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O

ENCONTRO
-baseado na obra de Marta Lynch –
personagens: Homem, Mulher, Gordo e pessoas nas ruas, taxista
1

CENA 1
EXT. RUA. NOITE
O carro trafega. Um táxi. Casal no carro. O hotel.
De dentro do carro.

ELA
Ficamos aqui.
O resto do caminho faremos a pé.

O casal sai do carro / ELE paga / caminham sem dar as mãos na direção
do hotel
ELE
(Voz off)
Aceitar. Deixar a coisa do jeito que é.
Do jeito que está.

ELA
(Voz off)
Você está preso a uma outra vida.
Nem melhor, nem pior. Apenas uma outra vida.
Distinta.
Falsamente distinta em que a carne é uma coisa e o
espírito é outra.

Ela está um tanto séria

CENA 2
INT. RECEPÇÃO DO HOTEL
Entram. O recepcionista, GORDO, tem um lápis apoiado na orelha.
Suarento. Tem um leve sorriso canalha. Olho no olho. Logo atrás vem o
homem.

ELA
(Voz off)
Talvez...
sejam sempre os mesmos gordos em todos os hotéis.

Uma geral dos móveis, e, ambiente. Ar de falsa aristocracia. As mãos


dela tocam os objetos. Olha curiosa para tudo. Enquanto isso o GORDO
faz os livros de recepção. Um relançar de olhares entre os três como se
não se confiassem um no outro.

GORDO
na recepção
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Vão demorar muito?

o casal se olha e dão de ombros, dúvida

São trezentos guaranis.

paga-se. Ele a olha. Ela morde o lábio. O gordo a olha. Ela suspira
fechando os olhos e molha os lábios.

CENA 3
INT. ESCADAS. QUARTO
O casal sobe as escadas, entra no quarto. As paredes são diferentes
umas das outras. Cada parede tem um tipo de abordagem. Ora campos,
ora sensualidade, ora flores, ora geométricos. Nada que combine. Ora
pornografia barata.
Suas testas transpiram. O casal, lentamente, decide, tira a roupa. Estão
sérios. Ela observa seus sapatos e calças.

ELA
(Voz off)
São seus sapatos e calças que eu queria à luz do dia.

Ao longe o barulho de trens e barcos.

ELE
Nesse hotel não podemos.
Tem muita luz. Não pode ser.

ELA
(Voz off)
Aceitar.
Deixar ficar, não é?

CENA 4
No quarto. Cobrem os espelhos e fecham cortinas enquanto tiram o
resto de roupas. Um misto de sexualidade e nada mais o que fazer.
Apagam as luzes. Deixam o abajur. Sexo em penumbras e silhuetas. Só
suspiros. Nenhuma conversa. ELA correndo por um túnel. A luz lá no
fim. Ela correndo para lá. Ou uma rua que desemboca numa praça
iluminada. Traveling ao redor do casal sentado um sobre o outro. Se
olham. Ilumina-se para grande contraste e silhuetas. Se mordem. Se
lambem. Atingem êxtase.
Eles se perguntam à sua vez repetidas vezes durante este êxtase...
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ELES
ecos de cada pensamento

Quem é você?

cada um cai para trás respirando intensamente. Olham para o teto.

CENA 5
O GORDO anota valores em seu livro de pontos, molhando a ponta do
lápis com a boca e dedinho mínimo para cima.

CENA 6
Casal sai na sacada do hotel. Vento ou brisa. As pessoas da rua param na
beira da calçada sob a luz do poste para olhar o casal na sacada. Uma
determinada mulher passa. Olha para ELA. Fixa o olhar. Se olham. E
depois a mulher se vai, olhando para trás. O casal volta para o quarto.
Nas paredes frases obscenas. Frases políticas. Frases de amor. Desenhos
pornográficos nas paredes. Sereia.

ELA
(Voz off)
Nessa tarde...
é a minha história que eu vou escrever aqui.

Há uma sequência de olhares brandos e ternos entre o casal.

Sinto cheiro de sêmen espalhado por todo canto.

Ela para na soleira da porta do quarto. Ele a abraça por trás e desce a
mão por sua coxa. Olhar dela está perdido. Fria.

Muita gente já gozou aqui.


Mas o mundo nos parece alheio hoje.

ELA se livra, se deita e abre as pernas. O homem se deita e começa a


trepar, porém, a cada vez que se esforça, o homem, vai envelhecendo
lentamente. Ela nem goza nem se manifesta. O homem fica cada vez
mais e muito velho. Se olham. Ela o olha com curiosidade; ELE a olha,
velhíssimo, com um meio sorriso melancólico, encurvado, como se
pedisse desculpas. ELA reforça os movimentos, ajudando, querendo
gozar sem conseguir. ELA sempre dá um tempo em seus movimentos
para ver se ele está ou não gozando.
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CENA 7
O GORDO anota mais um valor em dinheiro, molhando a ponta do lápis e
leva a mão ao telefone, após olhar o relógio.

CENA 8

ELA
(Voz off)
...nada do que eu disser...

CENA 9
O GORDO pega o telefone e disca.

CENA 10
QUARTO
ELA
... terá valor algum para nós.

O telefone toca barulhento no quarto. Toca uma. Duas. Ela atende.


Ouve. Leva um tempo.

Sim...

GORDO
pelo telefone

Seu horário já acabou.

silêncio / ELA olha para o parceiro. ELE está humildemente velho,


calvo, resgatando sua roupa. Envergonhado. Ela desliga e começa a
pegar as roupas.

ELE
caquético / murcho

Não saia sem mim.

Pausa

Me espera.

ELA olha ao redor do quarto. Olha para a sereia da parede.


5

Acho que é o cansaço.

Pausa.

Eu até me sinto perplexo com isso tudo.

CENA 11
Descem ao pórtico. ELE entra. ELA está atrás. Olham o GORDO, que dá
um sorriso de boas noites. Observa os dois. ELA olha para porta. Sobre
ela está escrito: “Deixa estar.”
saem / ELE sai primeiro / ELA demora um tanto ainda olhando em
redor.

CENA 12
EXT. FRIO. NOITE
ELE, sozinho segue até a esquina / ELA pega o táxi parado em frente ao
hotel. Passa, de taxi, pelo velho parado na esquina. ELA o olha. ELE a
olha, cabisbaixo. O táxi passa, dobrando a esquina. Perde-se na rua.

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