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ISSN 2447 – 990X
CENTRO-OESTE BRASILEIRO:
ALGUNS SEMIÓFOROS DO PLANALTO CENTRAL
RESUMO: Desde as relações estabelecidas com o meio que o rodeia, o ser humano gera um
complexo de identificação e representação que supera a objetividade. Nesse sentido, este artigo
apresenta o conceito de semióforo como aporte para a análise da ação da subjetividade por meio de
signos e símbolos criados e reproduzidos na região Centro-Oeste do Brasil, também conhecida como o
Planalto Central, e suas inter-relações com o território.
Palavras-chave: Semióforos, Centro-Oeste, Território, Brasil, Política.
BRAZILIAN WEST-CENTRAL:
SOME SEMIOPHORES OF “PLANALTO CENTRAL”
ABSTRACT: Since the establishment of relations with the environment that surrounds the human
being engenders a complex identity and representation that transcends objectivity. However, this text
presents the concept of semiophoro as input for an analysis of the action of subjectivity through signs
and symbols created and played in the Midwest of Brazil, also known as the “Planalto Central”, and
their interrelationships with the territory.
Keywords: Semiophores; Midwest region; Territory; Brazil; Policy.
INTRODUÇÃO
As regiões brasileiras, compreendidas em seus limites atuais, expõem sutilmente a
complexidade das imbricações espaciais (políticas, sociais, culturais, econômicas, entre
outras) nas diversas frações do território nacional, proporcionando sua grandeza. Isto
demanda, igualmente, uma habilidade na divisão territorial que, frequentemente, não atende
às reais necessidades político-administrativas da região, mas busca dirimir a viabilidade dos
fluxos dos modais de transporte, das infraestruturas de circulação informacional e de políticas
da hegemonia nacional (SILVEIRA, 2003).
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Classificação geomorfológica clássica do relevo brasileiro, proposta por Azevedo (1951), que ganhou forte
expressão sociopolítica, principalmente no processo de mudança da capital federal da cidade do Rio de Janeiro
para Brasília.
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Figura 3 – Candango com os edifícios da zona central de Brasília (em construção) ao fundo.
Fonte: Jablonksy.
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Assim, ainda que não fosse essencial, a nova capital é responsável por avanços
significativos da integração nacional e da formação de uma identidade nacional moderna,
levada a cabo pela industrialização concentrada na região Sudeste, mas que tinha que formar
um território nacional, seja para atender sua demanda por matérias-primas, seja para ser seu
mercado consumidor – aliando-se processualmente com uma modernização conservadora do
campo e uma urbanização temporalmente acelerada e espacialmente concentrada.
Como confirma Vesetini (1996, p. 116-117):
De fato, o momento da construção da nova Capital é o da consolidação de
um espaço geográfico nacional que vinha se gestando com a
industrialização. [...] A interiorização da Capital Federal do Brasil, então,
pode ser vista nesse bojo como parte ou etapa importante – não necessária, já
que inserida na política, mas que uma vez realizada passa a acelerar o
processo – no engendramento do espaço nacional integrado com a (nova)
divisão inter-regional do trabalho.
Porém, de ingênuo nada houve na escolha do Planalto Central como nova égide do
poderio governamental do país. Muito planejamento, investimentos públicos e chamamento
popular de grande escala foram necessários para que ao fim de cinco anos o intento inicial
tivera alcance.
O “CELEIRO DO MUNDO”
Não é de hoje que existe o debate das razões por que os terrenos planos do Planalto
Central se transformaram em hectares e mais hectares de plantações de commodities, tendo
como carro-chefe a soja. O que nos instiga à crítica desta situação é a maneira como ocorre o
avanço do discurso ruralista no Centro-Oeste, principalmente depois da década de 1970,
quando se assentam visivelmente os primeiros indícios da chamada revolução verde
(SANTOS; SILVEIRA, 2002).
Ao que tange a ideia de “celeiro do mundo”, há uma característica interessante. É a de
sustentação para a sociedade de um discurso carregado de vinculação ao poder da nação em
ser uma das principais produtoras de grãos do planeta, ostentando com certa imponência tal
título. E os números da produção rural não deixam desmentir, conforme podemos ver no
gráfico 1. Considerando os cinco países maiores produtores de soja – principal commodite
agrícola nacional e com significativo destaque no Centro-Oeste – em 2013, o Brasil mantém a
segunda colocação mundial desde 1974, ano em que conseguiu superar a China em mais de
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400 mil toneladas produzidas. Além disso, nos últimos anos o país se aproxima
consideravelmente da produção dos Estados Unidos – por décadas incontestavelmente o
maior produtor mundial –, sendo a diferença inferior a 10% em 2013 entre ambos os países
(FAO, 2014). Observamos que há um ascendente praticamente contínuo na produção de soja
brasileira. E o Planalto Central teve papel primordial nessa evolução.
90.000
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Mil toneladas
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Anos
Podemos considerar esta situação social, econômica e histórica (ou seja, espacial)
como semióforo. Isso porque a ideia de celeiro é transmitida como um bem comum para o
progresso da nação e, principalmente, pela camuflagem que acarreta nas consequências da
adoção e aceitação das causas que implicam na carga imediata ou de longo prazo que sua
sustentação provocará a toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, Theodoro, Leonardos e
Duarte (2002, p. 151) destacam, em análise que fazem sobre a produção agropecuária no
bioma Cerrado, principal ecossistema do Centro-Oeste afetado pela ampliação da área de
produção de soja:
[...] A adoção desse modelo de produção possibilitou, ou mesmo ampliou, as
incoerências ecológicas praticadas em solos não aptos a este tipo de práticas
agrícolas. Convém lembrar que, raramente, os problemas manifestam-se de
imediato. Em muitos casos, o agricultor somente se dá conta da
insustentabilidade da produção quando os problemas ambientais – terras
erodidas e pastagens degradadas – se avolumam e inviabilizam a
manutenção do nível de produção.
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Figura 4 – Cartogramas com a média dos anos com produção de soja nas décadas de 1970,
1990 e 2010 por Municípios produtores.
Estas colocações vão de encontro à criação dos semióforos erigidos com fins
claramente nacionalistas, com o intuito de estabelecer ainda mais referências dominantes,
muitas vezes distantes das camadas mais modestas da sociedade civil. Contudo, as ações,
posturas e discursos políticos visam a atender de imediato aos interesses das classes
detentoras do poder econômico e do Estado no país, engendrando um círculo de mútua
sustentação deste cenário. Para Castro (1997, p. 160-161), isso quer dizer que:
O campo das relações entre política, como controle da ação individual e
coletiva, e o espaço, como continente destas ações em função da inserção
territorial fundadora do fato político, revela um amplo e estimulante leque de
questões que se colocam para a agenda de pesquisa da geografia
contemporânea.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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