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Introdução
O sistema de informações e seguranças refere-se ao conjunto de órgãos
encarregados de fazer espionagem e reprimir os “subversivos”. Os “ciclos repressivos”
– a intensa fase de repressão iniciada após e golpe e ou na conjuntura pós-68, seu
abrandamento a partir de 1974 – correspondem à montagem, o apogeu e a decadência
deste sistema complexo de repressão, inédito na história brasileira. Os momentos de
diminuição relativa da coerção correspondem, na verdade, a períodos de intensa
maquinação, por parte dos setores mais exaltados, do esquema repressivo. (p. 18-19)
Apesar das promessas, de todos os generais-presidentes, de liberalização do
regime militar, estas consistiram na incorporação dos poderes arbitrários conferidos pela
“revolução” aos presidentes – uma institucionalização dos desmandos e das
arbitrariedades. Estas promessas eram vistas pelos militares mais exaltados como
iniciativas que poderiam implicar risco de perde de controle antes a subversão e o
comunismo internacional. Deste modo, “à história da implantação e decadência do
sistema de segurança e informações corresponde uma outra, qual seja, a história da
perda e reconquista do controle do poder pelos militares moderados”. (p. 19)
Os documentos das comunidades de informações e segurança permitem
identificar os militares como um “corpo de especialistas” que tinha como público alvo a
própria comunidade, mas também os militares que dela não participavam. Esse material
municiou os “especialistas” de convicções para agir e forneceu sentidos justificados da
repressão àquelas que não participavam da comunidade. Assim, estabeleceu-se uma
relação entre a própria comunidade, que “executava”, e os demais militares, que a
admitiam. (p. 21-22)
O autor questiona o argumento que defende a autonomia relativa dos órgãos de
espionagem e repressão, segundo o qual estes atuavam independentemente das cadeiras
de comando representadas pela hierarquia militar. Para Fico, a repressão foi cometida
com a conivência dos oficiais-generais responsáveis pelas diretrizes e operações de
segurança interna. Foram os próprios generais moderados que criaram a ideia de
autonomia dos responsáveis diretos pela tortura. (p. 24-25)
Do segundo parágrafo, podemos refletir sobre a importância dos documentos da censura
que nomeavam e classificavam as lésbicas. São discursos que produzem efeitos,
estruturam a mentalidade de uma sociedade e orientam práticas políticas do Estado –
práticas repressivas. São discursos que justificam tais ações, portanto, justificam a
perseguição das lésbicas e seu enquadramento social como doentes, pervertidas e
criminosas.
1. Escalada inicial
No início do capítulo, o autor analisa o processo do golpe de 64 e as disputas entre
os militares a cargo da operação, principalmente Castelo Branco. Questiona a divisão
dos militares entre linha dura e moderados, inclusive a do próprio Castelo, conhecido
como um moderado – mas que, nos anos seguintes após o golpe, decretou o recesso do
Congresso Nacional em 1966 e a Lei de Segurança Nacional em 1967. Ele foi um
moderado nas punições e na tentativa de minimizar os efeitos da linha dura... O golpe de
64 representou o início da escalada repressiva. (p. 33-37)
“Esse ethos persecutório não se traduzia num programa de ação político-
administrativo, fundando-se, tão somente, no anseio de “eliminar o inimigo”, visto
como subversivo interessado na implantação de uma “república sindicalista” contrária
aos “valores morais da democracia ocidental”. Esse jargão – de forte conotação ético-
moral, tendente a identificar a origem dos problemas tanto nas pretensões “subversivas”
quanto numa difusa “crise moral” – provinha de consolidada cultura política de direita,
por isso mesmo anticomunista, inspirada em certa liderança civil”. (p. 37) – o autor
refere-se a Carlos Lacerda.
A primeira vitória da linha dura se deu com a edição do AI-2 e a entrada de Costa e
Silva. Sua origem remonta a capitães, majores, tenentes e coronéis que, com um
discurso anticomunista e anti-corrupção, estavam ansiosos por maiores prazos para
completar os expurgos, perseguições e cassação de mandatos (iniciados pelo AI-1 e com
validade de 3 meses). Pouco antes do término da valide do AI-1, foi criado a Serviço
Nacional de Informações, em 1964, proposta que causou conflitos entres os políticos, de
modo que Castelo Branco teve que negociar o apoio de parlamentares do Congresso
Nacional. Portanto, o SNI se inseria nesse contexto de radicalização da repressão – o
projeto era de autoria do general Golbery do Couto e Silva, que estudava a necessidade
de um órgão do tipo desde os anos 1950. Na época, já existia o Serviço Federal de
Informações e Contra-Informações (SFICI), criado no final do governo Kubitschek,
ligado ao Conselho de Segurança Nacional. Buscava-se implantar um serviço que estive
em conformidade com a “doutrina de segurança nacional”. (p. 39-40)
Houve tentativas de fazer com que o SNI fosse um órgão de propagando política,
além de um órgão de informações, mas a proposta foi rechaçada por Castelo Branco,
por sua proximidade com o DIP de Vargas. Assim, o SNI era, precipuamente, um órgão
de informações, e não um órgão repressivo – ainda que integrasse a estrutura repressiva
mais ampla. (p. 42-43)
As ações legalistas de Castelo Branco, no entanto, descontentavam os militares mais
radicais, que as viam como contestação à “Revolução”. Em novembro de 1964, já se
falava na necessidade de um segundo AI, para retomada e ampliação do processo
punitivo. (p. 44-46) Em maio de 1965, o grupo dos militares mais radicais já havia se
constituído como um grupo de pressão, na perspectiva de atuar para além dos IPM, que
concluiriam um pouco antes das eleições para governador. (p. 47)
As eleições de 1965, que resultou em duas importantes derrotas dos militares
(Guanabara e MG), serviu para ampliar os ânimos radicais dos militares exaltados. (p.
48-51) Esse foi o contexto de preparação do AI-2, aprovado em 1966, que estabelecia:
possibilidade de suspensão dos direitos políticos e de cassação de mandatos
parlamentares; imposição da eleição indireta para presidente; permissão ao presidente
para fechar o CN; poder de legislar por decretos-leis; foro especial para civis acusados
de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares, entre outros. (p. 53-
53)
A linha dura disseminava a ideia da existência de uma “força autônoma”, algo
como o “braço autêntico da Revolução”, segundo Fico:
“Bem se vê, portanto, que se ia constituindo não apenas um grupo de oficiais igualados
na adesão aos procedimentos radicais no âmbito da grande política, isto é, desejosos de
cassar mandatos, suspender direitos políticos e demitir funcionários públicos. Formava-
se, além disso, um grupo de homens dispostos a agir por conta própria, sem maiores
considerações pelas normas legais, tendentes a fazer valer suas ideias pela força. Era o
embrião da comunidade de segurança, do caráter e modo de agir dos futuros membros
dos órgãos de segurança.” (p. 55)
Com a aprovação da Constituição de 67, que incorporou as medidas arbitrárias
dos Ais, ficava aberta a porta para a criação de um setor específico voltado para a
repressão política, já que se determinava que toda pessoa é responsável pela segurança
nacional. (p. 55)
A criação de um setor estritamente repressivo era paralela à montagem de um
sistema de informações, parte de um projeto que, apoio em outros instrumentos, como a
censura e a propaganda política, pretendia eliminar tudo o que constituísse uma
divergência em relação à diretriz da “segurança nacional”. (p. 63) Finalmente, a criação
do sistema de informações amparou-se na opção definitiva, pelo governo Costa e Silva,
em favor da ditadura “sem mais”, representada pelo AI-5. (p. 56)
Sobre o debate historiográfico do que ocasionou o que, AI-5 a luta armada ou
vice-versa: Fico entende que se trata de uma interação que não se explica pela noção de
anterioridade, configurada a partir da grande complexidade política do momento e da
relativa autonomia dos fatores que intervinham. O AI-5 veio como um processo de
maturação da linha dura. (p. 56-64)
6. O difícil desmonte
“A simples menção ao projeto de ‘distensão’ gerou imensa reação interna nas
comunidades de segurança e de informações. Na verdade, a atuação de ambas,
contrapondo-se aos projetos de ‘distensão’ e ‘abertura’ políticas, foi um dos fatores
mais importantes dentre os que pesaram na condução ‘lenta, gradativa e segura’ que
Geisel pretendeu imprimir à liberalização do regime.” (p. 211)
Em um primeiro momento, a comunidade de informações associou a abertura à
ameaça comunista. (p. 212)
No contexto da campanha pela anistia, diversos setores da sociedade estavam se
mobilizando para identificar os responsáveis por tortura e assassinato. Todas essas ações
eram monitoradas. (p. 213)
O SNI não foi desmantelado durante o processo de abertura política. Ao
contrário, durante o governo Figueiredo, o órgão ganhou muita força e se transformou
em uma indústria de criptógrafos para todo o país. A primeira mudança, muito sutil, se
daria no governo Sarney, quando o SNI se voltou mais para a segurança externa. (p.
216)
Referências úteis:
Carlos Fico, Reinventado o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no
Brasil
Marionilde Magalhães, A lógica da suspeição, Revista Brasileira de História, vol. 17, N.
34, 1997