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AVALIAÇÃO DOS MECANISMOS DE FALHA

DO EIXO DE UM GUINCHO AUTOMÁTICO

Luiz Carlos Gonçalves Pennafort Jr.(1) (luizpennafortjr@gmail.com)


Enio Pontes de Deus(1)(epontes@ufc.br)
Silva Filho(1)(jssfilho@alu.ufc.br)

(1)
Universidade Federal do Ceará (UFC) - Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais - Campus
Universitário do Pici, Bloco 714, CEP 60440-554, Fortaleza, CE.

RESUMO: O presente artigo demonstra a análise de um eixo que rompeu em serviço,


pertencente a um guincho automático utilizado no transporte vertical de carga e passageiros
em obras, com intuito de descobrir as causas que o levaram à ruptura. O trabalho foi
desenvolvido segundo a metodologia recomendada de análise de falhas. Foram realizadas
análises visuais, análise da morfologia da fratura através da microscopia eletrônica de
varredura (MEV) e uma verificação numérica das tensões admissíveis. Posteriormente ao MEV
o material foi caracterizado metalurgicamente através de análise química por espectrometria
de emissão óptica e ensaio de dureza. Após todas as análises foi constatado ter ocorrido uma
falha por fadiga na região reparada por solda, devido a defeitos microestruturais na região de
transição solda/metal base somados ao desalinhamento do conjunto que minaram a vida em
fadiga do eixo.

PALAVRAS-CHAVE: Fadiga, Microscopia Eletrônica de Varredura, Análise de Falha, Eixo.

1. INTRODUÇÃO

Em muitos casos, o pesquisador receberá a parte que falhou com poucas


informações sobre a sua história e condições de operação, exigindo assim uma
investigação criteriosa, onde o analista deverá planejar e gerenciar o trabalho de
forma a evitar perda de tempo em procedimentos inúteis e, principalmente, a perda
de evidências e provas pela eventual destruição de amostras.(KLEINUBING et al., 2012;
CASSOU, 1999).
De acordo com Kleinubing et al. (2012) a análise de falhas é uma disciplina de
engenharia que envolve conhecimentos técnicos prévios no sentido de permitir uma
tomada de decisão frente a uma falha. Uma maneira importante de começar a análise
após a coleta de dados sobre a peça que falhou e o funcionamento do equipamento,
bem como o histórico de manutenção do mesmo, é a utilização de casos bem
informados sobre como sistemas semelhantes falharam.
Em grande parte dos casos a inspeção visual nas etapas iniciais da análise já
permite a identificação do tipo de falha, no entanto em outros casos, é preciso análises
complementares tais como análise química, ensaios mecânicos, exames
metalográficos, aplicação da mecânica da fratura entre outros. (TAWANCY et al., 2004;
KLEINUBING et al., 2012; DAVIDSON, 1999)
O objetivo deste artigo é apresentar a aplicação de uma metodologia de análise
de falha para eixos.
2. MATERIAIS E MÉTODOS,

Segundo dados do fabricante , tabela 1, o Guincho Automático Hércules,


modelo GW 15 - figura 1, utilizado no transporte vertical de carga e passageiros em
obras, é fabricado sobre base rígida, formada por perfis de chapa dobrada, possui um
conjunto redutor de velocidade de rosca sem fim e coroa de bronze, dotado de freio
eletromagnético de corrente contínua, embreagem centrífuga progressiva e comando
à distância. Utilizado também para arraste de cargas.

TABELA 1. Característica Técnicas.


Guincho Automático Hércules, modelo GW 15
• Motor elétrico: trifásico.
• Tensão de trabalho: 220 / 380 / 440 v.
• Frequência: 60 Hz.
• Potência nominal: 15 cv ou 20 cv.
• Rotação do Motor: 1200rpm e 1800rpm (em função da altura da torre).
• Altura máxima de elevação:120 m
• Capacidade de carga: 12 pessoas ou 1200 kg
• Velocidade média da carga: 45 m/min
• Peso aproximado do guincho: 500 kg

Figura 1.- Guincho Automático Hércules, modelo GW 15.

Várias técnicas para a caracterização mecânica e metalúrgica do material foram


utilizadas para avaliar os mecanismos de falha. A metodologia utilizou os seguintes
passos: inspeção visual da parte fraturada com imagens macro e micrográfica,
microscopia eletrônica de varredura (MEV), em conjunto com análise química e
medições de dureza. Na Figura 2 tem-se o componente motivador da análise e a região
de fratura.
Fratura

A B
Figura 2. Eixo como recebido: (A) Região do redutor e (B) Região do tambor.

3. RESULTADOS E CONCLUSÕES,

3.1 Análise Macroscópica


3.1.1. Região da Fratura
Foram observadas na análise visual regiões distintas nas superfícies da fratura
do lado A (redutor) e B (tambor), como mostrado a Figura 3, onde a região 1 é o início
da fratura, a região 2 as proximidades da solda de reparo, a região 3 apresenta marcas
de sargento e a região 4 estrias, ocasionadas pela elevada taxa de deformação.
A região de início da fratura apresenta de acordo com a Figura 3, certa relação
com a soldagem de reparo do eixo, ocorrendo na região da zona termicamente
afetada (ZTA).

1 3 1 3

2 4 4
2

A B
FIGURA 3. Região da fratura A (redutor) e B (tambor).

3.1.2. Superfície externa do eixo


Analisando as demais regiões do eixo, verificou-se inúmeros pequenos pontos
com perda de material e/ou amassamento, próximos a região fraturada, inclusive na
linha de seção da fratura, conforme demonstrado na Figura 4, além das marcas de
desgaste (riscos) na região do mancal.
Outra região que apresentou marcas de desgaste excessivo foi a da
extremidade oposta à fratura também na região do mancal, fato indicador de um
balanceamento incorreto, o qual gerou desgastes nas regiões dos mancais como
mostrado na Figura 5. O desbalanceamento do eixo o submeteu a elevados esforços de
flexão alternados, favorecendo a fadiga do mesmo.
FIGURA 4. Pontos de amassamento e perda de material.

FIGURA 5. Ranhuras de desgaste excessivo (riscos) na ponta do eixo (mancal).

3.2. Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV)

Foi analisado no MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura) uma amostra


retirada da região fraturada, seção transversal do eixo. Os resultados das análises na
amostra retirada do início da fratura podem ser observados nas Figuras 6, 7A e 7B
onde são mostradas trincas secundárias, estrias de fadiga e um degrau do material,
respectivamente.

FIGURA 6. Trincas secundárias.


A B

FIGURA 7. (A) Estrias de fadiga, elevada taxa de deformação e


(B) Degrau do material, região de transição solda/material base.

3.3. Análise Química

A análise química foi realizada em duas regiões de uma amostra (na solda e no
metal base), com uma média de duas análises, utilizando-se Espectrômetro de Emissão
Ótica. Os resultados obtidos são compatíveis com o aço 1045 (SHIGLEY & MISCHKE,
1989; DE CARVALHO & MORAES, 1982; ATLAS SPECIALTY METALS, 2005), estando de
acordo com a especificação, conforme o apresentado na Tabela 2.

TABELA 2. Resultado da análise química.


ELEMENTO
C Si Mn P S Ni Cr Mo V
PERCENTUAL
Análise Química
Metal Base 0.48 0.12 0.45 0.01 0.01 0.00 0.17 0.00 0.00
(Média)
Desvio Padrão 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00
Análise Química
0.51 0.14 0.49 0.01 0.01 0.89 0.47 0.06 0.00
Solda (Média)
Desvio Padrão 0.03 0.01 0.04 0.00 0.00 0.35 0.07 0.02 0.00
Especificação
0.43-0.50 0.10-0.35 0.30-0.90 0.04 0.04 - - - -
SAE 1045

As alterações apresentadas na análise química da solda, surgimento de Ni e


aumento do Cr, são esperados tendo em vista que os eletrodos indicados para
recuperação de aço 1045 contêm estes elementos em sua composição.

3.4. Ensaio de Dureza

O ensaio de dureza foi realizado na escala Vickers (HV), utilizando-se uma carga
de 1N, obtendo-se como resultado a média de 429HV (415HB) e 345HV (345HB) para o
material base e a região da solda respectivamente.
Valores que estão acima do especificado para o aço 1045, cujo valor é de
215HB (DE CARVALHO & MORAES, 1982), resultado esperado devido à alta
deformação sofrida na microestrutura desta região.
3.5 Análise Numérica

Conhecendo-se os valores da tensão aplicada (manual de operação do


elevador), tensão de escoamento e tensão de ruptura, foi desenvolvida uma análise
numérica para relacionar os valores de tensão aplicada e a resistência à fadiga do eixo.
Carga máxima de trabalho adotando gravidade igual a 10 m/s² tem-se F = 1200
kg (capacidade de carga) + 500 kg (cabine) * g = 17000 N
Os valores especificados para o aço SAE 1045 são de 670MPa para a tensão de
ruptura e 410MPa para o limite de escoamento. (DE CARVALHO & MORAES, 1982)

3.5.1. Cálculo da resistência à fadiga do componente

O cálcuo da Tensão de Fadiga segundo (SHIGLEY & MISCHKE, 1989 e DE


CARVALHO & MORAES, 1982) é feito através da Equação 1 e Equação 2 (corrigida),
onde Ka = 0,82 é o fator de superfície; Kb = 0,75 é o fator de tamanho; Kc = 1,00 é o
fator de confiabilidade; Kd = 1,00 é o fator de temperatura e Ke = 1,00 são os fatores
diversos.
Substituindo os valores dos coeficientes na Equação 2 tem-se que o valor da
n (corrigida) = 0,82*0,75*335 = 206 Mpa

n = 0,5 rt = 0,5*670 = 335Mpa


(1)

n (corrigida) = Ka*Kb*Kc*Kd*Ke*n (2)

Considerando, de acordo com os autores De Carvalho & Moraes (1982), para o


dimensionamento de eixos sujeitos a esforços variáveis (torção constante e flexão
alternada) tem-se a Equação 3.

√√
2
K M
3
D=2 , 17 √ ( FS )
3 2
0 , 422
T
(σ ) e
2
+
( f

σ n
v

) (3)

√√
2
T 2 K f M v Adotando-se os valores abaixo e
3 3 2
D=2,17 √( FS ) 0,422
σe ( )(
+
σn )
substituindo-os na Equação 3 pode-se calcular o torque através da Equação 4 e o
momento fletor através da Equação 5.
D = 64,5 mm
 = 0,3e ou 0,18rt   = 0,3*410 ou 0,18*670   = 123 ou 120,6   = 120,6
MPa (adotou-se o menor valor)
Kt = 3 (carga subitamente aplicada, grande choque)
Km = 3 (carga subitamente aplicada, grande choque)
Kf = 1 (eixo de seção constante)
πD 3
T=
τ ( )
16
(4)
K t

L
(5)
Mv = (17000/2)* 2

Os valores do torque e momento fletor são respectivamente,


L
T = 120,6*(3,14*(267713/16))/3 = 2116971 N*mm e M v = (17000/2)* 2 =
8500*610/2 = 2592500 N*mm. Substituindo os valores anteriores na Equação 3 tem-se
o fator de segurança FS = 2,06.
Segundo os autores Modenesi (2001) e Nishida (1992) para o dimensionamento
de eixos são adotados para o fator de segurança o seguinte intervalo de valores 1,25 
(FS)  2,5

3.6. Análise dos resultados

Quanto à análise da fratura, observou-se que esta ocorreu por fadiga na região
imediatamente após o mancal do lado acionador, em consequência dos esforços de
flexão alternados que solicitam o eixo, evidenciados pelo desalinhamento estrutural do
eixo e as marcas de desgastes nas regiões de contato com o mancal. Estas informações
levaram às hipóteses abaixo mencionadas.
 Sobrecarga oriunda do alinhamento incorreto do eixo, ocasionando
desbalanceamento do conjunto.
 Defeitos microestruturais na região de transição solda/metal base, isto é da
zona afetada pelo calor (ZAC).
 Seleção inadequada de consumíveis, tendo em vista a probabilidade de
ocorrências de trincas induzidas pelo hidrogênio na ZAC.
 Execução do processo de soldagem incorreto, pois se as tensões de
expansão/contração térmica excedem os limites de deformação do metal
de base, acontecem deformações plásticas localizadas no metal,
deformações que causam uma redução permanente nas dimensões dos
componentes e torcem a estrutura.
Quanto à microestrutura, observaram-se algumas imperfeições como oxidações
e microtrincas, sendo que a primeira é de difícil diagnóstico, pois o eixo foi entregue
para análise sem qualquer proteção da superfície fraturada bem como com bastante
tempo depois do ocorrido, estando sujeito assim à oxidação severa, no entanto as
microtrincas formadas podem estar relacionadas com a solidificação (soldagem com
aporte térmico elevado) e/ou induzidas pelo hidrogênio.
A menor dureza apresentada na região da solda em relação ao material base
está relacionada ao efeito do encruamento ser completamente perdido na zona
fundida, devido à fusão e a solidificação, e parcialmente perdido na ZAC, devido à
recristalização e ao crescimento de grão.
Segundo a análise numérica pode-se constatar que o coeficiente de segurança
calculado (FS=2,06), considerando o fator de superfície e de tamanho, comprova que o
dimensionamento esta de acordo quanto à fadiga.

3.7. Conclusão

Durante a análise macroscópica foram apontados, riscos profundos e marcas


de pequenas irregularidades (amassamentos e desgastes) nas regiões de contato com
os mancais comprovando que o equipamento trabalhou em situação de
desalinhamento do eixo.

Estes concentradores de tensão somados ao desalinhamento do conjunto


minaram a vida em fadiga do eixo. Como o próprio nome já diz, estes concentradores
de tensão aumentam a tensão de maneira localizada nesses pontos, onde muitas vezes
se ultrapassa a tensão suportada pelo material, nucleando trincas. Uma vez nucleadas,
estas trincas passam a se propagar em condições operacionais normais, podendo
fraturar o eixo durante a operação do mesmo.
As fraturas em eixos ocorrem na maioria dos casos, imediatamente após o
mancal do lado acionador, em consequência dos esforços de flexão alternados que
solicitam o eixo, local onde as fraturas vão se aprofundando de fora para dentro, até
culminar com a ruptura, quando a resistência do que ainda resta da seção do eixo não
for mais suficiente. Logo se deve evitar soldas ou usinagens adicionais no eixo, pois
podem causar concentradores de tensões e mudança nas propriedades mecânicas do
material, além do possível empenamento do eixo devido ao elevado aquecimento
durante o processo de soldagem.
Em aços com teor de carbono acima de 0,30% e com adições de manganês,
recomenda-se a utilização de técnicas especiais de soldagem, devido o surgimento de
constituintes de elevada dureza e fragilidade, na zona afetada pelo calor (ZAC), além
da formação de trincas induzidas pelo hidrogênio, conforme observado no
Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV). Ainda, em função de uma seleção
inadequada de consumíveis ou de um projeto ou execução incorretos, podem ocorrer
problemas como porosidade, mordeduras, falta de fusão e corrosão.(MODENESI, 2001)
A iniciação das trincas por fadiga ocorre preferencialmente a partir da
superfície do metal. Mesmo que a tensão nominal seja bem menor que o limite
elástico, localmente as tensões podem atingir níveis muito maiores devido à
concentração provocada por vazios ou contornos de grãos. As deformações plásticas
ocorrem, então, na microescala e a ductilidade passa a diminuir na medida em que se
esgota a capacidade de encruamento e se formam trincas microscópicas; a propagação
dessas trincas vem em consequência das concentrações de tensões resultantes. Para o
aço ABNT 1045, uma das recomendações é a realização de um tratamento térmico
pós-soldagem (TTPS), para aliviar as tensões e melhorar as propriedades mecânicas.

4. REFERÊNCIAS

ATLAS SPECIALTY METALS - TECHNICAL HANDBOOK OF BAR PRODUCTS, 2005.


ASTM E140 - Standard Hardness Conversion Tables for Metals.
CASSOU, C. A. Metodologia de Análise de Falha. Dissertação de Mestrado em
Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais, PPGEMM - UFRGS, 1999.
DAVIDSON, T. An introduction to failure analysis for metallurgical engineers. TMS
Outstanding Student – Paper Contest Winner, Undergraduate Division. 1999.
DE CARVALHO, J.R.; MORAES, P., "Órgãos de máquinas dimensionamento" 2ª
edição,Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 1982.
KLEINUBING, R. ; GRIZA, S.; STROHAECKER, T. R. Análise metalográfica e de fraturas
aplicadas aos acidentes de trânsito. SOS Estradas, Disponível em:
<http://www.estradas.com.br/sosestradas/articulistas/kleinubing/analise_metalog
rafica.asp>. Acesso em: 6 nov. 2012.

METALS HANDBOOK, "Fadigue Analysis and Prevention", 9 th edition, ASM 1986.


MODENESI, P.J. Soldagem de Ligas Metálicas. Belo Horizonte. 2001. 35p.
NISHIDA, S. "Failure Analysis in Engineering Aplications", Butterworth-Heinemann,
great Britain, 1992.
SHIGLEY, J.E.; MISCHKE, C. R., "Mechanical Engineering Design", USA, 1989.
TAWANCY, H. M.; UL-HAMID, A.; ABBAS, N. M. Pratical Engineering Failure Analysis.
Marcel Dekker, Inc, New York, EUA, 607 p., 2004.

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