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MAGIAE
PENSAMENTO
MÁGICO
2.• edição
Sumário
1. lntrodução s
2. Magia e religião 8
Imanência e transcendência ~
Individualidade e coletividade 12
3. O poder mágico li
6. Magia e ciência s~
A ciência do concreto 5(
O mito como bricolage s«
Os signos do mito e os conceitos da ciência--5~
7. A eficácia simbólica 60
A magia como crença coletiva 60
A produção de significados: a cura mágica 63
A cura mágica e a cura psicanalítica 65
A cura mágica na umbanda 67
8. Vocabulário crítico 70
9. Bibliografia comentada 76
1
Introdução
Imanência e transcendência
Para James Frazer 1, existiria um antagonismo básico
entre religião e magia fundado na concepção diferencial
que as duas teriam a respeito do funcionamento da na-
tureza.
A religião acredita na existência de poderes superiores
aos homens (transcendência), a quem se atribui o controle
da natureza. A natureza não teria, portanto, do ponto de
vista da religião, um curso independente dos caprichos
divinos. Essa crença tem como resultado prático o fato
de que os homens, para interferir nos acontecimentos, se
vêem obrigados a aceitar e promover a mediação dos deu-
ses: é preciso estimular a sua boa vontade; é preciso propi-
ciá-los e agradá-los para que governem bem o mundo.
Para a magia, ao contrário, a natureza não é regida
pelos caprichos pessoais das divindades, mas por leis rigo-
rosamente mecânicas. A sucessão de eventos é concebida
como regular e certa, determinada por leis imutáveis, cuja
operação pode ser calculada e antecipada com precisão.
Para intervir no seu curso não é preciso, pois, apelar para
qualquer tipo de persuasão, mas, ao contrário, aplicar
simplesmente as leis de causa e efeito.
Esse antagonismo entre magia e religião explicaria,
para Frazer, a hostilidade entre padre e feiticeiro ao longo
da história. Este último, acreditando poder intervir na
ordem do mundo, se mostra arrogante e auto-suficiente
no trato com as forças sobrenaturais. Já o primeiro, de-
pendente que é da vontade dos deuses, deve, para agradá-
-los, percorrer o difícil caminho da obediência e submissão ..
Para Prazer, essa hostilidade irredutível entre magia
e religião é um indício evidente de que a crença na magia
é anterior, na história do pensamento humano, à crença
1
Magic and religion. London, Thinker's Library, 1944.
10
Individualidade e coletividade
o outro critério utilizado na distinção entre magia e
religião, a oposição ato individual/ ato coletivo, não é
menos controvertido que o primeiro. Alguns autores ten-
dem a considerar a magia como uma simples manifestação
da malícia pessoal do mágico, que se aproveita, em bene-
fício próprio, da credulidade dos membros do grupo a
que pertence. Na verdade, como bem mostra Marcel Mauss
em seu Esboço de uma teoria geral da magia, a magia,
mesmo quando praticada por indivíduos isolados, nunca
é a criação de um homem só; ela está sempre fundada em
crenças coletivas. Qualquer rito ou cerimônia só tem sentido
e eficácia porque quem está agindo através do mágico é
a própria sociedade. A magia é, por definição, objeto de
uma crença a priori. Porque a crença é anterior ao resul-
tado, a operação mágica que fracassa nunca coloca em
xeque o sistema. Quando o resultado esperado não vem,
refazem-se os ritos, varia-se a técnica e, no limite, substitui-
-se o mágico. Mas a crença no sistema permanece.
Também o mágico retira sua força dos poderes que
a sociedade lhe atribui. Ele é o que é, sente o que sente
porque segue a opinião pública da tribo: ele é ao mesmo
tempo seu explorador e escravo. A própria sociedade o
13
Se conhecer , ..
parecem ter d . e classificar, as colocações anteriores nos
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preendida como u ~vi ente que a magia pode ser com-
ender intelectu m sistema que se organiza para compre-
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ce O mundo?
Essa é a que 8 t-
procura desv d ao que a antropologia se coloca quando
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da magia.
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perguntar se a r _ e nos pensam significa de certo modo
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autores se d b qua idade humana universal. Diferentes
nir as cate e. ruçaram sobre esse problema tentando defi-
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mento Vei ogicas que orientam essa forma de pensa-
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isa seu fun c10namento.
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Os princípios da magia
. na~
Segundo Prazer, a magia - tem na dfuncionamento
a de místico:
seu fundamento é puramente racional. 0
22
Lei da contigüidade
Lei da similaridade
Lei da contrariedade
•
Para Marcel Mauss todos os simbolismos produzid(s
por qualquer sociedade podem, na verdade, ser reagrup.,
dos no interior das categorias abstratas implícitas nas Ies
da magia. As três formulações fundamentais - "o sem-
31
A "mentalidade primitiva"
2
La mentalus primitive. 15. ed. Paris, PUF, 1960. p. 15.
33
A lógica do concreto
A lógica da participação
*
O "pensamento primitivo" não procura, pois, conexões
causais objetivas porque não tem as mesmas exigências
lógicas que o nosso. Suas representações coletivas são,
como as chama Lévy-Bruhl, "pré-lógicas". Isso não signi-
fica que o "homem primitivo'.' seria incapaz de pensar
coerentemente, mas, sim, que suas crenças são incom-
patíveis com uma visão científica do universo. O pensa-
39
3
LÉVY-BRUHL, Lucien. Carnets, Paris, PUF, 1960.
40
O problema da razão
As operações mentais da magia não se reduzem à
aplicação de princípios lógicos. Muitos autores têm con-
cordado com Lévy-Bruhl ao perceber que elas comportam
verdadeiros julgamentos, julgamentos de valor, fundados,
portanto, mais na afetividade do que na razão. Os julga-
mentos de valor não são menos racionais que os jul-
gamentos objetivos. A lógica racional tende a opor
radicalmente inteligência e sentimentos. No entanto, quan-
do se estudam essas duas lógicas na consciência dos
indivíduos vivendo em grupo encontramo-las intimamente
associadas. Com efeito, os julgamentos e raciocínios im-
plícitos na magia e na religião são aqueles mais funda-
mentais para o grupo como um todo. A dimensão afetiva
não retira o rigor desse pensamento já que a lógica que
governa o pensamento coletivo é mais exigente do que
a que governa o pensamento individual. As necessidades
reais, comuns e constantes que a magia satisfaz dão a ela
sua razão de ser, sua coerência. É claro que as idéias dos
grupos podem ser feitas de elementos contraditórios. Mas
as contradições são ao mesmo tempo inevitáveis e úteis.
Por exemplo, o espírito de Exu na umbanda é um ser
espiritual maléfico que trabalha para o bem. Essa aparente
contradição é uma síntese indispensável onde se equili-
bram sentimentos e sensações que são também contraditó-
rias: o bem para um se acompanha do mal para outro;
Exu é um espírito inferior porque maléfico, mas, porque
manipula o mal, é superior aos outros espíritos.
47
Pensar é classificar
)
49
*
Seguindo a tradição da antropologia francesa, Lévi-
-Strauss retoma o problema do "pensamento primitivo" e
tenta ir mais além no desvendamento de sua lógica. Anali-
sando a linguagem de muitos povos, procura demonstrar
4 Ltv1-Snuuss,
cional, 1970. Claude. O pensamento selvagem. São Paulo, Na-
CSH I UFRG
Sl
A ciência do concreto
O mito como bricolage
~ p ,.
u 111 b nd o, aula. Da doença à desordem: a cura magica na
ª a. Rio de Janeiro, Graal, 1985.
66