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Serviço Social
Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago
Profa. Marcia Fernanda Viera Rocha
Colaboradora: Profa. Amarilis Tudella
Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago /
Marcia Fernanda Viera Rocha
Assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Psicologia e em História, ambas
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis. Doutoranda em História na
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis. Exerce também a função de docente
e líder junto ao curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP) na modalidade EaD.
Assistente social graduada pela Universidade Católica de Santos, especialista em Gestão de Recursos
Humanos pela Faculdade de Administração e Economia de Curitiba (UniFAE) e especialista em Gestão Estratégica
de Projetos pela Universidade Positivo de Curitiba. Mestre em Trabalho, Saúde e Sociedade pela Universidade
Tuiuti do Paraná. Atuou como coordenadora de cursos e professora em organizações de ensino no Paraná nas
modalidades presencial e EaD. Coordenou o Núcleo de Estágio e Empregabilidade na Faculdade da Indústria
Sesi‑Senai do Paraná. É coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP) de Santos, além
de atuar como professora em diversas disciplinas.
CDU 364
U503.59 – 19
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Fabrícia Carpinelli
Elaine Pires
Sumário
Estratégias em Serviço Social
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 INSTRUMENTALIDADE E DEMAIS ASPECTOS DA PRÁTICA PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL................................................................................................................................................9
1.1 A instrumentalidade no processo de produção capitalista.....................................................9
2 INSTRUMENTALIDADE NO SERVIÇO SOCIAL......................................................................................... 15
3 INSTRUMENTALIDADE E PROCESSOS DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL.............................. 26
4 OS DIFERENTES PROJETOS SOCIETÁRIOS E PROFISSIONAIS E O PROJETO
ÉTICO‑POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL.......................................................................................................... 35
Unidade II
5 DIÁRIO DE CAMPO, ESTUDO SOCIAL, ESTUDO SOCIOECONÔMICO............................................. 44
5.1 Diário de campo..................................................................................................................................... 44
5.2 Entrevista.................................................................................................................................................. 50
5.3 Estudo social e socioeconômico..................................................................................................... 54
6 LAUDO SOCIAL, PARECER SOCIAL, PERÍCIA SOCIAL, RELATÓRIOS, VISITA
DOMICILIAR E VISITA INSTITUCIONAL......................................................................................................... 58
6.1 Laudo social............................................................................................................................................. 58
6.2 Parecer social e perícia social........................................................................................................... 60
6.3 Relatórios.................................................................................................................................................. 62
6.4 Visita domiciliar e visita institucional........................................................................................... 63
Unidade III
7 TRABALHO COM GRUPO E EM COMUNIDADES E A EDUCAÇÃO POPULAR............................. 68
7.1 O trabalho com grupo......................................................................................................................... 68
7.2 O trabalho em comunidades e a intervenção em educação popular.............................. 71
7.3 Elaboração de planos, programas e projetos e a questão do orçamento público...... 72
8 A SUPERVISÃO DE ESTÁGIO EM SERVIÇO SOCIAL, A PRÁTICA PROFISSIONAL E
A DIMENSÃO INVESTIGATIVA.......................................................................................................................... 81
8.1 A prática profissional e a dimensão investigativa................................................................... 93
APRESENTAÇÃO
Olá, aluno!
Convidamos você, nesse momento, para um percurso nas questões que envolvem a prática
cotidiana dos profissionais desta área. Para darmos início às nossas reflexões, apresentamos a notícia
a seguir: “Projeto prepara presos para volta à sociedade após liberdade. Voltada para quem está em
regime semiaberto, iniciativa promove dinâmicas com foco no planejamento fora do sistema prisional”
(PROJETO..., 2019).
Preparar o reeducando para a vida do outro lado das grades é a meta do projeto especial “Preparação
para a Liberdade”, desenvolvido no Centro de Detenção Provisória (CDP) ASP Nilton Celestino, de
Itapecerica da Serra, e no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Franco da Rocha. Nas duas
unidades, quem está no regime semiaberto passa por dinâmicas de grupo com foco na preparação para
a vida fora do sistema prisional.
A assistente social do CDP de Itapecerica, Ângela Carvalho de Jesus Silva, comenta o projeto: “A ação
considera as perdas ocorridas na fase de reclusão e convida os participantes para a reflexão sobre o passado e
planejamento do futuro fora do sistema prisional. Na opinião da responsável, o poder para mudar o foco na
vida está dentro de cada pessoa” (PROJETO..., 2019). E prossegue: “A oportunidade de expressar sentimentos é
o ponto alto da ação” (PROJETO..., 2019). Já o reeducando E.Y. expressa sua opinião: “É uma forma de diálogo
e desabafo das coisas que gostaria de falar e não tinha como se expressar” (PROJETO..., 2019).
Já no CPP de Franco da Rocha o projeto foi implantado em 2017 e comporta cinco encontros
semanais, envolvendo dez reeducandos por etapa. A diretora de reintegração social da unidade, Célia
Minelli, diz que: “São abordados temas como liberdade, laços sociais e familiares, trabalho e cidadania”
(PROJETO..., 2019).
O programa tem o objetivo de preparar as pessoas que estão próximas a obter progressão de pena
para o regime aberto ou livramento condicional para o processo de retomada do convívio social, por
meio de oficinas socioeducativas. O preso M.M.S. diz: “A cada dia, descubro que posso e quero ser
alguém melhor do que antes” (PROJETO..., 2019).
Assim, é basal pensarmos nos conceitos de instrumentalidade, nas questões que demarcam o
exercício profissional, bem como repensarmos os instrumentos e as técnicas que estão presentes na
7
prática do profissional. Essas colocações oferecerão um embasamento geral a respeito de aspectos do
fazer cotidiano do especialista da área e que estão presentes em qualquer dimensão da atuação.
Convidamos você para esse percurso teórico, o qual trará muitos exemplos da prática contemporânea
de nossa categoria.
INTRODUÇÃO
Na sequência, será abordado um rol amplo de instrumentos de intervenção daqueles que atuam na
área, os quais estão presentes no cotidiano e que integram a prática do profissional.
Por fim, serão vistos os conceitos que integram a formação profissional, partindo da sistematização
e registro da prática profissional, bem como a importância da pesquisa. Além disso, não ficam de fora os
aspectos referentes à supervisão de estágio em serviço social, ou seja, há uma ampla discussão proposta
que tratará sobre os mais variados fenômenos e eventos relacionados ao exercício da profissão.
8
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Unidade I
1 INSTRUMENTALIDADE E DEMAIS ASPECTOS DA PRÁTICA PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL
É interessante salientar que toda a noção de instrumentalidade construída por Iolanda Guerra, a
principal autora a discutir esse conceito, aplicando‑o ao serviço social, advém da noção marxista de
trabalho. Assim, compreende‑se que há uma relação entre o conceito de trabalho e a instrumentalidade.
Para que seja possível compreender e conhecer essa relação, é preciso partir, inicialmente, do entendimento
deste conceito.
Assim, Guerra (2010) coloca que, em Marx, o trabalho é originado da necessidade humana de
satisfazer as imposições que são geradas após um longo processo de desenvolvimento dos seres
humanos. À medida que o homem busca dominar a natureza, e assim obter os elementos de que
precisa para sobreviver, realiza um esforço ao qual nomeia‑se trabalho, que é entendido como uma
relação social de transformação que permite que coisas sejam transformadas pelos indivíduos, para
que se tornem úteis ou mudem de utilidade. Ele também se constitui pelo esforço coletivo pela caça
comum ao homem primitivo. Mas esse não foi o único formato de trabalho existente na sociedade.
Antes, é possível ver que ele vai sendo alterado à medida que os modos de produção também mudam.
Na tradição marxista, da qual deriva Guerra (2010), vemos o trabalho como o meio pelo qual o homem
busca atender as suas necessidades, mas também como um fenômeno que altera a subjetividade do ser
humano e também as suas relações sociais. Assim, voltando ao homem primitivo, foi a necessidade do
trabalho, e deste com outros homens, que condicionou a sua subjetividade, surgindo a necessidade de
comunicação. O gênero humano passa, então, por um lento processo de desenvolvimento, condicionando
o psiquismo humano e aprimorando o homem em prol da fala. No entanto, a fala é apenas um dos
muitos aspectos que o gênero humano vai aprimorando a partir do trabalho, o qual está extremamente
ligado ao desenvolvimento psíquico.
O trabalho também influencia na delimitação das relações sociais do ser humano. Ele impõe uma
certa sociabilidade entre os pares, algo que interfere na sua subjetividade e nas redes de relacionamento
que são por ele construídas. Sobre o pensamento do homem primitivo nas primeiras relações de trabalho
(não relacionadas à noção de capitalismo), podemos inferir que:
Essa relação posta pelo trabalho, em que seres humanos realizam trocas entre os pares, é presente
em todas as relações empregatícias, ou seja, mesmo contemporaneamente, a ocupação que possuímos
nos permite a convivência com outros trabalhadores, influenciando a subjetividade e as relações sociais.
A compreensão da categoria trabalho evoca ainda compreender que ele só se constitui enquanto tal se
composto pelos seguintes aspectos: o trabalho, a matéria‑prima e os instrumentos ou meios para tal ação
(IAMAMOTO, 2001). Esses elementos congregados e ativados pela força e pela ação do trabalho caracterizam‑no
em qualquer sociedade. A noção de instrumentalidade, portanto, está vinculada à questão dos instrumentos
ou dos meios de trabalho, os quais comportam instrumentos usados para transformar a matéria‑prima em um
produto, mas são compostos também pelo que Guerra (2000a) denomina condições materiais, ou seja, todas
as situações que estão presentes no processo de trabalho.
O que cabe aqui sinalizar é que os meios de trabalho incorporam não apenas
os instrumentos necessários à transformação do objeto, mas também
todas as condições materiais sob as quais o trabalho se realiza (cf. Marx,
1985a:151). Os meios de trabalho são, para Marx, os indicadores do grau
de desenvolvimento das forças produtivas e das condições sociais em que o
trabalho se processa (GUERRA, 2000a, p.102).
Assim, a introdução das máquinas no contexto da produção industrial apresenta grande avanço
ao processo produtivo se comparada com a atividade vivenciada no contexto manufatureiro. Por
conseguinte, a mudança nesse processo de produção se dá pela introdução de elementos que tendem
a potencializá‑la. A partir da Revolução Industrial, há uma profunda mudança no processo produtivo,
que só é possível, inicialmente, pelo aporte a novas tecnologias como elementos que tendem a torná‑lo
menos manual. Dessa forma, busca‑se cada vez mais instrumentos que facilitem, potencializem o
processo do trabalho.
Saiba mais
trabalho, ele tem essa aptidão desenvolvida. É essa condição que permite ao homem a construção de
instrumentos, de meios de trabalho.
Nesse processo, observa‑se a objetivação humana. Quando falamos que o trabalho é um meio para o
indivíduo se objetivar, ou, ainda, forma de objetivação humana, dizemos isso justamente pela capacidade
emancipatória que está guardada na essência dele e que potencializa o chamado processo teleológico.
A partir dessa prévia ideação é que pode‑se falar da operatividade, momento em que alteramos de fato
os objetos, superando a forma subjetiva como algo se constitui (GUERRA, 2000a).
O processo de trabalho, portanto, permite que o indivíduo transforme algo, ou melhor, altere a
realidade; assim, ao transformá‑la, ele modifica a si mesmo, suas relações sociais e aos outros indivíduos.
Dessa forma, a sociedade é reproduzida material e socialmente.
Para tanto, os instrumentos ou meios são a base para que seja possível ao homem exercer
esse domínio da natureza. No caso do trabalho, os instrumentos ou meios também são vitais para
que seja possível produzir algo. Assim, Guerra (2000a) coloca que os instrumentos e os meios de
trabalho são vitais para o aperfeiçoamento desse processo. A autora indica que a transição do
capitalismo manufatureiro para o industrial se caracterizou pela introdução de máquinas no processo
produtivo, tornando‑o muito mais ágil. Com a introdução de maquinários, no entanto, as relações
sociais estabelecidas entre os trabalhadores também acabou sendo alterada. Essa inserção de novas
tecnologias é inerente ao trabalho e cada vez mais tem se tornado comum, tendo em vista a busca
pelo lucro e pela mais‑valia.
Saiba mais
Não obstante, é possível questionar o motivo pelo qual trabalhamos e se seria possível deixarmos de
exercer tal ação. Ocorre que o trabalho é inerente aos indivíduos, posto que a equação é simples, vivemos
e trabalhamos, trabalhamos e vivemos, não cabendo aqui o fim do trabalho vivo (aquele que envolve
a força de trabalho), pois necessitamos atender minimamente às carências materiais, tais como comer,
beber, dormir, procriar, bem como as necessidades imateriais, referentes ao intelecto, à espiritualidade,
ao âmbito das ideias e da consciência. Nas palavras de Marx (2013, p. 255‑256):
11
Unidade I
A partir da análise deste excerto, é possível compreender, por Marx, a diferença entre o trabalho
realizado por seres humanos das ações realizadas pelos demais seres vivos. Enfatiza‑se o desenvolvimento
da capacidade teleológica, que permite ao ser humano ultrapassar as necessidades mais imediatas
de sobrevivência, criando destas necessidades outras, e assim por diante, de modo que, a partir do
planejamento e prévia ideação de algo, não apenas concretiza‑se o idealizado, mas este é aprimorado
segundo novas necessidades.
12
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Lembrete
Assim, refletir sobre o trabalho nos impele a pensar em objeto e matéria‑prima, em instrumentos ou
meios, no resultado ou produto e no seu processo. É preciso ainda considerar que o trabalho influencia as
relações sociais e subjetivas do homem, e, além disso, que ele comporta uma dimensão histórico‑cultural.
Assim, o que é trabalho, o que pode ser considerado como tal, muda de algo com os meios de produção
utilizados em uma dada sociedade. Temos trabalho nas sociedades primitivas, bem como na capitalista.
A forma de compreendê‑lo é que muda em cada uma dessas sociedades.
A partir do capitalismo, de acordo com Guerra (2000a), o racionalismo condicionou todo o processo
de produção. Esse conceito de racionalismo, ou mesmo racionalidade formal‑abstrata, como nomeado
pela autora, corresponde ao período em que o discurso científico passa a ser considerado como o
mais relevante para condicionar a organização do trabalho. A racionalidade e o saber científico são
considerados os únicos aspectos importantes. Correspondem à compreensão de que os trabalhadores
precisam deter esse saber científico racional, e apenas esse conhecimento será suficiente para dar conta
das demandas apresentadas no trabalho. Por conseguinte, aquele trabalhador que não conseguir fazer
uso desse saber é tido como prejudicial à organização laboral. Da mesma maneira, as reivindicações
dos trabalhadores são consideradas como entraves para a plena expansão de seu saber científico no
trabalho. O trabalhador que reivindica seus direitos é apresentado como aquele que não detém o saber
necessário à execução de suas funções.
13
Unidade I
resistência dos trabalhadores ao processo de exploração, uma vez que o profissional acaba cooptando
essa perspectiva de entender o trabalho. Portanto, aquele que não usa de forma plena seu saber científico
é compreendido como incapaz de produzir. Guerra (2000a) nos diz ainda que o taylorismo incorpora
medidas assistenciais destinadas aos trabalhadores, algo como um benefício indireto para aqueles com
maior rendimento e atenção aos parâmetros das empresas. O trabalhador competente, que domina
as técnicas de produção, é considerado um corresponsável pelo desenvolvimento econômico do país;
assim, todos devem colaborar, oferecendo todo seu saber para a produção.
Saiba mais
DAENS, um grito de justiça. Dir. Stijn Coninx. Bélgica: 1992. 138 minutos.
EU, Daniel Blake. Dir. Ken Loach. Reino Unido: 2016. 100 minutos.
A partir de então, há a ênfase aos processos de gestão científica, apresentados como alternativas
eficientes para potencializar o processo de produção. De certa forma, tem‑se a consolidação do
saber científico como resposta a outros fenômenos sociais, como a gestão das expressões da
questão social. Outrossim, para todos os problemas sociais, também espera‑se que a administração
científica seja suficiente para saná‑los. Não há problema que não possa ser resolvido. Basta apenas
um pouco de conhecimento. Ou seja, esse tipo de análise da realidade: “[...] pressupõe que as
tensões possam ser controladas e manipuladas com a mesma destreza com a qual se domina os
fenômenos da natureza” (GUERRA, 2000a, p.129‑130). Porém, mesmo atualmente, o saber científico
ainda é apresentado como única alternativa para a solução dos mais variados problemas sociais
existentes, assim como para sanar todas as questões relacionadas ao processo de produção, além
de ser apontado como a base para a superação das dificuldades econômicas pelas quais passam os
mais variados países.
Como esses conceitos vistos anteriormente têm impactos na intervenção profissional? Pode‑se dizer
que é cobrado do especialista um pleno domínio científico? Sim, é exigida certa racionalidade, domínio
do saber, da utilização de saberes e técnicas que permitam ao profissional desenvolver uma prática
capaz de atender às demandas que são apresentadas.
A dimensão instrumental está presente em qualquer processo de trabalho, mesmo que existam
mutações na forma com que ele se organiza ao longo dos anos. Assim, os instrumentos de trabalho
vão sendo alterado diante das mudanças apresentadas na reorganização do processo produtivo.
Cada vez mais busca‑se aprimorar os instrumentos de trabalho, visando conferir melhor qualidade
ao que é produzido.
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ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
A burocratização do trabalho do serviço social a partir de exigências postas para a atuação profissional
da categoria advém do processo de institucionalização das ações profissionais, mais precisamente,
com a vertente do serviço social moderno, que ganha forte representatividade entre os assistentes
sociais durante o período de ditadura civil‑militar, pós‑golpe de 1964. Vanguarda essa que perdurou até
meados da década de 1970 e teve ruptura a partir do Congresso da Virada, em 1979, tendo em vista as
influências do movimento de Reconceituação da Profissão Latino‑Americano.
Cabe aqui alguns esclarecimentos, retomando e aprofundando a questão dos efeitos do Golpe de 64 no
Brasil e a interface com o serviço social, para que seja possível entender o processo de institucionalização do
assistente social, pois é exatamente nesse contexto que reside a gênese da demanda por instrumentalizar
pessoas a partir de uma forma de pensar fragmentada em prol do ajustamento dos atendidos à sociedade de
forma harmônica, sendo o Estado chamado à responsabilidade como agente regulador do bem‑estar de todos.
Paulo Netto (2015) embasa histórica e criticamente sobre esse processo na cena brasileira chamando‑o
de ciclo autocrático burguês. Período entre 1964 e 1982 de ditadura civil militar brasileira, compreendido
por ascensão, ápice e declínio, este último em meados de 1979. Esse processo consistiu na tomada do Estado
ditatorial pela hegemonia burguesa em detrimento dos latifundiários, que a partir de pactos conseguiram
perpetuar alguns aspectos de seu projeto coletivo.
A racionalidade burguesa, fortalecida pela burguesia internacional, coloca suas pautas na agenda
do Estado sob o escopo do desenvolvimento do país, impulsionando o ciclo de industrialização
pesada do país em um curto prazo. Esse momento também ficou conhecido como “milagre
brasileiro”, pois foram realmente alcançados níveis de acúmulo inéditos para o país.
Essa reforma foi feita a galope, justificada por certo risco do socialismo atingir grandes proporções.
Sendo assim, foi feita muito mais uma contrarreforma do Estado do que uma reforma propriamente
dita, pois antes mesmo de qualquer reforma ser proposta, a burguesia se antecipa e realiza o seu projeto
coletivo (PAULO NETTO; BRAZ, 2011) .
O documento de Alto da Boa Vista e Sumaré expressou um retrocesso da profissão, pois propõe
a retomada do serviço social tradicional como imprescindível. Sumaré esboça, em última instância, o
serviço social tradicional travestido de serviço social moderno.
O método de BH é reconhecido por significar grande avanço do serviço social enquanto categoria
que inicia seu aprofundamento teórico do marxismo, mas ainda aquém de estudos que de fato pudessem
orientá‑los com veracidade quanto ao método materialista histórico dialético, visto que, somente na
década de 1980, com Maria Lúcia Vilela Iamamoto, é que o marxismo chega ao serviço social brasileiro
de forma crítica e fundamentada.
As inquietações produzidas pelo acirramento da questão social fazem com que a relação com a
ditadura civil‑militar comece a perder forças ante os movimentos sociais insurgentes, culminando em
mobilizações sociais, fortalecimento de movimentos sociais sindicais, sanitaristas, Movimento dos Sem
Terra (MST), entre outros, culminando nas “Diretas Já”.
O Estado é chamado para realizar medidas econômicas e sociais que requerem instituições e
profissionais com formações específicas para atender a estes anseios.
Saiba mais
16
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
É nesse contexto que surge o que é nomeado por Guerra (2000b) como utilidade social da profissão,
que é determinada pelas necessidades sociais que clamam por sua existência. Ocorre que, no modo de
produção capitalista, essas demandas são apresentadas de formas antagônicas, pois elas são provenientes
de classes opostas, surgindo a partir da contradição guardada na relação social de produção, ou no
embate entre capital e trabalho.
A profissão é norteada por aquilo que a demanda; sendo assim, o assistente social atua como
mediador a partir das expressões da questão social sob as quais intervêm. Sua atuação se dá perante a
divisão sociotécnica do trabalho, entendendo‑se como classe trabalhadora, e tendo nas políticas sociais
as mediações imprescindíveis para que a sua atuação profissional possa atingir aspectos concretos,
ainda que no imediato. Não obstante, as políticas sociais e os serviços sociais são também entendidos
como espaços sócio‑ocupacionais para os assistentes sociais.
Nesse sentindo, infere‑se junto a Guerra (2000a) que as políticas sociais possuem dimensão de
reprodução da força de trabalho como respostas estatais às lutas de classes; no entanto, também podem
ser entendidas como um conjunto de procedimentos técnico‑operativos, os quais são direcionados de
forma instrumental, cabendo aos profissionais da área trabalharem as esferas da formulação e a da
implementação. O âmbito de inserção do assistente social é, primordialmente, o da implementação.
As respostas estatais via políticas sociais se viabilizam de forma segmentada, por meio de políticas
setoriais. Notoriamente, essa forma política de pensar atrela‑se constitutivamente à racionalidade
burguesa, visto que se propõe a atender a população em suas necessidades emergenciais, remetendo
ao profissional de serviço social a função de executor de intervenções imediatistas, como se o cidadão
tivesse, em vez de um problema proveniente da questão social, um incêndio, cabendo a ele apagar
apenas esse fogo, ignorando o fator gerador do incêndio.
A partir desses horizontes, a autora orienta ainda acerca de dois movimentos do exercício profissional
realizado sob essas condições. No primeiro, temos a constituição de políticas sociais fragmentadas para
as quais o profissional é requisitado. Dessa forma, temos uma setorização das ações do serviço social,
que passa a direcionar sua intervenção para um público particular e específico. A setorização resulta em
intervenções também fragmentadas por parte do assistente social, o qual, cada vez mais, precisa usar
instrumentos e técnicas específicos para realizar uma intervenção igualmente particular e específica
junto às refrações da questão social.
Guerra (2010) nos coloca que essa fragmentação das ações em políticas sociais específicas resultam
na decomposição e na fragmentação dos problemas sociais, mas também conduzem a um controle
técnico e burocrata das ações dos assistentes sociais. Assim, os profissionais passam a ser orientados a
apresentar soluções dentro do espaço laboral para o qual são contratados. Isso confere a ideia de que
somente uma boa técnica de intervenção é suficiente para dar conta dos problemas sociais.
Portanto, de acordo com essa ótica, assentada no racionalismo formal e abstrato, compete ao
assistente social, atuante nas políticas sociais, saber usar corretamente recursos, bem como as técnicas
que possui, e, somente dessa maneira, será possível controlar e administrar os problemas sociais com os
quais se relaciona. Isso impacta diretamente na constituição dos profissionais, que se veem obrigados a
dar respostas eficientes às demandas que lhes são apresentadas ou, como sintetiza a autora:
A forma como é vista a realidade, sua interpretação, nos leva a construir uma representação de
nossa prática, uma autoimagem de nossa ação. Obviamente que tendo consciência de nossas ações,
precisamos sempre buscar reivindicar melhorias para o público, além de sempre lutar por manter e
ampliar condições dignas de trabalho. Isso também nos leva a buscar sempre qualificação permanente,
uma vez que são extremamente importantes “[...] informações, conhecimentos e habilidades que
o instrumentalize” (GUERRA, 2010, p. 157). Também é necessário que os assistentes sociais estejam
vinculados aos parâmetros defendidos pela sua categoria, uma vez que isso é importante para orientar
suas ações.
Saiba mais
<http://www.cfess.org.br>.
Guerra (2010) indica que a instrumentalidade é composta por níveis. Um desses níveis a ser alcançado
consistiria justamente na capacidade de o profissional articular as dimensões técnico‑instrumental,
teórico‑intelectual, ético‑política e formativa. Dessa maneira, outro nível possível seria alcançado
após essa junção dos vários aspectos, resultando na possibilidade de pôr em prática valores nobres da
profissão, conforme disposto na lei que regulamenta a profissão e no Código Profissional de Ética dos
Assistentes Sociais. Esses níveis só podem ser alcançados se o profissional buscar ir além da simples
razão instrumental.
Face ao exposto, a categoria profissional de serviço social atua com autonomia relativa, pois
sua função é atrelada a requisitos técnico‑instrumentais, burocracias e aspectos de manutenção da
ordem burguesa. No sentido em pauta, as inflexões do sistema capitalista junto às políticas sociais
trazem condicionantes para a configuração do exercício profissional, assim como outros aspectos
presentes na sociedade capitalista. Em contrapartida, cabe‑nos afirmar com veemência o horizonte do
projeto ético‑político da profissão, que visa à emancipação humana, se instrumentalizando, segundo
Montaño e Durigueto (2011), a partir do acúmulo teórico redigido pela categoria, também pelos
seus órgãos e espaços de regulamentação de categoria profissional, bem como as legislações tanto
da profissão quanto as que são necessárias à atuação profissional. Também busca sempre melhor
qualificar a sua intervenção visando à efetivação dos direitos sociais do público que atende.
Destarte, a prioridade aqui é enfatizar que quando ocorre o reducionismo da profissão a apenas
uma de suas dimensões, no caso aqui, da dimensão instrumental, equivocadamente o profissional é
direcionado a ser mero executor acrítico dos ditames do modo de produção capitalista, em última
instância, permitindo que o mercado de trabalho dite as regras das ações profissionais.
19
Unidade I
Oportunamente, as ações do serviço social devem ser pautadas por intervenções que priorizem
refletir e fomentar as escolhas dos sujeitos, perpassando pelas reflexões críticas, problematizações,
direcionadas pela razão ontológica marxista, as quais deverão estar atreladas aos valores éticos, morais
e políticos do ser social.
O maior desafio, por conseguinte, consiste em mediatizar as ações, as propostas. Sobre isso Guerra
(2000a, p.11) diz que:
Saiba mais
20
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
O serviço social não é uma ciência, logo, para fundamentar seus processos mediáticos, necessita
acessar diversos conteúdos das ciências sociais, e, a partir desses horizontes, vai construindo
cotidianamente e criticamente suas ações. A partir de suas intervenções, vai construindo um
coletivo que lhe permite determinado conhecimento acerca da realidade social vivenciada por seus
atendimentos, acessando singularidades e particularidades que lhe ofertam uma perspectiva de
totalidade no âmbito universal, chegando à essência dos fenômenos, ou apreendendo o movimento
do real, que é a própria essência/o real.
A cultura profissional nos permite mensurar nossas ações, partindo de objetivos claros, construídos
junto aos atendidos que, por meio de avaliação contínua, permitem mudanças e alterações que
possibilitam que as intervenções sejam mais assertivas.
Ao lançar mão da cultura profissional, o profissional de serviço social recusa a intervenção com
foco na instrumentalidade, no imediato, buscando conhecer, desvelar o fenômeno junto ao atendido,
utilizando‑se de conteúdos teóricos, críticos e projetivos (GUERRA, 2000b).
Aliás, a definição apresentada por Guerra (2000b) indica que a instrumentalidade “[...] é uma
propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos”
(GUERRA, 2000b, p. 2), ou seja, não pode ser reduzida à dimensão instrumental, ao como fazer. Isso
corresponde a compreender que a instrumentalidade é uma condição da profissão que, ao ser exercida,
21
Unidade I
A instrumentalidade constitui o ser social. Faz parte do ser humano, mas é uma capacidade intelectiva,
desenvolvida e vinculada à consciência. Está presente no trabalho manual e também no intelectual,
sendo uma forma de junção da racionalidade técnica à dimensão instrumental, presente no processo
do trabalho. Expressa ainda possibilidades encontradas pelos assistentes sociais de realizar uma junção
entre a fundamentação teórica e a prática. Nesse momento, os assistentes sociais conseguem analisar a
realidade, intervir sob ela, porém, têm como referência para suas ações a sua fundamentação. Isso só é
possível porque o profissional operacionaliza, no cotidiano de sua ação, a junção teoria e prática.
A autora nos coloca ainda que a instrumentalidade é também uma condição para o reconhecimento
da profissão. Nesse sentido, reforça a história da profissão, destacando que o serviço social só foi aceito
socialmente como uma profissão à medida que demonstrou condições de dar conta das demandas
apresentadas. Para isso, os instrumentos, a instrumentalidade, são importantes para demonstrar que a
profissão é socialmente necessária. Em tese, todo trabalho comporta uma instrumentalidade, e é isso
que faz com que a ação se torne necessária em uma dada sociedade. Essa instrumentalidade confere ao
homem a capacidade de manipular e modificar algo.
No caso do serviço social, a intervenção profissional acontece sob os fragmentos da questão social.
Melhor dizendo, como sabemos, as intervenções do serviço social que requerem sua instrumentalidade
incidem sobre as múltiplas expressões da questão social, que, por sua vez, exigem dos profissionais
procedimentos instrumentais.
Destarte, o trabalho é uma relação resultante de um indivíduo que transforma a natureza e que,
ao transformá‑la, ele transforma a si mesmo. Construindo, por consequência, um âmbito material e
imaterial, este último, envolvendo a consciência, a linguagem, os valores, a ética, intencionalidades,
projetos, propostas; sendo o imaterial algo inseparável do material, que como unidade culmina na práxis.
Infere‑se, junto à Guerra (2000a), que a práxis é o conjunto de mediações que permitem aos indivíduos
objetivar‑se em suas ações, sendo o trabalho a principal forma que, dentro dessas condicionalidades
(unidade entre subjetividade‑objetividade, material‑imaterial ou ainda concreto‑abstrato), permite ao
sujeito atingir e realizar sua teleologia para a práxis.
22
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Guerra (2000a) afirma ainda que a instrumentalidade reside em toda a postura teleológica,
possibilitando ao indivíduo manipular, idealizar, modificar e modificar‑se, imprimindo às coisas
características próprias da humanidade, podendo, assim, utilizar desses meios (ou instrumentos) para
atingir os objetivos postos.
Cabe aqui explicitar um pouco mais sobre como se dá essa interface entre postura teleológica e
instrumentalidade. Os indivíduos trabalham, logo, desenvolvem capacidades; a partir dessas, surgem novas
perguntas que os levam a novas necessidades, novas respostas, mais capacidades e assim sucessivamente.
Essa interface é uma relação social e, como tal, implica em todas as outras relações sociais, até
mesmo nas relações sociais sexuais e outras de ordem interpessoal. Essa questão se explicita na avaliação
de nossas formas de pensar, posturas e consciência, as quais são mobilizadas em prol de determinado
acúmulo que temos, sendo assim chamados de instrumentos que utilizamos cotidianamente para a
reprodução da vida. Portanto, tais relações sociais de produção se expressam no ser social.
Assim, para o desenvolvimento do trabalho, é preciso que as relações sociais também sejam
desenvolvidas. Nesse momento, as mediações de complexos sociais (tais como a ideologia, a teoria, a
filosofia, a política, a arte, a ciência e a técnica) são de extrema importância para orientar o percurso.
Esses complexos sociais objetivam dar certa organicidade às relações.
Essa relação no modo de produção capitalista (que seria o sistema capitalista) se dá de uma forma
diferenciada, que não permite ao indivíduo objetivar‑se em totalidade, pois tal objetivação só pode
ocorrer em liberdade coletiva, necessitando o ultrapassar da emancipação humana.
Todo cidadão é acometido pelo sonho de acessar determinadas coisas e lugares; aliás, atingir
a condição de cidadania pressupõe que os sujeitos detenham o direito de ser iguais aos outros
perante a lei. Nesse contexto, a razão burguesa perpassa pelas relações sociais e, paulatinamente,
dissemina a sua ideologia de classe.
Na relação social celebrada pelo modo de produção capitalista ou, ainda, no sistema capitalista, a
transformação societária se dá por meio da exploração do indivíduo por outro, sendo implícito que o
trabalhador deverá abdicar de suas necessidades enquanto pessoa para converter‑se em instrumento
que possa garantir a necessidade da classe dominante que nos é passada como necessidade de todos,
pelo bem de todos (GUERRA, 2010). Isso conforma as relações sociais. Face a essas condições é que,
paulatinamente, a ideia de instrumentalidade, que é necessária à transformação da natureza pelo
trabalho, vai se fragmentando de tal forma até que exige‑se a instrumentalização de pessoas.
23
Unidade I
A palavra instrumentalidade tem sido proferida nos mais diversos espaços da categoria.
É importante que, desde já, esta seja utilizada como meio para o atingimento de nossa
intencionalidade, ou seja, a profissão adquire concretude e visibilidade à medida que concretiza
seus objetivos. Ocorre que alguns profissionais têm utilizado essa categoria erroneamente,
cobrando certos padrões e usos de manuais para alcançar as respostas do serviço social às
demandas institucionais e dos atendidos.
A tarefa das páginas a seguir é direcionar foco, portanto, para o desvelar do que seria a
instrumentalidade para a categoria profissional de serviço social. Para tanto, é preciso ressaltar que
trata‑se de uma competência encontrada somente na atuação profissional, que se dá no momento em
que modificamos, transformamos e alteramos as condições objetivas e subjetivas da vida dos sujeitos,
ou, ainda, nos momentos das intervenções nas relações sociais em determinado contexto de realidade
social, que ocorre no âmbito do cotidiano (GUERRA, 2010).
A instrumentalidade se realiza, portanto, nos momentos em que as ações se voltam para modificar
condições de vida, meios existentes de acesso e garantias para os sujeitos.
Nesse sentido, há a tentativa de transformar condições e meios para atingir o objetivo através das
intervenções profissionais. O serviço social realiza tais ações, por consequência, a todo o momento em que
altera as condições cotidianas profissionais, bem como das classes sociais que solicitam tal intervenção.
Lembrete
Considerando tais elementos, dizer que o serviço social é reconhecido por sua instrumentalidade,
ou que deveria construir instrumentos padrões e manuais de intervenção que lhe garantissem
visibilidade, seria nada mais que um reducionismo das ações profissionais aos meios construídos
para atingir os objetivos. Ademais, seria também uma falácia, pois é impossível determinar
enquadramentos e formas para “o fazer” profissional do serviço social, considerando que é uma
profissão que lida com a categoria realidade (verdade, essencial, o real); destarte, lida com algo
dinâmico, mutável, cabendo ao profissional aprofundar‑se em sua formação permanente para
ultrapassar os limites encontrados, e não realizar ações previamente determinadas, como se a
realidade fosse linear, estagnada e imutável.
24
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Lembrete
Esse questionamento tem perpassado pelas reflexões de muitos alunos de serviço social e,
infelizmente, até mesmo por profissionais da área que se posicionam a favor da reatualização do
conservadorismo na profissão, perspectiva burocratizadora, já ultrapassada junto ao serviço social
conhecido como moderno que se desenvolve no Brasil entre 1964 e 1979, período conhecido por
atender ao modelo econômico do desenvolvimentismo (PAULO NETTO, 2015).
Obviamente que a resposta a essa indagação é que, na prática, a teoria não é outra, ou, ainda, na
prática, a teoria é a mesma, ou seja, só é possível realizar uma atuação profissional coerente, atingindo
os objetivos delimitados, se buscarmos por realizar uma práxis.
Para afirmarem que a teoria é utópica, dizem que a prática se revela de outra forma, de modo que a
teoria não daria conta das demandas postas na realidade. Os discursos encontrados são os mais diversos,
tais como: dizer que na prática nos deparamos com situações que os livros não tratam, não explicam e
não trazem receitas; dizer também que é importante termos manuais que nos digam exatamente o que
devemos fazer, como não os temos, ficamos sem “instrumentos” para intervir.
Vale ressaltar que não cabe aqui nenhuma fala de culpabilização dos indivíduos que se mobilizam
por manuais e respostas prontas, cabe apenas esmiuçar os fatos que levam o profissional a agir contrário
a essas propostas. Iniciando pelo fato de que não é possível partir de respostas, ou ainda de respostas
prontas, para trabalhar com a dinamicidade do real, bem como com as singularidades e particularidades
com as quais nos deparamos.
Para sanar tal indagação, faz‑se necessário explicitar como ocorrem tais esvaziamentos teóricos na
categoria profissional, dando vazão a determinadas afirmativas infundadas. Destarte, é preciso entender
25
Unidade I
a relação social nomeada como trabalho, que, para o profissional de serviço social, é o marxismo,
teoria vanguardista da categoria; temos que o trabalho é categoria central, sendo assim, fundante e
constitutiva para os indivíduos.
Observação
Iamamoto (2001), então, assim como Guerra (2010), parte da noção marxista de processo
de trabalho. Aqui, seja bem entendido que a noção de processo de trabalho em Marx não está
vinculada às situações processuais. Antes, busca indicar aspectos que estariam presentes em
qualquer relação trabalhista.
Para Marx, toda relação de trabalho comporta elementos mínimos, básicos, que seriam o trabalho,
a própria ação em si, além dos instrumentos ou meios de trabalho e a matéria‑prima. O resultado
desse processo de trabalho é um produto. No caso, Marx buscava analisar a sociedade capitalista e, a
26
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
partir dessa categoria, teceu a suas contribuições. Guerra (2000a; 2010) também partiu da definição
marxista, porém, suas colocações estiveram mais orientadas à questão da instrumentalidade. No caso de
Iamamoto (2001), no entanto, a análise esteve mais orientada para a discussão do conceito de processo
de trabalho aplicado ao serviço social.
Saiba mais
Iamamoto (2001) coloca que, antes de adentrar em uma discussão sobre os elementos que integram o
processo de trabalho no serviço social, é preciso compreender a consolidação do serviço social enquanto
um trabalho, de fato. Para ela, o que consolidou o serviço social como uma profissão no Brasil foi a
necessidade social da ação.
Em tese, o serviço social só surge e se consolida como uma profissão (e não como uma caridade)
porque apresenta utilidade social. Essa utilidade reside no fato de que esse profissional passa a
administrar as expressões da questão social. De tal maneira, compreender o serviço social, inscrito em
processos de trabalho, requer, essencialmente, entendê‑lo como resultado da sociedade capitalista
madura e consolidada.
Observação
A partir da consolidação do serviço social como profissão, os seus agentes são movidos a identificar
modos de atuar diante das demandas que lhes são apresentadas. Os assistentes sociais foram
amadurecendo teoricamente e foram constituindo métodos diferentes de intervenção. Isso corresponde
ainda a entender que nessa construção da intervenção profissional há também a consolidação de uma
imagem da profissão, ou seja, como os profissionais compreendem o seu fazer profissional. A noção de
processo de trabalho do assistente social incorpora, assim, a história da profissão e da sociedade em que
estamos inseridos e na qual nos movimentamos.
27
Unidade I
Assim, tendo tais colocações arroladas, Iamamoto (2001) fortalece a noção de que o serviço social
é, sim, um trabalho, e, como trabalhadores, estamos inseridos em processos de trabalho assim como
os demais profissionais e as demais categorias laborais. Como seria então um processo de trabalho do
serviço social?
Lembrete
A matéria‑prima ou o objeto sempre será aquele sob o qual incide a ação do assistente social.
Mas aí você pode pensar: e no caso do serviço social, que atua em várias políticas sociais? Como
pensar o objeto ou a matéria‑prima? A autora coloca que a questão social possui múltiplas formas
de expressão, portanto, pode‑se encontrar e atuar junto a um rol amplo de configurações que
podem ser assumidas pela questão social. Para melhor conhecer essa matéria‑prima ou esse objeto,
é basal ao assistente social conhecer e analisar a realidade em que atua, para que ela deixe de
ser “[...] mero pano de fundo para o exercício profissional, tornando‑se condição do mesmo, do
conhecimento do objeto junto ao qual incide a ação transformadora ou esse trabalho” (IAMAMOTO,
2001, p. 61). Entender a realidade pressupõe conhecer como os sujeitos reais e concretos vivem a
questão social em seu dia a dia.
Interessante ressaltar que a questão social não pode ser resumida à pobreza. Aliás, como diria
Paulo Netto (2001), a questão social possuía múltiplas formas de expressão, as quais vão sendo
alteradas ao longos dos anos. Aliás, o autor destaca que perante as mudanças da sociedade, o que
temos são novas configurações à questão social, novas manifestações. Porém, é preciso ressaltar
que conhecer essas novas expressões é fundamental para que seja possível compreender melhor o
objeto ou a matéria‑prima, e que o profissional possa intervir sobre ela. Antes de dar andamento à
discussão sobre a matéria‑prima, observe a notícia a seguir:
28
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Figura 1
Adolescentes residentes no Brasil, de faixas mais pobres da população, estão mais obesos
e ainda sofrem de desnutrição.
Para fazer o trabalho, os técnicos utilizaram dados das edições de 2009, a primeira, e
da mais recente, de 2015, da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), desenvolvida
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O trabalho investiga doenças
crônicas não transmissíveis entre adolescentes escolares brasileiros. O estudo comparou os
índices nutricionais de alunos de 13 a 17 anos, separados entre os que apresentam somente
sobrepeso ou baixa estatura e aqueles que apresentam as duas condições.
Sobrepeso
29
Unidade I
Dupla carga
“O indivíduo que tem dupla carga é aquele adolescente que apresenta baixa estatura,
um sinônimo de desnutrição crônica e excesso de peso. A dupla carga pode se manifestar
de três formas. Tanto em nível individual, que é o caso do nosso estudo, sendo os dois
desfechos no mesmo indivíduo. Pode ser também em nível familiar, por exemplo, uma
mãe com excesso de peso e um filho com desnutrição, ou em nível comunitário, onde em
um mesmo local temos taxas altas tanto de desnutrição quanto de obesidade. No nosso
estudo foi bem específico, com adolescente de baixa estatura e excesso de peso”, disse a
pesquisadora da UFBA, Júlia Uzêda, em entrevista à Agência Brasil.
Isso significa que a dupla carga é maior entre estudantes da rede pública. Em 2015,
a taxa de dupla carga entre os estudantes de escola privada atingiu 0,3% e nos da rede
pública permaneceu em 0,4%. As meninas, com 0,4%, ainda são maioria, enquanto entre os
meninos ficou em 0,3%.
Fatores
De acordo com o pesquisador do Cidacs Natanael Silva, embora o estudo não tenha
se baseado em classes sociais, há variáveis analisadas que indicaram um crescimento de
obesidade, atingindo cada vez mais a população menos favorecida socioeconomicamente.
Segundo ele, os alimentos processados podem ser um dos fatores da obesidade, por
serem também de preços mais baixos.
“Os alimentos processados acabam sendo mais baratos do que qualquer alimento natural
e por terem maior aporte calórico, muitas vezes serem vendidos em grandes quantidades,
mais baratos e atrativos, chamam bastante a atenção do público mais vulnerável”, disse.
30
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Políticas Públicas
Os pesquisadores defenderam que o estudo serve para ajudar na elaboração de políticas públicas.
Para Júlia Uzêda, existem fatores que não foram analisados no estudo, como o consumo
alimentar e, principalmente, a qualidade dos alimentos ingeridos, mas as informações
encontradas já podem servir para a adoção de medidas com o foco na qualidade da nutrição.
Na notícia temos uma situação em que a pobreza, a ausência de recursos financeiros para a
sobrevivência de um grupo de adolescentes, resulta em problemas de saúde. Por analogia, é lícito pensar
a pobreza como questão social? Sim, é lícito. Mas os problemas de saúde decorrentes da má alimentação
também podem ser considerados expressões da questão social? Sim, também, assim como alcoolismo,
utilização de drogas e outras situações afins que podem ser consideradas também expressões da questão
social. Ao assistente social que atua com esse problema social, seria importante o amplo conhecimento
sobre ele, visando, assim, ampliar as informações possuídas sobre como as pessoas concretas vivenciam
os problemas sociais.
A título de exemplo dessas variações das expressões da questão social, existem duas discussões
extremamente importantes e que serão apresentadas aqui de forma resumida. Sanchez e Mota (2009)
apresentam a utilização da entrevista para intervir junto a aspectos relacionados à saúde da população
idosa. No caso, o texto mostra a ação desenvolvida dentro do Sistema Único da Saúde e que visa à
internação geriátrica, sendo que a entrevista é apresentada como um meio para qualificar o atendimento
a esse público. Via de regra, os idosos que são atendidos pela ação são pertencentes à população de
renda regular. Nesse caso, qual seria o objeto do serviço social? A sua matéria‑prima seriam os idosos,
e a qualificação do atendimento a esse público seria um objetivo do assistente social. Porém, é basal
compreender todo o contexto em que o idoso está inserido e vinculado. Essa leitura de realidade é
importante tanto para o atendimento ao idoso, para a efetivação dos seus direitos sociais, quanto é
necessária para analisar os serviços em que os idosos serão atendidos.
31
Unidade I
O segundo exemplo está retratado no texto de Menezes e Silva (2017), um profundo artigo de
reflexão sobre a intervenção do serviço social junto à violência homofóbica. O texto apresenta os
posicionamentos do conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)/Conselho Regional de Serviço
Social (Cress) em favor da defesa dos direitos do público LGBT, e como tal ação é um grande desafio à
categoria. Esse exemplo é interessante, posto que, há alguns anos, dados os preconceitos vivenciados
na sociedade brasileira, dificilmente esse tipo de público figuraria como objeto de intervenção do
serviço social. Em tese, à medida que os direitos do público LGBT vêm sendo conquistados, e que esse
público tem se tornado visível na sociedade, também observa‑se que têm crescido as manifestações
de intolerância por parte de segmentos mais conservadores. Nesse sentido, o artigo apresenta uma
possibilidade de intervenção do assistente social, ou seja, um objeto. Com esse exemplo, pretende‑se
reforçar a variabilidade da possibilidade de ação do assistente social junto às várias expressões da
questão social e ainda destacar o seu caráter histórico e social.
Há, portanto, várias expressões por parte do objeto de ação. Como dito anteriormente, há objeto e
matéria‑prima, bem como os instrumentos de trabalho do serviço social. Os instrumentos ou os meios de
trabalho do assistente social serão dispositivos que o profissional irá utilizar para produzir transformação
na matéria‑prima ou em seu objeto de trabalho. Comportam os instrumentos ou meios de trabalho as
técnicas que o profissional usa em seu cotidiano, como entrevistas, visitas, dentre outras abordagens
afins. Porém, Iamamoto (2001) chama a atenção para que não tenhamos uma visão reducionista dos
instrumentos e técnicas como se apenas eles fossem nossos meios de trabalho. Pois bem, sabe o que
isso significa? Simplesmente indica que não podemos restringir nossos meios de trabalho ao chamado
“arsenal de técnicas” (IAMAMOTO, 2001, p. 61). Veja bem, as técnicas são extremamente importantes
ao cotidiano profissional. Saber realizar uma boa entrevista, uma visita domiciliar, uma reunião, são
condições imprescindíveis ao assistente social, porém, reduzir os instrumentais à técnicas, restringe‑se
a compreensão sobre nossos instrumentais. Dessa forma, associados aos instrumentos e às técnicas,
deve‑se agregar também o conhecimento como um meio de trabalho, as bases teórico‑metodológicas
que, juntamente com os instrumentos e técnicas, integram os instrumentos, os meios de trabalho.
Iamamoto (2001) e Guerra (2010) enfatizam que os instrumentos e as técnicas do assistente social
são importantes, mas só ganham conotação crítica, permitindo a leitura da realidade, se houver o aporte
à fundamentação teórica. Afinal, não há como o assistente social analisar e conhecer a realidade em
que está atuando, conhecer o seu objeto de ação, sem a fundamentação teórica para embasar a sua
leitura. Assim, as bases teórico‑metodológicas devem ser compreendidas como: “[...] recursos essenciais
que o assistente social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade,
imprimir rumos à ação ao mesmo tempo que a moldam” (IAMAMOTO, 2001, p. 62).
Observação
No entanto, os instrumentos e meios do trabalho do assistente social não se esgotam nas técnicas e
na bagagem teórica do profissional. Nesse sentido, a autora adverte que o assistente social é considerado
32
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
pela lei que regulamenta a profissão como um profissional liberal. Isso significa que os assistentes
sociais possuem autonomia em suas decisões e escolhas profissionais. No entanto, não detêm poder de
todos os meios, de todos os recursos de que precisa para exercer a sua intervenção. Segundo Iamamoto
(2001), outros instrumentos extremamente importantes são as instituições empregadoras, quer sejam
elas públicas ou privadas.
Assim, quando concluída a graduação, exceto a atuação via consultoria, via de regra, procura‑se
um espaço sócio‑ocupacional, uma instituição. Será ela que irá conceder os recursos necessários para
conduzir a ação. São as instituições que dão recursos financeiros, técnicos, humanos e tudo mais
do que é necessário para a intervenção. Por exemplo, atuação em prol da concessão de próteses,
como óculos ou qualquer elemento dessa natureza. O assistente social não possui esses bens, mas a
instituição empregadora, sim. O profissional depende das organizações em que atua para o exercício
profissional. O assistente social, portanto, “[...] não detém todos os meios necessários para a efetivação
de seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos necessários ao exercício profissional autônomo”
(IAMAMOTO, 2001, p. 62). Há mais autonomia nas decisões, mas não nos recursos necessários.
A instituição, no entanto, não deve ser apresentada como um obstáculo à prática do assistente social.
Aliás, sempre que isso se manifestar, deve‑se recorrer aos órgãos de defesa da categoria. A instituição
é, no entanto, uma forma de organizar e influenciar o trabalho do profissional, portanto, não pode ser
percebida como um elemento de segunda categoria dentro do processo de trabalho, mas sim como algo
extremamente relevante e importante. “A instituição não é um condicionante a mais do trabalho do
assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (IAMAMOTO, 2001, p. 62).
Mais uma vez, cabe a apresentação de outros dois exemplos. No texto de Santos, Freitas e Ceara‑Silva
(2019), os autores descrevem a intervenção dos assistentes sociais em Niterói (RJ) junto a casos de
violência doméstica vivenciados em relacionamentos homoafetivos. Para a realização do artigo, os
autores recorreram aos dados disponibilizados por três espaços de Niterói: o Centro Especializado
em Atendimento à Mulher (Ceam), que é um serviço da Coordenadoria de Políticas e Direitos das
Mulheres de Niterói (Codim); o Programa SOS Mulher, do Hospital Universitário Antônio Pedro; e o
Centro de Cidadania LGBT de Niterói. Ou seja, é possível ver a clara menção a várias instituições, pois é
isso que viabiliza a ação do assistente social em prol de seu objeto de intervenção. São as instituições
que possibilitam o desenvolvimento dessa prática.
Outro exemplo interessante é apresentado por Horst e Tenorio (2019), no qual temos uma descrição
da ação do assistente social em atividades de conciliação de conflitos e mediação. No artigo, os autores
apresentam embasamento para a atuação dos assistentes sociais na mediação de conflitos, atividades que
são desenvolvidas no âmbito do Judiciário. Esse é um espaço de atuação ainda recente para a categoria,
mas é possível observar que é algo que foi consolidado a partir de uma demanda do Judiciário. No caso
em questão, podemos dizer que o Judiciário influencia a prática dos assistentes sociais, oferecendo‑lhes
os elementos de que necessita para sua atuação. Por conseguinte, o Judiciário, nesse exemplo, é um
instrumento, um meio de trabalho do assistente social.
sobre as expressões da questão social. A autora nos coloca que deve‑se compreender que o trabalho
é uma categoria que possui centralidade na definição do ser humano. Ele permite ao homem dominar
a natureza e assim atender as suas necessidades. O trabalho operacionaliza a mediação da atenção das
necessidades humanas, mas também viabiliza mudanças subjetivas no ser humano. É uma atividade
consciente e que possibilita ao ser humano provocar mudanças na sua matéria‑prima. “[...] por meio do
trabalho, o homem se afirma como ser criador, não só como indivíduo pensante” (IAMAMOTO, 2001, p. 58).
No caso do serviço social, o trabalho é desenvolvido sempre que temos a ação profissional.
Por fim, chegamos a outro elemento que também integra o processo de trabalho: o produto. Ou seja,
todo trabalho deve gerar um produto, o qual irá depender do espaço onde o trabalho é desenvolvido.
Assim, o produto de uma fábrica de sapatos será distinto daquele de uma empresa de bebida. E os
assistentes sociais, eles produzem algo? Iamamoto (2001) coloca que por meio de ações, o profissional
da área garante a reprodução material do público que atende. Ele também responsabiliza‑se pela
sobrevivência e o acesso a benefícios e serviços que são vitais ao público atendido. De tal forma, esse
seria um dos produtos de sua ação, mas não o único.
E qual seria o outro produto? Para a autora, as ações colaboram no aspecto subjetivo, na
produção de conceitos e consensos. No dizer da autora, os assistentes sociais transitam por um “[...]
mar de criação de consensos” (IAMAMOTO, 2001, p. 67), pois também colaboram para a construção
de saber. Os consensos, conforme a autora, nem sempre fortalecem a desigualdade; aliás, compete
ao assistente social desnudar essa realidade. A autora chega até a reforçar que a própria questão
social permite a construção de conceitos de luta, de insubordinação. Para isso, o assistente social
precisa, essencialmente, ter domínio teórico e analisar a realidade com base em sua fundamentação.
Somente a junção da teoria e da prática permite que o assistente social construa conceitos que
emancipem os indivíduos atendidos. Em síntese:
Iamamoto (2001) diz, por fim, que os produtos variam a depender do local do trabalho. Ressalta ainda
que há diferenciações entre o produto do assistente social na empresa privada e na pública. No entanto,
independentemente do espaço em que realiza a sua ação, o produto, sempre, deverá ser orientado para
atender aos valores do projeto ético‑político. Assim, o assistente social, em sua prática, não pode se
contrapor aos valores que estão sistematizados no código profissional de ética dos assistentes sociais e
na lei que regulamenta a profissão do assistente social. Também nesse caso é basal estar integrado às
manifestações e colocações de nossa categoria.
34
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Processo de trabalho
Trabalho em Marx no serviço social
(Iamamoto)
Matéria‑prima ou objeto: sob o qual se Matéria‑prima ou objeto: múltiplas
incide a ação expressões da questão social
Instrumentos ou meios de trabalho: Instrumentos ou meios de trabalho:
elementos que permitem modificar a técnicas e instrumentos, bagagem
matéria‑prima teórico‑metodológica e instituições
Trabalho: ação intelectual ou manual Trabalho: ação do assistente social
(ou ambas)
Produto: alteração das condições
Resulta em um produto materiais e também subjetivas
(consensos)
Vamos partir então dos projetos societários. Por esse termo, Paulo Netto (2006) e Iamamoto (2001)
definem uma imagem de sociedade, com valores que a justifiquem e que é construída com determinados
meios. O projeto, em tese, é uma ação humana em que há uma “[...] antecipação ideal da finalidade que
se pretende alcançar, com a invocação dos valores que a legitimam e escolha de meios para lográ‑la”
(PAULO NETTO, 2006, p. 2), ou seja, assim como o projeto societário, ele engloba intencionalidade,
objetivo e é sustentado por ações e valores que o legitimam. Os projetos societários são considerados
coletivos, isto é, valores tidos como corretos são apresentados como ideais de toda uma sociedade ou,
como os nomeia Paulo Netto (2006), são projetos macroscópicos.
Além disso, são projetos que estão vinculados a determinadas classes sociais. Assim, a classe burguesa
possui um dado projeto societário, e a trabalhadora, outro distinto. São propostas antagônicas e que
representam os interesses de cada classe social. O autor chama a atenção ao fato de constituírem‑se
como projetos que podem fazer uso do poder político e que são representações do poder aquisitivo de
determinadas classes sociais. O autor faz ainda uma colocação destacando que a classe que detém o
poder político busca, por meio dele, fazer valer seu projeto societário. Por outro lado, é compreensível
também que a classe que mantém o poder econômico possua também o poder político, ou seja, a classe
que tiver mais poder econômico consegue impor seu projeto societário junto a uma dada sociedade.
Como são projetos antagônicos, contrapostos, sempre há embate entre eles e entre as classes sociais aos
quais estão vinculados. “Os projetos societários que respondem aos interesses de classes trabalhadoras
e subalternas sempre dispõem de condições menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes
proprietárias e politicamente dominantes” (PAULO NETTO, 2006, p. 3).
35
Unidade I
Teixeira (2000b) indica ainda que os projetos societários podem ser transformadores ou então
conservadores. Os transformadores, como o nome sugere, são aqueles relacionados à mudança, à
transformação da ordem social, buscando a melhoria da vida em sociedade. Já os conservadores, por
seu turno, fortalecem e defendem ideais e valores que já estão presentes e enraizados na sociedade,
buscando evitar a mudança.
Esses são os projetos societários. Mas, como anunciado, há ainda os projetos profissionais. Estes são
coletivos e devem representar uma determinada categoria de trabalhadores. Paulo Netto (2006) nos
indica que os projetos profissionais colaboram para a construção de uma autoimagem das profissões,
além de escolherem valores com os quais essas profissões se identificam. Além da autoimagem, eles
também conferem uma referência da profissão perante a sociedade, bem como expressam objetivos,
requisitos mínimos, normas profissionais, condutas de comportamento, referências para a relação com o
público atendido e com as organizações empregadoras. Devem envolver todo o corpo de trabalhadores,
mas nem sempre são hegemônicos.
Os projetos são essencialmente políticos, têm uma finalidade a ser alcançada e um objetivo. Essa
finalidade, segundo Paulo Netto (2006) e Teixeira (2000b), está também vinculada a ideais maiores,
valores mais amplos, os quais, por sua vez, relacionam‑se aos chamados projetos societários. Assim,
pode‑se dizer que os projetos societários influenciam os projetos profissionais? Sim. Teixeira (2000a)
ainda reforça que os projetos profissionais se expressam cotidianamente no tecido social, na coletividade.
36
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Cada um dos projetos possui peculiaridades e especificidades que os definem. O projeto ético‑político
do serviço social não está sintetizado em um documento único, mas incorpora os parâmetros indicados
pelo Código Profissional de Ética dos Assistentes Sociais, pelo disposto na lei que regulamenta a profissão
dos assistentes sociais e por todas as discussões e compromissos assumidos pela categoria e expressos
por meio do conjunto CFESS‑Cress e da Abepss. Dessa forma, a defesa do projeto ético‑político do
serviço social pressupõe que tenhamos conhecimento eminente de todas as pautas que estão em
discussão pelos nossos pares.
O projeto ético‑político do serviço social é o que imprime uma imagem à profissão, confere a ela um
ethos, uma forma de se compreender quanto tal. Afinal, é uma forma de autoentendimento e vinculação
dos assistentes sociais, mas também é uma maneira de representar a categoria perante a sociedade.
Observação
Para além dessas especificidades, o projeto ético‑político pode ser mais bem compreendido a partir
de uma análise dos elementos que o compõe. Mas o que seriam esses elementos? São aspectos basais
para que o projeto ético‑político se consolide.
Ou seja, o projeto ético‑político, para ser implementado, demanda o embasamento dos princípios
e valores ético‑políticos que regem a categoria, além da matriz teórico‑metodológica a que se recorre
nas condutas profissionais. No caso, a perspectiva marxista foi considerada pela Abepss como referência
37
Unidade I
para a matriz curricular dos cursos de graduação em serviço social no Brasil. Essa referência deve ser
usada como respaldo para os valores éticos‑políticos e para a matriz teórico‑metodológica. Além disso,
conforme a indicação do autor, o projeto ético‑político deve viabilizar aos profissionais e aos que estão
em processo de formação a condição de realizar uma crítica à ordem social vigente. O domínio desse
saber deve conduzir o assistente social na adoção de posicionamentos em defesa dos segmentos mais
empobrecidos de nossa sociedade.
Aliás, é nítido que, tanto para Teixeira (2000b) quanto para Paulo Netto (2006), o projeto ético‑político
do serviço social só ganhe sentido se colocado em prática e se de fato defender direitos dos segmentos
vulnerabilizados, conforme preconiza o Código Profissional de Ética. Teixeira (2000b), por seu turno,
fortalece e busca reforçar a necessidade de o projeto ético‑político promover a transformação social,
visando uma sociedade mais justa e menos desigual, fortalecendo assim o projeto societário dos
segmentos vinculados à classe social empobrecida.
Nesse sentido, os assistentes sociais sempre precisam, em seu cotidiano, fortalecer condutas, usar
sua instrumentalidade em favor de um projeto societário que não deve ser o da classe burguesa.
Um outro aspecto interessante sobre o projeto ético‑político do serviço social apontado por Teixeira
(2000b), e que merece atenção, relaciona‑se ao que seria o sustentador, a base desses conceitos. Afinal,
qual é o referencial do projeto ético‑político? O autor indica que a sustentação do projeto ético‑político
se faz por meio dos seguintes componentes:
Nesse sentido, reforça‑se o quão relevante é a observação da produção teórica do serviço social
como substrato para o projeto ético‑político, além da vinculação às instâncias político‑organizativas da
categoria e de outros movimentos e organizações que defendem os mesmos valores que os pactuados
pelos assistentes sociais. E, por fim, esse projeto ético‑político também é embasado pela questão
jurídico‑política. A dimensão ético‑política engloba as questões legais que defendem e resguardam
a profissão e que estão ligadas aos direitos, deveres e prerrogativas legais que envolvem o exercício
do assistente social. Mas a dimensão jurídico‑política de respaldo compreende ainda as legislações
sociais que congregam direitos sociais, como, por exemplo, a legislação relacionada à consolidação da
seguridade social.
Já com relação aos valores ético‑políticos que sustentam esse projeto, vemos, conforme Paulo Netto
(2006), que seu núcleo central é a liberdade, a qual, segundo o autor, não pode ser vista de forma
dissociada da justiça e da igualdade, conformando assim uma identidade ao assistente social e tornando
ainda mais claro o projeto societário ao qual a categoria deve estar vinculada. O projeto societário deve,
essencialmente, estar vinculado à equidade, à justiça social e à democratização das relações sociais,
incluindo nesse processo a socialização da riqueza social produzida pelo gênero humano.
Observação
O objetivo, neste momento, não é retomar o Código Profissional de Ética, mas sim destacar, para
uma reflexão, os princípios fundamentais desse documento, conforme pode ser visto a seguir:
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Unidade I
XI. Exercício do serviço social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por
questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física (CFESS,
1993, p. 23‑24).
Ao analisá‑los, podemos inferir que fica “fácil” compreender o projeto ético‑político. Ou seja, basta
sempre lutar para preservar tais princípios no cotidiano. Usar a instrumentalidade para fortalecê‑los,
pois assim contempla‑se o projeto ético‑político. Paulo Netto (2006) ainda coloca que, para além da
vinculação aos valores ético‑políticos, é necessário que o profissional invista em sua competência e
aperfeiçoamento profissional.
Mas na realidade concreta, para além dos princípios fundamentais anteriormente retratados e demais
aspectos que estão contidos no nosso Código Profissional de Ética, quais seriam, então, as manifestações
da categoria? A visita ao site do CFESS é importante para alimentar o projeto ético‑político.
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ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
Saiba mais
Para que você possa estar por dentro das colocações, acesse o link a
seguir. O CFESS Manifesta é um jornal do CFESS que representa as reflexões
da categoria, proveniente de eventos, fóruns e demais momentos de
discussão realizados pelos assistentes sociais.
O escopo de temas é amplo e bastante variado. No entanto, é possível observar que os tópicos
abordam situações que estiveram presentes na realidade nos mais variados momentos e também evocam
reflexões a respeito do fazer do assistente social. Assim, são temas interessantes e que, se comparados
aos valores defendidos no Código Profissional de Ética, pode‑se inferir que encontram assento nos
valores lá preconizados.
Outro exemplo bem interessante acerca das pautas defendidas pela categoria são as campanhas
de reflexão usadas no Dia do Assistente Social. No dia 15 de maio, comemora‑se, no Brasil, o Dia do
Assistente Social. Todos os anos, essa data é dia de “comemoração”, reflexão e luta. O conjunto CFESS/
Cress, partindo do diálogo empreendido junto aos assistentes sociais, elenca temas para orientar as
discussões. Geralmente, o Cress de cada região promove eventos para as atividades em questão, assim
como as campanhas de reflexão.
A Campanha de 2019 orientou a discussão sobre o processo de exclusão social que vivemos
na sociedade capitalista, porém considerando que a mulher negra sente com mais força o
impacto dessa situação em seu cotidiano. Ou seja, um tema que é abordado a partir da análise
da realidade e que representa as reflexões de todos os profissionais. Já a Campanha de 2018,
igualmente importante, chamou os assistentes sociais para a reflexão sobre as formas de
luta pela defesa da classe trabalhadora, momento crucial no Brasil, em que tínhamos muitas
discussões em torno da reforma trabalhista.
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Unidade I
Como é possível ver, é uma profissão que tem em seu projeto ético‑político a defesa de valores
nobres ligados à efetivação dos direitos sociais das minorias e, sobretudo, que busca fortalecer o projeto
societário vinculado aos interesses da classe pobre.
Não é por acaso que se faz a escolha por esta profissão: ninguém a procura
para ter mais dinheiro, para ter mais status, para ter mais prestígio. Como
mostra Jeanine Verdes‑Leroux, é uma profissão especial, guiada por valores
nobres e não utilitários, envolvida em uma mística que torna o seu exercício
mais do que um emprego, um meio de realizar projetos pessoais e sociais
etc. [...] (IAMAMOTO, 2001, p. 64).
Tais valores, nobres, representam sempre a defesa dos direitos sociais e a consolidação de uma
sociedade mais justa.
Resumo
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ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL
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