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Marina Valladares

Fichamento nº 7

História da Música Ocidental II

Donald J. Grout Claude V. Palisca - Editora Gradiva, 1994, Lisboa

Capítulo 8 (páginas 282 – 313)

Música sacra no Renascimento tardio

A música da Reforma na Alemanha - Quando Martinho Lutero afixou as suas noventa e cinco
teses na porta da Schlosskirche, em Vitemberga, em 1517, não era sua intenção iniciar um
movimento no sentido da criação de igrejas protestantes organizadas completamente
independentes de Roma. Mesmo depois de a cisão ser irreparável, a igreja luterana conservou
boa parte da liturgia católica tradicional, a par de um considerável uso do latim nos serviços
religiosos; do mesmo modo, conservou grande parte da música católica, tanto de cantochão
como polifónica, umas vezes com o texto original latino, outras com o texto original traduzido
para alemão, ou com novos textos alemães adaptados às antigas melodias (denominadas
contrafacta).

Durante muito tempo a procura de canções adequadas à igreja luterana excedeu largamente a
oferta. O próprio Lutero escreveu textos de corais, por exemplo, o famoso Ein' feste Burg ("Uma
firme fortaleza"); não é absolutamente certo que seja Lutero o autor da melodia coral (impressa
pela primeira vez em 1529), se bem que a música lhe seja geralmente atribuída. Muitas melodias
de corais eram de composição nova, mas mais numerosas ainda foram as que se basearam, no
todo ou em parte, em canções profanas ou sacras já existentes. Assim, o hino gregoriano Veni
Redemptor gentium converteu-se em Num komm' der Heiden Heiland ("Vinde, salvador dos
gentios"); adoptaram-se canções espirituais não litúrgicas conhecidas, como, por exemplo, o hino
de Natal misto, latino-alemão, In dulci jubilo ("Em doce júbilo"), ou o cântico de Páscoa alemão
Christ lag in Todesbanden ("Cristo jazia nos laços da morte"), de que Lutero viria a fazer um
novo arranjo segundo o modelo da sequência pascal Victimae paschali laudes.
Contrafacta - Categoria particularmente importante de corais eram os contrafacta, ou "paródias"
de canções profanas, nas quais a melodia se conservava, mas o texto era substituído por uma
letra inteiramente nova, ou pelo menos alterado por forma a conferir-lhe um sentido espiritual. A
adaptação de canções profanas e composições polifónicas a fins religiosos era corrente no século
xvi, como tivemos ocasião de ver a propósito da história da missa.

Corais Polifônicos - Os compositores luteranos cedo começaram a escrever composições


polifónicas sobre os corais. Os arranjos polifónicos dos corais não se destinavam à congregação,
mas sim ao coro. Uma forma corrente de interpretação consistia em alternar estrofes do coral
cantadas pelo coro, dobrado às vezes por instrumentos, com estrofes cantadas em uníssono pela
congregação sem acompanhamento. No último terço do século verificou-se uma mudança
gradual; com uma frequÊncia cada vez maior, os corais começaram a ser publicados em estilo
cancional, ou seja, em composições inteiramente à base de acordes, semelhantes a hinos, de uma
grande simplicidade rítmica, com a melodia na voz mais aguda

O motete coral - Guiados pelo exemplo de Lasso, os compositores da Alemanha protestante


começaram a fazer aquilo que haviam feito os compositores católicos do século xv utilizar as
melodias tradicionais como material de base para a livre criação artística, dando-lhe uma
interpretação individual e acrescentando-lhe pormenores descritivos. A estas novas composições
deu-se o nome de motetes corais.

Música sacra da Reforma fora da Alemanha

As colecções de salmos - Os salmos eram originalmente cantados em uníssono e sem


acompanhamento nos serviços religiosos; para a devoção doméstica compuseram-se versões a
quatro e mais vozes, com a melodia, quer no tenor, quer no soprano, por vezes em estilo cordal
simples, por vezes em arranjos bastante elaborados, semelhantes ao motete. A pouco e pouco,
algumas das versões mais simples a quatro vozes começaram a ser também utilizadas no culto
público.

A contra reforma - Os anos que precederam e se sucederam de perto a 1560 foram decisivos
para a música católica do século xvi. A conquista e saque de Roma pelos mercenários espanhóis
e alemães ao serviço de Carlos V, em 1527, vibrara um profundo golpe no estilo de vida luxuoso
e secularizado dos prelados dessa cidade. Os partidários de uma reforma ganharam influÊncia
crescente dentro da Igreja. A reforma do Norte da Europa e a perda ou risco de perda da
Inglaterra, dos Países Baixos, da Alemanha, da -ustria, da Boémia, da Polónia e da Hungria
tornavam ainda mais urgente o trabalho da Contra-Reforma.

Palestrina - É o nome da pequena localidade próxima de Roma onde nasceu o compositor


Giovanni da Palestrina. Na sua esmagadora maioria, as obras de Palestrina são sacras: escreveu
104 missas, cerca de 250 motetes, muitas outras composições litúrgicas e cerca de 50 madrigais
espirituais com textos italianos. Os seus cento e poucos madrigais profanos são tecnicamente
perfeitos, mas conservadores no estilo; ainda assim, Palestrina veio mais tarde a confessar que
"corava e se recriminava" por ter composto sobre poemas de amor. Não há compositor anterior a
Bach cujo renome iguale o de Palestrina, nem outro cuja técnica de composição tenha sido objeto
de análise tão minuciosa.

Contemporâneos de Palestrina - Os discípulos de Palestrina na escola romana contribuíram


significativamente para que o estilo palestriniano sobrevivesse. Dentre eles, destacam-se
Giovanni Nanino, sucessor de Palestrina na Santa Maria Maior, e seu discípulo, Felice Anerio.

Victoria - Depois de Palestrina, o compositor mais ilustre da escola romana foi o espanhol
Tomás Luis de Victoria (1548-1611). As suas composições são exclusivamente sacras. Embora o
estilo se assemelhe ao de Palestrina, Victoria impregna muitas vezes a música de uma
intensidade na ex-pressão do texto que é, ao mesmo tempo, absolutamente pessoal e tipicamente
espanhola.

Orlando di Lasso - Conta-se, ao lado de Palestrina, entre os grandes composito- res de música
sacra de finais do século xvi. Todavia, enquanto Palestrina foi, acima de tudo, o mestre da missa,
a glória de Lasso reside principalmente nos seus mo- tetes. Tanto na sua carreira como nas suas
composições, Lasso foi uma das figuras mais cosmopolitas da história da música.

William Byrd - O último dos grandes compositores da igreja católica do século xvi foi William
Byrd, de Inglaterra. As obras de Byrd incluem canções polifónicas inglesas, peças de tecla e
música para a igreja anglicana; as suas melhores peças são, indubitavelmente, as missas e
motetes latinos.

A influência veneziana - A escola veneziana, em toda a parte admirada como a mais progressiva
da Itália, exerceu uma ampla influência em finais do século xvi e início do seguinte. No Norte da
Itália foram numerosos os discípulos e seguidores de Gabrieli e muitos espalharam-se também
pela Alemanha, ustria e Escandinávia. O mais famoso dos seus discípulos directos foi o alemão
Heinrich Sch_tz. Um notável arauto do estilo veneziano na Alemanha do Norte foi Hieronymus
Praetorius (1560--1629), de Hamburgo. Jacob Handl (1550-1591), eslovénio de nascimento -
conhecido também pela forma latina do seu nome, Jacobus Gallus -, trabalhou em Olmutz e
Praga; a maioria das suas obras, em particular os motetes para coro duplo, revelam uma forte
afinidade com o estilo veneziano. Os motetes de Hans Leo Hassler, discípulo alemão de
Giovanni Gabrieli, são predominantemente policorais, com uma plenitude sonora e uma riqueza
harmónica tipicamente venezianas. Na Polónia o estilo policoral foi cultivado por Mikolaj
Zielenski (f. 1615) e muitos outros.

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