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FACULDADE BATISTA DE MINAS GERAIS - FBMG

Bacharelado em Direito

JÉSSICA VIANA DE SOUZA

LICITUDE DA EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DO EXAME BETA HCG


QUANDO DA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO SEM JUSTA
CAUSA

BELO HORIZONTE

2018
JÉSSICA VIANA DE SOUZA

LICITUDE DA EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DO EXAME BETA HCG


QUANDO DA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO SEM JUSTA
CAUSA

Monografia apresentada ao curso de Direito da


Faculdade Batista de Minas Gerais, como pré-
requisito para obtenção do título de Bacharel
em Direito.

Orientadora: Profa. Me. Maria Aparecida


Vidigal Barbosa Azevedo

BELO HORIZONTE

2018
A Deus e aos meus pais.
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus, pela saúde e oportunidade de concluir


este trabalho.

Agradeço aos meus pais, a quem dedico este trabalho, por todo incentivo,
amor, cuidado e carinho; por terem me ensinado que nenhum sonho é
impossível e por demonstrar que com fé e perseverança podemos chegar a
qualquer lugar. Sei que esse sonho e nosso.

À Me. Maria Aparecida Vidigal Barbosa Azevedo, querida professora Cida, que
desde o início acreditou e apostou em meu projeto. Agradeço pela atenção,
pelos conselhos e todos os ensinamentos, não só para que esse trabalho se
concretizasse, mas ao longo de todo curso.

Aos meus irmãos por estarem sempre ao meu lado, e aos demais familiares
que de alguma forma me ajudaram.

A todo conhecimento adquirido com o auxílio dos amigos da 45.

Aos amigos da faculdade, pelas risadas, aprendizado e conselhos, muito


necessários, especialmente nos últimos meses.

E por último, mas não menos importante, aos meus avós, especialmente ao
meu avô Geraldo Maria Vianna. Obrigada por sempre me incentivar e acreditar
no meu potencial. Eu te amo até o infinito.
RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar a licitude da exigência de realização de


exame BETA HCG, popularmente conhecido como exame de gravidez, quando
da rescisão sem justa causa, seja por parte do empregador ou da obreira. É
possível vislumbrar por meio deste artigo a importância de tal discussão e, de
mesmo modo, vê-se a lacuna que sua ausência positivada traz ao respaldo
jurídico do empregador e empregada. Atualmente, as controvérsias resultantes
de litígios trabalhistas que envolvem obreira gestante e o (não) conhecimento
desta situação quando de sua dispensa sem justa causa são, majoritariamente,
definidas em sentença. Entretanto, caso empregador e empregada pudessem
ter para si o conhecimento de tal situação previamente à dispensa, o número
de casos judiciais que envolvem como questão central a retorno de obreira
gestante ou sua dispensa nessa condição, certamente seria reduzido. Ao
mesmo passo de que tal fato traria seguridade jurídica a ambas as partes, seja
no fato de se evitar disputa e débitos judiciais, seja na proteção do nascituro.
Com este pressuposto é proposto neste trabalho uma arquitetura para a
descoberta de viabilidade jurídica da exigência de exame BETA HCG a partir
de decisões existentes e do contexto laboral atual da mulher no mercado de
trabalho.

Palavras–chave: Exame de gravidez; Licitude; Dispensa sem justa causa;


Empregador; Empregada; Mulher.
ABSTRACT

This paper proposes to analyze the lawfulness of the requirement to perform


BETA HCG examination, popularly known as pregnancy examination, when
termination without just cause, either by the employer or the worker. It is
possible to glimpse by means of this article the importance of such a discussion
and, likewise, one sees the gap that its positive absence brings to the legal
support of the employer and employee. Currently, controversies resulting from
labor disputes involving pregnant workers and the (un) knowledge of this
situation when they are dismissed without just cause are mostly defined in a
sentence. However, if the employer and the employee had the knowledge of
such a situation prior to dismissal, the number of judicial cases involving the
return of pregnant workers or their dismissal in this situation would certainly be
reduced. At the same time that this fact would bring legal security to both
parties, either in the avoidance of disputes and court fees, or in the protection of
the unborn child. With this assumption, an architecture for the discovery of legal
feasibility of the BETA HCG examination requirement is proposed, based on
existing decisions and the current working context of women in the labor
market.

Keywords: Pregnancy examination; lawfulness; Exemption without just cause;


Employer; Maid; Woman.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Gênero do Reclamante, de Lara Parreira de Faria Borges, Espiando


por Trás da Persiana - Um Olhar Sobre a Discriminação Traduzida em Assédio
Moral Organizacional Contra Mulheres (LTr, 01/01/2015) 235. Impresso.........17

Gráfico 2 - Tipos de Assédio Alegados Pela Vítima, de Lara Parreira de Faria


Borges, Espiando por Trás da Persiana - Um Olhar Sobre a Discriminação
Traduzida em Assédio Moral Organizacional Contra Mulheres (LTr, 01/01/2015)
235. Impresso.....................................................................................................18

Gráfico 3 - Diferenças de salários de homens e mulheres por grau de


escolaridade, de G1, 06/03/2018.......................................................................21

Gráfico 4 - Proporção das mulheres ao longo dos últimos seis anos em cargos
de gestão, de G1, 06/03/2018............................................................................22
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART - Artigo

CF – Constituição Federal

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

OEA - Organização dos Estados Americanos

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

STF – Supremo Tribunal Federal

TST – Tribunal Superior do Trabalho

TRT – Tribunal Regional do Trabalho.


SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...............................................................................................1

2. DEFINIÇÃO DE EMPREGADO E CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO DE


EMPREGO............................................................................................................4

3. HISTÓRICO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO - UMA


ANÁLISE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA.................................5

4. DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER..........................................9

5. DISCRIMINAÇÃO........................................................................................13

5.1 Conceito........................................................................................................13

5.2 Discriminação Direta E Indireta....................................................................14

5.3 Discriminação Negativa E Positiva...............................................................15

5.4 Discriminação Da Mulher No Ambiente De Trabalho..................................16

5.5 Lei Nº 9.029/95.............................................................................................22

6. ESTABILIDADE DA OBREIRA GESTANTE (LEI Nº 12.812/2013)..........23

7. LICENÇA MATERNIDADE.........................................................................25

8. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO...........................................26

9. BETA HCG...................................................................................................28

10. ANÁLISE DA LICITUDE DE EXIGÊNCIA DO EXAME BETA HCG


QUANDO DA DISPENSA IMOTIVADA.............................................................30

11. CONCLUSÃO..............................................................................................32

REFERÊNCIAS..................................................................................................34
1

1. INTRODUÇÃO

A evolução e modificação das relações no âmbito de trabalho vem


promovendo diversas transformações na sociedade em geral. Prova maior
dessas mudanças e dos ajustes que se fazem necessárias à adaptação a
realidade fática existente no ambiente de trabalho, é a reforma trabalhista, Lei
nº 13.467 de 13 de julho de 2017, vigente desde 11 de novembro de 2017.

Contudo, evidencia-se que temas recorrentes ainda não se encontram


pacificados em nosso ordenamento jurídico. É o caso da licitude da exigência
de exame Beta HCG quando da rescisão do contrato de trabalho sem justa
causa, tema este que não foi citado com advento da reforma muito embora seja
um assunto contumaz nas varas trabalhistas brasileiras.

A Lei nº 9.029/95 que proíbe a exigência de atestados de gravidez e


esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de
permanência da relação jurídica de trabalho reza em seu art. 2, inciso I, que
constitui crime a prática discriminatória a exigência de teste, exame, perícia,
laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à
esterilização ou a estado de gravidez. Conforme se infere do dispositivo
mencionado, este em nada se refere ao momento da rescisão, restando-se
omisso quanto ao caso. Alguns autores estendem o entendimento deste
dispositivo ao momento da rescisão do contrato de trabalho, o que afronta
norma penal, vez que interpretação ampliativa é inadmitida.

Não obstante, o entendimento recente dos juízes do trabalho nas


respectivas varas trabalhista e também dos Tribunais Regionais do Trabalho
tem sido por admitir a prática de tal exigência.

A importância do estudo em tese se encontra no fato de que


atualmente é comum que as empregadas, cientes do seu estado gravídico, só
informem ao seu empregador sua situação após a extinção do contrato de
trabalho, ou seja, o empregador é surpreendido por uma ação trabalhista, cuja
causa de pedir seria uma gravidez que ao tempo da demissão era
2

desconhecida pelo mesmo, e, até mesmo em casos nos quais a extinção do


contrato de trabalho ocorre no momento de que a própria empregada
desconheça seu estado gravídico .

É sabido que nossa Carta Magna, a Constituição Federal promulgada


em 1988 assegura a todos, sem discriminação, o respeito a intimidade. A
proposta deste artigo é analisar à luz da legislação vigente e das recentes
decisões análogas, a colisão entre o poder diretivo do empregador e o dever o
do empregado de obedecer as ordens que lhes são repassadas, com exceção
daquelas de caráter ilícito, o que no presente caso poderia acarretar ilícito a
exigência de exame face ao art. 5º, inciso X da CF/88.

A pesquisa realizada neste trabalho pode ser classificada como teórica


e ou exploratória. Isto porque a pesquisa fundamenta-se na legislação vigente
acerca do tema proposto, bem em decisões proferidas pelos tribunais e,
também, na realidade fática existente frente ao tema ainda pouco abordado.

Quanto à metodologia o trabalho fez a opção pelo método qualitativo.


Esta opção se justifica porque o método escolhido permite responder aos
questionamentos por meio da análise de casos concretos, uma vez que não há
muitos estudos sobre o tema, é interessante olhar o problema a ótica da
sociedade e dos problemas atuais.

Quanto à natureza, trata-se de uma pesquisa aplicada, uma vez que o


propósito objetiva gerar conhecimentos para aplicações práticas dirigidos à
solução dos problemas específicos apresentados.

Quanto à profundidade trata-se de uma pesquisa exploratória, pois seu


foco está em uma questão pouco estudada, qual a seja a licitude da exigência
de realização do exame BETA HCG quando da rescisão do contrato de
trabalho sem justa causa.

Assim, ao final da pesquisa vislumbra-se possíveis soluções e uma


nova visão de resolução ao conflito apresentado.

Para tanto, inicialmente, foi delimitado e definido o termo empregado


bem como as características da relação de emprego. Foi realizado também
3

uma abordagem da evolução histórica e legislativa da mulher no mercado de


trabalho. Tal abordagem se faz importante como fonte de entendimento da
necessidade da inicial inserção das mulheres no mercado de trabalho e,
também, da evolução de seus direitos neste ambiente.

Em seguida, é abordado a proteção do trabalho da mulher, onde são


contrapostas normas, antes consideradas protetivas e hoje excluídas do
ordenamento jurídico a fim de se alcançar maior igualdade entre homem e
mulher, observadas as diferenças de cada um. Foram também expostas as
normas de proteção ao trabalho da mulher ainda vigentes.

No capítulo dedicado especificamente à discriminação, seu conceito foi


diluído para destacar como esta se manifesta e como se classifica. Além disso,
foi abordado o tema discriminação da mulher no ambiente de trabalho,
explanando temas como diferença salarial, assédio moral, sexual e a prática
discriminatória descrita na Lei nº 9.029/95.

Foi também definido e explanado os benefícios da estabilidade da


obreira gestante e da licença maternidade.

No capítulo concernente a rescisão do contrato de trabalho, foram


expostos os tipos de rescisão mais praticados, bem como os direitos
decorrentes de cada rescisão.

No penúltimo capítulo, faz-se a definição do exame Beta HCG e sua


utilidade prática.

Por último, a partir de todo o contexto apresentado, será abordado o


tema principal da presente pesquisa, a licitude de exigência do exame Beta
HCG quando da rescisão sem justa causa, uma análise legislativa e
jurisprudencial da possibilidade de tal ocorrência que ensejam o presente
debate.
4

2. DEFINIÇÃO DE EMPREGADO E CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO


DE EMPREGO

Para adentrar no tema proposto faz-se necessário entender o termo


‘empregado’ na relação jurídica empregatícia.

Segundo o dicionário Aurélio empregado é todo aquele que exerce funções em


estabelecimento público ou particular.

Derivada do latim implicare, que significa ligar, para De Plácido e Silva


empregado “é o vocábulo utilizado na terminologia jurídica, para indicar a
pessoa física que, unida ou ligada a outra, por se encontrar sob sua direção,
presta serviços a esta, em regra, mediante uma remuneração” 1.

No que se refere a legislação, a Consolidação das Leis do Trabalho


(CLT) traz em seu art. 3º a definição de empregado como sendo:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar


serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário.

Através do art. 3º da CLT é possível obter não só a definição de


empregado mas também as características necessárias à caracterização da
relação de emprego, quais sejam: pessoa física, pessoalidade, não
eventualidade, subordinação e onerosidade.

Dessa forma empregado é, necessariamente, pessoa física que


emprega seu esforço em prol do empregador e sujeitando-se a este, de forma
não eventual ou seja, com habitualidade e mediante pagamento em pecúnia.
Ao empregado é destinado a tutela dos artigos dispostos na CLT.

Importante destacar, porém, que não se deve confundir o termo


‘empregado’ com ‘trabalhador autônomo’. Segundo os doutrinadores José
Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho: “a diferença essencial do
empregado para o trabalhador autônomo reside na circunstância de que,
enquanto como empregado a sua energia pessoal é utilizada por outrem, que,
por isso, lhe dirige a prestação, como autônomo ele utiliza sua força de

1
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2014, p. 158.
5

trabalho sob sua própria direção, pelo tanto é possível encontra-lo laborando
para seu benefício pessoal quanto em prestação de serviços para terceiros”.

Tem-se o empregado como parte fundamental para caracterização da


relação de emprego, firmada entre este e o empregador definido como toda
pessoa física ou jurídica que utiliza de forma continuada da energia do
empregado mediante as características fundamentais narradas acima, para fins
econômicos ou não.

3. HISTÓRICO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO - UMA


ANÁLISE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA

Impossível abordar a história das mulheres no âmbito trabalhista sem,


primeiramente, abordar o histórico em um contexto social e legislativo. Para
tanto, deve-se falar primeiramente do contexto colonial. Isto porque o Brasil
Colônia deu início não apenas às bases do sistema produtivo capitalista atual,
mas também às primeiras formas de luta contra a exploração do trabalho e
opressões, sobretudo de gênero e raça.

O primeiro período das fases históricas do trabalho da mulher é o


proibitivo, esta fase começa, cronologicamente, com a implantação da
República e vai até pouco antes da promulgação da Consolidação das Leis do
Trabalho (CALIL, 2000, p. 30).

O modelo de família patriarcal no Brasil, ainda predominante nos dias


atuais, muito embora tenham surgido diversos outros tipos de estruturas
familiares (são exemplos a família matrimonial, informal, monoparental,
mosaico, etc), o modelo matrimonial pratiarcal foi trazido pela colonização
portuguesa, que estabeleceu um modelo de dominação política, ideológica e
econômica sobre as mulheres e outras minorias. Motivo este pelo qual a
vivência experimentada por mulheres negras e mulheres brancas era diferente.
Segundo Heleno Theodoro:

Desde os tempos da escravidão, as mucamas e criadas dos sobrados


eram negras e mestiças, pois tais funções eram consideradas vis e
6

inaceitáveis para a mulher branca. Escravizada, a mulher negra foi o


grande esteio da mulher branca, pois, além de levar os recados
amorosos da sinhá, ela criou nas casas-grandes condições de vida
amena, fácil, c até mesmo ociosa para as mulheres brancas.
Cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava de joelhos o chão das
salas e quartos, cuidava dos filhos e satisfazia as exigências do
senhor. (...). Assim, contribuía de fornia eficaz para o
desenvolvimento das famílias brancas e da economia do país2

Neste sentido, ao analisarmos a história do Brasil colonial é possível


observar que ao final do século XX, já haviam movimentos de mulheres no
intuito de reivindicar um maior espaço no âmbito público, o que se tornou mais
intenso com a então recente abolição da escravatura, já haviam mulheres
negras no trabalho informal.

Pelo exposto e ao analisarmos o contexto histórico da época, é


possível afirmar que aos primeiros sinais do labor entre mulheres em nossa
sociedade, destacam-se dois cenários distintos para as mulheres brancas e
para as mulheres negras: o perfil da mulher branca era baseado em sua origem
europeia e sua religião católica, que pregava o confinamento da mulher no lar e
sua total submissão e dependência ao pai e, depois do casamento, ao marido.
Já a mulher negra era a escrava, mucama, vista (erroneamente) como “mulher
de rua, já que estas não possuíam um chefe de família a quem se submeter.
Como consequência deste tratamento e contexto social experimentado pelas
mulheres negras da época, estas garantiam, por si próprias, seu próprio
sustento por meio do trabalho realizado na casa de terceiros, tomando conta
dos filhos de seus patrões e dos demais afazeres domésticos.

A mão-de-obra indígena feminina também foi utilizada, mesmo que de


forma bem reduzida se comparada a das negras, tendo em vista que era
proibida a escravização dos nativos por Portugal.

A situação acima exposta, perdurou ao longo de boa parte do século


XX, já que a Constituição de 1824, vigente a época, excluía a mulher de
diversos direitos, como exemplo clássico, ao voto. O fato de grande parte da
população feminina da época ser analfabeta também contribuiu com a situação
dos subempregos, fazendo com que só restassem os trabalhos domésticos e
manuais/artesanais.
2
THEODORO, Helena. Mulher Negra, cultura e identidade. In: Guerreiras de Natureza: Mulher
Negra, Religiosidade e Ambiente. São Paulo: Selo Negro, 2008.
7

Conforme Calil (2000, p. 21) foi neste período que a história legislativa
do Direito do Trabalho no Brasil teve maior destaque com a promulgação das
Leis do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de escravos nascidos a
partir de 28 de setembro de 1871; do Sexagenário, que dava, em 1885,
liberdade aos maiores de sessenta e cinco anos; e Áurea, Lei nº 3.353, de 13
de maio de 1888, que declarou extinta a escravidão no Brasil.

Segundo muitos estudiosos, o Direito do Trabalho teve seu marco


inicial com a programação da Lei Aurea muito embora tal norma não tenha tido,
obviamente, qualquer cunho justrabalhista. Ainda assim, a referida Lei cumpriu
papel relevante na reunião dos pressupostos à configuração desse novo ramo
jurídico especializado.

Assim, com o fim da escravidão, várias vagas de trabalho foram,


forçadamente, criadas especialmente na agricultura, onde grande as forças de
trabalho até então utilizadas eram a dos escravos.

Com a proclamação da República promovida pela elite em 1889, classe


dominada por um pensamento liberal, a industrialização brasileira seguiu a
ideia de um Estado mínimo, onde ao Estado caberia atuar apenas nas funções
que lhes são próprias, não intervindo na vida íntima dos seus cidadãos. Calil
(2000, p. 23) esclarece que, qualquer lei de cunho protecionista ao trabalho
seria uma ingerência indesejável do Estado no princípio maior que era a
absoluta liberdade do homem.

Com isso, os trabalhadores se encontravam a margem de qualquer


legislação protetiva, o que possibilitou aos empregadores ditarem as regras da
relação de trabalho. Foram incontáveis situações degradantes as quais os
trabalhadores foram compelidos a aceitarem, como salários baixíssimos e
jornadas de trabalho sobre-humanas.

Com a revolução industrial, que gerou crescente desnecessidade de


emprego de força física e mão de obra bruta culminou com a consequente
contratação de mão de obra feminina e dos menores de idade, o que foi
bastante vantajoso para os empregadores, uma vez que estas mulheres e os
8

menores eram considerados "meia força", podiam ser remunerados com


valores bem menores aos pagos aos homens maiores de idade.

A segunda fase, denominada protetora, teve início com a promulgação


do Decreto nº 5.452 de 1º de Maio de 1943, que deu origem a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT).

Grande parte da população feminina (neste ponto importante ressaltar


não se tratar só da população feminina brasileira, mas mundial) se viu diante
das crises ocasionadas pela guerra como a morte e retirada de seus maridos a
serviço, a saírem de seus lares a fim de complementar a renda destes. Tal
situação ocorreu principalmente entre as famílias de classe média, com
principal intuito de manter o padrão de vida.

Frente ao aumento da mão de obra feminina e das crescentes


reivindicações da classe, muitas normas foram criadas para regulamentar o
trabalho feminino. Normas estas de cunho protecionistas em relação a sua
saúde física, mental e até mesmo moral.

Tem-se então o início da fase promocional, que perdura até os dias


atuais, e teve seu início com a promulgação da Constituição da República de
1988.

Um dos maiores ganhos desta lei pode ser definido através do art. 5º,
que preconiza:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição;
(...)

A partir deste período houve ainda que tímida, uma crescente e


significativa equiparação legislativa entre homens e mulheres. Na prática,
existem diversas políticas, campanhas e movimentos para que essa
discriminação seja extinta. Todavia, tem sido um movimento lento, tendo em
vista que não são necessárias apenas mudanças legislativas pois a cultura de
9

um povo pode, muitas vezes, ser o grande responsável pela estagnação de


sua evolução, o que é facilmente percebido na sociedade atual.

E isto tem sido um dos maiores obstáculos para a promoção do trabalho


da mulher. A carga e peso discriminatório dirigido a mulher no ambiente de
trabalho desde período proibitivo, com a implantação da República, mostra
ainda hoje fortes reflexos e raízes do modelo de família patriarcal, o que gera
diversos tipos de discriminação voltados ao público feminino presente nos
postos de trabalho.

4. DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER

A CLT promulgada em 1943, em seu capítulo III estabelece normas


especiais de proteção ao trabalho da mulher, o capítulo – de mesmo nome
deste – do art. 372 ao art. 401 estão dispostas diferentes garantias às
mulheres, que tem o escopo de promover sua inserção no mercado de
trabalho, protegendo-as de eventuais discriminações, bem como para lhes
conferir condições especiais considerando suas características próprias,
especialmente no que concerne à maternidade.
Estas normas dispõem sobre as proibições referentes aos anúncios de
emprego, que não podem conter referência ao sexo, à idade, à cor ou situação
familiar, exceto quando a natureza da atividade, pública ou notoriamente o
exigir.
Estes mesmos critérios não podem ser considerados para fins de
remuneração, formação profissional e possibilidades de ascensão profissional,
nem para recusa de emprego ou dispensa. Também não constitui motivo de
dispensa, o estado de gravidez ou a solicitação de atestados ou exames para
comprovar esterilidade ou gravidez, quer na admissão ou permanência no
emprego. Importante frisar que também são proibidas as revistas íntimas.
Uma das maiores e mais importantes conquistas relacionadas ao
trabalho da mulher foi a proteção à maternidade. Assim, devem permanecer
como disposição específica à natureza da mulher a condição da maternidade,
10

se fazendo necessária a suspensão do trabalho nesse período. Contudo, as


normas que tratam da proteção à trabalhadora quanto à maternidade devem
ser compreendidas como um fato social, da mesma forma que se trata o
período de afastamento para serviço militar para o homem.
Sobre esse aspecto afirma Maria do Perpétuo S. W. de Castro: “sob
esse angulo particular, a maternidade surge como fato biológico e social
determinante de um tratamento especial, porque há diferenciação das
situações do homem e da mulher, nesse evento. É evidente que a Constituição
não inviabiliza tratamento diferenciado à mulher enquanto mãe. A maternidade
recebe normatização especial e privilegiada pela Carta de 1988, autorizando
condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem – e mesmo à
mulher que não esteja vivenciando a situação de gestação e recente parto”. 3
Visando a aplicação isonômica, a CLT permite, ainda, a "adoção de
medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade
entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as
distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as
condições gerais de trabalho da mulher" (parágrafo único do artigo 373‐A).
Infelizmente, embora amplamente divulgados e combatidos pelos
respectivos TRT’s, parte dos empregadores ignora ou até mesmo
intencionalmente descumprem as referidas garantias, sob a alegação de não
ter sido tal artigo recepcionado pela CF/88, por afronta ao princípio da
isonomia, o que é usado apenas como escusa para o devido cumprimento da
lei.
Conforme anteriormente narrado, a legislação sofreu modificações com
a finalidade de aproximar homens e mulheres em igualdade. Neste momento
será analisada a legislação trabalhista vigente a fim de identificar os avanços
do direito das mulheres em seus postos de trabalho em comparação a redação
anteriormente aplicada aos dispositivos.

3
CASTRO, Maria do Perpetuo S. W. de. A Concretização da Proteção da Maternidade no
Direito do Trabalho. Revista LTr. Ano 69, n. 8. São Paulo: LTr, 2005, p.945.
11

a) Trabalho noturno

A antiga redação do art. 379 vedava às mulheres exercer trabalho em


período noturno, tal dispositivo foi revogado por meio da Lei. 7.855/89, o que
representou um enorme avanço em termos de igualdade para mulher no
mercado de trabalho. Hoje, o art. 381 dispõe que o trabalho noturno da mulher
terá valor superior ao diurno em no mínimo 20% e que a hora é equivalente a
52 (cinquenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos.

b) Trabalho Perigoso e Insalubre

No que concerne ao trabalho perigoso e insalubre, o art. 387 da CLT


vedava às mulheres o exercício deste tipo de labor. Tal redação persistiu até o
ano de 1989, quando foi revogada pela Lei de nº 7.855/89, o que representou
um grande passo para a igualdade entre o empregado homem e a empregada
mulher. Já o art. 390 e seu parágrafo, que permanecem inalterados, único
prevê restrições no trabalho da mulher que envolva carregar pesos, haja vista
haverem estudos que comprovam que a força muscular da mulher é inferior ao
do homem. Ao empregador, é importante de atentar ao disposto no art. 390 e
parágrafo único para não recair no disposto no art. 483, a, da CLT que prevê:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e


pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por


lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

(...)

c) Jornada de Trabalho

Os arts. 374 e 375, existentes quando da primeira redação da CLT


determinavam que para a prorrogação da jornada laboral da mulher limitavam-
se a duas hipóteses: o de regime de compensação ou, em caso de força
maior, desde que houvesse autorização prevista em atestado médico. Estas
horas eram limitadas ao máximo de 02 (duas) horas, com adicional mínimo de
20% sobre o valor da hora, nos casos de força maior, conforme antiga redação
do art.376, a jornada poderia se estender a 12 (doze) horas e o adicional
deveria ser de 25%.
12

Atualmente, aplica-se as mulheres a jornada normal de trabalho


prevista no art. 7º, inciso XIII da CF que consiste na jornada de 8 (oito) horas
diárias ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais.

Importante mencionar a revogação do art. 384 trazida pela reforma


trabalhista de 2017. Este dispositivo dispunha que, em caso de prorrogação de
jornada, deveria obrigatoriamente ser concedido descanso de no mínimo 15
(quinze) minutos antes do período extraordinário de trabalho. Tal dispositivo
era alvo de grandes críticas e controvérsias acerca do tratamento igualitário
buscado na relação empregatícia entre homes e mulheres. Quando de sua
vigência, Sérgio Pinto Martins, desembargador do TRT 2ª Região, declarou que
o preceito conflita com o princípio da igualdade entre homens e mulheres, já
que não havia previsão deste descanso para homens. Para o autor, a mulher
estaria sujeita a discriminação pois “o empregador pode preferir a contratação
de homem em vez de mulheres para o caso de prorrogação do horário normal,
pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada
de trabalho da mulher”4.

d) Normas Voltadas a Família

A CLT prevê em seu art. 389, §1º, que estabelecimentos nos quais
laborem no mínimo 30 (trinta) mulheres com idades superiores a 16
(dezesseis) anos, deverá haver local apropriado para que as crianças sejam
guardadas sobre vigilância e assistência durante o período em que estiverem
sendo amamentadas. O art. 400 determina que estes locais deverão possuir,
no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e
uma instalação sanitária. Tal exigência pode ser suprida por meio de creches
distritais, conforme disposto no §2º do art. 389.

O que se percebe dos dispositivos expostos acima, é que a tutela do


empregador para com local apropriado para o(s) filho(s) das obreiras restringe-
se apenas ao momento da amamentação. Fora este período, esta assistência é
dever do Estado, conforme Lei nº 9.394/96.

4
MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. São Paulo: Atlas, 2003, p. 305
13

5. DISCRIMINAÇÃO

5.1 Conceito

Etimologicamente a palavra discriminação é associada ao ato de


distinguir. Juridicamente, De Plácido e Silva ensina que o termo é utilizado para
indicar “toda sorte de separação que se possa fazer entre várias coisas”5.

Diante da diversidade cultural, biológica, social, etária, sexual, entre


tantas outras, é esperado e natural que as pessoas sejam diferentes entre si,
todavia, quando essa diferenciação se baseia em critérios injustificados, passa-
se a discriminação.

A Convenção nº 111 Organização Internacional do Trabalho define de


forma ampla a discriminação em seu art. 1º:

1. Para fins da presente convenção, o termo "discriminação"


compreende:
a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor,
sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social,
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades
ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por
efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento
em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada
pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações
representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas
existam, e outros organismos adequados.
2. As distinção (sic), exclusões ou preferências fundadas em
qualificações exigidas para um determinado emprego não são
consideradas como discriminação.
3. Para os fins da presente convenção as palavras "emprego" e
"profissão" incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e
às diferentes profissões, bem como as condições de emprego.

Para Maurício Godinho Delgado6 a discriminação pode ser conceituada


como a "conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente
5
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2014, p. 86.
6
DELGADO, Maurício Godinho. Proteções Contra a Discriminação na Relação de Emprego. In:
VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coords.). Discriminação. São Paulo:
LTr, 2000, p.97.
14

desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a


situação concreta por ela vivenciada".

Ultrapassados os conceitos etimológico, jurídico e jurídico trabalhista


do termo ‘discriminação’, passa-se a definir conceitos úteis para melhor
entendimento de como se concretiza a prática discriminatória.

5.2 Discriminação Direta E Indireta

Muitos estudiosos distinguem a discriminação como direta ou indireta.


A primeira é de fácil identificação e consiste em tratamento desigual com base
em critérios arbitrários, injustificáveis e, muitas das vezes, ilegais. Como por
exemplo o empregador deixar abertamente de contratar pessoa homossexual
apenas em razão da opção sexual. Já a segunda é de difícil identificação por
se tratar de um preconceito ou predileção ‘velada’, uma vez que formalmente
aparenta posicionamento neutro, contudo consiste em desigualdade material
direcionado a certo grupo com característica comum, como por exemplo o
termo utilizado em muitas entrevistas e anúncios empregatícios de “boa
aparência”.

Segundo a Desembargadora Alice Monteiro de Barros a discriminação


direta e indireta:

A primeira pressupõe um tratamento desigual fundado em razões


proibidas, enquanto a discriminação indireta traduz um tratamento
formalmente igual, mas que produzirá efeito diverso sobre
determinados grupos7.

Um dos maiores exemplos da dinâmica da discriminação voltada as


práticas trabalhistas, se encontra na responsabilização do Estado Brasileiro no
Relatório nº. 66/06 da Organização dos Estados Americanos (OEA), que expôs
conteúdo da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por
omissão no caso da trabalhadora doméstica Simone Diniz. Simone buscava
emprego no caderno de classificados da Folha de São Paulo em março de

7
BARROS, Alice. Monteiro de. Discriminação no emprego por motivo de sexo, p. 41.
15

1997 ao ver anúncio para empregada doméstica preferencialmente branca. Ao


se identificar como negra, a candidata foi preterida. A denúncia foi levada à
Delegacia de Crimes Raciais e, em seguida, arquivada pelo Judiciário paulista.
Além de recomendar a reparação da vítima, a OEA pressiona uma reforma das
atuais leis antirracistas e propõe a ampliação do conceito de discriminação
racial, visto que a lei nº. 7.716/89 sanciona apenas a discriminação explícita,
mas não sua forma velada.

5.3 Discriminação Negativa E Positiva

Outro modo de se conceituar a discriminação está na sua distinção


negativa e positiva. Em suma, Marco Túlio Viana 8 afirma que estas podem ser
descritas como dois modos de discriminar: ferindo regras e com as próprias
regras.

Dessa forma, entende-se como discriminação positiva aquela que


regula positivamente o sistema de forma a amenizar as diferenças existentes
em determinado grupo, na prática, pode ser dita como a máxima “tratar os
desiguais na medida de sua desigualdade”.

Podem ser tidos como exemplos de discriminação positiva: criação de


benefícios e incentivos fiscais para as pequenas empresas como forma de
garantir a sobrevivência dessas no mercado, a Lei nº. 8.213/91, que prevê, no
artigo 93, que empresas com mais de 100 empregados devem destinar 2 a 5%
das vagas para pessoas com deficiência, etc.

Já a discriminação negativa, ao contrário da positiva, prejudica o


cidadão ou determinado grupo de cidadãos justamente por se tratar de ação
injusta, infundada e muitas das vezes, ilegal. Ela não se baseia em medidas de
eliminação ou amenização das desigualdades sociais e econômicas e está em
divergência com os princípios e objetivos da CF.

5.4 Discriminação Da Mulher No Ambiente De Trabalho

8
VIANA, Márcio Túlio. Os dois modos de discriminar e o futuro do Direito do Trabalho, p. 321-
323
16

É de amplo conhecimento que o ambiente laboral é um dos locais onde


os trabalhadores mais passam tempo. Deste modo é imprescindível que além
de um ambiente organizado, seguro e higiênico, o empregado encontre em seu
ambiente de trabalho um clima de convívio harmonioso.

Conforme anteriormente narrado, o século XX foi um marco na


inserção das mulheres no mercado de trabalho, que enfrentaram e ainda
enfrentam enorme resistência por ocuparem cargos anteriormente exercido
predominantemente por homens.

A partir deste ponto e todo exposto, tem-se que o grande vetor da


discriminação da mulher no ambiente de trabalho encontra-se justamente no
fato do assédio moral sofrido pelo simples fato da sua condição de mulher.

A autora Lara Parreira de Faria Borges em sua obre intitulada


“Espiando por Trás da Persiana - Um Olhar Sobre a Discriminação Traduzida
em Assédio Moral Organizacional Contra Mulheres” lançado no ano de 2015,
realizou um levantamento e análise de Recursos que chegam a julgamento no
TST, que possuíam em suas ementas expressões como “assédio moral” e
“doença”. Os resultados foram compilados em gráficos, que trazem os
seguintes dados:
17

Gráfico 1 - Gênero do Reclamante, de Lara Parreira de Faria Borges, Espiando por Trás da
Persiana - Um Olhar Sobre a Discriminação Traduzida em Assédio Moral Organizacional
Contra Mulheres (LTr, 01/01/2015) 235. Impresso.

O gráfico acima relaciona o gênero do reclamante face aos 90


acórdãos de assunto assédio moral analisados pela autora. Vê-se que
mulheres ajuízam maior número de ações que retratam sobre assédio moral e
atingem grau de recurso. Além disso, foi levantando, dentro destes processos o
tipo de assédio sofrido pelas mulheres, que levou ao seguinte resultado:
18

Gráfico 2 - Tipos de Assédio Alegados Pela Vítima, de Lara Parreira de Faria Borges, Espiando
por Trás da Persiana - Um Olhar Sobre a Discriminação Traduzida em Assédio Moral
Organizacional Contra Mulheres (LTr, 01/01/2015) 235. Impresso.

Como é possível observar, estão listados entre os assédios alegados


humilhações, perseguições, ameaças, tortura psicológica, ofensas, agressões
verbais isolamento, dentre tantos outros apenas nos 90 casos levantados no
ano de 2015. É alarmante pensar que isso se mantém e não se restringe
apenas ao assédio moral. Há também casos de assédio sexual impostos as
mulheres nos seus postos de trabalho. A realidade é que o mercado de
trabalho ainda é um ambiente cruel e hostil para a mulher. Não é incomum se
deparar com vagas que determinem uma predileção de gênero, mesmo
havendo mulheres aptas à oferta, se deparar com entrevistas nas quais a
mulher é desqualificada por ter filhos e, ainda, percebe-se que, mesmo sendo a
maioria da população, a mulher não consegue ser maioria em cargos de
gerência.
19

Os Tribunais têm decidido no sentido de coibir tais ações, como se vê


no julgado:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. ASSÉDIO MORAL


COMPROVADO. COMPORTAMENTO MISÓGINO. AGRESSÕES
VERBAIS. VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. É dever do
Estado Brasileiro efetivar adequadamente os direitos das mulheres,
protegendo-as contra todos atos de discriminação, em especial
contra os que ocorrem quando são coisificadas e xingadas no local
de trabalho. Devem as autoridades públicas e judiciárias atuarem
para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer
pessoa, organização ou empresa, conforme compromisso assumido
pelo país com a internacionalização da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 84.460.
Comprovada a prática de ofensas reiteradas às mulheres em geral e
às mulheres grávidas, em particular, correta a sentença que
reconheceu a ocorrência de dano moral e estabeleceu o dever de
reparação, com a condenação da reclamada ao pagamento de
indenização em quantia que pode ser até considerada módica diante
da gravidade da conduta e da discriminação perpetrada. Recurso
patronal conhecido e desprovido. (TRT-1 – RO: 0010114-
28.2015.5.01.0031 RJ, Relator: SAYONARA GRILLO COUTINHO
LEONARDO DA SILVA, 7ª Turma, Data da Publicação: 13/03/2017)

Esse é um quadro sério e que precisa ser debatido e de ações


afirmativas a fim de se combater tais ilicitudes, pois conforme será
demonstrado isso não ocorre por incapacidade ou não qualificação da mulher
ao mercado de trabalho, mas sim por discriminação do meio por uma
sociedade patriarcal e machista.

As mulheres, via de regra, tem de conciliar dupla jornada de trabalho,


quais sejam a doméstica ao cuidarem de seus filhos e da casa e a ocorrida em
seus postos externos de trabalho. Para Ricardo Antunes (apud GOSDAL, Op.
Cit. p. 79):

A mulher trabalhadora, em geral, realiza sua atividade de trabalho


duplamente, dentro e fora de casa, ou, se quisermos, dentro e fora da
fábrica. E, ao fazê-lo, além da duplicidade do ato do trabalho, ela é
duplamente explorada pelo capital: desde logo por exercer, no espaço
público, seu trabalho produtivo no âmbito fabril. Mas, no universo da
vida privada, ela consome horas decisivas no trabalho doméstico,
com o que possibilita (mesmo ao capital) a sua reprodução, nessa
esfera do trabalho não-diretamente mercantil, em que se criam as
condições indispensáveis para a reprodução da força de trabalho de
seus maridos, filhos/as e de si própria.

O que demonstra mais um dos entraves encontrados pelas mulheres


ao longo de sua carreira profissional. Estudos mostram que após os 30 anos
20

verifica-se, muitas vezes, uma pausa no quesito contribuição previdenciária das


mulheres, seguido por um aumento na busca de emprego por mulheres desta
faixa etária. Tal fenômeno pode ser explicado pela ‘interrupção’ dada pelas
mulheres às suas carreiras para que possam ter filhos.

Marta Ibanez Pacual (apud GOSDAL, Op. Cit., p. 168/169) esclarece


que o estado civil e a presença de filhos são fatores apontados como tendo
influência diversa segundo o gênero, principalmente a presença de filhos que
interfere na inserção laboral da mulher, pela responsabilidade familiar feminina
acima narrada ser maior do que a dos homens.

Para os homens, a presença de família e filhos é considerada


positivamente, por ser apontado como mais maduro, mais responsável e
compromissado com o trabalho. Já para mulheres a presença de filhos é
colocada como empecilho da sua responsabilidade e comprometimento com
trabalhos externos.

Não bastasse a discriminação em termos filho/família, ainda que


prática proibida, mulheres recebem comprovadamente salário inferior ao dos
homens ainda que exercendo mesmo cargo e funções.

Em reportagem realizada pelo site G1 que traz dados de pesquisa


realizada neste ano de 2018 pelo site de empregos Catho que contou com a
colaboração de 8 (oito) mil profissionais, mostrou que as mulheres ganham
menos que os homens em todos os cargos, áreas de atuação e níveis de
escolaridade pesquisados, com diferenças salariais chegando a quase 44%
(quarenta e quatro por cento)!

Nesta pesquisa também foram elaborados diversos gráficos que


mostram números alarmantes.
21

Gráfico 3 - Diferenças de salários de homens e mulheres por grau de escolaridade, de G1, 06/03/2018

Percebe-se que quanto mais alto o nível de escolaridade maior a


desigualdade salarial enfrentada pelas mulheres, a pesquisa aponta que o
quadro é o mesmo para cargos superiores, e ainda, que esse quadro pouco se
alterou nos últimos anos, conforme se vê:
22

Gráfico 4 - Proporção das mulheres ao longo dos últimos seis anos em cargos de gestão, de
G1, 06/03/2018

A realidade é que o Estado Brasileiro está longe da equiparação


salarial, em especial quando percebemos que as mulheres ainda ganham
menos que os homens em praticamente todas as áreas de atuação.

5.5 Lei Nº 9.029/95

Em se tratando de discriminação, impossível não adentrar à Lei nº


9.029/95 para adentrar ao tema principal deste artigo. A referida lei proíbe a
exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas
23

discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação


jurídica de trabalho, e dá outras providências.

Especificamente em relação à trabalhadora e ao tema retratado, o


artigo 2º do referido comando legal expõe:

Art. 2º. Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:


I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração
ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado
de gravidez;
(…)
Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

Importante ressaltar que a lei nº 9.029/95 delimita taxativamente as


hipóteses em que a exigência do exame de gravidez configura crime, quais
sejam, somente para efeitos admissionais e de permanência no emprego é que
o ato de exigir exame médico para confirmação de gravidez caracteriza ato
discriminatório.

O simples ato de solicitar que a funcionária realize o exame não imputa


ao empregador a prática do ilícito supracitado. Quando o empregador solicita a
realização do exame, entende-se que a empregada tem a faculdade de atender
ou não sua solicitação. Uma vez que a lei fala apenas em exigir, que significa
ordenar, entende-se que não foi dado o direito de escolha a empregada.

6. ESTABILIDADE DA OBREIRA GESTANTE (LEI Nº 12.812/2013)

O art. 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) assegura a mulher grávida o emprego desde a
confirmação de seu estado gravídico, até 05 (cinco) meses após o parto, sendo
vedada, via de consequência, sua dispensa arbitrária ou sem justa causa. Isso
significa que, caso a empregada gestante seja demitida, a ela é assegurada a
reintegração no emprego.

Contudo, de acordo com inciso II da súmula 244 do TST, aludida


reintegração ocorrerá apenas se o requerimento para tanto se der durante o
24

período da estabilidade, caso contrário, a garantia restringe-se aos salários e


demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

Lado outro, caso demissão da empregada ocorra por motivo


discriminatório relacionado a seu estado gravídico caberá a esta, conforme
artigo 4º da lei nº 9.029/95, escolher entre a sua readmissão ao serviço com o
ressarcimento integral de todo o período de afastamento, corrigido
monetariamente, ou a percepção em dobro da sua remuneração durante o
período de afastamento, também corrigida monetariamente e acrescida dos
juros legais.

Por oportuno, segue parte de decisão proferida nos autos do processo


0000594-71.2014.5.03.0080, que tramitou perante a Vara do Trabalho de
Patrocínio, que defere a reclamante a percepção da sua remuneração em
dobro durante o período de afastamento, que ocorreu por motivo
discriminatório ligado ao seu estado gravídico:

Estabilidade em dobro
A reclamante foi vítima de dispensa discriminatória, devido à sua
condição de gestante, incidindo na hipótese as disposições da
Lei 9.029/95, que determina:
Art. 4º. O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório,
nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral,
faculta ao empregado optar entre: (Redação dada pela Lei nº 12.288,
de 2010)
I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de
afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas,
corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;
II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de
afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Com fundamento no art. 4º., II, da Lei 9.029/95, a reclamante optou
por receber a indenização em dobro do período da estabilidade no
emprego.
O despedimento foi fixado acima em 07.10.13, sendo certo que a
estabilidade-gestante terminou em 18.12.13.
Destarte, em conformidade com o pedido deduzido na inicial, e
por força do art. 4º., II, da Lei 9.029/95, procede a indenização em
dobro dos salários e vantagens (3/12 de 13º. Salário, 2/12 de férias +
1/3, bem como FGTS+40% sobre os salários e 13º. Salário) do
restante do período de estabilidade no emprego (08.10.13 a
18.12.13).
25

Cabe ressaltar que por força do disposto no inciso III da súmula 244 do
TST, a estabilidade estende-se até mesmo a empregada admitida mediante
contrato por tempo determinado.

No que concerne ao momento da confirmação da gravidez, existem


duas correntes distintas, objetiva e subjetiva, para a primeira, a confirmação se
concretiza no momento em que a empregada tem ciência da sua condição de
grávida, já para última a confirmação da gravidez se dá no momento em que a
empregada comprova seu estado gravídico, mediante atestado médico, ao seu
empregador.

Pelo disposto do inciso I da súmula 244 do TST que assevera que o


desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao
pagamento da indenização decorrente da estabilidade, vê-se que é adotada a
corrente subjetiva.

7. LICENÇA MATERNIDADE

A licença maternidade consiste em benefício dado à gestante e direito


assegurado na CF (em seu art. 7º, inciso XVIII) à todas as mulheres que
possuam vínculo trabalhista com contribuição à Previdência Social (INSS), pelo
prazo de 120 dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e
a data de ocorrência deste.

O benefício também é concedido para quem adotou uma criança ou


obteve uma guarda judicial, observadas as particularidades atinentes a
questão.

Acompanhado esse benefício se encontra o salário maternidade,


benefício de cunho pecuniário que é pago as mulheres que trabalham
formalmente com carteira assinada no importe do valor de seu salário. No caso
dessa remuneração ser variada, ou seja, caso a mulher receba comissão, esta
receberá uma média dos últimos seis meses.
26

Já para as mulheres que se encontram desempregadas, possuem


emprego informal ou são empreendedoras, o salário-maternidade será no valor
da soma dos 12 últimos salários relativos aos quais foram feitas as
contribuições, dividido por 12.

8. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

A rescisão de contrato de trabalho é a formalização do fim do vínculo


empregatício, ou seja, a rescisão aponta o término da relação de trabalho por
vontade do empregado ou do empregador.

Os tipos praticados são:

a) Dispensa sem justa causa: ocorre quando o empregador não tem mais
interesse na prestação de serviços do empregado. A empresa precisa
comunicar previamente sobre a decisão. Nesse caso, o empregado terá direito
ao aviso prévio, férias vencidas acrescidas de 1/3, férias proporcionais, 13º
salário proporcional, saldo de salário, multa de 40% sobre o FGTS (penalidade
para a dispensa imotivada). Além disso o empregado terá direito de sacar os
depósitos do FGTS. O empregador deve emitir os documentos necessários
para que o trabalhador possa se habilitar ao recebimento do seguro
desemprego.

b) Pedido de demissão: Ocorre quando o empregado quer deixar o emprego,


por ser declaração de vontade do trabalhador independe de aval do
empregador. Nesse caso, o trabalhador perde o direito ao aviso prévio (salvo
se trabalhado), a indenização de 40% sobre os depósitos no FGTS e ao seu
direito de sacá-lo. Também não lhe são entregues as guias para saque do
seguro desemprego.

c) Dispensa por justa causa causada pelo empregado: ocorre quando o


empregado comete faltas graves, como as previstas no art. 482 da CLT:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de


trabalho pelo empregador:
27

a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para
a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não
tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra
qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo
em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas
contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de
legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o
exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do
empregado.
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de
empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito
administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

Nesse caso, o empregado receberá apenas o saldo de salário e os períodos de


férias vencidas.

d) Dispensa por justo motivo causada pelo empregador (rescisão indireta):


ocorre quando o empregador ou seus prepostos cometem atos culposos que
constam do art. 483 da CLT:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e


pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei,


contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos


com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;


28

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de


sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo


em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou


tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou


rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais,
incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa


individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho

§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear


a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas
indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do
processo. 

Nesse caso, o empregado tem direito às mesmas verbas trabalhistas devidas


no caso de dispensa sem justo motivo.

e) Rescisão por culpa recíproca: quando ambas as partes (empregador e


empregado) cometem, ao mesmo tempo, faltas que constituem justo motivo
para a rescisão, ou seja, descumprem algum dever ou alguma obrigação legal
ou contratual que lhe são inerentes. Nesse caso, há justo motivo de ambas as
partes e somente a Justiça do Trabalho pode declarar a rescisão do contrato
de trabalho por culpa recíproca. Algumas verbas rescisórias são devidas
apenas pela metade, sendo elas: multa do FGTS, aviso prévio indenizado, 13°
salário proporcional e férias proporcionais acrescidas de 1/3.

Esses tipos de rescisões podem ser divididos em dois grandes blocos:


a demissão com justa causa e a sem justa causa.

9. BETA HCG

HCG é a sigla utilizada para representar o hormônio gonadotrofina


coriônica, que só é produzido quando a mulher está grávida ou possui alguma
alteração hormonal grave.
29

O exame Beta HCG é usado no diagnóstico e acompanhamento da


gestação normal, gravidez ectópica e de tumores germinativos (ovarianos e
testiculares). É dosado na urina (exame qualitativo, apenas diz se é positivo ou
negativo) ou sangue (exame quantitativo, com os valores exatos).

Segundo o médico ginecologista Dr. Marcelo Scarpari Dutra Rodrigues,


trata-se de exame bastante específico, capaz de reconhecer a presença da
gonadotrofina coriônica já após o sexto dia de concepção.

De acordo com art. 2º da Lei nº 9029/95, em especial seu inciso I:

Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:


I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado,
declaração ou qualquer outro procedimento relativo à
esterilização ou a estado de gravidez;
II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que
configurem;
a) indução ou instigamento à esterilização genética;
b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o
oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento
familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas,
submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Pena: detenção de um a dois anos e multa.
Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este
artigo:
I - a pessoa física empregadora;
II - o representante legal do empregador, como definido na legislação
trabalhista;
III - o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e
entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.

O exame Beta HCG se enquadra ao disposto no inciso I uma vez que


se trata de teste/exame que possui o escopo de atestar estado gravídico,
contudo, ressalta-se que art. 373-A, inciso IV da CLT dispõe que:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as


distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e
certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é
vedado:
(...)
30

IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para


comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou
permanência no emprego;
(...)

Conforme se infere do dispositivo mencionado, este em nada se refere


ao momento do término de contrato, ou rescisão, restando-se omisso quanto
ao caso.

10. ANÁLISE DA LICITUDE DE EXIGÊNCIA DO EXAME BETA HCG


QUANDO DA DISPENSA IMOTIVADA

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que não há que se falar em


discriminação ou mesmo em invasão de privacidade no que concerne ao
resultado do exame Beta HCG, tendo em vista que o resultado do exame deve
ser sigiloso, só cabendo o seu conhecimento as partes interessadas, qual seja,
empregador e empregada.

De acordo com o autor Júlio F. Mirabete (2007, p. 84) tipicidade e


antijuricidade são características do crime. Pela tipicidade, tem-se um
comportamento humano, positivo ou negativo (ação ou omissão), que provoca
um resultado previsto em lei. Já a antijuridicidade é a relação de contrariedade
entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico.

As circunstâncias elementares do delito são identificadas pelos verbos


que descrevem a conduta típica. No caso em comento, se trata do verbo exigir.

Conforme narrado no capítulo anterior, a Lei nº 9.029/95 bem como a


CLT tratam como crime o ato de exigir exame de gravidez para fins
admissionais ou de permanência na relação de trabalho.

Sendo assim, simples pedido não configura ilícito penal, fazendo-se


necessário a exigência da realização do exame. O verbo exigir traz conotação
de obrigação, diferentemente do verbo solicitar. Quando o empregador exige
algo de seu empregado, entende-se uso de seu poder diretivo e hierárquico
para tanto.
31

Conforme acima mencionado, as leis aqui consideram crime a


exigência de exame de gravidez apenas para efeitos admissionais ou de
permanência da relação de trabalho, não fazendo qualquer menção quando do
momento da dispensa. Sendo assim se o empregador, no ato da dispensa de
sua empregada, solicite ou até mesmo exija que empregada realize exame ou
teste de gravidez, não incorrerá na conduta descrita na lei. Isso quer dizer que
o empregador não estará praticando crime e o mesmo não poderá ser apenado
por esta ação.

No âmbito das Varas e Tribunais do trabalho, o entendimento não tem


sido diferente. Se não vejamos:

ESTABILIDADE GESTANTE. CONFIRMAÇÃO DA GRAVIDEZ.


AUSÊNCIA DE EXAME DEMISSIONAL GESTACIONAL.
COMPATIBILIDADE DO INCISO II DO ARTIGO 168 DA CLT COM O
INCISO IV DO ARTIGO 373-A DA CLT. Não tendo a reclamada
realizado o exame demissional exigido pelo inciso II do artigo 168 do
texto consolidado, em interpretação sistemática combinada com os
termos do inciso IV do artigo 373-A, também da Consolidação das
Leis do Trabalho, não há de se falar em ausência de comunicação do
estado de gravidez da trabalhadora; há que se ter em mente que o
exame demissional deve conter atestado acerca do estado
gestacional da trabalhadora mulher, a fim de sepultar qualquer dúvida
quanto à validade da terminação contratual. O artigo 373-A da
Consolidação das Leis do Trabalho, veda apenas que seja
exigido atestado ou exame gestacional como condição de
contratação ou manutenção de emprego, não tendo o legislador,
propositadamente, inserido tal proibição no exame médico
demissional, logicamente para que se mantivesse a obrigação
contida no inciso II do artigo 168 da Consolidação das Leis do
Trabalho. Recurso da reclamante que se dá provimento.
(TRT-2 – RO 0002469-39.2014.5.02.0069, Relator: CELSO
RICARDO PEEL FURTADO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento:
12/05/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: 22/05/2015)

E ainda:

DANO MORAL. SOLICITAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAME DE


GRAVIDEZ. DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO NÃO CONFIGURADA. A
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho
constituem fundamentos da República Federativa do Brasil, na forma
do art. 1º, III e IV, da CF/88. Além disso, a promoção do bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação constitui objetivo fundamental da
República, consoante a regra estampada no inciso IV do art. 3º da
Constituição Federal. A solicitação do exame de gravidez deu-se
com o intuito de resguardar a reclamada (ante a iminência da
dispensa imotivada), a hipotética condição de gestante e do
suposto nascituro. Discriminação não configurada (art. 2º, I, da
Lei 9.029/95). Recurso ordinário não provido. (TRT – 15ª R. – 3ª T. –
32

RO 0122400-07.2008.5.15.0062 – Rel. Lorival Ferreira dos Santos –


DOE 15/5/2009)

Importante mencionar o projeto de lei PL 6074/2016 de autoria do


Deputado Laercio Oliveira - SD/SE, apresentada em 30/08/2016 e que se
encontra aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania (CCJC) que propõe a inclusão do § 8º no art. 168 CLT,
com a seguinte redação:

“Art. 168
- ..............................................................................................................
.....
§ 8º - Poderá ser exigido teste ou exame de gravidez por ocasião da
demissão.
.................................................................”.

Portanto nota-se que essa positivação expressa tem sido desejo


também do legislador.

Ainda que assim não fosse, pelo princípio da legalidade o ato de exigir
tal exame também não configuraria crime, uma vez que a proibição deste não
existe em lei.

Por isso, e por todo exposto, entende-se não haver óbice na licitude de
exigência do exame Beta HCG quando da rescisão sem justa causa. A sua
efetiva prática atenderia o condão de reduzir litígios judiciais trabalhistas que
versem acerca do tema de (não) conhecimento e das obrigações decorrentes
deste conhecimento bem como traria pacificação social ao tema. Desta feita, a
principal finalidade do exame é conferir garantia de estabilidade a essa
trabalhadora sem que haja necessidade de provocar o judiciário para assegurar
esse direito.

11. CONCLUSÃO

Por todo narrado no presente estudo, é inegável a importância da


presença feminina desde o período proibitivo (primeiro período das fases
históricas do trabalho da mulher, dividido entre os trabalhos “do lar” e “da rua”)
33

até os dias atuais. Onde a mulher vem trilhando um caminho de lutas e


batalhas na conquista de espaço, direitos e igualdade no mercado de trabalho.

Foi explanado o histórico evolutivo legislativo quanto do trabalho da


mulher, bem como as normas de proteção ao trabalho desta, razão pela qual
foi possível vislumbrar o desejo do legislador de, além de proteger as mulheres
no que é cabível e compreensível, também de coloca-las em pé igualdade
frente ao trabalho masculino.

Destacamos que, apesar de todo o esforço realizado no sentido da


busca de igualdade, as mulheres ainda enfrentam enormes dificuldades no
ambiente de trabalho principalmente pela discriminação, que foi objeto de
preocupação e pesquisa no presente trabalho.

Concluímos que embora a legislação classifique como discriminatória a


exigência de exame Beta HCG, quando da admissão e permanência no
contrato de trabalho, a mesma legislação se mantém silente quando do
momento da demissão. Todavia, a exigência de exame Beta HCG na rescisão,
conforme abordado, não incorre em ato discriminatório em análise ilícito penal
realizada.

Portanto, conclui-se que, o empregador deveria ter a possibilidade de


se resguardar de futuras contendas judiciais, prejudicial a ambas as partes, de
requisitar, quando do término do contrato de trabalho da sua empregada a
realização de exame Beta HCG.

Por fim, entende-se que essa possibilidade iria propiciar maior


transparência nas relações de emprego, o que por consequência, evitaria atos
discriminatórios.
34

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– 2000, p. 166

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valores das multas trabalhistas, amplia sua aplicação, institui o Programa de
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35

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