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CAPITULO XVIII Zwingli: A Reforma na Suica 1477-1531 1 MULTUM IN PARVO EXITO dos cantdes suigos ao rechacar 0 ataque de Carlos, 0 Temerario, em 1477, fortificou-Ihes a Confederacio, inflamou-lhes o orgulho nacionalista € entijeceu-os para resistir tentativa de Maximiliano de submeté-los tanto de fato co- ‘mo em teoria a0 Sacto Império Romano. As disputas sobre a divisio dos despojos de- pois da derrota da Borgonha levou os cantdes quase 4 guerra civil; mas na Dieta de Stans (1481) um fildsofo eremita, Nikolaus von der Fltie — Bruder Klaus na meméria dos suicos — conseguiu convencé-los a ficarem em paz. De canto em cantao ctescia a Confederacao vigorosa. Fribourg e Solothurn foram admitidos em 1481, Basiléia e Schaffhausen em 1501, Appenzell em 1513; eram ago- ra 13 confederados, todos falando dialetos germanicos, com excegio de Fribourg ¢ Berna onde se falava também o francés. Formaram uma repiiblica federal: cada can- to tratava de seus assuntos internos, mas era governado nas relagdes exteriores por uma legislatura comum. A Gnica cmara desta Dieta federal compunha-se de um nGimero igual de deputados de cada canto. A democtacia nao era completa; varios cantGes apropriaram-se de comunidades menotes como vassalos sem voto. Nem a Sui- ga era, entio, amante modelar da paz. Em 1500-12 os cantdes aproveitaram-se do desmembramento italiano para apoderar-se de Bellinzona, Locarno, Lugano ¢ outras regides a0 sul dos Alpes; ¢ continuaram a emprestar legides suicas — com seu consen- timento — a poténcias estrangeiras. Mas depois da derrota dos lanceiros suicos em Marignano (1515), a Confederagdo refunciou 4 expansio territorial, adotou uma politica de neutralidade, ¢ dedicou os camponeses vitis, os habeis artesios ¢ os ativos cometciantes 20 desenvolvimento de uma das civilizagdes mais civilizadas da historia. A Igreja era tio divertida e corrupta na Suica quanto na Itélia. Dava protecio e li- berdade consideravel aos humanistas que se reuniam em volta de Froben e Erasmo em Basiléia, Fazia parte da tolerancia moral da época o fato de a maioria dos padres suigos gozar os servigos de concubinas.' Um bispo suico cobrava quatro florins ao seu clero a cada filho que thes nascia, € em um ano juntou 1.522 florins dessa fonte.? La- ‘mentava que muitos padres jogassem, freqientassem tavernas e se embebedassem' — pelo visto sem pagar uma gratificacao episcopal. Diversos cantdes — principalmente Zurique — estabeleceram uma supervisio civil dos homens de igteja ¢ cobraram im- postos as propriedades monacais. O bispo de Constanga afirmava que toda Zurique era seu feudo, ¢ exigia-Ihe obediéncia e dizimos; mas o papado estava envolvido de- mais na politica italiana para the apoiar com eficacia os reclamos. Em 1510 0 Papa 337 338 ‘A REFORMA, (Cap. XVII Jalio II, em retribuicgo a algumas legiées genebrinas, concordou em que o conselho da cidade de Genebra governasse os mosteitos, conventos ¢ a moral piblica dentro de seus dominios." Assim, sete anos antes das teses de Lutero, a esséncia da Reforma foi obtida em Zurique e Genebra — a supremacia da autoridade secular sobre a autori- dade eclesistica. O caminho estava preparado para Zwingli ¢ Calvino estabelecerem suas diferentes combinagies de Igreja ¢ Estado. M1, ZWINGLI Uma visita a0 lugar de nascimento de Huldreich ou Ulrich Zwingli sugere a regra ‘nao invariavel de que os grandes homens nascem em casas pequenas. O mais racional ¢ malsucedido dos reformadores iniciou a vida (19 de janeiro de 1484) em um dimi- nuto chalé na aldeia de vale e montanha de Wildhaus, a 80 quilémetros a sudeste de Zutique, no atual canto de Saint-Gall. Um telhado de aba inclinado, paredes de pe- sadas tabuas, pequenas janelas de caixilhos, assoalhos de grossas pranchas, tetos bai- x0s, quattos escuros, escada tangente, solidas camas de carvalho, uma mesa, uma ca- deira, uma estante para livros: este lar hist6rico indica um ambiente no qual a selecio natural era rigotosa, ¢ a selacdo sobrenatural parecia uma esperanca indispensivel. O pai de Ulrich era 0 principal magistrado nessa aldeola escondida, e sua mie era a or- gulhosa itm de um padre. Erao tetceiro de oito filhos, que competiam pela admira- ga0 de duas irmas. Desde a infancia fora destinado ao sacerdécio. Seu tio, digcono da igreja da vizinha Wesen, tomava parte com os pais em sua educagio, e proporcionou a Zwingli uma inclinacdo e uma largueza humanisticas que o distinguiam sensivelmente de Lutero ¢ Calvino. Aos 10 anos o menino foi enviado a uma escola de latim em Basiléia; aos 14 entrou para um colégio em Berna, dirigido pot um classicista originatio daquela cidade, que era uma sumidade; dos 16 aos 18 es- tudou na Universidade de Viena, em seu apogeu humanistico, sob a direcio de Con- radus Celtes. Alegrava os afazetes tocando alatde, harpa, violino, flauta e saltério. ‘Aos 18 anos voltou para Basiléia ¢ estudou teologia com Thomas Wyttenbach que. jé em 1508, atacava as indulgéncias, 0 celibato clerical ¢ a missa. Aos 22 anos (1506) re- cebeu 0 diploma de mestre, ¢ foi ordenado padre. Celebrou sua primeira missa em ‘Wildhaus entre patentes jubilosos ¢, com 100 florins atrecadados para ele, comprou uma nomeacio’ para um pastorato em Glarus, a 32 quilémetros de distancia. Ali, enquanto cumpria zelosamente seus deveres, continuou os estudos. Aprendew sozinho o grego pata let 0 Novo Testamento no original. Leu com entusiasmo Home- t0, Pindaro, Deméctito, Plutarco, Ciceto, César, Tito Livio, Séneca, Plinio, 0 Moco. Ticito, chegou a escrever um comentario sobre 0 humorista cético Luciano. Cortespondia-se com Pico della Mirandola ¢ Erasmo, chamava a Erasmo ‘‘o maior fil6sofo € te6logo"”, visitou-o com toda a reveréncia (1515), ¢ lia-o todas as noites co- mo prelidio para o sono. Como Erasmo, torcia 0 nariz 4 corrupgio eclesifstica, tinha um desprezo ameno pela carolice doutrinal, ¢ recusava-se veementemente a pensat nos fil6sofos € poetas classicos ardendo no inferno. Jurava que ‘‘antes compartilharia do destino eterno de um Sécrates ou de um Séneca do que de um papa’”.* Nao deixa- va que os votos sacerdotais 0 excluissem dos prazeres da carne; teve alguns casos com mulheres genetosas, € continuou a condescender assim consigo mesmo até o casamen- to (1514). Sua congregacio parece que no se importava, ¢ os papas Ihe pagaram, até 1520, uma pensio anual de 50 florins para apoid-los contra o partido pt6-francés de Cap. XVII) ZWINGLI: A REFORMA NA SUICA 339 Glarus. Em 1513 ¢ 1515 acompanhou o contingente de Glarus de metcenitios suigos 3 Italia como capeldo, ¢ fez o possivel para manté-los figis & causa papal; mas seu con- tato com a guerra nas batalhas de Navarro ¢ Matignano levaram-no a opér-se violen- tamente a qualquer outra venda da bravura suiga a governos estrangeiros, Em 1516 2 faccio francesa de Glarus conquistou vantagens, ¢ Zwingli mudou-se para um pastorato em Einsiedeln, no canto de Schwyz, Os sermées dele adquiriram ali tom protestante, antes mesmo da rebelido de Lutero. Em 1517 exigiu uma religizo baseada exclusivamente na Biblia, ¢ disse a seu arcebispo, cardeal Matthdus Schinner, que havia pouca autoridade para 0 papado nas Escrituras, Em agosto de 1518 atacou 0s abusos na venda de indulgéncias e convenceu os monges beneditinos a retirar, de sua lucrativa reliquia da Virgem, uma inscrisio que prometia aos petegrinos ‘‘com- pleta remissao de todos os pecados em culpa e em castigo também’”.” Alguns peregri- nos de Zurique levaram a seus pastores um relato entusiasmado dos sermées que cle pregava. A 10 de dezembro de 1518, aceitou um apelo para ser vigario ou “padre do povo"” na Grossmiinster, ou grande catedral, de Zurique, a cidade mais empreende- dora da Suica. ‘Aproximava-se da maturidade na moral € no espirito. Empreendew uma série de setm@es em que interpretava, do texto grego, todo 0 Novo Testamento, com exceio do Apocalipse, de que nio gostava; tinha pouca coisa do misticismo que fez parte da formacio de Lutero. Nao temos retrato dele 20 natural, mas seus contemporincos descrevem-no como homem bonito, de rosto corado, sangiiineo, com voz melodiosa que prendia sua congregacio. Nao rivalizava com Lutero em eloqiiéncia nem exegese; fo entanto, seus setmoes eram tao convincentes em sinceridade ¢ clareza que logo to- da Zurique obedeceu a sua influéncia. Os superiores eclesiasticos apoiaram-no quan- do reiniciou a campanha contra a venda de indulgéncias. Bernhardin Samson, frade franciscano de Milfo, tinha atravessado 0 Passo de Sio Gotardo em agosto de 1518, para tornar-se o Tetzel da Suica. Oferecia 2 indulgéncia do Papa Le%o 20s ticos sobre pergaminho pot uma coroa, 20s pobres sobre papel por alguns vinténs; e com um ges- to da mio absolvia das penas do purgatério todas as almas que tinham morrido em Berna. Zwingli protestou; 0 bispo de Constanca apoiou-o; ¢ Leo X, aprendendo al- guma coisa nos acontecimentos da Alemanha, chamou de volta seu apéstolo extrava- gante Eni 1519 a peste abatcu-se sobre Zurique, artebatando um terco da populagio em meio ano. Zwingli permaneceu em seu posto, trabalhou noite e dia tratando dos doentes, apanhou também a infecglo € esteve as portas da morte. Quando se restabe- leceu era a figura mais popular de Zutique. Dignitarios distantes como Pitkheimer ¢ Diirer enviaram-Ihe felicitacées. Em 1521 foi nomeado padre-chefe da Grossmiinster. Estava agora suficientemente forte para proclamar abertamente a Reforma na Suga MI A REFORMA ZWINGLIANA Quase inconscientemente, mas como resultado natural de sua educaczo incomum, cle tinha mudado o feitio do pastorato em sua igreja. Antes dele, 0 sermio tinha pou- ca importincia; 2 missa ¢ a comunhio tinham sido quase que todo o servigo; Zwingli fez 0 sermao dominar o ritual. Tornou-se professor ¢ pregador: e, a medida que sua confianga crescia, cada vez mais crescia sua convicgio de que o cristianismo devia ser restituido a antiga simplicidade de organizagio ¢ venetacio. Ficou profundamente 340 ‘A REFORMA (Cap. XVIII abalado pela revolta ¢ pelas obras de Lutera. ¢ pelo tratado de Hus, Sobre a Igreja Por volta de 1520 atacou publicamente a vida mondstica, 0 purgat6rio e a invocagdo dos santos; além disso, afirmava que 0 pagamento de dizimos & Ipreja devia ser pura- mente voluntério, como nas Escrituras. Seu bispo implorou-Ihe que retitasse essas declaragdes; ele continuou; ¢ 0 conselho cantonal apoiou-o ordenando a todos os pa- dres de sua jurisdigio que pregassem apenas 0 que encontrassem na Biblia. Em 1521 Zwingli petsuadiu o conselho a proibir o alistamento da soldadesca suiga pelos france- ses; um ano mais tarde a proibicZo foi estendida a todos as poténcias estrangeiras; ¢ quando 0 cardeal Schinner continuou a recrutar tropas suigas para o papa, Zwingli observou a sua congregagio que o cardeal usava um chapéu vermelho ndo sem moti- vo, pois ‘'se fosse torcido vés verieis o sangue de vossos parentes mais proximos cair de suas dobras””.* Nao encontrando texto algum no Testamento para a abstencio de cat- ne na Quaresma, permitiu a seus paroquianos ignorar os mandamentos da Igreja para 05 jejuns da Quaresma. O bispo de Constanca protestou; Zwingli respondeu-the com um livro, Archeteles (principio ¢ fim), que previa uma rebelido universal contra a Igreja, ¢ aconselhava os prelados a imitar César, envolver-se em seus mantos e motret com elegancia e dignidade. Com mais 10 padres fez uma peticéo 20 bispo para extin- guir a imoralidade clerical permitindo o casamento dos sacerdotes (1522). Nessa oca- sido mantinha Anna Reinhard como amante ou esposa secteta. Em 1524 casou-se pu- blicamente com ela, um ano antes do casamento de Lutero com Catherine von Bora. Este rompimento definitivo com a Igreja foi precedido de duas controvérsias que lembravam o debate de Leipzig entre Lutero ¢ Eck, ¢ repetia & distancia as controvér- sias escolasticas das universidades medievais. Como repiblica semidemocratica, a S ‘64 nfo ficou escandalizada com a sugestio de Zwingli de que as diferencas entre seus pontos de vista ¢ os de seus adversarios conservadores tivessem au: clara e im- parcial. © Grande Conselho de Zurique, assumindo de bom grado a jurisdigao teol6gica, convidou os bispos a mandar representantes. Estes compareceram em peso. ¢ 20 todo 600 pessoas se reuniram para a entusiasmante disputa no pago municipal (25 de janeiro de 1523). Zwvingli propés defender 67 teses. 1. Erram todos aqueles que dizem que 0 Evangelho nada sem 2 aptovagio da Igteja. 15. No Evangelho esta contida claramente toda a verdade.... 17. Cristo € 0 Ginico santo padre eterno. Aqueles que fingem ser santos padres ‘opdem-se, sim, poem de lado a honta ¢ a dignidade de Cristo. 18. Cristo, que uma vez se ofereceu na cruz, € o suficiente e perpétuo sactificio para os pecados de todos os crentes. Portanto, a missa nao € sacrificio, € sim comemoracio do Gnico sacrificio da cruz. 24. Os cristdos nao estao ligados a qualquer peniténcia que Cristo nao tenha or- denado. Podem comet em qualquer tempo toda espécie de alimento.. 28. Tudo que Deus permite e nao proibe é justo. Portanto, o casamento vai bem a todos os homens. 34, O assim chamado poder espiritual {a Igreja] nao tem fundamento nas Sagra- das Escrituras, ¢ no ensinamento de Cristo 35. Maso poder secular € confitmado pelo ensinamento ¢ pelo exemplo de Cris- to (Lucas, Il, 5; Mateus, XXII, 21)... 49. Nao conhego escindalo maior do que a proibigao do casamenco legal a0s pa- des, a0 passo que lhes permitem, mediante o pagamento de uma gratificacao, ter concubinas. Vergonha! (Pfii der Schande!).. Cap. Xvitt ZWINGLI: A REFORMA NA SUICA Mi 57. As Sagradas Escrituras nada dizem do purgatério. 66. Todos os superiores espirituais devem arrepender-se sem demora. c estabele- cer apenas cruz de Cristo, seno motterio. O machado esta colocado sobre a raz.” Johann Faber, vigario-geral da diocese de Constanga, recusou-se a discutir essas proposicoes pormenorizadamente, protestando que deviam ser apresentadas perante grandes universidades ou um concilio geral da Igreja. Ziwingli achou isso desne- cessétio: agora que o Novo Testamento era acessivel em vernaculo, todos podiam fa- zer a Palavra de Deus decidir esses termos; era 0 bastante. O conselho concordou; de- clarou Zwingli ndo culpado de heresia, ¢ ordenou a todos os clérigos de Zurique que regassem somente o que pudessem provar pelas Escrituras. Aqui, como na Alema- ‘nha luterana, o Estado suplantou a Igreja. Muitos padres — estando agora seus salétios garantidos pelo Estado — aceitaram a cordem do conselho. Muitos casaram-se, batizaram em vernéculo, negligenciaram a missa ¢€ abandonaram a veneracio das imagens. Um grupo de entusiastas principiou a destruir indiscriminadamente quadros ¢ estituas das igrejas de Zurique, Perturbado pelo alastramento da violéncia, Zwingli combinou uma segunda polémica, (26 de ou- tubro de 1523), a que assistiram 550 leigos ¢ 350 clérigos. O resultado foi uma ordem do conselho de que uma comissio em que estava incluido Zwingli preparasse um fo: Iheto de instrucio doutrinaria para o povo, ¢ que no intervalo toda a violencia deveria cessar. Zwingli escreveu rapidamente Eine kurze Christliche Einleitung (Uma Breve Iniciagao Crista), que foi enviado a todo 0 cleto do cantao. A hierarquia catolica pro- testou, ¢ a Dieta da Confederagio, reunindo-se em Lucerna (26 de janeiro de 1524), secundou 0 protesto, declarando-se ao mesmo tempo pela reforma eclesiéstica. O conselho nao tomou conhecimento dos protestos. Zwwingli formulou sua doutrina com mais extensio em dois tratados latinos: De ve- ra et falsa religione (1525) ¢ Ratio fidei (1530). Accitava a teologia basica da Igreja — um Deus trino e uno, a Queda de Adio e Eva, a Encarnacio, a Concepgao da Virgem ¢ a Expiago; mas interpretava 0 "‘pecado original’ no como uma nédoa de culpa herdada de nossos "'primeiros pais’’, ¢ sim como uma tendéncia anti-social na natu- reza do homem."* Concordava com Lutero em que o homem nunca podera ganhar a salvacio pelas boas obras, ¢ sim que deve crer na eficécia redentora da morte por sa- ctificio de Cristo. Concordava com Lutero € Calvino sobre a predestinacio: cada acon- tecimento, e portanto o destino eterno de cada individuo, foi previsto por Deus, e de- verd acontecer como foi previsto. Mas Deus destinou a condenacio apenas aqueles que repelem o Evangelho que thes foi oferecido. Todas as criangas (de pais cristios) que morrem na infincia sio salvas, mesmo que nao estejam batizadas, pois sao jo- vens demais para pecar. O inferno € verdadeiro, mas 0 putgatério € ‘‘uma fica um negocio lucrativo para seus autores’; as Esctituras nada sabem a respeito dele." Os sacramentos nao sio veiculos milagrosos, e sim simbolos dteis, da grasa divina. A confissio auricular € desnecesséria; nenhum padre — somente Deus — pode perdoar © pecado; mas € muitas vezes benéfico confiar nossos aborrecimentos espirituais a um padre.” A Ceia do Senhor nao € uma refeicio verdadeira do corpo de Cristo, ¢ sim tum simbolo da unio da alma com Deus, ¢ do individuo com a comunidade crista Zwingli conservou a cucaristia como parte do servico reformado, e distribufa-a em pio ¢ vinho, mas oferecia-a apenas quatro vezes por ano. Nessa celebracio esporidica grande parte da missa era conservada, mas era recitada em alemio suigo pela congregacio ¢ pelo padre. Durante o resto do ano a missa eta substituida pelo ser- 342 ‘A REFORMA (Cap. XVII ‘mio; 0 apelo do ritual aos sentidos ¢ 3 imaginago estava subordinado ao apelo da pa- lavra a0 espirito — uma trapaca arrojada sobre a inteligéncia popular e a estabilidade das idéias, Uma ver que uma Biblia infalivel tinha agora de substituir uma Igreja in- falivel como guia para a doutrina e a conduta, a traduco alema de Lutero do Novo Testamento foi adaptada ao dialeto suico alemio, € um corpo de sibios ¢ tedlogos, chefiados pelo santo Leo Jud, foi encartegado de preparar uma versio alema de toda a Biblia. Esta foi publicada por Christian Froschauer em Zurique, em 1534, quatro anos antes de aparecer a melhor versio de Lutero. Em fiel obediéncia a0 Segundo Mandamento, e marcando 0 retorno do cristianis- ‘mo protestante a suas antigas tradigbes judaicas, o conselho de Zurique ordenou a te- tirada de todas as imagens, reliquias ¢ ornamentos religiosos das igrejas da cidade; até 0 6rgios foram abolidés, eo imenso interior da Grossmiinster ficou tristemente nu, como esti até hoje. Algumas imagens eram bastante absurdas, algumas se prestavam tanto a supersticdo que mereciam a destruigdo; mas algumas eram suficientemente bonitas para fazer o sucessor de Zwingli, Heinrich Bullinger, lamentar sua perda. O préprio Zwingli tinha uma atitude tolerante para com as imagens que nio eram vene- tadas como idolos extraordinérios,"" mas perdoava a demoligo como uma censura a idolatria." As igrejas de aldeia do canto tiveram licenga de conservar suas imagens se uma maioria da congregacdo assim o desejasse. Os catélicos conservavam alguns direi- tos civis, mas eram inelegiveis para os cargos pablicos. O compatecimento & missa era punivel com uma multa; comer peixe em vez de carne na sexta-feira era proibido por lei." Os mosteiros ¢ conventos (com uma excecio) foram fechados ou transformados ‘em hospitais ou escolas; os monges ¢ as freiras sairam do claustto para 0 casamento. Os dias santos foram abolidos, e desapareceram as peregrinagdes, a 4gua benta ¢ as missas pelos mortos. Embora nem todas as mudangas se efetuassem em 1524, assim mesmo a Reforma estava a essa altura muito mais adiantada em Zwingli e Zurique do que em Lutero € Wittenberg: nessa ocasido Lutero ainda era um monge celibatario, ¢ ainda celebrava missa Em novembro de 1524, Zurique formou um conselho privado (Heimliche Rath) de seis membros para preparar as solucGes de problemas de governo urgentes ou delica- dos. Entre Zwingli e este conselho firmou-se um compromisso de trabalho: ele cedia 20 conselho a regulamentacao dos assuntos tanto eclesiésticos como seculates, ¢ em ambos os terrenos 0 conselho seguitia a diregao de Zwingli. Igreja ¢ Estado em Zuri- que tornaram-se um otganismo, do qual Zwingli era chefe nao oficial, ¢ no qual a Biblia era aceita (como 0 Alcorio no Isla) como a primeira fonte ¢ texto final da lei Em Zwingli, como mais tarde em Calvino, o ideal do Velho Testamento do profeta guiando o Estado estava realizado. Triunfando téo répida ¢ completamente em Zurique, Zwingli volveu um olhar de cobica pata os cantdes catélicos, e perguntou-se a si mesmo se a Suica inteira no po- deria ser conquistada para a nova forma da f¢ antiga. IV, AVANTE, SOLDADOS CRISTAOS ‘A Reforma tinha cindido a Confederasio, ¢ parecia destinada a destrui-la. Berna, Basiléia, Schaffhausen, Appenzell ¢ os Grisdes apoiavam Zurique; os outtos cantdes estavam hostis. Cinco cantées — Lucerna, Uri, Schwyz, Unterwalden e Zug — forma- ram uma Liga Cat6lica para suprimir todos os movimentos hussitas, luteranos ¢ zwin- Cap. XVIII) ZWINGLI: A REFORMA NA SUICA 343 glianos (1524). © atquiduque Fernando da Austria insistiu com todos os estados catélicos para que unificassem a ago e prometeu auxilio, pois sem divida esperava restaurar 0 poder dos Habsburgo na Suica. A 16 de julho todos os cantdes, exceto Schaffhausen ¢ Appenzell, concordaram em excluir Zurique das futuras dietas fede- rais. Zurique ¢ Zwingli replicaram enviando missionétios ao distrito de Thorgau para proclamar a Reforma. Um destes foi preso; uns amigos o libertaram, ¢ chefiaram uma turba enfurecida que saqueou ¢ incendiou um mosteiro, ¢ também destruiu imagens em varias igrejas (julho de 1524). Trés dos chefes foram executados, ¢ um espirito ‘marcial surgiu em ambos os lados. Erasmo, timido em Basiléia, ficou assustado em ver adoradores piedosos, estimulados por seus pregadores, sairem da igreja ‘‘como possessos, com a ira € o 6dio pintados nas faces... como guerreiros animados por seu general a um ataque violento”." Seis cantées ameacaram deixar a Confederacdo se Zurique no fosse castigada. Zwingli, saboreando seu novo papel de chefe, aconselhou Zurique a aumentar seu exército e arsenal, a procurar a alianga da Franca, a construir uma fogueira por tris de Fernando que fomentasse a revolucio no Tirol, e a prometer a Thorgau bem como a Saint-Gall a propriedade dos mosteiros como tettibuigio 20 seu apoio. A Liga Car6lica ofereceu paz em trés condigdes: que cedesse 2 Zurique a célebre abadia de Saint-Gall; que renunciasse & alianga austriaca; e que entregasse a Zurique o satitico de Lucena, Thomas Murner, que escrevera com muita mordacidade sobre os refor- madores. A Liga zombou desses termos. Zurique ordenou a seus representantes em Saint-Gall que se apoderassem da abadia; obedeceram (28 de janeiro de 1529), Em feverciro a tensio aumentou com os acontecimentos de Basiléia, O chefe protestante nessa ‘Atenas da Suiga’” era Johannes Hausschein, que tinha helenizado o nome, que significava lamparina de casa, para Oecolampadius. Escrevia poesia em latim aos 12 anos, dominou logo depois o grego, ¢ atingiu classe, como he- braista, inferior apenas a Reuchlin. No pilpito da Igreja de Séo Martinho e na cétedra de teologia na universidade adquiriu fama como reformador e moralista, humano em todas as coisas menos na religito. Por volta de 1521 jé atacava os abusos do confes- sionério, a douttina da transubstanciagio, a idolatria da Virgem. Em 1523 Lutero aclamou-o. Em 1525 adotou o programa zwingliano, inclusive a perseguicao aos ana- batistas. Mas repelia a predestinacio; sa/us nostra ex Deo, ensinava ele, perditio nos- tra ex nobis — “'Nossa salvacio vem de Deus, nossa condenacio, de nds mesmos”’."" Quando o conselho de Basiléia, agora predominantemente protestante, proclamou a liberdade de adorasdo (1528), Oecolampadius protestou, ¢ pediu a supressio da missa. AB de fevereiro de 1529, 800 homens, reunidos na igreja dos franciscanos, envia- ram ao consclho um pedido para que a missa fosse proibida, para que todos os cat6licos fossem demitidos de cargos oficiais, ¢ que uma constituigio mais de- mocritica fosse estabelecida efetivamente. O conselho deliberou. No dia seguinte os suplicantes foram armados & praca do mercado. Como a0 meio-dia 0 conselho ainda nao tinha chegado a qualquer decisio, a multidao foi pata as igrejas com martelos ¢ machados, ¢ destruiu todas as imagens religiosas que péde descobrir.'* Erasmo des- crevéu 0 caso em uma carta a Pitkheimer: Os ferreiros ¢ trabalhadores tiraram das igrejas as imagens ¢ langaram tais insul- tos as imagens dos santos e 20 préptio crucifixo, que € de surpreender que nao te- nha b vido milagres, sabendo-se como sempre costumava acontecer toda a vez que 34 ‘A REFORMA, (Cap. XVIII ‘0s santos eram ofervlides mesmo ligeiramente. Nenhuma estatua sobrou nas igre- jas ¢ nos vestibulos, nos pérticos ¢ mosteitos. Os afrescos foram cobertos por cama- das de lodo. Tudo que pudesse incendiar-se foi atirado a0 fogo, € 0 resto foi feito em pedacos. Nada foi poupado por amor ou por dinheiro."° O conselho aceitou a sugestio, ¢ votou pela aboligao completa da missa. Erasmo, Bea. tus Rhenanus ¢ quase todos os professores da universidade deixaram Basiléia, Oeco- lampadius, vitorioso. sobreviveu ao levante apenas dois anos, morrendo logo depois da morte de Zwingli. Em maio de 1529, um missionirio protestante de Zurique, tentando pregar na dade de Schwyz, foi queimado na fogueira. Zwingli persuadiu o conselho de Zurique a declarar guerra. Elaborou o plano da batalha, ¢ dirigiu pessoalmente as tropas do canto. Em Kappel, 16 quilémetros ao sul de Zurique, foram detidos por um ho- mem, Landemann Aebli de Glarus, que implorou uma hora de trégua enquanto ne- gociava com a Liga. Zwingli desconfiou de traicZo, e preferiu 0 avango imediato; foi desobedecido por seus aliados berneses ¢ por seus soldados, que fraternizaram pron- tamente, por cima das barreiras cantonais e teol6gicas, com os soldados do inimigo. Durante 16 dias as negociagbes continuaram; finalmente o bom senso dos suicos pre- valeceu, e a Primeira Paz de Kappel foi assinada a 24 de junho de 1529. Os termos fo- ram uma vit6ria para Zwingli: os cant6es cat6licos concordavam em pagar uma inde- nizagio a Zurique e a cessat a alianca com a Austria; nenhum partido atacatia o outro devido a diferencas religiosas; e nas "‘terras comuns”” sujeitas a dois ou mais cant6es 0 povo deveria decidir, por voto majoritétio, a regulamentacio de sua vida religiosa Entretanto, Zwingli estava mal satisfeito: tinha pedido, ¢ nao recebera, liberdade pa- ra pregar o protestantismo nos cantdes catdlicos. Predisse o breve rompimento da paz Na verdade, durou 28 meses a paz. Nesse intervalo houve um esforco para unir os protestantes da Suica e da Alemanha. Carlos V tinha ajustado sua questo com Cle- mente VII; ambos estavam agora livres para unir as forgas contra os protestantes. Mas estes jé eram uma forca politica poderosa. Metade da Alemanha era luterana; muitas cidades alemas — Ulm, Augsburgo, Warttemberg, Mogtincia, Franckfurt-sobre-o- Meno, Estrasburgo — tinham fortes tendéncias zwinglianas, na Suiga, embora fos- sem cat6licos os distritos rurais, a maioria das cidades era protestante. Era evidente que para se protegerem do Império e do papado fazia-se necessiria uma unidade pro- testante, Apenas a teologia estava atrapalhando. Filipe, landgrave de Hesse, tomou a iniciativa convidando Lutero, Melanchthon ¢ outros protestantes alemies para se encontrarem com Zwingli, Oecolampadius e ou- tos protestantes suicos no seu castelo em Marburg, 20 norte de Franckfurt. A 29 de setembro de 1529, as faccées rivais encontraram-se. Zwingli fez concessbes generosas; dissipou a suspeita de Lutero de que duvidava da divindade de Cristo; aceitou o Cre- do de Nicéia eo dogma do pecado original. Mas nao quis tetirar sua opiniao sobre a cucaristia como um simbolo comemoracio, mais do que um milagre. Lutero escre- veu na mesa da conferéncia as palavras attibuidas a Cristo — ‘‘Isto € meu corpo" — no quis admitir outta interpretagio que nao a literal. Sobre 14 artigos os partidos as- sinaram um acordo; sobre a eucatistia dividiram-se (3 de outubro), € nio amigavel- mente. Lutero recusou a m&o que Zwingli the estendia, dizendo: ‘Seu espirito nao € © nosso espitito’”; formulou uma profissio de teologia em 17 artigos, inclusive a ““consubstanciagio””, e convenceu os principes luteranos a repelir alianga com qual- quer grupo que no assinasse todos os 17 artigos.” Melanchton concordou com seu Cap. XVIII) ‘ZWINGLI: A REFORMA NA SUIGA 345, mestte. ““Dissemos aos zwinglianos’”, escreveu ele, “que nos admiravamos de como é que a consciéncia Ihes permitia chamar-nos itmios quando afirmavam que nossa dou- trina eta errénea’’; aqui, em uma s6 sentenga, esté 0 espirito da época, Em 1532, Lutero aconselhou o duque Albrecht da Prassia a nao permitir qualquer zwingliano ‘em seu tertit6rio, sob pena de condenacio eterna. Era pedir muito a Lutero que pas- sasse com um passo apenas da Idade Média para a eta moderna; tinha recebido uma impressio profunda demais da religio medieval para tolerar com paciéncia qualquer reptidio de seus fundamentos; achava, como bom cat6lico, que seu mundo de pensa- mento desmoronaria, todo o sentido da vida desapareceria, se petdesse qualquer ele- mento basico da f€ na qual fora formado. Lutero foi o mais medieval dos homens mo- dernos. Abatido com este fracasso, Zwingli voltou a Zurique que se estava tornando in- quieta sob sua ditadura. Ressentiam-se as severas leis suntuarias; o comércio era entra- vado pelas diferencas religiosas entre os cant6es; 0s artesios estavam descontentes com sua fraca interferéncia no governo; ¢ os sermoes de Zwingli, confusos devido 2 politi- ca, tinham perdido sua inspiragio ¢ encanto. Sentiu tao agudamente a mudanca que pediu licenca ao conselho para procurar um pastorato em outro lugar. Foi persuadido a ficar. Dava agora grande parte de seu tempo aos escritos. Em 1530 enviou seu Ratio fidei a Carlos V, que nao deu sinal de té-lo recebido. Em 1531 dirigiu a Francisco 1 uma Christianae fidei brevis et clara expositio. Nesta “breve ¢ clara exposigdo da fé crista’” expressava a conviccdo erasmiana de que um cristo, a0 chegar ao paraiso, encontratia 1 muitos judeus e pagios nobres: nao s6 Adio, Abraio, Isaac, Moisés, Isafas... como também Hercules, Teseu, Sécrates, Aristides, Numa, Camilo, os Catdes, os Cipides; ‘em resumo, no houve nem um homem bom, nem um espirito santo, nem qual- quer alma fiel, desde o principio do mundo e até seu fim, a quem nao veremos If com Deus. Que se podia imaginar de mais alegre, agradavel ¢ nobre, do que este espetaculo?’” Esta passagem escandalizou de tal maneira Lutero que ele concluiu que Zwingli devia ter sido um “‘gentio"’;* ¢ o bispo Bossuet, concordando por uma vez com Lutero, citou-o para provar que Zwingli tinha sido um infiel irremediavel.2* ‘A15 de maio de 1531, uma assembléia de Zurique e seus aliados votaram a obri- ‘gacdo dos cant6es catdlicos de petmitirem liberdade de pregar em seu tertitétio. Co- mo os cantdes se recusaram, Zwingli propés a guetta, mas os aliados preferiram um bloqueio econdmico. Os cantées catélicos, privados de toda a importacio, declararam guerra, Novamente marcharam os exércitos rivais, novamente Zwingli foi 3 frente car- regando o estandarte; novamente os exétcitos se encontraram em Kappel (11 de outu- bro de 1531) — os cat6licos com oito mil homens, os protestantes com 1.500. Dessa vez lutaram. Os catélicos venceram, ¢ Zwingli, com 47 anos, foi um dos 500 zuri- quenses assassinados, Seu corpo foi esquartejado ¢ depois queimado em uma pira de esterco.” Ao saber da morte de Zwingli, Lutero declarou-a o julgamento de um gen- tio pelo céu,"* e “um triunfo para nés"’” “Desejo do fundo do coragao"", contam que disse, ‘que Zwvingli pudesse ter sido salvo, mas temo o contratio, pois Cristo dis- se que aqueles que O negarem serio condenados.'"* Zwingli foi substituido em Zurique por Heinrich Bullinger, em Basiléia Oswald Myconius prosseguiu depois da morte de Oecolampadius. Bullinger fugiu 3 politica, supervisionou as escolas da cidade, protegeu os protestantes fugitivos, ¢ fez catidade aos necessitados de qualquer ctedo. Aprovou a execugio de Servetus, mas, excetuan- 346 ‘A REFORMA (Cap. XVII do isso, tendeu para uma tcoria de liberdade religiosa geral. Uniu-se 2 Myconius ¢ Leo Jud para formular a Primeira Confissio Helvética (1536), que durante uma ge- tagio foi a expressio autorizada das opinides de Zwingli; ¢ com Calvino redigiu 0 Consensus Tigurinus (1549), que levou os protestantes de Zurique ¢ de Genebra a uma Gnica “‘Igreja Reformada’” Apesar desse acordo protetor, 0 catolicismo reconquistou em anos subseqiientes muito do terreno perdido na Suiga, em parte por meio de sua vit6ria em Kappel. As teologias so aprovadas ou reprovadas na historia pelo assassinio ou fertilidade con- correntes. Sete cantdes aderiram ao catolicismo — Lucerna, Uri, Schwyz, Zug, Unter- walden, Fribourg ¢ Solothurn; quatro ficaram definitivamente protestantes — Zuti- que, Basiléia, Berna ¢ Schaffhausen; os outros ficaram em equilibrio entre as duas fés, incertos de suas certezas. O sucessor de Zwingli em Glarus, Valentin Tchudi comprometeu-se celebrando missa de manha pata os catélicos, ¢ pregando um ser- ‘mio evangélico — puramente das Escrituras — a tarde para os protestantes; batia-se pela tolerincia miitua, ¢ era tolerado; escteveu uma Crénica tio imparcial que nin- guém podia adivinhar por ela qual a f€ que preferia. Até nessa €poca havia ctistaos.

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