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Narrativas femininas britânicas da Primeira Guerra:

perspectivas da evolução e representação de papéis


sociais femininos no Século XX
British women war writings of the First War: perspectives on the evolution and
representation of women social roles in the twentieth century
Narrativas de mujeres británicas de la Primera Guerra: perspectivas de evolución y
representación de funciones sociales de la mujer en el siglo XX
Denise Borille de Abreu*

e crianças e como a Primeira Guerra Mun-


Resumo dial abriu terreno para a reconfiguração de
A participação das mulheres em guerras, papéis sociais femininos.
direta e indiretamente, tem sido objeto de
estudo de narrativas de guerra desde a An- Palavras-chave: Narrativas femininas
tiguidade Clássica. O presente artigo bus- de guerra. Literatura Inglesa. Primeira
ca analisar o papel significativo das mu- Guerra Mundial.
lheres na construção da memória cultural,
e a evolução das representações femininas,
desde a instância do mito, de Homero até *
Graduada em Letras pela Universidade Federal de
o início do Século XX, quando a Primeira Minas Gerais (1996), mestrado em literaturas de
língua inglesa pela mesma instituição (2008) e atu-
Guerra foi declarada, para a presumida almente cursa o doutorado em literaturas de língua
portuguesa na Pontifícia Universidade Católica de
condição de “vítimas silenciosas” para Minas Gerais, onde adquiriu e consolidou sua expe-
chegar, enfim, à situação de membros pro- riência profissional como professora de português
para estrangeiros. Atua na área de Letras, com ênfa-
ativos de uma sociedade igualitária. Este se em línguas e literaturas inglesa, brasileira, portu-
guesa e moçambicana, principalmente nos seguintes
estudo aponta, mais especificamente, para temas: narrativas femininas da Primeira Guerra,
como as narrativas femininas da Primeira narrativas femininas do trauma de guerra, escrita
de gênero, literatura e psicanálise, trauma theory e
Guerra abordam o trauma da guerra, que life writing. E-mail: deniseborille@gmail.com
afetou em igual escala mulheres, homens Recebido em 24/02/2014 - Aprovado em 30/07/2014
http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.14n.2.4580

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Introdução: as mulheres e a guerra - velha. Vestia-se de roxo e preto e carregava
uma foice ou um par de tesouras.
mito e história A idéia de uma Moira interferindo nos
destinos dos mortais evoluiu de diversas
As narrativas de guerra femininas são,
maneiras. Na Teogonia de Hesíodo, o ato de
primordialmente, associadas ao ato de tecer
tecer está associado à vida humana.
das moiras gregas, mulheres que teciam não
Na maioria das vezes, as entidades
apenas planos, mas destinos. Na mitologia
relacionadas ao destino são representadas
grega, três entidades primordiais eram as-
por imagens femininas, uma vez que o ato
sociadas ao Destino, Moira, e moravam em
de tecer e de fiar era delegado às mulheres.
uma caverna reclusa. De acordo com Hesí-
A influência helênica permitiu que outras
odo, na Teogonia, elas eram três irmãs e sua
entidades femininas fossem associadas ao
mãe era Nyx, a Noite, uma das forças mais
destino, em culturas e sociedades diversas.
antigas do universo. Outras versões relatam
O que talvez constitui a primeira referência
que elas eram filhas de Zeus e Themis. Em
literária às mulheres e à guerra (o exemplo
seriedade e silêncio, as Moiras causavam
das Amazonas) aparece na Ilíada, a narra-
medo aos mortais e tinham o respeito dos
tiva inaugural de guerra. As Amazonas,
deuses, pois estavam encarregadas do desti-
também conhecidas como uma tribo de
no de cada ser humano. Clotho era a tecelã.
mulheres que guerreavam, foram descritas
Seu nome advém de klothein (tecido): “tecer
por Heródoto, no século V da Era Comum,
e manter a roca girando”. Aparentemente,
como as Sauromatae de Sitia, uma socieda-
ela era a mais jovem das três. Sentada no
de onde as mulheres caçavam montadas
chão, ela cuidadosamente elaborava e tecia
em cavalos, junto com os homens, vestiam-
a trama do destino de todas as criaturas, as-
-se como homens e até mesmo lutavam em
sim que nasciam. Amores, amizades, fami-
guerras. Elas lutaram contra vários guerrei-
liares, encontros – todos eram entrelaçados
ros, sobretudo Belerofontes, o jovem Pría-
por ela. Após terminar seu ofício, ela trans-
mo, Hércules e Aquiles.
feria o trabalho para as mãos de Lachesis, a
Mary R. Lefkowitz reconhece as pala-
mediadora. Seu nome é uma derivação do
vras do historiador grego e ressalta a dis-
verbo lankhanein: “sorte ou tirar a sorte”. Ela
crepância entre os papéis designados pelas
examinava tudo cautelosamente e decidia
Amazonas e aqueles esperados das mu-
qual era a melhor hora para que tudo acon-
lheres na Grécia Antiga: “As mulheres não
tecesse. Em seguida, os fios eram passados
caçavam e sequer iam à guerra; os ritos de
a Átropos, a ceifadora. O nome é originado
iniciação femininos não incluíam exposição
de troopoo, “virada”. Ela era a única que não
a perigos físicos; as mulheres cuidavam de
voltava atrás em suas decisões; era inflexí-
seus filhos e ficavam em casa” (2007, p. 04,
vel. Ela avaliava cada vida e determinava,
tradução minha). Tal teoria reforça a con-
com justiça, o dia em que a pessoa morreria,
tradição entre os mitos que impediam as
ao cortar a trama feita pelas outras duas ir-
mulheres de participarem diretamente em
mãs. Ao que tudo indica, ela era a irmã mais

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batalhas, em grande parte endossados pela Nenhuma queixa aparece contra Tétis; ne-
sociedade grega patriarcal e, pode-se infe- nhuma menção é feita a um status menor
que o Olímpico; nenhum questionamento
rir, como uma possível tentativa feminina
é levantado quanto à propriedade do seu
em subverter essa ideia. As implicações envolvimento na estratégia da guerra – o
etimológicas do termo Amazonas sugerem que não sucede com Afrodite, por exem-
uma ideia de contrariedade ao que era ini- plo, cuja participação a favor de Enéias
lhe causa comentários de humor cáusti-
cialmente imposto àquelas mulheres: existe
co. Como, então, o leitor pode entender
uma versão segundo a qual o seio direito a extraordinária autoridade de Tétis? Ela
das Amazonas era removido, explicada eti- evoca um consentimento – e um consenso
mologicamente como a-, mazos (sem seios), – divinos, o que é significativamente tácito
o que dá a entender a ideia de rejeição ao (SLATKIN, 1991, p. 54, tradução minha).
cumprimento das funções matriarcais, como A passagem enfatiza a posição eleva-
a amamentação. da de Tétis no Olimpo, possivelmente maior
Uma outra leitura do mito das Ama- que outros deuses e até mesmo que seu filho
zonas inspirou o compositor Richard Wag- guerreiro que, embora invencível, é por sua
ner a compor a ópera “As Valkírias”, tendo vez um semi-deus e, portanto, mortal. Além
como base uma suposta equivalência entre disso, a intervenção de Tétis ganha evidên-
as guerreiras gregas e as Valkírias da mito- cia: dada a condição mortal de seu filho, o
logia nórdica antiga. Na ópera, mais especi- cuidado que ela despende lhe confere um
ficamente no Ato III, as Valkírias aparecem papel mais importante do que parece.
como entidades femininas que costumavam Resta uma dúvida: por que Aquiles es-
montar seus cavalos alados e, assim, sobre- colhe dirigir-se a Zeus por meio de sua mãe
voar os campos de batalha para transportar e não diretamente? É certo que ele roga a
os guerreiros mortos rumo ao Walhalla, onde Zeus por Pátroclo de forma direta, no Canto
eles encontrariam felicidade e paz eternas. XVI. Todavia, a preferência de Aquiles pela
Era uma tarefa que elas desempenhavam mediação de sua mãe confere outro papel
com extrema alegria, uma vez que isso lhes importante à deusa: o de intermediária entre
conferia a função importante de recompen- os soldados em campo e os deuses. Slatkin
sar os heróis por sua bravura. observa que “não se pode considerar como
Uma tarefa semelhante é desempe- uma tarefa trivial a incumbência de reverter
nhada, novamente na Ilíada, pela deusa Té- o curso da guerra, com resultados drásticos,
tis para com seu filho heróico, Aquiles. No que Zeus é capaz de antecipar” (1991, p. 64,
Canto I, ele implora a sua mãe para intervir tradução minha). Além disso, a presteza de
a favor dos troianos, sabendo de sua influ- Zeus em conceder o pedido à deusa enaltece
ência significativa junto a Zeus. O pai dos a posição privilegiada dessa como entida-
deuses atende à súplica de Tétis por seu fi- de feminina. Seu papel poderoso é exerci-
lho. O status elevado da deusa no Olimpo é do tanto em relação aos mortais (seu filho)
explicado por Laura M. Slatkin a seguir: quanto aos deuses (Zeus). Por último, seu
papel como mediadora também pode ser

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interpretado como o de uma agente conci- histórico, ela teria de acatar a idéia de voltar
liadora e moderadora em tempos de guerra. para a casa do pai enquanto seu marido não
Slatkin conclui que: estivesse a seu lado. Contudo, ela resolve
A instância do poder de Tétis que é mais permanecer em sua casa a qualquer custo.
geral, porém mais reveladora, se faz ex- Sue Blundell confirma a nobreza do feito de
pressar por afugentar a destruição. A ha- Penélope, mas coloca uma questão válida no
bilidade de repelir a destruição, na “Ilía-
que diz respeito ao sentido ambíguo da ati-
da”, é compartilhada exclusivamente por
Aquiles, Apolo e Zeus. Embora outros se tude de Penélope:
posicionem e cheguem a tentar, somente Penélope certamente se destaca como uma
esses três têm o poder de “afugentar a des- mulher inteligente e determinada, que é
truição”, de serem eficazes em restaurar a capaz de esquivar-se das cobranças impos-
ordem no mundo do poema (SLATKIN, tas tanto pelos pretendentes quanto pela
1991, p. 65-66, tradução minha). própria família. Mas, para alcançar isso, ela
faz uso de armas tradicionalmente associa-
A habilidade de Tétis ao conferenciar das às mulheres; o uso enganoso do ato de
com Zeus, de forma a estabelecer um acor- tecer e das palavras é típico do comporta-
do durante a Guerra de Tróia, faz com que mento associado às mulheres na Odisséia, e
a deusa se apodere de uma função decisiva faz de Penélope uma personagem obscura
e ambígua, não muito diferente da imagem
quanto à resolução desse conflito. Seu de-
associada à Helena (BLUNDELL, 1995,
sempenho é tão importante, senão mais sig- p. 70, tradução minha).
nificativo, quanto o dos guerreiros nos cam-
A passagem dá enfoque ao plano du-
pos de batalha. Embora ela seja deixada de
vidoso de Penélope, de desfazer o que havia
lado da “linha de fogo”, ela certamente tem
tecido à noite a fim de manter os pretenden-
uma posição incomparável entre os mortais
tes a sua volta durante cerca de três anos. A
e os deuses, no épico de guerra.
obscuridade desse plano pode ser compara-
Na Odisséia, pode-se encontrar outra
da ao adultério de Helena, o que mais apa-
prova da participação mítica das mulheres
renta ser um exagero. É importante ressaltar
nas guerras; dessa vez, expressada pela fun-
que, antes de partir para a guerra, Odisseu
ção controversa, e não menos importante,
havia dado a sua esposa total poder sobre o
de Penélope, na narrativa de guerra subse-
palácio de Ítaca. Manter a casa é uma tarefa
quente à Ilíada.
que sua esposa executa com legitimidade e
A esposa de Odisseu não era clara-
orgulho, e revela seu senso de comprome-
mente uma entidade divina, mas o tipo de
timento pessoal. E o que é mais importante:
poder que ela exerce durante a ausência do
tomar conta da casa dá a Penélope o controle
marido, em função da guerra, torna-a uma
sobre a propriedade e as servas.
personagem ainda mais intrigante. Ela é a
À incapacidade de se casar novamente,
rainha de Ítaca, capaz de dissuadir as ex-
contrapõe-se ao poder que ela exerce no pa-
pectativas impostas por sua própria família
lácio. A negociação de papéis de poder en-
ao planejar uma manobra sagaz de procras-
tre Odisseu e Penélope parece ser um tema
tinar seus pretendentes. Do ponto de vista
desafiador, um questionamento muito mais

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provocante que sua duvidosa imperícia em As mulheres e as narrativas britânicas da
lidar satisfatoriamente com os pretendentes.
Blundell nos lembra que:
primeira guerra
Este modelo de relações de gênero é, de A história da Grã-Bretanha é rica em
certa forma, diferente de tudo que se de-
referências a mulheres guerreiras, a começar
rivou da literatura no final da Era Clássica,
onde as esferas de poder de homens e mu- pela deusa Britannia, uma variação romana
lheres eram vistas como fundamentalmen- da guerreira Atena, do que se originou o
te distintas. No mundo homérico, onde o nome do país.
poder político era enraizado na casa real, O Imperial War Museum de Londres
a fronteira entre o doméstico e o político,
entre o privado e o público, não era de fato lançou uma exposição chamada “Women
tão rígida. Os papéis de homens e mulhe- and War”, que se estendeu de 15 de outubro
res intercalavam-se, e é devido a isso que de 2003 até 18 de abril de 2004. Em uma das
uma mulher pode vir a beirar – durante a seções, com o nome de “Vidas de Mulheres
ausência do marido — o exercício do po-
que Marcaram a História”, a primeira men-
der político (BLUNDELL, 1995, p. 55, tra-
dução minha). ção que se fez a mulheres que guerreavam
foi, semelhante a este artigo, à Grécia Anti-
Pode-se afirmar que o papel exercido
ga: uma lista extensa contava com nomes de
por Penélope na narrativa ultrapassa o âm-
mulheres que tiveram papéis de destaque
bito doméstico; ao insistir em permanecer
em guerras. A primeira referência foi à tri-
no palácio, e administrá-lo da melhor forma
bo de mulheres guerreiras, mais conhecida
possível, ela adquire o papel principal como
como as “Amazonas”.
provedora do próprio lar, algo até então
A sequência se deu com Boudicca, ou
impensável em termos históricos, ocasiona-
a rainha celta Boadicea, que lutou contra a
do em boa parte pelo cenário da Guerra de
invasão do Império Romano na Grã-Breta-
Tróia. Ao frisar a inversão de papéis mas-
nha, ao lado de suas filhas, durante os anos
culinos e femininos, as narrativas de guer-
de 60-61 da Era Comum. A linha de tempo,
ra têm dado enfoque, através da história, à
em seguida, avançou em direção ao início
experiência universal de colapso humano,
do Século XV e citou uma líder feminina que
como as vidas de homens e mulheres podem
lutou contra os britânicos, Joana d’Arc. O
ser igualmente afetadas durante a guerra e
motivo de sua batalha contra a dominação
seus papéis sociais, especialmente aqueles
britânica, começando pelo Cerco de Orléans
tradicionalmente delegados às mulheres, re-
e extensiva a todo o território francês, teria
definidos em igual escala.
vindo de vozes de santos, que Joana alegava
escutar. Mesmo sem tirar vidas no comba-
te, de um soldado sequer, ela foi submetida
a julgamento e condenada a ser queimada
viva pela Inquisição, em 1431. Da relação
das mulheres britânicas subsequentes, cum-
pre mencionar a rainha Elizabeth I e seu pa-

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pel crucial ao encorajar as forças britânicas, só trabalhavam mulheres. O legado deixado
que derrotaram a “Invencível” Armada Es- por ambas mulheres inspirou a escritora in-
panhola, em 1588. Logo em seguida aparece glesa Vera Brittain a servir como enfermeira
Hannah Snell, a primeira mulher britânica a voluntária (Voluntary Aid Detachment nurse)
lutar como soldado, que aliada aos Fuzilei- na Inglaterra, na França e em Malta, além de
ros Navais britânicos, lutou na Índia na me- levá-la a escrever uma obra autobiográfica,
tade do Século XVIII. Embora ela tenha se Testament of Youth, em 1933.
vestido como um homem e adotado o nome Na época em que a Primeira Guerra
de “James Gray”, ela revelou sua verdadei- eclodiu, era esperado, das mulheres inglesas,
ra identidade quando retornou à Inglaterra, que se comportassem de forma compassiva.
em 1750, e ganhou reconhecimento público Ao mesmo tempo, a participação direta de
por sua coragem. Também se trajando como mulheres na guerra era vista como indese-
um homem, “James Barry” foi a primeira jável. Paul Fussell, em sua obra seminal The
mulher a ser qualificada como médica na Great War and Modern Memory (1975), cita um
Inglaterra. Sua assistência às tropas milita- combatente britânico lembrando-se, “com
res, especialmente durante a Guerra da Cri- um suspiro de alívio” que a guerra era “um
méia (1854-1856), rendeu-lhe a admiração modo de vida exclusivamente masculino,
do duque de Wellington. Durante a mesma onde não havia complicação de Mulher”.
guerra, uma outra mulher fez história entre (1975, p. 274, tradução minha). Essa citação
as enfermeiras britânicas, chamada Floren- sugere que, de certo modo, a presença das
ce Nightingale. Os soldados chamavam-na mulheres não era benquista na guerra, e que
de “The Lady of the Lamp” – “A mulher da elas eram vistas como “complicadoras”. A
lâmpada” (tradução minha). Ela tornou-se grafia de mulher com M maiúsculo, assim
famosa ao abrir uma escola para treinamen- como a preferência por usar a palavra no sin-
to de enfermeiras em Londres, logo após gular, reforça a idealização e a estereotipia no
a Guerra da Criméia, e recebeu o título de que dizia respeito às mulheres. Pode-se de-
Honra ao Mérito em 1907, um prêmio que duzir, de forma irônica, que um papel mascu-
até então jamais fora concedido a uma mu- lino tradicional estava em xeque: os homens
lher. Ela morreu pouco antes de eclodir a deveriam, na realidade, estar protegendo
Primeira Guerra, em 1910. Elsie Inglis e Lou- suas mulheres, e não nos campos de batalha.
isa Garrett Anderson foram, além de médi- Era comum associar-se o sofrimento,
cas militares, feministas militantes. Além de o pathos, das mulheres que vivenciaram a
contar com uma ótima habilidade em ajudar guerra a uma grande quantidade de Pietás
os combatentes, elas também inspiraram e crucifíxos, tanto em lugares públicos como
outras mulheres a serem enfermeiras habili- privados. Mary Higonnet (1999) afirma que,
tadas. A primeira ganhou o reconhecimento como mães, muitas mulheres “identifica-
do então primeiro-ministro Winston Chur- vam-se com a mater dolorosa” (Introdução
chill por seu trabalho, enquanto a última xxxi) na primeira década do século XX. De
administrou um hospital londrino em que acordo com Fussell, “Em alguns casos a

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imagem vertia sangue ou falava palavras de Woolf, Vera Brittain, Rebecca West e Pat Ba-
profecia no que diz respeito à duração da rker são revestidas de um significado histó-
guerra” (1975, p. 132, tradução minha). Esse rico preciso e latente e, juntas, adquirem um
exemplo mais dramático demonstra que, papel importante na construção da memória
numa atitude de desespero, muitas pesso- cultural da Primeira Guerra.
as depositavam suas esperanças de paz nas Em Regeneration, uma ficção contempo-
mulheres, como se todos os sacrifícios vivi- rânea de Pat Barker, de 1991, são sugeridas
dos por elas fossem erradicar a guerra “mi- várias implicações psicológicas, sobretudo
lagrosamente”. Os católicos europeus rela- no que diz respeito à interposição de papéis
tam a aparição da Virgem Maria em Fátima, masculinos e femininos. Soldados combaten-
Portugal, a 13 de maio de 1917. Acredita-se tes eram enviados ao Hospital Craiglockart,
que a primeira profecia de Fátima tenha re- na Escócia, para tratamento psiquiátrico e
velado o fim da Primeira Guerra, em 1918, sofriam, acima de tudo, por ter que revelar e
um ano após uma figura de “Nossa Senho- compartilhar as suas experiências terríveis,
ra” ter aparecido para três crianças locais de vivenciadas durante a guerra. Isso se dava,
uma zona rural. em boa parte, porque no Exército, “eles ha-
Paradoxalmente, papéis de gêneros viam sido treinados a identificar a repressão
tradicionais e arquetípicos parecem ter sido emocional como a essência da masculini-
subvertidos pela Primeira Guerra, o que dade. Os homens que entrassem em crise,
contribuiu para uma evolução dos papéis chorassem ou admitissem ter medo eram
sociais das mulheres. Por um lado, a fragi- considerados afeminados ou fracassados, ao
lidade emocional, assim como a vulnerabi- contrário dos homens de verdade” (1991, p. 48,
lidade psicológica dos homens, era explici- tradução minha). Curiosamente, as relações
tada em narrativas femininas britânicas de entre os soldados, baseadas principalmen-
guerra, tais como em The Return of the Soldier, te na camaradagem, assim como os conta-
de Rebecca West, e no romance Regeneration, tos entre médico e pacientes, sugerem, na
da contemporânea Pat Barker. Por outro narrativa de Barker, que o comportamento
lado, algumas mulheres começavam a tra- daqueles homens intercalava-se como ora
balhar como ativistas políticas, voluntárias masculino, ora feminino. Os cuidados e o
da Cruz Vermelha, motoristas de ambulân- carinho do doutor Rivers para com o solda-
cia, jornalistas e funcionárias em fábricas de do Prior, por exemplo, é definido como uma
munições, para citar alguns dos exemplos atitude tipicamente feminina e representa,
encontrados em testemunhos de mulheres. nas palavras do médico:
Outras, por sua vez, evoluíram da condição Um – dos muitos – paradoxos da guerra
de vítimas caladas à de pensadoras proati- era que o mais brutal dos conflitos pro-
vas, como nos mostra Vera Brittain, em seu piciasse uma relação entre os oficiais e os
homens que era... doméstica. Carinhosa.
relato autobiográfico Testament of Youth, e
Layard sem dúvida teria dito: Materna
Virginia Woolf, em seu romance Mrs. Dallo- (1991, p. 107, tradução minha).
way. As contribuições literárias de Virginia

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Note-se que o uso de reticências, que universal de ser amado e cuidado: no encon-
precede a palavra “doméstica”, sinaliza uma tro dos “lábios”, o erotismo da ganância é
superado pelas declarações de afeto. Mais
hesitação. O uso do adjetivo “Carinhosa”,
do que exaltar... o amor gay das trinchei-
em uma posição isolada entre dois pontos ras, isso deve ser interpretado dentro de um
finais, dá a impressão que algo vergonhoso contexto de mutilação e mortalidade imi-
estivesse sendo declarado. A palavra mais nentes (DAS, 2006, p. 136, tradução minha).
pungente aparece no final, “Materna”, como No romance Mrs. Dalloway, escrito por
se estivesse sendo proferida por uma voz Virginia Woolf em 1925, as convergências e
alheia, distante. Santanu Das esclarece que: divergências das vidas de dois personagens,
É uma grande ironia pensar que a primei- Clarissa e Septimus, podem ser explicadas
ra guerra industrial mundial, que castigou em função do impacto traumático da expe-
o corpo masculino em uma escala enorme,
riência de guerra. Ao passo que ela sente um
também acalentou o mais intenso dos la-
ços humanos... uma ordem muito diferen- enorme prazer de estar viva e teme a idéia
te da experiência masculina, que incluía de morrer, ele se sente constantemente apa-
medo, vulnerabilidade, apoio e ternura vorado pela sensação de estar preso à vida
física, ganhava espaço (DAS, 2006, p. 135, e por não ter o direito de se desfazer dessa.
tradução minha).
Porém, ambas as personagens estão unidas
Apesar de um presumido disparate pelo sentimento de medo, uma consequên-
entre atitudes emocionais de homens e mu- cia psicológica recorrente da experiência de
lheres, o romance revela como ambos papéis guerra. Após testemunhar a crueldade da
se intercalam em alguns dos pacientes em guerra, ambos começam a questionar a vida
Craiglockart. O poeta inglês, e também com- e a morte. Ao mesmo tempo em que eles têm
batente, Siegfried Sassoon, tem a admiração de lidar com as sequelas da guerra, sentem
do doutor Rivers pelo “Amor que tinha por que suas vidas parecem não ter mais sentido
seus homens. A necessidade que tinha de e as badaladas do relógio revelam-se como
provar sua coragem. De uma forma racional, um tipo de destino trágico que ambos terão
ele já havia provado isso várias vezes, mas que enfrentar. Antes de isso acontecer, en-
depois a necessidade deixou de ser inteira- tretanto, as duas personagens vivem vidas
mente racional” (1991, p. 118, tradução mi- paralelas, marcadas pelo impacto, típico do
nha). Um sentimento tal qual o amor que momento pós-guerra, da incerteza em rela-
Sassoon tinha em treinar os seus homens ção ao futuro, sobretudo em relação às horas
poderia ser entendido emocionalmente, mas que estão por vir. As impressões que Cla-
nunca explicado racionalmente pelo doutor rissa tem sobre a guerra são ofuscadas pela
Rivers. As razões pelas quais grande parte visão política do marido; ela se sente inco-
dos soldados experimenta a susceptibilida- modada, durante uma festa que ela oferece,
de emocional são, de acordo com Das: por não conseguir expressar suas opiniões,
Porque a guerra passa a incluir a sexualida- ou mesmo o seu sentimento de medo exis-
de em um conjunto de emoções como vulne- tencial, intimidada pelas convenções sociais
rabilidade, desespero, medo e a necessidade da época. O som do Big Ben torna-se, des-

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sa forma, amedrontador: ele sempre soará como exemplos de ensaístas literários cuja
como um aviso de grandes mudanças, en- escrita pode vir a conter precisão histórica
volvendo vida e morte. A guerra propicia a (2006, p. 265).
ambas personagens a vivência do medo e do O paradigma tradicional das narrativas
desespero; não se pode prever como será o históricas, criticado por Ginzsburg, levan-
futuro ou, mesmo, se haverá algum. ta outro questionamento importante: o que
As implicações desse drama do pós- vem a ser autenticidade histórica, conforme
-guerra, retratado em detalhes nítidos por é expressa pela escrita feminina? Uma res-
Virginia Woolf no romance Mrs. Dalloway, posta plausível é dada por Hayden White,
vêm de encontro à hipótese segundo a qual em Tropics of Discourse (1978). O terceiro ca-
a escrita literária, assim como as narrativas pítulo desse livro, intitulado “The Historical
históricas, podem conter autenticidade his- Text as Literary Artifact” leva a pensar que
tórica, uma vez que as experiências pessoais as percepções femininas acerca da Primeira
e emocionais também são válidas do pon- Guerra podem ter contribuído, igualmente,
to de vista histórico, embora nem sempre com “verdades” e “fantasias”, e que seus re-
sejam contempladas pela análise histórica latos ficcionais podem ser tidos como válidos
tradicional. Em um artigo chamado “Micro- a partir de certo ponto de vista histórico.
-história: duas ou três coisas que sei a respei- A literatura mostra, por exemplo, que
to” (2006), Carlo Ginzburg questiona a afir- o ato escrever, em meio à guerra, permitiu às
mação do conhecimento da realidade feita mulheres que tecessem novos papéis sociais,
pelos tradicionais narradores-historiadores desde a Grécia Antiga. Mary Lefkowitz ob-
oniscientes. A mesma discussão foi reaber- serva que:
ta, simultaneamente, por Luiz Costa Lima, Uma vez que os épicos são constituídos de
em um artigo intitulado “Perguntar-se pela palavras, uma comodidade à qual mesmo
as mulheres gregas tinham direito, é preci-
escrita da história”, traduzido para o inglês
so, em qualquer discussão que se faça de
como “On the Writing of History”. Nesse papéis femininos, prestar atenção especial
artigo, publicado pela Revista Varia Histo- ao que as mulheres dizem (...) deve-se per-
ria, da UFMG, ele ressalta a importância de guntar, por exemplo, o que seria de épicos
questionamentos epistemológicos que escla- como Ilíada e Odisséia se não houvesse mu-
lheres. A Guerra de Tróia não seria trava-
reçam uma distinção entre res facta e res ficta, da, e Odisseu não teria se dado ao trabalho
e ele se refere, especificamente, às constru- de voltar para casa (LEFKOWITZ, 2007,
ções teóricas de Carlo Ginzburg como um p. 26, tradução minha).
modelo válido para se abordar tanto o dis-
Ao comentário de Lefkowitz sobre a
curso histórico quanto o literário. (2006, p.
sociedade grega e a Guerra de Tróia, adicio-
419). Ginzburg argumenta que as narrativas
ne-se a afirmação de Sue Blundell, a respeito
históricas representam apenas uma entre
da Guerra do Peloponeso, ocorrida tempos
várias possibilidades de se analisar os acon-
depois no mesmo país. Os “problemas eco-
tecimentos históricos; ele menciona, de for-
nômicos enfrentados em Atenas, em con-
ma especial, Virginia Woolf e Marcel Proust
seqüência da Guerra do Peloponeso e do

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conseguinte declínio do império, teriam sem A escrita de Mansfield revela, nessa
dúvida gerado um aumento no número de passagem, o que talvez seja a razão princi-
mulheres à procura de emprego” (1995, p. pal das narrativas femininas de guerra: elas
145, tradução minha). É bem provável que o tecem sua história, sua escrita, como um ato
padrão de evolução da representação social de sobrevivência, ou mesmo para conseguir
das mulheres repita-se em tempos de guer- dar continuidade a suas vidas, em um mun-
ra. Com a Primeira Guerra não seria diferen- do abandonado pelos homens. O exemplo
te: as narrativas produzidas por mulheres clássico de uma narrativa de sobrevivência
que viveram nessa época nos mostram a re- feminina vem a ser representado pela pro-
corrência de tal padrão. tagonista de As mil e uma noites, Sheraza-
Além de os papéis sociais das mulhe- de, para quem o ato de contar histórias era
res terem evoluído com o surgimento da o único modo de continuar viva – ou, pelo
Primeira Guerra, pode-se notar também que menos, de adiar o seu destino trágico.
uma mudança nas atitudes das mulheres
foi desencadeada por esse evento trágico,
Conclusão
sobretudo no que diz respeito ao senso de
otimismo despertado nessas mulheres, vol- A linha que distingue o mito da histó-
tado para a construção de uma sociedade ria não é clara. As guerras parecem se per-
com oportunidades iguais. Após perder o petuar ao longo da história, assim como as
seu irmão durante a guerra, a escritora ne- representações sociais dos papéis femininos.
ozelandesa Katherine Mansfield parece falar O épico que relata o último ano da
em nome dessas mulheres. Ela escreve um Guerra de Tróia, a Ilíada, data do final do
registro contundente em seu diário, no qual nono para o oitavo século antes da Era Co-
ela manifesta a inspiração para se acreditar mum. A narrativa, baseada na tradição oral
num futuro melhor, citado por Mary Cado- e convencionalmente atribuída a um autor
gan e Patrícia Craig em Women and Children do sexo masculino, é repleta de referências
First: The Fiction of Two World Wars (1978): a mulheres de representação histórica evo-
De uma certa forma eu sabia, há muito luída. Lefkowitz nos lembra que “Uma vez
tempo, que a vida estava acabada para que os épicos são feitos de palavras, uma
mim, mas eu nunca percebi ou reconheci
mercadoria a que mesmo as mulheres gre-
isso até a morte do meu irmão. Sim, pois
embora seu corpo esteja agora descansan- gas tinham direito legal, é fundamental, em
do em algum bosque na França, e eu conti- qualquer discussão sobre o papel da mulher,
nue erguida, sentindo o calor e o vento que prestar atenção especial a o que as mulheres
vêm do mar, eu me sinto tão morta quanto dizem.” (2007, p. 26, tradução minha). Ho-
ele... Então, por que é que eu não cometo
mero atribuiu às mulheres tanto papeis mí-
suicídio? Porque sinto que tenho uma ta-
refa a cumprir, em nome dos bons tempos ticos quanto históricos. Lefkowitz questiona
que passamos juntos, enquanto éramos vi- o que a Guerra de Tróia teria sido sem a pre-
vos (CADOGAN et al, 1978, p. 158, tradu- sença de mulheres. Ela pondera:
ção minha).

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Pode-se começar por perguntar como se- o historiador Keith Robbins nos lembra da
riam os dois poemas épicos, a Ilíada e a inserção significativa das mulheres na for-
Odisséia, se não houvesse mulheres neles.
ça de trabalho durante os anos da guerra e
Em primeiro lugar, nenhuma estória teria
acontecido. A Guerra de Tróia não teria apresenta dados que demonstram como o
sido travada e Ulisses (supondo que ele ti- número de mulheres trabalhadoras oscilou,
nha ido para Troia, em primeiro lugar) não em uma escala comparativa, desde 1914 até
teria se dado ao trabalho de voltar para casa
os quatro anos que se seguiram:
(LEFKOWITZ, 2007, p. 27, tradução minha).
Havia, por exemplo, 125 mulheres traba-
As guerras têm ajudado a remodelar lhando em Woolwich Arsenal em 1914 e
os papéis históricos das mulheres desde a 25.000 em julho de 1917. Três milhões e
Idade Clássica, e algumas obras literárias da um quarto de mulheres britânicas foram
contratadas em julho de 1914 e um pou-
Primeira Guerra, especialmente as que são
co menos de 5 milhões ao final da guerra
mencionadas no presente artigo, podem aju- - sendo a expansão mais rápida nos anos
dar a confirmar e contribuir para uma com- intermediários. Na França, até o final de
preensão mais ampla do papel essencial das 1918 meio milhão de mulheres estavam
mulheres na construção da memória cultu- trabalhando diretamente nas indústrias
de guerra e cerca de 150.000 ocupavam
ral da Primeira Guerra Mundial. posições auxiliares de secretaria e outras
Uma das formas por meio das quais a no exército. Ambos números representam
representação social das mulheres evoluiu uma grande mudança, tendo em vista a
é a sua inserção no mercado de trabalho. posição em 1914 (ROBBINS, 2002, p. 155,
tradução minha).
Isso tem ocorrido desde a Guerra do Pelo-
poneso (431-404 antes da Era Comum), tal Robbins destaca, no entanto, que os
qual é descrita por Tucídides em História da trabalhos das mulheres eram considerados
Guerra do Peloponeso. O relato descreve, en- mal remunerados em comparação com os
tre outros, um homem ateniense chamado homens. Os salários mais baixos das mulhe-
Aristarco que, de acordo com Xenofonte, res promoveram debate social na Inglaterra
tinha em sua casa quase quatorze parentes e “levantaram perguntas embaraçosas sobre
do sexo feminino sem-teto, como consequ- a igualdade de remuneração, e os sindicalis-
ência da Guerra do Peloponeso. Ele teria as tas, ao contrário dos patrões, não acharam
encorajado a iniciar um negócio de traba- isso nem um pouco agradável “ (2002, p.
lhos com lã, o que acabou por ser rentável e 161, tradução minha).
pessoalmente gratificante para as mulheres. Embora os salários das mulheres ain-
Aristarco, mais tarde, veio a ser sustentado da estivessem longe de ser satisfatórios, os
financeiramente pelas mulheres que viviam valores indicados por Robbins nos levam
e trabalhavam em sua propriedade. a pensar que as oportunidades de carreira
Apesar da escala de destruição em para as mulheres estavam em aumento cons-
massa, a Primeira Guerra trouxe oportuni- tante. E, de maneira mais enfática, tinham
dades de trabalho sem precedentes para as sido lançados debates sobre o rendimento
mulheres. Em The First World War (2002), igual. Tendo conquistado possibilidades de

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emancipação e autosustento, as mulheres da das mulheres na memória cultural da Pri-
Inglaterra do pós-guerra se deleitavam com meira Guerra Mundial.
a ideia de independência.
Por fim, Higonnet enfatiza como os es-
Abstract
critos das mulheres sobre a Primeira Guerra
Mundial parecem prestar atenção especial Women’s participation in wars, either
para o corpo: “A observação intensa e de- directly or indirectly, has been the study
talhada da destruição do corpo é uma das object of war narratives since the Clas-
marcas do testemunho das mulheres sobre sical Age. This article aims to analyze
a guerra.” (1999, p. 149, tradução minha). women’s significant role to the cons-
Embora a declaração de Higonnet possa ser truction of cultural memory and how
aplicada a escritoras de guerra em geral, as women’s representations have evolved,
from myth, since Homer until the early
enfermeiras, por razões práticas, foram aque-
twentieth century, when the First War
las que mais se aproximaram dos corpos feri-
was declared, to the assumption of “si-
dos dos homens que lutaram nos campos de
lent victims” in wartime, and, finally,
batalha. Nesse sentido, as memórias de Vera to the condition of proactive members
Brittain, em Testament of Youth, excedem a of a much-dreamed society with equal
sensibilidade de suas colegas escritoras: o opportunities for everyone. This paper
contato de Brittain com a carne exposta dos addresses, more specifically, how wo-
homens fez com que ela chegasse um pouco men war narratives of the First World
mais perto de suas mentes, também. Das ad- War reflect upon the war trauma, which
verte que “Enquanto muita atenção tem sido brought equally disastrous consequen-
dada para as neuroses de guerra dos solda- ces for women, men and children and
dos, a experiência das enfermeiras pode nos how the War contributed to the reconfi-
levar a reconceitualizar noções contemporâ- guration of women’s social roles.
neas de trauma através de momentos de con-
Keywords: Women and War Studies. En-
tato com o corpo ferido.” (2006, p. 31, tradu-
glish Literature. The First World War.
ção minha). A citação sugere a proximidade
da mulher com a neurose dos homens e, de
alguma forma, destaca a importância da es- Resumem
crita feminina para uma melhor compreen-
são da dor sentida por aqueles homens que, La participación de las mujeres en las
em sua maioria, optaram por permanecer guerras, ya sea directa o indirectamente,
em silêncio sobre o seu sofrimento, devido ha sido el objeto de estudio de las nar-
a convenções sociais da primeira década do rativas de guerra desde la Edad Clásica.
Século XX. Os diários das enfermeiras, bem Este trabajo tiene como objetivo analizar
el papel importante de las mujeres a la
como a escrita feminina de guerra em geral,
construcción de la memoria cultural y
registraram não apenas os acontecimentos
cómo han evolucionado las represen-
da guerra, mas a participação importante
taciones de las mujeres, de los mitos,

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desde Homero hasta principios del siglo HOMERO. The Iliad. Trad. de Robert Fagles.
XX, cuando se declaró la Primera Guer- Londres: Penguin Books, 1996.

ra, de la condición assumida de “vícti- HOMERO. The Odyssey. Trad. de Robert Fa-
mas silenciosas” para llegar finalmente gles. Londres: Penguin Books, 1996.
a la situación de miembros proactivos LEFKOWITZ, Mary R. Women in Greek Myth.
de una sociedad igualitaria. Este estu- Londres: Duckworth, 2007.
dio aborda, más concretamente, cómo
ROBBINS, Keith. The First World War. Oxford:
las narrativas de guerra de mujeres de
Oxford University Press, 2002.
la Primera Guerra Mundial reflexionan
sobre el trauma de la guerra, lo que tra- SLATKIN, Laura M. The Power of Thetis: Allu-
sion and Interpretation in the Iliad. Berkeley:
jo consecuencias igualmente desastrosas
University of California Press, 1991.
para hombres, mujeres y niños, y cómo
la guerra ha contribuido a la reconfigura-
ción de los roles sociales de las mujeres.

Palabras clave: Estudios de Guerra y mu-


jeres. Inglés literatura. Primera Guerra
Mundial.

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1999.

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