o próprio ventre. Será que já estava grávida?
Poderia, na noite passada, seu marido ter depositado sua semente dentro dela?
Ou, quem sabe... ela devesse tocar a flauta de Stephen? Será que isso ajudaria?
Se fosse pelo bebê, faria, com prazer.
Seu desejo por Rosaleen não abrandava. Ele pensava que sim, possuí-la
algumas vezes bastaria para aplacar toda aquela luxúria, porém era evidente que
o efeito havia se tornado contrário. Quanto mais fazia amor com Rosaleen, mais
a desejava. Era como o ópio em suas veias, inebriando-o e o fazendo pedir por
mais. E ele, fraco, sucumbia sempre aos encantos sensuais da esposa, que, como
o pecado, também se mostrara deleitosa ao descobrir quão prazeroso poderia ser
o ato carnal. Jamais Stephen imaginara que aquela jovem fosse tão infernalmente
quente; ao contrário, achava que ela fosse demorar a se soltar, pois sabia
exatamente o que tinha lhe acontecido e que isso deixara marcas profundas.
Stephen sabia também que as coisas não eram somente voltadas ao prazer de
se deitar com sua esposa. Havia problemas também. E um deles chamava-se
Cristine.
Recebera uma carta de Cristine ainda em Paris, ela pedindo
desesperadamente que a ajudasse, pois se encontrava sem posses e a um passo de
morar na rua. Stephen gostava dela, afinal, tinham um passado juntos e, ao que
parecia, um futuro também. A última vez que a vira fora assim que voltara para a
França, com o rosto enfaixado, escondido de todos. Apesar dos próprios
problemas, a jovem fora muito amável, oferecera-lhe ajuda, dissera que cuidaria
dele, pois eram irmãos. O duque obviamente não aceitara. A relação entre ambos
sempre fora muito conturbada, ele a conhecera ainda pequeno e a odiara logo no
primeiro contato. Anos mais tarde, voltaram a se encontrar, porém nunca
revelando à sociedade qual a verdadeira relação entre os dois. Se o fizesse,
possivelmente provocariam o maior escândalo possível.
Agora Cristine voltara, e Stephen, sem opção, tivera que a acolher em sua
casa como governanta. Não conseguira contar para a esposa sobre isso e,
provavelmente, naquele momento, as duas já haviam se encontrado. Ao menos
ele havia deixado muito claro para a mulher quem era Rosaleen e como deveria
se comportar diante dela.
Teve vontade de esmurrar a si mesmo. Não bastava uma mulher em sua vida,
agora tinha duas.
Qual seria a reação de Rosaleen diante de Cristine? E, pior ainda, o que diria
a ela?
Pensar em tudo isso o deixou irritado. Parecia que, depois de tantos anos
perdido nas sombras, Stephen tinha encontrado um ponto de luz ao qual se
agarrar, Rosaleen, mas, como sua vida sempre fora envolta na escuridão, naquele
momento estava sendo arrastado novamente para baixo. Confessaria
intimamente que sua esposa mudara muito sua vida desde que fora jogada na
porta de sua casa. Ela promovia nele uma mistura desconhecida de sentimentos.
Irritava-o, incendiava-o e o deslumbrava com sua doçura. Odiava sentir essa
mescla de emoções, pois isso o intimidava; jamais fora homem deixar se levar
por sentimentos e pouco se importava com o dos outros, principalmente das
mulheres. Usava-as e as descartava. Simples, fácil. Mas com Rosaleen não, não
podia.
Esporeou o cavalo até chegar ao início dos vinhedos, onde deixou o animal
amarrado em uma das estacas de madeira. Ignorou os trabalhadores que colhiam
as uvas, pareciam assustados pela aparência dele, e caminhou por entre as
parreiras, tentando colocar os pensamentos em ordem.
— Considera ter muita intimidade para se referir a meu marido pelo nome de
batismo? — perguntou, lançando um olhar inquisidor à mulher.
— Sirva o almoço. Não esperarei por meu marido — ordenou, mal olhando
quando Cristine saiu rodopiando as saias vermelhas para a cozinha.
Não era boba, sabia que era comum os maridos terem relacionamentos
extraconjugais. A maioria das esposas agradecia a Deus, uma vez que não
desfrutava das relações íntimas e nem amava os maridos, mas esse não era o
caso de Rosaleen. Esta amava o esposo e desfrutava muito quando faziam amor.
Então, não permitiria que ele colocasse a amante dentro de casa.
Stephen não aparecera para almoçar e isso servira apenas para inflamar a ira
de Rosaleen, que havia subido ao quarto para descansar, além de pensar. Ficara
trancada por horas, refletindo sobre o que fazer. Tinha saído até o corredor para
pedir chá a uma criada que passava com várias mantas de linho, quando
estranhou ver o quarto ao lado do que Stephen ocupava sendo varrido e limpo.
Perguntara à lavadeira o motivo da limpeza repentina, e a criada respondera
apenas que limpavam o quarto de Cristine.
A mulher dormiria ao lado de Stephen.
Voltara para seu quarto, para vestir um xale escuro e botas mais confortáveis.
Descera as escadas pulando os degraus e atravessara os salões sem dar atenção a
ninguém.
O rapaz, muito jovem, olhou para todos os lados procurando pelo patrão.
— Ele almoçou conosco, madame. Depois Cristine veio atrás dele, e os dois
caminharam em direção ao roseiral — explicou, totalmente sem jeito.
Sem falar mais nada, seguiu na direção indicada. Quase correu, porém
dignou-se a agir como a dama que era.
Como estava a poucos metros dos dois, levou a mão à boca para controlar os
soluços que se apossavam de sua garganta. Não queria que eles a vissem.
Virou-se para correr, mas, quando deu o segundo passo, seu vestido
enganchou-se nos espinhos de uma roseira, rasgando e a desequilibrando.
— Rosaleen — Stephen gritou, correndo até ela. Tinha ouvido algo se chocar
contra o chão, enquanto Cristine o tentava abraçar. Quando vira Rosaleen caída
no chão, fora fácil imaginar que ela tinha presenciado a cena.
— Você pagará por isso, Cristine — ele a alertou e então saiu correndo atrás
da esposa.
Rosaleen correu tanto, que, quando chegou ao seu quarto, não sentia mais as
pernas. Teve força somente para fechar a porta com a chave e se jogar na cama.
A pobre pouco teve tempo para se entregar às lágrimas, pois logo ouviu golpes
na porta.
— Se você não a abrir, eu irei derrubá-la. Você não vai gostar disso,
Rosaleen! — ameaçou Stephen.
— Quero que saia do meu quarto! — Apontou para a porta, que agora nada
mais era que um amontoado de madeira.
— Não procuro desculpas para assuntos que não são importantes neste
momento, Rosaleen. Voltaremos a falar sobre isso, tenha certeza. — Suspirou.
— Mas agora você precisa saber algumas coisas sobre Cristine.
Ela o fitou, os olhos vermelhos pelas lágrimas que escorriam por seu rosto.
— Como?
— É possível que ela tenha visto você e tentado fazer uma cena. O estilo de
vida de Cristine é muito... livre. — Ele estava tentando dizer que ela era uma
mulher da vida?
— Não.
— E quer dizer que eu rasguei meu vestido à toa, e você derrubou a porta do
meu quarto sem motivos? — perguntou timidamente.
— Você não poderá dormir aqui essa noite, esposa. Por isso a levarei para um
passeio, e passaremos a noite em um lugar especial. Aceita? — Rosaleen olhou
para a mão estendida em sua frente. — Mas devo adverti-la de que há uma
condição.
— Sim?
— Sim, eu irei.
CAMINHAR POR ENTRE AS ROSAS no frio da noite, de mãos dadas com o marido,
foi com certeza a sensação mais incrível que Rosaleen já sentira até então. Era
realmente difícil explicar, mas ela sabia que, enquanto percorriam o imenso
jardim, sob a lua prateada os iluminando, era como se Stephen a levasse para
conhecer um grande segredo. O modo como ele falara, instigara-a a segui-lo.
Era o que mais desejava, e ouvir aquilo a fez ter ainda mais certeza de que
teria o amor de Stephen. Sim, faria com que seu marido a amasse. Aproveitaria
aquela noite para desnudá-lo, revelar cada uma de suas feridas, e curá-las a
beijos.
Sorriu na escuridão.
Permitiu que Stephen a guiasse e, mesmo sem saber para onde iam, sentiu-se
segura, livre. O coração acelerado, as mãos suando dentro das luvas de pelica.
— Stephen?— chamou.
Stephen a conduziu até a entrada da casinha, abrindo a porta com a chave que
retirou do bolso do casaco. Entrou, inspecionou o local e depois fez com que
Rosaleen entrasse. Ela segurou o xale de lã nos ombros para se acostumar com a
temperatura dentro da casa. Era apenas um cômodo. Na parede à frente, havia
uma pequenina lareira de granito em que uma chama ardia sorrateira, mas
suficiente para aquecer a quem precisasse. Havia também duas cadeiras e uma
mesa, revestida por uma toalha branca de renda, e várias bandejas de comida,
além de uma garrafa de vinho.
Percebeu uma cama espaçosa encostada a uma parede; parecia ter sido
previamente escovada e limpa. Poderia...
— A que se refere?
— Estou falando sobre o ato carnal... Todos são tão ávidos quanto você,
marido?— a voz tremeu um pouco, constrangida pela ousadia.
— Temo não saber nada a respeito dos outros homens, mas posso assegurá-la,
minha adorável esposa — quebrou a distância entre os dois, deixando o corpo
bem próximo ao de Rosaleen —, de que minha avidez por você é infinita. —
Com a leveza de uma pluma, passou a ponta dos dedos pelo ombro descoberto
dela. — Eu poderia possuí-la durante noites sem fim e, mesmo assim, seria
necessária a eternidade para que eu me sentisse realmente satisfeito.
— Entendo — murmurou. Claro que entendia. Ficava cada vez mais nítida a
forma como Rosaleen vivera no passado. E isso o angustiava terrivelmente. —
Deixe que a bebida circule por sua boca, permita-se sentir o gosto adocicado.
Quando considerar o vinho muito forte, balance a taça devagar — instruiu.
— Apenas uma vez, carinho. Fazemos isso antes de bebermos pela primeira
vez. — Ingeriu mais um pedaço de carne e em seguida o pão.
— Não consigo acreditar que alguém consiga fazer amor uma noite inteira —
falou ao comer mais uma porção da comida.
— Levante-se. — Sua voz soou mais rouca e forte do que imaginava, mas ele
foi obedecido prontamente. Começou a desabotoar a frente do vestido dela
lentamente, deixando propositalmente que os dedos escorregassem pela pele da
esposa. Rosaleen tinha os olhos voltados para baixo e isso o desagradou.
Desejava contato, que ela o fitasse, sentisse as mesmas emoções que o
atravessavam. — Quero seus olhos nos meus a todo momento, Rosaleen. Não os
desvie.
Ela não faria. Era impossível. O olhar de Stephen era tão intenso, de um
verde quente e arrasador, que não lhe permitia focar qualquer outra coisa. Estava
presa neles.
Ele puxou o vestido para longe do corpo de Rosaleen e o deixou cair no chão.
Precisou se concentrar muito para que a silhueta arredondada dos seios não lhe
tirasse a razão; estava a ponto de jogá-la no chão e a possuir.
— Sim. — Sim, sim! Ela faria, mesmo que mal soubesse como e por onde
começar.
Rosaleen mal percebeu que o duque estava nu em sua frente, até que também
terminou de se despir. Finalmente conseguira — com muito afinco — tirar todas
as peças de roupas; naquele momento, sendo uma mulher que passaria todas as
noites nos braços do marido, já as considerava muito pouco práticas. Mas,
quando viu de relance o peito firme, a pele bronzeada e, mais para baixo..., a
enorme ereção de Stephen, teve uma grande certeza: fora abençoada pelos céus.
Naturalmente, ela sabia que não era muito decente encarar aquela parte da
anatomia masculina com tanta insistência, mas acontecia que novamente sua
curiosidade sobrepunha-se a qualquer coisa e... Santo Deus! Aquela peça
estranha do marido estava crescendo, bem ali, diante de seus olhos!
— Recorda que eu disse a você que se pode fazer amor em diversos lugares,
alguns inimagináveis?
— Sim.
Rosaleen, tão perto do êxtase, endureceu o corpo, a cabeça caindo para trás.
Ela, com o corpo inclinado para trás, os cabelos caindo nos ombros, os lábios
separados, os olhos fechados, exatamente como uma deusa pagã. Ele, imóvel
debaixo dela, com as mãos presas na pele de Rosaleen, a boca aberta em um
grito mudo, os olhos apertados atrás da máscara preta.
Rosaleen não suportou mais, esperou que ele saísse de seu interior e caiu nos
braços do marido, sendo abraçada em seguida.
O velho conhecido silêncio nublou sobre os dois. Mas não era incômodo. Era
tranquilo, o quarto envolto somente pelos estalos provocados pela madeira
queimando no fogo, as respirações se acalmando lentamente e, talvez, pudessem
até ouvir os corações voltando ao seu ritmo normal.
Estava gargalhando!
— Eu sei, mas teremos que fazer um esforço e suportá-la por algum tempo,
carinho. — Deslizou as pontas dos dedos pela coluna dela, provocando calafrios
deliciosos. — Cristine está grávida, Rosaleen.
— Mas, como...? — Ela ergueu os olhos para ele, perdida.
— Ora, você sabe muito bem. — Ele lhe dirigiu um olhar significativo.
— Tudo bem, sei o que está querendo dizer. — Ele suspirou. — Cristine teve
uma vida que deixaria uma dama chocada, Rosaleen. Até pouco tempo, estava
vivendo em um bordel, carinho. E, na última vez em que a encontrei, quando
voltei da batalha, ela era amante de um homem de posses. Nosso pai a
desamparou, e a mãe se foi, o que a fez seguir por esse caminho.
— Não, e me culpo por isso. Esse é o motivo pelo qual a estou ajudando
agora. Consciência, pode-se dizer — explicou.
— E o pai da criança?
— Acredito que será um pouco difícil, mas, afinal, quem resiste a sua doçura,
esposa? — Afagou o lábio dela.
O olhar de Rosaleen foi para o rosto dele e então ela teve um desejo
incontrolável de retirar a máscara.
— Não faça.
Ele negou.
— Não sou belo, Rosaleen. Deve saber que meu rosto é coberto por feridas e
que, sem esta máscara, eu me torno a Fera. — Fechou os olhos para evitar um
confronto.
— Esta aqui. — Dobrou o corpo e abaixou o rosto para mais perto daquela
região.
Ela tinha. Tanto, que não respondeu. Estava ocupada colocando em prática
tudo que aprendera.
Assim que Rosaleen concluiu sua perfeita apresentação de como tocar uma
flauta, Stephen a possuiu novamente. Dessa vez com mais ímpeto, mais
selvagem, ela debaixo dele, agarrada ao seu pescoço, gemendo palavras
incoerentes.
— Stephen, por que não o ouço falar sobre a batalha da qual participou? —
Rosaleen tomou coragem para perguntar.
A mão dele parou de correr por seus braços, e ela ouviu o coração do marido
acelerar.
— Desculpe-me, eu não...
— Desde muito cedo, fui treinado por meu pai para ser um homem de
verdade — começou. — Ele não permitia que eu me distraísse de minhas aulas,
que começaram logo cedo. As crianças das propriedades vizinhas brincavam
pelo campo, enquanto eu ficava trancado na biblioteca estudando números e
filosofia. Passava o dia todo assim. Nas horas livres, principalmente no final do
dia, meu pai me levava até o campo, onde me ensinava a agir como homem. —
Molhou os lábios, ressecados. — Imagine um menino franzino lutando contra
um homem alto, corpulento, que não tinha pena de bater, provar que um soco
podia doer muito. Foram anos dessa forma, recebendo chicotadas, torturas,
porque, segundo ele, a humilhação era a forma de construção do caráter de um
homem. Quando completei vinte anos, fui enviado para a Université, em Paris.
Estudei lá por anos. Quando voltei, meu pai havia comprado uma patente para
mim no exército.
— Meu pai morreu poucos meses antes de eu ser convocado para lutar junto
de Bonaparte. Por minha honra, eu fui. Foram os dias mais infernais da minha
vida. Posso ouvir os gritos todas as noites ao meu redor. Achamos que
venceríamos facilmente, mas eles estavam em maior número e nos aniquilaram
em pouco tempo. Amigos que conheci perderam suas cabeças, outros foram
capturados e torturados bem diante de nossos olhos. Confesso vergonhosamente
que, durante a noite, quando estávamos acampados atrás dos morros, ouvindo os
gemidos e os pedidos de ajuda a minha volta, eu queria chorar, queria voltar para
casa. Nessas horas eu apenas olhava para o céu e tentava esquecer a morte, a
fome e o desespero. Eu me imaginava em Bordeaux, cavalgando nos prados
verdes.
Rosaleen limpou as lágrimas que escorriam por seu rosto. Doía-lhe ouvir
tudo aquilo.
— Foi nessa noite que lutei pela última vez. Estávamos dormindo, esgotados
na terra fria, quando ouvimos o conhecido grito de guerra. Fomos atacados e,
como não tínhamos nossas armas à mão, a maioria morreu sem chance de lutar.
Eu tinha minha espada ao meu lado e, por isso, consegui me manter vivo, mas,
em contrapartida, meu rosto foi marcado. — Instintivamente tocou a máscara.
— E, depois de tudo, como pode não me odiar, mesmo sabendo que sou
inglesa?
Stephen tirou o cabelo que caía sobre o rosto dela, para vê-la melhor.
— Stephen?
— Sim?
— Eu amo você.
— MAMÃE! — O GAROTINHO DE OLHOS VERDES apareceu por entre as árvores,
correndo com os cabelos bem aparados balançado ao vento.
A mãe olhou para o céu, as nuvens acima de sua cabeça, e permitiu que
algumas lágrimas rolassem secretamente.
Uma semana mais tarde, Stephen retornou ao mesmo lugar onde estivera
com a mãe. Dessa vez estava sozinho.
Ele ergueu os olhos para a imensidão sobre sua cabeça e deixou que um
choro compulsivo o tomasse.
E ele não sabia como reagir, por isso ficou ali, como se o tempo tivesse
congelado, e os minutos, e segundos se tornado eternos.
Não fora algo premeditado dizer que o amava daquela forma. Acontecera, ela
se deixara levar pela emoção do momento. Porém não havia pensado que ele
reagiria daquele jeito.
Ainda a beijando, Stephen se colocou sobre ela. Suas mãos rumando por
direções já tão conhecidas do corpo da esposa. Agarrou-lhe um seio com força,
apertando o mamilo entre o indicador e o polegar.
— Não quero seu perdão. Quero seu amor, Rosaleen. — Ele soltou o mamilo
do cativeiro de seus dedos, para abocanhá-lo. Sugou avidamente, lambendo e
apertando-o entre os dentes.
— Não suporto mais, Stephen. Eu imploro, quero você. — Ela estava a ponto
de chorar de desejo, antecipação.
Deslizou os dedos pela lateral das pernas da esposa, vendo o efeito que
provocava nela. Introduziu os dedos em suas dobras, para descobrir quão
molhada ela se encontrava. Isso o deixou mais excitado do que já estava. Sua
bela e adorada esposa pronta para ele. Tentou-a, circulando lentamente o clitóris,
empurrando para frente e depois arrastando o dedo para sua abertura. Introduziu
o polegar dentro dela, sentindo-a se contrair ao seu redor.
Desesperadamente.
— Diga, Rosaleen. — Stephen rosnou no ouvido dela. Suas estocadas se
aprofundando ainda mais. — Diga que me ama. Eu preciso ouvir, fale para mim.
Mas gritou, disse bem alto e claro para que seu marido e quem mais pudesse
ouvir:
Stephen arremeteu dentro dela mais algumas vezes, até que sentiu como se o
mundo rodopiasse para fora de seu eixo. Derramou-se dentro dela e rolou para o
lado, levando-a para cima de seu corpo.
— Não a tratei como uma dama e como minha esposa merece. — O marido
segurou o rosto de Rosaleen entre as mãos e respirou fundo. — Perdi o controle.
— Quer dizer que minha tímida e recatada esposa gosta de sexo bruto? —
brincou ele, passando as mãos pelos seios dela.
— Está errada, Rosaleen. Todo marido espera que sua esposa seja disposta na
cama. Acredite, a ideia de que uma mulher deva ser insípida e que não desfrute
do leito conjugal é completamente insólita. Posso garantir que muitos homens
matariam para ter uma esposa que fosse tão apaixonada quanto você, carinho.
— Preciso ser sincera e dizer que milorde colabora muito para que eu
desfrute de tais momentos.
Stephen riu.
— Oh, olá, bom amigo. — Matthew sorriu para Stephen e depois meneou a
cabeça para Rosaleen. — Bom dia, milady.
— Pode me chamar por meu nome de batismo, Matthew. Já não somos mais
desconhecidos. — Ela ofereceu um sorriso gentil.
— Não tenho muita certeza se seu marido concorda com isso, milady. Mas,
como não me importo com o que Edmond diz, irei assentir com prazer a seu
pedido — Matthew disse sorridente, ao acariciar o cão em seu colo.
— Estou. Apenas sinto que meu estômago está alguns bons centímetros
maior. — Mordeu mais um biscoito e tomou um longo gole de chá em seguida.
— Deve ser o bebê. — Rosaleen cochichou por trás da xícara de chá que
havia servido a si mesma.
A cunhada não ouviu, porém seu marido sim, o que o fez trocar um sorriso
confidente com ela.
— Vejo que você e sua esposa não dormiram muito, porém não vou me
atentar a esse detalhe. — De repente, a expressão de Matthew mudou. — Estou
aqui para me despedir, Stephen. Estarei de partida para a Inglaterra dentro de
alguns dias.
— Como?
— Tenho uma dívida muito importante a ser cobrada e preciso fazê-lo o mais
depressa possível — explicou, dirigindo um olhar significativo a ele.
Stephen entendeu. Conhecia muito bem o amigo para saber a que ele se
referia. Conhecia-o tão bem quanto a um irmão.
— Se decidiu dessa forma, não me oporei. Mas saiba que, se precisar de
auxílio, basta me mandar uma missiva.
Matthew concordou.
— Quando me contou, anos atrás, sobre uma irmã, não imaginei que ela fosse
tão... interessante. — Olhou para a mulher com desaprovação.
— Ora, não faça essa cara, milorde — interviu Rosaleen. — Todos têm o
direito de se apaixonar.
— Muito. E, na verdade, estou mais surpreso por eles saberem que estamos
aqui. Fui bem claro ao dizer aos criados que não espalhassem a notícia a
ninguém.
— Por mais que eu não faça questão alguma de comparecer, será falta de
decoro deixar nossos vizinhos em falta. — Ah, mas como queria permanecer em
casa naquela noite, deleitando-se nos braços da esposa.
— Acompanhara-nos, Matthew?
— Sim, eu sei. Mas vou. Passei anos fugindo do passado e acredito que agora
seja a hora de enfrentá-lo.
Edmond estudou Matthew e percebeu que não havia nenhum traço de humor
no rosto dele. Seu amigo falava a sério.
— Sim, fez — admitiu.
— Você viveu a mesma vida que eu por vários anos, sabe muito bem que, ao
vagarmos entre os braços de damas, senhoras casadas, viúvas ou prostitutas,
estamos procurando algo que certamente não encontraremos nessas mulheres.
Você encontrou, Stephen. Por que acha que o levei a considerar a ideia de casar-
se com sua criada?
— Preciso ir.
Stephen riu e o puxou para um abraço. Eram como irmãos, sempre seriam,
não importava onde cada um estivesse.
— Cuide-se.
— Diga que a ama. Conte toda a verdade a ela. E seja feliz, Edmond — disse,
ao entrar no veículo e, com uma suave batida no teto, fê-lo começar a se mover.
Stephen ficou parado, observando o coche negro se afastar pela estrada de
pedra levando embora seu único amigo.
E não é que Lorde Cheeven poderia enfim dizer palavras que fizessem o
coração de alguém reconsiderar passado, presente e principalmente o futuro?
Bateram à porta a murros e, quando Rosaleen foi ver quem era, encontrou sua
querida cunhada parada junto ao batente, com seu longo — e decotado —
vestido vermelho. A loura carregava nas mãos uma bandeja com chá e bolinhos,
além de um pequeno vasinho com flores cor-de-rosa.
Ainda pouco convencida, a duquesa fez um gesto para que a outra entrasse no
quarto, fechando a porta em seguida.
Cristine deixou a bandeja sobre uma cômoda perto da cama e sentou em uma
cadeira de leitura que estava perto. Sem opção, Rosaleen fez o mesmo,
acomodando-se frente à cunhada.
— Cristine, não estou entendendo o motivo pelo qual você está aqui. Milorde
pediu que você viesse e dissesse tudo isso?
A mulher limpou as migalhas do canto dos lábios e encarou Rosaleen.
— Pode ser que ele tenha dito algo sobre, mas a ideia dessa conversa foi
absolutamente minha. — Deixou os ombros relaxarem, sua postura altiva caindo
por terra. — Vi a senhora no jardim e abracei milorde deliberadamente, para que
ficasse com ciúmes de mim. Não imaginei que as consequências de meu ato
fossem tomar aquela proporção. Quando vi que o duque saía correndo atrás da
senhora, percebi o meu erro.
— Stephen é meu irmão. Sou filha bastarda. Nosso pai foi amante de minha
mãe durante anos. E, apesar de parecer que não tenho sentimento algum por meu
irmão, eu o amo. Quando pedi ajuda a ele, fiquei sabendo que estava casado. E,
quando a vi, confesso que senti ciúmes. — Apertou uma mão na outra. —
Ciúmes e ódio porque eu estou grávida de um filho que nem ao menos tem pai, e
senhora tinha se casado com um homem bom, vivia em uma casa luxuosa, usava
vestidos belos... — Ela se interrompeu, as lágrimas caindo de seus olhos e
molhando seu vestido.
— Está tudo bem. — Claro que estava. Não podia odiar aquela mulher.
— Não sei o que fazer com o bebê. — Desabou, tapando o rosto com as
mãos.
Sem saber muito bem como proceder, Rosaleen levantou da cama e se
ajoelhou ao lado de Cristine, apoiando-se à cadeira.
Rosaleen sorriu.
— Você não fez nada que não pudesse ser consertado. E, acredite, já vivi
experiência semelhante. Entendo seu desespero.
— Esteve grávida?
Rosaleen negou. E foi então que começou a detalhar a Cristine toda sua
história, desde o momento em que o pai morrera, até o presente.
— Eu não imaginava que tivesse passado por tantas coisas — Cristine disse
ao final, quando já estavam mais calmas. — E, desde então, está casada com
Stephen. Você o ama, não é?! — acusou, com um sorriso brincalhão. — Aposto
que sim! Se não o amasse, não teria saído correndo entre as roseiras.
Rosaleen corou pelo tom da brincadeira da outra mulher.
— Seu irmão é incrivelmente fácil de ser amado, mesmo que ele não saiba
disso. — Fechou os olhos, recordando de alguns momentos junto do marido.
— Sim.
— Não é tão simples. Stephen passou por muitas coisas ruins e tem
dificuldade em revelar seus sentimentos.
Cristine bufou.
— O que está dizendo? Você também passou por muitas coisas e, mesmo
assim, consegue amá-lo — ralhou, agitada. Já estava de pé também, com a mão
distraidamente sobre o ventre.
— Curei-me com amor, com a bondade de Stephen para comigo. Criei forças
dentro de mim, acreditei que poderia continuar e simplesmente aconteceu; deixei
os pesadelos e o medo irem. Há momentos, quando as lembranças ameaçam
voltar, em que fecho meus olhos e recordo-me do quão feliz estou, como nunca
fui antes. Isso basta para que tudo aquilo não volte — falou, com a voz trêmula.
— Então o cure também, Rosaleen. Meu irmão precisa se livrar de seus
fantasmas. Somente você será capaz de libertá-lo. Só você, Rosaleen. Ajude-o,
eu imploro. Stephen merece ser feliz — suplicou Cristine, as lágrimas
novamente escorrendo por suas bochechas.
Com a mão sobre o peito, Rosaleen tentou respirar fundo. Cristine estava
certa. Deus, ela estava! Precisava ajudar Stephen, somente assim ele poderia
finalmente amá-la.
— Sei tocar a flauta de Stephen, e ele gosta muito que eu faça — gabou-se
orgulhosamente.
Ele logo a encontrou; estava parada no centro do salão azul, usava um vestido
de cor marfim, os cabelos presos por presilhas reluzentes em um coque apertado
e, sobre os ombros, um xale de seda branco. Quando o viu, ela sorriu
alegremente, enquanto Cristine, ao lado dela, dava-lhe... tapas em seu rosto!
— Como disse?
— Soube que as rotas para a América serão reforçadas com a compra de mais
dois navios por parte do governo. Pretendo enviar meus melhores vinhos mar
adentro — Morgan contou, rindo roucamente.
Stephen olhou para seu jogo de cartas e refletiu se deveria ou não ganhar o
jogo novamente. Fizera isso três vezes na última hora e agora não tinha certeza
se seria sensato.
— Essas rotas são arriscadas demais. Sem uma garantia de segurança, não
farei investimento algum — informou, ao espalhar a combinação das cartas
sobre a mesa, revelando por fim que ganhara novamente.
O outro homem jogou seu maço de cartas sobre a mesa e sorveu mais um
gole de vinho.
— Não. Há momentos em que prefiro usar de outras táticas que não sejam as
palavras — ele disse com a voz neutra.
— Ah, sim? Creio que eu não esteja familiarizada com essas tais táticas,
milorde. Poderia ser um bom marido e ensinar sua esposa como usá-las? —
murmurou, puxando o xale para longe do corpo, revelando o sutil decote.
Stephen gemeu.
Não respondeu.
Ela abriu os olhos arregalados para ele, que, mesmo com a pouca claridade
no interior do veículo, pôde ver a luxúria que vibrava nela.
— Diga que me ama, Rosaleen. Diga bem alto. — Stephen mordeu de leve o
pescoço dela, esperando pela resposta.
Ele a ouviu e isso foi sua perdição. Stephen arremeteu mais uma, duas vezes,
levando-a ao mais alto e sublime prazer, permitindo que ela se retorcesse sobre
suas pernas.
Ele veio pouco depois, gemendo, os olhos fechados, o suor escorrendo por
entre as aberturas da máscara.
Os dois estavam deitados, abraçados sob a sombra da árvore, onde dias antes
haviam feito amor pela primeira vez. Stephen segurava Rosaleen em seus
braços, os cabelos dela esparramados sobre seu peito, esbanjando um perfume
doce que o tranquilizava. Com ela ali, emaranhada em seu corpo, tudo parecia
perfeito.
— Sua irmã precisa de sua ajuda, Stephen — Rosaleen disse, sem rodeios.
— Eu o faço. Permiti que ela ficasse no solar e que pudesse ter a criança —
Stephen respondeu bruscamente. Seu humor alterara-se em segundos,
evidenciando o desagrado em tratar de tal assunto.
Rosaleen se moveu incômoda nos braços dele. Sem dizer nada, apoiou-se na
grama e sentou ao lado de Stephen. Ele permaneceu deitado, ainda a fitando.
— Não é justo que uma criança cresça sem mãe. Quero que o bebê de
Cristine nasça em um lar cheio de amor — sussurrou de cabeça baixa.
Aquilo era importante para Rosaleen e, mesmo ele não entendendo o motivo
disso, faria uma concessão à esposa.
Stephen nunca fugira de uma batalha, mantivera sempre sua honra lutando
até suas forças se extinguirem. Houvera momentos em que se colocara em luta
mesmo banhado em sangue, com a pele perfurada ou com um osso fraturado.
Porém julgava que a batalha que enfrentaria ali, naquele momento, poderia ser
difícil.
— Ouça-me, Cristine; estou aqui para falarmos de seu filho. Importa-se com
ele, não é?
Ela abriu a boca para dizer algo, mas se calou no mesmo instante.
— Passaram-se alguns dias até que sua carta chegou até mim. Onde você
ficou durante esse tempo?— Stephen perguntou, já prevendo a resposta.
— Eu sei, Cristine. Ei, olhe para mim. — Segurou a cabeça dela e a fez fitá-
lo. — Nada do que aconteceu importa de agora em diante. Eu a protegerei e a
manterei segura. Você e seu filho.
— Sua compaixão...
— Não é compaixão, Cristine. — Ele a interrompeu. — Somos irmãos, sou
mais velho que você e tenho a obrigação de cuidá-la. Algo que eu devia ter feito
há muito tempo. — Desviou o olhar, perturbado por tal constatação.
— Amaldiçoo nosso pai por ter-me feito odiá-lo. — Apertou uma mão na
outra, nervosa. — Lembro que, na primeira vez em que fui vê-lo, papai disse-me
que você era mau. E em todas as outras vezes que teve oportunidade, contou-me
as atrocidades que meu irmão havia cometido.
— Ele sempre manipulou todos ao seu redor. Não houve nenhuma pessoa
capaz de desafiar o poderoso duque. — Parou por um momento, refletindo. —
Eu gostaria de ter tido coragem para ser tal pessoa. Ficaria muito feliz em poder
matá-lo com minhas próprias mãos.
— Não diga tal coisa, Stephen! Acredito que nosso pai esteja neste momento
pagando por todos os seus pecados. — Olhou tristemente para o irmão. — Ele o
machucava, verdade? Recordo-me de algumas vezes, quando ele esteve em casa
jantando comigo e mamãe, em que se gabou da educação que estava impondo ao
filho. Suas palavras eram tão cheias de ódio que eu sentia um arrepio em minhas
costas. Mas papai dizia que o menino era mau e que precisava ser corrigido.
— Mudaste. Não vejo a mesma escuridão em seus olhos e nem dor. Ela o
mudou. — Sorriu.
— Estão casados. E ela o ama. Você a ama. Lamento sua pouca fé, querido
irmão. — Ela revirou os olhos, exasperada.
— Fique à vontade.
Stephen sorriu.
— Sim, você é alguém. É minha irmã. — Ele disse com a voz embargada.
Ela estava há duas horas sentada em uma cadeira de balanço em seu quarto,
envolvida com o minucioso trabalho que era produzir um minúsculo sapato.
Como não sabia se era menino ou menina, decidira fazê-lo branco, de maneira
que pudesse ser usado por qualquer um. Mesmo ainda sendo um tanto cedo para
começar a se preocupar com aquilo, Rosaleen quis adiantar, porque nunca havia
feito um sapatinho e pressentira que talvez levasse muitos meses para aprontá-lo.
Rosaleen, animada, seguiu o marido até o quarto dele, na verdade, dos dois,
pois agora ela também dormia ali.
Ela ruborizou.
— Quer fazer amor agora? — Não que não estivesse com desejo, mas fora
tão inesperado.
Stephen assentiu.
— Na noite em que você foi violada, eu estava acordado. Ouvi seus gritos,
mas julguei serem apenas alucinações, ou qualquer outra mulher. — Seus olhos
se voltaram para o chão. — Eu estava quebrado, não me importava com
qualquer ser no mundo. Ouvi os gritos, mas não a ajudei.
Os olhos encontraram-se.
Exaustos e suados, caíram sobre a cama, Stephen ainda dentro dela, pedindo
aos céus que sua semente crescesse ali dentro.
Mesmo assim, Rosaleen seguiu para seu passeio, carregando uma cesta de
vime repleta de frutas. Pretendia descansar em alguma sombra para comê-las.
Caminhava alegremente pela campina verde, Cookie correndo em círculos a seus
pés. Ela estava feliz, pois Stephen havia sido honesto, contado a verdade. E, que
Deus a perdoasse, estava feliz também por tudo que tinha acontecido.
Abriu a cesta para pegar o pedaço de pão que trouxera para o cãozinho e
sentiu uma enorme mão encobrir sua boca. Assustada, tentou golpear o estranho,
mas este a envolveu pela cintura e começou a arrastá-la.
Rosaleen, imobilizada, foi carregada entre as roseiras, sua pele sendo rasgada
pelos espinhos que cravavam em seu corpo.
Assim que entrou no solar, notou que havia algo diferente. No salão principal,
estavam os criados e Cristine, que chorava desesperadamente. Ele não avistou a
esposa.
— Stephen! — A irmã do duque correu para ele.
Rosaleen havia sido sequestrada e agora pediam uma grande quantia para
libertá-la.
Porém, isso já não importava mais. Sua única preocupação naquele momento
era trazê-la de volta ilesa.
Quando a noite caía, Stephen, Antuán, seu criado, e mais dois cocheiros
seguiram para o lugar da troca. Tratava-se de uma pequena casa de madeira.
Parecia abandonada e ficava próximo a um rio que margeava o povoado há
poucas léguas de Le Vente Solaire. O duque havia recolhido a quantia de
dinheiro exigida do cofre em sua biblioteca e, na verdade, mal notara se havia ou
não retirado mais do que o solicitado. Pouco se importava, afinal.
— Vocês ficarão aqui de guarda. Não sabemos em quantos eles estão, por
isso pretendo ir sozinho. Não devo colocar minha esposa em risco tentando algo
perigoso. — Conferiu o tambor de uma das pistolas e voltou a guardá-la sob a
capa.
Com um último olhar de aviso aos criados, Lorde Edmond seguiu o caminho
pela noite escura, com o corpo suando frio, as mãos tremendo. Rosaleen estava
perto. E, senhor, que eles não a tivessem machucado, porque certamente ele os
mataria sem qualquer resquício de piedade. Podia imaginar os mais terríveis
métodos de tortura a que submeteria aqueles animais. Claro, planejava matá-los
de qualquer forma.
E sabia também que, assim que tudo aquilo acabasse, levaria Rosaleen para
casa e a amaria loucamente, diria a ela que a amava.
Grande tolo! Por que demorara tanto em perceber o amor que sentia pela
esposa? Fora um tremendo covarde ao deixar que ela olhasse em seus olhos e
confessasse seu amor abertamente sem dizer nada em troca. Parecia que a vida
de Stephen resumia-se agora em uma sequência interminável de erros e
consequências desastrosas. Justo agora, no momento em que haviam
compreendido um ao outro e que ela o perdoara.
Sim, ele mataria cada um deles. Por vingança a Rosaleen e seu sofrimento.
Edmond chegou próximo à velha casa e espiou pela janela quebrada. Havia
pouca luz, apenas duas velas sustentadas por uma mesa próximo a uma cama.
E lá estava ela.
Stephen pensou que isso poderia ser uma vantagem, o fato de eles terem
ingerido álcool.
Fez como ordenavam no bilhete. Foi até a porta da frente e bateu duas vezes,
afastando-se alguns bons passos.
Ela ergueu o rosto, e seus olhos encontraram os dele. Havia desespero neles,
e isso atormentou Stephen, que necessitou de iluminação divina para não
cometer uma loucura.
— Moll, este é o homem que ficou com suas sobras? — um dos homens que
estava ainda bebendo perguntou, sorrindo, exibindo as várias falhas entre os
dentes.
Edmond moveu-se para ele, mas parou abruptamente ao sentir a pressão da
pistola em seu crânio.
O que o manteve firme foi o olhar assustado de Rosaleen sobre ele. A pobre
tinha o rosto coberto por lágrimas, em sua expressão se lia pânico. Stephen
queria dizer-lhe que ficaria tudo bem, que não sentisse medo; estava ali por ela e
logo tudo acabaria.
E foi nesse momento que Lorde Edmond deixou de agir com a razão e, com
uma força e agilidade que jamais imaginou ter, conseguiu agarrar a arma que o
homem apontava para ele. Deu dois passos para trás e mirou no peito do
oponente.
Não queria ver o que iria acontecer, porque temia pela vida de seu marido.
Fez somente o que conseguiu no momento; rezou.
Rosaleen estava desesperada, ouvia apenas os sons dos dois homens lutando,
murros e pancadas explodindo pelo ar. Percebeu, porém, quando um gemido de
dor ecoou. Abriu os olhos de repente, o coração aos pulos, com medo de saber
quem fora ferido.
Apertou a faca na mão e caminhou em direção aos dois homens que restaram.
Um deles, em pânico, tentou puxar o gatilho da arma, mas acabou deixando-a
cair. Stephen viu a oportunidade e, em um golpe, desferiu a faca contra o
estômago do sujeito. Este caiu de joelhos, as mãos tentando estancar o sangue.
O outro homem, o mais baixo, empurrou Rosaleen para o lado e avançou para
Stephen, golpeando-o no queixo; sabia que, se disparasse a arma, o fogo os
consumiria. Edmond revidou, lançando-o ao chão e se colocando sobre ele,
socando-o no rosto e o sufocando.
Edmond soltou o homem já morto e agarrou Rosaleen nos braços. Olhou para
todos os lados e viu que o fogo consumia a única janela da casa, pela qual já não
poderiam passar. Restava apenas a porta rodeada pelas chamas. No lado de fora,
viu os criados, desesperados, balançando os braços.
Stephen apertou a esposa entre os braços e pediu a Deus para que desse uma
chance aos dois.
Desviou-se dos objetos jogados no chão e dos corpos, chegando mais perto
das chamas. O calor era insuportável, e sua pele já começava a arder
terrivelmente. Mas precisava salvar Rosaleen.
Caminhou mais alguns metros para longe do fogo e caiu de joelhos com a
esposa ainda em seus braços.
— Ficará tudo bem, Stephen. Você vai ficar bem, eu garanto, meu amor. —
Beijou os lábios machucados do marido e fechou os olhos, enquanto o coche
corria pelas estradas, Rosaleen pedindo à vida somente mais uma chance.
ROSALEEN PASSOU PELA ENTRADA DO solar, abrindo caminho para Stephen, que
era carregado pelos criados.
— Cristine, diga aos criados que consigam unguento ou qualquer outra coisa
que possa ser usada nas queimaduras — a duquesa ordenou.
— Pois não, madame. — Antuán dirigiu um último olhar de pesar ao seu amo
e saiu do quarto junto dos outros homens.
Por quê? Estava tudo perfeitamente bem entre os dois. Ela sabia que ele a
amava e que poderiam ter um lindo futuro juntos. Por que a vida era tão cruel?
Pela manhã, quando os primeiros raios de sol entravam através das cortinas,
Rosaleen ainda estava ao lado de Edmond, tinham suas mãos unidas, tornando-
os apenas um. Aquela ligação dera-lhe força durante a noite silenciosa.
— Por favor, doutor, Stephen não acorda. Não sei o que fazer, ele teve alguns
espasmos durante a noite e eu...
— Tudo bem, fique, mas, por favor, mantenha-se afastada durante os exames
— concedeu.
Assim que ele terminou o trabalho, Rosaleen, não suportando mais ficar
sentada apenas observando, levantou para ir até o marido. Porém, nos primeiros
passos, foi abatida por uma forte tontura, que a fez cambalear, quase indo ao
chão.
— São leves e não terão maiores problemas. Basta que aplique a pomada três
vezes ao dia e que troque as bandagens com frequência.
— Por que ele não acorda, doutor? — perguntou, sua garganta se fechando.
Lorde Edmond permaneceu inconsciente por quatro dias, todos passados com
Rosaleen ao seu lado.
— Você precisa acordar, Stephen. Precisa voltar para mim, para nosso filho
— sussurrou.
Ele podia ouvi-la, ela sabia disso. Acreditava com sua alma nisso.
— Ele terá muito orgulho de você, meu amor. Como poderia ser diferente?
Será filho de um homem honrado, honesto e de bom coração. Um homem que
não mede esforços para proteger a quem ama. — Seu choro tornou-se
compulsivo, Rosaleen estava perdendo o controle. — Eu o amo tanto, Stephen.
Por favor, volte para mim, meu amor, por favor. — Apertou a mão dele e a pôs
sobre a própria bochecha.
— Como se sente?
— Água — murmurou.
Rosaleen levantou da cama e correu para encher um copo com a água do jarro
de porcelana.
— Mais?
Ele negou.
— Estou bem. — Rosaleen apertou uma mão na outra. — Você dormiu por
quatro dias. Achei que iria me deixar — confessou de cabeça baixa.
Stephen sentiu uma dor latejante no peito. Não era nada físico, tratava-se de
uma reação ao imaginar o sofrimento da esposa durante todos aqueles dias. Ele
pouco se recordava dos sonhos que tivera durante a inconsciência, havia apenas
algumas lembranças auditivas; preces, soluços e, vez ou outra, uma voz que
clamava por sua volta. Tudo era negro, não havia nada e nem dor em sua mente
no tempo em que dormira. Fora pacífico.
— Da forma como fala, parece que se passaram meses. Aliás, estou enganado
ou sua barriga está bem maior? Vejo-a redonda... — brincou ele.
— Fizemos amor tantas vezes que agora compreendo o motivo pelo qual a
população está aumentando tanto. — Ela deu uma risadinha.
Rosaleen não tinha certeza sobre a natureza do gesto, mas julgava que
provavelmente o marido estivesse agradecendo aos céus o filho que crescia
dentro dela.
Apesar de Stephen exigir que o deixassem sair da cama, sua esposa e Cristine
só lhe permitiram fazê-lo no quinto dia, quando fora conduzido para o salão da
ala direita e entretido com jogos de xadrez e leitura de poemas enfadonhos.
Fora esse anjo, sua Rosaleen, quem o ensinara, da forma mais doce, que
nenhum ser humano deve ser julgado por sua aparência e que todos são dignos
de amor. O amor é capaz de curar qualquer ferida, é capaz de abrandar os
corações mais empedernidos e fazer florescer a vida onde há somente tristeza,
rancor e dor.
Rosaleen — com sua simplicidade — conseguira revelar a melhor parte de
Lorde Edmond. Fizera com que ele se abrisse para o mundo.
— Tem?
— Sei que achou que havia perdido sua aliança — ele começou.
— Sim?
— Há coisas incríveis que grávidas podem fazer, meu amor. Posso lhe
ensinar?
Moira entrou no cômodo carregando uma bandeja de chá, que deixou sobre a
mesa de centro. Serviu os patrões e, com um sorriso animado, deslizou para fora
do salão. Quando o duque e a duquesa voltaram para a casa em Bordeaux, cerca
de dois meses atrás, encontraram os dois criados em uma situação um tanto
quanto fora do comum. Depois de um pedido de casamento emocionado de Ned,
Moira e o amado casaram-se, concretizando um amor que, segundo os dois,
crescera e multiplicara-se em todos os anos passados juntos.
— Há algo que eu gostaria de contar-lhes. — Cristine deixou a filha sentada
sobre uma almofada perto de Cookie, que agora já não era apenas um filhote e
que, para desgosto de Stephen, ostentava tamanho semelhante ao de um potro.
Cristine riu.
Cristine suspirou.
Sabia que a reação do irmão seria aquela. Na verdade, desejava que ele
reagisse daquele jeito, porque de certa forma gostava do jeito protetor de
Stephen com ela. Desde que Cassandra nascera, a relação dos dois tornara-se
especial. Eram verdadeiros irmãos, como deveriam ter sido há muito tempo.
— Diga-me, Cristine: isso a fará feliz? — Stephen fitou a irmã com um olhar
preocupado.
— Eu adoraria.
Stephen deixou a cadeira que ocupava e foi até a esposa. Ele não usava mais
a máscara, esta ficara perdida desde a noite do incêndio, e ele já pouco se
recordava do objeto. Agora, homem livre como era, andava tranquilamente pelas
ruas de Bordeaux, onde todos os passantes que o encontravam lhe dirigiam um
olhar de admiração, de respeito, porque a Fera de Bordeaux havia se
transformado no antigo Lorde Edmond, o duque de Caston.
— É o que todos passam a vida procurando, não? — Rosaleen sorriu para ele.
— Oh, Stephen, eu o amo tanto!— Ela se atirou nos braços dele, emocionada
por ouvir tais palavras.
Gostaria tanto de ter o amigo Matthew ali naquele momento. Este dissera que
Rosaleen era a mulher perfeita para o duque, e Edmond precisava dar-lhe a
razão, dizer-lhe que estivera certo desde o começo. Sim, ela era perfeita para ele.
Desde que o amigo partira para a Inglaterra, há mais de um ano, não recebera
mais notícias suas, e isso o preocupava. Porém sabia que Lorde Cheeven era
forte, astuto e que daria tudo certo.
Rosaleen sorriu.
STEPHEN REUNIU-SE COM ROSALEEN NO quarto ducal. Pedira que Moira cuidasse
da pequena Lilian para que ele pudesse conversar em particular com a esposa.
Era uma noite quente de verão, e a duquesa estava apreensiva desde o momento
em que o marido pedira-lhe, durante o jantar, que subissem ao quarto mais tarde.
Estavam ali agora, e a ansiedade da lady só aumentava.
Stephen sorriu.
Ela concordou.
— Sim, ouça-me, carinho. — Stephen olhou nos belos olhos da esposa antes
de continuar. — Encontrei-me ontem com esse homem, e ele contou-me que sua
mãe era uma dama inglesa, filha de um dos homens mais importantes de
Londres, um banqueiro, possivelmente.
— O quê?
— Foi o que ouviu, Rosaleen. Sua mãe era uma lady da alta sociedade
inglesa, pelo que o investigador descobriu, uma das mais belas e desejadas nas
temporadas em que participou — contou Stephen.
Stephen sorriu.
— Oh, meu Deus! — Rosaleen tapou a boca com as mãos, aturdida com a
descoberta.
— Sua mãe deixou tudo para trás, abdicou de todo o dinheiro que possuía,
todo o luxo, somente para viver com seu pai — continuou Edmond. — Fiz mal
em lhe contar?
— Receio que seus parentes sejam apenas alguns tios, irmãos de sua mãe,
carinho. O investigador entrou em contato com eles e tentou explicar sobre sua
existência, mas... não quiseram ouvi-lo. Possivelmente, a atitude de sua mãe
tenha provocado um pouco de mágoa entre a família.
— Eu sinto muito.