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Estratégias em

Serviço Social
Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago
Profa. Marcia Fernanda Viera Rocha
Colaboradora: Profa. Amarilis Tudella
Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago /
Marcia Fernanda Viera Rocha

Daniela Emilena Santiago

Assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Psicologia e em História, ambas
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis. Doutoranda em História na
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis. Exerce também a função de docente
e líder junto ao curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP) na modalidade EaD.

Marcia Fernanda Vieira Rocha

Assistente social graduada pela Universidade Católica de Santos, especialista em Gestão de Recursos
Humanos pela Faculdade de Administração e Economia de Curitiba (UniFAE) e especialista em Gestão Estratégica
de Projetos pela Universidade Positivo de Curitiba. Mestre em Trabalho, Saúde e Sociedade pela Universidade
Tuiuti do Paraná. Atuou como coordenadora de cursos e professora em organizações de ensino no Paraná nas
modalidades presencial e EaD. Coordenou o Núcleo de Estágio e Empregabilidade na Faculdade da Indústria
Sesi‑Senai do Paraná. É coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP) de Santos, além
de atuar como professora em diversas disciplinas.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S235a Santiago, Daniela Emilena.

Estratégias em Serviço Social / Daniela Emilena Santiago, Marcia


Fernanda Vieira Rocha. – São Paulo: Editora Sol, 2019.

108 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-132/19, ISSN 1517-9230.

1. Instrumentalidade. 2. Estudo socioeconômico. 3. Trabalho


com grupo. I. Rocha, Marcia Fernanda Vieira. II. Título.

CDU 364

U503.59 – 19

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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permissão escrita da Universidade Paulista.
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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Fabrícia Carpinelli
Elaine Pires
Sumário
Estratégias em Serviço Social

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 INSTRUMENTALIDADE E DEMAIS ASPECTOS DA PRÁTICA PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL................................................................................................................................................9
1.1 A instrumentalidade no processo de produção capitalista.....................................................9
2 INSTRUMENTALIDADE NO SERVIÇO SOCIAL......................................................................................... 15
3 INSTRUMENTALIDADE E PROCESSOS DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL.............................. 26
4 OS DIFERENTES PROJETOS SOCIETÁRIOS E PROFISSIONAIS E O PROJETO
ÉTICO‑POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL.......................................................................................................... 35

Unidade II
5 DIÁRIO DE CAMPO, ESTUDO SOCIAL, ESTUDO SOCIOECONÔMICO............................................. 44
5.1 Diário de campo..................................................................................................................................... 44
5.2 Entrevista.................................................................................................................................................. 50
5.3 Estudo social e socioeconômico..................................................................................................... 54
6 LAUDO SOCIAL, PARECER SOCIAL, PERÍCIA SOCIAL, RELATÓRIOS, VISITA
DOMICILIAR E VISITA INSTITUCIONAL......................................................................................................... 58
6.1 Laudo social............................................................................................................................................. 58
6.2 Parecer social e perícia social........................................................................................................... 60
6.3 Relatórios.................................................................................................................................................. 62
6.4 Visita domiciliar e visita institucional........................................................................................... 63

Unidade III
7 TRABALHO COM GRUPO E EM COMUNIDADES E A EDUCAÇÃO POPULAR............................. 68
7.1 O trabalho com grupo......................................................................................................................... 68
7.2 O trabalho em comunidades e a intervenção em educação popular.............................. 71
7.3 Elaboração de planos, programas e projetos e a questão do orçamento público...... 72
8 A SUPERVISÃO DE ESTÁGIO EM SERVIÇO SOCIAL, A PRÁTICA PROFISSIONAL E
A DIMENSÃO INVESTIGATIVA.......................................................................................................................... 81
8.1 A prática profissional e a dimensão investigativa................................................................... 93
APRESENTAÇÃO

Olá, aluno!

Convidamos você, nesse momento, para um percurso nas questões que envolvem a prática
cotidiana dos profissionais desta área. Para darmos início às nossas reflexões, apresentamos a notícia
a seguir: “Projeto prepara presos para volta à sociedade após liberdade. Voltada para quem está em
regime semiaberto, iniciativa promove dinâmicas com foco no planejamento fora do sistema prisional”
(PROJETO..., 2019).

Preparar o reeducando para a vida do outro lado das grades é a meta do projeto especial “Preparação
para a Liberdade”, desenvolvido no Centro de Detenção Provisória (CDP) ASP Nilton Celestino, de
Itapecerica da Serra, e no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Franco da Rocha. Nas duas
unidades, quem está no regime semiaberto passa por dinâmicas de grupo com foco na preparação para
a vida fora do sistema prisional.

A assistente social do CDP de Itapecerica, Ângela Carvalho de Jesus Silva, comenta o projeto: “A ação
considera as perdas ocorridas na fase de reclusão e convida os participantes para a reflexão sobre o passado e
planejamento do futuro fora do sistema prisional. Na opinião da responsável, o poder para mudar o foco na
vida está dentro de cada pessoa” (PROJETO..., 2019). E prossegue: “A oportunidade de expressar sentimentos é
o ponto alto da ação” (PROJETO..., 2019). Já o reeducando E.Y. expressa sua opinião: “É uma forma de diálogo
e desabafo das coisas que gostaria de falar e não tinha como se expressar” (PROJETO..., 2019).

Já no CPP de Franco da Rocha o projeto foi implantado em 2017 e comporta cinco encontros
semanais, envolvendo dez reeducandos por etapa. A diretora de reintegração social da unidade, Célia
Minelli, diz que: “São abordados temas como liberdade, laços sociais e familiares, trabalho e cidadania”
(PROJETO..., 2019).

O programa tem o objetivo de preparar as pessoas que estão próximas a obter progressão de pena
para o regime aberto ou livramento condicional para o processo de retomada do convívio social, por
meio de oficinas socioeducativas. O preso M.M.S. diz: “A cada dia, descubro que posso e quero ser
alguém melhor do que antes” (PROJETO..., 2019).

Acabamos de ver como é enfatizada a perspectiva do profissional atuante junto a um espaço de


promoção de ressocialização a respeito da intervenção desenvolvida em prol de um segmento específico.
Temos um exemplo das muitas possibilidades de ação de nossa categoria. Mas como repensar essa
prática diante da amplitude de espaços laborais desse especialista na contemporaneidade? Para isso,
é importante uma aproximação referente aos conceitos genéricos que estão presentes na prática do
trabalhador desta área, além do avanço na discussão relacionada à metodologia da ação do profissional.
Dessa forma, vamos problematizar a respeito de questões genéricas e que estão presentes no cotidiano
da prática profissional.

Assim, é basal pensarmos nos conceitos de instrumentalidade, nas questões que demarcam o
exercício profissional, bem como repensarmos os instrumentos e as técnicas que estão presentes na
7
prática do profissional. Essas colocações oferecerão um embasamento geral a respeito de aspectos do
fazer cotidiano do especialista da área e que estão presentes em qualquer dimensão da atuação.

Convidamos você para esse percurso teórico, o qual trará muitos exemplos da prática contemporânea
de nossa categoria.

INTRODUÇÃO

A presente disciplina iniciará as discussões sobre a questão da instrumentalidade do serviço


social. Primeiramente, serão apresentados o conceito de instrumentalidade, a questão da perspectiva
crítica e a instrumentalidade da área, compreendendo tal concepção alinhada à noção de processo de
trabalho. Derivando desses conceitos, serão mostrados os diferentes projetos societários existentes na
sociedade contemporânea, bem como a vinculação do serviço social a esses projetos. Partindo dessas
colocações, passamos às dimensões práticas da profissão, em que são enfocadas as ações profissionais
e os procedimentos metodológicos.

Na sequência, será abordado um rol amplo de instrumentos de intervenção daqueles que atuam na
área, os quais estão presentes no cotidiano e que integram a prática do profissional.

Por fim, serão vistos os conceitos que integram a formação profissional, partindo da sistematização
e registro da prática profissional, bem como a importância da pesquisa. Além disso, não ficam de fora os
aspectos referentes à supervisão de estágio em serviço social, ou seja, há uma ampla discussão proposta
que tratará sobre os mais variados fenômenos e eventos relacionados ao exercício da profissão.

8
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Unidade I
1 INSTRUMENTALIDADE E DEMAIS ASPECTOS DA PRÁTICA PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL

1.1 A instrumentalidade no processo de produção capitalista

É interessante salientar que toda a noção de instrumentalidade construída por Iolanda Guerra, a
principal autora a discutir esse conceito, aplicando‑o ao serviço social, advém da noção marxista de
trabalho. Assim, compreende‑se que há uma relação entre o conceito de trabalho e a instrumentalidade.
Para que seja possível compreender e conhecer essa relação, é preciso partir, inicialmente, do entendimento
deste conceito.

Assim, Guerra (2010) coloca que, em Marx, o trabalho é originado da necessidade humana de
satisfazer as imposições que são geradas após um longo processo de desenvolvimento dos seres
humanos. À medida que o homem busca dominar a natureza, e assim obter os elementos de que
precisa para sobreviver, realiza um esforço ao qual nomeia‑se trabalho, que é entendido como uma
relação social de transformação que permite que coisas sejam transformadas pelos indivíduos, para
que se tornem úteis ou mudem de utilidade. Ele também se constitui pelo esforço coletivo pela caça
comum ao homem primitivo. Mas esse não foi o único formato de trabalho existente na sociedade.
Antes, é possível ver que ele vai sendo alterado à medida que os modos de produção também mudam.

Na tradição marxista, da qual deriva Guerra (2010), vemos o trabalho como o meio pelo qual o homem
busca atender as suas necessidades, mas também como um fenômeno que altera a subjetividade do ser
humano e também as suas relações sociais. Assim, voltando ao homem primitivo, foi a necessidade do
trabalho, e deste com outros homens, que condicionou a sua subjetividade, surgindo a necessidade de
comunicação. O gênero humano passa, então, por um lento processo de desenvolvimento, condicionando
o psiquismo humano e aprimorando o homem em prol da fala. No entanto, a fala é apenas um dos
muitos aspectos que o gênero humano vai aprimorando a partir do trabalho, o qual está extremamente
ligado ao desenvolvimento psíquico.

O trabalho também influencia na delimitação das relações sociais do ser humano. Ele impõe uma
certa sociabilidade entre os pares, algo que interfere na sua subjetividade e nas redes de relacionamento
que são por ele construídas. Sobre o pensamento do homem primitivo nas primeiras relações de trabalho
(não relacionadas à noção de capitalismo), podemos inferir que:

[...] o homem transforma a natureza e, ao fazê‑lo, transforma‑se a si mesmo


e a outros homens. É esse movimento que consubstancia a sociabilidade
humana, esta, constituinte e constitutiva de duas determinações
fundamentais: pensamento e linguagem (GUERRA, 2010, p. 102).
9
Unidade I

Essa relação posta pelo trabalho, em que seres humanos realizam trocas entre os pares, é presente
em todas as relações empregatícias, ou seja, mesmo contemporaneamente, a ocupação que possuímos
nos permite a convivência com outros trabalhadores, influenciando a subjetividade e as relações sociais.

A compreensão da categoria trabalho evoca ainda compreender que ele só se constitui enquanto tal se
composto pelos seguintes aspectos: o trabalho, a matéria‑prima e os instrumentos ou meios para tal ação
(IAMAMOTO, 2001). Esses elementos congregados e ativados pela força e pela ação do trabalho caracterizam‑no
em qualquer sociedade. A noção de instrumentalidade, portanto, está vinculada à questão dos instrumentos
ou dos meios de trabalho, os quais comportam instrumentos usados para transformar a matéria‑prima em um
produto, mas são compostos também pelo que Guerra (2000a) denomina condições materiais, ou seja, todas
as situações que estão presentes no processo de trabalho.

O que cabe aqui sinalizar é que os meios de trabalho incorporam não apenas
os instrumentos necessários à transformação do objeto, mas também
todas as condições materiais sob as quais o trabalho se realiza (cf. Marx,
1985a:151). Os meios de trabalho são, para Marx, os indicadores do grau
de desenvolvimento das forças produtivas e das condições sociais em que o
trabalho se processa (GUERRA, 2000a, p.102).

Assim, a introdução das máquinas no contexto da produção industrial apresenta grande avanço
ao processo produtivo se comparada com a atividade vivenciada no contexto manufatureiro. Por
conseguinte, a mudança nesse processo de produção se dá pela introdução de elementos que tendem
a potencializá‑la. A partir da Revolução Industrial, há uma profunda mudança no processo produtivo,
que só é possível, inicialmente, pelo aporte a novas tecnologias como elementos que tendem a torná‑lo
menos manual. Dessa forma, busca‑se cada vez mais instrumentos que facilitem, potencializem o
processo do trabalho.

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais os posicionamentos da autora, assista ao


vídeo em que ela reflete sobre a categoria profissional, disponível no site
funcional do Conselho Regional de Serviço Social de Santa Catarina:

CCAS 2016. Cress‑SC. [s.d.]. Disponível em: <http://cress‑sc.org.br/


ccas‑2016/>. Acesso em: 20 ago. 2019.

Nesse site você ainda encontrará exposições de Yolanda Guerra e


também de Maria Lucia Martinelli, nome importante na categoria.

A inserção dos instrumentos ou meios no processo de trabalho só é possível a partir de um processo


teleológico pelo qual passa o gênero humano. Compreende‑se o processo teleológico como a habilidade
do ser humano desenvolver sua capacidade crítica e transformadora. Quando o homem é inserido no
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ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

trabalho, ele tem essa aptidão desenvolvida. É essa condição que permite ao homem a construção de
instrumentos, de meios de trabalho.

Nesse processo, observa‑se a objetivação humana. Quando falamos que o trabalho é um meio para o
indivíduo se objetivar, ou, ainda, forma de objetivação humana, dizemos isso justamente pela capacidade
emancipatória que está guardada na essência dele e que potencializa o chamado processo teleológico.
A partir dessa prévia ideação é que pode‑se falar da operatividade, momento em que alteramos de fato
os objetos, superando a forma subjetiva como algo se constitui (GUERRA, 2000a).

O processo de trabalho, portanto, permite que o indivíduo transforme algo, ou melhor, altere a
realidade; assim, ao transformá‑la, ele modifica a si mesmo, suas relações sociais e aos outros indivíduos.
Dessa forma, a sociedade é reproduzida material e socialmente.

Para tanto, os instrumentos ou meios são a base para que seja possível ao homem exercer
esse domínio da natureza. No caso do trabalho, os instrumentos ou meios também são vitais para
que seja possível produzir algo. Assim, Guerra (2000a) coloca que os instrumentos e os meios de
trabalho são vitais para o aperfeiçoamento desse processo. A autora indica que a transição do
capitalismo manufatureiro para o industrial se caracterizou pela introdução de máquinas no processo
produtivo, tornando‑o muito mais ágil. Com a introdução de maquinários, no entanto, as relações
sociais estabelecidas entre os trabalhadores também acabou sendo alterada. Essa inserção de novas
tecnologias é inerente ao trabalho e cada vez mais tem se tornado comum, tendo em vista a busca
pelo lucro e pela mais‑valia.

Saiba mais

Vamos conhecer um pouco mais sobre o desenvolvimento capitalista?


Propomos que assista ao documentário a seguir:

SALVANDO o capitalismo. Dir. Jacob Kornbluth e Sari Gilman. EUA:


2017. 90 minutos.

Nele, é possível ver uma análise do capitalismo com base na realidade


dos Estados Unidos, mas que nos leva a compreender um pouco das
mutações presentes no processo produtivo.

Não obstante, é possível questionar o motivo pelo qual trabalhamos e se seria possível deixarmos de
exercer tal ação. Ocorre que o trabalho é inerente aos indivíduos, posto que a equação é simples, vivemos
e trabalhamos, trabalhamos e vivemos, não cabendo aqui o fim do trabalho vivo (aquele que envolve
a força de trabalho), pois necessitamos atender minimamente às carências materiais, tais como comer,
beber, dormir, procriar, bem como as necessidades imateriais, referentes ao intelecto, à espiritualidade,
ao âmbito das ideias e da consciência. Nas palavras de Marx (2013, p. 255‑256):

11
Unidade I

Agindo sobre a natureza externa e modificando‑a por meio desse


movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele
desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas
forças a seu próprio domínio. Não se trata, aqui, das primeiras formas
instintivas, animalescas (tierartig), do trabalho. Um incomensurável
intervalo de tempo separa o estágio em que o trabalhador se apresenta
no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho naquele
em que o trabalho humano ainda não se desvencilhou de sua força
instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito
unicamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às
do tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura
de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior arquiteto da
melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente
antes de construí‑la com a cera. No final do processo de trabalho,
chega‑se a um resultado que já estava presente na representação do
trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que já existia
idealmente. Isso não significa que ele se limite a uma alteração de
forma do elemento natural; ele realiza nesse último, ao mesmo tempo,
seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, o tipo e o modo
de sua atividade e ao qual ele tem de subordinar sua vontade. E essa
subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que
trabalham, a atividade laboral exige a vontade orientada a um fim, que
se manifesta como atenção do trabalhador durante a realização de sua
tarefa, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho, pelo seu próprio
conteúdo e pelo modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto,
quanto menos esse último usufruir dele como jogo de suas próprias
forças físicas e mentais.

A partir da análise deste excerto, é possível compreender, por Marx, a diferença entre o trabalho
realizado por seres humanos das ações realizadas pelos demais seres vivos. Enfatiza‑se o desenvolvimento
da capacidade teleológica, que permite ao ser humano ultrapassar as necessidades mais imediatas
de sobrevivência, criando destas necessidades outras, e assim por diante, de modo que, a partir do
planejamento e prévia ideação de algo, não apenas concretiza‑se o idealizado, mas este é aprimorado
segundo novas necessidades.

Nesse sentido, evidencia‑se a importância do aprofundamento e da formação permanente,


considerando que esse debate não é simples de ser feito ou compreendido, principalmente, quando
tenta‑se compreender o campo do imaterial, pois, quando se afirma a unidade entre material e imaterial
em uma sociedade habituada a fragmentar todos os conceitos e conteúdos, deparamo‑nos com algo
impensável pela forma como é orientada hegemonicamente nossa maneira de pensar. Em contrapartida,
quando é feito esse esforço, é possível compreender que, de fato, as coisas não seriam por nós entendidas,
reconhecidas e nomeadas se não tivessem uma base material e imaterial.

12
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Lembrete

Todos os elementos e fenômenos, incluindo o trabalho, possuem uma


base material e imaterial

Assim, refletir sobre o trabalho nos impele a pensar em objeto e matéria‑prima, em instrumentos ou
meios, no resultado ou produto e no seu processo. É preciso ainda considerar que o trabalho influencia as
relações sociais e subjetivas do homem, e, além disso, que ele comporta uma dimensão histórico‑cultural.
Assim, o que é trabalho, o que pode ser considerado como tal, muda de algo com os meios de produção
utilizados em uma dada sociedade. Temos trabalho nas sociedades primitivas, bem como na capitalista.
A forma de compreendê‑lo é que muda em cada uma dessas sociedades.

Segundo Guerra (2000a), na fase da manufatura, primeira fase do desenvolvimento do capitalismo,


era o capitalista que definia o que seria produzido. Porém, neste momento, os trabalhadores eram em
menor número e participavam de todo o processo de produção, até o final. Nesse período, o trabalhador
cede ao proprietário dos meios de produção o conhecimento técnico e suas habilidades. Com o
desenvolvimento da industrialização e a concentração de um grande número de trabalhadores em um
mesmo espaço, temos a intensificação das atividades. Esse aumento do trabalho acontece a fim de que
o capitalista consiga alcançar a mais‑valia. Nesse sentido, o trabalho torna o trabalhador cada vez mais
alienado, ele executa suas funções independentes e nem sempre tem noção do resultado final de sua
ação. Tanto o trabalho na manufatura, quanto o na industrialização produzem valor. E também possuem
valor. No entanto, no capitalismo, é a inserção dos maquinários que possibilita a extração da mais‑valia.
Por conseguinte, cada trabalho, em sociedades específicas, possui características e especificidades que
o definem.

A partir do capitalismo, de acordo com Guerra (2000a), o racionalismo condicionou todo o processo
de produção. Esse conceito de racionalismo, ou mesmo racionalidade formal‑abstrata, como nomeado
pela autora, corresponde ao período em que o discurso científico passa a ser considerado como o
mais relevante para condicionar a organização do trabalho. A racionalidade e o saber científico são
considerados os únicos aspectos importantes. Correspondem à compreensão de que os trabalhadores
precisam deter esse saber científico racional, e apenas esse conhecimento será suficiente para dar conta
das demandas apresentadas no trabalho. Por conseguinte, aquele trabalhador que não conseguir fazer
uso desse saber é tido como prejudicial à organização laboral. Da mesma maneira, as reivindicações
dos trabalhadores são consideradas como entraves para a plena expansão de seu saber científico no
trabalho. O trabalhador que reivindica seus direitos é apresentado como aquele que não detém o saber
necessário à execução de suas funções.

O racionalismo, ou a racionalidade formal‑abstrata, é incorporado ao processo de produção


em meados dos anos 1930 sob influência do taylorismo. De acordo com Taylor, a produção deveria
acontecer por meio da distribuição de tarefas aos trabalhadores. Isso permite ao capitalista realizar o
controle da produção e das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores. Para que cada empregado
desempenhe corretamente suas funções, é basal o conhecimento científico, racional. Isso minaria a

13
Unidade I

resistência dos trabalhadores ao processo de exploração, uma vez que o profissional acaba cooptando
essa perspectiva de entender o trabalho. Portanto, aquele que não usa de forma plena seu saber científico
é compreendido como incapaz de produzir. Guerra (2000a) nos diz ainda que o taylorismo incorpora
medidas assistenciais destinadas aos trabalhadores, algo como um benefício indireto para aqueles com
maior rendimento e atenção aos parâmetros das empresas. O trabalhador competente, que domina
as técnicas de produção, é considerado um corresponsável pelo desenvolvimento econômico do país;
assim, todos devem colaborar, oferecendo todo seu saber para a produção.

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais sobre as questões que envolvem o


processo produtivo, em diferentes configurações, indicamos assistir aos
filmes a seguir:

DAENS, um grito de justiça. Dir. Stijn Coninx. Bélgica: 1992. 138 minutos.

EU, Daniel Blake. Dir. Ken Loach. Reino Unido: 2016. 100 minutos.

A partir de então, há a ênfase aos processos de gestão científica, apresentados como alternativas
eficientes para potencializar o processo de produção. De certa forma, tem‑se a consolidação do
saber científico como resposta a outros fenômenos sociais, como a gestão das expressões da
questão social. Outrossim, para todos os problemas sociais, também espera‑se que a administração
científica seja suficiente para saná‑los. Não há problema que não possa ser resolvido. Basta apenas
um pouco de conhecimento. Ou seja, esse tipo de análise da realidade: “[...] pressupõe que as
tensões possam ser controladas e manipuladas com a mesma destreza com a qual se domina os
fenômenos da natureza” (GUERRA, 2000a, p.129‑130). Porém, mesmo atualmente, o saber científico
ainda é apresentado como única alternativa para a solução dos mais variados problemas sociais
existentes, assim como para sanar todas as questões relacionadas ao processo de produção, além
de ser apontado como a base para a superação das dificuldades econômicas pelas quais passam os
mais variados países.

Como esses conceitos vistos anteriormente têm impactos na intervenção profissional? Pode‑se dizer
que é cobrado do especialista um pleno domínio científico? Sim, é exigida certa racionalidade, domínio
do saber, da utilização de saberes e técnicas que permitam ao profissional desenvolver uma prática
capaz de atender às demandas que são apresentadas.

A dimensão instrumental está presente em qualquer processo de trabalho, mesmo que existam
mutações na forma com que ele se organiza ao longo dos anos. Assim, os instrumentos de trabalho
vão sendo alterado diante das mudanças apresentadas na reorganização do processo produtivo.
Cada vez mais busca‑se aprimorar os instrumentos de trabalho, visando conferir melhor qualidade
ao que é produzido.

14
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

2 INSTRUMENTALIDADE NO SERVIÇO SOCIAL

Neste momento, passa‑se à discussão a respeito do conceito de instrumentalidade e de sua influência


junto à categoria profissional. Como salienta Guerra (2010), a questão instrumental é essencialmente
uma determinação sócio‑histórica. Isso significa que os instrumentos e técnicas, assim como a
bagagem a qual recorre‑se, têm influência do momento histórico em que estamos inseridos. Também
há predomínio de aspectos além do controle do profissional, como a questão econômica, política e
situação social. Voltar o olhar ao passado é importante para conhecer as diferentes configurações postas
aos instrumentais e à prática profissional como um todo.

A burocratização do trabalho do serviço social a partir de exigências postas para a atuação profissional
da categoria advém do processo de institucionalização das ações profissionais, mais precisamente,
com a vertente do serviço social moderno, que ganha forte representatividade entre os assistentes
sociais durante o período de ditadura civil‑militar, pós‑golpe de 1964. Vanguarda essa que perdurou até
meados da década de 1970 e teve ruptura a partir do Congresso da Virada, em 1979, tendo em vista as
influências do movimento de Reconceituação da Profissão Latino‑Americano.

Cabe aqui alguns esclarecimentos, retomando e aprofundando a questão dos efeitos do Golpe de 64 no
Brasil e a interface com o serviço social, para que seja possível entender o processo de institucionalização do
assistente social, pois é exatamente nesse contexto que reside a gênese da demanda por instrumentalizar
pessoas a partir de uma forma de pensar fragmentada em prol do ajustamento dos atendidos à sociedade de
forma harmônica, sendo o Estado chamado à responsabilidade como agente regulador do bem‑estar de todos.

Paulo Netto (2015) embasa histórica e criticamente sobre esse processo na cena brasileira chamando‑o
de ciclo autocrático burguês. Período entre 1964 e 1982 de ditadura civil militar brasileira, compreendido
por ascensão, ápice e declínio, este último em meados de 1979. Esse processo consistiu na tomada do Estado
ditatorial pela hegemonia burguesa em detrimento dos latifundiários, que a partir de pactos conseguiram
perpetuar alguns aspectos de seu projeto coletivo.

A racionalidade burguesa, fortalecida pela burguesia internacional, coloca suas pautas na agenda
do Estado sob o escopo do desenvolvimento do país, impulsionando o ciclo de industrialização
pesada do país em um curto prazo. Esse momento também ficou conhecido como “milagre
brasileiro”, pois foram realmente alcançados níveis de acúmulo inéditos para o país.

Essa reforma foi feita a galope, justificada por certo risco do socialismo atingir grandes proporções.
Sendo assim, foi feita muito mais uma contrarreforma do Estado do que uma reforma propriamente
dita, pois antes mesmo de qualquer reforma ser proposta, a burguesia se antecipa e realiza o seu projeto
coletivo (PAULO NETTO; BRAZ, 2011) .

Não obstante, conforme os interesses burgueses eram atendidos, em contrapartida, as pautas da


classe trabalhadora eram cada vez mais negligenciadas, fato que gerou o acirramento da questão social.
Nesse contexto é que uma nova demanda de espaço sócio‑ocupacional surge para o serviço social. Houve
o aumento da disponibilização de postos de trabalho nos serviços estatais, os Institutos de Previdência.
Esse fato levou a categoria ao questionamento acerca de seu fazer profissional.
15
Unidade I

Destarte, há a articulação de diversos âmbitos de encontros da categoria para estudos, pesquisa e


considerações. Essas mobilizações do serviço social geraram documentos que expressam as orientações
teóricas que embasaram a atuação profissional em cada época.

Em Araxá, existe um serviço social ainda tradicional, definindo a importância de aprofundar a


dimensão teórico‑metodológica para lidar com as exigências burocráticas institucionais. Teresópolis
foi o documento de cristalização do serviço social moderno, pois encontra no positivismo algumas
interlocuções que o norteiam para responder às demandas institucionais.

O documento de Alto da Boa Vista e Sumaré expressou um retrocesso da profissão, pois propõe
a retomada do serviço social tradicional como imprescindível. Sumaré esboça, em última instância, o
serviço social tradicional travestido de serviço social moderno.

O método de BH é reconhecido por significar grande avanço do serviço social enquanto categoria
que inicia seu aprofundamento teórico do marxismo, mas ainda aquém de estudos que de fato pudessem
orientá‑los com veracidade quanto ao método materialista histórico dialético, visto que, somente na
década de 1980, com Maria Lúcia Vilela Iamamoto, é que o marxismo chega ao serviço social brasileiro
de forma crítica e fundamentada.

As inquietações produzidas pelo acirramento da questão social fazem com que a relação com a
ditadura civil‑militar comece a perder forças ante os movimentos sociais insurgentes, culminando em
mobilizações sociais, fortalecimento de movimentos sociais sindicais, sanitaristas, Movimento dos Sem
Terra (MST), entre outros, culminando nas “Diretas Já”.

O modo de produção capitalista, consequentemente em sua necessidade de reprodução, ou seja,


extrair mais‑valia e aumentar a taxa de lucro, vai eliminando a concorrência, chegando à era dos
monopólios e oligopólios.

O Estado é chamado para realizar medidas econômicas e sociais que requerem instituições e
profissionais com formações específicas para atender a estes anseios.

Saiba mais

Que tal conhecer um pouco mais dessa história da nossa profissão?


Recomendamos a leitura do livro:

PAULO NETTO, J. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social


no Brasil pós‑64. São Paulo: Cortez, 2015.

Nesse texto, o autor contextualiza historicamente a luta da categoria por


entender o seu fazer profissional, além de um rol amplo de aspectos afins.

16
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

É nesse contexto que surge o que é nomeado por Guerra (2000b) como utilidade social da profissão,
que é determinada pelas necessidades sociais que clamam por sua existência. Ocorre que, no modo de
produção capitalista, essas demandas são apresentadas de formas antagônicas, pois elas são provenientes
de classes opostas, surgindo a partir da contradição guardada na relação social de produção, ou no
embate entre capital e trabalho.

A profissão é norteada por aquilo que a demanda; sendo assim, o assistente social atua como
mediador a partir das expressões da questão social sob as quais intervêm. Sua atuação se dá perante a
divisão sociotécnica do trabalho, entendendo‑se como classe trabalhadora, e tendo nas políticas sociais
as mediações imprescindíveis para que a sua atuação profissional possa atingir aspectos concretos,
ainda que no imediato. Não obstante, as políticas sociais e os serviços sociais são também entendidos
como espaços sócio‑ocupacionais para os assistentes sociais.

Nesse sentindo, infere‑se junto a Guerra (2000a) que as políticas sociais possuem dimensão de
reprodução da força de trabalho como respostas estatais às lutas de classes; no entanto, também podem
ser entendidas como um conjunto de procedimentos técnico‑operativos, os quais são direcionados de
forma instrumental, cabendo aos profissionais da área trabalharem as esferas da formulação e a da
implementação. O âmbito de inserção do assistente social é, primordialmente, o da implementação.

As respostas estatais via políticas sociais se viabilizam de forma segmentada, por meio de políticas
setoriais. Notoriamente, essa forma política de pensar atrela‑se constitutivamente à racionalidade
burguesa, visto que se propõe a atender a população em suas necessidades emergenciais, remetendo
ao profissional de serviço social a função de executor de intervenções imediatistas, como se o cidadão
tivesse, em vez de um problema proveniente da questão social, um incêndio, cabendo a ele apagar
apenas esse fogo, ignorando o fator gerador do incêndio.

Inferimos junto a Guerra (2000a, p. 7) que:

É nesse sentido que as políticas sociais contribuem para a produção e


reprodução material e ideológica da força de trabalho (melhor dizendo, da
subjetividade do trabalhador como força de trabalho) e para a reprodução
ampliada do capital. Como resultado destas determinações no processo de
constituição da profissão, a intencionalidade dos assistentes sociais passa
a ser mediada pela própria lógica da institucionalização, pela dinâmica da
instauração da profissão e pelas estruturas em que a profissão se insere,
as quais, em muitos casos, submetem o profissional, melhor dizendo, os
assistentes sociais “passam a desempenhar papéis que lhes são alocados
por organismos e instâncias [...]” próprios da ordem burguesa no estágio
monopolista (NETTO, 1992: 68), os quais são portadores da lógica do
mercado. Assim, o assistente social adquire a condição de trabalhador
assalariado com todos os condicionamentos que disso decorre. Por isso é
importante, na reflexão do significado sócio‑histórico da instrumentalidade
como condição de possibilidade do exercício profissional, resgatar a natureza
e a configuração das políticas sociais que, como espaços de intervenção
17
Unidade I

profissional, atribuem determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao


exercício profissional.

A partir desses horizontes, a autora orienta ainda acerca de dois movimentos do exercício profissional
realizado sob essas condições. No primeiro, temos a constituição de políticas sociais fragmentadas para
as quais o profissional é requisitado. Dessa forma, temos uma setorização das ações do serviço social,
que passa a direcionar sua intervenção para um público particular e específico. A setorização resulta em
intervenções também fragmentadas por parte do assistente social, o qual, cada vez mais, precisa usar
instrumentos e técnicas específicos para realizar uma intervenção igualmente particular e específica
junto às refrações da questão social.

Guerra (2010) nos coloca que essa fragmentação das ações em políticas sociais específicas resultam
na decomposição e na fragmentação dos problemas sociais, mas também conduzem a um controle
técnico e burocrata das ações dos assistentes sociais. Assim, os profissionais passam a ser orientados a
apresentar soluções dentro do espaço laboral para o qual são contratados. Isso confere a ideia de que
somente uma boa técnica de intervenção é suficiente para dar conta dos problemas sociais.

[...] operacionalização de medidas instrumentais de controle social, o


controle de técnicas e tecnologias sociais [...] manipulando racionalmente
os problemas sociais, prevenindo e canalizando a eclosão de tensões
para os canais institucionalizados estabelecidos oficialmente (GUERRA,
2010, p.135‑136)

Portanto, de acordo com essa ótica, assentada no racionalismo formal e abstrato, compete ao
assistente social, atuante nas políticas sociais, saber usar corretamente recursos, bem como as técnicas
que possui, e, somente dessa maneira, será possível controlar e administrar os problemas sociais com os
quais se relaciona. Isso impacta diretamente na constituição dos profissionais, que se veem obrigados a
dar respostas eficientes às demandas que lhes são apresentadas ou, como sintetiza a autora:

[...] previsibilidade e controle dos desequilíbrios funcionais do sistema,


racionalização e maximização dos recursos, normatização de procedimentos
técnicos, introdução de novas tecnologias, exigências de eficácias e eficiência
dos meios (materiais e culturais) destinados à reprodução ampliada do
capital, polivalência nas ações, interdisciplinaridade profissional (GUERRA,
2010, p. 137‑138).

Obviamente, os assistentes sociais atuantes em políticas sociais precisam conferir respostas às


situações que são apresentadas. Afinal, o que confere importância social à profissão é o fato de conseguir
atender às demandas. No entanto, é preciso saber que muitas das situações que o assistente social não
consegue sanar não provêm de sua incapacidade, mas sim por questões que estão além do seu controle.
Guerra (2010), no entanto, nos coloca que, apesar de sermos influenciados por essa racionalidade, sempre
precisamos ter em mente que os problemas sociais sob os quais nos debruçamos são gerados pelo
desenvolvimento capitalista. Somente dessa maneira podemos dar privilégio à criticidade em desfavor
desse excesso da racionalidade que se mostra presente dentro da categoria.
18
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

A forma como é vista a realidade, sua interpretação, nos leva a construir uma representação de
nossa prática, uma autoimagem de nossa ação. Obviamente que tendo consciência de nossas ações,
precisamos sempre buscar reivindicar melhorias para o público, além de sempre lutar por manter e
ampliar condições dignas de trabalho. Isso também nos leva a buscar sempre qualificação permanente,
uma vez que são extremamente importantes “[...] informações, conhecimentos e habilidades que
o instrumentalize” (GUERRA, 2010, p. 157). Também é necessário que os assistentes sociais estejam
vinculados aos parâmetros defendidos pela sua categoria, uma vez que isso é importante para orientar
suas ações.

Saiba mais

Que tal ficar por dentro de todas as discussões da categoria? Isso é


extremamente importante para estar atualizado e também para orientar
a sua intervenção profissional. Para isso, acompanhe as discussões da
categoria que estão disponibilizadas no link a seguir:

<http://www.cfess.org.br>.

Guerra (2010) indica que a instrumentalidade é composta por níveis. Um desses níveis a ser alcançado
consistiria justamente na capacidade de o profissional articular as dimensões técnico‑instrumental,
teórico‑intelectual, ético‑política e formativa. Dessa maneira, outro nível possível seria alcançado
após essa junção dos vários aspectos, resultando na possibilidade de pôr em prática valores nobres da
profissão, conforme disposto na lei que regulamenta a profissão e no Código Profissional de Ética dos
Assistentes Sociais. Esses níveis só podem ser alcançados se o profissional buscar ir além da simples
razão instrumental.

Face ao exposto, a categoria profissional de serviço social atua com autonomia relativa, pois
sua função é atrelada a requisitos técnico‑instrumentais, burocracias e aspectos de manutenção da
ordem burguesa. No sentido em pauta, as inflexões do sistema capitalista junto às políticas sociais
trazem condicionantes para a configuração do exercício profissional, assim como outros aspectos
presentes na sociedade capitalista. Em contrapartida, cabe‑nos afirmar com veemência o horizonte do
projeto ético‑político da profissão, que visa à emancipação humana, se instrumentalizando, segundo
Montaño e Durigueto (2011), a partir do acúmulo teórico redigido pela categoria, também pelos
seus órgãos e espaços de regulamentação de categoria profissional, bem como as legislações tanto
da profissão quanto as que são necessárias à atuação profissional. Também busca sempre melhor
qualificar a sua intervenção visando à efetivação dos direitos sociais do público que atende.

Destarte, a prioridade aqui é enfatizar que quando ocorre o reducionismo da profissão a apenas
uma de suas dimensões, no caso aqui, da dimensão instrumental, equivocadamente o profissional é
direcionado a ser mero executor acrítico dos ditames do modo de produção capitalista, em última
instância, permitindo que o mercado de trabalho dite as regras das ações profissionais.

19
Unidade I

Oportunamente, as ações do serviço social devem ser pautadas por intervenções que priorizem
refletir e fomentar as escolhas dos sujeitos, perpassando pelas reflexões críticas, problematizações,
direcionadas pela razão ontológica marxista, as quais deverão estar atreladas aos valores éticos, morais
e políticos do ser social.

A dimensão teórico‑metodológica e a ético‑política, portanto, se expressam como as mais relevantes


para que possamos ultrapassar a aparência/o imediato e atuar com a essência/mediatizado. A pesquisa
científica tem trazido grandes contribuições para os trabalhadores de serviço social, pois dispõe de
acúmulo de conhecimento proveniente de leituras da questão social.

O maior desafio, por conseguinte, consiste em mediatizar as ações, as propostas. Sobre isso Guerra
(2000a, p.11) diz que:

Se é verdade que a instrumentalidade insere‑se no espaço do singular,


do cotidiano, do imediato, também o é que ela, ao ser considerada
como uma particularidade da profissão, dada por condições objetivas
e subjetivas, e como tal sócio‑históricas, pode ser concebida como
campo de mediação e instância de passagem. Diferente disso, seria
tomar a instrumentalidade apenas como singularidade, e como
tal, um fim em si mesma, de modo que estaríamos desconhecendo
suas possibilidades como particularidade. No cotidiano, como
o espaço da instrumentalidade, imperam demandas de natureza
instrumental. Nele, a relação meios e fins rompe‑se e o que importa é
que os indivíduos acionem os elementos necessários para alcançarem
seus fins (grifos meus).

Conforme Guerra (2000a) esclarece, a instrumentalidade é uma dimensão da atuação profissional


exigida por diversos âmbitos do saber e fazer profissional. Isso não a faz mais ou menos importante
que outras demandas, mas deve ser reconhecida como uma possibilidade de mediação para que o
profissional possa acessar o imediato e, através da utilização de método de análise crítica, ultrapassar o
pseudoconcreto que é exposto na aparência dos fenômenos.

Saiba mais

O texto a seguir aborda a discussão da instrumentalidade, reforçando


a necessidade de pensar para além dos instrumentos, de forma crítica
e reflexiva.

MENEZES, V. de A.; MOURA, E. M. A instrumentalidade do processo de


trabalho do serviço social: por uma práxis ascendente à razão instrumental.
In: VI SEMINÁRIO CETROS, 2018, Ceará. Anais [...] Ceará: UECE, 2018.

20
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Inferimos, portanto, junto a autora, que a instrumentalidade é particularidade e não singularidade.


Sendo assim, ela não é a finalidade da atuação profissional, e sim meio para iniciar as reflexões e análises
de profundidade dos casos atendidos.

Tratar‑se‑á aqui da instrumentalidade como uma mediação que permite a


passagem das ações meramente instrumentais para o exercício profissional
crítico e competente. Como mediação, a instrumentalidade permite
também o movimento contrário: que as referências teóricas, explicativas
da lógica e da dinâmica da sociedade, possam ser remetidas à compreensão
das particularidades do exercício profissional e das singularidades do
cotidiano. Aqui, a instrumentalidade, sendo uma particularidade e
como tal, campo de mediação, é o espaço no qual a cultura profissional
se movimenta. Da cultura profissional os assistentes sociais recolhem
e na instrumentalidade constroem os indicativos teórico‑práticos de
intervenção imediata, o chamado instrumental técnico ou as ditas
metodologias de ação. Reconhecer a instrumentalidade como mediação
significa tomar o serviço social como totalidade constituída de múltiplas
dimensões: técnico‑instrumental, teórico‑intelectual, ético‑política e
formativa (GUERRA, 2000a, p.12).

A dimensão técnico‑instrumental remete ao acúmulo da unidade objetivo‑subjetiva da profissão


refletido em uma síntese que a concretiza. A dimensão teórico‑intelectual é a que compõe o processo de
abstração da categoria, que permite desdobrar aspectos teóricos e ético‑políticos em ações profissionais.

O serviço social não é uma ciência, logo, para fundamentar seus processos mediáticos, necessita
acessar diversos conteúdos das ciências sociais, e, a partir desses horizontes, vai construindo
cotidianamente e criticamente suas ações. A partir de suas intervenções, vai construindo um
coletivo que lhe permite determinado conhecimento acerca da realidade social vivenciada por seus
atendimentos, acessando singularidades e particularidades que lhe ofertam uma perspectiva de
totalidade no âmbito universal, chegando à essência dos fenômenos, ou apreendendo o movimento
do real, que é a própria essência/o real.

A cultura profissional nos permite mensurar nossas ações, partindo de objetivos claros, construídos
junto aos atendidos que, por meio de avaliação contínua, permitem mudanças e alterações que
possibilitam que as intervenções sejam mais assertivas.

Ao lançar mão da cultura profissional, o profissional de serviço social recusa a intervenção com
foco na instrumentalidade, no imediato, buscando conhecer, desvelar o fenômeno junto ao atendido,
utilizando‑se de conteúdos teóricos, críticos e projetivos (GUERRA, 2000b).

Aliás, a definição apresentada por Guerra (2000b) indica que a instrumentalidade “[...] é uma
propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos”
(GUERRA, 2000b, p. 2), ou seja, não pode ser reduzida à dimensão instrumental, ao como fazer. Isso
corresponde a compreender que a instrumentalidade é uma condição da profissão que, ao ser exercida,
21
Unidade I

visa ao alcance de finalidades profissionais. A instrumentalidade é, portanto, uma forma, um meio de o


profissional objetivar sua intervenção por meio de respostas às demandas e necessidades que lhes são
apresentadas. Por isso, é necessário destacar ainda que é uma capacidade ou propriedade desenvolvida
pelos profissionais, ou seja, não é algo inato.

A instrumentalidade constitui o ser social. Faz parte do ser humano, mas é uma capacidade intelectiva,
desenvolvida e vinculada à consciência. Está presente no trabalho manual e também no intelectual,
sendo uma forma de junção da racionalidade técnica à dimensão instrumental, presente no processo
do trabalho. Expressa ainda possibilidades encontradas pelos assistentes sociais de realizar uma junção
entre a fundamentação teórica e a prática. Nesse momento, os assistentes sociais conseguem analisar a
realidade, intervir sob ela, porém, têm como referência para suas ações a sua fundamentação. Isso só é
possível porque o profissional operacionaliza, no cotidiano de sua ação, a junção teoria e prática.

A autora nos coloca ainda que a instrumentalidade é também uma condição para o reconhecimento
da profissão. Nesse sentido, reforça a história da profissão, destacando que o serviço social só foi aceito
socialmente como uma profissão à medida que demonstrou condições de dar conta das demandas
apresentadas. Para isso, os instrumentos, a instrumentalidade, são importantes para demonstrar que a
profissão é socialmente necessária. Em tese, todo trabalho comporta uma instrumentalidade, e é isso
que faz com que a ação se torne necessária em uma dada sociedade. Essa instrumentalidade confere ao
homem a capacidade de manipular e modificar algo.

No caso do serviço social, a intervenção profissional acontece sob os fragmentos da questão social.
Melhor dizendo, como sabemos, as intervenções do serviço social que requerem sua instrumentalidade
incidem sobre as múltiplas expressões da questão social, que, por sua vez, exigem dos profissionais
procedimentos instrumentais.

A instrumentalidade, portanto, envolve a conversão de certos objetos em instrumentos que atendam


às necessidades encontradas para a transformação das matérias em produtos úteis. Para tanto, deve‑se
ir além da simples execução das ações.

Quando tratamos de práxis, no entanto, há a necessidade de acessar outros aspectos mais


profundos, que ultrapassam a esfera da instrumentalidade. Podemos delimitar, por conseguinte,
dizendo que trata‑se de um processo chamado de trabalho, que envolve ações prático‑reflexivas,
em unidade, que se direcionam a atingir algum objetivo. Para que isso ocorra, é preciso alcançar
determinada condição objetiva‑subjetiva.

Destarte, o trabalho é uma relação resultante de um indivíduo que transforma a natureza e que,
ao transformá‑la, ele transforma a si mesmo. Construindo, por consequência, um âmbito material e
imaterial, este último, envolvendo a consciência, a linguagem, os valores, a ética, intencionalidades,
projetos, propostas; sendo o imaterial algo inseparável do material, que como unidade culmina na práxis.
Infere‑se, junto à Guerra (2000a), que a práxis é o conjunto de mediações que permitem aos indivíduos
objetivar‑se em suas ações, sendo o trabalho a principal forma que, dentro dessas condicionalidades
(unidade entre subjetividade‑objetividade, material‑imaterial ou ainda concreto‑abstrato), permite ao
sujeito atingir e realizar sua teleologia para a práxis.
22
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Guerra (2000a) afirma ainda que a instrumentalidade reside em toda a postura teleológica,
possibilitando ao indivíduo manipular, idealizar, modificar e modificar‑se, imprimindo às coisas
características próprias da humanidade, podendo, assim, utilizar desses meios (ou instrumentos) para
atingir os objetivos postos.

Cabe aqui explicitar um pouco mais sobre como se dá essa interface entre postura teleológica e
instrumentalidade. Os indivíduos trabalham, logo, desenvolvem capacidades; a partir dessas, surgem novas
perguntas que os levam a novas necessidades, novas respostas, mais capacidades e assim sucessivamente.

Essa interface é uma relação social e, como tal, implica em todas as outras relações sociais, até
mesmo nas relações sociais sexuais e outras de ordem interpessoal. Essa questão se explicita na avaliação
de nossas formas de pensar, posturas e consciência, as quais são mobilizadas em prol de determinado
acúmulo que temos, sendo assim chamados de instrumentos que utilizamos cotidianamente para a
reprodução da vida. Portanto, tais relações sociais de produção se expressam no ser social.

Assim, para o desenvolvimento do trabalho, é preciso que as relações sociais também sejam
desenvolvidas. Nesse momento, as mediações de complexos sociais (tais como a ideologia, a teoria, a
filosofia, a política, a arte, a ciência e a técnica) são de extrema importância para orientar o percurso.
Esses complexos sociais objetivam dar certa organicidade às relações.

Essa relação no modo de produção capitalista (que seria o sistema capitalista) se dá de uma forma
diferenciada, que não permite ao indivíduo objetivar‑se em totalidade, pois tal objetivação só pode
ocorrer em liberdade coletiva, necessitando o ultrapassar da emancipação humana.

No tempo do capitalismo, as determinações sócio‑históricas levam os indivíduos a serem utilizados


como instrumentos de outros indivíduos, ou ainda a força de trabalho como um meio de produção a ser
indispensável para a reprodução do sistema que tem por base a extração de mais‑valia. O indivíduo é um
instrumento; além disso, deve instrumentalizar‑se, sendo esta última uma exigência para não tornar‑se
um expropriado que não serve à racionalidade burguesa. Tal razão cria instituições, práticas sociais,
organizações sociais, que nada mais são do que instrumentos de reprodução do capital, pois garantem
suas ideias como ideias dominantes (MARX; ENGELS, 2009).

Todo cidadão é acometido pelo sonho de acessar determinadas coisas e lugares; aliás, atingir
a condição de cidadania pressupõe que os sujeitos detenham o direito de ser iguais aos outros
perante a lei. Nesse contexto, a razão burguesa perpassa pelas relações sociais e, paulatinamente,
dissemina a sua ideologia de classe.

Na relação social celebrada pelo modo de produção capitalista ou, ainda, no sistema capitalista, a
transformação societária se dá por meio da exploração do indivíduo por outro, sendo implícito que o
trabalhador deverá abdicar de suas necessidades enquanto pessoa para converter‑se em instrumento
que possa garantir a necessidade da classe dominante que nos é passada como necessidade de todos,
pelo bem de todos (GUERRA, 2010). Isso conforma as relações sociais. Face a essas condições é que,
paulatinamente, a ideia de instrumentalidade, que é necessária à transformação da natureza pelo
trabalho, vai se fragmentando de tal forma até que exige‑se a instrumentalização de pessoas.
23
Unidade I

A palavra instrumentalidade tem sido proferida nos mais diversos espaços da categoria.
É importante que, desde já, esta seja utilizada como meio para o atingimento de nossa
intencionalidade, ou seja, a profissão adquire concretude e visibilidade à medida que concretiza
seus objetivos. Ocorre que alguns profissionais têm utilizado essa categoria erroneamente,
cobrando certos padrões e usos de manuais para alcançar as respostas do serviço social às
demandas institucionais e dos atendidos.

A tarefa das páginas a seguir é direcionar foco, portanto, para o desvelar do que seria a
instrumentalidade para a categoria profissional de serviço social. Para tanto, é preciso ressaltar que
trata‑se de uma competência encontrada somente na atuação profissional, que se dá no momento em
que modificamos, transformamos e alteramos as condições objetivas e subjetivas da vida dos sujeitos,
ou, ainda, nos momentos das intervenções nas relações sociais em determinado contexto de realidade
social, que ocorre no âmbito do cotidiano (GUERRA, 2010).

A instrumentalidade se realiza, portanto, nos momentos em que as ações se voltam para modificar
condições de vida, meios existentes de acesso e garantias para os sujeitos.

Nesse sentido, há a tentativa de transformar condições e meios para atingir o objetivo através das
intervenções profissionais. O serviço social realiza tais ações, por consequência, a todo o momento em que
altera as condições cotidianas profissionais, bem como das classes sociais que solicitam tal intervenção.

Ao buscar atingir o objetivo da intervenção profissional, é preciso construir determinadas


mediações e apreender mediações postas na realidade, a fim de criar estratégias de transformação do
cotidiano (no próprio cotidiano), para que os limites e desafios possam ser superados cotidianamente
na atuação do profissional.

Lembrete

O cotidiano profissional é um âmbito que se constitui em consideração


às demandas dos usuários, às demandas institucionais e ao projeto
ético‑político e Código de Ética da Profissão, ou seja, o posicionamento
político do profissional.

Considerando tais elementos, dizer que o serviço social é reconhecido por sua instrumentalidade,
ou que deveria construir instrumentos padrões e manuais de intervenção que lhe garantissem
visibilidade, seria nada mais que um reducionismo das ações profissionais aos meios construídos
para atingir os objetivos. Ademais, seria também uma falácia, pois é impossível determinar
enquadramentos e formas para “o fazer” profissional do serviço social, considerando que é uma
profissão que lida com a categoria realidade (verdade, essencial, o real); destarte, lida com algo
dinâmico, mutável, cabendo ao profissional aprofundar‑se em sua formação permanente para
ultrapassar os limites encontrados, e não realizar ações previamente determinadas, como se a
realidade fosse linear, estagnada e imutável.

24
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Lembrete

O cotidiano das classes sociais é permeado pelas relações sociais de


produção, valores sociais, relações interpessoais, projetos societários ou,
ainda, uma conjuntura que determinará a condição de vida daquele sujeito
que nos procura. Por conseguinte, determinará também a formação de sua
consciência a partir das suas experiências e relações constituídas.

Esse questionamento tem perpassado pelas reflexões de muitos alunos de serviço social e,
infelizmente, até mesmo por profissionais da área que se posicionam a favor da reatualização do
conservadorismo na profissão, perspectiva burocratizadora, já ultrapassada junto ao serviço social
conhecido como moderno que se desenvolve no Brasil entre 1964 e 1979, período conhecido por
atender ao modelo econômico do desenvolvimentismo (PAULO NETTO, 2015).

Obviamente que a resposta a essa indagação é que, na prática, a teoria não é outra, ou, ainda, na
prática, a teoria é a mesma, ou seja, só é possível realizar uma atuação profissional coerente, atingindo
os objetivos delimitados, se buscarmos por realizar uma práxis.

O próprio questionamento já inviabiliza a interrogação, pois explicita a carência de formação


permanente, fazendo com que o sujeito caia no fatalismo ou no messianismo da profissão,
utilizando‑se de uma atuação pragmática, linear, reprodutivista, de cunho positivista e até mesmo
fenomenológico para sustentar a sua carência de profundidade e metodologia de intervenção em
prol da transformação social.

Para afirmarem que a teoria é utópica, dizem que a prática se revela de outra forma, de modo que a
teoria não daria conta das demandas postas na realidade. Os discursos encontrados são os mais diversos,
tais como: dizer que na prática nos deparamos com situações que os livros não tratam, não explicam e
não trazem receitas; dizer também que é importante termos manuais que nos digam exatamente o que
devemos fazer, como não os temos, ficamos sem “instrumentos” para intervir.

Nesse sentido, fica exemplificado o entendimento apresentado da chamada “instrumentalidade”


por aqueles que ainda não atingiram determinados entendimentos e aprofundamentos das teorias que
orientam o cotidiano profissional.

Vale ressaltar que não cabe aqui nenhuma fala de culpabilização dos indivíduos que se mobilizam
por manuais e respostas prontas, cabe apenas esmiuçar os fatos que levam o profissional a agir contrário
a essas propostas. Iniciando pelo fato de que não é possível partir de respostas, ou ainda de respostas
prontas, para trabalhar com a dinamicidade do real, bem como com as singularidades e particularidades
com as quais nos deparamos.

Para sanar tal indagação, faz‑se necessário explicitar como ocorrem tais esvaziamentos teóricos na
categoria profissional, dando vazão a determinadas afirmativas infundadas. Destarte, é preciso entender

25
Unidade I

a relação social nomeada como trabalho, que, para o profissional de serviço social, é o marxismo,
teoria vanguardista da categoria; temos que o trabalho é categoria central, sendo assim, fundante e
constitutiva para os indivíduos.

Para concluir as colocações a respeito da instrumentalidade e da instrumentalidade do serviço social,


é apresentado a seguir um quadro com a síntese das colocações até o momento.

Quadro 1 – Síntese de conteúdos

Trabalho Trabalho do assistente social


Envolve matéria‑prima Envolve as expressões da questão social
Intervenção sobre a matéria‑prima,
Mudança da matéria‑prima demanda buscando minimizar os efeitos da expressão
capacidade reflexiva
da questão social
Instrumentos permitem a alteração de Instrumentalidade (técnica e conhecimento)
matéria‑prima em produto
Instrumentos são necessários ao fazer
Instrumentos são necessários em qualquer profissional, mas também são históricos,
processo de trabalho estão presentes no cotidiano e também na
capacidade reflexiva por parte do profissional
Alicerçado no referencial teórico e no
Necessita da ação do trabalhador projeto ético‑político da categoria

3 INSTRUMENTALIDADE E PROCESSOS DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL

A noção de instrumentalidade passou a ser trabalhada dentro da categoria por Yolanda


Guerra. A produção da autora, com artigos e livros, leva à discussão da categoria para outros
níveis, demonstrando a importância do assistente social repensar tanto sua prática quanto a sua
fundamentação. Porém, a noção de processo de trabalho e sua aplicação ao serviço social foi
inicialmente idealizada por Marilda Vilela Iamamoto, que é também um nome forte dentro da
produção teórica do serviço social.

Observação

Yolanda Guerra é assistente social e professora da UFRJ. Marilda Vilela


Iamamoto é professora aposentada da Faculdade de Serviço Social da UERJ.

Iamamoto (2001), então, assim como Guerra (2010), parte da noção marxista de processo
de trabalho. Aqui, seja bem entendido que a noção de processo de trabalho em Marx não está
vinculada às situações processuais. Antes, busca indicar aspectos que estariam presentes em
qualquer relação trabalhista.

Para Marx, toda relação de trabalho comporta elementos mínimos, básicos, que seriam o trabalho,
a própria ação em si, além dos instrumentos ou meios de trabalho e a matéria‑prima. O resultado
desse processo de trabalho é um produto. No caso, Marx buscava analisar a sociedade capitalista e, a
26
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

partir dessa categoria, teceu a suas contribuições. Guerra (2000a; 2010) também partiu da definição
marxista, porém, suas colocações estiveram mais orientadas à questão da instrumentalidade. No caso de
Iamamoto (2001), no entanto, a análise esteve mais orientada para a discussão do conceito de processo
de trabalho aplicado ao serviço social.

Saiba mais

Que tal conhecer um pouco mais sobre a perspectiva de Iamamoto?


Além dos inúmeros artigos e livros que você pode ler, indicamos também o
vídeo a seguir, pois são falas claras sobre conceitos relacionados à prática
do assistente social.

PALESTRA com a professora Marilda Villela Iamamoto. MClip. [s.d.].


Disponível em: <https://mclip.tv/video/zDOnXgCH_1Y/palestra-com-a-
professora-marilda-villela-iamamoto>. Acesso em: 20 ago. 2019.

Iamamoto (2001) coloca que, antes de adentrar em uma discussão sobre os elementos que integram o
processo de trabalho no serviço social, é preciso compreender a consolidação do serviço social enquanto
um trabalho, de fato. Para ela, o que consolidou o serviço social como uma profissão no Brasil foi a
necessidade social da ação.

Em tese, o serviço social só surge e se consolida como uma profissão (e não como uma caridade)
porque apresenta utilidade social. Essa utilidade reside no fato de que esse profissional passa a
administrar as expressões da questão social. De tal maneira, compreender o serviço social, inscrito em
processos de trabalho, requer, essencialmente, entendê‑lo como resultado da sociedade capitalista
madura e consolidada.

Observação

É considerada um marco na consolidação do serviço social enquanto


profissão no Brasil a criação das primeiras escolas em São Paulo, no ano de
1936, e no Rio de Janeiro, em 1937.

A partir da consolidação do serviço social como profissão, os seus agentes são movidos a identificar
modos de atuar diante das demandas que lhes são apresentadas. Os assistentes sociais foram
amadurecendo teoricamente e foram constituindo métodos diferentes de intervenção. Isso corresponde
ainda a entender que nessa construção da intervenção profissional há também a consolidação de uma
imagem da profissão, ou seja, como os profissionais compreendem o seu fazer profissional. A noção de
processo de trabalho do assistente social incorpora, assim, a história da profissão e da sociedade em que
estamos inseridos e na qual nos movimentamos.

27
Unidade I

Assim, tendo tais colocações arroladas, Iamamoto (2001) fortalece a noção de que o serviço social
é, sim, um trabalho, e, como trabalhadores, estamos inseridos em processos de trabalho assim como
os demais profissionais e as demais categorias laborais. Como seria então um processo de trabalho do
serviço social?

Lembrete

Em Marx, o processo de trabalho é compreendido como composto


por meio de matéria‑prima, instrumentos de trabalho e o trabalho. Todo
trabalho, em Marx, resulta em um produto.

Parte‑se da noção de matéria‑prima, também chamada objeto de intervenção. De acordo


com Iamamoto (2001), todo processo de trabalho envolve um objeto sob o qual incide a ação.
No nosso caso, os assistentes sociais, nosso objeto ou matéria‑prima é a questão social e as
suas múltiplas formas de expressão, ou como a autora sintetiza: “A insistência na questão social
está em que ela conforma a matéria‑prima do trabalho profissional, sendo a prática profissional
compreendida como uma especialização do trabalho, partícipe de um processo de trabalho”
(IAMAMOTO, 2001, p. 58).

A matéria‑prima ou o objeto sempre será aquele sob o qual incide a ação do assistente social.
Mas aí você pode pensar: e no caso do serviço social, que atua em várias políticas sociais? Como
pensar o objeto ou a matéria‑prima? A autora coloca que a questão social possui múltiplas formas
de expressão, portanto, pode‑se encontrar e atuar junto a um rol amplo de configurações que
podem ser assumidas pela questão social. Para melhor conhecer essa matéria‑prima ou esse objeto,
é basal ao assistente social conhecer e analisar a realidade em que atua, para que ela deixe de
ser “[...] mero pano de fundo para o exercício profissional, tornando‑se condição do mesmo, do
conhecimento do objeto junto ao qual incide a ação transformadora ou esse trabalho” (IAMAMOTO,
2001, p. 61). Entender a realidade pressupõe conhecer como os sujeitos reais e concretos vivem a
questão social em seu dia a dia.

Interessante ressaltar que a questão social não pode ser resumida à pobreza. Aliás, como diria
Paulo Netto (2001), a questão social possuía múltiplas formas de expressão, as quais vão sendo
alteradas ao longos dos anos. Aliás, o autor destaca que perante as mudanças da sociedade, o que
temos são novas configurações à questão social, novas manifestações. Porém, é preciso ressaltar
que conhecer essas novas expressões é fundamental para que seja possível compreender melhor o
objeto ou a matéria‑prima, e que o profissional possa intervir sobre ela. Antes de dar andamento à
discussão sobre a matéria‑prima, observe a notícia a seguir:

28
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Estudo mostra que adolescentes de faixas carentes estão mais obesos

Figura 1

Adolescentes residentes no Brasil, de faixas mais pobres da população, estão mais obesos
e ainda sofrem de desnutrição.

É o que mostra estudo feito por pesquisadores da Escola de Nutrição da Universidade


Federal da Bahia (UFBA) e do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde
da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia (Cidacs/Fiocruz Bahia). Esta é a primeira vez que uma
investigação como essa é feita no Brasil, observando fatores socioeconômicos associados à
desnutrição e à obesidade.

Para fazer o trabalho, os técnicos utilizaram dados das edições de 2009, a primeira, e
da mais recente, de 2015, da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), desenvolvida
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O trabalho investiga doenças
crônicas não transmissíveis entre adolescentes escolares brasileiros. O estudo comparou os
índices nutricionais de alunos de 13 a 17 anos, separados entre os que apresentam somente
sobrepeso ou baixa estatura e aqueles que apresentam as duas condições.

Sobrepeso

Na visão dos pesquisadores, houve aumento de sobrepeso entre os adolescentes de


todos os níveis socioeconômicos e, ao mesmo tempo, também aparece nesses estudantes a
desnutrição, revelada pela baixa estatura.

Segundo o estudo, os adolescentes de escolas privadas têm maior chance de desenvolver


excesso de peso em relação aos estudantes da escola pública, mas ao longo do tempo a
diferença se reduziu. Entre 2009 e 2015, o índice de adolescentes com excesso de peso na
rede privada, que era 28,7%, permaneceu inalterável, mas a taxa entre os da rede pública
aumentou de 19% para 23,1%.

29
Unidade I

Dupla carga

No estudo, os pesquisadores identificaram que a dupla carga de má nutrição, uma


característica de desnutrição e obesidade, simultâneas, atinge menos de 1% dos estudantes.
Apesar disso, nem sempre uma melhoria nas condições socioeconômicas vem acompanhada
de maior qualidade nutricional.

“O indivíduo que tem dupla carga é aquele adolescente que apresenta baixa estatura,
um sinônimo de desnutrição crônica e excesso de peso. A dupla carga pode se manifestar
de três formas. Tanto em nível individual, que é o caso do nosso estudo, sendo os dois
desfechos no mesmo indivíduo. Pode ser também em nível familiar, por exemplo, uma
mãe com excesso de peso e um filho com desnutrição, ou em nível comunitário, onde em
um mesmo local temos taxas altas tanto de desnutrição quanto de obesidade. No nosso
estudo foi bem específico, com adolescente de baixa estatura e excesso de peso”, disse a
pesquisadora da UFBA, Júlia Uzêda, em entrevista à Agência Brasil.

Em 2009, na análise separada, o grupo que apresentou os dois desfechos de saúde,


independentemente de sexo, e diferenciando entre estudantes de escola pública e privada,
a simultaneidade aparece em 29 estudantes do ensino particular (0,2%) contra 185 do
público (0,4%).

Isso significa que a dupla carga é maior entre estudantes da rede pública. Em 2015,
a taxa de dupla carga entre os estudantes de escola privada atingiu 0,3% e nos da rede
pública permaneceu em 0,4%. As meninas, com 0,4%, ainda são maioria, enquanto entre os
meninos ficou em 0,3%.

Fatores

De acordo com o pesquisador do Cidacs Natanael Silva, embora o estudo não tenha
se baseado em classes sociais, há variáveis analisadas que indicaram um crescimento de
obesidade, atingindo cada vez mais a população menos favorecida socioeconomicamente.

Segundo ele, os alimentos processados podem ser um dos fatores da obesidade, por
serem também de preços mais baixos.

“Os alimentos processados acabam sendo mais baratos do que qualquer alimento natural
e por terem maior aporte calórico, muitas vezes serem vendidos em grandes quantidades,
mais baratos e atrativos, chamam bastante a atenção do público mais vulnerável”, disse.

Além disso, foram selecionadas informações socioeconômicas de adolescentes, como


escolaridade da mãe, raça, sexo e tipo de unidade escolar. Os filhos de mulheres que
completaram a educação primária revelaram melhores índices de nutrição, apresentando a
metade da taxa de dupla carga do que os estudantes cujas mães não finalizaram essa etapa.

30
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Júlia Uzêda informou que há estudos comprovando que a desnutrição em período


intrauterino provoca mecanismos no corpo que aparecem futuramente na vida da criança,
por causa de problemas na absorção de gordura, que resultam na obesidade.

“O adolescente é um público vulnerável por todas as mudanças físicas, então, quando o


indivíduo tem dupla carga, ele passa a ter riscos tanto de desnutrição quanto de obesidade,
por isso o nome de dupla carga”, observou.

Políticas Públicas

Os pesquisadores defenderam que o estudo serve para ajudar na elaboração de políticas públicas.

Para Júlia Uzêda, existem fatores que não foram analisados no estudo, como o consumo
alimentar e, principalmente, a qualidade dos alimentos ingeridos, mas as informações
encontradas já podem servir para a adoção de medidas com o foco na qualidade da nutrição.

“Muitas vezes as políticas públicas são destinadas isoladamente à obesidade ou à


desnutrição e acabam tratando um e esquecendo outro. A transição nutricional tem o perfil,
que é a diminuição da desnutrição, mas não deixa de existir, enquanto a obesidade e o
excesso de peso aumentam. Isso muda o foco das políticas públicas”, disse a pesquisadora.

Fonte: Brasil (2019).

Na notícia temos uma situação em que a pobreza, a ausência de recursos financeiros para a
sobrevivência de um grupo de adolescentes, resulta em problemas de saúde. Por analogia, é lícito pensar
a pobreza como questão social? Sim, é lícito. Mas os problemas de saúde decorrentes da má alimentação
também podem ser considerados expressões da questão social? Sim, também, assim como alcoolismo,
utilização de drogas e outras situações afins que podem ser consideradas também expressões da questão
social. Ao assistente social que atua com esse problema social, seria importante o amplo conhecimento
sobre ele, visando, assim, ampliar as informações possuídas sobre como as pessoas concretas vivenciam
os problemas sociais.

A título de exemplo dessas variações das expressões da questão social, existem duas discussões
extremamente importantes e que serão apresentadas aqui de forma resumida. Sanchez e Mota (2009)
apresentam a utilização da entrevista para intervir junto a aspectos relacionados à saúde da população
idosa. No caso, o texto mostra a ação desenvolvida dentro do Sistema Único da Saúde e que visa à
internação geriátrica, sendo que a entrevista é apresentada como um meio para qualificar o atendimento
a esse público. Via de regra, os idosos que são atendidos pela ação são pertencentes à população de
renda regular. Nesse caso, qual seria o objeto do serviço social? A sua matéria‑prima seriam os idosos,
e a qualificação do atendimento a esse público seria um objetivo do assistente social. Porém, é basal
compreender todo o contexto em que o idoso está inserido e vinculado. Essa leitura de realidade é
importante tanto para o atendimento ao idoso, para a efetivação dos seus direitos sociais, quanto é
necessária para analisar os serviços em que os idosos serão atendidos.

31
Unidade I

O segundo exemplo está retratado no texto de Menezes e Silva (2017), um profundo artigo de
reflexão sobre a intervenção do serviço social junto à violência homofóbica. O texto apresenta os
posicionamentos do conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)/Conselho Regional de Serviço
Social (Cress) em favor da defesa dos direitos do público LGBT, e como tal ação é um grande desafio à
categoria. Esse exemplo é interessante, posto que, há alguns anos, dados os preconceitos vivenciados
na sociedade brasileira, dificilmente esse tipo de público figuraria como objeto de intervenção do
serviço social. Em tese, à medida que os direitos do público LGBT vêm sendo conquistados, e que esse
público tem se tornado visível na sociedade, também observa‑se que têm crescido as manifestações
de intolerância por parte de segmentos mais conservadores. Nesse sentido, o artigo apresenta uma
possibilidade de intervenção do assistente social, ou seja, um objeto. Com esse exemplo, pretende‑se
reforçar a variabilidade da possibilidade de ação do assistente social junto às várias expressões da
questão social e ainda destacar o seu caráter histórico e social.

Há, portanto, várias expressões por parte do objeto de ação. Como dito anteriormente, há objeto e
matéria‑prima, bem como os instrumentos de trabalho do serviço social. Os instrumentos ou os meios de
trabalho do assistente social serão dispositivos que o profissional irá utilizar para produzir transformação
na matéria‑prima ou em seu objeto de trabalho. Comportam os instrumentos ou meios de trabalho as
técnicas que o profissional usa em seu cotidiano, como entrevistas, visitas, dentre outras abordagens
afins. Porém, Iamamoto (2001) chama a atenção para que não tenhamos uma visão reducionista dos
instrumentos e técnicas como se apenas eles fossem nossos meios de trabalho. Pois bem, sabe o que
isso significa? Simplesmente indica que não podemos restringir nossos meios de trabalho ao chamado
“arsenal de técnicas” (IAMAMOTO, 2001, p. 61). Veja bem, as técnicas são extremamente importantes
ao cotidiano profissional. Saber realizar uma boa entrevista, uma visita domiciliar, uma reunião, são
condições imprescindíveis ao assistente social, porém, reduzir os instrumentais à técnicas, restringe‑se
a compreensão sobre nossos instrumentais. Dessa forma, associados aos instrumentos e às técnicas,
deve‑se agregar também o conhecimento como um meio de trabalho, as bases teórico‑metodológicas
que, juntamente com os instrumentos e técnicas, integram os instrumentos, os meios de trabalho.

Iamamoto (2001) e Guerra (2010) enfatizam que os instrumentos e as técnicas do assistente social
são importantes, mas só ganham conotação crítica, permitindo a leitura da realidade, se houver o aporte
à fundamentação teórica. Afinal, não há como o assistente social analisar e conhecer a realidade em
que está atuando, conhecer o seu objeto de ação, sem a fundamentação teórica para embasar a sua
leitura. Assim, as bases teórico‑metodológicas devem ser compreendidas como: “[...] recursos essenciais
que o assistente social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade,
imprimir rumos à ação ao mesmo tempo que a moldam” (IAMAMOTO, 2001, p. 62).

Observação

A lei que regulamenta a profissão do assistente social no Brasil é a Lei


nº 8.662, de 7 de junho de 1993.

No entanto, os instrumentos e meios do trabalho do assistente social não se esgotam nas técnicas e
na bagagem teórica do profissional. Nesse sentido, a autora adverte que o assistente social é considerado
32
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

pela lei que regulamenta a profissão como um profissional liberal. Isso significa que os assistentes
sociais possuem autonomia em suas decisões e escolhas profissionais. No entanto, não detêm poder de
todos os meios, de todos os recursos de que precisa para exercer a sua intervenção. Segundo Iamamoto
(2001), outros instrumentos extremamente importantes são as instituições empregadoras, quer sejam
elas públicas ou privadas.

Assim, quando concluída a graduação, exceto a atuação via consultoria, via de regra, procura‑se
um espaço sócio‑ocupacional, uma instituição. Será ela que irá conceder os recursos necessários para
conduzir a ação. São as instituições que dão recursos financeiros, técnicos, humanos e tudo mais
do que é necessário para a intervenção. Por exemplo, atuação em prol da concessão de próteses,
como óculos ou qualquer elemento dessa natureza. O assistente social não possui esses bens, mas a
instituição empregadora, sim. O profissional depende das organizações em que atua para o exercício
profissional. O assistente social, portanto, “[...] não detém todos os meios necessários para a efetivação
de seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos necessários ao exercício profissional autônomo”
(IAMAMOTO, 2001, p. 62). Há mais autonomia nas decisões, mas não nos recursos necessários.

A instituição, no entanto, não deve ser apresentada como um obstáculo à prática do assistente social.
Aliás, sempre que isso se manifestar, deve‑se recorrer aos órgãos de defesa da categoria. A instituição
é, no entanto, uma forma de organizar e influenciar o trabalho do profissional, portanto, não pode ser
percebida como um elemento de segunda categoria dentro do processo de trabalho, mas sim como algo
extremamente relevante e importante. “A instituição não é um condicionante a mais do trabalho do
assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (IAMAMOTO, 2001, p. 62).

Mais uma vez, cabe a apresentação de outros dois exemplos. No texto de Santos, Freitas e Ceara‑Silva
(2019), os autores descrevem a intervenção dos assistentes sociais em Niterói (RJ) junto a casos de
violência doméstica vivenciados em relacionamentos homoafetivos. Para a realização do artigo, os
autores recorreram aos dados disponibilizados por três espaços de Niterói: o Centro Especializado
em Atendimento à Mulher (Ceam), que é um serviço da Coordenadoria de Políticas e Direitos das
Mulheres de Niterói (Codim); o Programa SOS Mulher, do Hospital Universitário Antônio Pedro; e o
Centro de Cidadania LGBT de Niterói. Ou seja, é possível ver a clara menção a várias instituições, pois é
isso que viabiliza a ação do assistente social em prol de seu objeto de intervenção. São as instituições
que possibilitam o desenvolvimento dessa prática.

Outro exemplo interessante é apresentado por Horst e Tenorio (2019), no qual temos uma descrição
da ação do assistente social em atividades de conciliação de conflitos e mediação. No artigo, os autores
apresentam embasamento para a atuação dos assistentes sociais na mediação de conflitos, atividades que
são desenvolvidas no âmbito do Judiciário. Esse é um espaço de atuação ainda recente para a categoria,
mas é possível observar que é algo que foi consolidado a partir de uma demanda do Judiciário. No caso
em questão, podemos dizer que o Judiciário influencia a prática dos assistentes sociais, oferecendo‑lhes
os elementos de que necessita para sua atuação. Por conseguinte, o Judiciário, nesse exemplo, é um
instrumento, um meio de trabalho do assistente social.

Já conhecemos a nossa matéria‑prima e nossos instrumentos. Falta apenas repensarmos a categoria


trabalho. Iamamoto (2001) nos diz que ele é a ação em si, que o profissional o realiza visando intervir
33
Unidade I

sobre as expressões da questão social. A autora nos coloca que deve‑se compreender que o trabalho
é uma categoria que possui centralidade na definição do ser humano. Ele permite ao homem dominar
a natureza e assim atender as suas necessidades. O trabalho operacionaliza a mediação da atenção das
necessidades humanas, mas também viabiliza mudanças subjetivas no ser humano. É uma atividade
consciente e que possibilita ao ser humano provocar mudanças na sua matéria‑prima. “[...] por meio do
trabalho, o homem se afirma como ser criador, não só como indivíduo pensante” (IAMAMOTO, 2001, p. 58).
No caso do serviço social, o trabalho é desenvolvido sempre que temos a ação profissional.

Por fim, chegamos a outro elemento que também integra o processo de trabalho: o produto. Ou seja,
todo trabalho deve gerar um produto, o qual irá depender do espaço onde o trabalho é desenvolvido.
Assim, o produto de uma fábrica de sapatos será distinto daquele de uma empresa de bebida. E os
assistentes sociais, eles produzem algo? Iamamoto (2001) coloca que por meio de ações, o profissional
da área garante a reprodução material do público que atende. Ele também responsabiliza‑se pela
sobrevivência e o acesso a benefícios e serviços que são vitais ao público atendido. De tal forma, esse
seria um dos produtos de sua ação, mas não o único.

E qual seria o outro produto? Para a autora, as ações colaboram no aspecto subjetivo, na
produção de conceitos e consensos. No dizer da autora, os assistentes sociais transitam por um “[...]
mar de criação de consensos” (IAMAMOTO, 2001, p. 67), pois também colaboram para a construção
de saber. Os consensos, conforme a autora, nem sempre fortalecem a desigualdade; aliás, compete
ao assistente social desnudar essa realidade. A autora chega até a reforçar que a própria questão
social permite a construção de conceitos de luta, de insubordinação. Para isso, o assistente social
precisa, essencialmente, ter domínio teórico e analisar a realidade com base em sua fundamentação.
Somente a junção da teoria e da prática permite que o assistente social construa conceitos que
emancipem os indivíduos atendidos. Em síntese:

[...] o serviço social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços,


que tem produtos: interfere na reprodução material da força de trabalho e no
processo de reprodução sociopolítica ou ideopolítica dos indivíduos sociais
(IAMAMOTO, 2001, p. 68)

Iamamoto (2001) diz, por fim, que os produtos variam a depender do local do trabalho. Ressalta ainda
que há diferenciações entre o produto do assistente social na empresa privada e na pública. No entanto,
independentemente do espaço em que realiza a sua ação, o produto, sempre, deverá ser orientado para
atender aos valores do projeto ético‑político. Assim, o assistente social, em sua prática, não pode se
contrapor aos valores que estão sistematizados no código profissional de ética dos assistentes sociais e
na lei que regulamenta a profissão do assistente social. Também nesse caso é basal estar integrado às
manifestações e colocações de nossa categoria.

A perspectiva de Iamamoto (2001) é bastante similar à de Guerra (2010). Porém, Iamamoto


(2001) estava mais interessada em entender o processo de trabalho, e Guerra (2010) se aprofundou
na questão dos instrumentais. Com o intuito de clarear os conceitos apresentados, foi criado o
quadro a seguir:

34
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Quadro 2 – Síntese de conteúdos

Processo de trabalho
Trabalho em Marx no serviço social
(Iamamoto)
Matéria‑prima ou objeto: sob o qual se Matéria‑prima ou objeto: múltiplas
incide a ação expressões da questão social
Instrumentos ou meios de trabalho: Instrumentos ou meios de trabalho:
elementos que permitem modificar a técnicas e instrumentos, bagagem
matéria‑prima teórico‑metodológica e instituições
Trabalho: ação intelectual ou manual Trabalho: ação do assistente social
(ou ambas)
Produto: alteração das condições
Resulta em um produto materiais e também subjetivas
(consensos)

4 OS DIFERENTES PROJETOS SOCIETÁRIOS E PROFISSIONAIS E O PROJETO


ÉTICO‑POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL

No cotidiano, a instrumentalidade, o fazer profissional, deve sempre estar orientado a atender


aos parâmetros postos pelo projeto ético‑político. Mas, para que seja possível conhecê‑lo melhor, são
necessários alguns conceitos iniciais, dentre os quais o projeto societário e os profissionais, para, depois,
pensar sobre o projeto ético‑político.

Vamos partir então dos projetos societários. Por esse termo, Paulo Netto (2006) e Iamamoto (2001)
definem uma imagem de sociedade, com valores que a justifiquem e que é construída com determinados
meios. O projeto, em tese, é uma ação humana em que há uma “[...] antecipação ideal da finalidade que
se pretende alcançar, com a invocação dos valores que a legitimam e escolha de meios para lográ‑la”
(PAULO NETTO, 2006, p. 2), ou seja, assim como o projeto societário, ele engloba intencionalidade,
objetivo e é sustentado por ações e valores que o legitimam. Os projetos societários são considerados
coletivos, isto é, valores tidos como corretos são apresentados como ideais de toda uma sociedade ou,
como os nomeia Paulo Netto (2006), são projetos macroscópicos.

Além disso, são projetos que estão vinculados a determinadas classes sociais. Assim, a classe burguesa
possui um dado projeto societário, e a trabalhadora, outro distinto. São propostas antagônicas e que
representam os interesses de cada classe social. O autor chama a atenção ao fato de constituírem‑se
como projetos que podem fazer uso do poder político e que são representações do poder aquisitivo de
determinadas classes sociais. O autor faz ainda uma colocação destacando que a classe que detém o
poder político busca, por meio dele, fazer valer seu projeto societário. Por outro lado, é compreensível
também que a classe que mantém o poder econômico possua também o poder político, ou seja, a classe
que tiver mais poder econômico consegue impor seu projeto societário junto a uma dada sociedade.
Como são projetos antagônicos, contrapostos, sempre há embate entre eles e entre as classes sociais aos
quais estão vinculados. “Os projetos societários que respondem aos interesses de classes trabalhadoras
e subalternas sempre dispõem de condições menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes
proprietárias e politicamente dominantes” (PAULO NETTO, 2006, p. 3).

35
Unidade I

Teixeira (2000b) indica ainda que os projetos societários podem ser transformadores ou então
conservadores. Os transformadores, como o nome sugere, são aqueles relacionados à mudança, à
transformação da ordem social, buscando a melhoria da vida em sociedade. Já os conservadores, por
seu turno, fortalecem e defendem ideais e valores que já estão presentes e enraizados na sociedade,
buscando evitar a mudança.

Esses são os projetos societários. Mas, como anunciado, há ainda os projetos profissionais. Estes são
coletivos e devem representar uma determinada categoria de trabalhadores. Paulo Netto (2006) nos
indica que os projetos profissionais colaboram para a construção de uma autoimagem das profissões,
além de escolherem valores com os quais essas profissões se identificam. Além da autoimagem, eles
também conferem uma referência da profissão perante a sociedade, bem como expressam objetivos,
requisitos mínimos, normas profissionais, condutas de comportamento, referências para a relação com o
público atendido e com as organizações empregadoras. Devem envolver todo o corpo de trabalhadores,
mas nem sempre são hegemônicos.

Paulo Netto (2006, p. 4) apresenta os projetos profissionais da seguinte forma: “Inscrevem‑se no


marco dos projetos coletivos aqueles relacionados às profissões – especificamente as profissões que,
reguladas juridicamente, supõe uma formação teórica e/ou técnico‑interventiva, em geral de nível
acadêmico superior”. Via de regra, esses projetos são construídos por categorias de trabalhadores com
nível superior, que, em sua maioria, apresentam grande conotação política. Esses projetos profissionais
também são dinâmicos, mas em grande medida retratam também projetos societários.

Logo, o projeto profissional (e a prática profissional) é, também, projeto


político: ou projeto político‑profissional. Detém, como dissera Iamamoto
(1992) ao tratar da prática profissional, uma dimensão política, definida
inserção sociotécnica do serviço social entre os distintos e contraditórios
interesses de classes (TEIXEIRA, 2000b, p. 4).

Os projetos são essencialmente políticos, têm uma finalidade a ser alcançada e um objetivo. Essa
finalidade, segundo Paulo Netto (2006) e Teixeira (2000b), está também vinculada a ideais maiores,
valores mais amplos, os quais, por sua vez, relacionam‑se aos chamados projetos societários. Assim,
pode‑se dizer que os projetos societários influenciam os projetos profissionais? Sim. Teixeira (2000a)
ainda reforça que os projetos profissionais se expressam cotidianamente no tecido social, na coletividade.

Quadro 3 – Síntese dos projetos societários e profissionais

Projetos societários Projetos profissionais


(características) (características)
Vinculados às classes sociais Vinculados às categorias de trabalhadores
Direcionados à sociedade Direcionados às profissões
Colaboram para a autoimagem das profissões e as
Representam ideais, valores representam socialmente
Relacionados a expressões de poder Dinâmicos, disciplinam o exercício profissional

36
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Cada um dos projetos possui peculiaridades e especificidades que os definem. O projeto ético‑político
do serviço social não está sintetizado em um documento único, mas incorpora os parâmetros indicados
pelo Código Profissional de Ética dos Assistentes Sociais, pelo disposto na lei que regulamenta a profissão
dos assistentes sociais e por todas as discussões e compromissos assumidos pela categoria e expressos
por meio do conjunto CFESS‑Cress e da Abepss. Dessa forma, a defesa do projeto ético‑político do
serviço social pressupõe que tenhamos conhecimento eminente de todas as pautas que estão em
discussão pelos nossos pares.

Os projetos profissionais demandam a adesão de uma categoria como um todo, e, apesar da


pluralidade que é necessária à classe, há pautas que abordam questões de direitos humanos e de defesa
das minorias que precisam ser consideradas por todos os assistentes sociais, lembrando que os projetos
conferem a representação da profissão de assistência social.

O projeto ético‑político do serviço social é o que imprime uma imagem à profissão, confere a ela um
ethos, uma forma de se compreender quanto tal. Afinal, é uma forma de autoentendimento e vinculação
dos assistentes sociais, mas também é uma maneira de representar a categoria perante a sociedade.

Observação

O termo ethos faz menção a especificidades de um determinado grupo


ou coletividade.

Para além dessas especificidades, o projeto ético‑político pode ser mais bem compreendido a partir
de uma análise dos elementos que o compõe. Mas o que seriam esses elementos? São aspectos basais
para que o projeto ético‑político se consolide.

a) primeiro se relaciona com a explicitação de princípios e valores


ético‑políticos;

b) o segundo se refere à matriz teórico‑metodológica em que se ancora;

c) terceiro emana da crítica radical à ordem social vigente – a da


sociedade do capital – que produz e reproduz a miséria ao mesmo
tempo em que exibe uma produção monumental de riquezas;

d) o quarto se manifesta nas lutas e posicionamentos políticos


acumulados pela categoria através de suas formas coletivas de
organização política em aliança com os setores mais progressistas da
sociedade brasileira (TEIXEIRA, 2000b, p. 7‑8).

Ou seja, o projeto ético‑político, para ser implementado, demanda o embasamento dos princípios
e valores ético‑políticos que regem a categoria, além da matriz teórico‑metodológica a que se recorre
nas condutas profissionais. No caso, a perspectiva marxista foi considerada pela Abepss como referência
37
Unidade I

para a matriz curricular dos cursos de graduação em serviço social no Brasil. Essa referência deve ser
usada como respaldo para os valores éticos‑políticos e para a matriz teórico‑metodológica. Além disso,
conforme a indicação do autor, o projeto ético‑político deve viabilizar aos profissionais e aos que estão
em processo de formação a condição de realizar uma crítica à ordem social vigente. O domínio desse
saber deve conduzir o assistente social na adoção de posicionamentos em defesa dos segmentos mais
empobrecidos de nossa sociedade.

Aliás, é nítido que, tanto para Teixeira (2000b) quanto para Paulo Netto (2006), o projeto ético‑político
do serviço social só ganhe sentido se colocado em prática e se de fato defender direitos dos segmentos
vulnerabilizados, conforme preconiza o Código Profissional de Ética. Teixeira (2000b), por seu turno,
fortalece e busca reforçar a necessidade de o projeto ético‑político promover a transformação social,
visando uma sociedade mais justa e menos desigual, fortalecendo assim o projeto societário dos
segmentos vinculados à classe social empobrecida.

Ao atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por


imprimir uma direção social às nossas ações profissionais que favorecem
a um ou a outro projeto societário. Nas diversas e variadas ações que
efetuamos, como plantões de atendimento, salas de espera, processos de
supervisão e/ou planejamento de serviços sociais, das ações mais simples
às intervenções mais complexas do cotidiano profissional, nelas mesmas,
embutimos determinada direção social entrelaçada por uma valoração ética
específica (TEIXEIRA, 2000b, p. 5‑6).

Nesse sentido, os assistentes sociais sempre precisam, em seu cotidiano, fortalecer condutas, usar
sua instrumentalidade em favor de um projeto societário que não deve ser o da classe burguesa.

Um outro aspecto interessante sobre o projeto ético‑político do serviço social apontado por Teixeira
(2000b), e que merece atenção, relaciona‑se ao que seria o sustentador, a base desses conceitos. Afinal,
qual é o referencial do projeto ético‑político? O autor indica que a sustentação do projeto ético‑político
se faz por meio dos seguintes componentes:

a) a produção de conhecimentos no interior do serviço social, através


da qual conhecemos a maneira como são sistematizadas as diversas
modalidades práticas da profissão, onde se apresentam os processos
reflexivos do fazer profissional e especulativos e prospectivos
em relação a ele. Esta dimensão investigativa da profissão tem
como parâmetro a sintonia com as tendências teórico‑críticas do
pensamento social já mencionadas [...];

b) as instâncias político‑organizativas da profissão, que envolvem


tanto os fóruns de deliberação quanto as entidades da profissão:
as associações profissionais, as organizações sindicais e,
fundamentalmente, o conjunto CFESS/Cress (Conselho Federal
e Conselhos Regionais de Serviço Social), a Abepss (Associação
38
ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), além do


movimento estudantil representado pelo conjunto de Cass e DAs
(Centros e Diretórios Acadêmicos das unidades de ensino) e pela
Enesso (Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social) [...];

c) a dimensão jurídico‑política da profissão, na qual se constitui o


arcabouço legal e institucional da profissão, que envolve um conjunto
de leis e resoluções, documentos e textos políticos consagrados no
seio da profissão [...] (TEIXEIRA, 2000, p. 8‑9).

Nesse sentido, reforça‑se o quão relevante é a observação da produção teórica do serviço social
como substrato para o projeto ético‑político, além da vinculação às instâncias político‑organizativas da
categoria e de outros movimentos e organizações que defendem os mesmos valores que os pactuados
pelos assistentes sociais. E, por fim, esse projeto ético‑político também é embasado pela questão
jurídico‑política. A dimensão ético‑política engloba as questões legais que defendem e resguardam
a profissão e que estão ligadas aos direitos, deveres e prerrogativas legais que envolvem o exercício
do assistente social. Mas a dimensão jurídico‑política de respaldo compreende ainda as legislações
sociais que congregam direitos sociais, como, por exemplo, a legislação relacionada à consolidação da
seguridade social.

Já com relação aos valores ético‑políticos que sustentam esse projeto, vemos, conforme Paulo Netto
(2006), que seu núcleo central é a liberdade, a qual, segundo o autor, não pode ser vista de forma
dissociada da justiça e da igualdade, conformando assim uma identidade ao assistente social e tornando
ainda mais claro o projeto societário ao qual a categoria deve estar vinculada. O projeto societário deve,
essencialmente, estar vinculado à equidade, à justiça social e à democratização das relações sociais,
incluindo nesse processo a socialização da riqueza social produzida pelo gênero humano.

Observação

O Código Profissional de Ética dos Assistentes Sociais é um dos


documentos mais relevantes na definição do nosso projeto ético‑político.

O objetivo, neste momento, não é retomar o Código Profissional de Ética, mas sim destacar, para
uma reflexão, os princípios fundamentais desse documento, conforme pode ser visto a seguir:

I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas


políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais;

II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e


do autoritarismo;

39
Unidade I

III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de


toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das
classes trabalhadoras;

IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da


participação política e da riqueza socialmente produzida;

V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure


universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais, bem como sua gestão democrática;

VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando


o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados
e à discussão das diferenças;

VII. Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais


democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o
constante aprimoramento intelectual;

VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção


de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia
e gênero;

IX. Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais


que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos/as
trabalhadores/as;

X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com


o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional;

XI. Exercício do serviço social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por
questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física (CFESS,
1993, p. 23‑24).

Ao analisá‑los, podemos inferir que fica “fácil” compreender o projeto ético‑político. Ou seja, basta
sempre lutar para preservar tais princípios no cotidiano. Usar a instrumentalidade para fortalecê‑los,
pois assim contempla‑se o projeto ético‑político. Paulo Netto (2006) ainda coloca que, para além da
vinculação aos valores ético‑políticos, é necessário que o profissional invista em sua competência e
aperfeiçoamento profissional.

Mas na realidade concreta, para além dos princípios fundamentais anteriormente retratados e demais
aspectos que estão contidos no nosso Código Profissional de Ética, quais seriam, então, as manifestações
da categoria? A visita ao site do CFESS é importante para alimentar o projeto ético‑político.
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ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Saiba mais

Para que você possa estar por dentro das colocações, acesse o link a
seguir. O CFESS Manifesta é um jornal do CFESS que representa as reflexões
da categoria, proveniente de eventos, fóruns e demais momentos de
discussão realizados pelos assistentes sociais.

CFESS Manifesta. Conselho Federal de Serviço Social. [s.d.]. Disponível em:


<http://www.cfess.org.br/visualizar/manifesta>. Acesso em: 20 ago. 2019.

É igualmente interessante o acesso às peças temáticas da categoria,


também disponibilizadas gratuitamente no site, no link a seguir:

PEÇAS temáticas (cartazes, adesivos e folhetos). Conselho Federal de


Serviço Social. [s.d.] Disponível em: <http://www.cfess.org.br/visualizar/
pecas‑tematicas>. Acesso em: 20 ago. 2019.

Pode ser visto o material de divulgação usado pelo conjunto para


expressar as reivindicações da categoria, as bandeiras de luta e, sobretudo,
tornar claro o projeto societário que é defendido.

O escopo de temas é amplo e bastante variado. No entanto, é possível observar que os tópicos
abordam situações que estiveram presentes na realidade nos mais variados momentos e também evocam
reflexões a respeito do fazer do assistente social. Assim, são temas interessantes e que, se comparados
aos valores defendidos no Código Profissional de Ética, pode‑se inferir que encontram assento nos
valores lá preconizados.

Outro exemplo bem interessante acerca das pautas defendidas pela categoria são as campanhas
de reflexão usadas no Dia do Assistente Social. No dia 15 de maio, comemora‑se, no Brasil, o Dia do
Assistente Social. Todos os anos, essa data é dia de “comemoração”, reflexão e luta. O conjunto CFESS/
Cress, partindo do diálogo empreendido junto aos assistentes sociais, elenca temas para orientar as
discussões. Geralmente, o Cress de cada região promove eventos para as atividades em questão, assim
como as campanhas de reflexão.

A Campanha de 2019 orientou a discussão sobre o processo de exclusão social que vivemos
na sociedade capitalista, porém considerando que a mulher negra sente com mais força o
impacto dessa situação em seu cotidiano. Ou seja, um tema que é abordado a partir da análise
da realidade e que representa as reflexões de todos os profissionais. Já a Campanha de 2018,
igualmente importante, chamou os assistentes sociais para a reflexão sobre as formas de
luta pela defesa da classe trabalhadora, momento crucial no Brasil, em que tínhamos muitas
discussões em torno da reforma trabalhista.

41
Unidade I

Como é possível ver, é uma profissão que tem em seu projeto ético‑político a defesa de valores
nobres ligados à efetivação dos direitos sociais das minorias e, sobretudo, que busca fortalecer o projeto
societário vinculado aos interesses da classe pobre.

Não é por acaso que se faz a escolha por esta profissão: ninguém a procura
para ter mais dinheiro, para ter mais status, para ter mais prestígio. Como
mostra Jeanine Verdes‑Leroux, é uma profissão especial, guiada por valores
nobres e não utilitários, envolvida em uma mística que torna o seu exercício
mais do que um emprego, um meio de realizar projetos pessoais e sociais
etc. [...] (IAMAMOTO, 2001, p. 64).

Tais valores, nobres, representam sempre a defesa dos direitos sociais e a consolidação de uma
sociedade mais justa.

Resumo

O debate da instrumentalidade do serviço social brasileiro tem sido


feito desde a gênese da profissão, com maior preocupação para com o
embasamento das ações, por meio de estudos e teorias a partir do ciclo
autocrático burguês no Brasil.

Assistentes sociais, professores e autores foram possibilitando, ainda


que brevemente, o entendimento de alguns aspectos da questão levantada.
Perpassamos pelo entendimento da categoria trabalho, deste na sociedade
capitalista, a racionalidade burguesa, a ideologia e os rebatimentos dessa
forma de pensar burguesa nas relações sociais, aqui, mais precisamente, no
que se refere ao serviço social.

Em linhas gerais, temos que a instrumentalidade é a aparência da


atuação profissional do serviço social; sendo assim, ela é o que nos coloca no
mercado de trabalho como classe trabalhadora perante a divisão sociotécnica
do trabalho. A instrumentalidade, por consequência, é a demanda institucional
para a profissão, é também o que dá materialidade às nossas ações
pela perspectiva dos atendidos, ou seja, ela também é mediação para a
concretude do trabalho.

Não obstante, o horizonte com o qual trabalhamos aqui é que,


no imediato, são demandadas ações instrumentalizadas, cabendo ao
profissional realizar mediações que permitam a suspensão da cotidianidade,
negando o imediato e elevando o mediato como demanda apreendida no
movimento real da vida do atendido, ou, ainda, demanda que reside na
essência do fenômeno que trouxe esse sujeito.

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ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL

Face ao exposto, ressalta‑se a primazia do norte do projeto


ético‑político da categoria profissional visando o ultrapassar dos limites
da emancipação política, colocando o assistente social junto às lutas
da classe trabalhadora por direitos sociais, mas não somente, como
também e principalmente, por políticas estruturantes e emancipação
humana. Isso nos leva, por outro lado, a pensar também sobre os projetos
societários existentes em nossa sociedade, os quais representam, como
vimos, interesses antagônicos de classes sociais distintas. O serviço social
transita entre esses interesses antagônicos, porém, dada a natureza da
profissão, e o projeto ético‑político, busca‑se fortalecer a defesa dos
direitos dos segmentos mais vulnerabilizados.

Portanto, como vimos, é basal ao profissional a consciência crítica para


analisar a realidade na qual sua prática está circunscrita, compreendendo‑a
como vinculada a um processo de trabalho, mas como mediadora da
efetivação de direitos sociais. A noção de instrumentalidade, em si,
comporta a compreensão por parte do assistente social de sua importância
e da relevância de sua ação.

Vimos ainda que há projetos societários ligados às classes sociais e a


ideais de vida em sociedade. Esses projetos societários representam ideais
específicos, com objetivos a alcançar, e que conformam uma forma de
compreender a vida em sociedade. Partindo dessas considerações, passamos
à discussão sobre os projetos profissionais que seriam representativos de
determinadas categorias de trabalhadores. Ao final, foi abordado o projeto
ético‑político da categoria profissional.

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