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Christophe Dejours
& Florence Bègue
SUICÍDIO E TRABALHO:
O que fazer
Tradução:
Franck Soudant
Revisão técnica:
Laerte Idal Sznelwar & Selma Lancman
Sumário
Introdução 11
Primeira Parte
O suicídio no trabalho,
sua frequência, suas consequências 15
Segunda Parte
Uma intervenção em uma indústria
após vários suicídios 57
Terceira Parte
Comentário metodológico 105
Posfácio
Heliete Karam 125
Bibliografia 127
Trabalho e suicídio
Trabalho e suicídio
Introdução
_____________
1
Para os médicos do trabalho, as tentativas de suicídio e os
suicídios no local de trabalho são um fenômeno recente. Trata-
se de fenômeno que não ocorria na indústria ou no setor
serviços. No entanto, há casos de suicídio no local de trabalho
na agricultura, particularmente para os trabalhadores rurais
que, desde há muito, já eram identificados como a categoria
socioprofissionall com maior incidência de suicídio. Trata-se de
socioprofissiona
um setor da economia onde os espaços de trabalho e da vida
privada
duras eseaconfundem.
solidão e As
o condições
isolamentodedesempenhavam
vida ali eram muito
um
importante papel. Este último dado é particularmente
importante e estará no primeiro plano na etiologia dos
suicídios envolvendo os outros campos da atividade
econômica. Em seguida, foram conhecidos numerosos
suicídios entre os pequenos produtores rurais, invariavelmente
ameaçados pelas dívidas contraídas junto aos bancos, pela
pauperização
pauperizaç ão progressiva, obrigados ao êxodo rural devido ao
avanço das falências e ao endividamento provocados pelas
conturbações da economia e cujos efeitos danosos foram
analisados
11
Christophe Dejours & Florence Bègue
A complex
complexaa teia da ativ
tivida
idade
de de traba
trabalho
lho - nã
nãoo só em rela
relaçã
çãoo
ao espaço privado, mas ainda quanto à transmissão da herança
e das tra
tradições
dições culturais, bem com
comoo em rela
relação
ção aos conflitos
conf litos
entre gera
gerações
ções - propiciou o surgime
surgimentonto de situações para
para as
quais disti
distinguir
nguir os processos ca
causais,
usais, pela psicopatologia
psico patologia do
suicídio, sempre
sem pre constituiu uma tar
taref
efaa clínica difícil.
difí cil.
12
Trabalho e suicídio
________________
________________
13
Christophe Dejours & Florence Bègue
A segunda par
parte do livro, com o estudo consagra
consagrado
do à clí-
nica, foi escrita por Florence Bègue, as duas outras por
Christophe Dejours.
Trabalho e suicídio
1
O suicídio no trabalho,
sua frequência, suas consequências
As incógnitas
incógnitas ssobre
obre a ffrequênc
requência,
ia,
os conhecimentos sabre o sentido
Em
tem verdade, o número decrucial
uma importância suicídios
emnorelação
local deaos
trabalho não
desafios
presentes para o clínico. Um único suicídio em uma
empresa constitui, de facto, um problema que afeta toda a
comunidade de trabalho, uma vez que sua ocorrência reflete
uma profunda degradação do conjunto do tecido humano e
social do trabalho.
15
16
Trabalho e suicídio
A v ergonha exper
expe rimentada por aquele que não não conseguia
conter a expressão de seu desequilíbrio psicológico levava
mesmo a algumas deformações com relação à
sintomatologia e às queixas de ordem psíquica, tais como a
sua "medicalização". Em outros termos: a dissimulação sob
a máscara de transtornos médico-somáticos para camuflar
sua natureza psíquica transtornos do equilíbrio, cefaleias,
nevralgias crônicas, parestesias, transtornos funcionais
diver
div ersos,
sos, como na "síndrome
"síndrome subjetiva
subjetiv a pós-traumática".1
pós-traumática".
A "síndrome
"síndrome subjetiva pós-traumática
pós-traumática"" ocorre
ocorre mais frequen-
temente nos trabalhadores da construção civil e de
infraestrutura urbana após um acidente de trabalho que
acarretou lesões somáticas: grandes feridas, particularmente
no couro cabeludo, ocasionadas por uma ferramenta ou
material que despencou de uma grande altura, traumatismo
craniano, quedas de trabalhadores, esmagamento de
membro por caminhão ou veículo motorizado, fraturas
diversas. Restauradas as lesões somáticas, cicatrizadas as·
ferridas,
fe idas, consolidada
consolidadass e estabilizada
estabilizadass as f raturaturas, o
trabalhador não consegue voltar ao seu antigo trabalho
porque
porq ue sintoma
sintom as residuais
residuais de inva
inv alidez priv
privaam o trabal
trabalhador
hador
de parcela considerável de suas aptidões (força física, con-
centração, resistência ao esforço, capacidade de trabalhar
em andaimes a grandes alturas etc.). Estes sintomas são
frequentemente imputaimp utados
dos à esfer esf eraa neurológica
neurológica e
locomotora.
A análise
nálise clínica desta síndrome
síndrome mostra
m ostra que os sintomas que
a compõem - qualificados em medicina de "sine matéria"
(sem substrato lesional), ou de ''funcionais'' (sem lesão
subjacente) –
_____________
1
Cf. C. Dejours,
Dejours, T. Collot, P. Goda
Godard
rd & P. Logeay, "Syndr
"Sy ndromes
omes
psychopathologiques
psychopathologiqu es consécutif
consécutifss aux accidents du travail
travail
(incidences sur la reprise du travail)", Le Travail humain, n.
46, 1986, pp. 103-106.
17
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
18
Trabalho e suicídio
Em
comooutros termos,ouosa sintomas
a vertigem sensação aparentemente
de embriaguez,somáticos
incompatí--
veis com a retomada do trabalho sob-risco - mascaram, para
o próprio operário, que o medo é a verdadeira causa de sua
incapacidade. Este volta, mascarado e irreconhecível, sob a
forrma de sintoma "médico" e não
fo não "psicológico".
No plano
plano clínico, é importante
importante observar que esta síndrome
síndrom e
não é apenas observável nos histéricos que teriam uma
disposição particular a este tipo de mascaramento, graças à
conver
conv ersã
são.
o. Observam-se
Observam-s e síndromes subjetivas pós-tr
pós -traaumáti-
cas em todas as estruturas psíquicas, incluindo-se as não
neuróticas. Conclui-se, assim, que:
as estratégias coletivas de defesa são capazes de
acarretar
acar retar v ariações
ariações da personalidade
person alidade que engaja
eng ajam
m
toda a economia psíquica, ao ponto de escamotear a
sintomatologia psíquica emergente, dissimulando-a
sob uma- máscara "médica";
a síndrome, com seus sintomas "medicalizados",
mesmo se falseadores tem uma função protetora
contra uma ameaça muito mais séria: a da depressão
(ou de outra forma ainda mais grave de
descompensação psicopatológica). A exclusão ou o
fim do sentimento
constituída de pertencimento
pertencimento
pelos profissionais
profissiona difàerentes
is dos difer comu
comunida
entes nidade
de
ofícios
da construção civil implicaria no questionamento, pelo
operário, de todo o seu passado, até mesmo de sua
biograafia social e pr
biogr p rofissional e, consequentemente,
consequentem ente, de
sua própria
própria identidade. Daí o risco de cair em
depressão.
19
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
20
Trabalho e suicídio
II
A segunda razão
razão é que, quando
quando um assala
assalarriado
iado sofria ao
ponto de não
não poder mais dissimular o seu mal-estar,
mal-estar, ou
quando o seu mal-estar manifestava-se independentemente
de seu esforço para dissimulá-lo, os colegas se davam conta
e, passados
passados os primeiros
primeiros momento
m omentoss de grande
grande zombar
z ombaria
ia e de
escárnio, brotavam os sentimentos de solidariedade e
atençãoo para com o colega.
atençã c olega.
Partia-se assim ao encontro do colega em maus lençóis e
indagava-se: "Por que esta cara· feia já há vários dias,
algum problema, amigo?"; "Bom, vamos almoçar juntos e
você se explica...” Em suma, forçava-se a barragem
defensiva e impunha-se a passagem à fala. O infeliz não se
encontrava mais só, era reconfortado, recebia provas de boa
v ontade, era protegido
protegido,, amparado.
amparado.
Que um suicídio possa ocorrer no local de trabalho indica
que todas essas condutas de ajuda mútua e solidariedade que
não era nem mais nem menos que uma simples prevenção
das descompensações, assumida pelo coletivo de trabalho -
forram banidas
fo banidas dos costumes e da rotina
rotina da v ida'
ida' de tra
trabalho.
balho.
Em seu lugar, instalou-se a nova fórmula do cada-um-por-
si; e a solidão de todos tornou-se regra. Agora, um colega
af oga-se
oga-se e não
não se lhe estende ma
m ais a mão.
Em outros termos, um único suicídio no local de trabalho -
ou manifestamente em relação ao trabalho - revela a deses-
truturação profunda da ajuda mútua e da solidariedade. Ou
seja: a intensa degradação do viver-junto em coletividade.
Quando um assalariado se suicida por razões que estão
relacionadas ao trabalho, é toda a comunidade de trabalho
que já está sofrendo. É por isso que o número de suicídios,
aqui, não tem grande relevância. Um único gesto desta
espécie
21
22
Trabalho e suicídio
23
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
_______________
2
Cf. Comiss
Comissãão sobr
sobree o suicídio, sob a direçã
direçãoo de David
David Le
Breton, rela
relatório
tório do professor
professor Debout, Ministério
Minis tério da
Saúde da França, 2009.
24
Tr
Traabalho e suicídio
Admitamos, provisoriamente,
provisoriamente, que, entre os suicídios, apenas
apena s
alguns tem realmente alguma motivação relacionada ao
trabalho. Quais?
Responder a essa questão é provavelmente o que há de mais
difícil. Em uma primeira abordagem simplificadora, pode-se
pode -se
debruçar sobre os casos em que o vínculo suicídio-trabalho
é praticamente indiscutível. Os suicídios perpetrados no
local de trabalho estão seguramente vinculados ao trabalho,
pois o suicídio, como toda conduta humana, está sempre
endereçada. Ele participa da ordem da mensagem, mesmo se
sua tradução integral é impossível. Mas a tradução integral
talvez não seja necessária, neste estágio de nossa discussão,
para descobrir na mensagem o significado da acusação do
trabalho
trabalho,por aquelemesmo
às vezes que acaba de sede
na frente suicidar em seu 3local
seus colegas. de
_____________
3
Cf. o caso de M. Verstaen, nas dependências da Volkswagen,
no filme de Agnes Lejeune, La chaîne du silence,
produzido pela Rádio-Televisão
Rádio-Televisão Belga de língua francesa,
maio de 1999.
25
um liminares
pre indivíduo
preliminar a fatores
fatoroesestresse
es sobre ambientais.
ambienta
estresse nois.tr
traInicialme
Inicialmente,
abalho,
balho, nte, nos estudos
buscavam-se nos
constrangimentos do trabalho considerados como um
ambiente, as causas dessas perturbações. Em um segundo
momento, a análise que tomou a dianteira da cena deve seu
sucesso a um desvio de grande importância: tratava-se,
agora, de considerar que as perturbações somáticas e
psíquicass re
psíquica registr
gistraadas
das eram
eram de responsabilida
esponsabilidade,de, pelo menos
em parte, ou mesmo na essência, do indivíduo e não do
ambiente. Por quê? Porque a gravidade das perturbações
dependeria do modo como o indivíduo administrava o "seu"
estresse.
A introdução
introdução do conceito de "coping with" (fa (f az er com, se
v ir
iraar com, gerir,
gerir, dar um jeito com, fazer
faz er frente a...)
a...) é um elo
intermediário da cadeia da reversão da causalidade. Em ver-
dade, se a noção é aceitável em seus fundamentos, não o é
na prática, pois exige a manipulação de uma
heterogeneidade.
26
Trabalho e suicídio
27
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
análise é realizad
anál zada
a tant
anto pela psiquiatria co
comm o pela
psicanálise convencionais.
III
A ter
ercei
ceira an
anál
álise - "soc
soci
iogen
enét
ética" - é sim étrica às an
ant
te-
riores.
res.EE la estipu
pulla q
quue o trab
rabal
alho e seus co
connstran
ranggim en
ent
tos,
notad
adam
am en
entte sociais (e nnão
ão ap
apen
enas
as físicos
cos qu
quí
ím ico
coss ou
biológ
ógi
icos), são decisivo
vos
s: os m étod
odos
os de gov
g overn
ernança
ança dde
e
em pres
presa,
a,de
de direção,
reção,de
de gerenciam ento e de gestão,
ão,enf
enfiim a
or
organi
ganiza
zação
ção do trabalho tem um im pacto m aior na s saúde
aúde
m ental e de
deve
ve s
ser
er objeto de s sus
uspei
peição,
ção, até prova em
contrário, em toda des
descom
com pensa
pensaçã
çãoo p ps
sicopatológi
ógica
ocorr
oco rrendo
endo em um ind ndi
ivíduo em situação de atividade
profissional!
N a an
anál
álise balizada pe
pel
lo es
est
tresse,
resse,oo co
copping está em ev
eviidên-
dên -
cia com o um a entidade s sem
em ququal
alqu
quer
er em bas
basam
am ento social,
psíqu
quiico o
ouu biológ
ógiico.
co.ÉÉ um com poport
rtam ento es
ess
sencialm ente
sub
ubmm etido ao apr
aprendi
endizado.
Naa an
nálise estruturalista,n
a, no en
enttant
anto, a investigação orien
entta-
se, pref
referen
erenci
cialm ente, para o
oss dado
dados
s biogr
gráf
áficos e os ccon
on--
flitos no espaço privado.
Naa an
nálise sociogenenét
ética, a investigaçã
açãoo etiológica é pprref
efe-
e-
ren
rencialm en
ent
te o
ori
rien
enttada para os con
const
strang
rangim en
enttos liga
gado
dos sà
org
rgani
anização do trab
rabal
alho
ho..
A s três concepções
concepções apo
apoiiam -se em arg
argum
um entos relevantes
es.
.
M as,
as, com o sã
são
o con
conttraditóri
órias entre si
si, não p
pod
odem
em levar
senão a duas posições excludentes:
A exexcl
clusividad
dadee ass
asso
ociada à rref
efutação das d dem
em ais
anál
an álises;
O sincret
ncretism o qu
que
e ass
associa aqu
aquii e ali pr
prooces
cess
sos cujas
con
co ntradições
ções sã
são
o elim inadas co com
m a ajuda da
fórm ula m ágági
ica da "cau
causa
sal
lidad
dadee m ultifatorial", que
tem a dedes
svantagem
28
Trabalho e suicídio
A análise desses
justamente a suacasos de suicídio
aptidão sugere mesmo
em "administrar seu que seria
estresse"
(coping), sua adaptação aos constrangimentos do trabalho e
sua integração à coletividade, que lhes permitiu engajar-se
plenamente na empresa e atingir um desempenho, "over the
target", acima das metas estabelecidas, acima da média.
29
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
30
Trabalho e suicídio
31
32
Tr
Traabalho e suicídio
33
A desestrutura
desestrutur a ção
çã o do viv
viver
er-junto
-junto
no trabalho
tra balho e o a parecim
par ecimento
ento dos suicídio
suicídioss
D es
esde
de o início dos
dos anos 198
19800 os laços entre org
rgani
anização do
do
trabal
rabalho e saúd
aúdee m entalf
alforam
or am dev
deviidam ente es
est
tabelecido
dos
s.A
especificidade desses laços opõe-se àquela que relaciona as
con
co ndições
ções de trab abal
alho (con
condi
dições
ções físicas, ququíím icas e
S e as patologias m en
ent tais em relação ao trab
rabal
alho atualm en
ent
te
est
es tão se
se agravando
agravando, , ao ppon
ont
to ddee os ho
homm ens e as m ulheres
prat
praticarem suicídio no no local m es esm
m o de trab
rabal
alho
ho,, é que a
org
rgani
anização do
do trab
rabal
alho dev
devee ter m ud
udado
ado sub
ubsstancialm ente.
C om o· ca caract
racterizar as m ud udanças
anças intro rodu
duzi
zidas na
organ
organiizaç
zação
ão do trab
rabal
alho
ho?? Pro
P ropo
pomm os três
rês.
.
A pri
prim eira oond
ndaa de tran
rans
sform
orm ação das con condi
dições do tra-
balho abateu-
eu-sse ssob
obre
re o m un
undo
do pr
prof
ofiission
onal
al no final dos
anos 1980, cons consololida
dando-
ndo-sse nos a anos
nos 1990. E la s se
e
caract
car acteri
eriza p
pel
ela u
uttilização de novas coconncep
cepçõ
ções
es em ciên ênci
cias
da ges
gestão, com o um verdade
verdadeiiro ca
caval
valo de Troi
T roia. P or qu
quee
m encion
onar
ar o cavalo de T roi
roia? Po
Porq
rque
ue T ro
roiia,aq
a,aquiui,r
,repr
epres
esent
enta
justam ente a esfera do trabrabal
alho prop
pr opri
riam ente dita. a.O
O s no
novo
voss
m étodos
dos de ges gesttão serão intro rodu
duzi
zido
doss na cidad dadel
ela do
trab
abal
alho para
ara ex
ext
tirpar o sistem a dde
ev val
alores a ele ass
assoociad
ado
o.
E m qu
quee a nova
nova dou
douttrina de gestão é um cavalo ( (de
de T ro
roiia)?
E la efetivam ente s
se
e apr
apres
esent
enta com o m eio de o
ottim ização ddaa
34
Tr
Traabalho e suicídio
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
experientes que
intermediário, tinham por
trocando-os funçãopara
de função o substituí-los
enquadramentopor
jovens
jov ens diploma
diplom ados em escolas técnicas
técnicas superiores
superiores de gestão
gestão
5
(Bac + 2).
Quando essas substituições - que provocaram movimentos
sociais importantes, tanto no setor privado como no público
(na Previdência Social, por exemplo) - foram concluídas,
abateu-se a segunda onda: transferir o maior número de
tarefas técnicas para empresas terceirizadas, de maneira a
liberar a empresa dos constrangimentos, em relação aos
trabalhadores, dos contratos de trabalho.
Ao
A o longo desta bata
batalha
lha de T raia
aia do trab
trabaalho, f oi mesmo
mes mo o
"sistema" de valores associado ao trabalho que foi
"sistematicamente" combatido. A flexibilidade (o recurso às
subcontratações, o trabalho temporário e os contratos de
prazz o determinado)
pra determinado) permitiu, de fato, a elevação
elevação das
das
margens de lucro, o
_____________
4
Cf A 1ain
1ain Cotterea
Cottereau,
u, V ie quotidienne et résistance
résistance ouvrière à
Paris en 1870, estudo preliminar ao estudo de D. Poulot, Le
sublime, Paris, Maspero, 1980.
5
Bac + 2 é o diploma universitár
universitário
io de qua
qualif
lificaçã
icaçãoo mínim a
oferecido pelas instituições de ensino superior na França,
realizado em dois anos, oferecido a qualquer estudante que
concluiu o ensino médio, sem exame de seleção prévio
(vestibula
(ves tibular)
r) (n. do t.).
36
Tr
Traabalho e suicídio
_____________
6
Cf. J Jan-Claude Barbier & Henri Nadel, La flexibilité du
travail et de l'emploi, Paris, Flammarion, 2000; Michel
Husson, (dir), Travail flexible, salariés jetables, Paris, La
Découverte, 2006.
37
A psicodinâmica do reconhec
reconhecimento
imento
desestabilizada pela gestão
38
Tr
Traabalho e suicídio
________________________________________________
Vichy (Pétain). Foi quando a obrigatoriedade do ensino
fundamental, decretada no papel pela Revolução Francesa, foi
efetivamente implementada (n. do t.).
39
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
40
Trabalho e suicídio
" T rabal
rab alh ar n ão é apen
apen as produz
produ zir,
é tam bém
bém produzi
produzir-
r-s
se a sim
sim esm o"
Assim,
A ssim, a psicodinâmica
psicodinâmica do reconhecimento é ca capaz
paz de
transformar o sofrimento no trabalho em prazer, no sentido
do fortalecimento da identidade.
Ora, a identidade é a armadura da saúde mental. De sorte,
que, no momento em que um trabalhador se beneficia de re-
conhecimento, ele pode tirar proveito no registro da constru-
ção de sua saúde mental. No entanto, quando este reconhe-
cimento lhe é recusado ou mesmo confiscado, surge o risco
da desestabilização da identidade e do prazer experimentado
na relação de si a si mesmo, no amor de si (narcisismo). Não
há assim neutralidade do trabalho frente à identidade e à
saúde mental.
41
42
Trabalho e suicídio
No momento
mom ento
métodos em que
de gestão a coloniza
coloniz
estava em seuação
çãápice,
o do mundo
um novopelos novos
novde
método os
organização, estreitamente ligado à doutrina gestio-
43
__________________
10
Cf Christophe Dejours, L’évaluation du travail à l'épreuve du
réel. Critique des fondements de l'évaluation,
l'évaluation, conferência-
debate organizada pelo grupo "Sciences en questions", Paris,
1ma, 2003.
44
Tr
Traabalho e suicídio
45
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
galhada,
vio triturada e,apor
e do saber-fazer, fim, destruída.
duplicidade, No lugar do
a dissimulação e a conví-
má-fé
tornam-se regra.
No f im, cada
cada qual se encontra só, no meio da multidã
m ultidão,
o, em
um ambiente humano e social com características de hos-
tilidade. A solidão e o abatimento se instalam no mundo do
trabalho e isso muda radicalmente o cenário, no que diz res-
peito à relaçã
elaçãoo subjetiva frente ao
ao tra
trabalho
balho e à saúde
saúde menta
men tal.l.
Ao
A o contrári
contrárioo do que afirmam
afirmam certos aautor
utores,
es, o assédio
assédio moral
moral
no trabalho não é um fenômeno recente. Mas se, realmente,
as vítimas
v ítimas de assédio aumentam
aumentam considerav
considerav elmente,
46
Tr
Traabalho e suicídio
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
47
mento dos erros que agravarão o assédio e deixarão claro
que ele é culpado, que merece a desgraça.
Aí,
A í, se instala
instala a espiral
espiral da depressão.
depressão. Os sentimentos de im-
im -
posturaa, de err
postur erro, de decadência
decadência etc. podem se ampara
amparar do as-
as-
salariado com tal violência que ele chega a cometer o gesto
suicidário.
O silêncio dos outros diante do assédio sofrido por um co-
lega precipita
dignidade, da asolidariedade,
desagregaçãooudoseja,
sensodaquilo
comumque
da constitui
justiça, dao
"solo" comum sobre o qual está construído o "mundo", este
mundo que abriga 'a pluralidade dos homens.11 A derrocada
do "solo comum" leva ao que Hannah Arendt designa sob o
nome de "loneliness", que pode ser traduzido como "de-
sol(o)ação".12
Os danos psíquicos causados pela avaliação dependem, em
parte,
parte, da qualida
qualidade
de do mundo
mund o comum e das das relações
elações de
convívio e de saber-viver no mundo do trabalho, uma vez
que esses são determinantes na interpretação dos eventos e
dos processos
relações
relações sociaisnos quais cada um pode estar engajado nas
de trabalho.
trabalho.
_______________
11
Cf. Hanna
Hannahh A rend
rendt,t, W as ist Politik? Munique, R. Piper GmbH
& CoKG, 1993.
12
Cf. Ha
Hanna
nnahh A rend
rendt,t, The orig
origins
ins of totalitar
totalitarism
ism,, Nova
Nov a Y or
ork,
k,
Harcour
Ha rcourt,t, Bra
Brace
ce & WWorld
orld IInc.,
nc., 1951.
No texto,
tex to, dé-sol-a tion.
dé-sol-ation
48
Tr
Traabalho e suicídio
A qualidade total
49
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
errados,
falsa a qualidade
do que seja o tra total
ho.está baseada em uma concepção
trabalho.
bal
Rea
R ealmente,
lmente, a clínica do
d o tr
traabalho
balho e, sobretudo,
sobretudo, a ergonomia
mostraram, já há um bom tempo, que o trabalho ordinário é
incansável e inexoravelmente perturbado por incidentes, pa-
nes, disfunções, imprevistos e acidentes. Em outros termos:
as ciências do trabalho mostram que, mesmo quando o
trabalho é rigorosamente organizado por pessoas que sabem
o que é o trabalho - notadamente engenheiros -, pelo serviço
dos métodos ou pelos projetistas, em realidade a
prevv isibilidade
pre isibilidade do tra
trabalho
balho é inevitavelmente
inevitavelm ente desmentida
desmen tida
porvimprevistos,
pre
previmprev
isão istos, ou seja,
isão (incidentes,seja,panes,
por aquilo que justamente
justamente
disfunções, imprevf oge
istos,à
imprevistos,
acidentes). Esta é a razão pela qual é necessário - e será
necessário sempre - o trabalho vivo.
E isso sempre ocorreu, em todas as atividades industriais, e
é ainda mais patente quando se trata de atividades do setor
serviços, com a implicação do cliente, do usuário, do grupo
social etc., que, em razão de sua especificidade de ser vivo,
sempre trazem imprevistos ao trabalho real dos prestadores
do serviço.
50
Tr
Traabalho e suicídio
51
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
52
Trabalho e suicídio
N ão há com o rref
efutar,no
ar, no balanço des
dest
te vas
vast
to m ov
oviim ento de
rem anejam ento do trabalho através de:
privilég
égiios sistem aticam
cam en
entte af
afer
eriidos ao
aoss cr
criitér
éri
ios de
gestão,
ão,em
em detrim ento ao
aos
s do trab
rabal
alho
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av
aval
aliação individu
dual
alizada do
doss desem pen
enhhos;
qualidad
adee total;
que os novo
que novoss m étod
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os,em cerca de v viinte ano
anoss,d
,des
eses
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tru
ruttur
ura-
a-
ram o m un
undo
do social
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do trabalhoho,
, os pr
priincipais fun
undam
dam entos
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coopperaç
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ão e das s soolidar
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, ou seja, os prpri
incipais
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ponnentes do viver-
er-j
junto no trabal
rabalho
ho..
A desqu
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doss ofícios,a
s, a desol
desolação e a obobrrigação à
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recrudes
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cim ento das patologi
ogias
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dev idas à s
sob
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recarg
carga,
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patologias m enent
tais,e fizeram surgrgi
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suicídios até m es
esm
m o no localdo
ocal do trabal
rabalho
ho..
D o pon
ontto de vviista teór
eóriico, es
est
ta degradação
degradação da saúde m enenttal
se dem onstra, a contrario: a saúde m ental individual é
funda
damm en
enttalm en
ent te tributári
ária dda
aqquualidade
dade do tecido social
onde
on de cada um é con convividado a trabalhar e a aagi
gir.
r.EE é neces
necess
sá-
rio ad
admm itir qqu
ue esest
ta degr
degradação,
adação, que já foi lononge
ge dem
dem ais,
leva os hohomm ens à m ort
orte até m es
esm
m o em situações or
ordi
dinárias
de trabalho.
D o pont
po nto de vista pprát
rático,
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consequênci
ências s
são
ão tem íveis. A
ação, apó
apóss a con
cons statação ddee um suicídio, é irr rraci
acion
onal
al cas
caso
o
não objetive p pri
rincipal e p prrioritariam ent
ente qquues
est
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roduzi
zido
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do trab
rabal
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alnnestes últim os 'vinte an
anoos.
M as os danos ca
causa
usados
dos no uni
u niverso
verso hhum
um ano e ssoci
ocial do
trabal
rabalho são tão grav
g raves
es qu
quee um
um a ssi
im ples volta ao qu
quee era
an-
53
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
teriormente
par
partir eaélidade
tir da realidadoravante
de ta impossível.
tall como Éamos
a encontra
encontr assimhoje.
necessário
Como,
Com o,
neste atual contexto, podemos pensar em reconstruir as
condições propícias à reintrodução dos valores do trabalho?
É tarefa realmente árdua, mas não impossível. Um certo
número de pistas foram propostas em Conjurar a violência14
por uma comissão
com issão dedicada à aaná
nálise
lise dos meios
meio s necessários
necessários
paraa a prevenção da v iolência no tr
par traabalho,
balho, a qual tem no
suicídio uma forma particular.
Criticar os novos métodos de organização do trabalho in-
troduzidos sob a pressão da corrente gestionária implica
dirigir
da sua atenção
atenção
inteligência para
para as
as dime
diEm
no trabalho. mensõe
nsõess coletiv
outrascolpalavras:
etivas
as dotrata-se
trabalho
trabalhodee
elaborar novos procedimentos para análise e avaliação (no
sentido nobre do termo: julgar o valor) da cooperação, ou
seja, a maneira que juntos os membros de um coletivo de
trabalho remanejam as ordens e prescrições - a coordenação
- para elaborar as regras do viver-junto - a cooperação. Será
então necessário observar sistemática e metodicamente as
três dimensões da cooperação: cooperação horizontal (entre
colegas e pares); cooperação vertical (entre subordinados e
hierarquia); cooperação transversa (com os clientes e
usuários, particularmente no setor serviços).
É necessário colocar um termo à avaliação quantitativa e
objetiva do trabalho, de um lado, estudar a cooperação, de
outro. É fácil mostrar que a cooperação e o viver-junto são
indissociáveis, de maneira que todo progresso na qualidade
da cooperação está acompanhado de um progresso do conví-
___________
14 Chr
Christophe
istophe Dejour
Dejours,s, (dir), Conjurer la violence
vi olence (V iolence,
travv ail,
tra santé), Pa
Paris,
ris, Pa
Payot
yot & R ivages,
iv ages, 2007.
54
Tr
Traabalho e suicídio
Conclusão
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Tr
Traabalho e suicídio
2
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
A partir de 1884
As
A s gra
grandes oficinas de manutenção
manutenção do materia
materiall aeroná
eronáutico
utico
de Mermot foram criadas em 1884, após a guerra de 1870.
A mputada de quatro
quatro de suas
suas oficina
of icinass da B retanha
etanha e da
Aquitâ
A quitânia
nia,, a Compagnie de Méca
Mé canique
nique A éronautique
éronautique de
l'Ouest (Companhia de Mecânica Aeronáutica do Oeste) a
escolheu no momento da construção de suas novas depen-
dências no coração da Aquitânia, em Mermot, esquina das
58
Trabalho e suicídio
des jardins
seu local deque permitiram abrigar os operários próximos ao
trabalho.
Também foi criada uma escola de aprendizagem para os
diferentes ofícios da fábrica para formar ajustadores, carpin-
carpin -
teiros, torneiros mecânicos, montadores, lanterneiros,
pintores... O recrutamento, em seguida, seria realizado por
via "hereditária", ou seja, a preferência seria dada àqueles
que já tivessem parentes trabalhando na empresa.
Em 1924, Mermot tornou-se uma vila socialista, um bom
número de militantes guesdistas1 trabalhava na fábrica. No
início dos anos 1930, havia dois polos profissionais
importantes - o têxtil e o metalúrgico - que dominavam a
economia da cidade. As oficinas de Mermot que, no início
dos anos 1920, empregavam 500 pessoas, aumentaram seus
efetivos para alcançar, logo após a Segunda Guerra, um total
de 1.500 assalariados.
_____________
1
O guesdismo é a corrente social democrata dominante no
momento da cisão da esquerda operária francesa entre
socialistas
1920. e comunistas, no Congresso de T
Tours,
ours, em
59
As oficinas, hoje
H oje,s
e,se a as
s edifica
cações
ções e o m uro
uro externo p
perm
erm anece
anecemm on
onde
de
sem pre estiveram e se as atividad dades
es co
con
ntinu
nuam
am orien
ent
tadas
para a m ecânica p pes
esada.
ada.AA s técnicas e os of
ofí
ícios ev
evol
oluíram
cons
con sider
deravel
avelm ente.
A s of
ofi
icinas est
estão distribuídas em cerc
cerca addee2 20
0 prédios quque
ocupam
oc upam um terre rreno
no de 26 hec hect
tare
res
s. O terrerreno,
no, de form a
triangul
angular, é protegido por por uum
m m ur
uroo de 1.70 7000 m etro
ros
s de
perím etro e 2,5 de altura. ura. A of ofiicina de m on ont
tagem -
desm ontagem es esttá s
si
ituad
uadaa no centro do terr
erreno
eno e con
concent
centra
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atividad
dades
es m ais im portanant
tes da em presa. O utras edifica-
ções
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est
tão à sua vvoolta,
a,co
com
m o o ateliê m otor, o ateliê fufusela-
gem ,o ateliê fufunilari
aria-pintura,
a,oo ateliê b
bat
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eriia,
a,oos escr
escri
itórios
da adm inistração
ração. .
H á ce
cerca
rca de cem anos,gerações de operários s se
e revez
revezam
am nas
atividades
dades da ffábr
ábriica.A m aioria freq
requ
uentou a m esesm
m a esc
escoola,
a m es
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ass
se, participo
pou
u das m es
esm
m as tur
urm
m as de a apr
pren-
en-
dizagem
zagem . N um eros
erosos
os são aaquel
queles oriundos de um a m es esmma
fam ília.
a.AA m aiori
oria é "g
"gent
ente daqui
daqui", gen
gentte qu
queessem
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e viveu
em M erm ot. E les são f frequ
requent
entem ente pr
prop
opri
rietários de ssuas
uas
casas
cas as e, ao ingngres
ress
sarem em um do doss locais de trabalho ho,
,
sabem qu que
e ali term inar
narão
ão a ssua
ua carreira pr
prof
ofiission
onal
al e −
quem sabe
abe?? − em preg
regarão
arão os seus filho
hoss.
O apego dodos s as
assalariados para co
comm as sua
ua ffábr
ábriica é gr
grande,
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m esm
esm o sse
e conf
confl
lituos
uoso:
o: "Q uando nas
nasce
ceu
u o m eu m oleque,
eque, há
quatro anos
anos,eu d diisse cá com igo q
quue go
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que,
e,no
no futur
uro
o,
ele ocu
ocuppas
assse o m eu lug
ugar.
ar."
No ffi
ina
nal
l de de
dez
zem bro de 1997, a em pres
presaa em prega
pregava
va 655
ass
assalariados, incluind
ndoo 43 m ulheres
heres,
, em 50 diferentes
ofícios: eletricistas
as,
, técnicos eletrô
rôni
nicos, ajustado
adores,
res,
soldadores,tor-
60
Trabalho e suicídio
neiro
ross m ecâ
ecâni
nicos,
cos, proj
projetistas
as,
, des
desenh
enhiistas
as,
, técnicos e
em
m
inform ática,em
ca,em paco
acot
tado
adorres,alm oxarifes ...
A s tarefas
arefas a s
serem
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executtadas são:
E fetuar as revisões p
pro
rogr
gram
am adas e o
oss eventuais
consertos em aeronaves
consert aeronaves; ;
C onsert
on sertar e ddi
isponibilizar pe
peças
ças de reprepoosição para
aeronaves;
R ealizar estudo
doss técn
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regrras de m an
anu
u-
tenção.
A qualidad
dadee do trab
rabal
alho e o p
pro
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ssi
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doss oper
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onheci
hecidos e gogoza
zamm de grand
grandee reputaç
ação.
ão.
E ainda, as of ofiicinas receber
receberamam a cer
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ssu
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Q ualité M atériel
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voo
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navegação,
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e-
sito segurança.
As nov
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efaa s e o tr ba lho com flux tendu3
traa balho
A té o ano
ano d
dee 19
1995
95,
,as aeron
aeronaves
aves entravam
ravam nas oficinas para
sim ples revisão; era
eram
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esm
m o m odelo, do
m esm o tipo de opeopera
raç
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s e, gros
gross
so m odo, exigindo um
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esm o tipo de ororgani
ganiza
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ção
o ddo
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ho.. A s fun
unções
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papéis a s
papéi serem
erem des
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em penhado
penhadoss pelos operári
operários ees
stavam
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defi
inido
doss,a p
pro
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dução
ção bem
bem def
defi
inida por
por con
contta de
um a c
coopera-
oopera-
_______________
2
S eguro
eguro Q ualidade M aterialA eronáut
eron áutico.
3
F lux tendu (flux
uxoo tension
onado)
ado) é um a form
orm a de organi
organizaçã
zaçãoo da
produção
pro dução com redução
redução dos esestoq
oques,
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priincipalm ente ao lon
ongo
go
da linha de m ontagem
agem , bem com o um a aceacel
lera
eraçã
ção
o dos ritm os
de produção.
produção. C or
orres
respo
ponderi
nderia,
a,em
em parte,
e,ao
ao just-in-
n-t
tim e (n. do
t.).
61
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
62
Tr
Traabalho e suicídio
Em dezembro
empresa de 1997,Bernard
- o senhor foi anunciada a saída doimponente,
-, personagem diretor da
autoritário, profissional gabaritado, na empresa há dez anos
(quatro como diretor adjunto e seis como diretor), e que,
segundo as suas próprias palavras, "mantinha a empresa em
um abraço apertado." A chegada de seu sucessor (cerca de
vinte anos mais jovem) estava anunciada para o início do
ano de 1998.
Outras mudanças ocorreram na diretoria da empresa, de
maneira que, em dois anos, a equipe foi renovada pratica-
mente no todo, com a admissão de novos gestores no
comando,
em curso: em
"Deconformidade
um dia para ocom as novas
outro, toda adiretrizes
diretoria então
tinha
sido trocada... Nos locais de trabalho, dizíamos: 'Os ratos
estão abandonando o navio"'; "Foi um erro grosseiro mudar
todo mundo ao mesmo tempo."
63
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Início de 1998:
A crise
Logo
L ogo no início do ano de 1998, o anúncio de três
três suicídios
por enfor
enf orcamento,
camento, entre os assalari
ssalariaados de M ermot,
ermot, mergu-
lhou os funcionários da empresa em um estado de profundo
estupor.
Alguns
A lguns meses antes, em maio de 1997, já houver
houv eraa um pri-
meiro caso de suicídio. Em maio de 1998, ocorreu um
quinto caso de suicídio e, ainda, dois outros casos de óbito,
entre os funcionários, em decorrência de problemas de
saúde (um caso de úlcera, outro de cardiopatia). Uma dessas
últimas vítimas havia sobrevivido a duas tentativas de
suicídio.
O clima na empresa, já muito degradado, agravou-se mais
ainda com o surgimento da violência. Foram registrados nu-
merosos casos de agressão física, verbal, delação, ameaça de
morte, cartas apócrifas, trotes e chamadas telefônicas anôni-
mas de pessoas que se diziam mortas por suicídio, cordas
depositadas pelas bancadas... "Todos os dias, é necessário
apartar brigas entre operários que partem para as vias de
fato... isso está f icando
icando grav
grav e." "Pa
"Passei a ameaçar
meaçar os
colegas... não estou mais me reconhecendo." "Já havia
problemas
prob lemas de agre
agressão,
ssão, as
as coisas
coisas estav
estav am tomando um rumo
que a qualquer
mulherqua
delquer momento
mom entotestemunha:
um operário era de se esperar
esperar uma
"Todos explosão!"
sabiam A
que ele
estava deprimido, colocaram uma corda em sua bancada."
O absenteísmo atingiu níveis impensáveis, alcançando, para
o ano de 1997, 16,4 dias de falta por assalariado. O médico
do trabalho, recentemente contratado após a rápida sucessão
de três outros
outros profissionais em um
u m mesmo
mes mo ano, declarou
declarou que
os exames periódicos daquele ano mostraram que
64
Tr
Traabalho e suicídio
A demanda
demanda e su
suas
as ambig
ambiguidades
uidades
65
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
66
Tr
Traabalho e suicídio
67
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Quando
sentido depropus refletir
uma crise e analisar
dessa conjuntamente
envergadura, sobrefoio
a receptividade
ambígua, muitas foram as hesitações. Concentrados nas
ações necessárias para retomar o controle da empresa, os
jovens
jov ens diretore
diretoress espera
esperav am que eu os ajudasse
judasse a afastar
fastar os
sintomas detectados, mais preocupados que estavam por
pistass concreta
pista concretas que solucionassem
solucionassem o problema no curto curto
prazz o, nas ações eficazes propícia
pra propíciass à mobilizaçã
mobiliz açãoo das
das
equipes e à retomada da produção em níveis satisfatórios do
que propriamente em uma análise da situação, como se não
desejassem
deseja ssem enfr
enf rentar
entar eles mesmos
mesm os os fa
f atos.
68
Tr
Traabalho e suicídio
69
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
___________
4
Cf.
Cf . Christophe Dejours, De la psychopathologie
psy chopathologie à la
psychodyna
psychody namique
mique du tra
travv ail. A ddendum à la 2e éd. de Travail:
Travail:
Usure me mentale,
ntale, Pa
Paris,
ris, Bayar
Bay ard, d, 1993. No Brasil, cf. Christophe
Dejours,
Dejour s, ''A
''A ddendum'', in Selm a Lancman & Laerte Laerte Ida
Idall
Sznelwar (orgs), Christophe Dejours. Da psicopatologia à
psicodinâmica
psicodinâ mica do trtraabalho,
balho, 2. ed., Brasília/Rio
Brasília/Rio de Ja
Janeiro
neiro,,
Para
Pa ralelo
lelo 15/ Ed
Editora
itora FFiocruz
iocruz,, 2008
2008..
5
Com
Comitê
itê de higiene, segurança e condiçõ
condições
es de tra
trabalho.
balho.
70
Tr
Traabalho e suicídio
Primeiras entrevistas...
O pré-diagnóstico
71
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
psicóloga clínica se dispôs a ajudar-me
ajudar-me durante
durante esta fa
f ase, e
os pedidos de consulta ocorreriam em grande número.
Uma sala de reunião me foi oferecida. Insisti na necessidade
de dispor
como de verdadeiras
ao abrigo do olharinstalações, de Duas
dos colegas. fácil acesso, bem
salas foram
montadas imediatamente ao lado dos vestiários. A colega
psicóloga e eu comunica
comun icamos
mos nossos númer
núme ros de telefone a
todos.
Cerca de trinta entrevistas individuais foram então reali-
za
z adas
das com pessoas fragilizada
fragilizadas,
s, em dificulda
dif iculdade,
de, pessoas que
vieram atrás de ajuda e apoio psicológico, mas também que
gostariam de testemunhar, além de seu sofrimento e o de
seus colegas: "É necessário divulgar, escrever, que todo
mundo saiba o que está acontecendo aqui."
Todos evocavam uma profunda angústia, o medo constante,
o clima permanente de suspeição e de violência e, para uns,
o desespero, para outros, situações pessoais insustentáveis,
mas também profissionais
profissionais extrema
ex tremamente
mente duras,
duras, que não
não lhes
permitia v isualizar
isualizar qualquer
qualquer sinal
sinal de luz no fina
f inall do túnel.
Depoimento atrátráss de depoimento, e orientá
orientávv amos,
mos , enca-
minhávamos, quando necessário, para intervenções junto a
outros profissionais como psiquiatras, médicos, assistentes
sociais, até mesmo junto ao departamento de recursos
humanos da empresa, procurando uma saída ou uma solução
adequada parp araa cada caso particular.
Já nas
nas primeira
primeirass sessões, descobrimos a extensã
ex tensãoo da crise
crise
que se abateu na empresa e que se prolongava sempre com
mais força, estendendo seus efeitos deletérios em um
processo que não não podíamos
podíamos prev
prev er o curso nem os
sobressaltos: "Pura loucura, eu hesitava em vir conversar,
estavv a demasiadamente
esta demasiadamente enojado com tudo isso!"
72
Trabalho e suicídio
Os assalariados evocavam a saída do diretor que estivera à
frente da empresa durante dez anos, personagem autoritário,
pouco amigável e temido por todos. Mantinha a unidade da
empresa
tradições,ocultando
sufocandoasosdificuldades, asfixiando
conflitos e as rebeliões.todas as con-o
"Durante
período destes últimos anos, o estabelecimento era como
uma panela de pressão, o chefe [antigo diretor] mantinha a
pressão... e explodiu de uma vez ... Agora, todos se
permitem tudo, os insultos, os golpes, as cartas apócrifas ...
"
Alguns trabalhadores descreveram o estilo de comando do
antigo chefe como uma versão de ser o "todo-poderoso",
sem contrapoderes, semeando a culpa e colhendo a
infantilização e a vergonha entre os seus colaboradores: "o
diretor governava
e a diretoria como
era a sua soberano,
co rte...
corte... como não
" "O patrão monarca absoluto,
dava um pio, e
a partir do instante que você tomava uma iniciativa, não era
isso, não era assim e ele lhe dizia: 'você não mostra
dinamismo, seu desempenho é medíocre e se esta empresa
fosse privada, você não ficaria um minuto empregado .. .' As
reuniões da diretoria eram pura hipocrisia, o que eu dizia
era-me depois cobrado com juros e correção ... As reuniões
não serviam para nada a não ser para nos derrubar
moralmente; éramos tratados como verdadeiras nulidades, e
qualquer resultado negativo nos era imputado... Eu não
tinha condições sequer de apresentar um relatório, nessas
condições ... "
Muitos executivos insistiam em acentuar o seu sentimento
de aprisionamento, de isolamento em relação ao mundo
exterior, o que favorecia, segundo seus relatos, certa
dependência em relação ao "patrão", que levava os diretores
a um quadro de regressão e de infantilização: ''A empresa é
fechada demais, a gente se sente apartado, separado de tudo,
não se tem
73
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
contato com ninguém." "Há mais de quinze anos que estou
aqui, eu gostaria de ver como o trabalho é realizado em ou-
tros lugares, em outras empresas de manutenção de aerona-
ves, o domínio e o aprimoramento das técnicas empregadas.
Solicitei,
com durante
colegas três,
de outros
outr quatro anos, trocas
os estabelecimentos, tudodeemexperiências
v ão!"
O mal-estar já tomava conta do ambiente há muitos anos.
Mesmo
M esmo se de identificação
identificação difícil, estava inscrito
inscrito no tempo,
camuflado, negado ou oculto, sempre perturbador: "Nós a
sentíamos [a degradação] chegar sorrateiramente, ninguém
tevee a iniciativa
tev iniciativ a de contra
cont rapor-se
por-se à sua instalação."
instalação." "E a coisa
progredia
progr edia,, ev
evidentemente."
identemente." "Sentíamos que algo estav estav a
prestes
pre stes a acontecer,
contecer, não
não sabía
sabíamos
mos o quê!" "Este clima
horroroso por todo lado, cozinhando em fogo brando,
prestes
pre stes a explodir
explod ir,, os nervos à flor da pele, no limiar da
v iolência física."
física."
E ainda, sob o impulso de eventos desencadeadores, esta
realidade "abafada" provocou o desabamento repentino e
brutal de toda a estrutura e de seus assalariados: "É um
paiol,
pai ol, não
não se sabe
sabe como não explodiu antes!" "Explodiu
como uma panela de pressão cheia demais, fogo demais,
ferrv endo demais ..."
fe
Todas as entrevistas testemunharam a vivência de uma si-
tuação de caos inimaginável, de negatividade onipresente,
até mesmo de niilismo do qual ninguém sairia ileso: "É
possív
possível
maiselv ienxerga
jamais
ja enx ergar
isso emr ov inte
drama
drama e os
anos de efeitos
carr eiraaem
carreir todo o vmundo,
!" "Nunca mund o,
i nada
nada
igual... Foi dramático para todos nós, é um sentimento
indescritível."
Operários interrogados afirmavam não conseguirem mais
resolver suas dificuldades no seio da empresa e evocavam
um sentimento de impotência para fazer face à crise até
mesmo na vida privada: "Eu surtava, era agressivo,
descontava em
74
Tr
Traabalho e suicídio
minha mulher e nos meus filhos tudo o que engolia a seco
no trabalho!"
Para outros, a família representava o último bastião, o últi-
mo refúgio contra este sofrimento dificilmente suportável:
"Era insuportável... Não dormia mais. Se eu tivesse ainda
problemas em casa, não sei no que daria isso tudo!" "Eu
garanto, eu desenvolvia ideias negras... pensava coisas que
jamais havia pensado antes de chegar nesse fundo do
poço!... Felizmente, a família
família estava a postos!"
postos!"
Aproveitei essas entrevistas para apresentar o encaminha-
mento da intervenção em seu conjunto e propus que inte-
grassem o coletivo, que viessem trocar ideias, participar
com os demais da construção do coletivo.
76
Tr
Traabalho e suicídio
Ninguém
Contar comerao esforço
capaz depessoal
enxergar umavontade
e a boa saída para a crise.
de cada um,
era considerado um verdadeiro absurdo em tal contexto! O
trabalho perdeu todo o seu sentido a partir do momento em
que se tornou impossível imaginar os efeitos de sua ação,
encarar o que seria do dia de amanhã... "Quando nós
vivemos isso durante oito horas, todos os dias, perguntamo-
nos por que viemos ao mundo." Um jovem operário recém-
contratado declarou: "É uma fábrica de loucos, isto daqui!"
77
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
78
Trabalho e suicídio
prezados, mortificados,
mortificados, fragilizados, não têm mais
mais a gana ou
a energia para a resistência, pelo menos de forma aberta e
explícita. Refugiam-se no silêncio com medo de não mais
controlarem a sua própria palavra, medo que a palavra não
enlouqueça ela também.
Nessas condições, não seria melhor
melhor o não-dito, a resignação,
ao invés de dar livre curso ao seu ódio, à sua violência, às
suas pulsões desenfreadas? Não seria melhor dobrar-se em
si, ater-se exclusivamente ao seu sofrimento e mostrar-se
pouco receptivo ao sofrimento
sofrimento dos colegas?
O médico da empresa confidenciou-me: "Os operários estão
tristes... Muitos estão em estado depressivo; às vezes, a
depressão esconde-se por trás de sintomas com as lombal-
gias. Eles não entendem a razão de tudo estar desabando em
volta deles, sem qualquer reação... É como se eles não
tivessem mais a força para reagir."
Mas foi também no decorrer das primeiras entrevistas que
senti o surgimento de uma demanda, uma demanda de sen-
tido, de compreensão dos eventos, de intervenção... "É o
mínimo, ter a capacidade de analisar o que ocorre, a razão
disso tudo estar acontecendo, de classificar os problemas
antes de buscar a solução." "É necessário fazer algo e que
seja realizado pelos profissionais do chão da fábrica" "Não
consigo ficar quieto, quero trabalhar com a senhora, não
podemos deixar as coisas como estão ... "
79
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Instalação do coletivo de
de pilotagem
80
Tr
Traabalho e suicídio
81
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
A fase ativa
Depois de algumas
algumas sessões difíceis,
dif íceis, a interv
interv enção
enção de um dos
d os
membros do grupo foi determinante para a sequência da
intervenção.
interv enção. Jean-Y
Jean-Y v es pediu a palav
palav ra e relatou
relatou a sua expe-
ex pe-
riência, sua história: quinze anos de vida profissional nas
oficinas, a repulsa
sua pessoa, e o desprezo
a quarentena dos dirigentes
a que em relação
foi submetido quandoà
acometido por uma depressão. Todos o ouviam com
atenção, a emoção era palpável entre todos.
82
Tr
Traabalho e suicídio
84
Tr
Traabalho e suicídio
___________
6
Em outros termos, trabalhar a partir da lógica "produto" e não
mais da lógica "oficio",
7
Esta polivalência é superficial. Ela corresponde, efetivamente,
a uma desqualificação em relação aos ofícios antes mais
complexos e interessantes, substituídos por uma justaposição
de tarefas elementares.
85
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
86
Tr
Traabalho e suicídio
87
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
A maioria
maioria dos v etera
eteranos considerav
considerav a que a qualida
qualidade
de do
trabalho realizada deixou de ser comparável à de
antigamente. Esta constatação foi corroborada pelas
estatísticas sobre a taxa de incidentes observada durante as
operações periódicas nas aeronaves: essa taxa, em 1997,
conheceu uma progressão de 89% quando comparada ao
ano de 1994 para as aeronaves de tipo T2, e chegou mesmo
a triplicar para os modelos T7, para o mesmo período.
Um torneiro com mais de vinte anos de casa sublinhou:
"Não há mais qualidade de trabalho, empregam-se jovens
que ficam dois dias em estágio de experiência e depois são
jogados
joga dos à própr
própria
ia sorte,
sorte, devem
dev em produz
produzir
ir,, independentemente
independentemen te
de o trabalho ser bem feito ou mal feito... Os meninos não
entendem nada do que estão fazendo e acabam mandando
tudo às favas; agora, nós passamos a imitá-los".
Os depoimentos dos veteranos eram sempre os mesmos:
confessavam viver em profundo desalento, sem bússola na
organização que não permitia
trabalho de qualidade: "Eu amo mais que realizassem
meu trabalho... Constatouma
desqualificação do nível de competência dos operários à
medida que os anos passam a falta de domínio técnico dos
chefes de equipe. Os jovens devem produzir,
imediatamente, lucro! A prioridade é o faturamento, não a
qualidade!"
Ademais,
A demais, os jovens contrata
contratados,
dos, que ingressavam
ingressavam nas
nas ofi-
of i-
cinas e integravam as equipes com uma formação de nível
superior (bac profissional),8 causavam problemas. Eram
equipes originariamente constituídas de profissionais de
ofício,
supe- que, na evolução das promoções, seriam rapidamente
______________
8
Cf.
Cf . nota 5 da primei
primeira
ra parte,
parte, p. 36.
88
Tr
Traabalho e suicídio
89
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
O gerenciamento questionado
90
Tr
Traabalho e suicídio
Todos - operários
gerenciamento muitoe centralizado
executivos e- diretivo,
evocam deixando
um modopou-de
co espaço ao diálogo e ao debate, um gerenciamento conce-
bido pela pressão e pelo autoritarismo,
autoritarismo, pela intransigência, o
inumano: "Este gerenciamento brutal da diretoria é insu-
portável... As pessoas são dobradas à força, postas de joe-
lhos!" "Não há respeito pelas ideias e pela personalidade das
pessoas, o enquadramento é demasiadamente inflexível,
inumano, indiferente às aflições, denotando desprezo!"
Ao mesmo tempo, é percebido como impulsivo, sem visão
de futuro, sem ambição de longo prazo para a empresa:
"Eles navegam
sabe quem estáa vela,
no ficam esperando
timão!" Mais o ingênuos
vento... E ninguém
do que
propriamente arrogantes, os responsáveis tentaram mesmo
alguns aperfeiçoamentos nas condições de trabalho.
91
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Ao
A o desejarem
desejarem moder
mode rniza
niz ar as instalaç
instalações
ões nas oficinas, eles
suprimiram os "cantinhos de café", espaços de convivência
improvisados ajeitados pelos operários para as pausas, e os
substituíram por "espaços abertos", refeitórios mais limpos e
claros, com mesas e cadeiras de fórmica, quadro de aviso
com recomendações... Um dirigente exclamou perplexo:
"Não entendo, oferecemos a essa gente espaços abertos
onde eles podem encontrar-se, eles nunca vão lá!"
No mesmo
mes mo sentido, para
para diminuir a poluição
poluição sonora nas
nas
oficinas de retífica, a diretoria substituiu a oficina coletiva
por cabines dentro
dentro das
das quais
quais os operár
operários podiam
podiam traba
trabalha
lharr
sozinhos ou em dupla; o resultado da iniciativa, no entanto,
foi,i, sobretudo
fo sobretudo de impor o isolamento
isolamento dos torneir
torneiros,
os,
deixando-os separados da equipe de trabalho: "Outra coisa
me magoa, não se tem mais o contato, eles fazem tudo para
isolar as pessoas, e falam de cabines para proteger do
barulho... Instalam sempre mais barreiras para isolar as
pessoas, é terr
terrível!
íve l! A noção
noção de equipe é indispensáv
indispensáv el."
Enfim,
diretoriaosda
operários
empresadas oficinasdesta
organizar não entendiam
maneira a omobilidade
fato de a
dos executivos, nefasta, segundo relatavam, ao aprendizado
dos ofícios, da cultura profissional no chão da fábrica: "Os
executivos estão de passagem... Depois de dois, três anos,
eles vão embora... 'Depois de mim, o dilúvio... ' Um
verdadeiro problema. Eles só sabem trabalhar no curto
prazz o." "Nossa diretor
pra diretoria
ia não
não tem o mesmo
mesm o coração
coração que a
gente para preservar o nosso ambiente." "Enviam muitos
jovens
jov ens exexecutivos
ecutivos a Mermot para para que terminem
terminem sua
forrmação...
fo mação... S ão os operár
operários que v ão paga
pagarr pela porcela
porcelana
na
quebrada... O sujeito que chega ou é um matador que vai
detonar, e nós conhecemos bem isso aqui, ou é um pobre
coitado que vai ser detonado!"
92
Trabalho e suicídio
insegurança
completamentepara todos. A referência
desrespeitada, à lei,
transgredida. Nãoà havia
regramais
era
autoridade protetora e reguladora, não havia mais referência
de enquadramento e limite: "Não há qualquer limite sobre o
que se pode fazer!"
Ne ste contexto, o lugar
Neste lugar e o papel
papel da jovem
jove m diretor
diretoria
ia eram
eram
insustentáveis. Seus membros viviam o dia a dia atrás das
equipes que apresentavam algum tipo de problema, onde se
desenrolavam os conflitos, ali onde era necessário escutar,
negociar, acertar compromissos, explicar objetivos, detalhar
metas, traduzir os objetivos estratégicos em objetivos
operacionais,
s, os econflitos,
diferenças,
diferença ainda regular o grupo,
as dificulda des.reunir, administrar as
dif iculdades.
Conscientes de que tinham boa parcela de responsabilidade
nessas mudanças em curso e projetadas para o futuro, ti-
nham também o sentimento de ser o "refugo" do estabeleci-
mento.
Eram incapazes de desempenhar este papel de mediação e
regulação do sistema, de resolver as carências e as disfun-
ções da organização, sobretudo quando esta se encontrava
em fase de profunda transformação. Ao disporem de ins-
trumentosdomuito
nização frágeis
trabalho, elespara
eramintervir no processo
os primeiros de orga-
"atingidos" pe-
las decisões das quais não participavam da elaboração e, im-
potentes, padecia
padeciamm de um sentimento
sentimen to de desdém demons-
dem ons-
93
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
94
Tr
Traabalho e suicídio
95
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Aquele
A quele que está f ragilizado, com um problema médico ou
familiar,, a gente desconta nele, a gente o afunda ainda
familiar
mais."
O gerenciamento por pressão tem seus limites, mas os efei-
tos são terríveis. As ameaças e os controles sistemáticos
contaminam o relacionamento dos operários, exacerbam as
tensões e as rivalidades. Para além de um determinado
nível, destroem o moral dos agentes, do coletivo: "Comi o
pã
pão
erao que o diabo
diabo afísico,
esgotamento massou,aqui
no meu antigo
antigo tra
trabalho,
é esgotamento balmoral,
ho, mastodo
lá,
lá,
mundo sacaneia
sacaneia todo mundo."
m undo."
Esta pressão, inevitavelmente, provoca reações: os operários
se defendiam tanto individual como coletivamente.
Observavam-se condutas passivas de desmobilização, en-
quanto se multiplicavam os afastamentos por motivo de saú-
de, os acidentes de trabalho, mas também comportamentos
de provocação e de sabotagem: ''A gente reduz a cadência,
paraa vir tra
par trabalha
balharr aos
aos sába
sábados
dos ou para
para sabota
sabotarr o tra
trabalho
balho dos
outros. Toda forma de cooperação estava destruída; o
processo de tr
traabalho
balho para
paralisado;
lisado; as energia
energiass eram
eram liberada
liberadass
de forma desordenada e destrutiva, ninguém conversava
com ninguém, os valores estavam sendo pisoteados e, a
qualquer momento, era possível a passagem para "as vias de
fato": "Na linha de montagem, a mentalidade
mentalidade doentia do
chefe nos contaminava... Eu passei a provocar os colegas, a
gente acabav
cabav a por agir
agir assim."
Alguns
A lguns se aprov
proveita
eitavv am da balbúrdia
balbúrdia generaliz
generalizaada par
paraa ga-
nhar poder, exercer diferentes formas de perversidade, per-
versidade que podia instituir falsas lideranças que se sobre-
punham a uma
u ma ma
m assa que perdera
perdera qual
qualquer
quer ref
referê
erência
ncia:: "É a
lei da selva, agora é isso, o mais forte aguentará, ou então
ele não está nem aí!"
96
Tr
Traabalho e suicídio
97
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
A passagem à escrita
98
Tr
Traabalho e suicídio
Um setor preservado
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
99
Isso explica
exp lica o comport
comp ortaamento do grupo
grupo em relação
elação a um
jovem
jov em operár
operário. A cometido de um problema de hérnia de
disco, ele beneficiou-se de uma adaptação do posto de
trabalho, assim como dos horários a cumprir, isso por conta
da solidariedade de seus próprios colegas que não
desejavam que um de seus "pares" fosse transferido para um
setor mais "confortável". O médico do trabalho e a
hierarquia do setor confiavam no coletivo e fechavam os
olhos sobre as adaptações desta organização "pirata".
A descoberta
descoberta desta equipe caiu-m
caiu-mee como um bálsamo
bálsamo e
pude então
então realiz
realizaar uma
um a segunda constata
constatação:
ção: outras
outras regra
regras
podiam
podiam regular
regular a operaçã
operaçãoo realiz
realizaada pelas
pelas equipes, outra
outras
relações de trabalho podiam existir: reunir, regular,
promover
promov er o "viver-junt
"viv er-junto"
o" ao invés
inv és de controla
controlarr, espionar,
espionar,
alimentar
aliment ar disput
disputas
as e rupturas.
rupturas.
Esta "ilhota siberiana", no perímetro mesmo da empresa, é
sem dúvida surpreendente. Trata-se de uma situação
realmente paradoxal, até mesmo em sua denominação, pois
o enclave pode ser tudo menos uma Sibéria tzarista ou
stalinista. Trata-se de uma "zona franca" que se libertou do
restante da empresa porque ela trata de reciclagem e, por
isso, está fora da linha divisória que delimita a zona da nova
organização do trabalho a partir da concepção do flux tendu.
O principal impacto da ação conduzida pelo coletivo de
pilotagem
pilotagem estava centra
centrado na coopera
cooperação,
ção, principalme
principalmente nte na
cooperação vertical que havia praticamente desaparecido.
Maas é bem v erdade
M erdade que, em contra
contrapartida
partida,, nova
nov as fo
forrmas de
cooperação eram percebidas por um relaxamento sensível
das exigências do flux tendu, em favor de uma
reorganização das tarefas considerando as exigências
impostas por critérios de ordem profissional da qualidade do
trabalho bem feito. A
100
Tr
Traabalho e suicídio
101
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
P rov
rovocar um a ref
refl
lexão ind
ndiividual
dual e coletiva s
sob
obre
re os
os
efeitos da prát prática de cada um em term os de
exe
xemm plarida
dade
de e c cons
onse
equê
quênc
nciias: com o, enqua nquant
nto
dirigen
entte,po
e,p osso con
cont tribuir p
para
ara a m udan
dançaça do
doss fatos,
qual
qu al é m inha capacidade de escutar a respeito d das
as
disfunçõ
ções
es,
,a o ouuvir os con
confflitos, a divulgar e fazer
fazer co
comm
que
qu e as regras
regras do trabal
rabalho sejam reco
reconh
nheci
ecidas?
R eun
eunir,possssiibilitar o rrel
elacionam ent
ento d das
as pess
esso
oas en
env
vol-
vidas na exexpperi
eriên
êncicia d
doo co
colletivo: co
colletivo voltadado
o par
ara
a
os seus
seus pró
própr
priios recursos,s
recursos,sem em of
oferecer
erecer nen
nenhuhum
m a receita
para resol
resolver os
os seus prob
probllem as,
as, m as pro
procurando
curando a pos-
sibilidade
dade de escapar
escapar do isolam ento, de pôpôrr um fim
ao silêncio, de reen
reencon
cont
trar o elo pperd
erdiido com o o out
utro
ro,,
m as tam bébém
m cons
onsiigo m esm o.
P erm itir, com certo distanciam ento, o exer
exercí
cício da li-
berdade
berda de de escol
escolha e de de deci
cisão, bem com o o
reencon
reen cont tro das pess
pessoas
oas com sua capacidade de agir,
levando em cont
conta o eng engaj
ajam ento d de
e sua
sua
responsabi
respo nsabilidad
dade
e em relação ao ou out
tro
ro..
C om a a
aj
juda de A nne-
nne-S
S oph
ophiie,
e,cons
consttituí um prim eiro gru
grupo
po
com seis vo
vollun
unttários para ""exp
experi
erim entar" a pr
prát
ática.F
ca. F om os
obri
ob rigadas a "forçar"
orçar" um popouco
uco a barra: encontrar os res
res-
-
ponsáve
pons ávei
is de equipe, explica
car,
r, convence
convencer,
r, "prepara
"p reparar"
r" com
eles alguns "casos" viven enci
ciad
ado
os que eles gostar ari
iam de
com partilhar. E ste prim eiro ggrup
rupo,
o, se eel
le pudes
pudess se s
ser
er
estendido para outras oficinas,alcançaria bons resultados.
A reg
regra
ra do jog
ogoo foi
oiaassegu
eguiinte:o grup
grupo o se reun
reuniia a cada duas
sem anas em ses ess
sões com a duraçã
duração o m édia de duaduass horas
horas.
.
C ada um
um ,a part
partir de sua p
pró
rópr
pri
ia h
hi
istór
óriia,d
a,deessu
ua ex
expperiência,
sens
ensiibilidade, apr
apres
esent
entava um probprobl lem a con
concret
creto, algu
gumma
dificu
culldad
adee oou
u situaçã
açãoo esp
especí
ecífica a p par
art
tir d
daa qqu
ual ele
propori
pro poria m u-
102
Tr
Traabalho e suicídio
Christophe
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Traabalho e suicídio
Comentário metodológico
105
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ejour s & Florence
Florence Bègue
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106
Tr
Traabalho e suicídio
riamente,
canalistas.aos clínicos: psicólogos, médicos, psiquiatras, psi-
Contudo, no contexto atual, outros podem ser chamados a
empreender ou a participar de uma ação em campo após um
suicídio, particularmente os membros do CHSCT. E é
importante que estes últimos tenham acesso a esses princí-
pios para interpretá-los e adaptá-los às suas modalidades de
ação; ou ainda para escolher, em conhecimento de causa, os
clínicos e experts que podem ter uma atuação mais
adequada em detrimento daqueles que atuam a partir do
estresse ou da gestão do estresse, que prescreveriam
p rescreveriam terapias
de relaxamento
objetivo é abrire sessões de psicoterapia,
o caminho uma vez quedao
para a transformação
organização do trabalho suspeita.
107
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
franca oposição,
franca oposição, chegando à beira
beira da agressiv
gressivida
idade.
de. Par
Para re-
re-
sistir à possibilidade de fracasso da intervenção e persistir
em seu esforço de fazer os assalariados trabalharem sobre a
questão do suicídio, é necessário, de antemão, que o clínico
seja obstinado e se mantenha firme em sua determinação.
Maas sobre
M sobre o que se assentam
ssentam essa obstinação
obstinação e essa
determinação?
A pertiná
pertinácia
cia frente à possibilidade
possibilidade de f racasso,
casso, o clínico a
obtém, inicialmente, de sua própria personalidade e de seu
talento. Se essa tenacidade não pode ser confundida com
simples teimosia, que em nada contribuiria para o
desenvolvimento das atividades, é porque ela tem respaldo
em conhecimentos teóricos argumentáveis e argumentados.
Florence Bègue tem por característica a resistência às
adversidades, a obstinação, ao mesmo tempo em que tem
flexibilida
flex ibilidade,
de, uma v ez que ela não não se atém à simples
"aplicação" de princípios. Ela se apropriou desses
princípios,
princípios, de sorte que ela sabe, sabe, por conta de sua
experiência e da teoria, que a única via possível para dar
início a uma ação racional após uma série de suicídios passa
pela pala
palavv ra e pela escuta. É a raz
raz ão de
d e obstinar-se,
obstinar-se, durante
durante
o tempo que for necessário... em outros termos, até que uma
porta se abra
porta abra f rente ao
ao muro do silêncio.
É útil insistir: nesta obstinação frente à possibilidade de
fraca
fracasso,
sso, algo
algo da ordem
ordem dad a mensagem é, de fa
f ato, endereçado
endereçado
pelo clínico aos assala
ssalarriados.
iados. S em a recepção
recepção pelos tra
traba-
lhadores da mensagem que contém a determinação do clí-
nico no fato de prosseguir sua investigação, a comunicação
(no sentido nobre do termo) não seria instaurada e a inter-
venção não poderia ocorrer. Dar visibilidade à sua vontade
de continuar em busca do significado do suicídio no traba-
lho é, então, o primeiro gesto da ação e o primeiro princípio
da intervenção.
108
Tr
Traabalho e suicídio
A independência do clínico
clínico na ação
109
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Traabalho e suicídio
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Christophe
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Florence Bègue
ègu e
sente caso,
empresa, masfoia possível agregarhavia
escolha inicial um sido
clínicoemexterno
favor doà
médico do trabalho e da psicóloga que trabalhavam,
habitualmente, em outros locais da mesma empresa.
Depois da
d a separ
separação com esta colega psicóloga,
psicóloga, é uma pes-
pes -
soa recém-chegada no departamento de recursos humanos
que assume as funções. É de se observar que não é necessá-
rio, na equipe de intervenção, que todos os membros sejam
clínicos de formação. O que importa, prioritariamente, é que
haja entre os membros um entendimento explícito sobre os
princípios
princípios da ação
ção empr
em preendida
eendida pelo clínico.
A eficá
ef icácia
cia do dispositivo é notor
notoria
iamen
mentete potencializ
potencializaada
quando
qua ndo a equipe de intervenção pode, fforaora do local de inves-
inv es-
tigação, discutir e elaborar os encaminhamentos necessários
à ação, proceder à análise dos obstáculos, das hesitações,
decidir sobre os realinhamentos necessários, interpretar o
"material" (ou seja: da palavra viva recolhida em campo),
com um "coletivo de recursos" ou de "apoio" externo,
funciona
fu ncionando
ndo a part
partir
ir de um fr
f ranco espírito de camar
camaraadagem,
de solidariedade. No caso de Mermot, esta segunda equipe,
externa,
de acaboudo
Psicologia reduzida a uma
Trabalho e única pessoa
da Ação do no Laboratório
Conservatoire
Nationall des A rt
Nationa rtss et Métiers de Paris.
aris. Este recurso
ecurso foi
mobilizado na estrita medida das necessidades sentidas pela
equipe de intervenção. No caso em pauta, fui convocado
paraa re
par reuniões
uniões com Florence
Florence B ègue em pouquíssimas
oportunidades, se constatarmos a longa duração da
intervenção.
112
Tr
Traabalho e suicídio
_____________
5 Cf. Christian du Tertre, "Services immatériels et relationnels:
Intensité du travail et santé",Activités, n. 2, 2008.
113
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
ègu e
Na situaçã
situaçãoo muito par
particular
ticular do suicídio no tr
traabalho
balho que
está na origem
origem da demanda de intervenção de um clínico es es--
pecializado,
pecia lizado, é comum que os assalar
ssalaria
iados,
dos, mesmo
mes mo quando
quando
desejam participar dos trabalhos, peçam para se
expressarem apenas individualmente. É que então,
geralmente, evocar as circunstâncias do ou dos dramas
desencadeia sentimentos afetivos de tal intensidade (medos,
colapsos, raiva) que os assalariados sentem-se incapazes de
empreenderem uma aproximação do tema na presença dos
colegas. Ademais, acontece com frequência que o
assalariado, mesmo se com vontade de falar, percebe que ele
será levado a formular críticas, ou até mesmo acusações
contra alguns colegas que considera corresponsáveis pelo
suicídio ou pelos suicídios. Justamente, ele não deseja correr
o risco de deixar escapar tais julgamentos em público. A
discrição, e, sobretudo a proteção de um enquadramento
respeitando escrupulosamente o segredo profissional,
representa, para eles, a condição sine qua non para assumir
o risco de falar e dizer o que sabem e pensam.
Tr
Traabalho e suicídio
sigiloso,
empregadodepara
sorte que, efinalmente,
a análise eledos
a interpretação nãosuicídios.
possa ser
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Traabalho e suicídio
Christophe
hrist ophe Dejours
ejour s & Florence
Florence Bègue
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A pala
palav ra daquele
daquele que ousa dizer,
diz er, na frente dos demais, o
que pensa é outra coisa que um simples testemunho. Pois,
enquanto os outros o escutam, isso significa que aquilo que
está sendo dito lhes diz respeito até o momento em que isto
não mais ocorre, quando não se escuta mais e as conversas
paraalelas
par lelas tomam conta do ambiente, fazendo com que
aquele que está falando, fale só. Em contrapartida, se os que
estão escutando não estão de acordo com o que está sendo
dito, eles pedem a palavra para contestar o ponto de vista
evocado e oferecem, com isso, sua própria contribuição à
evolução do debate em curso. No final das contas, enquanto
os participantes estão falando, sobretudo quando iniciam
uma discussão com pontos de vista diferenciados,
eventualmente contraditórios, tudo o que está sendo dito
pode ser considera
considerado como
com o significativo daquilo
daquilo que, na
situação de crise em análise, releva de uma experiência
compartilhada pelos membros do coletivo. Alguns membros
que não se reconhecem nas formulações propostas pelos
diferentes interlocutores, ou que não suportam o que está
sendo evocado,
ingressam abandonam
e substituem o coletivo.
os que partiram; e o Novos membros
grupo acaba por
estabilizar-se em torno de uma progressão rumo ao
consenso sobre o significado que se deve dar à situação de
crise e aos suicídios.
Como se pode facilmente constatar, a representatividade do
coletivo de enquete em relação à composição da população
dos tra
trabalha
balhadores
dores da empresa
em presa não
não reveste,
rev este, aqui, qualquer
118
Tr
Traabalho e suicídio
119
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reúnam
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Trabalho e suicídio
Conclusão
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ejour s & Florence
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