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Pe eee adaptagde continua das edades a ele, Veieulo que parece, eg ‘agio urban. Pa eee eee arn ete eee ee Peer Ee ee eC re econ eee er ete ot eee Un livtofascinante que nos possbiltaanteero futuro AW i ix@ rat iN Gu NE 3 oi Oh i: CoRR ee): lo ea Deena Gabriel Dupuy. Antigo aluno da cole Centrale de Paris, doutorado om Letras Citneias Humanas, professor na Universt- fdade de Paris X-Nanterre wna Reole Nationale des Ponts et (Chaussées, Gabriel Dupuy é director do Instituto de Urbanismo de Pars e coordenaclor de curso na Hoole Nationale des Ponts Chaussées. Actualmente dizigeo Programme interdisciplinaire de Recherche sur les Ville (PIR-Vills) do CNRS. Os seus tsbalhos tin como abjecto de eatudo as eidades, 0 reordenamento © 0% tranaportes, Clow e animou o grupo de investigacto «Réseatnor, expecializado no estudo das relagbes entre os meos de communi ‘apd eos teritselos GABRIEL DUPUY © AUTOMOVEL “ial sg GanscDapay Coleco sb directo de Antnio Ollela Cru coe coset “Remain 198 Colcton DOMINOS ned por Mona Sees Nay Frou IRHTUTO MING, A ote Ute Sotcomeniceeimrento ries Mana a FL Dente 8 ‘Nena parte dat ula a ess tipo {lin famosa mes fog, in > toveagte peivia¢ ena doen Prefacio PoPULACAO mundial eoncentra-se nas cidades. No inicio do iltimo século, os seus habitartes Indo representavam nauito mais do que 3 por cento da ‘populacto total do globo. Em 1994, a populagio urbana constitui 45 por cento da populacio mundial. Ainda que a Franca nao esteja & cabeca do movimento de urbanizagio, a sua taxt de populagio urbana, que era de 46 por cento em vésperas da Primeira Guerra ‘Mundial, atingiu 74 por cento em 1990. ‘Ao mesmo tempo, a motorizacao aumentou, fam- bém ela, de forma espectacular. Fis 1907, a Franga contava poiico mais do que 40000 automéveis. Hoje, © pargue automével francés ultrapassa os 24 milhdes de vetculos, ou seja, 425 por cada mil habitantes, Num mundo que praticamente nao conhecia 0 automével no final do século passado, ver-se-4 circular no ano 2000 quinkentos mithdes de auto- mébveis! Este parallismo com dias tendéncias,urhanizagao ¢ motorizacao, € preocupante. As cdaies remem ¢ aglomeram urna parte eresconte,e em breve muri ria da populagio humana. longa de sia histri, os homens munca estiveram: to présimas uns dos outros. Endo por que ranto tem ees uma necessidade conse nivel dle meios de transporte, incomparocs ent mimero «em desempent com o que exist outro? Ent, oe vivem ead vez mais agrupades, por que rao adop- tay eles preferenciatmente wma forma individual de se dleslcarem em vez de wma coleciea, por exemple ferro ‘ria? Por fi, tat como ff sina, hd wm quarto de século, Alfred Saxeoymasm panfletoretumante, por que motivo ter escola o eiclo automéeel que parce ser 0 menos indica, 0 menos adaplado® cidade? Certamente que podemos dar uma eambinnte ao assunto. A trbanizagio € muito anterior ao advent e, sobretudo, a generaisacao do automévcl. Durante 150 anos, até ao primeiro quarto do século XX, 1 concentrago ura fesse praticamente sem cares. Quando a tecnologia automével surgi, servi ‘ris filers. O tractor faites otrabalo dos cam ones. carrera leona as pessons pars as cidades € voltae a trails para o campo, O autora trans portaoa-as nas zonas urbanas. © camo permitia 0 transporte das mercadorias¢ as entregas.'A motaci- cleta estava bem adaptada ds ligacdes individuais ripidas. A nao é verficada em: todas as cidades do mundo. A equacdo contréria ec ceee 10 ago» admite numerosas excepebes. As relagdes entre densidade das cidades, distancias e motorizagio sia complexas. Outros elementos interferem na relagiio urbanizagao/motorizacio, O carro vulgar s6 pode circular nas estradas, dat que encontre com mais frequéncia na cidade um ambiente fuvorieel, desde que a saturagto do espace ilo venha limitar a sua cireulagto nem o seu estacio~ ‘namento. A rigueza favorece igualmente 0 acess0 a0 ‘automével, Durante muito tempo, esta concentrow-se nas cidades,.. enquanto 08 ricos af se sentiram em casa. A complexidade da anilise parece ter desencoraja- do observadores e executantes. Nomeadamente em Franga, 0 andétema substituiu com frequéncia 0 estudo Inborioso dos factos. Opunha-se facilmente as virtu- des de uma cidade ideal aos malejicios de um automé- vel invasor. Atribuia-ze ao lobby do automével sm poder absoluto. Preconizavam-se medidas enérgicas de desencorajamento do automével na cidade, ow até mesmo de banimento. Fustigaoam-se os «politicos pela sua falta de coragem. Este défice de andlise sobre as relagses entre a cidade © 0 automével fem, entre outras, duas eausas. Por un lado, 0 recuo hist6vico era, sem dtivida, insu {ficiente para se poder ter um olhar sereno sobre {fertGmenos que a Eranga estava a viver © que acom- panhavam grandes perturbacdes da sociedade: indus- trializagao e depois terciarizapio da economia, moder- nnizagio dos costumes. A este respeito, a comparagio ‘com os Estados Unidos, mais urbanizados mais cedo motorizados, é elucidation. A questio do automével Reet eeeaaea ee teees cece eee saesee anaes Indo, faltooam sem diva nos perites franceses pon tos de comparagao com paises estrangeiros, para 1d dos eslerebtipos sobre abicileta, panacein do conges- fionamento nas cidades holandesas, ou sobre a famosa condugae «nervosa» dos autamobilstas italian. Apesar da publicagto de wtrias obras recentes, 0 ‘egutooco nio se dissipou completamente. Muitos con: tinuam a imaginar wm regresso 2 cidade de ourora, _gracas a wma vitéria sobre 0 lobby rodavidro, Este tem os seus arautos, como Christian Gérondeau, pre- sidente da Unido Redovidria, que se insurge contra 2 Jalsificagi... dos nitmeros, dos edleulos ¢ dos argu- ‘mentas, densnciando 0 lobty do transporte priblico. Fate pequeno livvo quer-se mais sereno. Perante a multiplicidade das implicagbes, a imbricagio dos fac- tores,abora sent a priori a dificil questao do lugar do automével nas cidades. As intimeras facetas do problema exigem uma abordagens interdisciplinar E por isso que no que 30 segue tentamos fazer com gue 0 debate seja claro, conjugando contributes variados: historia, geografia, economia, ecologia, mas fahém tecnologia e polttica. Numa segunda parte, livro prope, de um ponto de vista mais prospectvo, tragar as linhas de forca de uma evolugao provével, sendo NOTA. — Quando um terme téenico, que ests expictado no glossério, surge pela primelra vez, @aasi- nalado por un to comrade aoe propacto pela relaro Buchanan, a prt de 19 A cidade tomou a dianteira Saami Historia do nicho original ao terminal urbano uistOWA informa-nos de que o automével nasceu na cidade. Em 1880, os inventores alemaes Benz e Daimler criam motores de com- bustao interna. A invencio é retomada por volta de 1890 pelos industriais franceses Panhard, Levassor e Peugeot. Tendo Benz, entretanto, desenvolvido a sua propria produgdo, em 1895, a Franca e a Alemanha estavam sensivelmente no mesmo pé de igualdade: nesse ano, 135 car- ros produzidos na Alemanha contra 134 em Franca, O periodo seguinte, até cerca de 1908, conhece um desenvolvimento notivel da indtis- tria e das vendas de automéveis. A partir de entdo, a Franca ¢ a Alemanha jé no estao sozi- nhas neste mercado recente. Na Europa, pro- dugGes britdnicas e italianas juntam-se as dos sioneiros alemies e franceses, mas io sobretudo: 4s 16 0 Estados Unidos que desenvolvem uma verdadeira indiistria automével. Para além dos paises produtores, as estendem-se & Bélgica, ao Canad, ete, Em 1907, em Franga, conta-se um carro por cada 981 habitantes, na Gra-Bretanha um carro por cada 640 habitantes € nos Estados Unidos um carro por cada 608 habitantes, ‘Um nascimento urbano frentéo evidente que as cidades constituem 0 ambiente favoravel, 0 «nicho» desta inovagao bem sucedida, Existem para isto tts razes fur damentaia ‘Tendo em conta as caracteristicas do auto mével nos seus primérdios, este surge como tum consumo de grande luxo, reservado a uma ppequena elite de pessoas abastadas. Com efcito, fabricado por medida, 0 vetculo é bastante caro no acto da compra. Também tem uma manu tencio extremamente dispendiosa: esta-se ainda muito longe da fiabilidade dos carros actuais. © automével da época 36 circula gracas 8 frequentes afinagies e a insimeras reparagies que € preciso poder pagar. Finalmente, press poe tempo livre tanto paca a sua utilizagio como para a sa manutencio. Pode, é certo, recorrer-se a um motorista que assegure a condugao ¢ a manutengao, A despesa aumenta yes ntela para um semelhante bem de luxo encontra-se majoritariamente na cidade. Burgue- ses seduzidos, capitalistas abastados e disponi- veis, elementos de profissdes liberais, sto justa- mente os primeitos compradores de automéveis, Habitam nas cidades, mesmo que possuam uma habitagio tempordria no campo. ‘A sua fraquissima autonomia contribul tam- bém para o estabelecimento dos automéveis nas cidades: sido necessArias oficinas, garagens, entrepostos de lubrificantes e de carburantes. No inicio, 0 mereado nao justifica a implantagio de oficinas especificas, de estaches de sexvigo. S30 carpinteiros de carros, serralheiros, pequenas oficinas de construgSes mecénicas especializadas no fabrico e na reparacio das bicicletas que asseguram a manutencao dos primeizos vetculos automéveis. A gasolina e o éleo sao vendidos pelos droguistas. As competéncias téenicas e a infra-estrutura comercial, necessarias nesta pré- -hist6ria do automével, encontram-se nas zonas urbanas, que, no inicio, 0 automobilista quase nilo ousa deixar, excepto no quadro de corridas onganizadas que prevejam reparagies, alojamento e abastecimento na estrada, ‘A questio dos pavimentos ¢ igualmente importante e retém frequentemente os primeizos automobilistas na cidade, Tendo em conta as sus pensées da época, a auséncia de pneumé- Hcos, a fragilidade dos seus érgaos vitais, 0 automével exige que se ande em pavimentos revestidos, bastante lisos, em estradas cujas incli- SRRRARiaaRenaanatatcasseustscsseseseaeasasiss "7 48 todas as cidades dispdem de uma rede de ruas que correspondam a estas caracteristicas, Con tudo, as grandes cidades, sobretudo na Europa, beneficiaram anteriormente com melhoramentos dos pavimentos, revestimentos em ealgada, rectif- cagdes de tragados, alargamentos de Tuas e com construgdes de novas avenidas. Sobretudo em Franga, as realizagdes haussmanianas favoreceram virias grandes cidades, Paris em primeiro lugar, com avenidas notiveis e bulevares particulanmente adapiados ao tréfego automével. Num primeira tempo, 0s pavimentos urbanos constituirio uma base de circulagao ideal para as pessoas se habi- tuarem a condurir wetculos eaprichosos e figs, Por estas razées, tal como os historiadores 0 demonstraram, no inicio do século xx a cidade concentrava © parque automével. Em 1904, a Franca urbana (@ dos departamentos que com: portam mais de 45 por cento da populagao turbana) reunia 63 por cento destes veiculos. Inovagio com éxito, © automével chega ae campo. Mas as caracteristicas dos automéveis produzidos pela incistria francesa, e sobretudo 0 seu prego, limitam a difusso rural as pessoas importantes da regio. O seu arquétipo é 0 médico de provincia obrigado a percorrer as estradas para ir ver os seus doentes. A esta clientela junta se a dos viajantes profissionais, representantes do comércio, por exemplo. Este mercado fica rapidamente saturado e o erescimento do parque faz-se novamente nas cidades, com uma difusso a partir dos enormes centros urbanos como Patis e Lido para cidades de menor dimensio. O carro em grande série A evolustio americana distingue-se claramente da evolucio francesa e, de forma mais geral, das, tendéncias europeias. Enquanto na Europa a industrializagio do automével progride lentamente devido a tradigio dos automéveis Quantos carros é preciso vender para rentabi- lizar a dezena de milhar de milhoes de francos que irreversivelmente envolve o langamento de um novo modelo por parte de um construtor? Num impiedoso universo de concorréncia, a res- posta concreta para esta questéo é um segredo ciosamente guardado por cada marca! Através de recolhas feitas, émo entanto possivel cifrar em algumas centenas de milhar de exemplares 0 patamar de rentabilidade. Quando a Volkswagen vende mais de dez milhées de exemplares do Carocha, estamos a falar de milagre e de lueros prodigiosos. Quando a industria automével indiana tenta fabricar carros para um mercado até entio limitado a 200000 compradores, passa por reais dificultlades para iniciar a rentabi lizagéo econémica. Por fim, quando um cons- trutor japonés lanca no mercado europeu um. modelo especffico que apenas vende alguns milhares de exemplares as perdas sio considers veis — muitas vezes compensadas, é certo, neste caso pelo éxito de outras modelos. A lei do mer- cado 6, pois, muito dura para com os industriais, uma vez que o simples equilibrio passa pelas grandes séries. $6 6 moderada por boas politicas de egamas» que conduzem progressivamente a clientela dos modelos de base para modelos topo de gama» mais rentveis para 0 construtor. A organizagao da produgio «a japonesa» auto- riza uma certa diversificagao das opgdes ¢ uma baixa de custos. Nao poe em causa a necessidade das grandes séries para um determinado modelo. to Fatas imposig6es econémicas esclarecem 0 ristério da auséncia, nas nossas cidades, do ver dadeiro veiculo urbano, carro particularmente adaptado as exigéncias da cidade e is necessida- des dos citadinos. De facto, uma vez que verli- camos desde hi décadas que 0 automével con- gestiona as artérias urbanas, que precisa de espaco para estacionar, que polui as ruas ¢ 0 espago trbano, por que & que no se fabricam veiculos especiais, com poténeia e velocidade reduzidas, que incomodassem pouco, mais limpos, menos barulhentos..2 Enquanto os mercados urbanos no se mos traram suficientes, a grande indistria automével rifo se langou nisso. Nos Estados Unidos, foi apenas no final dos anos 60 que os modelos foram concebidos em funcéo de um mercado tornado urbano ou, antes, suburbano. Na Europa, 4 produgio automével teve em linha de conta a exigéncia de multimotorizagio dos lares antes de reconhecer a necessidade do veiculo de cidade Desde o pés-guerra que razGes geograficas, evocadas anteriormente, advogavam veiculos com dupla fungao: a0 mesmo tempo urbana turistica, o seu monopélio, Na maior parte de um espaco urbano desenvol- vido e alargado, a vida sem carro tornar-se-4 imposstvel ‘Uma oportunidade para veiculos urbanos Estas perspectivas sombrias podem ser modi ficadas em dois pontos. Por um lado, no que diz respeito ao congestionamento, as tendéncias evocadas anteriormente poderiam levar a uma melhor utilizagio do tempo e do espace da cidade. As possibilidades que se oferecem aos individuos motorizados de melhor repartirem, no tempo € no espago, as suas actividades e as suas deslocagoes poderiam contribuir para uma evolugio favoravel. Novas teenologias de infor- magio e de comunicacio a bordo, no domi nos locais das suas varias actividades, faci riam estas distribuigbes. As actuais investigagdes ¢ experimentagées em relagSo ao transporte inte- ligente deveriam um dia dar os seus frutos. No centanto, perante um movimento de individuali- zacao irreprimivel, os sistemas teenolégicos deverio permitir uma informagio e uma com nicagio no padronizadas, mas personalizadas Mais seguramente do que os painéis com mensa~ gens variadas, 0 desenvolvimento fulminante do telefone mével, apés 0 éxito do Mintel, da CB do auto-ridio, indica o eaminho a seguir. Por outro lado, a multimotorizagio volta a por em questdo a tecnologia automével. Segundo estatisticas europeias, o segundo carro circula menos do que o primeiro. f utilizado sobretudo para ir as compras e transportar as eriancas. Se confrontarmos estes cados com as tendéncias, anteriormente evocadas, da recomposigio do espaso urbano, ha que concluir que os veiculos suplementares poderiam eontentar-se com desempenhos muito inferiores aos do actual automével «de gama baixay. Serio concebiveis vefculos periurbanos especificos com um curto raio de acco, com uma pequena capacidade, om pouco peso, com uma velocicade reduzida? Construtores europeus, japoneses e americanos trabalham em novos conceites, tal como a Lea ‘Machine, veiculo ligeixo proposto pela primeira vex em 1982 pela General Motors, no ambito do 1B, sigla de Citizen's Band, que significa banda de fre- qunclas (edi) colocada a disposigoo do pablico (oome. Adamente dos automobilistas) para exploracem diversas ‘comunicasbes de xddio, (9.7) parque de divers6es Disneylindia, Mas pode- mos ir mais longe e imaginar que triciclos com motor, ou scooter, substituem os actuais segun- dos carros. Ou mesmo por que razdo, numa cidade profundamente transformada, as Moby- lette e bicicletas aperfeicoadas nao poderiam substituir os segundos, terceiros ou quartos car- x08 em deslocagbes locals? Os vefculos de duas rodas tém, em Franca, uma imagem deplordvel. Apesar de tudo, um inguérito realizada recente- mente aos alunos do 10." ano, no Rédano, indica que 60 por cento utiliza os veiculos de duas rodas em algumas das suas deslocagées. Compa- rem-se estas préticas com a utilizagao muito fre- quente da bicicleta na Alemanha, na Holanda no Japao. O regresso dos veiculos de duas rodas nao depende nem do militantismo ecolégico nem da utopia retrégrada. A «automobilidaden individual, nas cidades do futuro, implica sem Gtivida uma tal evolugio. O automével eo meio urbano: uma nova reparticaéo do poder AS europea, herdeira de uma longa historia, nao tinha sido construida a pensar no automével. Compreendemos que nume- rosas vozes se tenham clevado, quando 0 auto- mével iniciou a sua ascensio, para lamentar ou denuneiar os danos causados a0 meio urbano, a0 patriménio, a paisagem das cidades. Em grande parte, as advertoncias feitas por um Lewis Mumford, por um Colin Buchanan, por um Alfred Sauvy, foram ouvidas. Evitémos que se rasgassem os centros histéricos ¢ pro- tegemos os espacos verdes mais raros. Paris, escapou a via expresso da margem esquerda, a circular externa Vercingétorix; 9 bulevar periférico poupou o bosque de Bolonha ¢ o bosque de Vincenas. A auto-estrada A 14 evita, finalmente, a floresta de Saint-Germain-en- -Laye. Na verdade, para dar lugar ao automével, a cidade voltow a estender-se. Doravante, 0s espa- 08 urbanos medem-se com escalas mais amplas, ‘Uma nova cidade reconstitui-se a partir de diver- sos locais com espaco, afastados, mas ligados entre si pela rede rodoviria, Progressivamente, vemos surgirem equipamentos, vias, edificios, paisagens, monumentos concebidos em fungdo do movimento automével ¢ a sua escala. Os exemplos nao faltatn, dos viadutos as passagens superiores para pedes, vias de acesso aos par ques de estacionamento dos hipermercados, skylines na sinalética urbana, rotundas nas famo- sas entradas/safdas das cidades com circulagio andrquica, aguardando-se a generalizacao dos {Gneis das auto-estradas por baixo das cidades. A particularidade destes ordenamentos esté justamente em evitar, contornar, sobrevoar, transpor, os espagos diferentes, sensiveis, carac- teristicos da cidade pré-automével. Criam para 05 automobilistas um novo ambiente que ignora tanto quanto possivel 0 anterior. A paisagem concebida desta forma é profundamente origi- nal. Paisagem panoramica sempre enquadrada no para-brisas, no dculo traseiro ou no retrovi sor, privada de certas sensagées (odor, ruidos, temperatura), 6 animada pela velocidade. A pro- ximidade imediata é ignorada em beneficio da visibilidade longinqua. As perturbaySes do meio manifestam-se mu tas vezes A mesma escala. Representado num mapa, 0 rufdo rodovisrio urbano constitai um fundo do qual se libertam alguns grande provocadores dle graves danos. A escala regional, 4 poluigio atmosférica resulta'de um conjunto de deslocagdes relativamente extensas através das zonas urbanas (nomeadamente nos trajectos de 10 a 20 quilémetros) e de condigdes atmosté ricas mais globais. Consequentemente, os danos para a satide, responsabilidade ltima no pro- cesso dos poluentes, s20 dificeis de evidenciar {As patologias correspondentes cependem sem. pre da duragio da exposigao, ou seja, de uma proximidade mantida com o poluente ‘Num sistema automdvel feito para faclitar as deslocagées ripidas de todos, em todo o lado ¢ sempre, como ¢ posaivel saber quem esté exposto ‘8 qué (& excepgao das situagdes de trabalho com posto fixo geradoras das doengas profissionais)? Deste modo, compreendemos que haja interesse em actu logo no inicio, fixanclo normas estzitas relativas a0 barulho ou & poluigio provocados pelos veiculos. Na California, com base numa lei antipoluigio de 1988 (0 Clean Air Act), é exigido {que a partir de 2003 pelo menos 10 por cento dos veiculos automéveis postos A venda libertem ‘uma poluigio nula. Na Furopa, a partir de 1985, © governo federal suigo distinguiu-se ao fxar, numa lei muito severa, notmas sobre as emissbes de poluentes pelos veiculos automéveis O morador contra o multilocal Apesar dlestes esforgos, 0 mal-estar subsiste. As reivindicagoes para limitar a circulagao na cidade so recorrentes. A mobi projectos rodovidrios € muito grande, Apesar da banalizagio do automével, duas Igicas irredult- veis continuam a defrontarse. Quer se trate do ‘espaco urbano, da paisagem ou do ambiente, duas ‘escalas opdem-se, O automével ¢ os auutomobilis- tas referem-se forgosamente a uma escala ampla, metropolitana. O conjunto dos locais acessivels no seu raio de acgio, a totalidade da rede rodovisiria urbana, siio colocados numa perspectiva necessa- iamente omissora tlas proximidacles tradicionais, ‘Mas esta visio nio suprimiu a do lugar sings lar, da vizinhanga, do meio muito préximo, em sua, da escala do morador. O facto de © mora- dor também ser automobilista em nada altera a questo. O conflito é profundo. De momento, apenas resultou em compromissos mediocres ¢ provis6rios. Tomemos 0 exemplo das paredes sonoras, A tela sGnora de betao, por vezes este- tizada, serve para proteger © morador dos danos do trafego automével. Mas a parede estabelece ‘uma fronteira em vez de articular a escala mora dora e a escala metropolitana. O automobilista id ignorar ainda mais o meio de proximidade do morador escondido atras da sua parede. O mora- dor, que jf ndo ouve os veiculos mas também nao os vé, percebe ainda menos a razio destes movimentos rapidos, contudo necessdrios a escala metropolitana. Embora aparentemente apazigtie 0 efeito, a parede insonora reforga uma espécie de esquizofrenia urbana incurdvel. No futuro, haverd que pensar como alguns que a atitude do morador nao passa de ima sobrevivéncia votada ao desaparecimento? A metrpole automével generalizada seré, ama- nha, despolufda por medidas ambientais vigoro- sas, ornamentada por uma arquitectura reno- vada e suleada por infra-estruturas pitorescas, A sensibilidade cos moradores seri, entio, anact6- nica e sem propésito? Dever-se-s, pelo eontrétio, imaginar um vigoroso sobressalto, a redefinicso da cidade como um gigantesco patio urbano onde jé $6 circularé um tréfego moderado, calmo, diminuto, totalmente regulado & escala dos moradores? ( futuro esboca-se, sem diivida, nas tendén- clas actuais. Mas para tal 6 necessério vislumbré -las através da multiplicidade dos comporta- mentos, do peso das restrigées, da violéncia dos discursos. Primeiro que tudo, 6 verdade que 0 automével néo suprimiu toda a afeigao local ‘A.casa onde nascemos, 0 bairro onde crescemos, a cidade que aprendemos a conhecer $80 sem- pre, apesar das «automobilidades», referencias territoriais. Sempre gostamos mais de sentir que somos de algum lado do que de nao sermos de parte nenhuma No entanto, os estudos mais recentes sobre a mobilidade mostram que na cidade moderna a habitagio e 0 alojamento tém diferengas profun- das. A habitagio, na concepgio corrente, confun- dia-se com o alojamento rodeado pelo seu meio mais proximo. As deslocagées verificadas durante © tempo livee dos individuos, ou seja, fora das obrigagées do trabalho e dos trajectos pendula res", revelam hoje uma outta imagem, a de uma habitacao doravante dividida entre varios locais, significativos, dispersos pela cidade (e mesmo fora dela). Fala-se em habitagao multilocal. Ao sair do seu alojamento, 0 individuo procura e encontra noutro sitio actividades de lazer (des: porto, permanéneia ao ar livre, divertimento), a possibilidade de fazer compras e de estabelecer relagoes sociais. Ft gracas a estes outros si le (re)encontra a sua identidade e (ee)e tertit6rio, Estes comportamentos de peregrina- do parece reconstituir uma casa multilocal significativa, uma espécie de macrodomicilio A residéncia secundaria, comus € Sendo uma das formas desta tendéncia para hal locais miltiplos. © alojamento perde 6-seu extatato-de lugar de habitagio exclusive ¢ vite de ume noes geograte mettapoltang OG auiomavere que 0 tansporte coletvo, 0 tereo para dese mihar esta nova geografia sobretuco para a fazer evolie no tempo etn Fungo das ckcuns tancias e dos aconfecimentos, Ambientes teméticos ¢ terrenos baldios urbanos Quais sao as consequéncias cesta habitagito mutiilocal servida pelo automével, em termos de ambiente, de paisagem, de ordenamento dos espagos? A procura de identidades territoriais, fortes noutros sitios que no nas imediagses do alojamento, em locals diversos © por veres afes- tados, poderia levar com o tempo 8 constituiglo daquilo a que uma arquitecta americana chama ambientes temsticogn. Trata-se de locals de res déncia ou de actividades tals como desportos, Gpecticulos, encontros sociais, regresso 2 natu. ea, pal te tipificados, cujo meio local feria sido depurado, & Astérix ou Main Street na Disneylandia, Antigas aldeias, hoje transformadas em resi- Gomplexos de lazer-repouso-manutenca0 RUM ambiente tropical ou simplesmente natural, so bons exemplos de ambientes tematicos. Mas cen- tros urbanos histéricas reabilitados e reservados ‘208 pedes, antigas zonas portuérias, dependem da mesma definico. No futuro, os citadinos des- ocar-se-iam, assim, de um ambiente temético ‘ara lim outro ambiente temético, numa busca de identidade multlocal, O ambiente mozidoF de alojamento, a vizinhanca, ndo sezia mais do que um ambiente tematico entre outros. ‘Chegamos assim a principios de ordenamento bbem diferentes daqueles que a carta de Atenas e depois o relatério Buchanan preconizavam. A cidade jé no se adapta a0 automével, conce- de-Ihe um lugar importante embora protegendo- sae dele. Decompée-se ¢ recompie-se nusn con junto de micro-ambientes separados, dispostos Sem uma ordem aparente. Cada um destes micto-ambientes ¢ alve de ulin ordenamento culdado:poingen causadon pelo automOvel Sto citabelOcTIoe Jagos entre estes ambientes quando o citadino automobilista habita simultaneamente nestes miltiplos locais. Os percursos automobilisticos dio sentido aos espacos de circulacao. f por- tanto a partir do carro que devem set pensadlos. © automobilista também «habita» neles, no ambiente confortivel e protegido de um «carro para vivers. Capta os seus sinais relativos a cir- culagio rodovidria: parques de estacionamento, estacoes de servigo, sinais. Uma nova estética embeleza as pontes, os ramais de acesso, 03 pilares, 08 painéis publicitérios, O condutor per- cepciona uma paisagem tratada em fungio do movimento automével, como os japoneses e cada vez mais os ffanceses sabe desenhila. TEvidentemente, esta nova concepaao da cidax ilo se refere a totalidadle daquilo a que cont nuamos 2 chamar «espago utbano», Subsistem Zonas vazias ou texrenos baldios, Estao também abandonados fragmentos de antigos tec turbanos que, por diversas rates, arguitecténi cas, econémicas ou sociais, nao podem entrar na mesma légica. Estamos a referir-nos a certas Zonas das inner cities inglesas, a guetos america- ros ou, mais prOximos de nds, aos acampamen- tos de némadas instalados por baixo das vias de acesso rodovidrias. Trata-se de espacos margina- lizados, desvalorizados, potico avessiveis, muito fceis de ordenar segurdo a escala das utiliza- g6es do automével, Tais expagos jé existem nas ‘Um ambiente tematico expacaurtano poder ser contituld por ambients te os, rlaconadas entre i porpecurss autombilistiondispstos ‘4 mancve a preuziem lcs de plsagem, transpodo, fo rnd, terre aldo 8 desrice ure nossas cidades, mas ainda sé pouco numerosos. Julgamos naturalment S80 provisorios ¢ que aguardam reabilitagio. O desenvolvimento automével ira multipticé-los e torné-los perenes, ‘Tendo em conta tend@ncias anteriormente evoca- das, 56 um voluntarismo politico extraordindrio poderia levar ao reordenamento de todos estes meios abnegados, A sua reintegragio num meio urbano global. O desafio é titinico, Nao pode ser aceite senio por aqueles que, por razes sociais ou patrimoniais, souberem voltar a dar sentido e valot 4 un melo urbano abandonado pelo autor mével Futuro do automével, futuro da cidade Automével precisa-se 14d mite tempo auc o movimento de rbanizagio foi langado pelo mando e iré Prosseguir, Todas as previsées convergem: 0 nosso planeta teré amanha mais cidades e, sobretudo, cidades ainda maiores. No final do segundo milénio, ou seja, amanha, teremos na Terra 500 cidades com mais de um milhao de habitantes ¢ 47 com mais de cinco milhdes de habitantes. Em relagio ao automével, depois das inquie- tagoes consecutivas aos choques petroliferos, € conveniente ter um raciocinio optimista. As pre- visdes a longo prazo baseiam os seus céleulos numa expansio do mercado mundial. Actual- mente préximo dos 500 milhdes, o parque auto: mével poder atingir 1217 milhoes de veiculos ‘em 2020 e 2525 milhes em 2060, 128 Considerando a questio levantada no infcio deste livro, podemos perguntar-nos se faz se tido a reaproximagtio destas perspectivas sobre a cidade e sobre 0 automével. Terd o automével, de facto, um futuro a Jonge prazo num mundo cada vez mais urbano? Como acreditar nas previs6es quando fervorosos militantes do ambiente, cada vez mais ouvidos pelos politicos, associam desenvolvimento duradouro a cidades sem carros? As cidatles habitadas por milhées de automobilistas assemelhar-se-do ainda as cida- des de ontem e mesmo as de hoje? Retomando as conclusdes dos capftulos anteriores, podemos formecer irés respostas para estas questées. Primeira verificagao: tanto em relagio as cida- des como ao automével, este final do sécuilo x nilo equivale a nenhuma ruptura identificavel. Em meados dos anos 70, acreditow-se que o cho- que petrolifero significava a condenacao do automével. Nao o foi de modo nenhum, A preo: cupacio energética jé nao é prioritéria. Imagina- mos, na melhor das hipéteses, carros menos comildes ou mesmo menos potentes. © automd- vel impde-se e temos dificuldade em ver de que forma as sociedades desenvolvidas poderiam renunciar a ele, O facto de se tratar de socieda- des urbanas no seu conjunto nao altera nada, pelo contrario. As cidades dissociaram-se, estenderam-se, dispersaram-se, de tal forma que 6 autombvel se tornou durante muito tempo indispensavel, A preacupagio crescenté desma melhor qualidade do ambiente nomex: damente urbano, 6 ambfgua. Conduzird, sem diivida, a medidas de protecgo de lugares ow de espagos particulares, por exemplo, os antigos centros das cidades. Para proteger o ambiente global, a escala regional ou planetéria, conti- nuuaremos também a modificar 08 veiculos. Talver, consigamos generalizar os automéveis eléctri- cos ott hibridos. Mas estas adaptacdes signifi- cariam justamente que a necessidade do auto- mével € tornada perene. Como vimos, esta necessidade decorre das perturbagSes trazidas para a vida dos homens por evolugées que ultrapassam os individuos. A urbanizacao é © resultado, mais suportado do que preten- dido, destas transformacies gerais por um longo periodo de tempo. yntem, a industrializacso e. hoje 0 tabalho feminine, 85 Tongos estudos Pars todos, 0 desemprego aoa dan dos precos imobilidrios, os horirios, o8 orca mentos limitados, o carro surge muitas vezes, ‘como a tinica possibilidade, Mais do que idilica nau da liberdade enaltecida pelos seus turiferdrios ou escarnecida pelos seus difama- dores, 0 carro ¢ frequentemente a lancha de sal- vamento que, face ao temporal, deveria permi- tir mais cedo ou mais tarde que se chegasse & margem. Deste ponto de vista, a necessidade de um automével cada vez, mais individuali zado far-se-é sentir enquanto existir a ameaga de tempestade. ver O veiculo de cidade Vimos de que forma as hipéteses de saturacio do mercado tinham sido desmentidas pela demo- cratizagio do automével ¢ depois pela multimoto- Fzagio. Se a zonas mais densas das grandes cida- dies da Europa out do Japao mostram os limites da sotorizagio, a necesscatle de ceslocagio dos habi- tantes das zonas periurbanas das mesma cidales faz com que oa ntimeros do equipamento voltem a subiz, Por outro lado, tal como pensam alguns ‘specialisig, a compra de veiculos expecificos para © desporto, para passcar, para o acompanhamento, poderiam atimentar ainda mais o parque autom6- Vel. Todavia, exister limites & utiliza. Tanto na ropa como nes Fstados Unidos, 0 segundo carn dla familia crcula menos do que o primi. A Sein dle uma assimptota da tendéneia para a automo- bilizagio parece, pois, aceitavel dadas as actuais condigfes dos mereados ocientas. No entanto, o que é valido para a América do Norte e para a Europa Ocidental ainda nio diz respeito, lange disso, a outeas regides do mundo, ‘A Buropa de Leste ¢ certos paises do Sul desco- bem a motorizagio, Os niimeros do equipamento €-0 custo da utilizagio permanecem, é certo, ‘uito baixos em relagao aos dos paises do Norte, Mas surgem sinais, quer da parte do consumo, quer da parte da producao em nagdes como 6 Brasil ow a India, sem falar da Coreia, Ora hoje, mais ainda amanha, a mindializagdo do sistema automével faz com que o aumento destes novos mercados tenha consequéncias sobre a oferta proposta nos paises jé muito equipados, © mereado europeu continua ainda muito fechado aos veiculos japoneses, mas nao por muito mais tempo. Por que razao 0s vetculos japoneses, bicicletas de propulsio eléctrica, scoo fer melhoradas, efectivamente concebidos para as cidades, no foram propostos no mercado das grandes cidades francesas? Por que raz30 08 ‘midgets, esses veiculos muito pequenos (menos de 3,20 metros de comprimento e de 1,40 metros de largura) concebidos para isentar 0 comprador japonés da obrigagfo legal de um lugar de esta- cionamento, nao progredizam no mercado urbano europeu? Por que razio 08 modelos eco- rnémicos e robustos, concebiclos pela Volkswagen paraa China, nio viriam também para a Europa para «dopar» o mercado do terceizo veiculo? ‘A-explosio da procura em paises como a Espana, Portugal e a Turquia, s0b 0 efeto de proces estrangeiras tornadas econémicas pelo alarga- ‘mento dos mereados, mostra que nao se trata de uma hipétese teérica, Neste caso, a assimptota da saturacao seria uma vez mais salientada, sem drivida, com modificag6es importantes na estrutura das parques automéveis e das novas possibilicacles para veiculos adaptados aos :meios ¢ 0s costumes urbanos. A «cidade feliz» Por fim, independentemente de os automé- veis de amanhf serem mais ou menos numero- 50s, circularao em cidades que terdo sido irrever- sivelmente modificadas pelos automéveis de ‘ontem, As transformagées jd so de tal order na corganizagéo do espago urbano, nas paisagens na distribuigdo dos lugares, que a cidade jé nao poderd assemelhar-se aos seus modelos histéri- Cos, anteriores ao automével. As alteragdes de escala, 0 abandono dos espagos intermédios, a dispersio dos locais poderosos e significativos Si dadios aos quais as futures poiticas deverto adaptar-se, Isto nao que o futuro citadino, se ainda pudermos utilizar este termo, esteja conde- nado a circular para sempre como hoje. Dissemo- -lo, 0 automével é mais uma necessidade, um meio de viver transigdes importantes, do que wm. ideal ou um bem absoluto. Em relagio 3 urbani zacio em particular, desempenhout e desempe- nha ainda um papél de «adaptador universal». A partir do momento em que as aclaptacoes fossem ‘menos necessérias ou menos frequentes, poderia ser abandonado, Ou ainda, nos lugares onde as transformagdes urbanas fizessem com que ele se tornasse menos «itil, poderia desaparecer. Por que no imaginar a vida numa «aldeia» periur- bana que oferecesse, numa proximidade relativa (@ alguns quilémetros), empregos e servicos de base? Pequenos veiculos, bicicletas melhoradas, sovoter ou vetculos de ts rodas, protegidas das intempéries, sio neste quadro suficientes para proporcionar toda a mobilidade necessaria, Se tivermos de nos deslocar até um centro reor- denado, num grande complexo de comércios ou de escritérios, é certo que sera necessério um verdadeiro automével. Mas no interior destes pélos, as deslocacées sao asseguradas por peque- nos vefculos «urbanos» (ou seja, depurados silenciosos) em sistema de self service. Por pouco que se procure a distracgio num complexo de lazer ou 0 ressurgimento num par que natural, o carro «clissico» ainda é necessério para, a partir do domicilio, percorrer algumas dezenas ou centenas de quilémetros, No mesmo local, veiculos eléctricos, anélogos aos carts de golfe, plenamente respeitadores do ambiente local, estariam a disposi¢do para as deslocacées, internas. ‘A menos que se pretenda fazer uma desloca- ‘cdo mais longa ou que sejamos obrigados a fazer uma viagem de negécios, ha que dirigir-se a uma estagio de comboios ou a um aeroporto bastante afastados com 0 seu «verdadeizo» carro, paréntesis da viagem de comboio a grande velocidade ou de aviao fecha-se A chegada, desde que se consiga encontrar numa outra esta- 40 de comboios ou num outro aeroporto um everdadeiro» carro (de alugues), para chegar a0 oasis de onde parte o passeio em 4X4 ou a um outro centro de negécios com os seus pequenos veiculos, etc. Esta imagem nio é uma utopia A maior parte dos seus ingredientes jé esta presente, aqui ou acolé, no mundo, corespon- dendo a utilizagées especificas, limitadas a determinados locais ou a certas categorias sociais, A evolugao das relagSes entre o automé- vel ¢ a cidade poderia perfeitamente residir na combinacio sistemética e generalizada de tais elementos. Antecipando este processo, um utba- nisin francés dos anos 70, Jacques Riboud, tinha proposto (e realizado de forma limitada) aldeias residenciais em zonas periurbanas servidas port pequenos veiculos adaptados. Os seus plans ¢ as suas realizagdes foram apresentados numa obra intitulada La Ville heureuse. Rstava sem diivida adiantado em relagio ao seu tempo. Hoje, por que no aceitar 0 augiirio sugerido pelo titulo do Tivro re Jacques Riboud? Urbanizagao e motorizacao: as ciladas das estatisticas “aBrevemente, as nossas cidades terso mais austo- méveis do que habitantes!» Por detrés deste prognos- tico ameacadlor pode esconder-se a impostura estatis- tica. Quantos carros existem nas cidades? Para avaliar 08 efeitos do automével sobre © expago urbano, pro- curamos com frequéncia calcular 0 equipamento automével (motorizacio) e relacions-lo com uma dimensio da urbanizagio. Ora, cada uma destas ‘operagées depara-se com dificuldades estatistieas em relagao as quais ser melhor estarmos prevenicos. Contar o nsimera de automéveis pode parecer simples, No entanto, nfo existe definicso univoca ainda menos universal do automével, Dever-se-8 ineluir na categoria attomével os «tilitérios», 08 4x4, as autocaravanas, os autocarros pequenos, o& carros pequenos, as carrinhas, os vefculos de teée rodae com ccarrogaria, os side-cars? Dever se-4 ter em conta os ‘xis, os cartos de aluguer, as frotas das empresas, o8 carros de determinada actividade? As nomenclatuiras ‘varlam consoanie as paces e os paises, 0 que pode 18 levar a diferencas senstveis nos célculos do equipa ‘monte automével. Por exemplo, a motorizagio ameri- ‘cana encontra-se actualmente «dilatada» por se ter fem consideragio intimeras vetculos ulilitérios para uso pessoal (devido a uma fisealidade favorsvel) im Franca, a definigio é felizmente bastante estvel. Os ulilitétios s40 deduzidos a parte dos vetculos ditos ade turismo». Os vefeulos pessoais diferenciam-se dos veiculos pesados. O registo da matricula eertifica € ple de parte veicutos conczidos sem carta e que ino tenham matricula! Periodicamente, gragas a comparagées & a inqué- ritos complementares, organismos intemnacionais como a OCDE ea ONU fornecem mimeros faves susceptivels de comparagio de um pats para outro, Trata-se clos parques automéveis nacionais (O que acontece com os parquies urbanos? A nogio de cidade € ainda mais dificil de circunscrever difere de acordo com 0 paisrem anilise. De acordo com o# casos, defino-se a cidade através de um limite de populagio ou de um crtério de aglomeragio, ou de lum tipo de jurisdigse. Todos estes critérios evoluem na historia e so muito varidvels pelo mundo fora, A Austria chama cidade a uma comunidade com ‘mals de 5000 habitantes. A Islandia ou a Noruega a eco

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