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REVISTA PLURITAS, V. 1, N. 1, 2016.

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ISSN 2447 – 990X

CENTRO-OESTE BRASILEIRO:
ALGUNS SEMIÓFOROS DO PLANALTO CENTRAL

Gilvan Charles Cerqueira de Araújo


Doutor em Geografia pela UNESP
<gcca99@yahoo.com.br>
Nathan Belcavello de Oliveira
Geógrafo, Analista de Infraestrutura (Desenvolvimento Urbano) do Ministério das Cidades
<belcavello@hotmail.com>

RESUMO: Desde as relações estabelecidas com o meio que o rodeia, o ser humano gera um
complexo de identificação e representação que supera a objetividade. Nesse sentido, este artigo
apresenta o conceito de semióforo como aporte para a análise da ação da subjetividade por meio de
signos e símbolos criados e reproduzidos na região Centro-Oeste do Brasil, também conhecida como o
Planalto Central, e suas inter-relações com o território.
Palavras-chave: Semióforos, Centro-Oeste, Território, Brasil, Política.

BRAZILIAN WEST-CENTRAL:
SOME SEMIOPHORES OF “PLANALTO CENTRAL”

ABSTRACT: Since the establishment of relations with the environment that surrounds the human
being engenders a complex identity and representation that transcends objectivity. However, this text
presents the concept of semiophoro as input for an analysis of the action of subjectivity through signs
and symbols created and played in the Midwest of Brazil, also known as the “Planalto Central”, and
their interrelationships with the territory.
Keywords: Semiophores; Midwest region; Territory; Brazil; Policy.

INTRODUÇÃO
As regiões brasileiras, compreendidas em seus limites atuais, expõem sutilmente a
complexidade das imbricações espaciais (políticas, sociais, culturais, econômicas, entre
outras) nas diversas frações do território nacional, proporcionando sua grandeza. Isto
demanda, igualmente, uma habilidade na divisão territorial que, frequentemente, não atende
às reais necessidades político-administrativas da região, mas busca dirimir a viabilidade dos
fluxos dos modais de transporte, das infraestruturas de circulação informacional e de políticas
da hegemonia nacional (SILVEIRA, 2003).
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Nesse contexto, colocamos a região Centro-Oeste brasileira como um ponto forte de


debate sobre o papel da esfera governamental da nação. O governo elabora e implementa
planos de divisão territorial e, em grande medida, está como principal vetor de fundação de
elementos e ações constituintes do ideário de identificação regional. E sempre com o intuito
de justificar suas ações de recorte do território, baseando-se em um discurso ao mesmo tempo
integrador, do ponto de vista nacional e administrativo, e atomizador, contemplando as
diversas subdivisões existentes em seus planos regionais.

Figura 1 – Grandes Regiões Brasileiras

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE, 2014.


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A divisão territorial do poder em um Estado também acaba por proporcionar o


surgimento de semióforos de maneira direta – pela materialidade composta nos grandes
centros de decisão existentes em localidades específicas – e indireta – ao influir
contundentemente no controle das ações políticas e econômicas do país. Este é o caso do
Centro-Oeste brasileiro (figura 1), histórica e politicamente conhecido como o Planalto
Central1 (figura 2), onde se afere um forte apelo econômico por meio do agronegócio e, ao
mesmo tempo, a centralização do poder político em um único ponto da totalidade territorial
do país.
Figura 2 – Relevo brasileiro segundo Aroldo de Azevedo.

Fonte: Azevedo, 1951.

1
Classificação geomorfológica clássica do relevo brasileiro, proposta por Azevedo (1951), que ganhou forte
expressão sociopolítica, principalmente no processo de mudança da capital federal da cidade do Rio de Janeiro
para Brasília.
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ALGUNS SEMIÓFOROS DO PLANALTO CENTRAL


O semióforo é qualquer signo que está ligado a uma instância de manifestação do
mesmo como fenômeno social, histórico ou cultural. Estas instâncias de manifestação podem
ocorrer de distintas maneiras como, por exemplo, um acontecimento histórico que de peculiar
modo se destaque nos meandros do tempo, tomando cena nos livros de história como um
ponto de descontinuidade ou de importância no decurso do todo histórico de um povo ou
local.
Outros exemplos de semióforo que podemos destacar estão nas formas concretas ou já
estabelecidas naturalmente, que acabam por conjurar em si próprias um grau de simbolismo
que transborda seus contornos, identificando-se com uma sociedade ao tempo em que essa se
identifica com aquelas. Sobre o conceito de semióforo, Chauí (2005, p. 12) nos diz que é:
[...] um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa
alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim
por sua força simbólica: uma simples pedra, se for o local onde um deus
apareceu, ou um simples tecido de lã, se for o abrigo usado, um dia, por um
herói, possuem um valor incalculável, não como pedra ou como pedaço de
pano, mas com lugar sagrado ou relíquia heróica. Um semióforo é fecundo
porque dele não cessam de brotar efeitos de significação.

Nesse mútuo processo de identidade e identificação há muitas formas de construção e


validação para a existência dos semióforos. Por isso, podemos desprender na região Centro-
Oeste alguns naturais, outros construídos e, ainda, aqueles que, na verdade, são adaptações
calcadas em objetivos de uma classe social.
A sociedade, ao longo de seu próprio desenrolar histórico, cria e recria significados
para as coisas, ações, pessoas, lugares e situações. Esta cristalização do símbolo no tempo
ocorre quando sua importância perpassa a geração e época em que foi criado ou idealizado,
transformando-se em algo recorrente na vida, cotidiano e reconhecível para as pessoas do
meio onde inicialmente foi concebido.
Há, comprovadamente, um processo de identificação mútua entre os indivíduos que
vivem no território e nas infinitas construções e representações simbólicas nele existente. De
modo mais focado no campo geográfico, Claval (1979, p. 21) explica que o espaço:
[...] é um dos apoios privilegiados da atividade simbólica. Ele é percebido e
valorizado de forma diversa pelos que o habitam ou lhe dão valor: à extensão
que ocupam, percorrem e utilizam se superpõe, em seu espírito, aquela que
conhecem, amam e que é para eles signo de segurança, motivo de orgulho ou
fonte de apego. O espaço vive assim sob a forma de imagens mentais; elas
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são tão importantes para compreender a configuração dos grupos e forças


que os trabalham quanto as qualidades reais do território que ocupam.

Retomemos por um instante a quatro grandes semióforos do Planalto Central


brasileiro: (i) a ideia do centro como lugar onde habita o umbigo político-administrativo do
país; (ii) o tão mencionado e polêmico discurso construído pelo agronegócio sobre o “celeiro
do mundo”; (iii) a materialidade dada aos três poderes nas faraônicas construções de Brasília;
e, por fim, (iv) na pulverização da histórica concepção dos “dois Brasis” (CHAUÍ, 2000), ou
seja, o litorâneo e o do sertão que até o século XIX representava a divisão entre a classe
burguesa e letrada e a massa ou nações localizadas nas entranças do Brasil.

O UMBIGO DO PODER POLÍTICO BRASILEIRO


Desde a transferência da capital federal do Brasil, da cidade do Rio de Janeiro para
Brasília, há diversas especulações da verdadeira motivação que levou ao processo de mudança
do centro de gravidade dos três Poderes do Brasil litorâneo-burguês para o coração do sertão.

Figura 3 – Candango com os edifícios da zona central de Brasília (em construção) ao fundo.

Fonte: Jablonksy.
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Paviani (1987) nos mostra como o processo de construção da capital nacional em


pleno Planalto Central influenciou de maneira sutil toda a sociedade, pois temos que ressaltar
o modo como o povo da nova capital foi engendrado por meio de duas grandes classes: de um
lado, tínhamos os operários (chamados candangos – figura 3) das gigantescas construções que
abrigariam órgãos governamentais, e, do outro, chegavam as levas de políticos e
correligionários que ocupariam esses imensos edifícios.
Vesentini (1996, p. 113) ainda acrescenta que “desigualdades, violência, forte controle
sobre os trabalhadores, sobretrabalho – todos esses elementos interligam-se nas obras de
edificação da nova Capital Federal do Brasil”.
Por isso, podemos afirmar que houve, sim, o modelado minucioso do semióforo do
ponto territorial de poder, concretizado na fundação da cidade de Brasília como nova capital
do país. Burdeau (2005, p. xii), em sua obra sobre o Estado, apresenta-nos que mesmo sendo
conceituado como uma “ideia” aos moldes platônicos, o Estado deixa transpirar o poder que
exala em sua materialidade visível no território:
Ora, um exame um pouco atento deixa claro que, mesmo sendo da ordem
das idéias e não dos fenômenos concretos, o Estado não deixa de ser um
dado objetivo, cuja realidade é impossível negar sem se privar, ao mesmo
tempo, da compreensão de fatos que, por sua vez, são observáveis.

No caso do Centro-Oeste brasileiro, vemos a construção da imagem de um ponto de


convergência do poder ou, como nos exemplifica Raffestin (1993), uma concentração espacial
do poder, materializada na forma de edifícios e difundida pelos meios de comunicação de
massa, que na época atingiam seu principal momento de expansão.
A concentração territorial do poder ocorre no Brasil em momentos de intensa mudança
das localidades mandantes no cenário político nacional. Assim foi com a transferência da
capital de Salvador para o Rio de Janeiro, na era colonial, e, posteriormente, deste para
Brasília. Como escreve Vesentini (1996, p. 136):
[...] Brasília simbolizou na ideologia nacional-desenvolvimentista o “futuro
do Brasil”, o arremate e a obra monumental da nação a ser construída pela
industrialização coordenada pelo Estado planificador [...]. Localizada no
“coração do Brasil”, no “centro geográfico” [...] do País, em oposição à
velha Capital litorânea, símbolo da ‘nossa dependência econômica em
relação aos centros mundiais do capitalismo’ e da política tradicional e
corrupta, Brasília seria o exemplo meridiano da “nova civilização” que se
gestava, do Estado funcional e planificador, voltado apenas para os
“verdadeiros anseios da Nação” e isento de politicagem e corrupção.
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Assim, ainda que não fosse essencial, a nova capital é responsável por avanços
significativos da integração nacional e da formação de uma identidade nacional moderna,
levada a cabo pela industrialização concentrada na região Sudeste, mas que tinha que formar
um território nacional, seja para atender sua demanda por matérias-primas, seja para ser seu
mercado consumidor – aliando-se processualmente com uma modernização conservadora do
campo e uma urbanização temporalmente acelerada e espacialmente concentrada.
Como confirma Vesetini (1996, p. 116-117):
De fato, o momento da construção da nova Capital é o da consolidação de
um espaço geográfico nacional que vinha se gestando com a
industrialização. [...] A interiorização da Capital Federal do Brasil, então,
pode ser vista nesse bojo como parte ou etapa importante – não necessária, já
que inserida na política, mas que uma vez realizada passa a acelerar o
processo – no engendramento do espaço nacional integrado com a (nova)
divisão inter-regional do trabalho.

Porém, de ingênuo nada houve na escolha do Planalto Central como nova égide do
poderio governamental do país. Muito planejamento, investimentos públicos e chamamento
popular de grande escala foram necessários para que ao fim de cinco anos o intento inicial
tivera alcance.

O “CELEIRO DO MUNDO”
Não é de hoje que existe o debate das razões por que os terrenos planos do Planalto
Central se transformaram em hectares e mais hectares de plantações de commodities, tendo
como carro-chefe a soja. O que nos instiga à crítica desta situação é a maneira como ocorre o
avanço do discurso ruralista no Centro-Oeste, principalmente depois da década de 1970,
quando se assentam visivelmente os primeiros indícios da chamada revolução verde
(SANTOS; SILVEIRA, 2002).
Ao que tange a ideia de “celeiro do mundo”, há uma característica interessante. É a de
sustentação para a sociedade de um discurso carregado de vinculação ao poder da nação em
ser uma das principais produtoras de grãos do planeta, ostentando com certa imponência tal
título. E os números da produção rural não deixam desmentir, conforme podemos ver no
gráfico 1. Considerando os cinco países maiores produtores de soja – principal commodite
agrícola nacional e com significativo destaque no Centro-Oeste – em 2013, o Brasil mantém a
segunda colocação mundial desde 1974, ano em que conseguiu superar a China em mais de
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400 mil toneladas produzidas. Além disso, nos últimos anos o país se aproxima
consideravelmente da produção dos Estados Unidos – por décadas incontestavelmente o
maior produtor mundial –, sendo a diferença inferior a 10% em 2013 entre ambos os países
(FAO, 2014). Observamos que há um ascendente praticamente contínuo na produção de soja
brasileira. E o Planalto Central teve papel primordial nessa evolução.

Gráfico 1 – Produção de soja dos cinco maiores produtores mundiais em 2013, de


1970 a 2013.
100.000

90.000

80.000

70.000

60.000
Mil toneladas

50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

0
70

74
76
78

82
84

88
90

96
98
00
02
04

08
10
12
72

80

86

92
94

06
19

19
19
19

19
19

19
19

19
19
20
20
20

20
20
20
19

19

19

19
19

20

Anos

Estados Unidos Brasil Argentina China Índia


Fonte: FAO (2014).

Já sabemos que, de maneira quase unânime, o Planalto Central é concebido como um


grande belt ou, como é mais conhecido ultimamente, front de expansão agrícola. Cabe a si o
comando das cifras gigantescas de produção de grãos que sustenta boa parte da economia
brasileira que ainda é, em boa medida, dependente dos constantes e crescentes números
alcançados pela produção no core da agroindústria localizada, principalmente, nesta região do
país.
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Os últimos dados da produção agrícola no Planalto Central mostram um visível


crescimento exponencial dos números do agrobusiness. No caso da soja, podemos perceber
sua evolução espacial e de amplitude produtiva desde a região Sul em direção aos Estados do
Centro-Oeste, como disposto nos mapas (figura 4). Esta expansão produtiva somente foi
possível por meio do uso intensivo de tecnologia combinado com a manutenção da
concentração fundiária, como afirmam Theodoro, Leonardos e Duarte (2002, p. 149):
É, contudo, a partir dos anos 70 que se começa a desenhar uma nova
estrutura fundiária para a região, motivada pelo ciclo modernizador [...]
agrícola do cerrado. [...] Já nos anos 80, a agricultura intensiva tomou
impulso na região, com a viabilização tecnológica do cultivo da soja,
definindo a estrutura fundiária que mostra um perfil ainda mais claro quanto
ao predomínio das grandes propriedades. Se, como no passado, já existia a
figura dos latifúndios, a situação passou a ser potencializada após os
incentivos oficiais [...].

Podemos considerar esta situação social, econômica e histórica (ou seja, espacial)
como semióforo. Isso porque a ideia de celeiro é transmitida como um bem comum para o
progresso da nação e, principalmente, pela camuflagem que acarreta nas consequências da
adoção e aceitação das causas que implicam na carga imediata ou de longo prazo que sua
sustentação provocará a toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, Theodoro, Leonardos e
Duarte (2002, p. 151) destacam, em análise que fazem sobre a produção agropecuária no
bioma Cerrado, principal ecossistema do Centro-Oeste afetado pela ampliação da área de
produção de soja:
[...] A adoção desse modelo de produção possibilitou, ou mesmo ampliou, as
incoerências ecológicas praticadas em solos não aptos a este tipo de práticas
agrícolas. Convém lembrar que, raramente, os problemas manifestam-se de
imediato. Em muitos casos, o agricultor somente se dá conta da
insustentabilidade da produção quando os problemas ambientais – terras
erodidas e pastagens degradadas – se avolumam e inviabilizam a
manutenção do nível de produção.
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Figura 4 – Cartogramas com a média dos anos com produção de soja nas décadas de 1970,
1990 e 2010 por Municípios produtores.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados de IPEA (2014) e IBGE (2014).

Assim, a manutenção de um ecossistema frágil – mas riquíssimo em termos de fauna e


flora – é sobrepujada pelo semióforo que vincula o pretenso controle nacional sobre a
produção agrícola mundial à liderança de um Planalto Central tecnologicamente moderno,
porém conservador em termos fundiários e ambientalmente degradante.
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OS FARAÓS DO PLANALTO CENTRAL


Quando o centro político, materializado na forma de grandes edifícios que hoje
configuram a paisagem da capital federal (figura 5), concretizou-se, não foi levado em
consideração o ônus social e político que esta ação histórica promoveria no decurso de
décadas ascendentes.

Figura 5 – A monumentalidade dos edifícios no centro do poder de Brasília, Distrito Federal.

Fonte: Oliveira (2010).

A incumbência de sintetizar a ostentação do poder na forma de grandes edifícios


surgiu no período desenvolvimentista, certamente impulsionado por planos de expansão das
fronteiras no grande sertão brasileiro. Entretanto, não podemos deixar de revelar a
importância que foi a pressão aristocrática da época com relação ao projeto de integração
nacional, discurso que tomou conta das esferas acadêmicas e das assembleias de intelectuais
desde a virada do século passado após a derrocada da monarquia e instituição da república.
O que assistimos ocorrer no período é aquilo que Milton Santos denomina de processo
(SANTOS, 1985), ou seja, uma culminância de fatores e vetores históricos que, juntos,
engendraram uma paisagem espacial materializada no território pela técnica. No caso do
Centro-Oeste brasileiro, temos duas grandes situações que configuram este quadro.
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De um lado, houve o impulso do discurso ruralista a partir da década de 1970 na


região, atendendo aos grandes senhores fundiários daqueles Estados. Por outro, temos a
concentração do poder político e de boa parte da aristocracia agrária do país – que faz parte da
tão famosa e polêmica bancada ruralista nas Assembleias Legislativas dos Estados e no
Congresso Nacional –, insólita em suas colocações e abusos de representatividade ao longo da
história da política brasileira.
Por essas e outras razões, podemos considerar este novo quadro de grandes
conspirações políticas representacionais, com as decisões previamente induzidas no
Congresso Nacional, como um enorme semióforo social, historicamente construído e de
difícil desmonte, devido à complexidade de sua estrutura de formação e sustentação.

O FIM DOS “DOIS BRASIS”


Distintamente da afirmação de Jacques Lambert (1969), ao longo de seu processo de
desenvolvimento histórico, o Centro-Oeste rompeu com uma antiga dualidade secularmente
defendida e difundida. Isso ocorria pelo fato de que a maior parte dos magnatas descendentes
dos colonos europeus, aristocratas e políticos de todos os tipos estavam concentrados em
grandes centros do litoral brasileiro, especialmente em Salvador e, posteriormente, no Rio de
Janeiro. Contrastava-se, desse modo, com o interior longínquo, vazio, atrasado, selvagem e
“incivilizado”, caricaturado pelo caipira, o sertanejo e o indígena.
Depois da transferência de localização da capital federal para Brasília e o avanço
constante do discurso ruralista do “sertão”, vemos o nascimento de um novo semióforo que na
atualidade não relega para si sua auto-justificação. Ou seja, a de que é no centro do Brasil, no
Distrito Federal, que se encontram os donos da Nação.
Este fenômeno foi possível graças a uma ação conjunta e coordenada de forças
políticas e sociais, associadas a um aumento dos fluxos materiais e informacionais na região
central do país, sem os quais a construção do ideário da central gestora do poder não atingiria
seus objetivos.
Santos e Silveira (2002) sintetizam esse aumento dos fluxos no Centro-Oeste quando
consideram o fator de viabilidade territorial em um meio quase natural ocorrido no centro do
Brasil, devido ao avanço do meio técnico-científico-informacional.
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O IMAGINÁRIO SOCIAL E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE TERRITORIAL


Os semióforos apresentados constituem um grupo de iniciativas delineadas em um
bojo político pautado pelo discurso político aristocrático. A história da construção da
identidade nacional brasileira está repleta de exemplos assim. No caso do Brasil, em
particular, seu território se tornou o principal suporte de geração deste discurso, estruturado
principalmente pelas riquezas naturais e características gentílicas do povo.
A Geografia tem um papel de singular importância pela capacidade de analisar o
fenômeno da aplicação do discurso e do poder políticos como instrumento de dominação e
controle do Estado Nacional. Sobre a relação entre território, o discurso dominante e a
importância da Geografia no escrutínio analítico da relação entre eles, Castro (1997, p. 155)
diz que:
Considerar o imaginário político e território como termos que possam
articular-se coerentemente numa discussão acadêmica decorre da acepção
mínima da política como controle das paixões humanas e do território como
o suporte material para a convivência, necessária à liberação da energia
inerente àquela pulsão. O imaginário social, por sua vez, é o cimento dessa
coerência por tornar visível e interpretável simbolismos presentes nas
relações dos homens entre si e com seu meio, os quais materializam-se nos
diferentes modos de organização sócio-espacial. É neste sentido que o
imaginário político, território e natureza encontram-se entrelaçados em
situações concretas, explicando algumas das questões-chave, tanto da
representação territorial da política como o sentido dos seus discursos e das
bandeiras regionalistas.

Concluímos que é indissociável a relação entre o discurso formador e estruturador da


política nacional com seu poder de valorização espacial e agregação de sentido e
identificação. Cabe à Geografia e aos geógrafos estabelecerem os parâmetros para a
compreensão deste fluxo de vinculação entre o poder discursivo e a prática política. Para Yves
Lacoste (2000), o discurso geográfico sempre esteve ligado aos interesses dos Estados
nacionais. Este posicionamento é amplamente observável no período vivido pelos países
europeus durante as duas grandes guerras e também nas longas décadas posteriores marcadas
pela Guerra Fria. O conhecimento físico e humano do território possibilita aos governos dos
Estados nacionais fortalecerem seus discursos políticos de dominação e legitimação:
Para toda ciência, para todo saber deve ser colocada a questão das premissas
epistemológicas; o processo científico está ligado à uma história e deve ser
encarado, de um lado, nas suas relações com as ideologias, de outro, como
prática ou como poder. Colocar como ponto de partida que a geografia serve
primeiro para fazer a guerra não implica afirmar que ela só serve para
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conduzir operações militares; ela serve também para organizar territórios,


são somente como previsão das batalhas que é preciso mover contra este ou
aquele adversário, mas também para melhor controlar os homens sobre os
quais o aparelho de Estado exerce sua autoridade. A geografia é, de início,
um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas políticas
e militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado
desinformações extremamente variadas, heteróclitas à primeira vista, das
quais não se pode compreender a razão de ser e a importância, se não se
enquadra no bem fundamentado das abordagens do Saber pelo Saber. [...] A
geografia, enquanto descrição metodológica dos espaços, tanto sob os
aspectos que se convencionou chamar “físicos”, como sob suas
características econômicas, sociais, demográficas, políticas (para nos
referirmos a um certo corte do saber), deve absolutamente ser recolocada,
como prática e como poder, no quadro das funções que exerce o aparelho de
Estado, para o controle e a organização dos homens que povoam seu
território e para a guerra (LACOSTE, 2000, p. 10-11).

Estas colocações vão de encontro à criação dos semióforos erigidos com fins
claramente nacionalistas, com o intuito de estabelecer ainda mais referências dominantes,
muitas vezes distantes das camadas mais modestas da sociedade civil. Contudo, as ações,
posturas e discursos políticos visam a atender de imediato aos interesses das classes
detentoras do poder econômico e do Estado no país, engendrando um círculo de mútua
sustentação deste cenário. Para Castro (1997, p. 160-161), isso quer dizer que:
O campo das relações entre política, como controle da ação individual e
coletiva, e o espaço, como continente destas ações em função da inserção
territorial fundadora do fato político, revela um amplo e estimulante leque de
questões que se colocam para a agenda de pesquisa da geografia
contemporânea.

O trabalho de crítica a tal situação de atendimento ideológico da Geografia para fins


políticos e econômicos, de estruturação e manutenção de um aparato simbólico de dominação
territorial é, indubitavelmente, o campo de maior interesse a que o profissional do saber
geográfico deve ater-se.
A alma nacional de um país é formada pela referência aos seus fundadores e o culto a
estes representantes de sua liberação, emancipação ou expansão. Um fator que levanta certa
preocupação e curiosidade com relação à identidade brasileira é justamente a ausência destes
indivíduos, recordados como heróis nacionais (ÁLVARES, 2000). Em primeiro lugar porque
tais heróis, na maioria das vezes, pertenciam às classes sociais distantes de grande parte da
população do país, como é o caso dos grandes generais, marechais e coronéis da elite das
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Forças Armadas do Brasil. Os verdadeiros heróis nacionais são os pequenos representantes


locais e regionais que, mesmo venerados, permanecem ainda ligados a um passado longínquo
ao da contemporaneidade e, muitas vezes, representam o antagonismo das disputas locais por
emancipação, contrapondo as ambições de unidade nacional de um país com dimensões
continentais, como é o caso brasileiro.
Em segundo plano, temos a responsabilidade de orgulho e referência simbólica
nacional direcionada para os arquétipos de valoração e sublimação do que é edênico. Como já
foi apresentado por meio da construção simbólica dos semióforos do Planalto Central, os
brasileiros recorrem às questões ambientais, naturais e gentílicas para serem representados em
uma pseudo alma nacional. A veneração e o respeito desde as mais tenras idades são, sem
sombra de dúvidas, enfocado para amplitude do território, suas riquezas e benefícios
exploratórios. A invalidação da força identificativa de um povo com sua própria história
provoca sua alienação política e sua abstenção cultural e nacional. É o mais evidente expoente
e exemplo da dominação econômica e política das classes aristocráticas que permeiam o
poder de decisão e gestão do território e da história do Brasil.
Todos os países têm e cultuam os seus heróis. Em algumas nações este culto
chega a ser devoção. Incorporam-se aos costumes e tradições. Representam a
alma da Pátria. [...] No Brasil, infelizmente, sepultamos a prática de cultuá-
los. Tornaram-se nomes expressivos para recessos e feriados prolongados.
Mas não apenas heróis foram vítimas da negligência de nossas autoridades,
para que se implantasse uma anticultura nacional. As tradições estão sendo
constantemente minadas nas suas bases, permanecendo apenas aquelas que
servem como fontes de lucros empresariais, como atrativos turísticos.
Inverteram-se os valores culturais e o sentido de espontaneidade das festas
folclóricas regionais. O poder econômico alcançou as raízes de nossas
tradições (ÁLVARES, 2000, p. 64).

O tema de dominação política por meio do discurso simbólico e sua aplicação ao


território são tão vastos quanto forem as variáveis involucradas. A sociedade está intricada ao
meio onde vive e nele cria laços de dependência, identificação e desenvolvimento histórico e
territorial (espacial, portanto).
As esferas cultural, social, política, econômica e ambiental foram o substrato
complexo dos fios condutores da relação entre o ser humano e o território habitado por ele. O
conjunto indissociável das esferas, o ser humano e o território formam, assim, o espaço
geográfico (OLIVEIRA; ARAÚJO SOBRINHO, 2012 e OLIVEIRA, 2013). É neste
intermédio, conforme já explicitado pelas palavras de Castro (1997) e Lacoste (2000), que o
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labor do geógrafo encontrará sua mais profícua profundidade, utilidade e resultante de


aplicabilidade e desenvoltura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEMIÓFOROS E O ESPAÇO GEOGRÁFICO


No início do texto buscamos expor como o conceito de semióforo é expansível para
um nível histórico e territorial que vá além dos simples objetos impregnados de significados
diversos. Desse modo, os exemplos dos semióforos relacionados ao Planalto Central do Brasil
correspondem a ideias materializadas ou não, mas que compõe um conjunto de símbolos
plenos de importância na sociedade brasileira.
Temas relacionados ao que foi apresentado neste trabalho são de extrema importância
para que compreendamos a dinâmica de formação das representações sociais brasileiras. O
conceito de semióforo mostrado e desenvolvido aqui possibilita um grande passo para chegar
ao debate de nichos semiológicos que, normalmente, não são explorados pelos geógrafos,
sendo que, para uma pesquisa geográfica, é necessário uma aprofundamento que cobre vários
outros estudos de diferentes ciências sociais como História, Sociologia, Antropologia, entre
outras, além de outras áreas do conhecimento humano, justamente por mostrarem a paisagem
de compreensão sobre alguns aspectos desta região brasileira, rompendo paradigmas no caso
da inversão dos “dois Brasis”. Ou, então, construindo novos, como é o caso da edificação da
capital federal e dos incentivos ao desenvolvimento agrário.
Chegamos, ao final, num ponto onde podemos afirmar não somente a existência, mas
também a constatação destes semióforos do Planalto Central, além dos dados estatísticos e
econômicos, visando um entendimento mais histórico, político, ideológico e social do
território em suas múltiplas relações, conformando assim a compreensão espacial do
fenômeno, tão cara a nós geógrafos.

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