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INTRODUÇÃO
A associação livre, no entanto, não foi resultado apenas da reflexão teórica de Freud.
Ao contrário, seu surgimento (e posterior refinamento) deveu-se mais ao lento
amadurecimento experimental3 (baseado em tentativas e erros) dos primeiros anos de sua
prática clínica com pacientes neuróticos junto com Breuer (notadamente graças às conversas
sobre o caso de sua paciente Anna O.).
No início de sua prática clínica com neuróticos – no final do século XIX (em 1884,
dez anos antes da publicação de Estudos sobre a Histeria, em conjunto com seu amigo e
mentor Josef Breuer) -, Freud começou a fazer uso das técnicas hipnótica (aprendida nos
estudos em Paris com Jean-Martin Charcot) e de sugestão em estado de vigília (inspirada nas
pesquisas de Hippolyte Bernheim, da escola de Nancy) com o objetivo de tentar eliminar os
sintomas neuróticos.
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O próprio Freud definiu esse método em ‘O Método Psicanalítico Freudiano’ (1905):
[...] O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e
fundava-se na ampliação da consciência, que se instaura na hipnose. Ele tinha como
objetivo o afastamento dos sintomas da doença, e alcançava essa meta fazendo com
que os pacientes regredissem até o estado psíquico em que o sintoma havia
aparecido pela primeira vez. [...] A eficácia terapêutica de seu procedimento era
explicada por eles a partir do escoamento do afeto que até então se encontrava
“comprimido” e que tinha estado colado às ações anímicas reprimidas (ab-reação). ”
(FREUD 2013, p.35)
“Lembranças, pensamentos e impulsos que até então tinham ficado de fora de sua
consciência [do paciente], e quando ele, sob intensas expressões dos afetos, tinha
comunicado ao médico esses seus processos anímicos, o sintoma tinha sido
superado, e o retorno dele suspenso. [...] A eficácia terapêutica de seu procedimento
era explicada por eles [Freud e Breuer] a partir do escoamento do afeto que até
então se encontrava ‘comprimido’ e que tinha estado colado às ações anímicas
reprimidas (ab-reação).” [as observações em negrito são nossas] (FREUD, 1904,
pp.34-35).
Vê-se aqui que Freud já percebia nessa variação ab-reativa que Breuer introduz na
hipnoterapia a importância terapêutica do ato de fala do analisando. Pois era, segundo Freud,
no ato de ‘comunicar ao médico’, sob intensa emoção, os afetos reprimidos que o paciente
conseguia a remoção definitiva dos sintomas da neurose.
Aliás, segundo Elisabeth Roudinesco, data também desses anos iniciais de estudos
com Charcot e Bernheim e de prática clínica com a hipnose e o método catártico de Breuer a
descoberta por Freud do processo psíquico da transferência, fato que contribuiria para o
abandono posterior da hipnose:
“Preferiu assim utilizar o método catártico sem, todavia, banir o hipnotismo, o que o
conduziu, paralelamente, a levar em conta o elemento erótico presente no
tratamento, isto é, a transferência: ‘Essa experiência ocorreu com uma de minhas
pacientes mais dóceis, com a qual a hipnose me permitiu obter excelentes resultados,
fazendo remontar os acessos de dor à sua origem. Certa ocasião, ao despertar, lançou
os braços em torno do meu pescoço. [...] percebi que havia apreendido a natureza do
misterioso elemento que se achava em ação por trás da hipnose. A fim de anulá-lo,
ou ao menos isolá-lo, fui obrigado a abrir mão da hipnose.” (ROUDINESCO 2016,
p.69).
Nesse mesmo período temos o ‘caso zero’ da Psicanálise. Isto é, o caso da paciente de
Breuer, Anna O. (aliás, Bertha Pappenheim). Caso clínico que Breuer debateu várias vezes
com Freud (a partir de 1882), a pedido deste, e que tanto contribuiu para a evolução do
pensamento de Freud sobre a etiologia das neuroses, para caracterizar a Psicanálise como uma
‘cura pela fala’ (talking cure, como Anna O. se referia a suas sessões com Breuer), e mesmo
para a criação da técnica da associação livre pelo pai da Psicanálise, segundo Peter Gay:
“Um dos motivos que fizeram de Anna O. uma paciente tão exemplar é que ela
realizou sozinha grande parte do trabalho de imaginação. Considerando a
importância que Freud aprenderia a atribuir ao dom de escutar do analista, é muito
cabível que um paciente tenha contribuído para a formação da teoria psicanalítica
quase tanto quanto seu terapeuta Breuer ou, nesse sentido, o teórico Freud. Breuer
alegou, um quarto de século depois, e com razão, que seu tratamento de Bertha
Pappenheim continha ‘a célula germinativa do conjunto da psicanálise’. Mas foi
Anna O. quem fez descobertas importantes, e haveria de ser Freud, e não Breuer,
quem as cultivaria com afinco, até lhe renderem uma colheita rica e insuspeitada. ”
(GAY 1989, p.75)
Rabêlo & Al. concordam com a importância da intuição de Bertha Pappenheim para o
desenvolvimento inicial da Psicanálise e acrescentam que essa se deu na já na própria criação
do método catártico:
Vê-se aqui que o abandono da técnica da hipnose por Freud deveu-se à sua percepção
da dificuldades de uso dessa técnica e da exiguidade dos seus resultados no que tange ao
acesso a conteúdos inconscientes. Além disso ele percebeu que as reelaborações do
analisando sobre aqueles conteúdos eram tão importantes quanto os próprios conteúdos, uma
vez que indicavam as resistências do paciente. Resistências essas que eram obscurecidas pela
hipnose (que não raro as contornava).
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Seu nome verdadeiro era Fanny von Sulzer Wart, nasceu a 29 de julho de 1848, em uma nobre e antiga família
de Winterthur, na Suíça. Faleceu em 02 de Abril de 1925, em Au, perto de Zurique, no mesmo país.
para se expressar, que apontaram o novo caminho. A partir de então, Freud começou a
estimular seus pacientes a revelarem, em estado de vigília e livremente (sem fazerem juízos
de valor), seus pensamentos mais espontâneos, nos momentos da análise em que ocorriam
‘pontos de amnésia ou lacunas’ (resistências) em suas ‘histórias de vida’.
“[...] A renúncia à hipnose parecia criar uma situação sem saída, mas o presente
autor se lembrou da demonstração de Bernheim [...] Ele insistiu, então, para que
também seus pacientes não hipnotizados comunicassem suas associações, a fim de
achar, através desse material, o caminho para o esquecido ou defendido. [...] Na
expectativa – naquele tempo ainda não verificada, mas depois confirmada por ampla
experiência – de que tudo o que ocorria ao paciente num determinado ponto devia
estar intimamente ligado a esse ponto, chegou-se à técnica de educar o paciente na
renúncia de toda crítica e de utilizar o material de pensamentos espontâneos assim
trazido à luz para desvelar os nexos buscados. Sem dúvida, uma forte confiança no
estrito determinismo da psique teve participação na escolha dessa técnica para
substituir a hipnose.”
Nesse momento de sua clínica, Freud ainda utilizava a técnica de sugestão para ajudar
seus pacientes a lembrar-se de memórias reprimidas. Mas, por fim, com o amadurecimento de
sua clínica, abandonou também a sugestão e manteve apenas a regra da associação livre.
Rabêlo & Al. descrevem a síntese dessa evolução:
“Todavia, Freud nos alerta que, para essas lembranças mais significativas se
manifestarem, é necessário que o paciente aprenda a suspender o seu julgamento e
se ponha a falar sistematicamente de todos os seus pensamentos, mesmo aqueles
tomados por inúteis e estorvantes. Do lado do terapeuta, é requerido que não faça
nenhuma concessão às objeções do paciente que o desresponsabilize dos efeitos de
sua própria fala. Acrescenta que, para não ceder a essas objeções, é fundamental a
firme convicção no pressuposto da análise psíquica. Ressalta que de sua parte essa
confiança só foi obtida a muito custo. ” (RABÊLO & AL. 2015, p.242)
CONCLUSÃO
Podemos concluir, então, que foram as suas primeiras experiências clínicas - e até
mesmo sugestões diretas e elaborações sobre seus próprios tratamentos efetuadas por seus
primeiros pacientes -, mais do que suas reflexões teóricas, que foram conduzindo Freud no
novo caminho prático-teórico. E o levaram a ir construindo gradativamente a técnica da
associação livre de ideias e a redirecioná-la não mais para a elucidação direta do trauma do
paciente (como era o seu objetivo inicial até o uso do método catártico), mas para onde o
próprio ‘saber’ do analisando - construído em sua fala (no setting analítico) e em conjunto
com o analista, graças à transferência e à escuta flutuante - estivesse pronto a levá-lo.
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‘Psicanálise’ e ‘Teoria da Libido’. Dois verbetes para um dicionário de sexologia. Em Obras Completas de
Sigmund Freud. Vol. XV (1920-1923). São Paulo. Companhia das Letras.
Sendo que o caráter inovador da nova técnica foi imediatamente percebido por Freud,
a ponto de creditar a essa descoberta a criação da sua nova ciência:
“A nova técnica mudou de tal forma o quadro do tratamento, levou o médico a uma
relação tão nova com o paciente e gerou tantos resultados surpreendentes que foi
justificado recorrer a um novo nome para distinguir esse procedimento do método
catártico. O presente autor escolheu a denominação psicanálise para esse novo
tratamento [...]. (FREUD ..., p.250)
Consideramos, enfim, em linha com Rabêlo & Al.(2015, p.5), que a importância de se
refazer esse percurso histórico dos primeiros tempos da clínica freudiana se justifica ainda
hoje pelo fato de que “ muitas das dificuldades e obstáculos encontrados no percurso
freudiano em direção à associação livre ressurgem na prática daqueles que se iniciam no
desafio de conduzir novos tratamentos a partir da referência do inconsciente”.
Bibliografia
Figueiredo, Mariana Lima de Rolemberg & Moura, Gabriela Costa 2015. Do Conceito à
prática: a associação livre como regra fundamental da clínica de referencial psicanalítico.
Revista Cadernos de Graduação. Ciências Humanas e Sociais. Vol. 2, núm. 3, pp. 157-172.
Maceió (periodicos.set.edu.br).
Freud, Sigmund 1995. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Volume II (1983-1985). Rio de Janeiro: Editora Imago.
____ 2011. Psicanálise’ e ‘Teoria da Libido’. Dois verbetes para um dicionário de sexologia.
Em Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XV (1920-1923). São Paulo. Companhia das
Letras.
Gay, Peter 1989. Freud, uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Editora Companhia das
Letras.
Roudinesco, Elisabeth. Sigmund 2016. Freud na sua época e em nosso tempo. Rio de janeiro:
Editora Zahar.