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CLAUDIA DECHICHI

TRANSFORMANDO O AMBIENTE DA SALA DE AULA

EM UM CONTEXTO PROMOTOR DO

DESENVOLVIMENTO DO ALUNO DEFICIENTE MENTAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO - 2001


ii

CLAUDIA DECHICHI

TRANSFORMANDO O AMBIENTE DA SALA DE AULA

EM UM CONTEXTO PROMOTOR DO

DESENVOLVIMENTO DO ALUNO DEFICIENTE MENTAL

TESE APRESENTADA À BANCA


EXAMINADORA DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE SÃO PAULO, COMO EXIGÊNCIA

PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR


EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO, SOB ORIENTAÇÃO

DA PROFA. DRA. HELOISA RIBEIRO SZYMANSKI

SÃO PAULO
2001
iii

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________
iv

Para
Rafael, Pedro, César, Fred, Clara, Taís, Carlos, Patrícia,
Rosângela, Carlos Eduardo, Catiane, Fábio, e Caíque,
meus primeiros alunos. Crianças muito... muito mais que especiais,
que revelaram em mim minhas melhores possibilidades como ser humano
e despertaram meu desejo de querer saber mais.

Para José Francisco,


que construiu comigo este sonho
e nunca concordou em ficar distante,
com todo meu amor e gratidão.
v

EM ESPECIAL,

Aos meus pais, Lázaro e Eva, que participaram desta conquista

preparando-me para ela. Meu pai, que me revelou o fascínio pela leitura e

o prazer na busca pelo conhecimento. Minha mãe, que me ensinou tudo

sobre determinação e força de vontade para estar no mundo e conquistar

os objetivos desejados.

À minhas irmãs, Marília e Paula, que sempre me aqueceram em sua

amizade e afeto, tornando assim minha vida melhor.

À Márcia, amiga incondicional e irmã de coração, por tornar-me uma

pessoa melhor com o seu olhar.

Aos meus familiares e amigos, pois, sem eles esta teria sido uma

trajetória solitária.

A todos aqueles que,de uma forma ou de outra, mesmo sem saber,

contribuíram para a realização deste trabalho


vi

Agradecimentos,

À Professora Dra. Heloisa Ribeiro Szymanski, não só pela


competência com que me orientou na realização deste projeto, mas por
tê-lo tornado possível. Há quatro anos atrás, eu tinha um ideal e uma
idéia; Heloisa respeitou o primeiro e apoiou-me na realização da segunda.
Com delicadeza, competência e segurança, ela foi a parceira ideal neste
processo de desenvolvimento.

Às minhas professoras no Programa de Psicologia da Educação e,


em especial, à Professora Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco, minha
primeira professora. Com seu bom humor e competência, Vera tornou
mais agradáveis os primeiros tempos no doutorado.

À Sra.Irene Medeiros de Castro, secretária do Programa de


Psicologia da Educação, pela simpatia, eficiência e dedicação com que
sempre me atendeu. Sem a ajuda de Irene, certamente, tudo teria sido
mais difícil.

Às Professoras, Diretoras e Supervisoras das escolas da Rede


Pública Municipal de Uberlândia que participaram deste estudo e foram de
fundamental importância para que ele fosse realizado.
vii

Sumário

RESUMO __________________________________________________________IX

ABSTRACT ________________________________________________________ X

APRESENTAÇÃO__________________________________________________ 11

O TEMA DE INTERESSE _____________________________________________ 17


OBJETIVO DO TRABALHO ____________________________________________ 20

INTRODUÇÃO_____________________________________________________ 22

DEFICIÊNCIA MENTAL E EDUCAÇÃO ESPECIAL_____________________________ 24

EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL - ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO _________ 26

O MOVIMENTO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL DOS PORTADORES DE NECESSIDADES


ESPECIAIS ______________________________________________________ 41

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ____________________________________________ 47

DEFICIÊNCIA MENTAL E ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESCOLAR _______________ 52

MUDANÇAS NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESCOLAR _________________________ 55

A ESCOLA COMO CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO ___________________________ 59

A INSERÇÃO ESCOLAR DO DEFICIENTE MENTAL E A

PERSPECTIVA ECOLÓGICA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO __________________ 65

METODOLOGIA DA PESQUISA NO CONTEXTO ESCOLAR _______________ 81

PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA _________________________________ 84


OBJETIVOS____________________________________________________ 84

PARTICIPANTES ________________________________________________ 85

PROCEDIMENTOS _______________________________________________ 85

SEGUNDA ETAPA DA PESQUISA _________________________________ 87


OBJETIVOS____________________________________________________ 87
viii

PARTICIPANTES ________________________________________________ 88

PROCEDIMENTOS _______________________________________________ 97

ENTREVISTA REFLEXIVA A PARTIR DO REGISTRO DE OBSERVAÇÃO:


CONSTRUINDO A ESTRATÉGIA DA PESQUISA ___________________________ 99

MÉTODO DE ANÁLISE DOS DADOS ______________________________ 116

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ___________________________ 121

I – IDENTIFICAÇÃO DAS CATEGORIAS _______________________________ 122


IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA _________________________ 125

PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA ______________________________ 154

PARTICIPANDO DA PESQUISA _____________________________________ 166

MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O AGIR EM SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA ______ 183

II - DISCUSSÃO DAS CATEGORIAS __________________________________ 207

CONCLUSÃO ____________________________________________________ 237

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________ 240

ANEXO A ________________________________________________________A.1
ANEXO B________________________________________________________B.1
ix

DECHICHI, Claudia. Transformando o ambiente da sala de aula em um contexto


promotor do desenvolvimento do aluno deficiente mental. 2001, .Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

RESUMO

Considerando o processo de inserção escolar do aluno deficiente mental em salas


do ensino regular, este estudo tem como objetivo compreender o fenômeno da
transformação do ambiente da sala de aula em um contexto promotor do
desenvolvimento desse aluno, a partir de mudanças na qualidade interacional da
díade professora-aluno desencadeadas por modificações no pensar e agir da
professora sobre sua prática pedagógica, suscitadas no contexto interacional da
pesquisa. Inicialmente, o estudo apresenta uma breve revisão teórica sobre a
história da Educação Especial no Brasil e a evolução dos tipos de atendimento
escolar oferecidos as pessoas com deficiência mental, e discute também o papel da
escola na preparação destes indivíduos para sua inserção social plena.
Posteriormente, o trabalho relata uma investigação empírica, realizada dentro dos
parâmetros metodológicos do estudo de caso etnográfico, em uma escola pública
municipal, envolvendo a participação de uma professora da primeira série do Ensino
Fundamental. Os dados obtidos foram analisados tendo como referência os
pressupostos teóricos da orientação ecológica do desenvolvimento humano,
segundo Bronfenbrenner (1996). Como estratégia de investigação e coleta de dados
foi utilizada a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação que, no
ambiente da pesquisa, ofereceu à professora um espaço interacional de discussão e
reflexão, a partir de elementos de sua própria prática pedagógica. As Entrevistas
Reflexivas a partir do Registro de Observação revelaram-se situações interacionais
promotoras do desenvolvimento da professora, pois desencadearam mudanças
significativas em sua forma de interpretar e perceber aspectos do microssistema da
sala, transformando sua interação com o aluno deficiente mental em díades
desenvolvimentais. O trabalho constata, portanto, que a transformação do
microssistema da sala em um contexto favorecedor do desenvolvimento do aluno
deficiente mental passa por mudanças na interação diádica da professora com esse
aluno. Contudo, a ocorrência dessas mudanças envolve um conjunto de fatores que
extrapolam a especificidade do processo de inserção escolar do deficiente mental,
os quais devem ser analisados de uma forma mais ampla que considere o ambiente
ecológico da escola inserido no macrossistema educacional.

Unitermos: Entrevista Reflexiva, Inserção Escolar, Deficiente Mental, Formação


Continuada, Bronfenbrenner.
x

DECHICHI, Claudia. Transforming the classroom environment into a context that


promotes the development of the mentally handicapped student. 2001, Doctorate
Thesis. Educational Psychology Program. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo.

ABSTRACT

Considering the process of placing the mentally handicapped student in a normal


teaching environment, the objective of this study is to better understand the process
of transforming the classroom environment into a context that promotes the
development of such a student, based on improvement in the quality of interaction
between the teacher-student dyad, resulting from the implementation of changes,
provoked by the interactive context of the research, in the way that the teacher thinks
and acts in practicing his or her teaching skills. Initially, the study presents a brief
theoretical review of the history of Special Education in Brazil and the evolution of the
types of educational service offered to those people with mental handicaps. Also
discussed is the role of the school in preparing these people for playing a full part in
society at large. Later, this work puts forward an empirical investigation, conducted in
accordance with the methodological parameters of an ethnographic case study, in a
municipal public school, involving the participation of a teacher of a Basic Education
first grade class. The data obtained was analyzed, having as a point of reference the
ecology of human development theory, according to Bronfenbrenner (1996). As an
investigation and data collection strategy, use was made of the Reflexive Interview
Based on Observation Records which, from the point of view of the research, offered
the teacher an interactive environment for discussion and reflection, based on
elements of her own teaching skills. The Reflexive Interview Based on Observation
Records revealed interactive situations that promoted the development of the
teacher, as they brought about significant changes in the way in which this person
interpreted and perceived certain aspects of the classroom microsystem,
transforming the teacher's interaction with the student into developmental dyads. This
work shows, therefore, that transformation of the classroom microsystem into a
context that favors the development of the mentally handicapped student depends on
there being changes in the interaction between the teacher and this student.
Nevertheless, the occurrence of these changes involves a group of factors that
extrapolate the specific nature of the process of placing a mentally handicapped
student in the educational system, which should be analyzed in more in-depth
manner, including consideration of the ecological environment of the school as part
of the educational macrosystem.

Keywords: Reflexive Interview, Inclusive Schooling, Mentally Handicapped, Bronfenbrenner.


APRESENTAÇÃO

As questões envolvendo o tema da educação especial e da deficiência mental têm


estado presente em minha vida profissional desde o início de minha carreira como
psicóloga e professora. Os primeiros anos de exercício profissional foram como
psicóloga educacional em instituições especiais, que atendiam indivíduos com
deficiência mental, e minhas primeiras experiências na docência aconteceram sendo
professora de classes especiais para alunos deficientes mentais, em escolas da rede
pública, em São Paulo.
Trabalhar nessas duas áreas, em interface com a educação especial, trouxe-
me o raro privilégio de poder vivenciar o mesmo fenômeno – a inserção escolar da
criança com deficiência mental, a partir de dois enfoques diferentes: o da professora
e o da psicóloga. Se, por um, lado aprendi muito com tais experiências, por outro
enfrentei dificuldades por conta da minha formação acadêmica incompleta em
relação aos conhecimentos sobre deficiência mental; pela falta de informações
científicas mais objetivas a respeito dos aspectos do processo de construção do
conhecimento pela criança deficiente mental; e pela ausência de uma assessoria de
outros profissionais especializados na área. Entretanto, apesar das dificuldades
enfrentadas, a complexidade do trabalho e as possibilidades de atuação
aumentaram meu interesse e estimularam minha necessidade de estudar e
pesquisar mais sobre o assunto.
Com o ingresso na carreira docente do ensino superior, em uma universidade
pública, em 1994, tive oportunidade de implementar novos projetos envolvendo o
trabalho em Psicologia da Educação e o atendimento educacional oferecido ao
deficiente mental. Na universidade, pude participar de projetos de pesquisa e de
extensão junto a algumas escolas públicas de Uberlândia, atendendo tanto crianças
com queixa de problemas de aprendizagem e/ou déficit cognitivo, como professoras
e especialistas pedagogos. Esses projetos levaram-me a conhecer, muito de perto, a
precária situação em que se encontra o ensino público a qual, infelizmente, não se
12

restringe apenas à realidade das escolas públicas de Uberlândia. Ao contrário disto,


dissemina-se por todo o país, haja vista os altos índices de evasão e repetência nas
séries iniciais do Ensino Fundamental – o fenômeno do fracasso escolar.
Nessa época, tomei conhecimento de variados tipos de atendimento
educacional oferecidos a crianças com deficiência mental, tanto em escolas públicas
especiais, como em salas do ensino regular de escolas comuns. Pude constatar que,
na maioria dos casos a ineficácia do processo de escolarização e a incompetência
no atendimento eram alarmantes. Dentre os fatores, apontados pelos profissionais
da área, como contribuintes para tal situação de fracasso estavam: a falta de
preparo das professoras para atender esse tipo de clientela e a ausência de um
trabalho de assessoria e apoio a elas; a ineficiência do atendimento escolar de apoio
oferecido aos alunos deficientes mentais inseridos nas salas de ensino regular e a
falta de preparo dos especialistas que realizavam esse atendimento; as concepções
errôneas e preconceituosas sobre deficiência mental; a desqualificação do aluno
deficiente mental como alguém que pode aprender e desenvolver-se
academicamente; o desânimo e/ou pessimismo do educador diante do “quadro da
etiologia orgânica” da deficiência mental, na maioria das vezes, entendido a partir de
idéias erradas ou mal compreendidas.
Considerando a situação acima, em 1994, juntamente com outras duas
professoras da área de Psicologia Educacional/Escolar, foi iniciado um projeto de
extensão cujo objetivo era atender crianças com queixa de fracasso escolar,
oriundas das séries iniciais do Ensino Fundamental de escolas públicas municipais.
Algumas das crianças encaminhadas pelas escolas, ao atendimento, chegavam com
a classificação de deficientes mentais; outras vinham com a solicitação de serem
avaliadas psicologicamente, pois havia a suspeita, por parte das professoras e/ou
supervisoras, de que seriam crianças deficientes mentais.
A presença de crianças com deficiência mental na rede pública municipal
ocorre porque, há alguns anos, com a implementação do “Projeto de Ensino
Alternativo”, a Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia adotou a política
educacional de receber, em escolas da rede municipal, crianças ou jovens
portadores de deficiências ou de necessidades educacionais especiais. Assim
sendo, encontramos, inseridos em salas de aula do ensino regular da rede
municipal, alunos com: deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência mental e
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deficiência física. Esses alunos freqüentam as salas de aula do ensino regular no


horário normal e, no período extra-turno, recebem atendimento educacional especial,
dentro da própria escola, oferecido por professoras especialmente preparadas e
designadas para esse fim.
Assim, no desenvolvimento do já mencionado projeto de extensão, procurou-
se estabelecer uma ampla área de abrangência envolvendo: atendimento
psicológico educacional aos alunos encaminhados; orientação psicológica aos seus
pais ou responsáveis; visitas às suas escolas; entrevistas com as diretoras e
supervisoras pedagógicas; e assessoria em Psicologia Educacional tanto às
professoras dos alunos, como à equipe de profissionais responsável pela
coordenação técnico-pedagógica do atendimento escolar especial nas escolas.
Desde aquela época, outros projetos de pesquisa e de extensão têm sido
implementados e isto têm me colocado em contato com a realidade do atendimento
escolar público municipal oferecido a crianças deficientes mentais. A entrada nas
escolas e a maior proximidade com os profissionais educadores, direta ou
indiretamente envolvidos com o atendimento escolar oferecido a pessoas com
deficiência mental, em escolas da rede pública municipal, permitiu-me conhecer
melhor essa realidade e interessar-me ainda mais por esse complexo fenômeno.
O trabalho em Psicologia da Educação, junto aos educadores da rede pública
de ensino, tem me levado ao interior de algumas escolas municipais onde ocorrem
experiências de inserção escolar de crianças ou jovens com deficiência mental, em
salas de ensino regular e, por conta disto, tenho tido oportunidade de discutir os
diversos aspectos envolvidos nesse fenômeno, a partir dos mais variados pontos de
vista: conversando com as professoras regentes que têm alunos deficientes mentais
em suas salas e com suas supervisoras pedagógicas; conversando com as
professoras especialistas que realizam o serviço de atendimento especial; reunindo-
me com a equipe de pedagogos que coordena o projeto municipal de atendimento
educacional especial – o Projeto de Ensino Alternativo; conversando e/ou avaliando
alunos considerados deficientes mentais; escutando os pais destes alunos etc.
Trabalhando com os profissionais educadores, pude constatar que ainda
existem muitas dúvidas e críticas a respeito do modo como vem sendo realizado o
processo de inserção escolar de alunos com deficiência, principalmente, quando se
trata de deficientes mentais. Outro fato importante observado é que,
14

freqüentemente, quando ocorre o fracasso do processo de inserção, este é


justificado em função de características específicas do aluno relacionadas, pela
professora e/ou pela supervisora, ao quadro etiológico de sua deficiência mental
e/ou, então, ao fato desse aluno deficiente não contar com um atendimento
especializado fora da escola para “tratar seu problema”, segundo a professora; ou as
duas coisas.
Contudo, analisando melhor essas experiências de inserção escolar, na
maioria dos casos, constata-se que a causa do referido fracasso está estreitamente
relacionada à ausência de um planejamento escolar voltado para promoção do
desenvolvimento global do aluno, seja ele deficiente mental ou não, associado à:
falta de preparo das professoras regentes; falta de assessoria especializada para as
professoras; déficit no atendimento de apoio a essas crianças; ausência de
comunicação entre os profissionais que as atendem; concepções equivocadas e
preconceituosas sobre a deficiência mental; ausência de um projeto político
pedagógico na escola que contemple a inserção escolar desses alunos etc.
Dos fatos apontados, dois se destacam pela incidência com que aparecem
nos depoimentos das professoras e pela importância que as conseqüências
associadas a suas ocorrências implicam para a efetivação do processo de inserção
escolar do deficiente mental. Um deles é a avaliação feita pelas professoras da falta
de preparo, sentida por elas, para lidar com a situação acadêmica de ter um aluno
deficiente mental inserido em sua sala de ensino regular. O outro é a queixa das
professoras sobre a ausência de orientação ou de assessoria técnica pedagógica
específica, por parte da equipe de especialistas da escola, para lidar com a referida
situação acadêmica. Daí, a freqüente solicitação por parte delas, e também da
equipe pedagógica da escola, por projetos de assessoria em psicologia educacional
dirigidos aos professores do ensino regular que atendem os chamados alunos
“especiais”.
Os dois fatos destacados remetem a importantes questões extremamente
relacionadas ao processo de inserção escolar de alunos deficientes mentais: a
formação (pré-serviço ou continuada) da professora que atende esse aluno em sala
de aula; e a necessidade e possibilidade da Psicologia da Educação estar
contribuindo efetivamente no processo de formação continuada dessa professora.
15

Destaco a importância da formação continuada da professora, pois acredito


que, na promoção da competência desse profissional, se encontra um dos caminhos
de transformação da atual situação do atendimento escolar público, independente do
aluno ser deficiente mental ou não. O reconhecimento desta importância e meu
grande interesse pelo tema da formação continuada de professores podem ser
constatados, mediante a presença constante desta temática em meu cotidiano
profissional dentro da Universidade, ora via projetos de extensão em Psicologia da
Educação desenvolvidos dentro de escolas públicas, ora como tema de investigação
científica, dentro de projetos de pesquisa desenvolvidos.
Portanto, a inspiração e o desejo de realização do presente estudo surgiu a
partir de considerações em torno de três eixos reflexivos, extremamente
relacionados entre si e presentes em minha prática profissional acadêmica: (1) o
reconhecimento da importância do processo de inserção escolar para o
desenvolvimento global da criança com deficiência mental e a necessidade de
conhecer melhor a complexidade desse fenômeno; (2) a importância da participação
da professora em programas de formação continuada voltados para ascensão de
sua competência a níveis superiores de eficiência e qualidade profissional, a partir
de reflexões oriundas de sua própria prática docente; e (3) a possibilidade da
Psicologia da Educação estar contribuindo, por meio da realização de projetos de
formação continuada, para a promoção de condições educacionais que garantam o
sucesso do processo de inserção escolar, não só de crianças com deficiência
mental, mas de todo e qualquer aluno que se encontre excluído do processo escolar
educacional.
Meu ingresso no programa de doutoramento permitiu-me dedicar tempo
integral a essas questões que vinham, há algum tempo, despertando meu de
interesse profissional e curiosidade científica. Ali, com a pareceria de minha
orientadora, Profa. Dra. Heloisa Szymanski, procedemos a um recorte
epistemológico da realidade a ser investigada, tal a complexidade do fenômeno em
questão, e desenvolvemos o projeto de pesquisa que será apresentado nos
capítulos que ora se seguem.
Inicialmente, faremos a necessária introdução teórica relativa ao tema da
pesquisa, de modo a familiarizar o leitor com as leituras e estudos que temos feito
sobre o assunto e de que forma isto têm contribuído para a construção de nossos
16

conhecimentos a respeito dos temas abordados. Após a introdução, serão expostos,


detalhadamente, os objetivos e a metodologia científica que conduziram a realização
da pesquisa. Em seguida, serão apresentados os resultados das discussões e as
conclusões finais.
Nesta breve apresentação, entretanto, queremos situar o leitor em relação ao
nosso tema de interesse, de que forma nosso olhar foi ajustado em direção ao
fenômeno pesquisado e quais foram os principais objetivos pretendidos com a
realização desta pesquisa.
17

O TEMA DE INTERESSE

Acreditamos que todos os membros de uma sociedade têm o direito de estar


inseridos no meio social em que vivem, usufruindo de condições dignas de
sobrevivência, atuando em seu contexto de forma participativa e produtiva, sendo
valorizados em suas habilidades, auxiliados em suas dificuldades e respeitados em
suas limitações.
A inserção social plena e autônoma depende do processo de
desenvolvimento global do ser humano, iniciado no momento em que ele nasce,
ocorrendo em constante interação com o seu meio ambiente. Além da influência
familiar, o indivíduo deverá dispor das várias instituições sociais existentes em seu
contexto para auxiliá-lo em seu desenvolvimento e em sua preparação para uma
inserção social adequada. O processo de desenvolvimento global de uma pessoa é,
por condição, um processo social, uma vez que esse indivíduo nasce e cresce em
um contexto social e desenvolve-se na interação com os outros homens; pois o
homem aprende a ser humano na interação com os outros seres humanos.
O indivíduo que nasce com uma deficiência mental tem o mesmo direito,
como qualquer outra pessoa, de estar inserido na sociedade, usufruindo de
condições dignas de sobrevivência, atuando em seu contexto de forma participativa
e produtiva, sendo valorizado em suas habilidades, auxiliado em suas dificuldades e
respeitado em suas limitações. Se, ao longo de seu desenvolvimento, esse indivíduo
demonstrou possuir maiores dificuldades ou limitações para conseguir essa inserção
social, não apresentando o desempenho usualmente demonstrado pela maioria das
pessoas consideradas “normais”, então, os outros membros daquele contexto social
têm a obrigação moral, ética e humana de auxiliá-lo na busca da plena inserção
social.
Em vários aspectos, a escola, como instituição social, pode estar contribuindo
para o desenvolvimento global da pessoa e em sua preparação para o desempenho
de seu papel social de forma completa. Todo cidadão deve ter garantido seu direito
de acesso e permanência na escola pública, gratuita e de qualidade, e cabe a essa
escola cumprir seu papel social de formadora do cidadão pensante, crítico e
participativo. Assim como os outros sujeitos sociais, a criança com deficiência mental
também tem o direito de participar do processo educacional dentro dessa escola
18

pública, gratuita e de qualidade, como qualquer outra pessoa, enquanto essa


participação lhe for útil e prazerosa.
O paradigma da Inclusão Escolar surge no cenário contemporâneo como uma
outra opção de inserção escolar e vem questionar a organização e as políticas da
educação especial, assim como o conceito de integração (mainstreaming). O novo
conceito de inserção escolar fundamenta-se no pressuposto de que a escola comum
deve estar aberta e capacitada para atender eficientemente todos aqueles que a
procurem, a despeito das características ou diferenças individuais que cada pessoa
possa ter.
Aceitar e aplicar o modelo da inclusão escolar implica mostrar transformações
radicais em nossas concepções sobre o que vem a ser: deficiência, adaptação,
incapacidade; sujeito cognoscente, o papel da escola no atendimento às
necessidades educacionais específicas das pessoas com deficiência mental; e
principalmente, o papel da escola na promoção do desenvolvimento global do aluno,
tendo em vista a formação do cidadão crítico e competente, capacitado para uma
participação social ativa, democrática e solidária, quer seja ele portador de
necessidades especiais ou não.
Neste sentido, como instituição social, podemos dizer que a escola
desempenha um papel de dupla face – de processo e de função, no movimento de
inclusão social do indivíduo com de deficiência mental. Enquanto desempenhando
uma função, a escola deve assumir seu papel de preparadora e formadora desse
indivíduo, não se esquecendo dos objetivos acadêmicos, que devem ser
permanente e ininterruptamente buscados, respeitando-se as especificidades e
necessidades de cada aluno. Além disto, a escola tem papel relevante no processo
de inclusão, uma vez que o contexto escolar, como espaço social de relevância,
pode e deve ser utilizado para o exercício social dessa inclusão.
Em relação à criança que tem deficiência mental, acreditamos que seu
processo de inserção escolar, em salas de aula do ensino regular, será uma
experiência de fundamental importância na definição do êxito ou do fracasso de seu
processo de inclusão social. Considerando por este lado, o papel da escola torna-se
ainda mais imprescindível para essa parcela da população escolar. A meta da
escola, em relação às crianças deficientes mentais, deve ser torná-las indivíduos
melhor capacitados para enfrentar a vida, tanto nas situações atuais de seu
19

cotidiano, como naquelas com as quais irão se deparar no futuro, desenvolvendo ao


máximo sua autonomia e independência, num efetivo processo de inserção social.
O processo de aprendizagem e a interação social são processos intimamente
relacionados, ao longo do desenvolvimento global de uma pessoa. Para aprender,
de alguma forma, o indivíduo tem que se relacionar com o outro (ou com a produção
deste) e, em toda interação social, o homem está informando-se e formando-se
como membro ativo e participante de um contexto social.
O ambiente da sala de aula de ensino regular, dentro da escola comum, é
potencialmente um contexto favorecedor e promotor do desenvolvimento global dos
indivíduos ali inseridos, já que, por definição e finalidade, é dentro daquele ambiente
escolar que o processo de ensino e de aprendizagem, desenvolvido no bojo da
permanente interação social estabelecida entre todos os sujeitos participantes
daquele contexto - professora e alunos - deve ocorrer de forma mais efetiva e
dinâmica.
No caso da criança portadora de deficiência mental, a importância do
processo de aprendizagem construído na interação com o outro torna-se ainda mais
crucial, se considerarmos que, por condição, essas crianças têm um
comprometimento em seu desenvolvimento cognitivo que irá refletir-se em um
desempenho limitado de suas funções psicológicas superiores e num déficit em sua
interação com o meio. E, não interagindo adequadamente com o meio, essa criança
não poderá desempenhar de forma plena o seu papel de sujeito social participativo,
autônomo e produtivo.
Cada aluno com deficiência mental possui necessidades educativas
específicas, não só devido ao quadro etiológico de sua deficiência mental, como por
conta de sua condição de sujeito humano individual, que o assemelha a qualquer
outro aluno. Uma vez inserido na sala de ensino regular, o aluno com deficiência
mental irá demandar, de sua professora, mudanças e inovações não apenas em
relação aos procedimentos pedagógicos, bem como nas concepções e posturas
assumidas por ela no desempenho de sua prática pedagógica.
Para que a professora possa se comprometer, de fato, com o
desenvolvimento de apoios e adaptações específicas que auxiliem esse aluno em
seu processo de construção de conhecimento, desenvolvendo capacidades e
habilidades alternativas, superando dificuldades e capacitando-se para enfrentar a
20

luta contra o estigma social que a condição de deficiente lhe imputa, é fundamental
que ela constitua esse aluno como um sujeito cognoscente e que transforme o
ambiente de sua sala de aula em um verdadeiro contexto desenvolvimental.

OBJETIVO DO TRABALHO

O objetivo fundamental do presente estudo foi estabelecido a partir dos


seguintes pressupostos:
- O ambiente social da escola comum, onde ocorre o fenômeno da inserção
escolar do aluno deficiente mental, engloba uma rede de contextos interacionais.
Dentro destes ambientes menores, os indivíduos estabelecem vínculos interacionais
que provocam interferências recíprocas, tanto dentro como entre os vários
ambientes interconectados;
- O ambiente da sala de aula regular, dentro da escola, é o contexto
interacional em que as possibilidades de desenvolvimento desse aluno podem
concretizar-se de forma mais dinâmica e efetiva, dentro de seu processo de inserção
escolar. A supremacia da sala de aula efetiva-se porque é ali que são desenvolvidas
as principais atividades escolares voltadas para a concretização dos objetivos
educacionais prioritários da escola e, também, é ali, no bojo das interações
estabelecidas entre todos os participantes daquele ambiente, que professora e
alunos se constituem como sujeitos desempenhando seus papéis fundamentais
dentro do sistema escolar, ou seja, um ensinando e sendo professora e o outro
aprendendo e sendo aluno;
- A transformação do ambiente interacional da sala de aula em um contexto
favorecedor e promotor do desenvolvimento global dos alunos depende, tanto do
modo como a professora desempenha sua prática pedagógica, como da maneira
como ela percebe e compreende essa prática;
- A díade interacional professora-aluno, estabelecida no ambiente da sala de
aula, é aquela de maior importância dentro do processo de inserção escolar. Tudo
mais acontecerá a partir dali. O sucesso, ou não, da inserção escolar desse aluno
está intimamente relacionado naquele ambiente;
- A maioria das professoras que estão recebendo alunos com deficiência
mental, em suas salas, não se sentem preparadas e/ou assessoradas para atender
21

eficientemente essa clientela de alunos e têm demandado do profissional da


Psicologia da Educação atendimentos ou intervenções que as auxiliem no
desempenho de sua prática docente;
- A Psicologia da Educação, como área de saberes e práticas, deve assumir a
responsabilidade que lhe cabe no processo de gerar novos conhecimentos e
alternativas de trabalho junto a essas professoras, principalmente, projetos voltados
para a formação continuada daqueles educadores que já se encontram enfrentando
dificuldades no exercício profissional.
Portanto, o objetivo fundamental do presente estudo foi:
Compreender o fenômeno da transformação do ambiente da sala de aula em
direção a constituição de um efetivo contexto de desenvolvimento para o aluno com
deficiência mental, em conseqüência de mudanças ocorridas na qualidade
interacional da díade professora-aluno, provocadas por modificações na maneira da
professora pensar e agir sobre sua prática pedagógica.
22

INTRODUÇÃO

As transformações sociais dos últimos tempos, conseqüência de grandes


debates, reflexões e lutas por direitos que garantam ao cidadão uma vida mais digna
e produtiva, têm suscitado polêmicas em diversos setores de nossa sociedade.
Neste processo de grandes transformações sociais, a escola tem sido chamada à
responsabilidade no desempenho de seu papel fundamental na formação do aluno
como cidadão político e social, que deve estar preparado para a inserção
participativa em seu contexto cultural, político e econômico.
A Educação brasileira tem sido objeto de diversos estudos nos últimos anos.
Entretanto, apesar de todas as informações científicas que essas pesquisas têm
gerado, o sistema escolar continua mostrando-se ineficiente para atender às
necessidades das crianças ali inseridas, revelando isso nos altos índices de
repetência e evasão escolar do ensino fundamental; no elevado grau de
analfabetismo entre os adultos; na baixa qualidade do ensino em todos os níveis e
graus; na inadequada formação dos professores; nas condições limitadas e
adversas do trabalho nas escolas; da existência de uma política educacional que
produz e reforça essa crise na Educação.
A Educação Especial, tradicionalmente, aparece inserida nesse contexto
como uma das modalidades de ensino à margem do sistema educacional comum.
Apesar dessa posição marginal, e até por conta dela, a Educação Especial vive de
forma intensa os reflexos dessa crise educacional, apresentando, de forma ainda
mais aguda, os mesmos problemas detectados na educação regular, além de outros
que são específicos a ela.
Essa modalidade de atendimento educacional surgiu com o objetivo de
atender à demanda de um grupo de pessoas que, por possuírem determinadas
características intrínsecas diferentes da maioria da população, são consideradas
excepcionais e, portanto, necessitadas de processos especiais de educação (Bueno,
1993). Ao longo dos anos, diferentes termos vêm sendo utilizados para designar
23

essa clientela, e as freqüentes alterações nesse uso refletem a complexidade que


envolve a conceituação e compreensão da Educação Especial, como fenômeno
sócio-histórico-educacional.
O uso de termos diferentes vai além de uma simples questão semântica. Tal
fato nos conta sobre as diferentes concepções de educação especial, assim como
de “indivíduo especial”, que foram surgindo, ao longo da história, no bojo das
transformações sociais, culturais, educacionais e econômicas ocorridas tanto no
Brasil, quanto no contexto mundial.
Considerando a variedade de termos encontrados nos documentos legais e
na literatura pertinente ao assunto, de forma geral, nessa categoria educacional
especial, são enquadrados aqueles indivíduos denominados como: ou excepcionais;
ou especiais; ou portadores de deficiência; ou portadores de necessidades
especiais; ou.qualquer outra denominação que traga implícito em seu significado a
idéia de desvio da norma; de déficit; de marginalização; de contradição ao modelo
padrão de adequação física e/ou mental defendido pela ideologia social dominante;
enfim, a idéia de exclusão.
No Brasil, a Educação Especial parece, ainda que de forma acanhada,
segundo Jannuzzi (1992), no final do Século XVIII e começo do XIX, no conjunto das
concretizações possíveis surgidas sob forte influência do Liberalismo, corrente
filosófica que foi a mola propulsora de várias reformas educacionais, nelas incluída a
implantação da Educação Especial.
Para compreender a evolução histórica da Educação Especial em nosso país,
suas características principais e as mudanças ocorridas ao longo dos anos, é
necessário entendê-las, relacionando-as às transformações sofridas por esse tipo de
atendimento educacional em outros países do mundo. Portanto, a história da
Educação Especial no Brasil deve ser analisada contextualizando-a no panorama
das transformações mundiais.
24

DEFICIÊNCIA MENTAL E EDUCAÇÃO ESPECIAL

Ao realizar a análise histórica da Educação Especial, em diversos países da


Europa e da América do Norte, estudiosos do assunto identificam algumas fases ou
estágios na evolução deste atendimento. (Kirk e Gallagher, 1979; Mendes, 1994;
Mendes, 1995; Sassaki, 1997).
De forma geral, é citado um estágio inicial marcado pela omissão, ou
negligência, ou escassez de iniciativas de atendimento ao indivíduo com deficiência
mental. Foi a fase da exclusão social: a sociedade simplesmente ignorava, rejeitava,
perseguia, explorava ou eliminava os portadores de deficiências. Nessa fase,
ocorrida em um período anterior ao da era cristã, as práticas de abandono ou
extermínio das pessoas que tinham qualquer tipo de deficiência eram atitudes
legitimadas nas sociedades, de uma forma geral.
Em seguida, temos um período marcado pela segregação social do deficiente,
que passou a receber atendimento em instituições assistenciais especiais com fins
filantrópicos ou religiosos – foi a fase de institucionalização, que ocorreu entre os
Séculos XVIII e XIX. A importância dessa fase é que, apesar da segregação
institucional imposta ao portador de algum tipo de deficiência, esse indivíduo surgia,
no contexto social, como alguém com direitos e possibilidades educativas. O direito
de receber um atendimento educacional especializado e de ter a sua reabilitação
desenvolvida em lugares especificamente organizados para este fim foi reconhecido.
Contudo, apesar dessa fase representar um avanço na evolução dos atendimentos
especiais, o deficiente mental ainda aparecia isolado do convívio social, confinado
em instituições residenciais.
No final do Século XIX e meados do Século XX, identificamos uma terceira
fase, caracterizada por uma busca de redução da segregação imposta ao indivíduo
deficiente e pela ênfase da inserção dessas pessoas em escolas especiais
comunitárias ou em classes especiais inseridas, principalmente, dentro de escolas
públicas.
A quarta fase, iniciada por volta da década de 70, veio marcada pelo
movimento mundial de integração social dos portadores de deficiência, cuja meta era
25

integrar esses indivíduos em ambientes educacionais os mais próximos possíveis


daqueles oferecidos pela cultura à pessoa considerada normal (Kirk e Gallagher,
1979; Mendes,1994; Sassaki,1997; Silva,1998).
Essa fase da integração do indivíduo deficiente surgia fundamentada na idéia
de que a criança devia ser educada até os limites de sua capacidade. Segundo
Mendes (1995), a defesa das possibilidades ilimitadas do ser humano e o conceito
de que a educação poderia produzir uma diferença significativa no desenvolvimento
e na vida das pessoas era uma idéia relativamente recente na história da
humanidade, surgida no movimento filosófico posterior à Revolução Francesa.
Dessa época em diante, o conceito de educabilidade do potencial do ser humano
passou a ser aplicado também à educação dos indivíduos com deficiência mental.
O conhecimento das características principais e o estudo mais aprofundado
de cada uma dessas fases, ao longo da história, são extremamente interessantes
para os profissionais educadores e imprescindível para aqueles que trabalham com
atendimentos educacionais dirigidos a pessoas portadoras de algum tipo de
deficiência mental. Entretanto, realizar tal aprofundamento, no presente trabalho,
nos desviaria de nossos objetivos principais. Aos leitores interessados, sugerimos a
consulta ao excelente trabalho de Enicéia G.Mendes (idem),no qual aquela autora
faz um detalhado e aprofundado estudo sobre a construção científica do conceito de
deficiência mental e sobre as transformações ocorridas na realidade do atendimento
educacional oferecido aos deficientes mentais, ao longo da história, no Brasil e no
mundo.
26

Educação Especial no Brasil - Aspectos do Desenvolvimento Histórico

Em relação à história da Educação Especial no Brasil, encontramos na


literatura disponível sobre o assunto uma significativa escassez de informações, já
apontada por alguns estudiosos (Ferreira,1989; Edler,1993; Mendes,1995). A
explicação para este fenômeno não é simples e certamente merece uma análise
mais cuidadosa. Entretanto, tal fato denuncia um significativo desinteresse, por parte
dos pesquisadores, em relação a esta área da educação geral.
Ao analisar a evolução do conceito de deficiência mental no Brasil, Jannuzzi
(1992) faz uma crítica fundamental ao conceito de normal, demonstrando que tal
conceito não se apóia em bases patológicas, genéticas ou neurológicas, mas sim em
valores comportamentais esperados, ou seja, em bases ideológicas de uma dada
época. Em relação às estratégias desenvolvidas pelo contexto social para atender
às diversas demandas da parcela da população considerada “não normal”, essa
autora observa a existência de uma estreita relação entre o tipo de organização da
sociedade e o modelo de atendimento educacional que ali é oferecido ao portador
de deficiência mental.
Jannuzzi (1992) aponta que a organização do atendimento escolar para o
deficiente mental, ao longo da história do Brasil, revelou, tanto na prática como no
discurso dos profissionais da área, as expectativas sociais de cada época, não só
mostrando a preocupação de tornar possível a vida dos mais prejudicados, dentro
das comunidades, como patenteando a segregação imposta a eles. Em sua análise
histórica, ela aponta que é de responsabilidade da própria sociedade o surgimento
da deficiência e a facilidade, muitas vezes, apressada e irresponsável, de se
desvencilhar das crianças mentalmente diferentes, cujo comportamento não se
enquadra nos moldes “oficiais” e esperados.
A evolução do atendimento educacional especial, no Brasil, ao longo da
história, irá ocorrer com características diferentes daquelas observadas em outros
contextos do mundo. Os quatro estágios, geralmente identificados na história da
Educação Especial em países europeus e nos EUA, não parecem estar evidentes na
realidade brasileira (Mendes, 1995).
A primeira fase, a da negligência ou fase da exclusão social que, em outros
países, pode ser observada até o Século XVII, no Brasil, segundo Mendes (idem),
27

parece ter se estendido até o início da década de 50 do século XX. Ao longo desse
período podemos observar que os conhecimentos teóricos relativos à deficiência
mental parecem ter estado restritos aos meios essencialmente acadêmicos, com a
ocorrência de poucas ofertas de atendimento educacional para os deficientes
mentais.
Essa fase da negligência ainda estava predominando em nosso país, quando,
em outros países do mundo, já era possível observar o desenrolar da segunda fase,
a era da intensiva institucionalização que ocorreu entre os Séculos XVIII e XIX.
Nesses países, o predomínio de uma concepção radicalmente organicista sobre a
deficiência mental, baseada no pressuposto de que esse fenômeno tinha etiologia
hereditária, evidenciando uma degenerescência da espécie, justificava a segregação
social dos indivíduos deficientes mentais em instituições assistenciais especiais,
defendendo essa institucionalização como a melhor alternativa para combater a
ameaça representada por essa população. Enquanto isto, no Brasil, não existia
interesse pela educação e atendimento especiais para os indivíduos considerados
idiotas ou imbecis, persistindo, o país, na fase da negligência (ibidem).
Ao final do Século XIX e meados do Século XX, observamos iniciativas para
reduzir a segregação imposta ao indivíduo deficiente mental e a busca pela inserção
dessas pessoas em escolas especiais comunitárias ou em classes especiais, em
vários outros países do mundo. No início do Século XX, a questão da debilidade
mental, categorizada como um dos graus mais leves dos estados inferiores da
inteligência, segundo Mendes (1995), foi despertando o interesse dos profissionais
da área. A partir desse período, o conceito de deficiência mental começou a
depender de critérios essencialmente culturais, e para solucionar o problema,
iniciou-se a expansão das classes especiais nas escolas regulares, que tinham
como objetivo atender aqueles indivíduos avaliados como sendo deficientes mentais
leves.
No Brasil, a preocupação em definir, identificar, classificar a condição da
deficiência mental e, conseqüentemente, oferecer algum tipo de atendimento
educacional a essa população, era quase inexistente, até meados do Século XX. Só
na década de 50, quando em outros países já surgiam questionamentos sobre a
qualidade e os objetivos do atendimento educacional oferecido ao deficiente mental
28

em escolas ou classes especiais, é que, no Brasil, começava uma considerável


expansão desses tipos de atendimento educacional.
Em sua revisão bibliográfica sobre o tema, Cunha (1989) relata que a
Educação Especial, em nosso país, iniciou-se no final do Século XIX, como
postulações teóricas e divulgação de sua necessidade. Naquela época, a sociedade
vivia sob forte influência do Liberalismo, corrente filosófica que foi a mola propulsora
de várias reformas educacionais, bem como da implantação da Educação Especial,
no país.
No Brasil Império, existia um estreito relacionamento da elite e classe
governamental com os modos de produção e subsistência. Dessa forma, enquanto a
economia era de base rural, exigindo trabalho braçal, quase nenhuma atenção era
dada à educação do povo e, como os deficientes mentais adequavam-se àquele
modo de produção, seu atendimento ou educação não se afigurava como um
problema ou necessidade social. Com a mudança do sistema de produção, surgiu a
exigência de mão de obra mais especializada,e, quando a alfabetização tornou-se
requisito para o voto ou instrumento ideológico, a educação das massas passou a
receber atenção especial. Contudo, dessa população com direito a atendimento
educacional, eram desvinculados os indivíduos deficientes mentais, porque eram
considerados incapazes de assimilar tal educação e também de enquadrar-se nos
modos de produção vigente (Jannuzzi,1992; Tunes et al.,1996).
O marco inicial da história da Educação Especial no Brasil é assinalado com a
criação do “Instituto dos Meninos Cegos” (atual “Instituto Benjamin Constant”) em
1854, e a fundação do “Instituto dos Surdos-Mudos” (atual “Instituto Nacional de
Educação de Surdos”, o INES) em 1857, no final do período imperial (Jannuzzi,1985;
Mazzotta,1990; Mendes,1995).
O início do atendimento educacional voltado para o indivíduo deficiente
mental, no país, aparece extremamente relacionado ao atendimento médico
assistencial. Encontraremos, no final do período imperial, o surgimento das primeiras
instituições voltadas para o atendimento pedagógico ou médico- pedagógico aos
deficientes mentais: uma especializada, montada junto ao Hospital Juliano Moreira
(Salvador/BA), em 1874; e outra de ensino regular, a Escola México (Rio de
Janeiro/RJ) em 1887, que atendia, também, deficientes físicos e visuais
(Jannuzzi,1992; Mazzotta,1996).
29

Existem poucos registros sobre o tipo de assistência prestada por essas


instituições, de forma não ser possível dizer se esse atendimento tinha caráter
educacional, segundo Mazzotta (1996). Na opinião de Jannuzzi (1992), tais
instituições provavelmente foram criadas com o objetivo de realizar o atendimento
aos casos mais graves de anomalias que, devido ao grau de comprometimento dos
quadros de deficiência, eram considerados como problemas médicos.
Nesse período, as iniciativas na Educação Especial surgiam a partir de duas
vertentes: uma médico-pedagógica e outra psicopedagógica. A vertente médico-
pedagógica caracterizava-se pela preocupação eugênica e higienizadora da
sociedade brasileira e refletiu, na área da Educação Especial, mediante ações como
a instalação de escolas em hospitais, correspondendo às tendências mais
segregadoras de atendimento aos deficientes. Em alguns estados, a criação de
serviços de higiene e saúde pública deu origem à inspeção escolar e à preocupação
com a identificação e educação dos anormais de inteligência (Cunha,1989;
Jannuzzi,1992; Mendes,1995).
Partindo da crença de que a deficiência mental era uma doença, geralmente,
atribuída à tuberculose, doenças venéreas, sífilis, pobreza e falta de higiene, as
primeiras iniciativas na área médica, em relação à Educação Especial brasileira, se
constituíram nas medidas ligadas à eugenia e à saúde pública, que resultaram na
segregação social dos deficientes mentais.
Já a vertente psicopedagógica defendia a educação dos anormais e
procurava uma conceituação mais precisa para a anormalidade. A ênfase dos
trabalhos estava na identificação dos anormais, por meio de escalas psicológicas e
em sua seleção em escolas ou classes especiais, onde seriam atendidos por
professores especializados. Os seguidores dessa vertente atuavam de duas formas:
por um lado, buscavam medidas pedagógicas alternativas àquelas já existentes e,
por outro, desenvolviam e adaptavam Escalas de Inteligência usadas para o
diagnóstico dos diferentes níveis intelectuais. Esta última forma prevaleceu sobre a
primeira e a tendência diagnóstica teve como conseqüência a implementação de
medidas que também se revelaram segregadoras, pois deram origem às classes
especiais para deficientes mentais (Cunha,1989; Jannuzzi,1992).
Entretanto, seriam os médicos os primeiros profissionais, tanto na pesquisa
quanto na prática, a levantarem a questão pedagógica do atendimento ao deficiente
30

mental e a criarem instituições escolares para crianças com maior comprometimento


mental, junto a sanatórios psiquiátricos. Se, por um lado, essas iniciativas
propiciavam a segregação social, por outro, elas também representavam a crença
na importância da educação dos indivíduos com deficiência mental (Mendes, 1995).
A proclamação da República no Brasil, em 1889, provocou importantes
mudanças no cenário político educacional do país. A Constituição Federal de 1891
instaurou o federalismo e definiu as responsabilidades pela política educacional: o
ensino primário e profissionalizante passaram a ser responsabilidade dos estados e
municípios; e os ensinos secundário e superior ficaram a cargo da União
(Mendes,1995; Mazzotta,1996)
No período inicial da República, existiam apenas seis instituições destinadas
ao atendimento escolar do deficiente mental e a educação especial continuava a ser
influenciada pelas duas vertentes: a médico-pedagógica e a psicopedagógica.
As mudança políticas, econômicas e sociais continuaram a interferir de forma
evidente nos rumos da educação, no Brasil. A fase de estruturação da República,
nos vinte primeiros anos do Século XX, provocou uma série de transformações
político-sociais, que resultaram em mudanças no cenário da educação brasileira.
A economia brasileira passou por uma fase de relativa estagnação até a
primeira grande guerra, em 1914. Isto propiciou a manutenção de um sistema
dualista, que favorecia a elite nacional e grande parcela da classe média, em
detrimento das classes populares que não tinham acesso ao atendimento
educacional (Teixeira, 1977). A inserção do Brasil no capitalismo mundial, na
Primeira República, à semelhança do que acontecia nos fins do Império, continuava
sendo feita pela produção agrícola, predominantemente ligada à grande
propriedade, com a utilização de instrumentos de trabalho bem simples. Em uma
sociedade organizada dentro desse modo de produção, com um desenvolvimento
industrial ainda incipiente, a escola popular não era considerada importante por
nenhuma das camadas sociais (Jannuzzi, 1992).
Com o fim da primeira guerra mundial (1914-1918), iniciou-se, no Brasil, um
surto de desenvolvimento industrial e a busca pela nacionalização da economia.
Com isto, o modelo econômico vigente no país começou a ser lentamente
modificado. Em função disto, aumentou a necessidade de mão-de-obra
especializada, suprida, principalmente, pelos imigrantes italianos e espanhóis
31

chegados ao Brasil, ao final do Século XIX e início do Século XX (Jannuzzi, 1992;


Mendes, 1995).
Desde 1890, essa afluência de imigrantes, que chegavam ao país com outro
nível de percepção da realidade, provocou o surgimento de núcleos de diversas
tendências, como a anarquista, a socialista, a marxista etc. O grupo dos anarco-
sindicalistas, influenciado pela prática do sindicalismo francês, iria exercer
importante influência no meio operário, que passou a lutar por melhores condições
de vida e pela emancipação social, por meio de ações sindicais. Movimentos de
contestação popular seriam observados durante toda a década de 20, provocando
uma repressão mais intensa por parte do governo (Jannuzzi, 1992). A valorização da
ordem e a busca pelo progresso passou a permear o discurso oficial e a conduzir as
ações das instituições sociais mantenedoras da ordem social vigente.
A escola primária pública começou a ser popularizada entre a década de 20 e
30, quando o nível de analfabetismo da população em idade escolar chegou a
números espantosos: em 1920, para cada grupo de 1.000 habitantes, encontramos
apenas 41 alfabetizados, subindo este índice para 54 cidadãos alfabetizados, em
1932 (Jannuzzi, 1992). A expansão do ensino primário, iniciada nesse período,
ocorreu dentro de uma política de educação popular reduzida: diminuição do tempo
de estudo e multiplicidade dos turnos (Mendes, 1995).
No final do Século XIX, havia surgido, em alguns países da Europa, o
movimento educacional da Escola-Nova, que se caracterizava pela implantação de
escolas com propostas diferentes daquelas das escolas tradicionais, consideradas
excessivamente rígidas e com viés intelectualista, que pouco se adequavam às
transformações sociais em curso. Os princípios do movimento da Escola-Nova,
segundo Cunha (1989), eram: a crença no poder da educação; o interesse pelas
pesquisas científicas; e a preocupação em reduzir as desigualdades sociais e em
estimular a liberdade individual da criança.
O movimento da Escola-Nova, que já vinha penetrando no Brasil em forma de
idéias, desde os fins do Império, começou a concretizar-se de fato a partir de 1920,
com o surgimento de instituições educacionais montadas dentro desse modelo.
Desde o início, esse movimento já incorporara, no Brasil, muito da
metodologia e das concepções de profissionais que trabalhavam com deficientes
mentais. Isto porque pesquisadores como Decroly e Montessori, considerados como
32

os representantes mais influentes do movimento escola-novista brasileiro, antes de


atuarem com crianças normais, já haviam desenvolvido um eficiente trabalho
educacional voltado para indivíduos anormais, o que influenciou significativamente a
produção científica e a atuação profissional desses dois educadores (Jannuzzi,
1992; Mendes, 1995).
Várias reformas foram empreendidas na educação brasileira, influenciadas
pelo movimento da Escola-Nova. Os educadores que seguiam a vertente
psicopedagógica, entusiasmados pelos ideais escola-novistas, que se baseavam na
Psicologia das diferenças individuais, preocupavam-se com aqueles que
fracassavam na escola e tentavam seguir o princípio da "educação para todos".
Nessa época, a ênfase nos princípios psicológicos indicava a grande influência da
Psicologia na educação, difundindo amplamente o uso de testes de inteligência para
identificar os portadores de deficiência mental (Jannuzzi, 1992; Mendes, 1995).
A partir da década de 20, no cenário educacional brasileiro, evidenciou-se
uma maior preocupação com a identificação daqueles considerados casos leves de
“anormalidade da inteligência” inseridos nas escolas regulares, já que os casos mais
graves não tinham nem o direito a se matricular nessas escolas. Um exemplo desse
interesse, foi a repercussão do controvertido trabalho realizado em 1913, pelo
professor Clemente Quaglio, no qual ele aconselhava a seleção empírico-escolar de
alunos, feita por professores e diretores, mediante questionários e observações. A
partir dessa seleção, os supostos “anormais” seriam encaminhados ao médico
(seleção médico-pedagógica) para exame e, por fim, dar-se-ia a seleção específica
daqueles alunos que comporiam as classes ou seções de escolas especiais ou
asilos-escolas (Jannuzzi, 1992).
No decorrer da década de 20, no Brasil, várias reformas educacionais
estaduais foram empreendidas dentro dos princípios da Escola-Nova. Professores-
psicólogos europeus foram trazidos para ministrar cursos aos educadores
brasileiros, influenciando os rumos da Educação Especial nacional. Dentre eles,
chegou a Minas Gerais em 1929, a psicóloga russa Helena Antipoff, responsável
pela criação de serviços de diagnóstico, classes e escolas especiais, naquele
estado. Em 1932, Helena Antipoff criou a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e
participou ativamente do movimento que resultou na implantação da primeira
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, em 1954. Além disto, essa
33

psicóloga iria influenciar na formação de um número significativo de profissionais


que, posteriormente, estariam trabalhando na área da Educação Especial, pelo país
(Jannuzzi, 1992; Mendes, 1995).
Contudo, apesar das reformas empreendidas e das mudanças observadas no
sistema educacional regular, a Educação Especial permanecia muito limitada no
país: até 1930, existiam apenas 16 locais para educação de deficientes mentais,
subindo este número para 22 estabelecimentos, em 1935, segundo Jannuzzi (1992).
Na análise de Cunha (1989), apesar do movimento da Escola-Nova ter
defendido a diminuição das desigualdades sociais, sua influência na Educação
Especial muito contribuiu para a exclusão dos diferentes das escolas regulares. Ao
enfatizar o estudo das características individuais, propor um ensino adequado e
especializado e adaptar técnicas de diagnóstico, especialmente do nível intelectual,
os seguidores da Escola-Nova estimularam o processo de identificação daqueles
alunos que não estavam atendendo às exigências da escola, apontando a
necessidade deles receberem uma educação adequada, justificando, com isto, sua
segregação em classes ou escolas especiais.
Enquanto a conquista da obrigatoriedade e gratuidade do ensino, segundo
Mendes (1995), era vista como o resultado da luta pela igualdade de oportunidades
educacionais para todos, a segregação dos alunos deficientes mentais, ou de
qualquer outro, que não atendesse às exigências da escola, passou a ser justificada
pela adequação da educação que lhes seria oferecida.
As concepções de deficiência mental explicitadas pelos educadores, em cada
época, incorporavam as expectativas sociais existentes no momento histórico em
que surgiam. Os padrões escolares que enfatizavam a manutenção da situação, da
não desestabilização da ordem vigente, revelavam as expectativas sociais
predominantes na época. Nesse contexto, segundo Jannuzzi (1992), a concepção
de deficiência mental passou a englobar diversos tipos de crianças, que tinham em
comum o fato de apresentarem comportamentos divergentes das normas sociais
estabelecidas pela sociedade e veiculados aos padrões escolares. Assim,
encontraremos agrupados, sob o mesmo rótulo de deficientes mentais, alunos:
indisciplinados; com aprendizagem lenta; abandonados pela família; portadores de
lesões orgânicas; com distúrbios mentais graves; enfim, toda e qualquer criança
considerada fora do “padrão normal” e classificada como “anormal”.
34

Nas primeiras décadas do Século XX, no Brasil, a condição da deficiência


mental não era considerada, essencialmente, como uma ameaça social nem como
um mecanismo de degenerescência da espécie. A preocupação com a eugenia, que
aparecia no campo da saúde de forma generalizada, promovendo a implantação de
serviços de saúde pública e higiene mental com objetivos disciplinadores, voltados
para a intervenção em problemas urbanos, tais como a pobreza, a falta de higiene e
a ocorrência de doenças, atribuía a condição da deficiência mental a infortúnios
ambientais, apesar da crença na etiologia organicista e patológica desse fenômeno
(Mendes, 1995).
A defesa da educação dos anormais, nessa época, visava economizar
despesas que a segregação e manutenção dessa população em manicômios, asilos
ou penitenciarias provocaria aos cofres públicos. Esperava-se que a educação dos
anormais pudesse torná-los cidadãos produtivos, além de prevenir que esses
indivíduos viessem a cometer futuros atos delituosos em sociedade, assegurando-
se, deste modo, a ordem e o progresso. Além disto, assim como o estudo da
psicologia dos neuropatas ajudava a Psicologia a conhecer o Homem são,
esperava-se que o conhecimento claro e integral dos educandos anormais ajudasse
a Pedagogia a entender melhor não só a educação dos casos mórbidos, como a
educação dos alunos normais (Jannuzzi, 1992).
Enquanto em outros países do mundo, até na metade do Século XX, o
movimento pela institucionalização dos deficientes mentais era acelerado com a
implantação de escolas especiais comunitárias e de classes especiais em escolas
públicas, no Brasil, predominava uma despreocupação com a conceituação da
deficiência mental e com o desenvolvimento de mecanismos efetivos de
identificação, classificação e segregação social (Mendes, idem).
Portanto, até a década de 40, a educação do deficiente mental não era
considerada ainda um problema, dentro da pouca escolarização geral do país. As
reformas estaduais na educação ocorridas, até então, não visavam favorecer a
educação dos deficientes mentais. Essas reformas foram elaboradas com os olhos
na educação do indivíduo normal, dentro dos padrões de excelência aceitos,
naquele momento, pelos profissionais idôneos e especializados, não havendo, no
panorama nacional, até então, uma preocupação com as crianças deficientes
(Jannuzzi, 1992).
35

Na década de 50, enquanto, no cenário mundial, já começavam as


discussões e questionamentos a respeito da qualidade e objetivos dos serviços
educacionais especiais institucionalizados, no Brasil, ocorria uma considerável
expansão das classes especiais em escolas públicas e de escolas especiais
comunitárias. Entre 1950 e 1959, aumentava o número de estabelecimentos de
ensino especial para portadores de deficiência mental, sendo que a maioria destes
(77%) eram públicos e em escolas regulares.
Com a criação da Sociedade Pestalozzi do Brasil (1945) e a Associação de
pais e Amigos do Excepcionais – APAE (1954), a partir da década de 60, a iniciativa
privada, em sua maioria de natureza filantrópica sem fins lucrativos, fortalece-se no
campo da educação especial para o deficiente mental, provavelmente em
conseqüência da omissão governamental nesse setor.
A grande expansão do atendimento em educacional especial, no Brasil,
passou a ocorrer após 1954. Entretanto, esse só seria explicitamente assumido pelo
governo federal, a partir de 1957, quando o ministério da educação começou a
prestar assistência técnica-financeira às secretarias de educação e instituições
especializadas e lança Campanhas nacionais para a educação de pessoas
portadoras de deficiências (Mendes, 1995; Mazzotta, 1996).
A primeira dessas Campanhas foi dedicada à educação dos deficientes
auditivos – “Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro” (1957); seguida pela
“Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão” (1958).
Apenas em 1960, por influência de movimentos liderados pela Sociedade Pestalozzi
e pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, ambas do Rio de Janeiro, foi
instituída a “Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes mentais
–CADEME” (Mazzotta, 1996).
O Artigo 03 do referido Decreto estabelecia que a CADEME tinha por
finalidade promover, em todo território nacional, a educação, o treinamento, a
reabilitação e a assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes
mentais de qualquer idade ou sexo. Essa finalidade deveria se alcançada por
diversas formas, e uma delas, citada no item VIII, seria “Promovendo e auxiliando a
integração dos deficientes mentais aos meios educacionais comuns e também em
atividades comerciais, industriais, agrárias, científicas, artísticas e educativas”
(Mazzotta, 1996, p.52).
36

A intensificação dos debates sobre educação popular e sobre a reforma


universitária, os movimentos de educação popular, as novas teorias psicológicas
influenciando a Pedagogia e as análises críticas dos teóricos, a partir da década de
60, segundo Mendes (1995), jogaram por terra a ilusão de que a escola pudesse
funcionar como agente de democratização social.
A democratização do acesso à escola pelas classes populares, pela
instauração do ensino público, gratuito e obrigatório, não garantia a permanência
dessa população nos bancos escolares. Os altos índices de reprovação e evasão
dos alunos revelava o fenômeno do fracasso escolar, indicando que a escola não
estava conseguindo cumprir seu papel institucional.
Dessa forma, estabeleceu-se uma relação, diretamente proporcional, entre o
aumento das oportunidades de escolarização da população de classes sociais mais
baixas e a ampliação do número de classes especiais para os casos de deficiência
mental leve identificados nas salas de ensino regular das escolas públicas (Ferreira,
1989; Jannuzzi, 1992).
Enquanto isto, a sociedade civil começou a se organizar para implantar novas
escolas especiais, buscando suprir a falta de instituições que atendessem
indivíduos com deficiência mental mais grave, dentro do sistema educacional. Assim,
a evolução dos serviços de ensino especial ocorrida nesse período se deu,
principalmente, mediante modalidades segregadoras, com a implantação de classes
especiais em escolas públicas para os deficientes mentais leves, e escolas especiais
de natureza privada e sem fins lucrativos para atender aos casos mais graves de
deficiência mental (Mendes, idem).
Ao longo dos anos 60, as várias iniciativas implementadas na área da
educação especial revelaram o aumento do interesse da sociedade em relação ao
problema da deficiência mental. Nessa época, segundo Jannuzzi (1992), ocorreu a
maior evolução no número de serviços de ensino especial já observada no Brasil.
Em 1969, existiam 800 estabelecimentos de ensino especial para deficientes
mentais no país, cerca de quatro vezes a quantidade existente em 1960.
Provavelmente, segundo Mendes (1995), esse rápido crescimento tenha
influenciado o estabelecimento das bases legais e técnico-administrativas para o
desenvolvimento da Educação Especial no Brasil.
37

Tanto é assim que, com a promulgação da Lei no 4020 de 20/12/61, as


diretrizes e bases da educação nacional foram fixadas e nesse texto encontramos
dois artigos dedicados ao atendimento educacional especial. No Artigo 88, em
específico, era determinado que a “educação de excepcionais deve, no que for
possível, enquadrar-se no sistema geral da educação, a fim de integrá-los na
comunidade”. O direito à educação, portanto, estava garantido aos excepcionais,
mas o processo educativo devia enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim
de contribuir para a integração desses indivíduos na comunidade (Pereira, 1994;
Mendes, 1994).
Além disso, como nos lembra Carvalho (1997), nessa época, o modelo de
desenvolvimento que prevalecia em nosso país era o nacional-desenvolvimentismo,
o que explica a preocupação expressa no conteúdo dessa lei com o homem de
conhecimentos abrangentes, isto é, com uma formação generalista.
Na década de 70, enquanto em outros países mais avançados, influenciados
pelo princípio da normalização, iniciavam-se os debates sobre estratégias que
possibilitariam a integração dos indivíduos deficientes mentais na comunidade,
marcando o início da quarta fase na evolução do atendimento ao deficiente mental -
a fase da integração social, no Brasil, a Educação Especial institucionaliza-se
definitivamente.
A Educação Especial aparece oficializada, em nosso país, em termos de
centralização e planejamento, com os planos setoriais de educação da década de 70
(Ferreira, 1992).
A análise dos documentos legais que surgiram, desde então, traduz os
modelos de desenvolvimento adotados em nosso país. O espaço destinado às
questões relacionadas ao atendimento educacional dos portadores deficiência, os
objetivos pretendidos e as estratégias planejadas, não só revelam a concepção de
deficiência por traz do discurso oficial, como indicam a forma como o Estado
acreditava que deveria ser a inserção desses cidadãos na sociedade e como eles
poderiam participar do desenvolvimento do país (Carvalho, 1997).
A nova Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1o e 2o graus (Lei 5.692/71)
de 11/08/71, estabeleceu um sistema educacional com mais flexibilidade, criou
condições favoráveis para o atendimento às diferenças individuais dos alunos e
prescreveu um atendimento especial, citado no Artigo no 09:
38

Art.9º - Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que


se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas
fixadas pelos competentes Conselhos de Educação.

A menção deste artigo gerou muitas críticas em função da descrição da


clientela que deveria usufruir a Educação Especial. Um dos pontos mais discutidos
era o fato do texto inserir, na categoria de alunos especiais, todos aqueles que se
encontrassem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula. Segundo
Carvalho (1997), a confusão gerada foi enorme e, até hoje, sentem-se os efeitos da
interpretação desse texto ao pé da letra, ao se constatar o encaminhamento para as
classes ou serviços especiais daqueles alunos defasados na relação idade/série por
apresentarem dificuldades de aprendizagem, sem serem necessariamente
deficientes. Além disso, conforme comenta essa autora, inúmeras outras razões
poderiam gerar tal atraso e defasagem, que não justificariam o encaminhamento
desses alunos para o tratamento especial.
A Lei 5.692/71 refletia o novo modelo de desenvolvimento adotado pelo país
que, com a internacionalização da economia, passou a incentivar a especialização
profissional para atender à divisão do trabalho e ao suprimento de mão de obra para
o mercado em expansão. O reflexo da influência da adoção desse modelo de
desenvolvimento nos rumos da Educação Especial pôde ser constatado no incentivo
à formação de especialistas nas diversas áreas da excepcionalidade, no
desenvolvimento de pesquisas e estudos específicos no âmbito das universidades, e
na criação de escolas e classes especiais onde esses especialistas poderiam atuar
(Carvalho, 1997).
A recomendação de que os alunos especiais deveriam receber “tratamento
especial” representa outro ponto polêmico dessa Lei. No Parecer 842/72 do
Conselho Federal de Educação, o Conselheiro Walnir Chagas observa que o Artigo
9o define a educação dos excepcionais como um aspecto do ensino regular,
significando o compromisso dos vários sistemas educacionais e a garantia de
assistência técnica e financeira.
O parecer do conselheiro revela a influência de idéias fundamentadas no
princípio de normalização, conceito originado na Dinamarca em 1969 e que se
39

tornou a base conceitual para o processo de integração social do indivíduo deficiente


mental.
A reforma de ensino, ocorrida em 1971, na vigência do regime militar,
expandiu bastante o Ensino Especial, apesar de não ter alterado a forma desse
atendimento. Cunha (1989) levanta a hipótese de que, nesse período tenha ocorrido
uma mudança no papel social das Classes Especiais. Enquanto que as primeiras
iniciativas do Serviço de Higiene Mental da Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo demonstravam preocupação efetiva com o aluno deficiente mental, a
expansão das classes especiais, a partir da década de 70, veio atender à
inadequação do ensino regular, que passou a ter nas classes de Educação Especial
a válvula de escape para seu fracasso.
A relação estabelecida entre fracasso escolar e deficiência mental leve, desde
essa época, estimulou a realização de investigações desse fenômeno. Segundo
Ferreira (1992), tais estudos demonstraram que, na maioria dos casos, as classes
especiais para deficientes mentais leves se constituem mais em um estágio para
segregar e excluir da escola alunos que estavam (fracassando) nas classes normais,
do que em um procedimento para trazer indivíduos com deficiência mental para a
escola.
A partir da década de 80, no contexto mundial, a prática da integração social
teve seu maior impulso, reflexo dos movimentos de luta e defesa dos direitos das
pessoas portadoras de deficiência. As novas conquistas alcançadas por esses
movimentos levariam, ao final dessa década, a um questionamento e discussão
sobre as idéias envolvidas na prática da integração social e sobre os objetivos
alcançados com esse processo. A integração social dos deficientes mentais, da
forma como vinha sendo praticada, revelara-se um processo insuficiente para acabar
com a discriminação social sofrida por esse grupo de indivíduos, e propiciar-lhes
uma verdadeira participação social, com a garantia de igualdades de oportunidades
e direitos.
No Brasil, desde a década de 60, nos primeiros documentos oficiais
relacionados à Educação Especial, identificamos um discurso intensamente marcado
pela filosofia da normalização e pela necessidade de estabelecer estratégias de
integração no atendimento ao portador de deficiência. Essa ênfase na normalização
dos serviços e na busca pela integração dos deficientes mentais tem persistido, até
40

hoje, tanto nos documentos oficiais como no planejamento do atendimento


educacional oferecido ao deficiente mental.
Entretanto, Mendes (1994) alerta-nos que a adoção do princípio da
normalização, na realidade da Educação Especial do Brasil, não teve o mesmo
significado adquirido nos EUA ou na Europa, pois a história do atendimento aos
indivíduos deficientes em nosso país foi construída com peculiaridades específicas
da nossa realidade.
No Brasil, a ausência da fase de institucionalização intensiva dos portadores
de deficiências acabou influenciando nos significados que a filosofia da
normalização assumiu em nossa realidade. A implantação desse tipo de filosofia
educacional parece ter sido relacionada às justificativas da instalação das classes
especiais para deficientes, nas escolas regulares brasileiras.
Assim, com o objetivo de buscar a integração escolar, a aplicação da filosofia
da normalização no Brasil, segundo Mendes,

“parece ter produzido um sistema paralelo que, embora tenha ampliado o


atendimento ao portador de deficiência, uma vez que propiciou a diversificação
dos serviços e a suposta inserção de educandos com necessidades especiais
na escola regular, ocasionou também um mecanismo mais sutil de discriminação
e segregação sócio-educacional” (1994, p.08).

Portanto, para aquela autora, é necessário que se faça um questionamento


mais cuidadoso sobre os possíveis significados que o movimento de integração
escolar produziu na evolução do atendimento educacional aos deficientes em nosso
país, considerando-se as peculiaridades de sua implantação na nossa realidade e as
decorrências deste processo.
41

O MOVIMENTO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL

DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS

A Integração Social dos indivíduos deficientes é um construto histórico


recente, que emergiu na década de 60, relacionado a outros importantes
movimentos sociais, os quais reviram antigos paradigmas sociais e caracterizaram
novas maneiras de considerar a sociedade, a escola e, particularmente, certas
populações historicamente marginalizadas (Doré et al.,1996), dando um novo
sentido para as ações e políticas relacionadas a esses indivíduos.
O movimento pela integração da pessoa deficiente, na Europa, pode ser
considerado como decorrente da conjunção histórica de três fatores, segundo
estudiosos do assunto: o advento das duas grandes guerras mundiais, o
fortalecimento do movimento pelos Direitos Humanos e o avanço científico.
Como conseqüência das duas grandes guerras, surgiu nos países atingidos
uma grande quantidade de pessoas mutiladas, debilitadas e perturbados
mentalmente. As sociedades desses países viram-se diante da necessidade de criar
formas de atendimento e reintegração desses indivíduos ao meio social. Além disso,
o curto intervalo entre as duas guerras e o número de baixas ocorridas geraram um
déficit de mão de obra, o que levou à implantação de programas de educação,
saúde e treinamento para que trabalhadores deficientes pudessem preencher as
lacunas da força de trabalho européia (Santos, 1995; Correia, 1997).
A aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o
fortalecimento dos movimentos de luta em defesa dos direitos civis, influenciados
pelas grandes transformações sociais ocorridas ao longo da segunda metade do
Século XX, estão na gênese das recentes disposições de igualdade de
oportunidades educativas para crianças com necessidades educacionais especiais.
Despontava, então, uma fase de esperança e luta por melhores tempos, espelhada
num renascimento humanista, cada vez mais crescente, e que atingiu seu auge nos
anos 60. Nesse período, ocorreu uma mudança de perspectiva em relação ao tipo
de inserção das pessoas deficientes na força de trabalho, que havia sido originada
no pós-guerra. A demanda, que antes tinha por objetivo preencher lacunas, agora se
daria no sentido de integrar os indivíduos deficientes com base em seus direitos
42

como seres humanos e indivíduos pertencentes a uma sociedade (Santos, 1995;


Correia, 1997).
Paralelo aos dois fatos já mencionados, o avanço científico dessa época
trouxe informações importantes sobre aqueles grupos considerados minorias sociais.
Estudos sociológicos, realizados nos Estados Unidos, citados por Santos (1995),
revelaram a escassez ou carência total de acesso às provisões sociais, de saúde e
educacionais, pelas minorias étnicas. Pesquisas nas áreas médica, educacional e
psicológica defendiam uma abordagem menos paternalista em relação aos
indivíduos deficientes e enfatizavam que a “excepcionalidade”, necessariamente,
não deve se constituir num impedimento total para a aprendizagem dos indivíduos
deficientes, nem significar uma incapacidade deles em freqüentar o ambiente
escolar.
As novas tendências no campo educacional, em oposição a uma visão
positivista, trariam a tona à concepção de educação como instrumento para o
desenvolvimento de um saber e de uma consciência críticos; com abordagens
pedagógicas centradas no aluno, visando à sua formação como futuro cidadão,
como agente social ativo e histórico.
Os movimentos a favor da integração dos deficientes mentais surgiram nos
países nórdicos no início da década de 60, quando, em 1950, na Dinamarca,
traçava-se pela primeira vez, um plano para integração de crianças portadoras de
deficiência mental. A idéia da integração nascia para derrubar a prática da exclusão
social a que foram submetidas as pessoas portadoras de deficiências, durante vários
séculos.
Na década de 60, observou-se um boom de instituições especializadas, que
ofereciam, aos grupos específicos de indivíduos deficientes, todos os serviços
possíveis correspondentes àqueles encontrados fora da instituição, disponibilizados
para a população considerada normal. A segregação continuava, só que agora no
âmbito institucional, dentro de: escolas especiais, centros de reabilitação, oficinas
protegidas de trabalho, clubes recreativos especiais etc. (Sassaki, 1997).
Ao final daquela década, a idéia de integração social foi ampliada e o objetivo
da nova abordagem passou a ser promover a integração das pessoas portadoras de
deficiência nos sistemas sociais gerais, como a educação, o trabalho, a família e o
43

lazer. O fator propulsor de tal mudança de perspectiva foi a elaboração e divulgação


de um importante princípio – o princípio da normalização (Sassaki, 1997).
Em 1969, na Dinamarca, Nirje – Diretor da Associação Sueca para Crianças
Retardadas - formula o princípio da normalização, que se constituiria na base
conceitual do processo de integração social dali em diante. Em sua redação inicial, o
princípio referia-se apenas a pessoas com deficiência mental, como se pode
constatar:

“O princípio de normalização significa colocar ao alcance dos retardados


mentais, uns modos e umas condições de vida diários o mais parecidos possível
às formas e condições de vida do resto da sociedade” (Steenlandt 1991, in
Carvalho, 1997, p.45).

Este princípio foi generalizado, a partir de 1972, por Wolfensberg, para todas
as pessoas com deficiências e contemplou tanto os meios possíveis, quanto os
resultados alcançados. Isto quer dizer que, para Wolfensberg, a normalização era a
utilização de meios, tão culturalmente normativos quanto fosse possível, para
estabelecer e/ou manter condutas e características pessoais o mais culturalmente
normativas quanto fosse possível (in Steenlandt, 1991).
O pressuposto básico do princípio da normalização era que toda pessoa
portadora de deficiência, especialmente, as deficientes mentais, tinham o direito de
experienciar um estilo, ou padrão de vida, que fosse comum ou normal à sua própria
cultura, ou seja, a todos os membros de uma sociedade deveriam ser oferecidas
oportunidades iguais de participar em atividades comuns àquelas partilhadas por
seu grupo de pares (Mendes, 1994).
Definida como um princípio ou como um objetivo a ser alcançado, a
normalização não era específica da escola; ela passava a englobar os diversos
aspectos da existência em sociedade e de todas as etapas de vida dos indivíduos
portadores de deficiência. Além disso, o princípio da normalização não permaneceu
restrito aos fatores relacionados à vida dos indivíduos afetados por uma
incapacidade ou uma dificuldade, ele passava a envolver também todas as outras
pessoas que estavam em contato com aqueles indivíduos, ou seja, sua família e a
sociedade que se relacionasse com eles (Doré et al.,1996).
44

Uma das opções de integração escolar denominava-se mainstreaming, ou


seja, “inserção na corrente principal” e seu sentido é análogo à existência de um
canal educativo geral, que, em seu fluxo, vai carregando todo tipo de aluno com ou
sem capacidade ou necessidade específica. Pelo conceito de mainstreaming, o
aluno portador de deficiência mental, ou com dificuldades de aprendizagem, deve ter
acesso à educação, sendo que essa formação deverá ser adaptada às suas
necessidades específicas (Mantoan, 1998b).
Foi a partir da década de 80 que a integração social, como movimento, teve
seu maior impulso com o fortalecimento da luta pelos direitos das pessoas
portadoras de deficiência. No Brasil, essa influência é vista, claramente, na redação
dos textos oficiais que normatizaram o atendimento educacional especial.
Ocorreu, também nessa década, a despeito das críticas iniciais, o
desenvolvimento de estratégias de operacionalização do princípio de normalização
por meio de integradores. O processo de “mainstreaming” firmou-se como filosofia
de integração amplamente aceita (Mendes, 1994).
A defesa da integração social da pessoa com deficiência, sem dúvida alguma,
foi um avanço social muito importante, pois teve o mérito de inserir esse indivíduo na
sociedade de uma forma mais efetiva, se comparado à situação anterior de
segregação. Entretanto, se o processo de integração social tem consistido no
esforço de inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível
compatível com os padrões sociais vigentes, tal esforço tem se mostrado unilateral
em nossos dias; um esforço somente da pessoa portadora de deficiência e de seus
aliados - a família, a instituição especializada e algumas pessoas envolvidas na
causa da inserção social - segundo Sassaki (1997).
Da forma como está sendo realizada hoje, a integração escolar/social pouco
ou nada exige da sociedade em termos de modificação de atitudes, de espaços
físicos, de objetos e de práticas sociais. A sociedade cruza seus braços e aceita o
deficiente desde que ele se torne capaz de adaptar-se ao seu contexto social e às
formas de desempenhar os papéis sociais necessários. Essa prática reflete o, ainda
vigente, modelo médico de compreensão da deficiência.
O modelo médico de compreensão da deficiência mental significa
compreender este fenômeno tendo, como referência, um conjunto de significados
construídos sócio-historicamente, fundamentados em uma explicação médica da
45

deficiência mental. Dentro de uma visão organicista de Ser Humano, a explicação


médica focaliza a deficiência no indivíduo desviante, enfatiza o diagnóstico e
prognóstico clínico (a médio e longo prazo) e tem como objetivo fundamental:
classificar, comparar e normatizar o desviante. O modelo médico de deficiência parte
do pressuposto de que as pessoas portadoras de uma deficiência são doentes e
debilitadas, pois estão afastados de um “estado normal” de condição humana, que,
nesse caso, seria aquele estado considerado dentro da norma – o ser normal, o ser
saudável. Por conta das diferenças que apresentam, os portadores de deficiência
mental, dentro desse modelo, são discriminados como incompetentes para o
exercício de atividades sociais (educação, lazer e trabalho), desconsiderados em
seus direitos e deveres, reconhecidos como indivíduos incompetentes para
aprender, pensar e decidir, e estando submetidos a um permanente estado de
dependência em relação a outras pessoas. De forma geral, nas interações sociais
realizadas tendo como referência este modelo de compreensão do fenômeno, as
pessoas acabam se relacionando com o quadro etiológico da condição deficiente e
não com o seu portador.
O modelo médico de compreensão da deficiência está muito arraigado na
realidade da educação especial brasileira e isto, em parte, tem sido responsável pela
resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar suas estruturas e
atitudes para inserir, em seu meio, os indivíduos portadores de deficiência, de modo
a favorecer-lhes o desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional.
Partindo do pressuposto de que a deficiência é um problema existente
exclusivamente na pessoa deficiente, a sociedade sempre foi levada a crer que
bastaria oferecer a esses indivíduos algum tipo de serviço especializado e o
problema estaria solucionado.
Fundamentado em um modelo médico de deficiência, que “tenta ‘melhorar’ as
pessoas com deficiência para adequá-las aos padrões da sociedade” (Westmacott in
Sassaki, 1997), o processo de integração social tem concentrado esforços no
sentido de inserir na sociedade pessoas com deficiência que já tenham alcançaram
um nível de desempenho compatível com os padrões sociais vigentes. O processo
de integração baseado num modelo médico de deficiência, para Sassaki, pouco ou
nada exige da sociedade no que se refere a mudanças de atitudes, de espaços
físicos, de objetos e de práticas sociais.
46

De forma geral, a defesa do modelo de integração escolar do indivíduo com


deficiência mental por meio do processo de mainstreaming está muito presente nos
projetos de Educação Especial desenvolvidos, atualmente, no Brasil. No processo
de mainstreaming, o aluno deficiente mental deve ter acesso à educação, sendo sua
formação escolar adaptada às suas necessidades específicas. Para que tal objetivo
seja alcançado, deve haver uma diversidade de possibilidades e de serviços
disponíveis a esse aluno: opções que vão da inserção em classes regulares ao
ensino em escolas especiais.
O processo de integração, nesse modelo, é representado por uma estrutura
denominada “sistema de cascata”, em que é oferecido ao deficiente mental um
ambiente menos restritivo possível, em todas as etapas da integração, com a
garantia desse aluno poder transitar ao longo do “sistema”. O mainstreaming“ trata-
se de uma concepção de integração parcial, porque o sistema de cascata prevê
serviços segregados que não ensejam o alcance dos objetivos da normalização. Os
alunos que se encontram em serviços segregados raramente se deslocam para
outros menos segregados (Mantoan, 1998b).
O sistema de cascata e as políticas de integração no modelo mainstreaming,
em muitos casos, acabam sendo usados pela escola para ocultar o seu fracasso em
relação a alguns alunos, isolando-os e só integrando aqueles que não constituem
um desafio à sua competência (Doré et al.,1996). A seleção dos alunos que se
enquadram nas situações de mainstreaming é feita utilizando-se um processo de
avaliação e seleção (supostamente “objetivo”), que irá apontar quais serão elegíveis
para serem integrados. Entretanto, a objetividade desse processo é questionável e
os critérios utilizados, em muitos casos, são subjetivos, arbitrários e inadequados
para revelar a real condição daquele aluno.
Seguindo o curso das transformações das práticas sociais relacionadas à
forma de inserção social dos portadores de necessidades especiais e aos tipos de
atendimento oferecidos a eles, observamos o surgimento de uma quinta fase, na
segunda metade da década de 80, incrementando-se nos anos 90: é a fase da
Inclusão Escolar.
47

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

O fenômeno da Inclusão Escolar surgiu contextualizado nos eventos e


transformações sociais que vêm ocorrendo ao longo da história da Educação
Especial, caracterizando uma quinta fase na evolução do atendimento educacional
que a sociedade, de forma geral, tem oferecido aos portadores de necessidades
especiais.
Já havia, na segunda metade dos anos 80, em alguns países da Europa e
nos EUA, um consenso entre os estudiosos e pesquisadores quanto à necessidade
de mudanças na forma como o processo de integração/mainstreaming vinha
ocorrendo. Se havia consenso quanto à necessidade de mudanças, as opiniões
dividiam-se em relação às soluções encontradas para implementá-las, daí surgindo,
basicamente, duas orientações.
Uma delas propunha a melhoria e aprofundamento do conceito de
integração/mainstreaming, por meio de experiências mais controladas, juntamente
com o desenvolvimento de pesquisas. O principal promotor do conceito de
integração, Wolfensberger, sugeria a substituição do termo normalização pela
expressão “valorização dos papéis sociais”, esperando, com esta mudança, enfatizar
o objetivo da normalização, ou seja, o apoio ao exercício dos papéis sociais
valorizados pelas pessoas suscetíveis de desvalorização social (Doré et al.,1997).
A outra orientação de mudanças trazia para o foco da discussão um novo
conceito – a Inclusão Escolar. A Inclusão Escolar despontava como uma outra opção
de inserção escolar e vinha questionar as políticas e a organização da educação
especial, assim como o conceito de integração (mainstreaming). De todas as críticas
que os defensores da inclusão fazem ao processo de integração/mainstreaming,
talvez, a mais radical seja aquela que afirma que a escola acaba ocultando seu
fracasso em relação aos alunos com dificuldades, isolando-os em serviços
educacionais especiais segregados (Doré et al.,1996).
Em relação ao surgimento do movimento inclusivista na Educação, apesar
dos estudiosos da área concordarem em que os países desenvolvidos, como os
EUA, o Canadá, Espanha e Itália, foram os pioneiros na implantação de classes e de
escolas inclusivas, não foi possível definir, com exatidão, a partir da bibliografia
pertinente, o marco exato do início do movimento de Inclusão Escolar. Em sua
48

retrospectiva histórica, Semeghini (1998) comenta que, desde a década de 50, a


escola inclusiva está atuante em vários países da Europa, com o desenvolvimento
de projetos e programas de inclusão, e aponta a década de 70 como sendo o marco
do surgimento do processo de Inclusão Escolar nos EUA. Mrech (1997; 1998; 1999)
acredita que tanto o movimento de Integração Escolar e o subseqüente movimento
da Educação Inclusiva surgiram nos EUA em conseqüência da promulgação da Lei
Pública 94.142 de 1975. Outros autores relatam que o conceito de inclusão surgiu,
nos EUA, relacionado com a implantação, em 1986, de uma política educacional
denominada “Regular Education Iniciative (REI)”, que defendia a adaptação da
classe regular de modo a tornar possível inserir ali o maior número possível de
alunos com necessidades especiais; incentivando os serviços de educação especial
e outros serviços especializados a associarem-se ao ensino regular (Correia,1997;
Doré et al.,1996).
Sem a preocupação com a precisão histórica de seu surgimento, o fato é que,
depois de um período de intensas discussões e críticas a respeito do processo de
integração/mainstreaming e suas possíveis limitações, ao final dos anos 80 e início
da década de 90, começaram a tomar vulto as discussões em torno do novo
paradigma de atendimento educacional - a Inclusão Escolar.
Na realidade, tanto o processo de integração quanto o de inclusão escolar
são formas de inserção escolar ou sistemas organizacionais de ensino cuja origem
se fundamenta no mesmo princípio, o princípio da normalização.
Apesar da origem comum no mesmo princípio e de terem, basicamente, o
mesmo significado, os conceitos de Integração e de Inclusão escolar estão
fundamentados em posicionamentos divergentes quanto à consecução de suas
metas. A Integração Escolar remete à idéia de uma inserção parcial e condicionada
às possibilidades de cada pessoa, enquanto que o processo de Inclusão refere-se a
uma forma de inserção radical e sistemática, total e incondicional, de toda e qualquer
criança no sistema escolar comum (Werneck, 1997; Mantoan, 1997;1998).
Normalizar uma pessoa, dentro da paradigma inclusivista, segundo Werneck
(1997), não significa torná-la normal; significa garantir-lhe o direito de ser diferente e
de ter suas necessidades reconhecidas e atendidas pela sociedade. Em relação à
área educacional, continua Werneck, normalizar é oferecer ao aluno com
necessidades especiais os recursos profissionais e institucionais adequados e
49

suficientes para que ele tenha condições de desenvolver-se como estudante, pessoa
e cidadão.
Dessa forma, o objetivo fundamental da Inclusão Escolar é não deixar criança
alguma fora do sistema escolar e garantir que todas possam freqüentar a sala de
aula do ensino regular da escola comum e que esta escola, por sua vez, adapte-se
às particularidades de todos os alunos para concretizar o objetivo da diversidade,
proposto pelo modelo inclusivista. O paradigma da Inclusão não admite
diversificação de atendimentos pela segregação e, na busca de um ensino
especializado no aluno, procura soluções que atendam às suas diversidades, sem
segregá-los em atendimentos especializados ou em modalidades especiais de
ensino (Werneck, 1997; Mantoan, 1996;1997).
Portanto, a inserção proposta no modelo da inclusão é muito mais completa,
radical e sistemática, não admitindo que ninguém fique fora da escola, por isto, seus
pressupostos provocam o questionamento das políticas educacionais e da
organização da educação especial e regular, assim como o conceito de
mainstreaming e de integração.
Nesse sentido, as escolas inclusivas propõem um modo de constituir um
sistema educacional que considere as necessidades de todos os alunos e que seja
estruturado em virtude dessas necessidades. A proposta inclusivista, assim, provoca
uma ampliação na perspectiva educacional, dentro do contexto escolar, já que sua
prática não prevê apenas o atendimento aos alunos que apresentam dificuldades na
escola. Além disto, o trabalho educacional desenvolvido dentro do paradigma da
inclusão apóia a todos os que se encontram envolvidos no processo de
escolarização: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham
sucesso na corrente educativa geral (Mantoan, 1997).
A ênfase da escola inclusivista não se restringe ao atendimento das crianças
portadoras de necessidades especiais. A meta do novo paradigma é incluir todos
aqueles que se encontram em situação de exclusão, quer sejam eles deficientes
físicos, mentais, sensoriais, ou crianças fracassadas na escola; ou alunos
marginalizados por conta de suas peculiaridades raciais ou culturais; ou qualquer
outra criança que esteja impedida de usufruir seu direito de acesso a uma educação
democrática e de qualidade que lhe garanta um desenvolvimento social, emocional e
50

intelectual adequado. A escola inclusivista respeita e valoriza as diversidades


apresentadas por seus alunos.
A proposta da Inclusão exige uma transformação radical da escola, pois
caberá a ela adaptar-se às necessidades dos alunos, ao contrário do que acontece
atualmente, quando são os alunos que devem adaptar-se ao modelo e expectativas
da escola. Se a meta do processo de Inclusão é que todo e qualquer educando
esteja inserido na escola comum, então, a escola inclusivista deve estar preparada
para oferecer um ambiente propício ao desenvolvimento das potencialidades de
todos os tipos de alunos, com qualquer que seja sua deficiência, diferença, déficit ou
necessidades individuais (Werneck, 1997; Semeghini, 1998).
O princípio da Inclusão, sintetiza Correia (1997), apela para uma escola que
tenha sua atenção voltada para a criança-todo, e não só a criança-aluno,
respeitando os três níveis de desenvolvimentos essenciais - o acadêmico, o sócio-
emocional e o pessoal-, de modo a proporcionar a essa criança uma educação
apropriada, orientada para a maximização de seu potencial.
Em termos teórico-ideológicos, a idéia da inclusão escolar é, sem dúvida
alguma, revolucionária. Entretanto, há que se refletir sobre importantes questões de
natureza pragmática e operacional levantadas pelos pesquisadores da área.
A instalação de uma prática educacional inclusivista não será garantida por
meio de promulgações de leis que, simplesmente, extingam os serviços de
educação especial e obriguem as escolas regulares a aceitarem a matrícula dos
alunos “especiais” , ou seja, a inserção física do aluno com deficiência mental, em
sala de aula regular, não garante a sua “inclusão escolar”. Por outro lado, conforme
observa Bueno (1999), a implementação de uma escola regular inclusivista demanda
o estabelecimento de políticas de aprimoramento dos sistemas de ensino, sem as
quais não será possível garantir um processo de escolarização de qualidade.
Uma política de Inclusão Escolar implica no replanejamento e na
reestruturação da dinâmica da escola para receber esses alunos (Glat, 1998). Em
relação a essa necessidade de mudanças da escola, alguns autores alertam que
devem ser feitas com cautela, ponderação e conscientização, alertando que a
realização de uma reforma de fundo não ocorre de imediato, ao contrário, trata-se de
um processo em curso, que deve ser devidamente estudado e planejado,
51

considerando todos os fatores envolvidos na questão educacional (Correia, 1997;


Carvalho, 1998).
Apesar do conceito de inclusão conciliar-se com uma educação para todos e
com o ensino especializado no aluno, a opção por esse tipo de inserção escolar não
poderia ser realizada sem o enfrentamento de desafios importantes, sendo que o
maior deles recai sobre o fator humano. Na adoção do paradigma da inclusão, as
mudanças no relacionamento pessoal e social e na maneira de efetivar os processos
de ensino e aprendizagem têm prioridade sobre o desenvolvimento de recursos
físicos e os meios materiais para a realização de um processo escolar de qualidade
(Mantoan, 1998)
Essas novas atitudes e formas de interação na escola dependem de fatores,
tais como: o aprimoramento da capacitação profissional dos professores em serviço;
a instituição de novos posicionamentos e procedimentos de ensino, baseados em
concepções e práticas pedagógicas mais modernas; mudanças nas atitudes dos
educadores e no modo deles avaliarem o progresso acadêmico de seus alunos;
assistência às famílias dos alunos e a todos os outros que estejam envolvidos no
processo de inclusão. Todas estas mudanças, na opinião de Mantoan (1997;1998),
não devem ser impostas, ao contrário, devem resultar de uma conscientização cada
vez mais evoluída de educação e de desenvolvimento humano.
52

DEFICIÊNCIA MENTAL E ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESCOLAR

A estruturação e o planejamento de qualquer espécie de atendimento


educacional estão intrinsecamente relacionadas ao tipo de clientela alvo que esse
atendimento pretende contemplar, ou seja, quais são suas características e suas
necessidades educacionais. Além da consideração desses aspectos, as discussões
que estruturam e definem o perfil de um atendimento educacional estarão sempre
fundamentadas nas concepções de sociedade, de educação, de homem, de
desenvolvimento humano e de processo de ensino e aprendizagem, que os
educadores que estruturam e planejam esse serviço possuam.
No caso do atendimento educacional a indivíduos deficientes mentais,
também terão fundamental influência, nesse processo de considerações e
deliberações, as concepções de deficiência mental e de indivíduo “deficiente mental”
desses educadores, sempre consideradas dentro do contexto social e histórico em
que tais discussões estão acontecendo.
O fenômeno da Deficiência Mental é muito complexo, o que dificulta encontrar
uma definição que satisfaça inteiramente a todos os profissionais que lidam nesse
campo. Além das definições consideradas oficiais, por serem emitidas por órgãos ou
instituições de referência na área, ainda encontramos variações na forma de
entender o que é deficiência mental, dependendo do profissional em questão,
naturalmente, influenciado por sua área de atuação, por seus referenciais teóricos,
por suas experiências anteriores, pelo contexto social em que está inserido etc.
Não bastassem todos esses fatores, etiologicamente falando, encontramos
diferentes formas de manifestação do quadro de deficiência mental envolvendo
diversas causas e aspectos variados que, no entanto, terão como ponto comum, o
déficit na capacidade intelectual do indivíduo e sua dificuldade de adaptação social
(Pérez-Ramos, 1982).
De um modo geral, o indivíduo deficiente mental distingue-se dos outros por
não possuir as habilidades e comportamentos que as pessoas consideradas
"normais" apresentam. Tais habilidades e comportamentos variam de pessoa para
pessoa, sendo aí incluídas atividades de vida diária, habilidades acadêmicas,
comportamentos sociais ou profissionais. Em geral, a criança deficiente mental não
consegue aprender o mesmo conteúdo que as outras absorvem por si sós, ou por
53

métodos de ensino tradicionais (Glat, 1985). Porém, é sempre bom lembrar que o
fracasso escolar diante dos métodos “tradicionais” de ensino nem sempre significa
que o aluno tem uma deficiência mental.
Nas últimas décadas, as definições para deficiência mental têm enfatizado
mais os aspectos psicossociais da deficiência, do que os aspectos biológicos e
etiológicos, devido à importância que vem sendo dada à conduta adaptativa do
indivíduo deficiente, em relativo detrimento aos fatores causais e às considerações
prognósticas da deficiência mental. A conduta adaptativa refere-se aos
comportamentos do indivíduo relativos à sua competência social, ao seu
desempenho escolar, à sua independência em hábitos de cuidados pessoais e à sua
aquisição de padrões de conduta socialmente aceitos.
Algumas definições de deficiência mental, utilizadas por importantes
organizações mundiais, têm tido repercussão internacional e destacam-se como
referência conceitual, exercendo significante influência sobre as representações
conceituais de muitos profissionais da área de educação especial. A importância
dessa influência deve ser considerada, pois, tendo tais concepções como referência,
os profissionais da educação irão estruturar serviços, elaborar planejamentos e
estabelecer objetivos para o atendimento educacional oferecido ao deficiente
mental.
Dentre as referências conceituais de deficiência mental, destacamos a
definição da Associação Americana de Deficiência Mental (American Association on
Mental Deficiency - AAMD), sediada nos EUA, devido à sua importância histórica
nos eventos relacionados à educação especial e também pelo fato da definição
proposta por essa associação vigorar como princípio orientador de trabalhos e
pesquisas na área da educação especial. Em 1992, a AAMD apresentou uma nova
revisão de sua definição de deficiência mental. O novo texto, ampliado e com maior
detalhamento, afirma que a deficiência mental:

"Caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral


significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento,
concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta
adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às
demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados
pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade,
54

independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e


trabalho"

Quando comparada às duas versões anteriores, a nova definição revela-se


mais funcional e traz modificações fundamentais. O problema das habilidades
adaptativas é destacado pela primeira vez, e a AAMD assume uma visão inovadora,
quando expõe que o funcionamento intelectual e as necessidades dos indivíduos
portadores de deficiência mental devem ser considerados em função do intercâmbio
entre tais necessidades e os ambientes de vida desse indivíduo (Mantoan 1997). A
nova definição tira a ênfase do critério quantitativo do QI como principal indicador de
deficiência mental; o coeficiente de inteligência do indivíduo só será considerado
como indicador do diagnóstico de deficiência mental, quando estiver associado a
limitações das habilidades adaptativas desse indivíduo em sua interação com seu
meio ambiente.
A nova definição da AAMD, segundo Luckasson et al.(1994), sugere que os
graus de comprometimento intelectual sejam abandonados e substituídos pela
graduação de medidas de apoio necessárias às pessoas com déficits cognitivos,
além de destacar o processo interativo entre as limitações funcionais características
dessas pessoas e as possibilidades adaptativas que lhes são disponíveis em seus
meios ambientes. Para aqueles autores, a nova concepção de deficiência mental,
implícita nessa definição, remete a importantes transformações no plano de serviços
e chama a atenção para as habilidades adaptativas do deficiente mental.
A partir das idéias trazidas por essa nova definição, ao pensar nos serviços
de apoio para o deficiente mental, devemos considerar, além dos tipos e
intensidades desses apoios, os meios pelos quais esse indivíduo poderá aumentar
sua independência, produtividade e inserção no contexto comunitário e nas
interações com seus pares.
Se o desempenho das habilidades adaptativas implica o ajustamento
adequado entre o indivíduo e o seu meio ambiente, a situação oposta, a
inadaptação, dentro desses novos parâmetros, também será resultante do processo
interativo. No caso da inadaptação, entretanto, significa que o processo de
ajustamento entre o indivíduo e o meio não teve sucesso e que tal indivíduo não
conseguiu superar os obstáculos com os quais se deparou em seu processo de
inserção ambiental.
55

Mudanças no Atendimento Educacional Escolar

A evolução dos conceitos de deficiência mental, de incapacidade e de


inadaptação, juntamente com o reconhecimento da influência dos fatores
ambientais, associados às características pessoais do indivíduo no processo
interativo de produção das inadaptações dele em seu meio, desencadearam
questionamentos importantes em relação ao tipo de atendimento escolar que vem
sendo oferecido aos deficientes mentais, tanto nas escolas especiais, como nas
escolas comuns onde estão sendo desenvolvidas experiências de inserção escolar
de crianças deficientes mentais.
De forma geral, observa-se que as escolas têm demonstrado não estar
preparadas para atender os alunos com deficiência mental ali inseridos e, em
conseqüência disto, o ambiente cognitivo escolar acaba oferecendo sérios
obstáculos ao processo de ensino e aprendizagem dessas pessoas (Mantoan,
1997b).
A importância dada aos fatores ambientais no processo interativo de
produção das inadaptações obrigou a um redimensionamento da estrutura, do
planejamento e dos objetivos do atendimento educacional oferecido ao aluno
deficiente mental. Se, antes, a linha norteadora desse atendimento tinha como
referência um conceito de deficiência mental centrado no indivíduo – em suas
características pessoais, em suas dificuldades e nos fatores orgânicos relacionados
à deficiência -, agora, as condições do meio ambiente passam a ser consideradas
como fator de influência fundamental no processo de desenvolvimento dele.
Atualmente, a importância da influência dos fatores ambientais (externos),
tanto quanto dos fatores inerentes ao indivíduo (internos), no processo interativo de
produção das adaptações ou inadaptações, é amplamente reconhecida e nenhuma
proposta educacional ou modelo educativo voltado para a população de pessoas
com deficiência mental pode ser planejado e executado sem se considerar a
interação desses indivíduos com o meio no qual estão inseridos.
Deste modo, a pessoa que tem uma deficiência mental passa a ser
considerada como alguém que, além de dificuldades e limitações pessoais, também
tem necessidades, direitos e possibilidades; e que suas incapacidades (ou
inabilidades) estão diretamente relacionadas às condições de inserção oferecidas
56

por seu meio ambiente. Assim sendo, as condições propiciadas pelo contexto em
que esse sujeito vive passam a ter um peso fundamental em seu processo de
adaptação, podendo contribuir tanto para o abrandamento, quanto para o
agravamento de suas dificuldades, incapacidades ou inadaptações. As causas da
situação de inadaptação, portanto, não são mais procuradas no indivíduo e
justificadas por suas características pessoais, o foco desloca-se para o processo
interacional dele com seu meio ambiente.
A ênfase na análise dos aspectos externos envolvidos na interação do
indivíduo deficiente mental, em sua inserção no contexto em que vive, não tira a
importância de considerar os aspectos relacionados ao quadro etiológico de sua
deficiência mental. Entretanto, sem negar a etiologia orgânica que uma considerável
parcela de deficientes mentais carregam, Pessotti (1984) alerta para os radicalismos
nas considerações sobre a deficiência, no sentido de evitar uma postura totalmente
organicista e unitária, lembrando que o conceito de deficiência mental, seu
diagnóstico e classificação devem considerar o homem dentro de uma visão
integrativa e global. Para Mantoan (1997a), restringir a interpretação da deficiência
mental a um fenômeno individual, acaba conduzindo a compreensão desse
fenômeno a muitas distorções de sentido, ao mesmo tempo em que estimula a
concretização de atendimentos educacionais e terapêuticos cujas intervenções
acentuam o seu caráter patológico e segregativo.
Estudos de epistemologia social, relacionados à construção social da
deficiência mental, demonstram que os problemas enfrentados pela pessoa
deficiente são mais de limitações e deficiências da sociedade e do meio em que ela
se encontra, do que do próprio organismo dito deficiente, confirmando, assim, a
importância dos fatores ambientais na constituição do fenômeno da deficiência
mental (Omote, 1980; Melchiori, 1987).
Em uma sociedade em que o padrão de normalidade e ajustamento é
valorizado e legitimado pela ideologia dominante, qualquer pessoa que se destoe do
convencional passa a ser discriminada e segregada pela maioria considerada
“normal”. Como a sociedade não está preparada para lidar com as diferenças
apresentadas pelos indivíduos com deficiência mental, em geral, acaba
culpabilizando-os por suas próprias impossibilidades e limitações. Enxergar apenas
o quadro orgânico e patológico da deficiência mental é desconsiderar os aspectos
57

sociais do fenômeno e retirar da sociedade a sua responsabilidade na constituição e


acentuação da deficiência mental.
As transformações ocorridas na forma de compreender a deficiência mental e
os indivíduos deficientes mentais desencadearam questionamentos importantes em
relação ao tipo de atendimento escolar que vem sendo oferecido a essa clientela. As
discussões envolvendo a temática têm pressionado educadores e pesquisadores da
área a buscarem novas alternativas que superem os problemas e as limitações
apresentadas pelo modelo anterior de atendimento escolar proposto para a
população de alunos com deficiência mental – a integração escolar do tipo
mainstreaming.
O atual movimento social de luta pela inserção escolar de crianças e jovens
deficientes mentais, dentro do modelo da Inclusão Escolar, desencadeou
importantes discussões sobre a qualidade de ensino oferecida em nossas escolas,
não só para os deficientes, mas para todos os alunos.
Os defensores do modelo de escola inclusiva acreditam que, se o sistema
educacional for estruturado considerando as necessidades de todos os alunos, não
há necessidade dos educandos estarem separados em ensino especial e ensino
comum, pois, no modelo inclusivista, a escola comum estará preparada para atender
a todos os tipos de alunos, com ou sem deficiência.
Pontuam que, em relação aos alunos com deficiência mental, a meta final da
educação inclusiva é a conquista de sua autonomia social e intelectual. Os
propósitos da inserção desses alunos no sistema regular de ensino, portanto, devem
ir além dos aspectos físicos e sociais, garantindo a ênfase dos aspectos relativos ao
desenvolvimento acadêmico, pois, só assim, o processo de autonomia poderá
ocorrer por completo (Mantoan, 1997a).
Além da conquista da autonomia moral e intelectual, mais um objetivo deve
ser acrescentado à educação inclusiva: a valorização dos papéis sociais, conforme a
cultura, a idade e o gênero dos deficientes mentais. Isto significa algo mais do que a
simples oportunidade de participação do indivíduo no meio produtivo normal. A
valorização de papéis sociais, no paradigma inclusivista, pressupõe a igualdade de
valor entre as pessoas, independente das características ou diferenças, físicas ou
mentais, que possam apresentar (Mantoan, idem).
58

Assim, a consideração dos novos objetivos educacionais propostos pelo


modelo da Inclusão Escolar, que enfatizam tanto o desenvolvimento das habilidades
e talentos pessoais, como dos papéis sociais, têm provocado mudanças importantes
na forma de pensar e estruturar o atendimento escolar oferecido a esses alunos.
Atualmente, intensas discussões sobre as idéias relacionadas a esse novo
modelo de inserção escolar e às conseqüências de sua implementação na rede de
ensino têm envolvido tanto os profissionais da educação especial, como da comum.
De modo geral, as discussões têm revelado que, independente do modelo de
inserção escolar utilizado, existe uma necessidade premente da escola tradicional
estar passando por mudanças radicais a fim de transformá-la em um local adequado
para oferecer um atendimento educacional de qualidade a todos os tipos de alunos
que a procuram.
Portanto, a inserção de alunos deficientes mentais no ensino regular,
certamente, irá demandar da escola tradicional uma série de mudanças: novos
posicionamentos e procedimentos de ensino, fundamentados em concepções e
práticas pedagógicas mais evoluídas; mudanças nos processos de avaliação e
promoção dos alunos; maior aprimoramento na formação dos professores
(acadêmica e em serviço); e, principalmente, mudanças de atitudes e de valores
entre todos os membros da comunidade escolar (Mantoan,1998a). Muito
provavelmente, tais mudanças acabarão por resultar em uma melhoria da qualidade
do atendimento escolar oferecido pela escola, pois, ao se tornar realmente
competente e eficiente para atender os alunos deficientes mentais inseridos em suas
salas, a escola tradicional, conseqüentemente, estenderá essa competência e
eficiência ao demais alunos.
59

A Escola como Contexto de Desenvolvimento

A escola é a instituição social que tem como papel primordial permitir o


acesso sistematizado dos indivíduos ao conjunto de conhecimentos, teóricos e
práticos construídos e acumulados pelos homens, ao longo de sua história. Cada
sociedade irá selecionar e legitimar como importante determinado conjunto de
conhecimentos que deverão ser transmitidos pela escola. De acordo como contexto
social em que está inserida a escola, tais conhecimentos serão, oficialmente,
valorizados como importantes para capacitar toda e qualquer pessoa a participar
socialmente, contextualizada em seu tempo, atuando de modo criativo e
participativo, tanto em âmbito social, como na esfera pessoal.
Como instituição, além de garantir o acesso do indivíduo aos conhecimentos
constituídos, a escola tem a autoridade de proporcionar a internalização de deveres
e regras que constituem a sociedade mais ampla. Entretanto, segundo Abrantes
(1997), a contribuição que o espaço escolar pode oferecer ao desenvolvimento do
indivíduo só poderá ocorrer, em sua plenitude, à medida que esse contexto se
transformar em um espaço de diálogo entre seus integrantes, possibilitando um
processo de contato com o conhecimento construído historicamente, por meio de
relações simétricas entre seus membros. Além disto, é fundamental que os
relacionamentos interpessoais possibilitem, se necessário, a superação das normas
estabelecidas e desenvolvam novos conhecimentos.
A escola detém, portanto, um importante papel social a cumprir em relação
aos membros de uma sociedade. Além de ser um local onde o indivíduo tem acesso
a um conjunto de informações científicas, históricas e culturais acumuladas pela
espécie humana, ela também pode desempenhar o papel de formadora do cidadão
pensante. Isto significa que não basta apenas fornecer as informações acadêmicas,
é necessário que o contexto escolar constitua-se em um espaço de construção de
novos conhecimentos, onde novas idéias surjam e que o debate e a reflexão
constante entre todos os envolvidos no processo escolar de ensino e aprendizagem
seja sempre mantido.
Como espaço de interações, provavelmente, a escola constitui-se em um dos
mais importantes ambientes sociais em que a criança irá se inserir, depois de
iniciado seu desenvolvimento no âmbito familiar. Assim, o ambiente escolar,
60

adequadamente estruturado e planejado, pode contribuir de maneira inestimável


para que aspectos fundamentais do desenvolvimento infantil sejam desenvolvidos,
dentro daquele contexto de novas interações sociais para a criança. O convívio no
ambiente escolar propicia à criança experiências inéditas em interações sociais,
levando-a a conviver com novos papéis sociais, estabelecendo novos vínculos
afetivos; aprendendo sobre valores éticos e morais; tendo que lidar com regras e
compromissos; aprendendo a conviver e interagir em grupo; entendendo quais são
seus direitos e deveres; convivendo com as diferenças e as igualdades e
aprendendo o respeito pelo outro.
Os conhecimentos das crianças e os seus modos de aprender vão se
constituindo na dinâmica das relações sociais. Nessa dinâmica, as crianças
aprendem sobre papéis, lugares e valores sociais, percebem e experimentam
posições marcadas social e lingüisticamente legitimadas. Neste processo, vão
desenvolvendo tanto esquemas de sobrevivência, quanto esquemas interpretativos
da realidade onde estão inseridas. Estes esquemas, então, são resultantes das
formas de interação. Assim, as interações, e aí a linguagem como interação, são
constitutivas do conhecimento” (Smolka, 1989, p.46).
Acreditamos que a escola pode colaborar fundamentalmente para o
desenvolvimento global - cognitivo, afetivo, motor e social da criança, contribuindo,
assim, para torná-la um indivíduo independente e apto a viver sua vida e a
desenvolver seus projetos pessoais, a partir de uma inserção social plena, criativa,
democrática e produtiva, em que ele seja capaz de estabelecer diversificadas
interações sociais com os outros, sabendo defender seus direitos e cumprir seus
deveres, consciente de seu papel social e sentindo-se valorizado no seu
desempenho, sendo autônomo e capaz em suas possibilidades de interferência e de
transformação de seu meio ambiente.
Em nossa opinião, as crianças e jovens que apresentam deficiência mental
não podem ser privados de seu direito de usufruir de todas as vantagens que a
escola tem a oferecer, até porque, antes do direito à escolarização, essas pessoas
têm um direito político, humano e democrático maior: o de estarem adequadamente
inseridas em seus contextos sociais como indivíduos participativos e produtivos.
Sabemos, entretanto, que a inserção social plena e efetiva do deficiente
mental não é uma tarefa fácil ela demanda preparação e capacitação desse
61

indivíduo. Para tanto a escola é, ao nosso ver, o agente social que mais poderá
contribuir na preparação desse indivíduo para uma inserção social plena e
verdadeira.
Nesse sentido, acreditamos que a escola comum, como contexto social, tem
um duplo papel em relação ao aluno deficiente mental que ali se encontra: (1)
constituir-se em uma opção de ambiente social em que este aluno possa estar se
inserindo e estabelecendo inter-relações sociais que fortaleçam e enriqueçam sua
identidade sócio-cultural; (2) propiciar uma formação escolar diversificada e
completa a esse aluno, de modo a capacitá-lo a realizar uma inserção social
adequada nos outros ambientes pelos quais circula.
Estudos já demonstraram que a influência do processo educativo escolar
pode ser decisiva para o desenvolvimento psico-intelectual da criança. Conduzir o
seu desenvolvimento por meio da educação, segundo Kostiuk (1991), significa
organizar essa interação, dirigindo a atividade da criança para o conhecimento da
realidade e para o domínio – por meio da palavra – do saber e da cultura da
humanidade, desenvolvendo concepções sociais, convicções e normas de
comportamento moral.
Além disto, as atividades educativas na escola vão além da simples aquisição
de conhecimentos acadêmicos. No contexto escolar, as crianças estão envolvidas
em várias formas de atividade educativa intencional e a participação delas em tais
atividades, deve ser vista como uma espécie de aperfeiçoamento de sua atividade
cognitiva e de sua capacidade para assimilar conhecimentos. Kostiuk comenta que
pesquisas têm revelado “a dependência do ensino a respeito do desenvolvimento
psico-intelectual da criança, e dão um conteúdo novo à idéia de que o ensino exerce
um papel ativo no desenvolvimento” (1991, p.55). Ao colocar os alunos perante
tarefas de caráter cognoscitivo, o professor não se limita a organizar as ações
encaminhadas para a execução dessas tarefas, mas proporciona aos alunos os
métodos necessários cujo domínio leva ao aparecimento de novas atividades e ao
desenvolvimento das potencialidades mentais.
Se essas considerações valem para aquelas crianças consideradas
“normais”, intelectualmente falando, também servem para aquelas que apresentam
déficit intelectual ou deficiência mental.
62

Dessa forma, pesquisas e estudos sobre o funcionamento mental do indivíduo


deficiente mental têm trazido importantes informações sobre suas possibilidades e
dificuldades, dentro do processo de ensino e aprendizagem. A grande mudança,
talvez, seja o fato desse indivíduo passar a ser visto como um sujeito cognoscente,
alguém que realmente seja capaz de aprender. Como sujeito cognoscente, o
deficiente mental tem o direito a uma educação que favoreça seu desenvolvimento
psico-intelectual, em que ele possa construir conhecimentos significativos e úteis e
também aprenda a maneira mais adequada de aplicá-los nas diversas situações de
sua vida cotidiana, melhorando, com isso, sua condição de vida pessoal e grupal.
Boneti (1997) cita algumas pesquisas que demonstraram a possibilidade do
deficiente mental interagir com o objeto de conhecimento e tirar proveito dessa
interação. Num estudo realizado com crianças em idade pré-escola portadoras de
deficiência mental, em 1995, a autora constatou que essas crianças elaboram
esquemas de interpretação da linguagem escrita e passam por conflitos cognitivos
semelhantes àqueles identificados por Emilia Ferreiro nas crianças consideradas
normais. Já em relação ao processo de evolução da linguagem escrita, cita
pesquisas que demonstraram que as crianças deficientes mentais progridem
significativamente, quando submetidas ao mesmo programa de estimulação da
leitura oferecido ao grupo sem deficiência mental (Katims, 1994; Saint-Laurent et at.
1994).
Tendo como referencial a Epistemologia Genética de Piaget, Mantoan
(1987;1991) tem demonstrado as possibilidades de desenvolvimento desse indivíduo
quando inserido em contextos escolares. Seus estudos comprovaram que a
solicitação do meio escolar resulta em benefícios para o desenvolvimento das
estruturas lógicas concretas nos portadores de deficiência mental. Entretanto,
Mantoan (1997a) lembra que os deficientes mentais necessitam de um apoio
intencional para que possam estruturar condutas inteligentes, as quais, nos
indivíduos normais, aparecem espontaneamente no curso de seu desenvolvimento.
Diante desses resultados, podemos constatar a importância do meio escolar,
quando adequadamente estruturado, no desenvolvimento das operações mentais
das crianças deficientes mentais ali inseridas, assim como em seu desenvolvimento
psicológico como um todo.
63

Sabemos, contudo, que, na situação atual em que se encontra, a escola


pública brasileira não tem conseguido proporcionar para à criança dita normal (o que
se dirá para aquela que é deficiente mental) um ambiente educacional estimulador
para seu desenvolvimento global. Pelo contrário, salvo raríssimas exceções, o que
encontramos, na realidade, são salas de aula super lotadas e mal equipadas, onde o
objetivo do trabalho pedagógico restringe-se à mera transmissão de informações e
reprodução de conhecimentos pré-determinados. Para atingir esse fim, as
professoras aprimoram-se em desenvolver atividades cuja ênfase centra-se em
exercícios de reprodução escrita sem sentido (cópia) e com um forte apelo à
memorização mecânica.
A própria professora, muitas vezes, também não encontra sentido naquilo que
executa, mas, geralmente, nem se dá conta disto ou, quando toma consciência de
seu trabalho mecanizado e sem sentido, não o questiona: ou porque não se sente
competente para fazê-lo devido à sua formação incompleta; ou porque aprendeu a
se calar e a se submeter; ou porque já se cansou de tentar e desistiu; ou por causa
de um pouco de tudo isto.
Nessas situações educacionais, que têm sido denunciadas por pesquisadores
da área e com as quais temos nos deparado dentro das escolas, comumente, o
modelo de ensino utilizado pela professora é o tradicional. De modo geral, a
abordagem tradicional de ensino pode ser encontrada em formas variadas e
caracteriza-se, segundo Mizukami (1986), por estar centrada no professor e enfatizar
os aspectos que são externos ao aluno, isto é: o programa, as disciplinas, as
estratégias didáticas, o planejamento curricular etc
Na abordagem tradicional de ensino, o aluno é considerado como um ser
pronto e acabado, que apenas necessita ser atualizado com informações que irá
receber do professor. O papel do aluno é limitar-se a executar prescrições que lhes
são fixadas por autoridades exteriores. O papel do professor é o de informar e
conduzir seus alunos em direção a objetivos que lhes são externos, escolhidos pela
escola e/ou pela sociedade, nunca pelos sujeitos do processo. A relação professor-
aluno é vertical, sendo que o professor concentra todo o poder de decisão e controle
da situação em sala, exercendo o papel de mediador entre cada aluno e os modelos
culturais. A relação predominante é dual - professor-aluno (individual), sendo que as
interações, dentro da classe, consistem na justaposição dessas relações duais, nas
64

quais as possibilidades de cooperação entre os pares são reduzidas, já que a


maioria das tarefas desenvolvidas em sala exige participação individual, dificultando
assim, a interação dos alunos na condição de grupo (Mizukami, 1986).
Fora da sala de aula, em outros ambientes do contexto escolar, é muito
comum constatarmos padrões semelhantes de interação social observados em sala
de aula, ou seja: a supervisora fala e orienta, a professora escuta e atende; a
diretora delibera e as supervisoras e professoras obedecem; a Secretaria de
Educação resolve e a escola acata etc.
Podemos observar que o modelo tradicional de ensino estabelece uma
relação de poder entre quem ensina e quem aprende, na qual aquele que tem o
poder (conhecimento) desautoriza a capacidade cognoscente do outro e espera que
ele apenas receba e “engula” as informações sem questionar ou refletir a respeito
delas. Essa relação de autoridade desenvolve-se num ambiente pedagógico, em
que, segundo Carvalho (1998), a construção do conhecimento, a criatividade, o
aprender a aprender e o saber pensar ficam relegados a um segundo plano.
Pensar no fenômeno da inserção escolar da criança portadora de deficiência
mental na escola pública brasileira significa pensar em todos esses fatores
envolvidos na complexa e caótica realidade educacional da educação brasileira,
além de todos os outros aspectos, especialmente, os relativos ao ensino especial, ao
processo de ensino e à aprendizagem do aluno deficiente mental e à questão da
deficiência mental, considerada um fenômeno com implicações sociais, psicológicas
e pedagógicas próprias.
Concordamos com Glat (1995) quando afirma que a integração escolar não
resulta necessariamente em integração social. Entretanto, também acreditamos que,
sem receber um atendimento educacional eficiente e sem poder vivenciar uma
adequada inserção escolar, a criança deficiente mental, dificilmente, conseguirá
desenvolver-se e preparar-se para uma inserção social plena em sua comunidade.
65

A INSERÇÃO ESCOLAR DO DEFICIENTE MENTAL E

A PERSPECTIVA ECOLÓGICA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

O objetivo principal do atendimento educacional oferecido ao aluno com


deficiência mental inserido no ensino regular é o de promover, em níveis superiores,
o desenvolvimento global - cognitivo, afetivo, motor e social – desse aluno,
contribuindo para torná-lo o mais independente e autônomo possível, de modo que
ele possa viver sua vida e desenvolver seus projetos pessoais a partir de uma
inserção social plena, criativa, democrática e produtiva, em que seja capaz de
estabelecer diversificadas interações sociais nos vários contextos pelos quais
circula, sabendo defender seus direitos e cumprir seus deveres, sendo valorizado
em seus papéis sociais, desenvolvendo suas habilidades alternativas e sendo capaz
de interferir e transformar o meio ambiente em que está inserido.
A organização do contexto educacional escolar, de modo a torná-lo um
ambiente adequado para promover este desenvolvimento global, deve levar em
conta tanto os fatores internos (inerentes ao aluno), como os fatores externos
(inerentes ao meio) no processo interativo da produção das adaptações ou
inadaptações desse indivíduo. Portanto, ao se planejar o atendimento escolar, além
de todos os aspectos relacionados especificamente ao aluno deficiente, devem ser
consideradas as condições de inserção oferecidas a ele pelo meio ambiente
acadêmico em que ele se encontra inserido, pois essas condições terão um peso
significativo em seu processo de adaptação escolar, podendo agravar-lhe ou
abrandar-lhe as dificuldades ou incapacidades, o que também significa, podendo
contribuir para a promoção ou não de seu desenvolvimento.
Assim, as condições de interação e de adaptação proporcionadas pelo meio
acadêmico a esse indivíduo terão papel fundamental na construção do sucesso ou
do fracasso de sua inserção escolar. Serão as qualidades e quantidades de contato
e trocas interacionais estabelecidas entre o sujeito e o seu meio ambiente que
determinarão o ritmo de seu desenvolvimento. Se as oportunidades forem
inadequadas, o ritmo de desenvolvimento poderá ser lento e o retardamento ser
tanto mais extremo quanto mais extremas forem as restrições às quais o indivíduo
estiver exposto (Rangel, 1985). Portanto, o padrão das interações estabelecidas
66

entre o aluno com deficiência mental e o contexto escolar definirão as possibilidades


de desenvolvimento desse indivíduo.
Três pontos fundamentais destacam-se, deste modo, na análise da questão
da inserção escolar do aluno com deficiência mental: (1) a importância dos fatores
ambientais no processo de adaptação do indivíduo deficiente ao meio, facilitando ou
dificultando seu desenvolvimento; (2) o papel fundamental das interações
estabelecidas entre o indivíduo e o meio na determinação do ritmo e qualidade de
seu desenvolvimento; e (3) o desenvolvimento alcançado pelo aluno no contexto
escolar, repercutindo na promoção de níveis mais elevados de autonomia e
participação social desse indivíduo em outros ambientes freqüentados por ele, fora
da escola.
Os três pontos citados relacionam-se estreitamente com a questão do
desenvolvimento desse aluno inserido no contexto escolar. Assim, a análise mais
aprofundada do fenômeno da inserção da pessoa com deficiência mental, na rede
comum de ensino, e a reflexão sobre as possibilidades dessa inserção ser realizada
adequada e eficientemente passam, portanto, pela compreensão dos aspectos
relacionados ao desenvolvimento deste indivíduo. No presente estudo, esse
desenvolvimento estará sendo compreendido por uma perspectiva ecológica de
desenvolvimento humano.
A perspectiva ecológica do desenvolvimento humano, conforme proposta por
Urie Bronfenbrenner, parte do pressuposto de que o entendimento do ser humano
exige mais do que a observação direta do comportamento de uma ou duas pessoas
situadas no mesmo local. Tal entendimento requer o exame de sistemas de
interação de múltiplas pessoas, não sendo limitado a um único ambiente, e levando
em conta outros aspectos desse meio ambiente, que vão além da situação imediata
que contém o sujeito. Considerar o desenvolvimento humano fora dessa perspectiva
ampliada, segundo Bronfenbrenner (1996), implica uma compreensão-fora-do-
contexto.
Na definição de Bronfenbrenner :

“A ecologia do desenvolvimento humano envolve o estudo científico da


acomodação progressiva, mútua, entre um ser humano ativo, em
desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que
a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse processo é afetado pelas
67

relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos em que os


ambientes estão inseridos.” (1996, p.18)

Ao analisarmos os aspectos envolvidos no fenômeno da inserção escolar do


indivíduo deficiente mental, dentro de uma perspectiva ecológica de
desenvolvimento humano, considerando a rede interacional, que envolve todo ser
humano em desenvolvimento, devemos ampliar nosso foco de análise de modo a
incluir também a professora regente, pois ela estará formando, junto com o aluno
deficiente, o principal par interacional no contexto da sala de aula, e as interações
estabelecidas entre eles terão influência decisiva no processo de desenvolvimento
escolar desse aluno.
Sabemos que as interações dentro da sala de aula acontecem abrangendo
todos os participantes que ali estão inseridos, entretanto, no presente estudo,
faremos um recorte nessa realidade e vamos compreender esse contexto
interacional a partir das relações estabelecidas entre a professora regente e seu
aluno deficiente mental, e destes com o restante da classe.
A pessoa em desenvolvimento, na definição de Bronfenbrenner(1996), é
considerada uma entidade em crescimento, dinâmica, que, progressivamente,
penetra no meio em que reside e o reestrutura. Essa concepção exclui a idéia de
que o indivíduo em desenvolvimento seja como uma tábula rasa, na qual o ambiente
inscreverá seu impacto, ou então, que a pessoa, ao nascer, já possua um potencial
prévio e determinante de desenvolvimento. No contexto ambiental da sala de aula,
tanto os alunos como a professora regente encontram-se em franco processo de
desenvolvimento.
O aluno deficiente mental, inserido em sala de aula do ensino regular,
portanto, deve ser considerado como alguém em dinâmico e progressivo
desenvolvimento a ser concretizado. As suas possibilidades e/ou incapacidades não
se encontram pré-determinadas ou limitadas dentro dele, e nem poderão ser
transformadas independente de sua participação, ou mesmo, à revelia de sua
vontade. Mesmo considerando a existência, em alguns casos, de aspectos
relacionados a quadros de etiologia orgânica, não se pode ser conclusivo a respeito
das possibilidades de mudanças das capacidades e/ou incapacidades desse
indivíduo. Sua possibilidade de desenvolvimento não pode ser considerada como
um potencial, cuja medida máxima de desempenho já se encontra delimitada, a
68

priori, pelo quadro etiológico da deficiência e que irá realizar-se independente das
interações ou experiências que o sujeito venha a ter em seu meio ambiente.
Se, por um lado, não existe um potencial pré-determinado a ser desenvolvido,
por outro, esse indivíduo não pode ser considerado uma folha em branco ou uma
massa disforme, cujo desenvolvimento será programado e determinado pelas forças
do ambiente. Assim como a condição de déficit cognitivo não tira desse aluno suas
possibilidades em aberto de desenvolvimento, também não padroniza suas
características pessoais. Como qualquer outra pessoa, ele também tem suas
especificidades individuais, seus interesses, sua capacidade crítica e interpretativa
da realidade, e sua forma de compreender e dar significado ao mundo que o rodeia.
A professora regente também é considerada como alguém que se encontra
em um ativo e progressivo processo de desenvolvimento, dentro do ambiente da
sala de aula. Ao desempenhar sua prática docente, ela atua de forma dinâmica e
efetiva sobre esse ambiente, reestruturando-o e modificando-o a partir de suas
ações e interações; o meio ambiente age e reage à esta atuação, estabelecendo-se,
assim, um processo de mútua interação entre indivíduo e meio. O processo de
desenvolvimento da professora ocorre à medida que ela, a partir desse processo de
interação com o ambiente da sala, se transforma e, conseqüentemente, transforma
sua prática docente, modificando e ampliando sua compreensão sobre os aspectos
relacionados a essa prática e aos fatores que permeiam as interações estabelecidas
em sala. A qualidade do processo de desenvolvimento da professora irá depender,
fundamentalmente, de sua disponibilidade em estar pensando sobre os diversos
aspectos relacionados à sua prática e, conseqüentemente, na sua disponibilidade
em estar operando mudanças na sua percepção, compreensão e ação sobre este
meio.
De acordo com a perspectiva ecológica, existe uma acomodação progressiva,
mútua, entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades
mutantes dos ambientes imediatos desse indivíduo. Por definição, esses ambientes
imediatos são todos os locais por em que o indivíduo circula e estabelece interações
diretas com outras pessoas. A interação estabelecida entre a pessoa e o meio
ambiente é bidirecional e caracterizada pela reciprocidade: o indivíduo penetra no
meio em que está inserido e o reestrutura, provocando ali transformações; enquanto
que esse meio ambiente, agindo e reagindo às ações desse indivíduo, também irá
69

exercer sua influência sobre ele, desencadeando um processo de acomodação


mútua.
Tanto a professora regente como seu aluno freqüentam diversos ambientes
imediatos, dentro e fora do contexto escolar, que formam uma rede de interações,
envolvendo e influenciando os dois sujeitos.
Dentre os ambientes imediatos freqüentados pelo aluno deficiente mental
inserido na escola, temos, por exemplo: o contexto da sala de aula do ensino
regular: o pátio da escola; a sala da supervisora; a sala de atendimento educacional
especial; o ambiente do consultório de atendimento psicológico no Posto de Saúde;
o contexto familiar; a igreja que ele freqüenta com sua família; a região do bairro
onde ele mora; o clube esportivo que freqüenta etc.
A professora também participa de diversos ambientes imediatos, alguns
comuns aos de seus alunos, outros não. Exemplos de alguns desses ambientes
imediatos seriam: o contexto da sala de aula; o ambiente do pátio da escola; a sala
da supervisora; a sala da diretora; o contexto em que se reúne com a
psicóloga/pesquisadora; o ambiente da sala dos professores; seu contexto familiar; o
curso de especialização que freqüenta; a casa de seu namorado etc.
Todos são considerados exemplos de ambientes imediatos desses sujeitos,
uma vez que eles circulam diretamente em todos esses contextos, interagindo
ativamente com os diversos elementos ali presentes e estabelecendo uma rede de
interconexões interacionais entre os diversos ambientes imediatos, por conta de sua
presença comum. Deste modo, os acontecimentos vivenciados e/ou as
transformações sofridas pelo sujeito em qualquer um desses ambientes, de acordo
com a importância e impacto com que forem percebidos e sentidos por ele,
provocarão interferências que, conseqüentemente, repercutirão em seus outros
ambientes imediatos. Assim como os efeitos de acontecimentos vivenciados pelo
aluno e/ou pela professora dentro da escola são, de alguma forma, levados por eles
aos seus outros ambientes imediatos, também, o contexto da sala de aula sofre, o
tempo todo, a influência das experiências e interações vividas por eles em seus
outros ambientes de convivência.
Quando pensamos no fenômeno da inserção escolar do aluno deficiente
mental, identificamos a sala de aula como ambiente imediato mais importante e
significativo, tanto para o aluno como para sua professora, dentro do contexto da
70

escola. Esse ambiente imediato envolve todos os elementos que se encontram na


sala de aula, ou seja, todos os participantes, todo o contexto material e todo o
contexto interacional; sendo este último composto pelo conjunto das interações
estabelecidas entre todos os participantes daquele ambiente.
A supremacia da sala de aula, em relação aos demais ambientes escolares,
efetiva-se porque é ali que são desenvolvidas as principais atividades escolares
voltadas para a concretização dos objetivos educacionais prioritários da escola, e
também é ali, no bojo das interações estabelecidas entre todos os participantes
daquele ambiente, que professora e alunos constituem-se como sujeitos
desempenhando seus papéis fundamentais dentro do sistema escolar, ou seja, um
ensinando e sendo professor, e o outro aprendendo e sendo aluno.
Será no ambiente imediato da sala de aula, que o aluno deficiente mental,
como sujeito ativo de seu próprio desenvolvimento, poderá entrar em contato com os
diversos elementos desse meio e estabelecer significativas trocas interativas com os
outros sujeitos daquele contexto, ou seja, com sua professora e com seus colegas. A
ocorrência dessas trocas estabelece um intercâmbio de múltiplas influências, que
irão provocar modificações tanto no indivíduo, como no meio em que ele está
inserido, resultando em um processo dinâmico de acomodação interativa entre eles.
Acreditamos que, se existe um local onde as possibilidades de desenvolvimento
desse aluno podem estar se concretizando de forma mais dinâmica e efetiva, dentro
de seu processo de inserção escolar, esse local será o contexto da sala de aula.
Para a professora regente, também entendemos ser a sala de aula o seu
ambiente imediato mais importante, dentro do contexto escolar, pois será ali que ela
estará, de fato, desempenhando as funções essenciais do papel que lhe é
designado e que justifica sua presença dentro daquele sistema, ou seja, é na sala de
aula que ela estará sendo professora. Assim como acontece com o aluno, é no
exercício de sua função docente, convivendo dentro do ambiente imediato da sala
de aula, que a professora poderá agir e interagir de forma mais dinâmica e efetiva,
desenvolvendo-se e promovendo transformações no meio.
Dentro da perspectiva ecológica de desenvolvimento, o meio ambiente
relevante para o desenvolvimento do indivíduo não se limita a um único ambiente - o
ambiente imediato. Ao contrário disso, o conceito de meio ambiente inclui não só o
conjunto de interconexões entre os vários ambientes imediatos pelos quais circula o
71

indivíduo em desenvolvimento, como as influências externas oriundas de outros


contextos mais amplos nos quais estão inseridos esses ambientes imediatos.
Além disto, a orientação ecológica considera e traduz em termos operacionais
uma posição já conhecida e elogiada na literatura das ciências sociais, mas que,
dificilmente, segundo Bronfenbrenner (1996), é colocada em prática ao se estudar o
desenvolvimento humano, ou seja, a tese de que aquilo que importa para o
comportamento e o desenvolvimento humano é o ambiente conforme ele é
percebido pelo sujeito e não conforme ele poderia existir na realidade. Para
Bronfenbrenner, “os aspectos do meio ambiente mais importantes na formação do
curso do crescimento psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm
significado para a pessoa numa dada situação” (idem, p.19)
Assim como existem os ambientes imediatos, freqüentados, diretamente, pela
professora e/ou por seu aluno, existem outros tipos de ambientes, nos quais eles
não circulam diretamente como participantes ativos, mas onde ocorrem eventos que
afetam, ou são afetados por aquilo que acontece em seus ambientes imediatos.
No caso do aluno, entre os exemplos de ambientes em que acontecem
eventos que possam interferir, direta ou indiretamente, em sua vida, temos: o
contexto das reuniões das professoras da escola; o ambiente de pesquisa onde sua
professora e a pesquisadora/psicóloga se encontram; as atividades da equipe de
atendimento especial; o setor de deliberações da Secretaria de Educação sobre o
ensino especial; o local de trabalho de seus pais; a situação escolar do irmão mais
velho; a sala de reuniões na Universidade onde acontecem as reuniões entre a
pesquisadora e sua orientadora etc.
Em relação à professora, como exemplos desse tipo de ambiente, temos: o
contexto das reuniões entre a supervisora e a diretora; a sala de atendimento
especial; as reuniões da equipe de especialistas que atendem seu aluno; o contexto
da sala de atendimento psicológico de seu aluno; a sala de reuniões na
Universidade onde se reúnem a pesquisadora e sua orientadora; o ambiente familiar
de seu aluno etc.
Topologicamente, o meio ambiente ecológico é concebido como “uma
organização de encaixe de estruturas concêntricas, cada uma contida na seguinte”.
O nível mais interno dessa organização, denominado por Bronfenbrenner como
72

microssistema, refere-se ao ambiente imediato contendo a pessoa em


desenvolvimento e constitui-se:

“... em um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais


experienciados pela pessoa em desenvolvimento num dado ambiente com
características físicas e materiais específicas”. (1996, p.18)

No caso da inserção escolar do aluno com deficiência mental, acreditamos


que a sala de aula do ensino regular é o microssistema mais importante a ser
considerado, quando se busca uma melhor apreensão de como ocorre esse
fenômeno.
Entendemos que a questão da inserção do deficiente mental no ensino
regular pode ser analisada a partir de diferentes focos de investigação. No entanto, a
realidade multifacetada e complexa desse fenômeno obriga-nos a fazer um recorte
epistemológico em nossa imersão fenomenológica. Assim, elegemos o contexto da
sala de aula como o foco do nosso olhar investigador.
Acreditamos que o contexto da sala de aula do ensino regular é o nível do
ambiente ecológico escolar onde irão ocorrer determinados eventos, considerados
como fundamentais no desenrolar do processo de inserção escolar do aluno
deficiente mental. O microssistema estabelecido dentro do ambiente imediato da
sala de aula é, por excelência, o principal espaço interacional que envolve a
professora regente e seus alunos, no desempenho de seus papéis, ao longo da
realização de atividades acadêmicas.
Dentro do meio ambiente imediato da sala de aula, os fatores atividade, papel
e relação interpessoal, são os três elementos fundamentais daquele microssistema.
Isto significa que, ao analisar e discutir o fenômeno da inserção escolar, focando
aquele microssistema, temos que estar considerando as questões relacionadas (1) à
forma como as atividades acadêmicas vêm sendo ali desenvolvidas pela professora
e como esse aluno vem vivencia e significa suas experiências escolares; (2) aos
padrões de interação estabelecidos entre o aluno, a professora e os demais
participantes daquele contexto; e, finalmente, (3) ao modo como os papéis sociais
vêm sendo constituídos, vivenciados e representados significativamente nessas
interações. A análise e reflexão sobre esses três aspectos do microssistema, em que
está ocorrendo o fenômeno em questão, é fundamental para ampliar e aprofundar
73

nossa compreensão a respeito das várias experiências de inserção escolar que,


atualmente, vêm sendo realizadas, no ensino regular.
O próximo nível do ambiente ecológico, apontado por Bronfenbrenner (1996),
é chamado de mesossistema. Este nível envolve os ambientes imediatos do sujeito
e as relações estabelecidas entre eles, ou seja, é um sistema de microssistemas,
que inclui as inter-relações entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em
desenvolvimento participa ativamente; o mesossistema é formado e ampliado
sempre que a pessoa em desenvolvimento entra em um novo ambiente.
Assim, no caso do aluno deficiente mental inserido na escola, os
mesossistemas mais importantes são aqueles dos quais ele participa diretamente e
que, de alguma forma, interferem em sua situação escolar, como, por exemplo: o
contexto da sala regular e as salas das outras atividades escolares; as relações
entre a classe regular e o atendimento no setor de ensino especial; as relações entre
o contexto escolar e o a vida no ambiente familiar; as relações entre o atendimento
psicológico ambulatorial e a sala de aula; a vivência do aluno na comunidade onde
mora e o contexto escolar etc.
No caso da professora regente, alguns mesossistemas são: as relações com
a supervisora da escola e o contexto da sala de aula; as relações entre as reuniões
de orientação pedagógica e a sala de aula; os encontros na sala dos professores e
as reuniões de orientação pedagógica; as relações entre o contexto escolar e as
aulas do curso de especialização freqüentado por ela; o contexto escolar e sua vida
familiar etc.
Ao considerarmos as oportunidades da professora regente estar ampliando
seus mesossistemas, destacamos as possibilidades dela estar participando de
projetos desenvolvidos pelo psicólogo da educação, dentro do contexto escolar. Por
exemplo, ao implementar um projeto de pesquisa dentro da escola, o psicólogo da
educação pode criar um novo microssistema para a professora, abrindo um espaço
interacional na rotina de atividades dela, ao se reunirem para discutir e analisar
aspectos de sua vivência em sala de aula e de sua prática pedagógica. Ou então, o
mesossistema da professora amplia-se quando ela passa a participar de encontros
dentro de um programa de formação continuada, coordenado por esse psicólogo,
dentro do contexto escolar.
74

O terceiro nível do ambiente ecológico parte da compreensão de que o


desenvolvimento de uma pessoa é fundamentalmente afetado por eventos que
ocorrem em ambientes nos quais ela não está presente. Este nível foi denominado
por Bronfenbrenner (1996) como exossistema e refere-se a um ou mais ambientes
que não envolvem a pessoa em desenvolvimento como um participante ativo, mas
no(s) qual(is) ocorrem eventos que afetam, ou são afetados, por aquilo que acontece
no ambiente imediato contendo a pessoa em desenvolvimento.
A compreensão dos exossistemas que se relacionam com a professora
regente e o aluno deficiente mental inserido na sala do ensino regular é um tópico
fundamental para entender as forças diversas interferentes naquela situação.
Encontramos um conjunto de exossistemas, comuns à professora e ao seu aluno,
que estarão interferindo no contexto da sala de aula, ambiente imediato freqüentado
por ambos. Exemplos desses exossistemas: as reuniões entre diretora e
supervisoras; as relações entre a equipe de educação especial e a escola; a
presença de um pesquisadora na escola; as reuniões da equipe do ensino especial
em que decidem sobre os encaminhamentos para avaliações psicológicas; a
deficiência no atendimento psicológico do Posto de Saúde; as reuniões entre as
diretoras para discutir o currículo escolar; o fórum de deliberações da Secretaria de
Educação; o desenvolvimento de projetos educacionais pela Prefeitura em parceria
com a Universidade; a falência da firma em que o pai do aluno trabalha, provocando
sua demissão e obrigando a família a mudar-se; eventos no contexto da sala de aula
do irmão do aluno deficiente que estuda na mesma escola etc.
Este nível do ambiente ecológico é de fundamental importância quando,
pensamos nas mudanças pelas quais a escola tradicional deverá passar a fim de se
transformar num local adequado para oferecer um atendimento de qualidade a todos
os alunos que a procuram e, dentre estes, aqueles portadores de necessidades
educacionais específicas como acontece com os indivíduos com deficiência mental.
O surgimento de novos planejamentos curriculares e de modelos de ensino
fundamentados em concepções e práticas pedagógicas mais evoluídas e
democráticas; as mudanças nos processos de avaliação e de promoção dos alunos;
o maior aprimoramento na formação dos professores (pré-serviço e continuada); e,
principalmente, as mudanças de atitudes e de valores entre todos os membros da
75

comunidade escolar; tudo isto se passa no nível dos exossistemas, que, portanto,
estão extremamente relacionados ao ambiente da sala de aula.
Um importante campo de trabalho para o Psicólogo da Educação, focalizando
o fenômeno da inserção escolar do deficiente mental, surge no nível dos
exossistemas. Partindo do pressuposto de que o sucesso da inserção deve ocorrer,
antes de tudo, dentro da sala de aula do ensino regular, acreditamos que a
formação e o preparo do professor regente são a base fundamental para garantir, ou
não, esse sucesso. Dessa forma, o Psicólogo da Educação é um dos profissionais
capacitados para implementar projetos de formação continuada junto ao professor.
Em um trabalho de formação continuada, em que a situação de interação
estabelecida entre professor e psicólogo educacional desencadeie um processo de
análise reflexivo-crítica, o professor tem oportunidade de trocar informações,
construir novos conhecimentos, rever antigas concepções e refletir sobre posturas,
atitudes, valores e sentimentos vivenciados em sua prática pedagógica, dentro de
sala. Esse processo de informação e formação, mediado pelo psicólogo da
educação, pode desencadear transformações importantes na implementação da
prática pedagógica pelo professor, assim como no modo dele constituir seus alunos,
na condição de sujeitos participantes do contexto de ensino e aprendizagem, em
sala de aula.
Enquanto que, para o aluno, inserido em sala, a relação professor – psicólogo
educacional é um exemplo de exossistema, para o professor, o ambiente ecológico
constituído em sua interação com o psicólogo, durante o processo de formação
continuada, é um dos vários microssistemas do qual participa. Sendo um
participante ativo e em desenvolvimento dentro desse microssistema, as
transformações sofridas pelo professor, muito provavelmente, irão influenciar as
relações estabelecidas por ele em outros microssistemas por onde circula e com os
quais interage, sendo o ambiente imediato da sala de aula um destes. Assim,
queremos destacar as imensas possibilidades de intervenção e transformação que
um trabalho de formação continuada, dentro dos referenciais da Psicologia da
Educação, pode implementar na atual realidade de atendimento escolar oferecido
aos portadores de deficiência mental.
O quarto nível do ambiente ecológico, o macrossistema, é definido por
Bronfenbrenner partindo do pressuposto de que um fenômeno importante ocorre
76

envolvendo os três níveis do ambiente ecológico (microssistemas, mesossistemas e


exossistemas) e que, dentro de uma cultura ou subcultura, ambientes de
determinado tipo tendem a ser semelhantes, como se houvesse um esquema
específico para a organização de cada tipo de ambiente; entretanto, entre culturas
diferentes, essas estruturas serão distintas entre si. Bronfenbrenner (1996) lembra,
ainda, que esses esquemas de organização podem ser modificados, o que significa
que a estrutura dos ambientes, em uma sociedade, pode ser nitidamente alterada e
produzir mudanças correspondentes no comportamento e no desenvolvimento dos
indivíduos. Ao reconhecer a possibilidade desses esquemas serem modificados, o
autor expande o conceito de macrossistema para além dos limites do status quo,
envolvendo possíveis planejamentos futuros, implementados por membros da
sociedade que estejam engajados na análise crítica e alteração experimental dos
sistemas sociais prevalentes.
Em relação ao fenômeno da inserção escolar do indivíduo com deficiência
mental, a análise do macrossistema remete-nos, inicialmente, à discussão sobre a
deficiência mental como um fenômeno sócio-histórico, construído no bojo de uma
sociedade, influenciado pelos valores culturais, éticos e morais daquele povo. Num
segundo plano, considerando a realidade de cada cidade e país, encontramos o jogo
dos interesses políticos e econômicos que interfere em decisões relacionadas ao
sistema educacional.
Observamos, em nossa realidade, dentro das escolas, a forte interferência de
questões político-econômicas intervindo na implementação de projetos educacionais
voltados para o atendimento dos indivíduos deficientes. É interessante notar como
essas questões, que se encontram ao nível do macrossistema, influenciam de modo
incisivo nos microssistemas do ambiente escolar, muitas vezes, impedindo que
determinadas transformações ocorram ali.
Por outro lado, constata-se que determinado tipo de mudanças relacionadas
ao atendimento escolar oferecido ao deficiente mental só poderão ocorrer se forem
implementadas importantes transformações no nível do macrossistema. Isto porque,
além dos aspectos políticos e econômicos, o tema da inserção escolar do indivíduo
deficiente mental toca em questões ideologicamente relacionadas ao sistema de
crenças, valores e preconceitos legitimados pela sociedade em que este indivíduo se
encontra. Por isso, para que determinados tipos de mudanças ocorram no contexto
77

escolar e alcancem o sucesso esperado, é fundamental que também ocorram


transformações nesse sistema de crenças, valores e preconceitos.
Portanto, ao analisar qualquer experiência de inserção escolar, mesmo
fazendo um recorte epistemológico na realidade, a fim de compreendê-la melhor,
temos de enxergar essa experiência acontecendo dentro de um contexto social,
cultural, político e econômico específico, influenciada pelo sistema de crenças e
valores subjacente à ação das pessoas que dela participam.
Dessa forma, de acordo com a concepção ecológica de desenvolvimento
humano proposta por Bronfenbrenner, os diferentes tipos de ambientes são
analisados em termos de sistemas. E pessoas que participam, direta ou
indiretamente, desses sistemas, em todos os níveis do esquema ecológico,
relacionam-se entre si formando sistemas de interações.
A unidade básica de análise dessas relações é a díade, ou seja, o sistema de
duas pessoas, que ocorre no nível mais interno de esquema ecológico, isto é, no
microssistema. Sempre que um indivíduo, dentro de um microssistema, presta
atenção às atividades realizadas por outra pessoa, ou delas participa, isto constitui
uma relação, e dizemos que existe uma díade.
Na perspectiva ecológica de desenvolvimento, a análise das interações
estabelecidas em uma díade deve considerar o caráter recíproco da relação, pois é
aí que se encontra a chave para a compreensão das mudanças desenvolvimentais
observadas em ambos participantes da díade. Assim, se um dos membros do par
diádico sofre alguma transformação desenvolvimental, é provável que o outro
também mude. (Bronfenbrenner, 1994).
Como já considerado anteriormente, a sala de aula do ensino regular é o
microssistema mais importante a ser considerado, quando se busca uma melhor
apreensão sobre o fenômeno da inserção escolar do aluno deficiente mental. Então,
o nosso foco de investigação deve partir da díade estabelecida entre professora
regente e aluno deficiente mental, já que essa relação interpessoal é um dos
principais elementos constituintes do microssistema da sala de aula. Focalizar tal
díade não significa nos restringirmos a ela, outrossim, a partir dela estaremos
ampliando o nosso olhar para toda a rede interacional daquele microssistema.
Ao analisar a relação diádica entre professora e aluno, considerando o caráter
recíproco da interação instaurada entre os dois, podemos compreender melhor o
78

processo de mudanças desenvolvimentais observadas no aluno, na professora e,


principalmente, nos padrões de interação estabelecidos entre eles, e deles com o
resto do grupo.
Todas as outras formas de interações estabelecidas em sala são importantes,
até porque a inserção desse aluno não ocorre isolada, ela ocorre dentro de um
grupo e, nesse contexto grupal, ele também estará interagindo com outros parceiros,
além da professora. Entretanto, acreditamos que, para compreender melhor as
mudanças ocorridas nos padrões de interação e participação do aluno deficiente em
sala, assim como as repercussões dessas mudanças em seu processo de
desenvolvimento, o foco de investigação e análise, dentro daquele contexto, deve
centrar-se, especialmente, na relação estabelecida entre ele e sua professora,
ampliando-se a partir daí.
Sobre ao desenvolvimento do aluno, a relação diádica estabelecida dentro do
microssistema da sala de aula, é importante em dois aspectos: (1) a díade é, em si,
um contexto crítico para o desenvolvimento de seus participantes; e (2) a díade
serve como bloco construtor básico do microssistema, possibilitando a formação de
estruturas interpessoais maiores e mais complexas.
Segundo Bronfenbrenner (1996), existem três tipos de díade: a díade
observacional, a díade de atividade conjunta e a díade primária. Os diferentes tipos
de estruturas diádicas não são excludentes entre si e podem ocorrer separados ou
simultaneamente, dentro do microssistema, influenciando o processo de
desenvolvimento dos indivíduo que delas participam. As combinações entre duas ou
mais estruturas diádicas têm um impacto desenvolvimental mais poderoso do que
aquele provocado por díades limitadas a um único tipo. Além disto, é importante
destacar que existe um processo evolutivo no nível da própria díade, a qual pode
passar por um curso de desenvolvimento tal como os indivíduos que dela participam.
O impacto desenvolvimental de uma díade irá aumentar como função direta
do: (1) nível de reciprocidade estabelecido entre os participantes, de modo que um
tenha que coordenar suas atividades com as do outro; (2) da mutualidade de
sentimentos positivos existentes entre os participantes envolvidos; e (3) de uma
gradual alteração do equilíbrio do poder entre os participantes, em favor da pessoa
em desenvolvimento.
79

Portanto, dentro de uma relação diádica, a aprendizagem e o


desenvolvimento são facilitados pela participação da pessoa desenvolvente em
padrões progressivamente mais complexos de atividade recíproca , com alguém a
quem a pessoa desenvolveu um apego emocional sólido e duradouro, e quando o
equilíbrio de poder alternar-se em favor da pessoa em desenvolvimento.
Ainda em relação aos pares interativos, de acordo com o referencial da
perspectiva ecológica, um modelo sistêmico da situação imediata, vivida por um
sujeito em desenvolvimento, vai além da díade. A perspectiva ecológica atribui igual
importância aos chamados sistemas N+2, ou seja: as tríades, as tétrades e as
estruturas interpessoais mais amplas.
Bronfenbrenner (1994) percebeu que a capacidade de uma díade servir como
contexto efetivo para o desenvolvimento humano depende, crucialmente, da
presença e participação de uma terceira pessoa nesse mesmo ambiente, por
exemplo: um dos pais, um parente, uma professora, uma psicóloga, um vizinho etc.
Conforme o efeito provocado pela presença ou ausência dessa terceira pessoa na
interação estabelecida dentro da díade primária, o processo desenvolvimental, que
acontece dentro desse sistema, poderá até ser interrompido.
Esse mesmo princípio triádico das relações entre as pessoas também se
aplica às relações existentes entre os diversos ambientes ecológicos. Isto é, a
capacidade de um ambiente funcionar como um contexto efetivo de
desenvolvimento dependerá da existência e da natureza das interconexões sociais
estabelecidas entre este e outros ambientes, incluindo aí a participação conjunta de
indivíduos entre esses ambientes, a comunicação estabelecida entre eles e o tipo de
informações que cada ambiente tem a respeito do outro (Bronfenbrenner, 1994).
No caso do processo de inserção escolar do aluno deficiente mental, as
interconexões estabelecidas entre os ambientes são tão importantes que o modo
como forem estabelecidas pode significar o sucesso ou fracasso de um projeto
educacional de inserção escolar. A rede das interconexões entre os ambientes é
grande, mas, a título de exemplo, destacamos a importância dos acontecimentos no
contexto familiar do aluno relacionados ao contexto da escola. Uma das queixas
mais freqüentes das professoras é que a família do aluno não participa como deveria
do processo de inserção acadêmica da criança. Outro exemplo de interação entre
família e escola é a receptividade, ou não, apresentada pelos pais de outros alunos,
80

diante da situação de ter seu filho freqüentando a mesma sala de aula que um
garoto com deficiência mental.
Encontramos outros exemplos de inter-relações entre os ambientes, dentro da
escola, quando constatamos a interferência de decisões tomadas pela direção
escolar auxiliando, ou perturbando, a dinâmica da implementação do trabalho
pedagógico desenvolvido pela professora, dentro da sala; ou ainda, quando a
existência de um elemento controlador, na figura da supervisora escolar, cerceia as
possibilidades da professora estar refletindo sobre sua prática e buscando novas
alternativas de mudanças.
Ao considerarmos o princípio triádico das relações entre os ambientes,
ampliam-se as possibilidades de transformação da prática pedagógica da professora
regente, a partir de um trabalho de formação continuada, mediado pela psicóloga da
educação. A interação estabelecida entre professora e psicóloga constitui um novo
ambiente ecológico, que irá existir ao longo do processo de formação continuada.
Esse novo ambiente, funcionando como um contexto desenvolvimental para a
professora, estará em constante interconexão com o ambiente da sala de aula onde
se encontra o aluno em desenvolvimento; a psicóloga educacional será a terceira
pessoa em interação com a díade professora – aluno
Como podemos observar, Bronfenbrenner (1994) propõe uma teoria das
interconexões ambientais e seu impacto sobre as forças que afetam o crescimento
psicológico. Ao considerar o desenvolvimento humano, não coloca ênfase nos
processos psicológicos tradicionais, como a percepção, motivação, pensamento e
aprendizagem, mas, sim, no seu conteúdo, naquilo que é percebido, desejado,
temido, pensado ou adquirido como conhecimento, e como a natureza desse
material psicológico muda em função da exposição e interação de uma pessoa com
seu meio ambiente. Em suas palavras:

“O desenvolvimento humano é o processo através do qual a pessoa


desenvolvente adquire uma concepção mais ampliada, diferenciada e válida do
meio ambiente ecológico, e se torna mais motivada e mais capaz de se envolver
em atividades que revelam suas propriedades, sustentam ou reestruturam
aquele ambiente em níveis de complexidade semelhante ou maior de forma e
conteúdo” (1994, p.23)
81

METODOLOGIA DA PESQUISA NO CONTEXTO ESCOLAR

Em nosso caminhar epistemológico, buscando alcançar o objetivo proposto


por esta pesquisa, optamos por realizar uma imersão etnográfica no contexto
ambiental onde ocorre o fenômeno estudado e enxergar este fenômeno através de
uma lente fenomenológica.
Pelas características do estudo que nos propusemos a realizar, podemos
dizer que trata-se de uma pesquisa em Psicologia da Educação, dentro de uma
abordagem qualitativa com uma inspiração fenomenológica, em que o fenômeno é
tratado, segundo os parâmetros metodológicos de um estudo de caso etnográfico.
A busca por alcançar o objetivo fundamental do presente estudo, ou seja,
compreender o fenômeno da transformação do ambiente da sala de aula em um
contexto que promova o desenvolvimento o aluno com deficiência mental, conduziu-
nos a escolas e, mais especificamente, a salas de aula do ensino regular onde
ocorriam experiências de inserção escolar desses alunos.
No caso desta pesquisa, decidimos trabalhar em escolas públicas municipais
e com professoras regentes da primeira série do Ensino Fundamental. Antes de
iniciarmos a coleta de dados, propriamente dita, fomos conhecer essas escolas,
ouvir as pessoas envolvidas nesse processo, observar os diversos aspectos desses
contextos escolares, com o propósito de ampliar nosso olhar sobre o fenômeno.
Em uma análise preliminar sobre a situação de pesquisa, considerando os
aspectos do fenômeno que pretendíamos estudar, decidimos que a melhor maneira
de compreendê-lo seria realizando um estudo de caso etnográfico. Tal decisão se
deu por conta das características implícitas nesse modelo metodológico, as quais
nos pareceram muito apropriadas, levando-se em conta as características do
fenômeno, as condições como ele se nos apresentava e as nossas próprias
concepções de pesquisa e de construção de conhecimentos.
Apesar da etnografia ter sido, originariamente, desenvolvida por antropólogos
para estudar a cultura e a sociedade, os pesquisadores da área de educação, a
82

partir da década de 70, começaram a fazer uso dessas técnicas, dando origem a
uma nova linha de pesquisas, cujo foco de interesse é o processo educativo.
A abordagem etnográfica na pesquisa educacional fundamenta-se em duas
hipóteses sobre o comportamento humano: (1) a hipótese naturalista-ecológica, que
assegura ser o comportamento humano significativamente influenciado pelo contexto
em que se situa e, nesse sentido, retirar o indivíduo de seu contexto natural é negar
a influência dessas forças contextuais e, conseqüentemente, deixar de compreender
o fenômeno pesquisado em sua totalidade; (2) a hipótese qualitativo-
fenomenológica, que afirma ser quase impossível compreender o comportamento
humano sem tentar entender o quadro referencial dentro do qual os indivíduos
interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações. Para compreender o
significado latente e manifesto dos comportamentos dos indivíduos e, ao mesmo
tempo, manter uma visão objetiva do fenômeno, o pesquisador deve exercer o papel
subjetivo de participante e o papel objetivo de observador (Wilson, 1977).
Para que um estudo de caso seja reconhecido como etnográfico, antes de
tudo, ele deve preencher os requisitos da etnografia e, além disto, constituir-se no
estudo de um sistema bem delimitado, uma unidade com limites bem definidos,
segundo André (1998). Apesar do estudo de caso enfatizar o conhecimento do
particular, isto não impede que o pesquisador situe essa unidade num sistema mais
amplo e observe as inter-relações que ela mantêm com as outras instâncias ou
unidades dentro desse contexto maior. Nas palavras de Lüke & André,

“A preocupação central em desenvolver este tipo de pesquisa é a


compreensão de uma instância singular. Isto significa que o objeto estudado é
tratado como único, uma representação singular da realidade que é
multidimensional e historicamente situada. Desse modo, a questão sobre o caso
ser ou não ‘típico’, isto é, empiricamente representativo de uma população
determinada, torna-se inadequada, já que cada caso é tratado como tendo um
valor intrínseco.”(p.21, 1996)

Considerando o objetivo principal estabelecido, a realização desta pesquisa


foi dividida em duas etapas. Em cada uma delas, o foco da investigação foi
direcionado para um ângulo específico do fenômeno investigado, sendo que ambos
os focos convergem para um ponto central – o contexto interacional da sala de aula.
Nossa expectativa era que esta estratégia metodológica permitisse-nos ampliar
83

nosso conjunto de dados sobre o fenômeno, possibilitando discuti-lo e interpretá-lo


de uma forma mais completa e aprofundada.
A seguir, apresentaremos as duas etapas da pesquisa, seus objetivos, os
participantes envolvidos e os passos dos procedimentos metodológicos
implementados.
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PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA

O processo de inserção escolar do deficiente mental, dentro do ambiente


ecológico da escola, é um fenômeno complexo que recebe a influência e
interferência de eventos ocorridos em outros contextos interacionais que estão, de
alguma forma, inter-relacionados com o ambiente da sala de aula.
Assim sendo, nesta primeira etapa da pesquisa, buscamos dados que
contribuíssem para ampliar nossa compreensão sobre o fenômeno, de modo a
enxergá-lo inserido em um ambiente social mais amplo, composto pela rede de
interações estabelecidas entre os participantes dos diversos contextos educacionais.
Para tanto, esta etapa envolveu a participação de doze escolas da rede
pública municipal envolvidas no projeto municipal de atendimento escolar especial
denominado Projeto de Ensino Alternativo. Como já mencionado, desde alguns
anos, a Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia vem adotando a política
educacional de receber e inserir em salas do ensino regular, crianças ou jovens com
deficiência ou necessidades educativas especiais.

Objetivos

Esta etapa teve como objetivos principais: (1)conhecer a realidade das


escolas participantes do Projeto de Ensino Alternativo; (2) entrevistar os
profissionais educadores ligados, direta ou indiretamente, às experiências de
inserção escolar de alunos deficientes mentais realizadas nessas escolas; (3)
consultar os documentos disponíveis na escola, referentes a avaliações e/ou laudos
de encaminhamentos destes alunos, e (4) selecionar professoras para participar da
segunda etapa da pesquisa.
85

Participantes

Antes da entrada em campo, participamos de uma reunião, promovida pelas


coordenadoras do Projeto de Ensino Alternativo, onde compareceram as diretoras
(ou representantes) das doze escolas municipais incluídas no referido projeto.
Naquela ocasião, os objetivos da primeira etapa da pesquisa foram expostos e
solicitamos a participação das escolas. Das doze diretoras presentes ou
representadas, nove declararam-se imediatamente interessadas e disponíveis em
participar do processo de pesquisa; duas demonstraram claro desinteresse pelo
assunto; e uma recusou formalmente o convite.
Portanto, participaram desta etapa da pesquisa os educadores de nove
escolas envolvidos, direta ou indiretamente, com o processo de inserção escolar de
alunos deficientes mentais, naqueles contextos: diretoras, vice-diretoras,
supervisoras pedagógicas e professoras regentes em salas da primeira série do
Ensino Fundamental, onde estes alunos estavam inseridos.

Estratégias de coleta de dados

Como estratégias de coleta de dados, nesta etapa da investigação, foram


realizadas: Entrevistas Reflexivas (Szymanski, 1998), observações participantes do
contexto escolar e análise de documentos.
As Entrevistas Reflexivas realizadas com as diretoras, vice-diretoras,
supervisoras pedagógicas e professoras foram registradas em áudio, que foram
transcritas posteriormente, gerando textos dos quais foram retiradas as informações
de interesse para o estudo.

Procedimentos

(1.) Realização de visitas as nove escolas participantes, restabelecendo


contatos com os diretores ou seus representantes;
(2.) Realização de Entrevistas Reflexivas com diretores ou vice-diretores,
buscando dados sobre a escola: sua estrutura física e organizacional, sua
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história no bairro, as características da população atendida e as


peculiaridades dessa demanda, e, principalmente, sobre o tipo de
atendimento escolar oferecido ao aluno com deficiência mental e as
características desse atendimento;
(3.) Realização de Entrevistas Reflexivas com os outros profissionais da escola
envolvidos, direta ou indiretamente, com o processo de inserção escolar de
alunos com deficiência mental - professoras regentes, professoras
especialistas e supervisoras pedagógicas;
(4.) Consultas a documentos dos alunos encaminhados para o atendimento
escolar especial;
(5.) Realização de reuniões com as professoras regentes que tinham alunos
com deficiência mental inseridos em suas salas, para explicar-lhes os
objetivos e procedimentos da segunda etapa da pesquisa, e
(6.) Seleção das professoras para participar da próxima etapa do projeto de
pesquisa.

A primeira etapa da pesquisa durou cinco meses. Iniciou-se em Março de


1998, quando foi estabelecido o primeiro contato da pesquisadora com as
coordenadoras do Projeto de Ensino Alternativo, sendo concluída em Julho
daquele ano, com a escolha das professoras participantes.
87

SEGUNDA ETAPA DA PESQUISA

Os objetivos desta etapa foram estabelecidos considerando-se os três


pressupostos fundamentais deste estudo: a possibilidade do ambiente da sala de
aula vir à constituir-se em um contexto promotor do desenvolvimento do aluno
deficiente mental; a importância da díade professora-aluno, dentro desse
microssistema; e, o nosso interesse em compreender melhor de que forma as
mudanças nessa interação diádica relacionam-se com transformações nesse
microssistema.
Nessa etapa da pesquisa, portanto, nosso foco de investigação centrou-se no
contexto ambiental da sala de aula regular, onde estava inserido o aluno com
deficiência mental, compreendendo o fenômeno da inserção escolar a partir daquele
microssistema. Assim sendo, considerando os pressupostos e o objetivo deste
trabalho, identificamos como nosso principal interlocutor, neste processo de
investigação, a professora do ensino regular em cuja sala encontrava-se inserido o
aluno deficiente mental.

Objetivos

Foram estabelecidos dois objetivos principais para esta etapa:


(1) Instaurar um contexto ambiental de pesquisa na escola, que envolvesse a
pesquisadora e a professora participante, como principais parceiras
interacionais dentro do novo microssistema, constituído no interior desse
contexto – o microssistema de pesquisa.
(2) Realizar, dentro do microssistema de pesquisa, as Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação, de modo a:
88

- Oferecer à professora, via Registro de Observação, um novo olhar sobre a


realidade de sua sala de aula, propiciando-lhe a oportunidade de observar
aquele microssistema por uma nova perspectiva;
- Oportunizar à professora um espaço de reflexão e discussão
mediada, em que ela pudesse estar refletindo e discutindo sobre idéias,
impressões e questionamentos surgidos em conseqüência de sua nova forma
de observar a realidade de sua sala;
- Coletar e trocar informações sobre o microssistema da sala de aula,
por meio do processo de análise reflexivo-crítica instaurado no microssistema
da pesquisa.
- Investigar o fenômeno da transformação do ambiente da sala de aula
em um contexto promotor do desenvolvimento do aluno com deficiência
mental, a partir de mudanças ocorridas na qualidade interacional da díade
professora-aluno, provocadas por modificações na maneira da professora agir
e pensar sobre sua prática pedagógica.

Participantes

Participaram desta etapa quatro professoras regentes da primeira série do


Ensino Fundamental, em cujas salas estavam inseridos alunos considerados
deficientes mentais.
O fato da professora acreditar ter em sua sala um aluno com deficiência
mental e relacionar-se com ele a partir dessa crença foi o pré-requisito principal para
sua seleção. A pertinência deste critério foi revelada após a pesquisadora já estar
em campo, visitando as escolas interessadas. Acreditamos ser importante comentar
um pouco mais sobre o significado dos motivos que nos levaram a decidir por este
critério, pois o ocorrido ilustra muito bem como, no desenrolar do processo de
pesquisa, fatos inesperados podem trazer novos direcionamentos na forma do
pesquisador enxergar o fenômeno e conduzir a investigação.
Durante a primeira etapa, quando solicitamos às supervisoras pedagógicas
que nos colocassem em contato com as professoras que tinham alunos deficientes
mentais em suas salas, notamos que nem sempre, a opinião da supervisora sobre
determinados alunos coincidia com a opinião da professora. Algumas vezes, a
89

professora afirmava não considerar deficiente mental o aluno apontado pela


supervisora; ou, comentava não entender por que certo aluno participava do
atendimento escolar especial, já que considerava-o tão normal quanto as outras
crianças da sala. Outras vezes, observamos, justamente, o contrário. A professora
apontava determinado aluno como sendo deficiente mental, mas ele não possuía
qualquer avaliação que indicasse tal deficiência e nem participava do atendimento
escolar especial. A despeito disto, ela considerava e tratava aquele aluno
fundamentada em sua crença de que ele era, de fato, um deficiente mental.
Havia ainda um outro fato que contribuía para dificultar o consenso de
opiniões em torno da identificação do aluno como deficiente mental: a maioria
daqueles que eram assim considerados, inclusive freqüentando o atendimento
escolar especial, não possuía qualquer laudo ou avaliação psicológica que
comprovasse tal condição. O único documento, comum a todos eles, eram os
relatórios de avaliações pedagógicas emitidos pelas professoras especialistas do
Projeto de Ensino Alternativo. Raros alunos tinham uma breve avaliação médica que
solicitava o seu encaminhamento para o ensino especial.
Esses episódios revelaram que nas escolas existiam e, provavelmente, ainda
persistem, fatores subjetivos interferindo de maneira importante na
identificação e classificação de alunos considerados deficientes mentais.
Desses fatores, o mais importante, em nossa opinião, relaciona-se à
concepção de deficiência mental da professora regente e à sua forma de
perceber e avaliar as características e o desempenho de seus alunos. Se, a
partir dessa compreensão, a professora avalia que as dificuldades escolares
apresentadas por determinado aluno encaixam-se dentro daquilo que ela
acredita ser o desempenho de uma pessoa com deficiência mental, ela irá
interagir com ele baseada nessas concepções, independente da sua
compreensão ser referendada, ou não, por uma avaliação oficial. O contrário
também é verdadeiro; se a professora não legitima a avaliação ou a opinião de
terceiros sobre seu aluno, não reconhecendo nele um indivíduo que possui
uma deficiência mental, ela não irá relacionar-se com esse aluno como tal,
mesmo que alguém lhe diga o oposto.
Entendemos que o papel social desempenhado pelos participantes de um
microssistema é constituído por suas percepções, expectativas e ações em torno de
90

si próprio, e em relação aos outros nas interações estabelecidas, durante o


desenrolar das atividades, dentro de determinado ambiente - neste caso, a sala de
aula.
Assim sendo, e considerando o objetivo deste trabalho, ao buscarmos
identificar a professora que seria nossa interlocutora no processo de investigação do
fenômeno, o que realmente interessava-nos era a forma como ela constituía seu
aluno como sujeito, dentro do contexto da sala de aula. Ou seja, a maneira como ela
estabelece suas interações com esse aluno e como media as interações dele como
o resto do grupo, dentro do microssistema da sala.
Portanto, não fazia parte dos objetivos desta pesquisa avaliar os alunos sem
laudo, discutir os encaminhamentos realizados pela equipe de educadores da escola
e, principalmente, questionar a percepção da professora sobre seu aluno.

Ao final da primeira etapa de investigação, foram selecionadas quatro


professoras interessadas em participar desta segunda fase. Inicialmente, elas foram
indicadas pelas supervisoras pedagógicas como sendo “professoras que tinham
alunos deficientes mentais em suas salas”. Mas, em última instância, coube a cada
uma das professora confirmar, para a pesquisadora, se ela concordava com esta
descrição e se, em sua opinião, ela também acreditava que seu aluno (ou alunos)
fosse deficiente mental.

ESCOLHENDO A PROFESSORA PARA O ESTUDO DE CASO

As quatro professoras escolhidas pertenciam a duas escolas diferentes. Ao


longo de três semestres, estivemos nessas escolas executando os procedimentos
da segunda etapa da pesquisa. Na primeira escola, durante o semestre inicial deste
período, trabalhamos concomitantemente com duas professoras. No segundo
semestre, já na outra escola, realizamos o trabalho com a terceira professora. E,
finalmente, durante o último semestre, desenvolvemos o projeto de pesquisa com a
quarta professora.
Ao longo desse período, reunimos um vasto conjunto de dados referente ao
trabalho realizado com as quatro professoras. No entanto, nossa opção
metodológica pelo estudo de caso etnográfico levou-nos a escolher uma delas para
focalizarmos a análise epistemológica e a discussão teórica do presente trabalho.
91

Nesse sentido, escolhemos a última professora com quem trabalhamos,


porque, na época em que desenvolvemos o projeto com ela, já tínhamos ampliado
significativamente nosso olhar sobre o fenômeno, sendo capaz de enxergá-lo em
uma riqueza maior de detalhes. Além disso, ao longo do trabalho com as três
primeiras professoras, fizemos todos os ajustes necessários à estratégia de
investigação utilizada na pesquisa, a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de
Observação e, ao iniciarmos o processo com a quarta professora, estávamos melhor
capacitados para realizar sua aplicação e sua análise.
A professora Maria (nome fictício) tinha 25 anos de idade e estava formada
em Pedagogia, pela Universidade Federal, há quatro anos. Além do Curso de
Pedagogia, Maria também fez especialização em Educação Infantil (latu sensu) e,
segundo comentou, no futuro pretendia realizar o Curso de Mestrado em Educação,
pois gostava muito de estudar.

Maria nasceu em um família de classe média e ainda morava com os pais.


Acreditava que sua vocação para o magistério vinha do berço, pois em sua família
existem muitos professores, sendo que a influência mais importante foi aquela
recebida de sua mãe, que é também era professora (do antigo primário). Maria era
uma moça bonita, alegre e muito extrovertida, demonstrando sempre muito interesse
por questões relacionadas a Pedagogia e a Psicologia.

Há quatro anos, ingressou na Escola Municipal São José como professora


contratada e assumiu uma sala de alfabetização de adultos, iniciando sua primeira
experiência docente. Seis meses depois, prestou concurso público e foi efetivada
para o cargo, assumindo mais uma turma, agora de primeira série do Ensino
Fundamental. Desde, então, tem trabalhado em dois períodos na escola, sempre
assumindo uma sala de primeira série (período diurno) e uma turma de alfabetização
de adultos (período noturno).

Logo no segundo ano na escola, Maria teve contato com um aluno com
deficiência mental, que foi inserido em sua sala de alfabetização de adultos. Nos
anos seguintes, continuou recebendo alunos com deficiência mental, em suas salas.
Além da experiência com esse tipo de alunos, há dois anos Maria vem trabalhando
com uma aluna que possui um comprometimento total da capacidade auditiva.
92

A SALA DA PROFESSORA MARIA

A sala da professora Maria, onde foram realizadas as sessões de observação


com registro, funcionava no período da tarde e era composta por 32 alunos, meninos
e meninas, com idades entre sete e quinze anos. Parte destes alunos eram os
“novatos”, que cursavam pela primeira vez aquela série: alguns tendo feito a pré-
escola, outros freqüentando, pela primeira vez, uma sala de aula. Havia também o
grupo de alunos “repetentes”, ou seja, alunos que já tinham feito a primeira série em
anos anteriores.

Naquela sala, estavam inseridos dois alunos identificados pela equipe


pedagógica como sendo deficientes mentais. Um deles é Ana (nome fictício), uma
menina negra, com onze anos de idade, que cursava pela quinta vez aquela série. A
aluna, apesar da historia de fracasso escolar e das seguidas repetências, somente
naquele ano fora encaminhada para o atendimento especial do Projeto de Ensino
Alternativo.

Ana, segundo a professora Maria, tinha muitas dificuldades de aprendizagem,


não estava alfabetizada e seus conhecimentos matemáticos eram bem
rudimentares. Além disso, era uma aluna desatenta e desinteressada, que desafiava
a autoridade da professora o tempo todo, recusando-se a participar das atividades
desenvolvidas em sala. No atendimento escolar especial, segundo a professora
especialista, o progresso de Ana era muito lento, pois, além das dificuldades de
aprendizagem, a aluna era muito insegura em relação ao seu desempenho e
mostrava-se muito desinteressada durante as aulas.

No prontuário escolar de Ana, encontramos apenas avaliações pedagógicas


da aluna, realizadas pela equipe do atendimento escolar especial. Em uma dessas
avaliações, havia um relato de anamnese realizado com a mãe da aluna. Nesta
anamnese, a mãe relatava que começou a perceber as dificuldades da filha, quando
esta tinha três anos de idade. Alguns anos depois, quando a menina entrou na
escola, a mãe procurou um neurologista para uma avaliação de suas dificuldades.
Depois de submeter Ana a um eletro-encefalograma, o médico encaminhou-a para
uma psicóloga. Segundo a mãe, a avaliação da psicóloga revelou que Ana tem
problemas emocionais e de socialização. Pensando em solucionar tais problemas, a
mãe inscreveu Ana em um projeto de esporte comunitário desenvolvido no bairro,
93

que tem como objetivo principal integrar e socializar as crianças ao meio, pela
prática desportiva.

Posteriormente, em entrevista realizada com a pesquisadora, a mãe


acrescentou que não recebeu da psicóloga qualquer relatório da avaliação feita em
Ana, para ser entregue à escola. Além disso, a mãe esclareceu que a psicóloga não
encaminhou Ana para o atendimento escolar especial, mas que o pessoal da escola
achou que seria melhorar que ela freqüentasse o Projeto de Ensino Alternativo.

O outro aluno deficiente mental inserido na sala de Maria era Pedro (nome
fictício). Ele tinha quinze anos de idade e havia chegado à escola no primeiro
semestre daquele ano, vindo de uma escola especial da rede de ensino estadual.
Segundo a supervisora, o pedido de encaminhamento enviado por aquela escola
afirmava que o nível acadêmico de Pedro correspondia à terceira série do Ensino
Fundamental, por isso, ao chegar à escola, o aluno foi inserido em uma turma da
terceira série. Contudo, ao longo das duas primeiras semanas, Pedro demonstrou ter
enormes dificuldades para seguir o conteúdo pedagógico, levando a supervisora a
transferi-lo para uma turma de primeira série – a sala de Maria.

Pedro, segundo sua professora, era um aluno bem comportado, que estava
desenvolvendo-se muito bem, de acordo com o esperado para aquela série. Na
avaliação de Maria, ele não lhe dava trabalho em sala, pois fazia todas as atividades
solicitadas, empenhando-se em superar suas dificuldades. Pedro continuava
freqüentando, duas vezes por semana, o serviço de apoio escolar da escola
especial, por isso não era atendido pelo pessoal do Projeto de Ensino Alternativo.

No prontuário de Pedro só encontramos a ficha de matrícula, com os dados


gerais do aluno. Não havia qualquer outro documento que informasse sobre sua
história escolar ou sobre os aspectos de sua deficiência mental. Segundo a
supervisora, ela já havia solicitado à escola especial de onde viera Pedro, um
relatório completo sobre ele. Contudo, o aluno já estava há três meses na escola e
esse relatório ainda não havia chegado.

Em entrevista realizada com a mãe do aluno, esta relatou à pesquisadora


que, em seus primeiros anos de vida, Pedro não parecia ter problemas. Estes só
começaram a surgir, quando o menino entrou na escola. Na época, morando em
outra cidade, Pedro foi matriculado em uma escola estadual. Sempre apresentando
94

muitas dificuldades, tendo sido reprovado duas vezes, Pedro ele foi encaminhado
para uma escola especial, lá permanecendo até a época da mudança da família
para Uberlândia. Aqui chegando, depois de nova tentativa frustrada de inseri-lo em
uma escola comum, a família foi orientada a procurar uma escola especial. Nessa
escola, Pedro permaneceu dos dez aos quinze anos, sendo, posteriormente,
encaminhado para a Escola Municipal São José.

Inquirida sobre as causas das dificuldades de Pedro, a mãe relatou que ele
fora avaliado por uma neurologista do posto de saúde, que conclui que o menino
tinha problemas de formação neurológica, o que fazia com que seu desenvolvimento
fosse mais lento. Segundo a mãe, uma cópia da avaliação feita pela médica
encontrava-se no prontuário de Pedro que ainda estava na escola especial.

A ESCOLA DA PROFESSORA MARIA

A Escola Municipal São José (nome fictício) situava-se em um bairro na


periferia de Uberlândia, afastado cerca de 15 km do centro da cidade, onde
predominava a população de baixa renda social. O bairro era todo pavimentado e
tinha saneamento básico; possuindo um posto de saúde e apenas uma escola. O
pequeno comércio era quase que restrito a estabelecimentos de gêneros
alimentícios e a uns poucos bares, que só funcionavam a noite. A violência e a
criminalidade no bairro, segundo depoimentos de moradores, encontravam-se em
níveis toleráveis de aceitação. Porém, na época de sua inauguração, acerca de dez
anos, o bairro era um lugar considerado perigoso para morar-se.

No início da pesquisa, realizamos uma entrevista com a diretora e coletamos


uma série de informações sobre a escola, que foram organizadas e serão
apresentadas a seguir, com o propósito de realizar uma breve caracterização do
contexto educacional, onde foi realizado o presente estudo.

A Escola Municipal São José, na época da realização da pesquisa, tinha


aproximadamente sete anos de existência e atendia 1510 alunos, da pré-escola a
oitava série do Ensino Fundamental, distribuídos em três turnos. A escola também
participava de dois projetos educacionais implementados pela Secretaria Municipal
de Educação: o Projeto de Ensino pelas Diferenças e o Projeto de Ensino
95

Alternativo.

O Projeto de Ensino pelas Diferenças, desenvolvido com alunos das quatro


primeiras séries do Ensino Fundamental, tinha como objetivo organizar o processo
de ensino-aprendizagem respeitando as diferenças apresentadas pelos alunos e
desenvolvendo os conteúdos pedagógicos curriculares de acordo com o ritmo de
cada um, dentro de um sistema de não-seriação em etapas acadêmicas.

Já o Projeto de Ensino Alternativo significava, de acordo com a diretora, que


a escola estava preparada para receber alunos com qualquer tipo de deficiência,
desde que eles demonstrassem poder usufruir desse tipo de atendimento escolar. O
projeto envolvia a participação de professoras especialistas que atendiam os alunos
deficientes em um serviço de apoio escolar especial, realizado dentro da escola no
período extra-classe.
As professoras do ensino regular, em cujas salas estavam inseridos os
alunos deficientes, não participavam do Projeto de Ensino Alternativo e nem
recebiam qualquer tipo de assessoria no atendimento a esses alunos. Além disso,
também não existia um espaço comum, dentro da agenda escolar, para que as
professoras regentes se reunissem com as professoras especialistas. Essa falta de
contato oficial, na maioria das vezes, inviabilizava qualquer troca de informações
entre as professoras que atendiam o mesmo aluno.
Na época da realização desta pesquisa, freqüentavam a escola cerca de
trinta alunos com diferentes tipos de deficiência: mental, auditiva, visual e física.
Destes, doze eram identificados como deficientes mentais e estavam distribuídos em
salas da primeira ou da segunda série do Ensino Fundamental.
Na distribuição dos alunos deficientes, segundo a diretora, a equipe
pedagógica evitava reunir, na mesma turma, crianças ou jovens com diferentes tipos
de deficiência. Existia, também, um certo limite em relação à quantidade desses
alunos por sala; limite este que variava em função da dificuldade ou facilidade
apresentada pela professora na condução da turma. Assim sendo, considerando que
a média de alunos por sala podia chegar a 32 crianças, a direção recomendava que
permanecessem na mesma classe, no máximo, quatro alunos deficientes.
O critério utilizado pela equipe pedagógica, no momento de escolher a sala
onde seria colocado o aluno deficiente, principalmente, se fosse um caso de
96

deficiência mental, era o nível de disposição apresentado pela professora em


cooperar com o projeto de inserção desse aluno na escola; além das condições
profissionais apresentadas por ela para lidar com esse tipo de educando.
A princípio, a escola tinha por norma receber indivíduos com qualquer tipo
de deficiência. Contudo, no caso da criança com deficiência mental moderada, ela
só poderia ser matriculada, se a equipe pedagógica avaliasse que ela tinha
condições de usufruir satisfatoriamente do atendimento escolar; caso contrário, era
providenciado seu encaminhamento para instituições de educação especial.
Segundo a diretora, às vezes, acontecia de um aluno, sem condições de frequentar
o ensino regular, permanecer na escola, devido à insistência da família ou pela falta
de condições de seus pais em mantê-lo em uma instituição especial. Porém, tão logo
fosse possível, esse aluno também era encaminhado para instituições
especializadas.
A escola não exigia qualquer tipo de avaliação ou laudo de
encaminhamento, ao receber o aluno com deficiência mental. Isto porque, segundo
a diretora, a maioria das famílias que trazem uma criança deficiente mental para a
escola, no momento em que realizam a matrícula de seus filhos, desconhecem a
deficiência da criança. Em geral, esse problema só aparece depois de iniciado o
processo de ensino-aprendizagem e o aluno começa a apresentar muitas
dificuldades. Diante disso, sua professora encaminha-o para a equipe pedagógica, a
fim de ser avaliado. Se a suspeita de deficiência mental é levantada, a supervisora
orienta a família a buscar serviços médicos ou psicológicos que avaliem
adequadamente o problema do aluno.

Na opinião da diretora, todos os alunos deficientes mentais deveriam ter


uma avaliação psicológica, pois isso seria de fundamental importância para orientar
o atendimento escolar deles. Entretanto, não havia como obrigar a família a
apresentar tal avaliação, pois a população do bairro era muito carente e dependia do
atendimento médico oferecido nos postos de saúde. No caso das avaliações
psicológicas, isso ficava ainda mais complicado, já que no posto de saúde local não
existiam psicólogos. Em raros casos, quando a família conseguia trazer para a
escola algum laudo - médico ou psicológico, em geral, segundo a diretora, eles eram
muito sucintos, contribuindo pouco, ou quase nada, para informar a equipe
97

pedagógica sobre a situação do aluno e orientar o trabalho escolar a ser


desenvolvido com ele.
Em relação aos objetivos do atendimento escolar oferecido ao aluno
deficiente mental, de acordo com a diretora, dentro do Projeto Pedagógico Geral da
escola, a meta principal era a promoção do desenvolvimento desse aluno, de modo
a aproximá-lo o máximo possível, de uma condição normal. Para tanto, o trabalho
desenvolvido na escola enfatizava tanto os aspectos relacionados à socialização do
aluno deficiente mental, como aqueles relacionados ao seu progresso acadêmico.
Para a diretora, a convivência do aluno deficiente mental com professores e
os colegas normais, dentro da sala regular, propiciava-lhe uma relativa
“normalização” e, a medida em que ele ia “misturando-se” dentro com turma, ficava
cada vez mais difícil perceber as diferenças oriundas de sua condição de deficiente
mental. Essa integração ao grupo, em sua opinião, era muito benéfica ao aluno
deficiente mental e favorecia seu desenvolvimento acadêmico.
Segundo a diretora, a equipe pedagógica, enfatizando a busca pela
normalização das condições acadêmicas desse aluno, a medida em que ele ia
progredindo, procurava inseri-lo em turmas de alunos com idades mais próximas a
dele, até chegar o momento em que esse aluno podia ser transferido para o ensino
noturno, passando a integrar uma das salas de educação de adultos.

Procedimentos

Os momentos de interação entre pesquisadora e a professora participante, ao


longo do processo de pesquisa, foram organizados da seguinte forma:
(1.) Encontro com a professora para retomar o contato estabelecido
anteriormente, e confirmar seu interesse e disponibilidade em participar do
processo de pesquisa.
(2.) Reunião Inicial da Pesquisa para expor detalhadamente à professora os
objetivos e procedimentos do processo de investigação, esclarecendo suas
possíveis dúvidas: um encontro, com duração média de 01 hora.
(3.) Entrevistas Reflexivas para conhecer aspectos da história de vida da
professora, relacionados ao seu envolvimento com a carreira docente: uma
98

entrevista por semana, em um total de duas Entrevistas, com duração


média de 01h30’ cada.
(4.) Realização das Sessões de Observação Inicial, na sala da professora: duas
sessões por semana, em um total de seis sessões, com duração média de
01 hora cada.
(5.) Realização das Sessões de Observação com Registro, na sala da
professora: uma sessão por semana, em um total de quatro sessões, com
duração média de 01 hora cada.
(6.) Realização de Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação
com a professora, após cada Sessão de Observação com Registro: uma
entrevista por semana, em um total de quatro Entrevistas, com duração
média de 01h30’ cada.
(7.) Realização de duas Entrevistas Reflexivas com a professora, para
encerramento do processo de pesquisa: uma entrevista por semana, em um
total de duas Entrevistas, com duração média de 01h30’.

Além das reuniões, entrevistas e contatos esporádicos com a professora


participante, a pesquisadora realizou:
a) Entrevistas Reflexivas com cada um dos alunos deficientes mentais, inseridos
na sala da professora participante.
b) Entrevistas Reflexivas com os pais (ou responsáveis) dos referidos alunos.
c) Entrevistas Reflexivas com as professoras do Projeto de Ensino Alternativo
que atendiam os alunos deficientes mentais inseridos na sala da professora
participante.
d) Visitas esporádicas à escola para observações do meio ambiente escolar e
para contatos aleatórios com outros profissionais daquele contexto.
e) Consultas a documentos disponíveis na escola.

Esta etapa da pesquisa teve a duração de três semestres letivos e todos os


passos do Procedimento foram realizados, na íntegra, com as quatro professoras
que participaram do processo, nesta segunda etapa.
99

A ENTREVISTA REFLEXIVA A PARTIR DO REGISTRO DE OBSERVAÇÃO


CONSTRUINDO A ESTRATÉGIA DA PESQUISA

Na segunda etapa da pesquisa, como estratégias de investigação e coleta de


dados, também, foram utilizadas as Entrevistas Reflexivas (Szymanski, 1998); as
observações participantes do contexto escolar; e a análise de documentos. Porém,
além destas, nesta segunda etapa, foi introduzida uma nova estratégia de pesquisa -
a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação.
A Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação é uma estratégia de
investigação e coleta de dados que foi, especialmente, desenvolvida para ser
utilizada nessa etapa do estudo.
Ao longo do processo de pesquisa, as implicações e decorrências da
utilização dessa estratégia foram tão importantes que chegaram a interferir nos
rumos da investigação, redirecionando o foco de nosso olhar. Passamos, então, a
estudar e analisar, cuidadosamente, todos os aspectos e possibilidades inerentes à
sua implementação.
Nesse sentido, a importância assumida por essa estratégia, no
desenvolvimento de nosso trabalho, justificou a existência deste capítulo que tem
como objetivo apresentar os pressupostos teóricos que fundamentaram a criação da
Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação e comentar sobre suas
principais características, destacando as possibilidades de utilização, que foram
sendo reveladas, ao longo da pesquisa.

A Entrevista no Contexto da Pesquisa Qualitativa

Utilizada como a estratégia principal ou associada a outras com o mesmo fim,


tais como a observação participante e a análise documental, a Entrevista é apontada
por vários autores como um dos componentes ou categorias fundamentais do
trabalho de campo na pesquisa qualitativa André & Ludke, 1986; Bogdan & Bilken,
1994; Triviños, 1995; Holstein & Gubrium, 1995; Minayo, 1996).
Independente do tipo de formato ou da natureza dos dados obtidos (objetivos
ou subjetivos), toda Entrevista é um evento interacional. E, não importando o tipo da
100

narrativa em curso, para Holstein & Gubrium (1995), todas são construídas na
situação de interação: são produto da conversa entre os participantes da entrevista.
Normalmente referenciada como estratégia, técnica ou instrumento de coleta
de dados, a Entrevista pode ser analisada num sentido mais amplo, que é o da
comunicação verbal. Lembrando-nos da complexidade que envolve a discussão do
campo conceitual da entrevista, Minayo discute dois aspectos que, certamente,
retiram a Entrevista do campo supostamente neutro da coleta de dados, colocando-a
na "arena dos conflitos e contradições" (1996, p.109).
O primeiro desses aspectos reporta ao status que adquire a palavra (a fala do
indivíduo) na entrevista, constituindo-se em símbolo de comunicação por excelência
e reveladora de códigos de sistemas e valores contraditórios. O outro aspecto refere-
se à interação social na situação de Entrevista – fenômeno que, inevitavelmente,
se estabelece na relação entre entrevistador/pesquisador e entrevistado/sujeito
(idem).
A Palavra ou a fala individual, inerente a toda situação envolvendo
entrevistador e entrevistado, confere à Entrevista um caráter privilegiado, como
procedimento na coleta de dados.
Baktin (apud Minayo, 1996), analisa o ato da fala como produção social
marcada pelo ideológico, destacando o fenômeno social da interação verbal. Para
ele, a palavra é um fenômeno ideológico por excelência, "o modo mais puro e
sensível de relação social" (p.110). O caráter histórico e social da fala é definido por
Baktin como um campo de expressão das relações e lutas sociais; campo que sofre
os efeitos da luta e, concomitante, serve de instrumento e de material para sua
comunicação.
E é justamente esta possibilidade de a fala ser “reveladora de condições
estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles)
e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as
representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas
e culturais específicas" que dá à entrevista esse caráter de especial importância
como instrumento de coleta de dados, segundo Minayo (1996, p.110).
As boas Entrevistas, para Bogdan & Bilken, produzem uma riqueza de dados,
recheados de palavras, que revelam as perspectivas dos respondentes. Durante a
Entrevista, são registrados os dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, que
101

possibilitarão ao entrevistador "desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a


maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo" (1994, p.134).
No bojo das discussões sobre os aspectos da Entrevista, utilizada como
estratégia de coleta de dados nas pesquisas sociais, surge sempre a pergunta sobre
como, ou em que medida, a fala de um indivíduo ou de um grupo de sujeitos pode
ser representativa da opinião de muitos.
Schutz (apud Minayo, 1996) lembra que cada indivíduo é um ator social, que
experimenta e conhece o fato social de forma peculiar e é o conjunto das diferentes
informações individuais, vivenciadas em comum por um grupo, que permite compor
o quadro global das estruturas e das relações, buscando compreender os modelos
culturais e a particularidade das determinações (1996).
Todos os membros de um mesmo grupo ou de uma classe, afirma Bordieu
(1973) são produtos de condições objetivas idênticas e cada indivíduo, mesmo sem
saber ou querer, é o produtor e o reprodutor do sentido objetivo da realidade, porque
suas ações são o produto de um modo de agir do qual ele não é o produtor imediato,
nem sobre o qual tem o domínio completo.
Entretanto, os modelos culturais revelados na Entrevista refletem o caráter
histórico e específico das relações sociais e, por isto, segundo Minayo (1996), a fala
dos indivíduos deve ser inserida não apenas no contexto de classe, mas também em
relação a sua geração, ao seu grupo sexual, a suas afiliações etc. Além disto, cada
pessoa ou ator social terá um modo próprio e característico de participação em seu
grupo social, no seu tempo histórico, e dará informações sobre a "subcultura" que
lhe é específica, a qual terá relações diferenciadas com a cultura dominante.
Portanto, a compreensão do indivíduo como representativo de um grupo deve ser
completada com as variáveis próprias tanto da especificidade histórica como dos
determinantes sociais, assim como com uma diversificação que contemple as
hipóteses, pressupostos e variáveis previstos para a compreensão do objeto de
estudo.
Comparando a figura do cientista social com a do explorador que busca
extrair as informações da forma mais direta possível, Holstein & Gubrium (1995)
comentam que muitos estudos foram realizados cujos objetivos buscavam minimizar
a potencial fonte de tendências, erros ou desvios, entre outros problemas,
suscetíveis de ocorrer numa situação de entrevista, visando, com isto, torná-la um
102

instrumento metodológico mais fidedigno e válido. Na perspectiva desses estudos, a


Entrevista continua sendo considerada como um simples canal de transmissão de
conhecimentos, em que o entrevistador/pesquisador procura "extrair" do
entrevistado/sujeito as informações desejadas que já estão prontas e disponíveis,
cabendo a ele apenas saber como "extraí-las".
Numa visão mais recente, a Entrevista passou a ser tratada como um
encontro social, e o conhecimento conseguido a partir dela, como o produto dessa
interação. Assim, nessa nova perspectiva, a Entrevista deixa de ser vista como um
condutor neutro de informações e/ou uma fonte de distorções, para delinear-se como
um terreno produtivo de conhecimento informativo criado a partir da ação tomada
para obtê-lo (Holstein & Gubrium 1995).
Partimos, então, do pressuposto de que toda Entrevista constitui-se em uma
situação de interação social na qual dois indivíduos (entrevistador e entrevistado) se
encontram, num momento específico e por um tempo determinado, para
conversarem sobre determinado tema de interesse do entrevistador(que pergunta) e
de conhecimento do entrevistado(que responde). Quando essa conversa/Entrevista
é utilizada no bojo de uma investigação qualitativa, em pesquisas humanas ou
sociais, a complexidade do fenômeno que se instaura faz com que os limites da
neutralidade de um mero instrumento de coleta de dados seja ultrapassado,
descortinando, para o pesquisador, um imenso campo de possibilidades de
investigação e análise.
Após refletir sobre o tema, Minayo (1996) conclui que toda Entrevista, como
interação social, está sujeita à mesma dinâmica das relações existentes na
sociedade. Considerando uma sociedade tão conflitiva como a nossa, toda
Entrevista irá expressar de forma diferenciada os contrastes da realidade, tanto no
momento em que for realizada como nas informações que aí forem produzidas. A
Entrevista, continua aquela autora, que formalmente capta informações sobre
determinado tema, deve ser analisada inserida em seu contexto e vir acompanhada
da Observação Participante. Deste modo, além das informações transmitidas pela
fala (passível de controle), por meio da Entrevista também se captam as relações, as
práticas, os gestos, a cumplicidade e o discurso informal sobre o cotidiano.
A peculiaridade do referido fenômeno relaciona-se com um fato que, a priori,
irá distinguir as investigações sobre questões humanas e sociais de quaisquer
103

outros estudos científicos, ou seja, no caso das ciências humanas e sociais, o


investigador é da mesma espécie do objeto de estudo – é gente estudando gente.
A pesquisa social, conforme expõe Minayo (1996), trabalha com gente, com
atores sociais em relação, com grupos específicos. E, antes do investigador ir a
campo, ele constrói teoricamente os sujeitos da investigação delineando, assim, seu
objeto de estudo. Depois, quando o pesquisador, já em campo, entra em contato
com os sujeitos, estabelece-se uma relação de intersubjetividade, de interação social
entre eles.

"O resultado desta interação é um produto novo e confrontante tanto com


a realidade concreta como com as hipóteses e pressupostos teóricos, num
processo mais amplo de construção de conhecimentos " (1996:105).

Numa definição para o fenômeno, Szymanski (1998) afirma que a Entrevista


é, fundamentalmente, uma situação de interação humana, na qual estão em jogo as
percepções do outro e de si: expectativas, sentimentos, preconceitos, interpretações
e atribuições de sentido para todos os protagonistas – entrevistador e entrevistado(s).
Entretanto, mesmo que os participantes tenham fantasias ou expectativas sobre o
que irá acontecer e se preparem de alguma forma para esse encontro, nada disso
irá tirar o caráter do inédito, do situacional e do circunstancial inerente à situação de
interação social que ocorre na Entrevista.
Para o entrevistador, em princípio, o entrevistado é alguém que tem um
conhecimento, uma informação que lhe interessa receber e, para que isto ocorra, o
entrevistador espera que o entrevistado seja alguém que compreenda sua
linguagem e suas solicitações e esteja disposto a dar as informações desejadas.
O conjunto de expectativas levantadas no entrevistador tem relação direta
com sua forma de compreender o fenômeno da Entrevista e sobre quem é o
sujeito/entrevistado ali constituído. Para Szymanski (1998), o entrevistador pode
considerar o entrevistado como um recipiente contendo informações, que poderão
ser "extraídas" como se extraí uma amostra de sangue com uma seringa. Pode
também, ingenuamente, esperar que o entrevistado discorra sobre sua experiência,
expondo-se sem qualquer ocultamento. Ou pode, ainda, considerá-lo um parceiro no
processo de construção de um conhecimento.
104

Por trás dessa compreensão do pesquisador/entrevistador e de suas


expectativas em relação ao uso dessa estratégia, encontra-se sua concepção
epistemológica, a qual irá direcionar sua compreensão do Real, sua forma de
abordar o objeto de estudo e, conseqüente a isto, a elaboração de diferentes
instrumentos e procedimentos. Portanto, a compreensão do entrevistador sobre os
aspectos inerentes à Entrevista cria diferentes expectativas, que geram diferentes
disposições para com o outro.
O entrevistado/sujeito também possui diversas expectativas em relação à sua
participação na Entrevista, que serão construídas sob a influência direta de vários
fatores, entre os quais: - as circunstâncias do atual momento vivido pelo sujeito,
inserido em um determinado contexto sócio-histórico-cultural; as informações
oriundas de experiências vividas; elucubrações a respeito dos objetivos da
Entrevista e do destino que será dado às informações obtidas; fantasias sobre quais
são as expectativas do entrevistador em relação ao que ele deve informar ou da
maneira como deve se comportar; enfim, tudo aquilo que se passa na mente do
entrevistado e que esteja relacionado com a situação de entrevista.
Além das expectativas, o entrevistado pode interpretar a situação da
Entrevista de inúmeras maneiras, conforme explica Szymanski: - pode considerar a
Entrevista uma oportunidade para falar e ser ouvido; pode acreditar que se trata de
uma avaliação; pode sentir-se honrado (ou ameaçado) por ter sido escolhido etc. A
interpretação define um sentido, uma direção, que se manifesta diferente conforme a
situação é percebida pelo entrevistado. O sentido dado, por exemplo, pode ser: -
provocar uma determinada emoção no entrevistador (piedade, respeito,
solidariedade, medo etc); ocultar ou distorcer informações; evitar a aproximação do
entrevistador etc. Serão tantos sentidos quantas forem as interpretações (1998).
O entrevistador/pesquisador também faz suas interpretações e, ao longo da
interação, novos sentidos poderão manifestar-se.
Para Szymanski, uma Entrevista, como interação, é sempre uma intervenção,
uma vez que um ser humano nunca é neutro para outro ser humano. Na interação
social da entrevista, os protagonistas envolvidos influenciam-se mutuamente, o
tempo todo. O caráter interventivo dessa situação pode ser mais profundo ou
superficial; abranger áreas mais expostas ou mais secretas da experiência do
sujeito; desencadear discursos mais estruturados ou não; e, muitas vezes,
105

surpreender o próprio entrevistador com a reação inesperada do entrevistado frente


a uma pergunta (idem).
De tudo visto até agora, podemos concluir que a Entrevista transcende a
suposta neutralidade de um simples instrumento de coleta de dados para revelar-se
em toda a complexidade de um fenômeno que a torna uma estratégia extremamente
importante e útil de investigação científica. Reconhecer tal complexidade não
inviabiliza a Entrevista como fonte de informações, mas amplia suas possibilidades
de uso e, conseqüentemente, a obtenção de dados mais fidedignos, que propiciarão
uma análise mais acurada do objeto de estudo.
Refletindo sobre a complexidade dessa estratégia de investigação, Szymanski
acredita que, tendo em mente os diferentes significados e sentidos emergentes em
uma situação de Entrevista para todos os protagonistas, é que poderemos caminhar
para uma compreensão daquilo que está se mostrando naquela situação. Essa
compreensão tem um caráter descritivo e de síntese da informação recebida. O
entrevistador, em sua análise, pode considerar o conteúdo do depoimento, o tom
emocional observado e os índices não verbais que percebeu. Isto tudo, longe de
significar uma "adivinhação" do que o outro está sentindo, é a própria descrição da
impressão a ele causada pelo relato do entrevistado inserido na complexidade da
interação social.

Entrevista Reflexiva: interação na investigação do fenômeno

Ao considerarmos que a narrativa em curso, em uma Entrevista, é construída


na situação, constituindo-se no produto da interação entre os participantes, todos os
protagonistas da Entrevista têm caráter ativo, e o processo de produção de
significados torna-se tão importante para a pesquisa social, quanto o próprio
significado que está sendo produzido (Holstein & Gubrium,1995).
Assim, conforme vai ocorrendo o processo de interação entre entrevistador e
entrevistado, um certo conhecimento vai sendo construído e organizado de uma
forma específica; no resultado final dessa organização, constatamos a participação
de todos os participantes. Essa forma de organizar o conteúdo constitui-se em
material de extrema importância para o pesquisador social, pois sua análise,
106

juntamente com o conhecimento construído na interação, permitirá que sejam


revelados aspectos importantes sobre o sujeito (ou sujeitos) da pesquisa, como, por
exemplo: valores, crenças, opiniões, percepções sobre o real, estilo de
comportamento etc. Além disto, temos que ter sempre em mente que, ao informar
sobre si, o sujeito também informa sobre o seu grupo social, sobre o seu ambiente,
relacionado com outros contextos sociais, sobre a sua "subcultura", relacionada com
a cultura dominante, sobre seu momento histórico pessoal, que está inserido e é
influenciado pelo momento histórico social mais amplo etc.
Considerando a interação humana como um aspecto de fundamental
importância no fenômeno da Entrevista, Szymanski(1998) acredita que a situação
interacional que ali se institui é uma ocasião ímpar de organização de idéias e de
construção de um discurso para um interlocutor, fato que caracteriza um recorte da
experiência e reafirma a situação de interação como geradora de um
conhecimento.O significado que é construído na interação, ou seja, a informação
que o entrevistador procura será disposta pelo entrevistado de uma forma única e,
naquele exato momento, um conhecimento que, às vezes, nunca foi tematizado
antes pelo sujeito. Nas palavras daquela autora:

"O movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o


entrevistado diante de um pensamento organizado de uma forma inédita até
mesmo para ele." (Szymanski 1998)

Neste ponto, em suas reflexões, Szymanski caminha para a construção da


definição de um conceito muito importante: A Entrevista Reflexiva.
O movimento reflexivo que a narração exige e que acaba levando o
entrevistado a buscar uma organização para seu pensamento, realiza-se em uma
situação de análise reflexiva crítica. Para Szymanski (1998), será nessa situação de
reflexão que o entrevistado concordará em dar seu depoimento sobre uma
determinada área de seu conhecimento, e o entrevistador oportunizará essa ocasião
por meio de perguntas e sínteses que serão, gradualmente, apresentadas ao longo
da Entrevista. Como produto resultante desta interação estabelecida entre
entrevistador e entrevistado, surge um conjunto de conhecimentos, organizado de
forma específica e construído com a participação de ambos.
107

Ampliando e aprofundando o conceito de Entrevista, Szymanski (idem)


descreve este fenômeno focalizando-o dentro de uma perspectiva até então inédita:
destaca a relação reflexiva e dialógica estabelecida entre os protagonistas,
relacionado-a à produção de conhecimento/significado ocorrida naquela situação
interacional – surge, assim, o conceito de Entrevista Reflexiva. Portanto, o novo
conceito de entrevista remete-nos à situação de interação social ocorrida no
encontro entre dois interlocutores, em que o significado (que é produto desta
interação) vai sendo construído a partir, e em função, do processo de análise
reflexivo-crítica instaurado entre os protagonistas (1998).
Desta forma, Szymanski compreende e descreve a entrevista, como
estratégia de investigação, sob um novo ponto de vista: o da relação reflexiva. A
Entrevista Reflexiva, como uma situação de interação humana, mediada por um
processo de análise reflexivo-crítica, tem dois objetivos:
- Suscitar informações objetivas e subjetivas (estas últimas remetendo à
construção do significado);
- Conduzir o processo de diálogo para que o tema discutido seja ampliado e
aprofundado.
Este último objetivo constitui-se em um aspecto fundamental da Entrevista
Reflexiva. Isto porque, auxiliado pelas questões norteadoras da estratégia, o
entrevistador organiza o conhecimento que vai sendo produzido na entrevista e,
conseqüentemente, favorece a criação de novos significados para o sujeito; assim
como oportuniza situações para que esse sujeito (re)signifique antigos
conhecimentos já possuídos.
A Entrevista Reflexiva é uma entrevista do tipo semi-aberta, individual ou em
grupo, realizada em pelo menos dois encontros. Apesar de não seguir um roteiro
fechado, os objetivos do encontro devem estar claros para os participantes, assim
como as informações pretendidas, facilitando, com isto, a compreensão do material
produzido. É importante a construção de um planejamento prévio no qual estejam
previstos os imprescindíveis momentos para: a apresentação do entrevistador e dos
objetivos da entrevista; o esclarecimento de detalhes quanto à forma de registro das
informações, a especificação sobre quem e quantos participarão das entrevistas, o
agendamento sobre o local, o tempo de duração e o número de vezes em que elas
ocorrerão etc (Szymanski, 1998).
108

Aquela autora descreve cinco tipos de questões que devem ser utilizadas pelo
entrevistador, ao longo das Entrevistas Reflexivas, para que ele possa orientar-se na
condução do processo reflexivo. Cada uma dessas questões relaciona-se a um tipo
específico de objetivo a ser alcançado, dentro da Entrevista Reflexiva, e serve, ao
mesmo tempo, de guia na interação que se estabelece, como de estratégia de
ampliação e aprofundamento do material que vai sendo apresentado, ao longo
dessa interação. A Questão Desencadeadora refere-se ao tema que se está
investigando e deve ser suficientemente ampla para permitir que o entrevistado inicie
seu depoimento pelo ângulo que achar melhor; as Questões de Esclarecimento,
como o próprio nome está dizendo, são feitas pelo entrevistador, quando ele não
entendeu a fala do entrevistado; as Questões de Síntese são feitas de tempos em
tempos para resumir as informações recebidas, solicitando a confirmação pelo
entrevistado sobre sua abrangência; as Questões de Aprofundamento, que
servem para o entrevistador, expressar sua própria compreensão a respeito do que
foi dito; e, finalmente, as Questões de Diferenças, que estimulam o entrevistado a
apontar diferenças quer entre situações, perspectivas ou no tempo.
109

Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação:

ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO E COLETA DE DADOS NO PROCESSO DE PESQUISA

A Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação, estratégia de


investigação e coleta de dados especialmente implementada para esta segunda
etapa da pesquisa, foi desenvolvida baseada nos mesmos pressupostos da
Entrevista Reflexiva e, fundamentalmente, possui os mesmos objetivos: suscitar
informações objetivas e subjetivas; e conduzir o processo de diálogo de modo a
ampliar e aprofundar o tema discutido. Na Entrevista Reflexiva a partir do Registro
de Observação, também utilizamos os cinco tipos de questões da Entrevista
Reflexiva.
Entretanto, como nova estratégia, a Entrevista Reflexiva a partir do Registro
de Observação também possui objetivos e procedimentos que lhes são específicos.
Os objetivos principais da Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação,
como estratégia de investigação e intervenção psicológica, são:
(1.) “Emprestar” à professora o olhar da pesquisadora sobre a realidade de sua
sala de aula, via Registros de Observação, propiciando-lhe a oportunidade
de estar observando essa realidade por uma nova perspectiva;
(2.) Oportunizar a professora um espaço de reflexão e discussão mediada, em
que ela possa estar refletindo e discutindo sobre as idéias, impressões e
dúvidas surgidas em conseqüência de “sua” nova forma de observar a
realidade de sua sala;
(3.) Coletar e trocar informações, investigando os aspectos relacionados à
prática pedagógica da professora e às interações estabelecidas dentro do
microssistema da sala de aula.
O conhecimento construído na situação de Entrevista Reflexiva a partir do
Registro de Observação origina-se de uma construção conjunta, resultante da
interação estabelecida entre a professora e a pesquisadora. Nesta interação, tanto a
professora quanto a pesquisadora participam, trazendo para a situação de Entrevista
seus próprios conjuntos de conhecimento.
No caso da professora, ela possui e traz para a Entrevista três conjuntos de
conhecimentos, que são do interesse da pesquisadora:
110

1) Os conhecimentos relacionados à sua área específica de formação; oriundos de


suas experiências profissionais, pessoais e culturais, dentro dos seus diversos
ambientes de interação social. Apesar desse conjunto de conhecimentos ser único e
individual, a professora, como indivíduo pertencente a um grupo, traz em sua fala a
representação de seus pares e possui certo conhecimento partilhado entre eles
(Baktin, 1986).
2) Os conhecimentos relacionados à implementação de sua prática pedagógica: o
modo como se dão as interações no microssistema da sala; as dificuldades e
facilidades encontradas por ela no enfrentamento de seu cotidiano; suas opiniões,
concepções, e sentimentos a respeito de sua prática, de seus alunos e de si própria
inserida naquele contexto.
3) E, por fim, o conjunto de conhecimentos construídos a partir de sua experiência
como participante do processo de investigação mediado pela pesquisadora. Ou seja,
o que significa para a professora estar participando da pesquisa: as impressões, os
sentimentos, as expectativas e as dificuldades surgidas em decorrência de sua
participação na pesquisa e de sua interação com a pesquisadora.

A pesquisadora também possui e traz para a situação da Entrevista Reflexiva


a partir do Registro de Observação, um certo conjunto de conhecimentos. São
aqueles conhecimentos relacionados a sua área de formação, a suas experiências
profissionais, pessoais e culturais. Este conjunto de conhecimentos vai se fazer
presente na Entrevista, de forma indireta, compondo o estilo utilizado pela
pesquisadora, ao descrever para a professora aquilo que foi observado e na maneira
como irá conduzir sua interação com a professora, de forma a garantir a ocorrência
do processo de análise reflexivo-crítica. Além disto, a pesquisadora/psicóloga tem
uma prática de análise que é posta a serviço do processo de análise reflexivo-crítica,
no momento de sua interação com a professora.
O procedimento fundamental da Entrevista Reflexiva a partir do Registro de
Observação é “emprestar” à professora regente o “olhar” da pesquisadora, de modo
que ela possa enxergar-se implementando sua prática pedagógica em sala de aula e
observar o conjunto de interações que ali se estabelecem. Este procedimento, na
prática, é viabilizado da seguinte forma:
111

(1) A pesquisadora realiza períodos de observação em sala de aula, as Sessões


de Observação com Registro, previamente agendadas e planejadas com a
professora regente;
(2) Após cada sessão de observação, a pesquisadora produz um documento
chamado Registro de Observação, que é uma descrição circunstanciada de
tudo aquilo que a ela conseguiu observar e registrar, durante o período em
que esteve dentro da sala de aula;
(3) A pesquisadora entrega, com antecedência, o Registro de Observação para
a professora, solicitando-lhe que o leia e destaque os pontos da descrição
que mais lhe chamaram a atenção e sobre os quais ela gostaria de conversar
em seu próximo encontro com a pesquisadora.
(4) A pesquisadora também lê, previamente, o Registro de Observação e faz um
levantamento dos pontos considerados mais relevantes, organizando-os em
subcategorias de significados, já dando início ao processo de análise dos
dados.
(5) A realização da Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação:
- Pesquisadora/entrevistadora e professora/entrevistada reúnem-se para
discutir e analisar aqueles aspectos do Registro de Observação eleitos
como os mais relevantes, dando início ao processo de análise reflexivo-
crítica.
- O processo de análise reflexivo-crítica, na medida do possível, deve ser
sempre desencadeado pelas colocações da professora, que irá apontar os
aspectos que mais lhe chamaram a atenção, durante a leitura do Registro
de Observação.
- Caso a professora não queira apontar, inicialmente, algum aspecto de
seu interesse, a pesquisadora/entrevistadora pode formular questões
desencadeadoras para iniciar o processo de análise reflexivo-crítica. A
questão desencadeadora é construída pela pesquisadora baseada em sua
compreensão sobre o que está acontecendo ou sendo discutido em
determinado momento da situação interacional estabelecida com a
professora.
112

Entretanto, mesmo que a professora destaque pontos do Registro de


Observação julgados relevantes, isto não impede que a pesquisadora, ao longo da
Entrevista, traga também para a discussão e análise os aspectos avaliados por ela
como importantes e que não foram mencionados pela professora. Assim sendo,
sempre que surgirem oportunidades, a pesquisadora deve fazer questões
desencadeadoras relacionadas a aspectos importantes, que tenham sido notados
por ela e não comentados pela professora.
Nesses momentos, a pesquisadora deve ter sempre o cuidado de fazer
colocações descritivas, seguidas por questões desencadeadoras. Esta
recomendação justifica-se ao lembrarmos que o objetivo da pesquisadora, durante a
Entrevista, será sempre o de investigar a opinião da professora, seja sobre as
questões apontadas por ela, seja sobre os pontos destacados pela pesquisadora;
não fazendo parte de suas atribuições avaliar ou orientar aspectos da conduta da
professora em sala de aula.
O fato da Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação, como o
próprio nome diz, desenvolver-se a partir de aspectos suscitados pelo registro
descritivo (Registro de Observação) daquilo que foi observado em sala de aula,
confere a essa situação de entrevista conotações ainda inéditas, como estratégia de
investigação qualitativa. O processo de análise reflexivo-crítica desencadeado desta
forma, dentro daquele contexto interacional, produz um conjunto de informações
muito significativo e amplia as possibilidades de compreensão do fenômeno
estudado.
Coletar informações ou discutir sobre aspectos relacionados à prática
pedagógica, ou refletir sobre situações que ocorrem no ambiente de sala de aula,
será muito mais estimulante e provocador quando essa prática ou esse ambiente
estiverem relacionados diretamente com a professora entrevistada. A motivação da
professora em participar desse processo de análise reflexivo-crítica também estará
muito condicionada ao tipo de proveito que ela pretenda obter, participando nesse
processo. Esta utilidade, com certeza, será muito mais evidente se a professora
estiver refletindo e discutindo sobre questões pertinentes à sua própria prática, as
quais lhe interessam e preocupam.
Ao ler o Registro de Observação fornecido pela pesquisadora, muitas vezes,
a professora constata fatos da dinâmica de sua sala ou observa aspectos
113

relacionados à sua prática pedagógica sobre os quais ainda não tinha uma clareza
de conhecimento ainda. Isto torna a interação muito mais rica por conta das novas
informações que vão surgindo e da situação de troca que se estabelece entre os
participantes da entrevista, pois não só a pesquisadora estará obtendo o
conhecimento que deseja, como a professora também estará construindo,
sistematizando ou (re)significando determinado conjunto de conhecimentos.
Além disto, quando a professora é solicitada a falar sobre sua prática e
experiência pedagógica e sobre tudo mais que acontece em sua sala de aula, ela
passa a ser reconhecida como alguém que possui um conhecimento que é do
interesse de um Outro – a pesquisadora. Os relatos de experiência da professora,
suas opiniões, suas avaliações, suas percepções sobre tudo que acontece em sua
sala de aula constituem um conjunto de conhecimentos que é exclusivo e próprio
dela.
Ao assenhorear-se desses conhecimentos, na interação com a pesquisadora,
a professora deixa o papel passivo de mera receptora de informações, tão usual em
entrevistas que visam apenas “sugar” informações, e pode desempenhar o papel de
conhecedora. Sendo alguém que conhece, alguém que também sabe, alguém que
possui um conhecimento que é alvo do interesse de Outro, a professora pode
assumir a posição ativa de colaboradora no processo de análise reflexivo-crítica, e
contribuir mais efetivamente para o desvelamento do fenômeno em investigação.

ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO NO PROCESSO DE PESQUISA

Ao desenvolvermos a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de


Observação, acreditávamos que essa estratégia, considerando suas características,
seria a mais adequada para investigar e coletar dados sobre o fenômeno em estudo.
Porém, no transcorrer do processo de pesquisa envolvendo a primeira professora,
começamos a notar a ocorrência de fatos inesperados relacionados à aplicação
dessa estratégia.
Ao longo das Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação
realizadas com esta professora, observamos significativas transformações em sua
forma de perceber e refletir sobre determinados aspectos de sua vivência em sala.
114

Além disto, durante as sessões de observação com registro, surpreendemo-nos ao


observar a ocorrência de algumas mudanças significativas no modo da professora
agir e interagir dentro de sala, especialmente, em relação ao aluno com deficiência
mental.
A relação estabelecida entre as discussões realizadas nas Entrevistas
Reflexivas a partir do Registro de Observação (microssistema de pesquisa) e as
mudanças implementadas pela professora dentro do microssistema da sala de aula,
eram tão evidentes para nós, como para a própria professora.
Ao iniciarmos o trabalho com a segunda professora, procuramos estar atentos
aos aspectos observados com a primeira, a fim de verificarmos se a mesma relação
era estabelecida entre o dois microssistemas.
Naturalmente, o processo de investigação desenvolvido com esta professora
teve suas características peculiares. No entanto, novamente constatamos a relação
estabelecida entre as discussões realizadas durante as Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação e as mudanças ocorridas na forma da professora
compreender aspectos de sua prática pedagógica e de implementar ações no
microssistema da sala de aula.
Portanto, analisando os resultados do processo realizado com as duas
primeiras professoras, entendemos que a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de
Observação revelou-nos sua possibilidade de funcionar como uma estratégia de
intervenção. Contudo, não nos referimos aqui àquele tipo de intervenção que é
inerente à aplicação de qualquer instrumento ou estratégia de coleta de dados,
dentro do enfoque de pesquisa qualitativa.
A intervenção ocorrida, em decorrência da participação das professoras nas
Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação, era um tipo de
intervenção qualificada, pois suas conseqüências podiam ser caracterizadas em
função de dois aspectos: (1) era uma intervenção relacional, ou seja, as mudanças
observadas nas ações e interações da professora, em sala de aula, surgiam
relacionadas a transformações ocorridas em sua percepção e compreensão de
determinados aspectos de sua prática pedagógica, discutidos nas Entrevistas
Reflexivas a partir do Registro de Observação; (2) era uma intervenção direcionada,
ou seja, percebemos que podíamos interferir no rumo das mudanças que a
115

professora viesse a realizar em sala, conforme conduzíssemos as discussões


durante as Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação.
Desse momento em diante, no processo de pesquisa, deixamos de considerar
a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação como apenas uma
estratégia direcionada a investigar e coletar informações sobre o contexto ambiental
da sala de aula. A experiência com as duas primeiras professoras revelara-nos
outras possibilidades inerentes ao seu emprego.
Todos os nossos dados indicavam que a Entrevista Reflexiva a partir do
Registro de Observação poderia ser empregada dentro de um processo de
intervenção, cujo objetivo primordial seria a transformação efetiva das ações da
professora no exercício de sua prática pedagógica e nas interações estabelecidas
em sala, especialmente em sua interação diádica com o aluno deficiente mental.
Nesse sentido, passamos a estudar a utilização da Entrevista Reflexiva a
partir do Registro de Observação através desse novo prisma, procurando elementos
teóricos que pudessem sustentar nossa hipótese.
116

MÉTODO DE ANÁLISE DOS DADOS

Todas as Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação


realizadas, nesta etapa, foram registradas em áudio e, posteriormente foram
transcritas, gerando textos que foram submetidos à análise qualitativa1.
O método de análise escolhido foi a Grounded Theory (Glaser & Strauss
1967), que será rapidamente explicado a seguir.
A Grounded Theory, ou traduzindo para o português, a Teoria
Fundamentada nos Dados é uma abordagem ou método de análise qualitativa
proposto por Glaser & Strauss (1967), que se refere à descoberta de uma teoria a
partir dos dados, sistematicamente obtidos e analisados pela comparação constante,
de um ir e vir aos dados, da coleta à análise e da análise à coleta. A qualidade
essencial da Grounded Theory, e também seu grande diferenciador em relação a
outras formas de análise qualitativa, é o fato deste método de análise partir dos
dados obtidos e, indutivamente, levar à construção de uma nova teoria, ou seja, uma
teoria fundamentada nos dados obtidos do fenômeno em estudo (Glaser &
Strauss 1967; Strauss & Corbin 1990).
Assim, a Grounded Theory significa o processo de análise em que uma
teoria foi descoberta, desenvolvida e, provisoriamente, verificada mediante um
sistema de dados pertinentes ao fenômeno. Dessa forma, o conjunto de dados, a
análise e a teoria construída a partir desta análise, mantêm uma relação recíproca
entre si.
O conhecimento teórico construído a partir da Grounded Theory contrasta
fortemente com aquele outro tipo de teoria que surge como resultado de uma análise
teórica, em que o pesquisador parte para a compreensão do fenômeno já tendo
como referencial uma grande teoria e, ao fazer a análise dedutiva dos dados
encontrados, vai ajustando-os às explicações pressupostas por aquela teoria
principal.

1
No Anexo B, o leitor encontra a reprodução integral de uma das Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação realizadas com a professora Maria.
117

A Grounded Theory não começa com uma teoria, ela demonstra-a. Este tipo
de análise, quando bem feita, segundo Glaser & Strauss (1967), revela ou
demonstra uma teoria que irá se ajustar ao conjunto de dados perfeitamente. O
resultado deste ajuste é o estabelecimento de uma relação recíproca entre o
conjunto de dados, a análise e a teoria.
Nesta metodologia de investigação, o pesquisador é um elemento
fundamental. A Grounded Theory exige do pesquisador uma grande sensibilidade
teórica no momento em que estiver analisando e discutindo os dados. Ou seja, o
investigador necessita ser sensível, teoricamente falando, para orientar-se na coleta
de dados relevantes ao fenômeno e para saber, no momento da análise, identificar
as sutilezas dos significados que esses dados revelam. Além disto, esse
investigador precisa ter habilidades para realizar observações e deixar os
informantes à vontade (Bousso, 1999).
O sucesso da utilização deste método de análise depende da obediência,
pelo pesquisador, aos passos característicos de coleta e análise de dados.
Resumidamente, as etapas de coleta, análise, discussão e interpretação dos dados
sobre o fenômeno estudado, dentro da Grounded Theory são as seguintes:

1a. Etapa - CODIFICAÇÃO:

Refere-se ao processo de desmembramento da transcrição escrita da


entrevista. O pesquisador examina, minuciosamente, o texto escrito, comparando e
conceituando os incidentes e eventos ocorridos, analisando-os como indicadores
potenciais do fenômeno. Esses eventos são transformados em Códigos ou Unidades
Básicas de Análise, que são descritos com o verbo no tempo gerúndio para indicar
ação e continuidade. Os códigos são referidos em termos conceituais.
Busca-se descobrir os significados implícitos em cada código e,
considerando-se os significados encontrados, os códigos são agrupados a partir de
seus conceitos.
No exemplo abaixo, reproduzimos um trecho da transcrição de uma das
Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação realizadas com a
professora participante. Ao lado do texto escrito foram colocados os Códigos ou as
Unidades Básicas de Análise.
118

TEXTO ESCRITO CODIFICAÇÃO


a
(2 .Entrevista Reflexiva a partir do Registro de (Unidades de Análise)
Observação
(pesquisadora) – Você colocou os alunos mais (174)Olhando para a fila e sabendo que todos os
fracos na mesma fila? alunos fracos estão ali.

(Maria) – É, porque aí eu vou estar olhando, eu sei (175)Querendo que tivesse integração e que os
alunos fracos ficassem misturados no meio.
que naquela fila lá, tá todo mundo ali.(174) Queria
(176)Alunos fracos tendo que aprender, que se
que tivesse a integração e eles ficassem
adiantar, tentar alcançar a turma.
misturados no meio,(175) mas eu resolvi... como eles
(177)Resolvendo fazer a troca de lugares entre os
têm que aprender, tem que tá, se adiantar, tentar alunos, porque os alunos fracos têm que aprender e
alcançar a turma,(176) aí, eu resolvi fazer essa alcançar a turma.
troca.(177) Coloquei... tentei colocar a fila de (178)Tentando colocar a fila dos alunos fracos no
canto,(178) mas, de forma alguma eles estão canto (da sala).
sabendo disso, sabe? (179) (179)Alunos fracos não sabendo, de forma alguma,

(pesquisadora) – Hum. sobre o porque da mudança de lugares.

(Maria) – Foi uma coisa assim, de repente eu falei:


"Ah, hoje eu quero que fulano de tal troque de
lugar" , né? Aí ficou aquela disposição que está lá.

2a.Etapa - CATEGORIZAÇÃO:

É “o processo de agrupar conceitos que parecem relevantes, partes de um


mesmo fenômeno” (Strauss & Corbin, 1990).
A partir do agrupamento e classificação dos Conceitos (Códigos com
significados), surgem as Categorias que estão em um nível superior ao dos Códigos.
As Categorias são mais abstratas, mais desenvolvidas, e conceitualmente mais
fortes do que os Códigos. Por isto, elas recebem nomes mais abstratos, de forma a
poder agrupar conceitos menos abstratos.
Muitas vezes, o agrupamento dos Códigos revela Subcategorias, que,
posteriormente, são agrupadas em Categorias.

“O importante é nomear uma categoria, de forma que você se lembre


dela, pense nela, e mais do que tudo, comece a desenvolvê-la analiticamente.”
(Straus & Corbin, 1990)
119

Neste nível da análise, podem estar sendo elaborados os MEMOS, que são
procedimentos auxiliares para o desenvolvimento de uma teoria. O MEMO é o
registro escrito do processo de análise dos dados, representando o pensamento
abstrato (“insights”) que o investigador tem sobre eles. Os MEMOS podem tornar-se
uma importante fonte de dados: registro de idéias sobre códigos, categorias e
relações entre categorias.
No exemplo abaixo, reproduzimos um dos Quadros de Categorização
utilizados na análise dos dados.

Códigos Subcategorias Categoria


(15) Achando que talvez seja incômoda
para os alunos a repetição das coisas
na sala. Precisando mudar a
(29) Vendo que alguma coisa pode ser
mudada em função da mesmice da mesmice da aula
situação em sala. RECONHECENDO A
(19) Achando que tem hora que precisa
de um alerta: Tem que mudar! NECESSIDADE DE
(24) Sabendo que tem que estar todo Tendo que mudar para MUDAR
dia atraindo a atenção dos alunos com
alguma coisa diferente. atrair a atenção dos
(20) Começando a pensar que tem que
alunos mais fracos
mudar, quando não vê nenhum
respaldo dos alunos (Ana e Pedro)
naquilo que está fazendo.

3a.Etapa - CODIFICAÇÃO TEÓRICA:

Nesta etapa, as Categorias são reorganizadas: são estabelecidas conexões


entre as Categorias e suas subcategorias, de forma a realizar agrupamentos,
unindo-se aquelas Categorias que parecem se referir a um mesmo fenômeno. Na
Codificação Teórica, o foco está em relacionar especificamente as Categorias a um
fenômeno, a partir dos aspectos que delas se sobressaem.
Esta é uma fase de ligação e desenvolvimento das Categorias, realizando
comparações, a fim de compreender o tipo de relação existente entre elas e, às
vezes, reorganizando-as. Ocorre um movimento intenso entre pensamento indutivo e
dedutivo baseado nos dados: comparação, desenvolvimento de hipóteses com as
experiências relatadas, até cobrir todos os fatores envolvidos na experiência.
120

A Codificação Teórica ajuda o pesquisador a manter a análise no nível


conceitual, quando escreve sobre os conceitos e suas relações (Glaser, 1978).
A seguir, apresentamos um quadro ilustrativo de uma Codificação Teórica:

Categorias Segundo Momento


1.ANALISANDO SUA ATUAÇÃO EM SALA
2.REVELANDO CONCEPÇÕES
3.VIVENCIANDO EXPECTATIVAS
PENSANDO SUA
4.DISPONDO-SE A REALIZAR MUDANÇAS PRÁTICA
5.NECESSITANDO DE AJUDA PEDAGÓGICA
6.REFLETINDO SOBRE ANA EM SALA
7.REFLETINDO SOBRE PEDRAO EM SALA.

4a.Etapa - DESCOBERTA DA CATEGORIA CENTRAL:

A última etapa da análise dos dados tem como objetivo compreender o


fenômeno central, o qual se constitui no elo entre as Categorias. Nesta etapa, as
Categorias tornam-se mais abstratas, sendo a fase que Strauss & Corbin (1990)
denominam de elaborar “a história”, que deve ser capaz de agrupar o maior número
de Categorias dentro de um fenômeno maior, mais abstrato ainda do que aqueles
nomeados antes.
Na composição da história, as categorias devem ser capazes de oferecer um
destaque maior do que o de uma experiência individual. Na história, ficam evidentes
as categorias mais densas, revelando os aspectos mais significativos da experiência,
fazendo emergir a CATEGORIA CENTRAL.
A Categoria Central , segundo (Strauss & Corbin, 1990), é o fenômeno central
ao redor do qual todas as outras categorias estão integradas” e surge ampla e
abstrata, o bastante, para incluir e exprimir todas as demais. A Categoria Central
amarra a história a sua volta, ocorre inteiramente a partir dos dados, precisa ter
capacidade de lançar todos os elementos juntos e explicar as diferenças
encontradas nas experiências.
121

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

O conjunto de dados utilizados nesta pesquisa foi obtido, fundamentalmente,


a partir das informações coletadas ao longo das Entrevistas Reflexivas a partir do
Registro de Observação realizadas com a professora.
Após a leitura das transcrições das “Entrevistas Reflexivas a partir do Registro
de Observação”, procedeu-se a Codificação Aberta das informações ali encontradas.
Da análise dos códigos surgiram as categorias de significados explicativas para o
fenômeno em estudo.

O conjunto de dados foi organizado e será apresentado da seguinte forma:

I - Identificação das Categorias

II - Discussão das Categorias


122

I – IDENTIFICAÇÃO DAS CATEGORIAS

O vasto conjunto de categorias de significados encontrado, após a realização


da codificação dos textos escritos, foi reorganizado em uma Codificação Teórica,
que revelou a existência de quatro grandes categorias ou, como preferimos
denominar, de quatro grandes momentos.
Portanto, as categorias de significados foram identificadas2, agrupadas e,
posteriormente, analisadas e discutidas, tendo como referência estes quatro
momentos distintos, a seguir:

Primeiro Momento: A professora IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA


PEDAGÓGICA:

Composto por dados referentes ao microssistema da sala de aula, ou seja,


informações sobre: as interações sociais ocorridas na sala; as atividades ali
desenvolvidas; e os papéis sociais constituídos e desempenhados naquele contexto.

Segundo Momento: A professora PENSANDO SUA PRÁTICA


PEDAGÓGICA:

Composto por dados referentes a discussão e análise da professora sobre


sua prática pedagógica, ou seja, informações oriundas daqueles momentos, dentro
das Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação, quando a professora
reflete e analisa fatos ou aspectos do trabalho desenvolvido em sala de aula.

2
No Anexo A, o leitor encontrará os Quadros de Categorização referentes a cada um dos
quatro momentos da “Codificação Teórica”
123

Terceiro Momento: A professora PARTICIPANDO DA PESQUISA:

Composto por dados referentes à análise e reflexão da professora a respeito


de sua participação na pesquisa, ou seja, informações oriundas daqueles
momentos, dentro das Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação,
quando a professora comenta ou reflete sobre fatos, impressões e sentimentos
relacionados à sua participação no processo de pesquisa.

Quarto Momento: A professora MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O AGIR


EM SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

Composto por dados referentes às mudanças observadas na forma da


professora analisar, refletir, planejar e executar sua prática pedagógica, ou seja,
informações oriundas dos Registros de Observação e/ou das Entrevistas Reflexivas
a partir do Registro de Observação realizadas com a professora que revelam
modificações na forma da professora pensar e agir na realização de seu trabalho,
dentro de sala de aula.
Observamos a existência de dois conjuntos de mudanças: (1) aquelas
sentidas e apontadas pela própria professora, ao longo das Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação; e (2) as mudanças constatadas pela
pesquisadora, a partir da análise dos dados.
124

PADRONIZANDO A APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS

A seguir, iremos apresentar e descrever as Categorias (e subcategorias


correspondentes), encontradas após a codificação dos textos transcritos das
Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação.
Para facilitar a melhor compreensão desta parte da análise dos dados, foram
definidos alguns padrões para a escrita das expressões que nomeiam as Categorias
e as Subcategorias encontradas.
Para tanto, as expressões utilizadas para nomear as categorias foram escritas
em letras maiúsculas grifadas. Por exemplo:
- No primeiro momento - IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA
– uma das Categorias encontradas foi TENDO UM PLANEJAMENTO ÚNICO.

Já as expressões utilizadas para nomear as subcategorias foram escritas com


letras em negrito. Por exemplo:
- Compondo a Categoria CONTROLANDO OS ALUNOS, temos sete
subcategorias, e uma delas é retirando o aluno da sala.

Ao longo da apresentação e descrição das Categorias (e subcategorias)


procuramos empregar, sempre que possível, os mesmos termos, expressões ou
palavras utilizadas pela professora, em suas conversas com a pesquisadora. Assim
como, também, utilizamos as expressões conceituais codificadas, a partir das
transcrições das Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação.
As palavras ou expressões oriundas da fala da professora foram escritas em
itálico e colocada entre aspas, seguidas pela sigla (SIC), que neste estudo significa
Segundo Informações Codificadas; por exemplo:
- “Tendo a impressão, ao ler o Registro de Observação, que gritou em
sala”(sic)
- A professora comenta que tem muitos “alunos fracos”(sic), que ela
considera que estão “fora do nível da sala”(sic).
125

CATEGORIAS REFERENTES AO PRIMEIRO MOMENTO:

IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Neste estudo, a palavra implementando é utilizada significando “dar execução


a (um plano, programa ou projeto)”, de acordo com Ferreira (1986, p.922). A
expressão prática pedagógica refere-se ao sendo professora, ou seja, significa todo
o conjunto de ações e interações realizadas pela professora que estejam, de alguma
forma, relacionadas ao exercício do papel de docente/educadora inserida na
situação de vivência em sala de aula.
IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA, portanto, refere-se a
todos os aspectos da execução e do desenvolvimento de ações relacionadas à
prática educacional implementada em sala pela professora, assim como também a
todos os eventos interacionais ocorridos durante o desenvolvimento destas ações.
A análise dos códigos revelou nove categorias de significados que explicam
este momento do fenômeno e, dentro de cada uma destas categorias foram
identificadas algumas subcategorias que detalham melhor a explicação da categoria:
Categorias de IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

1.TENDO UM PLANEJAMENTO ÚNICO


2. LIDANDO COM A HETEROGENEIDADE DA TURMA
3. DESENVOLVENDO ATIVIDADES CONFORME RESPOSTAS DOS
ALUNOS
4. ATENDENDO OS ALUNOS INDIVIDUALMENTE
5. CONTROLANDO OS ALUNOS
6. ALUNOS TRABALHANDO AGRUPADOS
7. ALUNO SENDO QUEM ENSINA
8. TENDO ANA EM SALA
9. TENDO PEDRO EM SALA
126

CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE

IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

1. TENDO UM PLANEJAMENTO ÚNICO

Esta categoria refere-se ao modo como a professora planeja e organiza as


atividades pedagógicas que pretende desenvolver em sala, considerando o
conteúdo acadêmico que necessita ser trabalhado em cada uma delas.
O conteúdo acadêmico a ser trabalhado em sala é definido pelo planejamento
geral previsto para cada etapa da escolarização. No início do ano letivo, todas as
professoras recebem de sua respectiva supervisora pedagógica (especialista em
educação e responsável pela supervisão e acompanhamento do trabalho docente de
um grupo de professoras) um documento denominado “planejamento geral”(sic).
Analisando uma cópia deste documento, observamos que o planejamento
geral trata-se de uma relação dos conteúdos acadêmicos que deverão ser
trabalhados com os alunos daquela série, ao longo do ano, pela professora regente.
Apesar da obrigatoriedade de seguir a relação de conteúdos apontados por
este planejamento geral, Maria afirma que tem liberdade para desenvolvê-lo do
modo como achar melhor. A construção do planejamento diário das aulas fica à
cargo da professora, sob orientação da supervisora pedagógica que, segundo Maria,
lhe dá “carta branca”(sic) para realizar as atividades que julgar mais adequadas,
desde que “não fujam do currículo”(sic). Como exemplo, citamos algumas partes
deste planejamento:
127

GEOGRAFIA / HISTÓRIA:
LINGUA PORTUGUESA: GRAMÁTICA DO USO:
Do Espaço do Corpo ao Espaço da
-Leitura/Escrita/Interpretação. -Alfabeto.
Vivência Próxima- as Relações Sociais:
-Linguagem Oral. -Ordem alfabética.
-Eu: Quem sou/ Como sou/ Minha
-Distinção desenho/escrita. -Escrita de palavras e textos.
história

CIÊNCIAS
MATEMÁTICA MATEMÁTICA
O Ser Humano:
Geometria: Numeração Decimal:
-O corpo humano externo e suas
-Posições -Conjunto/Classificação
funções.
-Sentidos -Numerais: ler / escrita posicional
-Órgãos dos sentidos e suas funções.

Para não correr o risco de sair dos limites estabelecidos pelo plano geral, a
professora opta por elaborar um planejamento pedagógico único, a ser
implementado com todos os alunos da sala. Entretanto, mesmo TENDO UM
PLANEJAMENTO ÚNICO, Maria reconhece que seus alunos apresentam diferenças
importantes entre si, relacionadas ao desempenho escolar, aos níveis de
dificuldades de aprendizagem, à forma de participação e envolvimento nas
atividades desenvolvidas e ao tipo de comportamento manifestado em sala. Assim,
ela busca elaborar um planejamento único respeitando as diferenças dos alunos.
A professora afirma que, em sua sala, existem "alunos mais fracos"(sic), por
isto, ela busca elaborar um planejamento único respeitando as diferenças dos
alunos(1) e, dentro daquilo que está sendo proposto no plano geral, vai fazendo as
adaptações possíveis, sempre planejando pensando nos alunos mais fracos,
procurando considerar suas dificuldades e sendo mais atenciosa para com eles.
Maria comenta que a maioria dos alunos mais fracos é repetente, alguns já
tendo cursado aquela série mais de uma vez e, por causa disto, “já viram muitas
coisas que ela está dando em sala”(sic). Considerando as diferenças dos níveis de
desempenho acadêmico apresentadas pelos alunos fracos e pensando naqueles
que já viram o conteúdo programático que está sendo ministrado, a professora
preocupa-se em estar diversificando as atividades desenvolvidas em sala.
Ao exemplificar esta diversificação, entretanto, a professora fala de algumas
mudanças superficiais na organização das atividades em sala e reconhece que
“senta-se muito no conteúdo que tem que ser dado”(sic), referindo-se aos conteúdos
128

curriculares do plano geral, não conseguindo fazer grandes variações durante suas
aulas.
Apesar de reconhecer as dificuldades e necessidades dos alunos fracos
(dentre eles, aqueles com deficiência mental), Maria conta que não recorre a
nenhum tipo de atividade diferenciada ou adaptada, ou ao uso de qualquer material
extra ou exercício de suporte, que tenha sido elaborado especialmente para estes
alunos. Ela relata que, às vezes, pensa em fazer alguma coisa diferentes para os
alunos mais fracos, mas reconhece que não tem conseguido realizar atividades que
tenham sido especialmente planejadas para eles. A despeito da vontade de mudar,
a professora afirma que não consegue alcançar seus objetivos e continua
planejando sem atender os alunos mais fracos.

2. LIDANDO COM A HETEROGENEIDADE DA TURMA

Esta categoria relaciona-se à constatação, pela professora, da variedade de


diferenças apresentadas por seus alunos e à necessidade dela estar lidando com a
heterogeneidade da turma, o tempo todo.
A sala da professora Maria é composta por 32 alunos, meninos e meninas,
com idades entre sete e quinze anos. Parte destes alunos, os novatos, freqüentam
pela primeira vez esta série: alguns fizeram a pré-escola, outros freqüentam pela
primeira vez uma escola. Outros alunos já freqüentaram esta mesma série em anos
anteriores, são os repetentes: alguns repetem pela primeira vez; outros pela
segunda, e outros, como Ana, cursam pela quinta vez a Primeira Série. Existe,
ainda, aquele aluno que não é repetente, mas que está extremamente atrasado,
considerando-se o cronograma escolar, como é o caso de Pedro que tem quinze
anos de idade e freqüenta pela primeira vez a Primeira Série. Pedro freqüentava
uma escola especial até o ano passado e foi encaminhado para a E.M.São José
este ano.
Apesar das diversas possibilidades de diferenciação existentes entre seus
alunos, a única diferença destacada e comentada pela professora, em seu discurso,
é a discrepância observada entre os níveis de desempenho e rendimento acadêmico
apresentados pelos alunos.
129

Em relação às outras salas de série inicial existentes na escola, a sala de


Maria, é “tida como aquela onde os alunos já estão lendo”(sic). Entretanto, a
professora afirma que, este ano, está tendo muitos alunos fora do nível da sala.
Isto significa que, apesar das supervisoras terem feito o usual remanejamento de
alunos, no início do ano, buscando homogeneizar as classes em termos de
desempenho e rendimento escolar, ainda permaneceram na sala de Maria alunos
avaliados como estando abaixo do nível de referência daquela turma, ou seja,
alunos que ainda não estão alfabetizados.
Os alunos "fora do nível"(sic), ou os alunos que "não estão lendo"(sic), também
são os mesmos que compõem o chamado grupo dos "alunos mais fracos"(sic) da
sala, de acordo com a fala da professora. A professora ainda tentou remanejar estes
alunos para "outras salas mais fracas"(sic), mas as outras professoras se recusaram a
recebê-los. Dentre os alunos mais fracos, considerados fora do nível, que
permaneceram na sala, está Ana.
Portanto, a professora afirma que, em sua prática pedagógica tem que lidar
com a heterogeneidade da turma tendo alunos fortes em sala, assim como
também tendo alunos fracos em sala.
Os alunos fortes, segundo a professora, são aqueles que não encontram
dificuldades de aprendizagem, terminam rapidamente a tarefa proposta, são mais
independentes e desenvolvem as atividades sem que ela tenha que assessorá-los
de perto. Alguns desses alunos, por terminarem rapidamente a atividade e não ter
com que se ocupar, começam a ficar agitados. Em algumas dessas ocasiões, a
professora solicita que eles ajudem os colegas que ainda não terminaram,
procurando, assim, ocupá-los com uma atividade adequada e também receber
alguma ajuda em sua tarefa de atender individualmente os alunos retardatários.
A professora cita Denio como exemplo de "aluno forte"(sic), considerando-o
seu melhor aluno da turma e "o seu preferido, entre todos"(sic). Na descrição da
professora, Denio é sempre o primeiro a terminar a atividade, fazendo tudo certo. É
o mais adiantado de todos, lê com a maior facilidade, tem um raciocínio muito bom,
é crítico, questionador, assiste a programas variados na televisão; sabe usar o
computador; tem uma visão muito ampla sobre as coisas fora da escola; e "tem uma
riqueza de conteúdo muito grande"(sic), que está sempre mostrando para a
professora.
130

Os alunos fracos, na descrição da professora, são aqueles que solicitam


muito a sua presença; apresentam muitas dificuldades na leitura e na escrita,
encontram várias barreiras na realização das atividades e, conseqüentemente,
demoram mais para concluí-las. Eles também têm dificuldades de se concentrar na
tarefa, não prestam atenção a aula e acabam se distraindo com outras coisas não
relacionadas com a atividade que está sendo desenvolvida em sala.
A professora comenta que, em relação à distribuição física dos alunos em
sala, os dois grupos de alunos estão sentados em regiões separadas: “a metade de
lá sendo o grupo independente, e a metade de cá sendo o grupo que precisa mais
de sua atenção”(sic). Maria afirma que esta separação não foi proposital. Certo dia,
relata a professora, “tendo percebido que o desempenho de uma metade diferia da
outra”(sic) acabou por aproveitar esta disposição dos alunos para facilitar seu trabalho
de atendimento individual.
Maria relata que procedeu a um outro tipo de arranjo na distribuição dos
alunos em sala, desta vez intencional. A professora decidiu separar os alunos mais
fracos do restante da turma, colocando-os sentados em uma única fileira – aquela
que fica em frente a sua mesa. A professora acredita que deste modo seu trabalho é
facilitado pois, ela pode “passar, olhar e dar assistência a todos, num lugar só”(sic).
Além disto, a professora espera com isto poder oferecer uma assistência mais
específica e constante a estes alunos, já que ela acaba ficando quase o tempo todo
daquele lado da sala.
Entre os alunos que compõem a "fila dos mais fracos"(sic) está Ana, a aluna
considerada deficiente mental; Tânia, a aluna avaliada como tendo problema de
aprendizagem; e Regina, a aluna com deficiência auditiva grave.
Maria explica que Pedro não foi incorporado à fila porque, sendo muito alto,
pode atrapalhar a visão dos colegas menores. Além disso, segundo a professora,
Pedro não tem problemas de comportamento e faz suas tarefas sem que ela precise
ficar, por perto, controlando-o. Desse modo, Pedro permaneceu sentado onde
sempre esteve, ou seja, na última carteira da fileira rente à parede oposta àquela
onde se encontra a "fila dos mais fracos"(sic), exatamente no ponto da sala que está
mais distante da mesa da professora.
Assim como Denio é considerado o melhor aluno da sala, existe um outro
aluno – Eduardo, que a professora julga como sendo “aquele que lhe dá mais
131

trabalho” (sic). Segundo Maria, Eduardo apresenta uma série de comportamentos, em


sala, que exigem muito de sua atenção e controle. Ele foi aluno de Maria no ano
anterior e iniciou este ano pertencendo ao grupo dos alunos fracos, pois: não estava
alfabetizado, era repetente, tinha comportamentos indisciplinados, conversava fora
de fora, brigava com os colegas, queria a professora o tempo todo ao seu lado e
desafiava o controle dela.
A professora retomou seu trabalho com Eduardo, no início do ano, “achando
que poderia fazer muito por ele”(sic) e, realmente, começou a sentir que algo novo
está acontecendo com o aluno, este ano. A professora identifica o início dessa
mudança a duas semanas atrás, quando Eduardo pegou um papel e leu para ela
uma frase que continha palavras difíceis. A professora ficou muito surpresa e
comentou com o aluno que estava muito feliz por constatar que ele estava lendo
muito bem. Eduardo respondeu, sorrindo, que já lia há muito tempo. Deste dia para
cá, a professora começou a notar que Eduardo “está mais integrado na sala”(sic).
Maria percebe, aponta e comenta com entusiasmo as mudanças ocorridas no
comportamento geral de Eduardo e diz que está feliz porque acredita que está
conseguindo alcançar os objetivos estabelecidos para o aluno, no início do ano.
Eduardo que, anteriormente, era classificado como o aluno fraco, que lhe dava mais
trabalho em sala, passa a ser descrito com adjetivos semelhantes àqueles utilizados
pela professora para descrever o bom aluno: “está mais concentrado, fazendo as
coisas com muito interesse, terminando rápido e fazendo quase tudo certo”(sic). As
mudanças observadas em Eduardo revelam uma nova possibilidade do trabalho
desenvolvido, em sala, junto ao aluno com maiores dificuldades: o aluno fraco
tornando-se bom aluno.

3. DESENVOLVENDO ATIVIDADES CONFORME RESPOSTAS DOS ALUNOS

Esta categoria relaciona-se ao modo como a professora conduz as atividades


realizadas em sala de aula. DESENVOLVENDO ATIVIDADES CONFORME
RESPOSTAS DOS ALUNOS significa a possibilidade da professora realizar
mudanças em seu planejamento pedagógico, em função das respostas que os
alunos vão dando às atividades, a medida que estas vão sendo desenvolvidas em
sala.
132

As ”respostas dos alunos às atividades em desenvolvimento”(sic) são avaliadas


pela professora em função do modo e do grau de participação, envolvimento e
motivação, apresentados pelos alunos, diante da tarefa que está sendo realizada.
Como valoriza a possibilidade de operar mudanças nas atividades em
andamento, conforme as respostas dos alunos, Maria se diz incapaz de antecipar
com exatidão o que vai acontecer em determinado dia ou horário, em sua sala,
achando difícil prever as atividades da aula. Ela conta que, apesar de possuir um
caderno para registrar seu planejamento diário, muitas vezes, realiza uma atividade
ou muda algo na tarefa que “não tinha riscado”(sic) em seu caderno e “nem tinha em
mente que iria fazer” (sic).
Um dos critérios utilizados pela professora para implementar mudanças nas
atividades em andamento é a qualidade das respostas dadas pelos “alunos mais
fracos”(sic). Se, no momento em que a atividade está sendo desenvolvida, a
professora avalia como insatisfatórias estas respostas, ela acaba mudando em
função dos alunos mais fracos, tanto para efetivar a participação destes, como
para atendê-los em suas dificuldades.
O principal momento, segundo a professora, em que ela realiza alterações em
seu planejamento pedagógico, por causa das necessidades dos “alunos mais
fracos”(sic) é quando está DESENVOLVENDO ATIVIDADES CONFORME
RESPOSTAS DOS ALUNOS. Estas mudanças não são registradas e/ou planejadas
com antecedência, pelo contrário, tais adaptações ou mudanças “não estão no
papel” (sic), mas aparecem “na forma dela conduzir o plano de aula e na sua ação
com os alunos”(sic), enfatiza a professora.
De modo geral, uma tarefa é avaliada como motivadora e envolvente pela
professora, quando ela observa os alunos entusiasmando-se com a atividade,
querendo participar da mesma, e demonstrando alegria e interesse nesta
participação.

4. ATENDENDO OS ALUNOS INDIVIDUALMENTE

Esta categoria relaciona-se aos padrões de interação social estabelecidos


entre a professora e o aluno, nos momentos em que ela está atendendo-o direta e
133

individualmente. E é revelada pelo modo e freqüência com que se dá este


atendimento, seja por iniciativa da professora, ou por solicitação do aluno.
Ao longo da aula, em momentos determinados, a professora vai
assessorando o aluno, indo até a mesa dele ou chamando-o até a sua. O objetivo
é auxiliá-lo e orientá-lo no desempenho da tarefa, verificar sua produção, corrigir
seus erros e esclarecer suas dúvidas.
Estes momentos não são aleatórios e estão sempre vinculados a uma etapa
do desenvolvimento da tarefa em curso ou a momentos pré-determinados na
agenda diária da aula. Por exemplo, após a cópia do texto e da leitura em grupo, a
professora vai até ao aluno para ouvir sua leitura individualmente; ou, logo no início
da aula, após orientar os alunos para que façam a cópia de um texto, a professora
chama o aluno à sua mesa para corrigir a tarefa de casa.
Os momentos de encontro individual também são aproveitados pela
professora para estar avaliando o desempenho e a competência do aluno, tanto
em relação à sua atuação na atividade que está sendo desenvolvida, como também
para verificar o nível de competência e a qualidade de seu desempenho em relação
aos objetivos acadêmicos mais gerais, estabelecidos para aquela etapa do trabalho
com a turma.
Maria também utiliza estes momentos para estar controlando o
comportamento dos aluno, de modo a conduzi-los a agir conforme suas
expectativas, ou seja: permanecerem atentos, concentrados e envolvidos na
realização da tarefa. Ao aproximar-se do aluno, a professora verifica se ele está
realmente concentrado na realização da tarefa solicitada e não desvia sua atenção
para outros focos de interesse e nem apresenta comportamentos disciplinares
inadequados. Muitas vezes, o aluno reage rapidamente à aproximação da
professora, modificando imediatamente seu comportamento e passando a agir
conforme a maneira exigida por ela.
A professora comenta que, ao mesmo tempo em que está atendendo um
aluno, tem que estar atenta ao restante da sala, “tendo que ficar olhando para os
outros alunos, lá de trás”(sic). Procurando controlar a turma, frequentemente, Maria
tem que interromper o atendimento a um determinado aluno, para chamar a atenção
de outro; ou para verificar se aquela aluna está fazendo a tarefa solicitada; ou para
pedir silêncio para a turma, etc.
134

Para manter este controle, a professora afirma que tem que estar em
“movimento rápido durante as aulas”(sic), ou seja, o tempo todo precisa estar falando
com os alunos, andando pela sala, chamando a atenção dos alunos em voz alta,
repreendendo comportamentos, verbalizando ameaças de punições etc.
Quando estão realizando alguma atividade, vez ou outra, os alunos pedem
que a professora vá até suas mesas para atendê-los. Maria comenta que acaba
sendo solicitada o tempo todo por alguns alunos que só conseguem desempenhar
suas tarefas quando ela está ao lado deles, dirigindo-lhes toda sua atenção.
Por outro lado, segundo Maria, sua presença acaba não sendo muito
solicitada por alguns alunos. Procurando explicações para o fato, a professora
acredita que, devido a características próprias de interação social, alguns alunos não
chamam muito a professora. Em outros casos, existem aqueles alunos que
conseguem realizar a tarefa sozinhos, sem encontrar qualquer dificuldade e que,
portanto, dispensam sua ajuda. Outra explicação apontada pela professora refere-se
ao tipo de tarefa que está sendo realizada, ou seja, uma tarefa muito fácil de ser
executada, provocaria menos dificuldades ou dúvidas nos alunos,
conseqüentemente, os alunos necessitariam menos da professora.
Maria também associa à situação de não sendo muito solicitada aos
momentos em que os alunos estão trabalhando em grupo de dois ou três elementos.
A princípio, a professora justifica este fato afirmando que, quando estão em grupo,
os alunos que têm mais dificuldades ou dúvidas acabam copiando a tarefa do
caderno do colega e dispensam sua presença. Entretanto, a professora reconhece
que, em algumas ocasiões em que trabalharam em duplas, os alunos demonstraram
mais autonomia no desempenho das tarefas.
Existe ainda, um outro tipo de aluno, como é o caso de Ana, que nunca
solicita a presença da professora e permanece sentado em seu lugar sem, contudo,
realizar a tarefa pedida. Estes alunos, segundo a professora, demandam sua
assessoria constante, pois se ela “não está em cima, eles não fazem nada”(sic), se
distraem com outros assuntos ou ficam parados sem fazer nada.
135

5. CONTROLANDO OS ALUNOS

Esta categoria está relacionada ao conjunto de ações implementadas por


Maria para estabelecer e manter, dentro da sala, os padrões de interação entre
professora-aluno(s) e entre aluno(s)- aluno(s), julgados por ela como sendo os mais
adequados para favorecer a instauração da situação de ensino e aprendizagem,
naquele contexto.
Maria acredita que dois tipos de comportamentos do aluno dificultam e
comprometem a implementação do trabalho em sala: o aluno se distraindo com
assuntos não relacionados à atividade, e o aluno não prestando atenção à
professora quando ela está dando informações ou orientações. Em geral, os dois
comportamentos ocorrem associados entre si e, portanto, sempre que o aluno está
se distraindo e não prestando atenção a professora implementa ações de controle
sobre seu comportamento.
Os comportamentos de não prestar atenção e de distrair-se são as
principais queixas da professora em relação aos alunos considerados mais fracos.
Apesar de reconhecer que os outros alunos (os não fracos), vez ou outra, também
se distraem e deixam de prestar atenção, Maria avalia que é mais grave quando tais
comportamentos são apresentados pelos alunos mais fracos, já que são eles que
deveriam estar mais atentos e envolvidos na tarefa, devido as dificuldades e atraso
que apresentam.
As ações de controle implementadas pela professora variam dependendo da
incidência do comportamento inadequado apresentado pelo aluno, do grau de
inadequação desse comportamento na avaliação da professora, do tipo de reação
apresentado pelo aluno ao ser advertido, da situação interacional instalada no
contexto da sala no momento da censura e do estado de humor da professora na
hora em que está repreendendo o aluno. Estes fatores podem ocorrer
separadamente ou associados entre si, influenciando nos tipos de comportamentos
de controle manifestados pela professora.
“Virando-se para ao aluno, de vez em quando, e perguntando se ele está
vendo como está se comportando”(sic) é uma das estratégias utilizadas pela
professora para estabelecer o controle sobre a turma. Nesses momentos, quando
está refletindo com o aluno, a professora procura incentivá-lo a pensar sobre sua
136

conduta, de modo a fazer com que ele próprio conclua sobre a inadequação da
mesma e, conseqüentemente, resolva corrigi-la.
Outra estratégia de controle utilizada pela professora é “as vezes, durante o
processo que está ocorrendo, falar com os alunos sobre como eles devem se
comportar durante o trabalho”(sic). Maria explica que seu objetivo, nesse momento, é
estar instruindo o aluno, para torná-lo consciente sobre o tipo de comportamento
necessário e permitido para o desenvolvimento da tarefa em curso, para que ele
próprio possa estabelecer o controle de seus comportamentos.
Maria relata que, de modo geral, as instruções são dadas a turma, no início
de cada tarefa, em tom de voz alto, sem muito detalhamento. Para avaliar a
compreensão dos alunos, ao final das instruções dadas, a professora pergunta se
todos entenderam e, normalmente, se contenta com uma resposta afirmativa dada
pelo grupo. Quando algum aluno responde que não compreendeu as instruções
dadas, a professora repete a mesma explicação dada anteriormente.
Eventualmente, outra estratégia de controle empregada pela professora é
estar repreendendo ou advertindo o aluno sobre possíveis punições que ele
possa vir a sofrer, caso persista com o comportamento inadequado. Geralmente,
associado a esse mecanismo de censura, outro recurso de controle muito utilizado
pela professora é estar falando alto e gritando com o aluno.
Maria, usualmente, conversa com os alunos ou dá instruções sobre a tarefa
em um tom de voz alto e estridente. No momento em que está fazendo uma
advertência ou repreensão, ela eleva ainda mais seu tom de voz. Quando os alunos
estão agitados e/ou conversando muito, a professora recorre aos gritos para
restabelecer a ordem na sala. Imediatamente, os alunos param de conversar e
retornam aos seus lugares, onde permanecem retraídos e calados por algum tempo,
até que, aos poucos, voltam a conversar entre si e, eventualmente a caminhar pela
sala.
Dependendo das circunstâncias, Maria prefere estar retirando o aluno da
sala, segurando-o pelo braço ou pela mão, para conversar com ele. Do lado de fora
da sala, a professora repreende o aluno, adverte-o sobre as possíveis punições e,
ao mesmo tempo, solicita que ele reflita sobre sua atitude e passe a se comportar
adequadamente.
137

Em uma das ocasiões observadas, depois de advertir e repreender, sem


resultados, um dos meninos que ficava, o tempo todo, andando pela sala, Maria
pegou-o pelo braço e sacudindo o aluno firmemente, levou-o de volta ao seu lugar
e fez com que ele ali sentasse.

6. ALUNOS TRABALHANDO AGRUPADOS

Esta categoria revela um importante aspecto do desenvolvimento do trabalho


pedagógico, em sala de aula, que é quando os alunos se reúnem em pequenos
grupos para realizar determinada atividade. A professora refere-se a este momento
como “trabalho em grupo”(sic), sendo que, por grupo, ela entende a reunião dos
alunos em duplas ou, no máximo, em trios.
Maria relata que, ao longo deste ano, realizou duas experiências de trabalho
em grupo, na sala. Avaliando as duas experiências, ela afirma que, apesar dos
objetivos de ambas terem sido os mesmos – estimular a interação entre os alunos e
fazer com que um colega ajudasse o outro, elas foram encaminhadas de formas
distintas e propiciaram diferentes resultados.
Na opinião de Maria, a primeira experiência de trabalho em grupo não atingiu
os objetivos esperados, pois os alunos não souberam se comportar adequadamente
em grupo e, portanto, aquela não foi uma experiência significativa para eles. Já na
segunda situação, a professora comenta que surpreendeu-se com o comportamento
dos alunos que comportaram-se muito bem. Apesar de mostrar-se um tanto indecisa
ao fazer sua avaliação, Maria reconhece que a segunda situação de trabalho em
grupo foi muito proveitosa para os alunos e atingiu os objetivos propostos.
A professora aponta dois fatores para explicar os diferentes resultados
obtidos nas duas situações. O primeiro relaciona-se com o critério utilizado para
formar os grupos. Ao decidir sobre a composição dos grupos, Maria ficou atenta a
dois aspectos: agrupar os alunos para estimular a maior interação possível entre
eles e, considerando o objetivo principal do trabalho em grupo, organizar os grupos
de modo a colocar um colega colaborando com o outro.
Na primeira experiência, a professora solicitou aos alunos se reunissem com
o colega (dupla) ou colegas (trio) mais próximos. Na segunda, ela foi indicando
138

quem deveria sentar-se com quem, solicitando àqueles que já tinham terminado sua
tarefa que fossem até as mesas dos colegas retardatários para ajudá-los.
A professora acredita que, na primeira situação, o fato do “aluno estar
trabalhando com alguém com quem ele está toda hora, com quem tem mais
contato”(sic) influenciou nos resultados da atividade, pois a proximidade existente
entre os alunos favoreceu a conversa e a distração. Na segunda situação, o fato do
aluno “formar grupo com outro com quem não tem tanta conversa, tanto papão”(sic)
pode ter contribuído para diminuir a distração entre os colegas e aumentar a
concentração no momento de realizar a tarefa.
Outro elemento de diferenciação entre as duas situações foi, segundo Maria,
a forma como ela apresentou e explicou o trabalho em grupo à turma. Na primeira
ocasião, Maria relata que avisou aos alunos que eles iriam trabalhar em grupo e deu
algumas rápidas explicações sobre como deveriam proceder na nova situação de
trabalho: Cada um deveria aproximar sua carteira da carteira do colega ao lado, e
aquele que terminasse a tarefa primeiro deveria auxiliar o outro, sem, contudo fazer
a tarefa para ele. Na segunda ocasião, a professora não destacou para a turma que
eles iriam fazer trabalho em grupo; simplesmente foi apontando para este ou aquele
aluno e dizendo com quem ele deveria sentar-se, recomendando que aquele que
terminasse primeiro auxiliasse seu parceiro.
A professora acredita que, na primeira situação, os alunos ficaram excitados
com a notícia que iriam trabalhar em grupo, pois aquela era a primeira vez que
vivenciavam esse tipo de atividade. Além disto, Maria acha que “a junção das
cadeiras tornando o ambiente assim meio diferente”(sic), dentro da sala, foi um fator
relevante, pois tumultuou a usual organização dos alunos naquele espaço. Assim,
em sua opinião o trabalho em grupo acabou agitando os alunos e tumultuando a
organização da sala.
Segundo a professora, esses fatores contribuíram para que, na primeira
experiência de trabalho em grupo, os alunos se dispersassem muito e não
cumprissem a regra de ajudar o colega. Já na segunda situação, Maria relata que
surpreendeu-se com os resultados, pois os alunos se comportaram adequadamente,
ajudando uns aos outros e permanecendo concentrados na tarefa.
A professora relata, ainda, que observou alguns alunos tendo
comportamentos diferentes em grupo. Ela comenta sobre duas alunas que, em
139

geral, conversam e se distraem com frequência, durante a aula. Entretanto, quando


foram reunidas em uma dupla, observou as meninas empenhando-se na realização
da tarefa, permanecendo concentradas. Deste fato, a professora conclui que, se
para alguns o trabalho em grupo favorece a distração e a conversa, para outros,
esta situação pode provocar mudanças positivas de comportamento, levando o
aluno a se interessar e se concentrar mais na tarefa.
Maria também observou que a maioria dos alunos, quando estavam
agrupados, trabalharam de forma mais independente e que ela acabou não sendo
muito solicitada pela turma. Contudo, a professora avalia negativamente essa
autonomia dos alunos, pois acredita que tal fato ocorreu porque o “aluno mais
adiantado”(sic) fez a tarefa mais rápido e deixou que o parceiro mais lento a copiasse.
Diante disto, a professora conclui que esta forma de trabalho acabou “não tendo
sentido porque o outro (o aluno mais lento) não busca fazer sua tarefa”(sic).
Frente aos resultados observados nas duas experiências de trabalho em
grupo, a professora decidiu suspender este tipo de estratégia, evitando colocar os
alunos em grupo, pois conclui que eles ainda não estão preparados para vivenciar
esta maneira de trabalhar. Desde então, a professora tem mantido os alunos em fila
porque não encontrou ainda o momento exato em que fosse dar certo colocá-los em
grupo, ou seja, quando um não ficasse fazendo a tarefa para o outro(sic). A
professora relata que não sabe dizer, ainda, quais são os critérios que irá utilizar
para identificar a chegada do momento ideal.

7. ALUNO SENDO QUEM ENSINA

A categoria ALUNO SENDO QUEM ENSINA refere-se aos momentos em que


a professora, a fim de assessorar as crianças com mais dificuldades, busca auxílio
solicitando ajuda dos alunos que já terminaram sua atividade.
Além de utilizar esta estratégia como um meio de receber alguma ajuda em
sua tarefa de atendimento individual aos alunos mais atrasados, a professora
também aproveita a oportunidade para dar algum tipo de ocupação àqueles alunos
que são mais rápidos e eficientes na realização da atividade e que ficam
desocupados enquanto esperam pelos colegas.
140

Maria explica que nem todos os alunos que já terminaram a tarefa são
requisitados para auxiliá-la. Na verdade, a professora elege quatro, dos alunos mais
adiantados, para ajudá-la, ficam assim os alunos mais fortes ajudando os alunos
mais fracos da sala. Apesar de considerá-los, naquele momento, como seus
ajudantes, a professora não menciona isto para a turma.
Na avaliação da professora, sempre que ela utiliza essa estratégia, os
resultados são muito bons. Os alunos que terminam primeiro ficam entusiasmados
com a possibilidade de auxiliar a professora e os mais atrasados parecem apreciar a
ajuda dos colegas, pois não se recusam a recebe-la. O restante da turma,
observando que “os colegas que estão ajudando-a são aqueles que terminaram
primeiro...e são os que têm capacidade de ajudar a professora”(sic), procuram seguir
o exemplo desses que, valorizados pela professora, circulam pela sala auxiliando os
colegas.
Quando usa essa estratégia, Maria relata que fica admirada ao observar, “os
alunos se sentarem ao lado dos colegas e explicarem tudo para eles, ajudando-os
na maior responsabilidade, sem virar bagunça”(sic). Além disso, ela notou alguns
alunos interagindo melhor ao ajudar os colegas, quando assumiam a condição
de auxiliares da professora.
Apesar de, inicialmente, ter descrito o trabalho em grupo como uma situação
onde os alunos reunidos ajudam uns aos outros, a professora se questiona se a
situação de deslocar um aluno mais forte, até a mesa de outro mais fraco para
ajuda-lo, também pode ser considerada como uma situação de trabalho em grupo.
De qualquer forma, nessa nova situação, o objetivo de um aluno ajudar o colega foi
alcançado com êxito, na opinião de Maria.
A professora comenta ter se surpreendido ao observar que o aluno indicado
para ajudar o colega mais fraco estava parecendo professor e sendo respeitado
como professor, “tendo uma compreensão entre os alunos que estavam ensinando e
os que estavam aprendendo”(sic). A professora constatou “que um novo jeito de ser
é mostrado pelo aluno: ele está ali e está ensinando junto com a professora”(sic). Ela
acredita que os alunos sentem-se como professores e que ela, naquele momento,
também os vê como se assim fossem.
141

8. TENDO ANA EM SALA

Esta categoria revela os vários aspectos relacionados ao fenômeno da


presença da aluna Ana, no microssistema da sala da professora Maria. Dada a
complexidade deste fenômeno, podemos dizer que TENDO ANA EM SALA, na
realidade, é uma grande categoria que engloba categorias menores. A divisão em
categorias menores tem o propósito de facilitar a análise e permitir o maior
detalhamento e apreciação da categoria em discussão.
Dentro da sala, os momentos de Ana interagindo com os colegas podem
ser divididos em dois tipos: as interações estabelecidas naturalmente, fruto da
afinidade e proximidade de Ana com determinados colegas; e as interações
constituídas sob orientação da professora, por conta da organização da atividade
desenvolvida em sala.
Segundo Maria, ao longo das aulas, predominam o primeiro tipo de interação,
ou seja, aquela estabelecida entre Ana e os colegas mais próximos. Estes colegas
compõem, juntamente com Ana, a “fila dos mais fracos”(sic) e todos, na opinião de
Maria, apresentam comportamentos de distração e falta de concentração, durante a
maior parte do tempo das aulas.
As interações entre Ana e os colegas mais próximos são, basicamente,
conversas rápidas e/ou pequenas brincadeiras envolvendo toques de mãos e
manipulação de objetos. Fora isto, Ana olha o tempo todo em torno de si, sorri para
os colegas mais distantes com quem estabelece contatos visuais e, às vezes, tenta
se comunicar com eles por meio de gestos ou de conversas em tom de voz mais
alto.
O outro tipo de interação estabelecida entre Ana e os colegas é construída
sob orientação da professora, visando objetivos específicos. Maria solicita que um
dos “alunos mais fortes”(sic), em geral Denio, sente-se ao lado de Ana para auxiliá-la
na realização da tarefa. Em geral, a princípio Ana recusa-se a receber tal ajuda,
mudando de idéia depois que a professora intervém.
Os momentos de Ana interagindo com a professora referem-se,
basicamente, a três tipos de situações: àquelas envolvendo a participação de Ana
em atividades gerais com a turma, quando solicitada pela professora; aos momentos
em que a professora atende individualmente a aluna; e, às ocasiões em que a
142

professora procura estabelecer seu controle disciplinar sobre determinados


comportamentos da aluna.
Algumas interações professora-aluna ocorrem quando a professora solicita
que Ana participe da atividade que está sendo desenvolvida com a turma.
Geralmente, a primeira reação de Ana, a esse tipo pedido, é de recusa e, diante
disso, a professora sempre insiste, tentando convencer a aluna “que ela dá
conta”(sic). Depois de algum tempo neste jogo de insiste-recusa, na maioria das
vezes, a professora desiste, pois não consegue convencer a aluna.
Nos momentos de atendimento individual, Maria procura incentivar Ana a
realizar a tarefa, assim como também verifica e avalia seu desempenho.
Geralmente, enquanto a professora permanece ao seu lado, incentivando e
orientando a realização da tarefa, a aluna se concentra em seu trabalho. Tão logo a
professora se afasta, Ana abandona a execução da tarefa e se envolve com outros
assuntos alheios à atividade que está sendo desenvolvida.
O terceiro tipo de situação interacional ocorre quando a professora procura
estabelecer seu controle disciplinar sobre determinado comportamento da aluna,
julgado inadequado, para o momento. A abordagem da professora, nestes
momentos, varia: ela pode se aproximar e conversar com Ana, lhe explicando como
ela deve se comportar; ou pode repreendê-la por estar agindo daquela forma; ou
pode ameaçá-la com a possibilidade de punida.
Maria relata que Ana acha ruim quando é advertida e demonstra isto
“chegando até a responder para a professora”(sic) ou “fazendo gestos de desdém
diante da repreensão”(sic). A professora sente que Ana “sempre põe um obstáculo
entre elas, toda vez que tenta chamar sua atenção”(sic) e relata que percebe a
existência de um certo distanciamento entre elas, admitindo que já está se
“cansando com esta situação de chamar a atenção de Ana, a todo momento”(sic).
A professora comenta ter ficado “muito tocada”(sic) e surpresa ao constatar, via
Registro de Observação, a frequência dos momentos de Ana não prestando
atenção a aula. A professora acredita que justamente Ana e suas colegas são as
alunas que mais deveriam prestar atenção à aula, devido ao nível de dificuldades
que apresentam, entretanto, “são raros os momentos em que Ana pára e presta
atenção à aula”(sic).
143

Nos momentos em que trabalha com todos os alunos, chamando-os para


realizar alguma ação relacionada ao desenvolvimento da tarefa em desenvolvimento
na sala, Maria está sempre solicitando a participação de Ana na atividade. A
professora conta que sempre tem que insistir muito para que a aluna participe, até
convencê-la de que é capaz de desempenhar a tarefa solicitada. Aí, Ana cria
coragem e consegue executar a atividade, apesar de apresentar certas dificuldades
e necessitar da ajuda da professora.
A professora observa que tem dias em que Ana está mais calma, menos
agitada, sendo mais fácil controlar seus comportamentos de distração e conversas
paralelas. Já em outros dias, Ana está mais agitada, conversa muito, arranja motivo
para se levantar a toda hora e não atende aos pedidos da professora para prestar
atenção à aula e fazer sua atividade sem conversar.
Para a professora, Ana acaba participando das atividades em sala, se
estiver acontecendo algo que lhe chame a atenção ou lhe desperte interesse. Caso
contrário, não liga para o que está acontecendo e se distrai com outras coisas. Para
Maria, Ana não se volta muito para o que acontece na sala e se distraí com tanta
frequência porque, provavelmente, está encontrando coisas mais interessantes para
ver ou fazer, do que aquilo que está sendo trabalhado na aula
Para evitar que Ana se distraia e não se envolva na atividade, Maria está
permanentemente atenta ao que ela está fazendo, procurando controlar os
comportamentos julgados inadequados e repreendendo Ana sempre que
necessário, utilizando para isso formas variadas de repreensão.
Apesar das repreensões constantes, muitas vezes, Maria acaba tendo seu
controle desafiado por Ana que desconsidera suas repreensões ou ameaças e
continua a agir da mesma forma inadequada, fazendo gestos ou tendo expressões
faciais que demonstram tanto o seu desprezo pelas repreensões ou ameaças
recebidas, como sua insatisfação por ter sido repreendida.
As vezes, depois de uma repreensão ou ameaça feita pela professora, Ana
promete “que irá ficar quieta e boazinha na sala”(sic) e passa, o resto da aula,
perguntando para a professora como ela está se comportando, se está sendo
boazinha, se está ficando calada. Maria acha que, em algumas destas ocasiões,
Ana “avalia corretamente seu comportamento de estar conversando em sala”(sic),
pois comenta com a professora que sabe que, naquele dia, está conversando muito.
144

Na opinião da professora, Ana sabe “qual tipo de comportamento a professora


espera dela, na sala”(sic) e entende tudo o que a professora está falando, sendo
capaz de auto-controlar–se e avaliar-se. Entretanto, apesar das constantes
repreensões, Ana sempre volta a se comportar de forma inadequada, após uma
repreensão recebida, obrigando a professora a voltar e repreende-la novamente.
Maria se diz cansada com esta situação de estar o tempo todo chamando atenção
de Ana.
Apesar de pontuar que Ana tem muitas dificuldades, Maria avalia que a aluna
está tendo um bom desempenho em Matemática e em leituras. Segundo a
professora, Ana “faz as contas num instantinho”(sic) e está “indo super bem nas
provas de Matemática”(sic), só não “dando conta de resolver situações-problema
porque não dá conta de ler”(sic). Quanto à leitura, Maria conta que Ana está “dando
conta de ler de verdade”(sic), apesar de serem apenas “textos com sílabas
simples”(sic).
Maria avalia que o desempenho de Ana tem melhorado, nestes últimos
tempos. Entretanto, apesar da própria aluna reconhecer que, em algumas ocasiões,
ela está conseguindo fazer as tarefas de Matemática e sendo capaz de ler alguns
textos, ainda persistem seus comportamentos de recusa, diante das atividades. O
discurso que Ana faz sobre sua incompetência é tão veemente que, para a
professora, só falta a aluna “falar que é burra”(sic).
Para a professora, Ana está demonstrando sua auto-estima negativa,
quando se recusa a realizar a tarefa e a participar da aula, dizendo que não sabe
nada, que não vai aprender e que não dá conta. Maria acredita que Ana não presta
atenção e nem participa da aula por causa desta “auto-estima negativa”(sic) pois, se
aluna acredita que não vai conseguir aprender, conseqüentemente, também não
precisa prestar atenção na aula e nem fazer a tarefa.
Maria acha que, “quando uma pessoa põe na cabeça que é burra e que não
consegue, ela nem tenta aprender” (sic) , e nas ocasiões em que resolve se ariscar,
acaba desistindo na primeira dificuldade. Por isto, Ana acaba colocando um
obstáculo à sua aprendizagem, tendo estes sentimentos negativos em relação às
suas próprias capacidades.
Mesmo enfrentando situações em que já obteve êxitos no passado, como é o
caso de ler um texto em voz alta, Ana demonstra muita dificuldade em realizar a
145

tarefa, procurando se esquivar de todos os modos. Ela esconde o rosto entre os


braços, abaixa a cabeça sobre a mesa, encolhe-se em um canto da parede
procurando se esconder. A professora entende as constantes recusas de Ana como
uma negação da aluna em relação ao seu próprio saber. Se ela não sabe, não
precisa nem tentar.

9. TENDO PEDRO EM SALA

Maria relata que Pedro chegou a escola dois meses depois do início das
aulas, vindo de uma escola especial para deficientes mentais. Inicialmente Pedro foi
colocado em uma sala da terceira série e, duas semanas depois, foi transferido para
a sala de Maria.
A professora conta que não foi avisada sobre a vinda do aluno e relembrando
o momento de Pedro ingressando na sala, relata que o fato causou muito impacto
e despertou o maior interesse de todos, inclusive o dela própria, quando viram
“aquele tamanho de gente entrando”(sic) na sala.
Maria apresentou Pedro para a turma “dizendo que era um coleguinha novo
que ia ficar na sala”(sic) e não fez mais nenhum comentário a respeito dele. Os
alunos, por sua vez, não fizeram nenhuma pergunta relacionada à grande diferença
de idade e tamanho existente entre Pedro e o restante da turma. Hoje, ela acha que
Pedro está bem adaptado e integrado à sala.
Pedro aparece no relato da professora como um aluno que tem amizade com
todos os outros da sala, interagindo com todos os colegas, sem ser discriminado
por ninguém. Maria conta que, as vezes, é Pedro quem reclama do colega escolhido
por ela para sentar-se junto a ele. Mesmo assim, o colega acaba ficando e ninguém,
até hoje, se recusou trabalhar com Pedro.
A professora relata que o tamanho e a idade de Pedro são muito discrepantes
em relação ao resto da turma e, eventualmente, ele tem comportamentos que a
desagradam, principalmente envolvendo brincadeiras com os colegas menores,
“sendo meio bruto, porque ele é grande e os outros são pequenos, comparados com
ele”(sic). Nestes momentos, Maria acaba repreendendo Pedro oralmente,
“explicando que aquilo que ele está fazendo não está certo, que ela não está
gostando e pedindo para não fazer mais aquilo”(sic).
146

As situações de Pedro interagindo com a professora são, basicamente de


dois tipos: aquelas iniciadas por iniciativa dela ao se aproximar do aluno para dar
atendimento individual e/ou para adverti-lo sobre algum comportamento inadequado;
e aquelas desencadeadas por Pedro, ao solicitar que Maria venha até sua mesa
para corrigir sua tarefa ou para perguntar-lhe a respeito de seu futuro acadêmico.
De forma geral, as interações estabelecidas entre Pedro e Maria estão
sempre mediadas pela realização da tarefa que está sendo executada, em sala.
Maria relata que, em certas ocasiões, quando se aproxima de Pedro sem ter sido
solicitada, o aluno fica ansioso e reage como se ela fosse lhe chamar a atenção ou
adverti-lo e, por isto, começa a se defender, reclamando da suposta bronca que irá
receber da professora.
Ao comentar sobre os momentos em que está atendendo Pedro
individualmente, Maria não faz nenhum comentário sobre o desempenho e as
possíveis dificuldades do aluno que são apresentadas durante estes atendimentos.
Segundo a professora, Pedro não é um aluno que solicita muito sua presença
próxima a ele e trabalha bem sozinho.
Pedro reclama, quando a professora pede para verificar sua tarefa e fica
repetindo que sabe que ele vai errar, que a professora vai olhar seu caderno e vai
ver que ele errou. A professora conta que, nestes momentos, explica para Pedro que
ela “tem que olhar seu caderno para ver se ele fez certo, se ele aprendeu”(sic), mas
isto, em geral, não dá resultado, pois ele continua reclamando e dizendo que sabe
que vai errar.
Maria afirma que Pedro parece “ter uma auto-estima negativa, pois tem muito
medo de errar, de não conseguir fazer o certo”(sic) e está sempre na expectativa de
ser repreendido ou avaliado negativamente em seu desempenho acadêmico,
independente de ter feito ou estar fazendo algo que justifique tal repreensão ou
avaliação.
Maria avalia Pedro como tendo auto-estima negativa e acredita que ele já
tenha “vindo para sua sala com esta auto-imagem negativa formada”(sic), por conta
dos fatos que ocorreram antes e durante o ingresso do aluno em sua sala, ou seja,
ter sido colocado em uma sala de terceira série e depois de algumas semanas, ter
sido remanejado para uma sala de primeira série.
147

Apesar de ter se adaptado bem à sala, Maria relata que, desde o início, Pedro
lhe pergunta quando é que vai se promovido para a próxima série. Inicialmente, ele
“ficava perguntando quando ia para a terceira”(sic), com o transcorrer do tempo,
passou a perguntar “quando eles vão fazer prova para a segunda série”(sic). Nestes
momentos, geralmente, a professora acaba respondendo que ele vai passar de ano,
mas procura conversar com o aluno para lhe explicar “tudo direitinho”(sic), pois
reconhece que Pedro está tendo muitas expectativas em relação ao seu progresso
acadêmico.
148

SÍNTESE DO PRIMEIRO MOMENTO

IMPLEMENTANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Ao planejar as atividades a serem desenvolvidas em sala, Maria opta por


elaborar um planejamento pedagógico único para todos os alunos, porém, sempre
considerando os parâmetros do plano curricular geral, para aquela série.
Dentre as diferenças observadas em sua turma, a professora destaca as
discrepâncias entre os níveis de desempenho e de rendimento acadêmico
apresentadas por seus alunos. Na escola, considerando-se a hierarquização das
séries iniciais, a classe de Maria é tida como sendo “uma primeira série forte”(sic), isto
é, uma sala onde os alunos já estão lendo. Entretanto, a professora relata que tem
muitos alunos “fora do nível da sala”(sic), referindo-se àqueles que ainda não estão
alfabetizados e que considera como sendo “os alunos fracos”(sic) da sala. Desse
modo, tendo alunos fortes e alunos fracos em sala, Maria tem de estar, o tempo
todo, lidando com a heterogeneidade da turma.
Assim, ela afirma que procura diversificar as atividades desenvolvidas em
sala, respeitando as diferenças apresentadas pela turma, pensando nos alunos mais
fracos e nos repetentes. Entretanto, apesar de reconhecer a necessidade de atender
os alunos com maiores dificuldades e de diversificar suas aulas, relata que tem
limitado-se a trabalhar o conteúdo curricular obrigatório, não conseguindo fazer
grandes variações ou adaptações em sala e, diferente daquilo que gostaria, acaba
planejando sem atender aos “alunos mais fracos”(sic).
Maria distingue claramente os alunos fortes dos fracos e separa-os em dois
grupos, dentro da sala. Para Maria os “alunos fortes”(sic) não têm dificuldades de
aprendizagem, são mais independentes e necessitam menos de assessoria; ao
contrário dos “alunos fracos”(sic), como Ana, que encontram dificuldades na leitura e
na escrita, enfrentam barreiras para se concentrar e executar a atividade, e
necessitam de mais assessoria. A professora também considera a possibilidade do
“aluno fraco”(sic) tornar-se “bom aluno”(sic), como relata ter acontecido com Eduardo.
Inquirida sobre Pedro, a professora comenta que ele não foi incluído na “fila
dos alunos fracos”(sic) porque está indo bem, dentro do esperado, não necessitando
de sua assessoria muito próxima.
149

A professora considera difícil prever as atividades da aula, pois valoriza como


um fator positivo a possibilidade de ir desenvolvendo as atividades conforme as
respostas dos alunos. Assim sendo, afirma que modifica seu plano de aula e sua
forma de conduzir a atividade, sempre que avalia que isto é necessário para
promover o nível de participação e de motivação dos alunos. Para ela, uma tarefa é
considerada como motivadora e envolvente quando os alunos estão entusiasmados
com a atividade, querendo participar, e demonstrando alegria e interesse nesta
participação.
Para Maria, os principais momentos em que, efetivamente, pode mudar seu
planejamento pedagógico em função dos “alunos mais fracos”(sic) é quando está
desenvolvendo as atividades conforme a respostas dos alunos. Assim sendo, no
transcorrer da tarefa, ela avalia as respostas dos “alunos mais fracos”(sic) e, se julgar
necessário, muda seu planejamento de modo que melhore a participação deles e
diminuam suas dificuldades de aprendizagem. Essas modificações não são
planejadas com antecedência pela professora e irão ocorrer, segundo ela, em sua
forma de conduzir o plano de aula e sua ação junto aos alunos.
Ao longo da aula, ocorrem momentos de interação direta entre professora e
aluno, quando Maria está atendendo os alunos individualmente. Nestes momentos,
por iniciativa sua, a professora assessora o aluno na realização da atividade, ou
seja, orienta-o na execução da tarefa, verifica sua produção, corrige seus erros e
esclarece suas dúvidas. Ela também aproveita essas ocasiões para avaliar o
desempenho e competência do aluno, não só em relação àquela tarefa específica,
como também em relação aos objetivos acadêmicos mais gerais, estabelecidos para
aquela etapa do trabalho. Maria ainda utiliza os momentos de atendimento individual
para controlar o comportamento dos alunos, de modo a conduzi-los a agir de acordo
com suas expectativas.
Refletindo sobre as ocasiões em que os alunos tomam a iniciativa de
estabelecer o contato com a ela, Maria comenta que é solicitada o tempo todo por
alguns alunos que, na sua opinião, só conseguem desempenhar suas tarefas se ela
permanecer junto a eles. Contudo, reconhece que não é muito solicitada por outros
e acredita que isso possa ocorrer devido a características próprias do estilo de
interação do aluno; ou então, porque ele não tem dificuldades para realizar a tarefa;
150

ou ainda, porque talvez tenha solicitado a ajuda do colega ao lado para realizar a
atividade.
A professora acredita que uma de suas maiores dificuldades, na
implementação de sua prática pedagógica, é estar controlando os alunos, para que
esses não apresentem comportamentos inadequados que comprometam a situação
de ensino aprendizagem em sala. Assim, sempre que o aluno se distrai e não presta
atenção, Maria implementa ações de controle sobre seus comportamentos,
principalmente, se for um dos “alunos mais fracos”(sic).
As estratégias e ações de controle utilizadas por Maria variam. Ela pode, por
exemplo, refletir com o aluno e incentivá-lo a pensar sobre sua conduta, decidindo-
se por mudá-la. Em outros momentos, pode instruir o aluno sobre o tipo de
comportamento que ela espera que ele tenha. Eventualmente, a professora acaba
repreendendo ou advertindo algum aluno, ameaçando-o com punições, caso ele
persista agindo daquela forma.
Outro recurso, freqüentemente utilizado pela professora, é falar alto ou gritar
com o aluno, quando esse age de forma inadequada, durante a aula. Algumas
vezes, Maria retira o aluno da sala para terem uma conversa a sós. E, finalmente,
em certa ocasião, a professora foi observada sacudindo o aluno, fazendo com que
ele interrompesse sua ação inadequada e voltasse a sentar-se em seu próprio lugar.
Maria relata que realizou, em sala, duas experiências de alunos trabalhando
agrupados, visando estimular a interação entre os alunos e criar a situação de um
colega colaborando com o outro. Apesar dos alunos não terem se comportado da
maneira esperada na primeira vez, Maria relata que ficou surpresa ao observar que
a segunda experiência foi muito proveitosa e atingiu os objetivos propostos.
Ao buscar explicações para o fracasso da primeira experiência, a professora
avalia que a proximidade existente entre os componentes do grupo favoreceu
conversas paralelas, e a novidade de estar trabalhando em grupo, pela primeira vez,
deixou os alunos agitados. Assim, ela conclui que aquela situação de trabalho em
grupo agitou os alunos e tumultuou a organização da sala.
Já na segunda experiência, Maria relata ter observado que alguns alunos
tiveram comportamentos diferentes em grupo, interagindo adequadamente com o
colega, demonstrando interesse e concentração na tarefa. Ela também notou que,
nessa segunda ocasião, os alunos se comportaram de forma mais autônoma, não
151

sendo muito solicitada por eles. Entretanto, essa autonomia foi avaliada
negativamente pela professora, que decidiu suspender o uso dessa estratégia,
evitando colocar os alunos em grupo até encontrar o momento mais adequado para
este tipo de atividade.
A fim de receber auxílio em sua tarefa de atender individualmente os “alunos
mais fracos”(sic) e também para dar alguma ocupação àqueles que estão
desocupados, Maria solicita ajuda dos alunos que já terminaram sua atividade. Ela
explica que elege os quatro alunos mais adiantados, para auxiliá-la na tarefa de
atender aqueles que têm mais dificuldades, ou seja, a professora coloca os alunos
mais fortes ajudando os alunos mais fracos.
Na opinião da professora, a situação de aluno sendo quem ensina sempre dá
bons resultados e ela notou que alguns alunos interagem melhor ao ajudar os
colegas, assumindo realmente a condição de seus auxiliares, “parecendo um
professor e respeitado como tal”(sic), pelo colega que recebe a ajuda.
Maria comenta sobre aspectos da implementação de sua prática pedagógica
tendo Ana em sala, uma aluna com onze anos de idade, considerada deficiente
mental, que está repetindo a primeira série pela quinta vez e que, em sua opinião,
faz parte do grupo de “alunos mais fracos”.
Os momentos em que Ana interage com os colegas são de dois tipos: as
interações estabelecidas naturalmente pela aluna, fruto da afinidade e proximidade
com determinados colegas; e as interações constituídas sob orientação da
professora, quando esta organiza uma atividade. Na opinião de Maria, predomina o
primeiro tipo de interação, pois Ana está sempre conversando seus colegas mais
próximos, que, junto com ela, compõem a “fila dos mais fracos”(sic). Maria revela ter
ficado surpresa ao constatar, via Registros de Observação, que Ana e seus colegas
“mais fracos” são os alunos que mais conversam, distraindo-se com qualquer coisa
e não prestando atenção à aula.
Os momentos em que Ana interage com a professora estão relacionados,
basicamente, a três tipos de situações: àquelas que envolvem a participação de Ana
nas atividades em sala, quando é solicitada pela professora; aos momentos em que
a professora atende individualmente a aluna; e às ocasiões em que a professora
procura estabelecer seu controle disciplinar sobre determinados comportamentos da
aluna.
152

Freqüentemente, Maria solicita a participação de Ana nas atividades em


andamento na sala. Geralmente, a primeira reação de Ana, a esse pedido, é de
recusa. Diante disto, a professora sempre insiste e, às vezes, consegue convencê-la
de que ela é capaz de realizar o que está sendo pedido, e Ana arrisca uma
participação.
A professora acredita que Ana participa das atividades em sala se estiver
acontecendo algo que lhe chame a atenção ou lhe desperte o interesse. E, em sua
opinião, a aluna não se volta muito para o que acontece na sala e se distraí com
freqüência, porque está encontrando coisas mais interessantes para ver ou fazer, do
que aquilo que está sendo trabalhado na aula. Para que Ana não se distraia e se
envolva na atividade, Maria está sempre atenta a ela, procurando controlar os
comportamentos julgados inadequados e repreendendo Ana sempre que
necessário.
Muitas vezes, Maria tem seu controle desafiado por Ana, que desconsidera
suas repreensões ou ameaças e continua a agir da mesma forma inadequada,
fazendo gestos ou tendo expressões faciais, que revelam seu desprezo pelas
repreensões ou ameaças recebidas, e sua insatisfação por ter sido repreendida. Na
opinião da professora, Ana sabe qual o tipo de comportamento esperado dela,
sendo capaz de auto-controlar-se e avaliar-se.
Maria observa que o desempenho de Ana tem melhorado, nestes últimos
tempos e, apesar das dificuldades apresentadas por ela, reconhece que a aluna está
tendo um bom desempenho em Matemática e em leituras. Entretanto, ainda
persistem os comportamentos de recusa por parte da aluna, e a professora
considera que, agindo assim, Ana está demonstrando sua auto-estima negativa.
Na opinião da professora, “Ana acredita que é burra e que não consegue, por
isto, não adianta nem tentar”(sic). Possuindo sentimentos negativos em relação à sua
própria capacidade, Ana não presta atenção e nem participa da aula, colocando um
obstáculo à sua aprendizagem.
Maria comenta sobre aspectos da implementação de sua prática pedagógica
tendo Pedro em sala, um aluno com quinze anos de idade, considerado deficiente
mental, que chegou à escola dois meses depois do início das aulas, vindo de uma
escola especial e tendo ingressado em sua sala depois de ter ficado duas semanas
em uma sala de terceira série.
153

Relembrando o momento em que Pedro ingressou na sala, Maria comenta


que o fato causou muito impacto e despertou o interesse de todos, inclusive, o dela
própria, já que não foi avisada antecipadamente sobre a vinda do aluno. Contudo,
nenhum comentário sobre a grande diferença de idade e tamanho existente entre
Pedro e o restante da turma foi feito.
Maria avalia que, hoje, Pedro está bem adaptado e integrado à sala,
interagindo com todos os colegas, sem ser discriminado por ninguém.
De forma geral, as interações estabelecidas entre Pedro e Maria estão
sempre mediadas pela realização da tarefa que está sendo executada no momento.
As situações de Pedro interagindo com a professora acontecem por iniciativa desta,
que se aproxima do aluno para dar atendimento individual e/ou para adverti-lo sobre
algum comportamento inadequado; ou desencadeadas por Pedro, quando ele
solicita que Maria venha até sua mesa para corrigir sua tarefa ou, então, quando
quer fazer alguma pergunta a respeito de seu futuro acadêmico.
Maria não faz comentários sobre o desempenho de Pedro e sobre suas
dificuldades. Conta que ele não solicita muito sua presença e trabalha bem sozinho.
Comentando sobre os momentos em que está atendendo Pedro individualmente,
Maria relata que o aluno sempre fica ansioso, quando ela se aproxima dele nos
momentos de atendimento individual, perguntando-lhe se ela vai chamar sua
atenção.
A professora relata que, como o tamanho e a idade de Pedro são muito
discrepantes em relação aos outros alunos, eventualmente, ele tem comportamentos
que desagradam, principalmente, aqueles que envolvem brincadeiras com os
colegas menores. Nesses momentos, Maria repreende Pedro oralmente, explicando-
lhe que aquilo que ele está fazendo não está certo e que ele deve parar, pois ela
não está gostando.
Maria avalia que Pedro tem uma auto-estima negativa, pois ele está sempre
na expectativa de ser repreendido ou avaliado negativamente em seu desempenho
acadêmico, mesmo quando não há motivos que justifiquem tal repreensão ou
avaliação.
Apesar de ter se adaptado bem à sala, Maria reconhece que Pedro tem
muitas expectativas em relação ao seu progresso acadêmico, pois sempre lhe
pergunta quando é que vai se promovido para a próxima série.
154

CATEGORIAS REFERENTES AO SEGUNDO MOMENTO:

PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

As categorias de PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA foram reveladas


a partir dos dados referentes à discussão e análise da professora sobre sua prática
pedagógica, ou seja, a partir de informações oriundas dos momentos, dentro das
Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação, em que a professora
discute e analisa fatos ou aspectos de seu trabalho realizado dentro da sala de aula.
Enfim, PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA significa estar refletindo sobre o
sendo professora.

As categorias explicativas de PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA


são:

1. ANALISANDO SUA ATUAÇÃO EM SALA


2. REVELANDO CONCEPÇÕES
3. VIVENCIANDO EXPECTATIVAS
4. DISPONDO-SE A REALIZAR MUDANÇAS
5. NECESSITANDO DE AJUDA
6. REFLETINDO SOBRE ANA EM SALA
7. REFLETINDO SOBRE PEDRAO EM SALA.
155

CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE

PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

1. ANALISANDO SUA ATUAÇAO EM SALA

Maria, ANALISANDO SUA ATUAÇÃO EM SALA, reconhece que está dando


muita ênfase ao conteúdo obrigatório e ao controle disciplinar. Ela comenta que
fica, “quase todas as vezes, sentando-se no conteúdo que deve dar e que os alunos
têm que aprender, e também no controle da disciplina da classe”(sic). O referido
conteúdo é aquele descrito no planejamento curricular geral, que corresponde ao
nível escolar de sua turma. Além da ênfase dada ao desenvolvimento deste tipo de
conteúdo acadêmico, Maria reconhece que acaba “passando batido por muitas
coisas que poderia estar trabalhando... e conversando com os alunos, em sala”(sic).
Maria reconhece que o “conteúdo dado em sala não é novo para alguns dos
alunos”(sic) e admite que não está conseguindo diversificar as atividades, em
sala, por conta da heterogeneidade da turma. Ao mesmo tempo em que pensa que
deve procurar diversificar o conteúdo e as atividades dadas, principalmente para
melhor adequá-las às necessidades dos alunos mais fracos, fica “se perguntando se
uma atividade diferente para os alunos mais fracos não faria com que eles se
sentissem diferenciados do restante da turma” (sic).
Diante destas dúvidas, Maria opta pela solução que considera a mais cômoda
para si, ou seja, acaba padronizando e generalizando o conteúdo para todos na
classe, sem proceder à qualquer tipo de adaptação ou mudança por conta de
características individuais dos alunos. Além da dificuldade em realizar mudanças, a
professora também reconhece como “sendo mais fácil para ela mandar os alunos
lerem todos juntos, porque aí não pode perceber quem sabe ler ou quem não sabe”
(sic).

Maria acha que emprega muito de seu tempo preocupando-se em estabelecer


e manter seu controle disciplinar sobre os alunos, de modo que esses permaneçam
prestando atenção à aula e mantendo-se concentrados na execução da tarefa.
Refletindo sobre isto, a professora se diz muito insatisfeita com seu desempenho,
156

pois avalia que está falhando em seu controle sobre a turma, principalmente em
relação aos alunos mais fracos que continuam muito dispersos e desinteressados.
Procurando explicações para o fato, Maria questiona sua própria postura e se
pergunta se “a razão dos alunos se distraírem não está na atitude que ela vem tendo
em sala”(sic). Se for este o motivo, ela acha que alguma coisa deve ser feita, mas se
questiona sobre quais mudanças deve realizar para melhor adequar sua conduta e
conseguir que os alunos prestem mais atenção à aula e concentrem-se melhor em
suas tarefas.
A professora relata ter se surpreendido ao ler, no Registro de Observação,
algumas passagens onde o seu tom de voz é descrito como alto ou bem alto. A
princípio, Maria questiona a pesquisadora sobre o critério utilizado para classificar
seu tom de voz. Depois, refletindo sobre o fato, reconhece que seu tom de voz em
sala é realmente alto, mas avalia que isto é adequado e necessário devido ao
barulho existente dentro da sala. Ela afirma que precisa falar alto para que todos os
alunos possam ouvi-la e afirma que não iria gritar em uma sala que estivesse em
silêncio.
Maria aponta outro trecho do Registro de Observação que descreve que ela
sacudiu o aluno pelo braço, obrigando-o a sentar-se. Maria comenta ter se
surpreendido com seu próprio comportamento, principalmente, porque a
pesquisadora parece “ter posto ela como uma fera, na história”(sic). Entretanto, ela
afirma que isto não é verdade, pois ela não se comportou como uma fera na
situação. Depois, Maria conta que questionou-se se agir daquela forma pode ser
considerado uma coisa normal.

2. REVELANDO CONCEPÇÕES

Ao refletir sobre sua prática pedagógica, Maria vai REVELENDO


CONCEPÇÕES sobre alguns fenômenos que observa em sua sala. Desse modo,
acaba definindo bom entrosamento na aula como sendo a situação em os alunos
estão animados e participando da atividade em andamento; fazendo comentários
sobre o que está ocorrendo; perguntando e respondendo para a professora.
Em outro momento, ponderando sobre as constantes reações de recusa de
Ana frente às tarefas e às solicitações da professora, Maria acredita que a aluna
157

estabelece uma espécie de barreira entre ela e a professora, mantendo-se assim


afastada de qualquer situação de ensino aprendizagem. Na opinião da professora,
isto acontece porque Ana já se convenceu que não dá conta e que “quando uma
pessoa põe na cabeça que é burra e não consegue aprender, ela nem tenta e
desiste na primeira dificuldade”(sic). Nesse sentido, Maria acredita na afetividade do
aluno interferindo em sua aprendizagem.
A professora acha que se uma pessoa faz uma avaliação negativa sobre si
mesma e, além disto, também possui dificuldades para aprender, ela estabelece
uma baixa expectativa em relação a seu próprio desempenho e à sua competência,
desenvolvendo aquilo que a professora denomina de “auto-estima negativa”(sic). Para
Maria, a conseqüência direta da baixa expectativa e da “auto-estima negativa”(sic) é a
manifestação de comportamentos de recusa e de desistência por parte da pessoa,
quando se vê diante de situações de construção do conhecimento.
Revelando sua concepção sobre quais devem ser os objetivos da escola, a
professora comenta sobre seu trabalho junto aos alunos e afirma que, ali, também
está formando o cidadão. Considerando os objetivos da escola, Maria acredita
que cabe a escola a tarefa de ajudar a criança a se desenvolver afetivamente e
cognitivamente e que, para isto, determinados conteúdos devem ser trabalhados, em
sala, pois poderão contribuir com esta formação. Exemplificando sobre qual tipo de
conteúdo se refere, Maria comenta que “na escola o aluno pode aprender a saber
esperar, saber dividir, saber que tudo não acontece da forma como a gente
imagina”(sic).

3. VIVENCIANDO EXPECTATIVAS

Refletindo sobre o desenvolvimento de seu trabalho com sua turma, Maria se


coloca tendo expectativas em relação aos alunos. Ela afirma que estas
expectativas envolvem todos na sala e estão voltadas para a efetivação de dois
objetivos: “que todos os alunos participem da aula e que todos aprendam o conteúdo
que está sendo dado”(sic).
Maria é enfática ao descrever as metas que pretende alcançar com os “alunos
mais fracos”(sic), destacando os nomes de Ana, Eduardo, Tânia e Regina; e não
mencionando o de Pedro. Ela comenta que, em relação aos “alunos mais fracos”(sic),
158

independente de quem sejam, tem duas expectativas básicas: a primeira é que


aconteça uma maior integração entre eles e o restante da sala, de modo que “os
alunos mais fracos fiquem misturados no meio”(sic); e a segunda, é que estes alunos
aprendam, se adiantem e tentem alcançar turma. Em relação aos alunos com
deficiência mental, Maria afirma que “não está esperando que a criança com
deficiência mental supra todas suas dificuldades, mas que se sobressaia”(sic).
Maria comenta que vem sentindo-se alvo de expectativas por parte “dos
outros...do povo”(sic), em relação ao trabalho realizado com os “alunos mais
fracos”(sic). Inquirida sobre quem eram estes “outros”, Maria inclui, neste grupo, tanto
os “outros” de dentro da escola (diretora, supervisora e colegas professoras), assim
como os “outros” de fora da escola (pais dos alunos, outros professores, psicólogas,
médicos etc).
Ela relata que tem “a impressão de que esperam que ela faça um excelente
trabalho e acham que a criança vá suprir suas dificuldades, vá desenvolver-se mais
que nos anos anteriores”(sic). Maria preocupa-se com estas expectativas, pois “talvez
não consiga alcançar o que os outros querem que ela faça”(sic).

4. DISPONDO-SE A REALIZAR MUDANÇAS

A disposição da professora em realizar mudanças em sua prática pedagógica


é precedida por reflexões a respeito desta prática. Ao longo das Entrevistas
Reflexivas a partir do Registro de Observação, Maria vai, cada vez mais,
assumindo uma postura de reflexão.
Ela comenta que está “sempre se questionando”(sic) e “refletindo sobre suas
atitudes”(sic), e acredita que sempre existem coisas interessantes acontecendo em
sua sala, sobre as quais pode estar pensando. Revela que está “tentando pensar
mais a respeito dessas crianças com mais dificuldades”(sic) para poder, assim,
melhorar sua atuação prática junto a elas.
Conseqüente ao movimento reflexivo, a professora comenta que está
sentindo necessidade de mudar as coisas, em sua sala. Comentando sobre as
mudanças que gostaria de fazer, Maria relata seu desejo de realizar mudanças em
sua própria postura e ações, localizando em si própria o ponto de partida das
modificações que deseja fazer em sala. Ela acredita que pode mudar a si própria,
159

em relação ao que está observando em sua prática e acha “que já é um bom


movimento reconhecer que não está legal e que pode melhorar”(sic).
Refletindo sobre sua conduta e constatando a necessidade de realizar
mudanças em sua prática pedagógica, Maria avisa que é ela quem avalia e decide
sobre o que deve ser mudado e como isto será feito. Ela afirma que sabe que é ela,
e não a pesquisadora, quem deve decidir sobre essas mudanças.
Apesar da professora assumir uma postura de reflexão diante de sua prática
pedagógica, de sentir a necessidade de mudar e de, por fim, tomar em suas mãos a
decisão e o controle sobre estas modificações, ela chega a conclusão que está
encontrando dificuldades para efetuar mudanças.
A professora relata que está “achando muito difícil mudar”(sic) as coisas em
sala e, por causa disto, “acaba se acomodando”(sic). Entretanto, ela afirma que está
“fazendo o que pode”(sic) e acredita que não existe alguém que acerte sempre. Em
sua opinião, seria muito pior se ela olhasse para os Registros de Observação e
achasse que em sua sala está tudo normal e muito bom, que ela é uma professora
excelente e não precisa mudar em nada.

5. NESSITANDO DE AJUDA

Ao refletir sobre sua prática pedagógica e sobre as dificuldades que vem


enfrentando em seu dia a dia, a professora relata estar sentindo-se despreparada
para lidar com a situação de heterogeneidade estabelecida em sala, assim como
também para lidar com as dificuldades e limitações apresentadas por certos alunos.
Maria acredita que todo professor devia contar com algum tipo de apoio da
escola, na implementação do trabalho realizado com os alunos considerados “mais
fracos”(sic), pois só assim poderia “acelerar o aluno”(sic) e ajuda-lo a sanar certas
dificuldades.
A professora comenta que vem se “sentindo-se meio complicada”(sic) e acha
que está precisando de assessoria para fazer tudo aquilo que precisa ser feito em
sua sala. Em sua opinião, esta assessoria poderia, por exemplo, se constituir na
presença de uma pedagoga para trabalhar com Pedro.
Maria conta que já está recebendo ajuda para lidar com Regina, sua aluna
que tem deficiência auditiva. Esta ajuda veio na forma de um curso de LIBRAS
160

(Linguagem Brasileira de Sinais) oferecido pela Secretária Municipal de Educação


no qual, por iniciativa própria, a professora se inscreveu e vem freqüentando desde
o início do ano.
No curso de LIBRAS, além de aprender a língua de sinais, Maria também
recebe informações sobre os diversos aspectos característicos dos indivíduos
portadores de deficiência auditiva, o que tem lhe ajudado muito em sua interação
com Regina em sala, e na compreensão de algumas atitudes e reações da aluna.

6. REFLETINDO SOBRE ANA EM SALA

Na primeira Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação, ao


analisar o desempenho de Ana em sala, Maria afirma que gostaria de ajudar a aluna
a se desenvolver, contudo se declara um pouco desanimada em relação a isto, pois
parece que “as coisas não estão batendo assim, porque Ana não quer
aprender”(sic).
A professora reconhece que mesmo tendo expectativas em relação à Ana
ou seja, querendo que ela preste atenção e participe da aula, que se desenvolva
juntamente com os outros colegas e que avance de etapa, parece que não está
conseguindo alcançar estes objetivos.
A professora avalia que Ana faz parte do grupo de alunos que considera
como estando fora do nível da sala, porque sua classe é tida como aquela onde os
alunos já estão lendo, o que não acontece com Ana, que ainda encontra “várias
dificuldades tanto na escrita, quanto na leitura”(sic).
Comentando sobre o primeiro Registro de Observação, Maria relata que ficou
muito tocada ao ver como Ana se distraía e prestava pouca atenção na atividade
que estava sendo realizada na sala. Isto despertou seu interesse, fazendo com que
ela parasse para refletir, buscando explicações para a falta de atenção de Ana.
Maria comenta não entender porque certas coisas parecem não chamar a atenção
da aluna e questiona-se onde estará a origem deste desinteresse e falta de atenção.
Em sua conduta como professora; na própria aluna; ou no processo de
aprendizagem?
A professora questiona se razão da aluna distrair-se não estaria no tipo de
aula que ela vem dando, ou seja, sua aula não estaria sendo significante e
161

atrativa para Ana. Maria relaciona esta hipótese com o fato da aluna estar repetindo
pela quinta vez a mesma série e, certamente, já ter visto muito do conteúdo que está
sendo dado em sala. A professora reconhece que vem “dando, as vezes; coisas
repetidas para Ana”(sic) e acredita que este pode ser um dos fatores que
desestimulem sua atenção e concentração na aula.
Centrando o foco da reflexão em Ana, Maria levanta a hipótese de que a
causa de sua falta de interesse e atenção pode estar no fato da aluna estar
colocando um obstáculo à sua própria aprendizagem. Convencida de que não
sabe nada e de que não consegue aprender, Ana tem baixa expectativa em relação
ao seu desempenho e nem tenta aprender, evitando assim participar de qualquer
situação de construção de conhecimentos.
Maria também se pergunta se desatenção e desinteresse de Ana não seriam
conseqüência de sua própria dificuldade, como professora, em saber lidar com a
aluna. Ela não sabe dizer “se é capaz de ajudar Ana em suas dificuldades”(sic) e nem
consegue identificar o que está lhe faltando para poder agir adequadamente com a
aluna. No momento, Maria afirma que está sentindo-se despreparada para lidar
com Ana, não sabendo como agir e quais caminhos tomar, em sua aula “para fazer
Ana prestar atenção”(sic). Maria reconhece que, agora, não tem alternativas para
solucionar esse problema.
Maria comenta sobre o tipo de relação estabelecida entre ela e a aluna, e
sobre as mudanças que vem percebendo ocorrer nos últimos dias. No início do ano,
a professora lembra que sentia haver um certo distanciamento entre ela e aluna,
parecendo que Ana colocava um obstáculo entre elas, todas as vezes que a
professora tentava lhe chamar a atenção. A professora reconhece que, a princípio, o
vínculo entre ela e Ana “estava meio complicado”(sic) e que ela até achava que a
aluna não gostava dela, porque sempre recusava-se a fazer as coisas que a
professora lhe pedia. Entretanto, Maria comenta que tem notando mudanças neste
vínculo, desde que, há alguns dias atrás, Ana lhe entregou uma carta onde
declarava seu amor pela professora. Desde então, tem sentido que está
modificando seu vínculo com Ana.
A professora afirma que não sabe avaliar muito bem o que aconteceu, “se a
partir daquele momento, viu uma afetividade de Ana para ela”(sic) ou o que foi. Mas, o
fato é que, desse dia em diante, Maria sentiu que ela e a aluna começaram a se dar
162

melhor: ela “parando de chamar a atenção de Ana; e Ana parando de falar que não
estava nem aí para o que a professora lhe dizia”(sic).
Consultando os Registros de Observação, Maria vai distinguindo algumas
mudanças na forma usual de Ana se comportar em sala. A professora comenta que,
no primeiro Registro de Observação, observou que a aluna estava totalmente por
fora do que estava acontecendo em sala. Já no segundo Registro de Observação,
apesar da aluna ter tido alguns momentos “que parecem de recaída, voltando a
conversar em sala”(sic), de um modo geral, Ana “conseguiu se centrar mais para a
aula”(sic), e ficar mais envolvida no que estava sendo dado.
Na terceira Entrevista, a professora comenta ter percebido que Ana melhorou
seus comportamentos e passou a prestar mais atenção à aula. Analisando as
situações descritas, Maria comenta ter percebido que, em alguns momentos, Ana se
direciona mais para atividades que estão sendo desenvolvidas na sala, ficando mais
concentrada no que está acontecendo. A professora conclui sua análise afirmando
que, em sua opinião, Ana está melhorando.

7. REFLETINDO SOBRE PEDRO EM SALA

Esta categoria é uma exceção em relação às outras, pois ela se revela não
pela presença de informações que foram codificadas originando categorias e
subcategorias, mas sim, pela ausência destes dados.
É muito interessante observar que, em nenhum momento de PENSANDO
SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA, Maria reflete sobre Pedro ou sobre os aspectos
relacionados à presença do aluno em sua sala. Mesmo quando a pesquisadora
formula questões desencadeadoras mencionando o aluno ou situações onde ele
aparece, a professora não faz qualquer tipo de reflexão envolvendo-o
especificamente.
163

SÍNTESE DO SEGUNDO MOMENTO

PENSANDO SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Analisando sua atuação em sala, Maria reconhece que dá muita ênfase ao


conteúdo obrigatório e ao controle disciplinar dos alunos, deixando de desenvolver
outras atividades ou de explorar novos temas. Ela reconhece que o conteúdo
trabalhado em sala, atualmente, não é novo para alguns alunos, mas admite que
não consegue diversificar as atividades, por conta da heterogeneidade da turma.
Além disso, receia que, se modificar o conteúdo ou as atividades para,
eventualmente, adequá-los às necessidades dos alunos "mais fracos", estes acabem
sentindo-se diferenciados em relação aos outros. Assim, Maria opta pela solução
que considera a mais cômoda para si, ou seja, padroniza e generaliza o conteúdo
para todos na classe.
Maria avalia que emprega muito de seu tempo procurando estabelecer e
manter o controle disciplinar sobre os alunos, mas reconhece que, eventualmente,
falha em seu controle sobre a turma. Maria reflete sobre quais mudanças deve
implementar em sua conduta para adequá-la melhor e conseguir que os alunos
prestem mais atenção à aula e concentrem-se melhor em suas tarefas.
Revelando suas concepções sobre alguns fenômenos observados em sua
sala, Maria define bom entrosamento na aula como sendo aquela situação em que
os alunos estão animados e participam da atividade em andamento; fazendo
comentários sobre o que está ocorrendo; perguntando e respondendo para a
professora.
Na opinião da professora, a afetividade do aluno interfere em sua
aprendizagem, como no caso de Ana. Maria entende que, se a pessoa tem uma
“auto-estima negativa” e uma baixa expectativa em relação ao seu desempenho,
apresentará comportamentos de recusa e de desistência diante de situações de
construção do conhecimento. Desse modo, ao considerar os objetivos da escola,
Maria acredita que a ela cabe a tarefa de ajudar a criança a se desenvolver
afetivamente e cognitivamente e que, para isto, determinados conteúdos devem ser
164

trabalhados dentro de sala, pois estes poderão contribuir com a formação global do
cidadão.
Comentando sobre o desenvolvimento de seu trabalho, Maria avalia que está
vivenciando expectativas tanto em relação ao desempenho dos alunos, como em
relação ao seu próprio. Em relação aos alunos, ela espera alcançar dois objetivos:
que todos participem da aula e que todos aprendam o conteúdo dado.
Especificamente em relação aos “alunos mais fracos”, espera que eles se integrem
completamente ao grupo, que aprendam e que alcancem a turma. Em relação aos
alunos com deficiência mental, Maria declara que não espera que eles supram todas
suas dificuldades, mas que se sobressaiam. Sentindo-se alvo de expectativas, a
professora tem a impressão de que os outros desejam que ela faça um excelente
trabalho com os “alunos mais fracos”, de modo que estes superem suas dificuldades
e desenvolvam-se mais do que nos anos anteriores. No entanto, ela preocupa-se,
pois teme não conseguir suprir tais expectativas.
Cada vez mais, ao longo das Entrevistas, Maria assume uma postura de
reflexão, dispondo-se a realizar mudanças em sua prática pedagógica. Ela conta
que tem procurado pensar mais sobre as crianças com dificuldades, para poder
melhorar sua atuação junto a elas. Revela que sente necessidade de mudar as
"coisas" em sala e localiza, em si mesma, o ponto de partida dessas modificações.
Maria julga que é bom reconhecer que algo não "está legal" e que pode ser
melhorado, mas avisa que é ela quem avalia e decide sobre o que deve ser mudado
e de que forma fazê-lo. Contudo, relata que está encontrando dificuldades para
efetuar mudanças.
A professora afirma que está necessitando de ajuda na implementação de
sua prática pedagógica, pois sente-se despreparada para lidar com a situação de
heterogeneidade de sua sala e para trabalhar com as dificuldades e limitações
apresentadas por certos alunos. Declara precisar de assessoria e acredita que todo
professor deveria receber algum tipo de apoio da escola para trabalhar com os
alunos que tenham maiores dificuldades de aprendizagem.
Por sua própria iniciativa, Maria procurou e está recebendo ajuda para lidar
com Regina, aluna que tem deficiência auditiva. Para tanto, inscreveu-se e freqüenta
um curso de LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais) oferecido pela Secretária
Municipal de Educação.
165

Ao pensar sobre sua prática pedagógica, Maria, necessariamente, vai estar


refletindo sobre Ana em sala, pois a demanda e a preocupação despertadas nela
pela presença da aluna em sala são muito grandes.
Tendo expectativas em relação à Ana, a professora avalia que não está
conseguindo alcançar os objetivos pretendidos. Considera que Ana pertence ao
grupo dos “alunos fracos” e está fora do nível da sala, já que não está totalmente
alfabetizada e ainda encontra muitas dificuldades para ler e escrever.
Maria surpreendeu-se ao constatar, via Registro de Observação, que a aluna
se distrai muito e presta pouca atenção nas atividades. Buscando explicações esta
falta de atenção e desinteresse, a professora, inicialmente, questiona se a aula não
está sendo significante e atrativa para Ana, considerando que ela está repetindo
pela quinta vez a mesma série e, certamente, conhece muito do conteúdo dado em
sala. Por outro lado, Maria avalia que a aluna tem uma auto-estima negativa e baixa
expectativa em relação ao próprio desempenho, colocando um obstáculo à sua
própria aprendizagem, por isso, Ana evita participar de qualquer situação de
construção de conhecimentos.
Maria também se questiona se a desatenção e o desinteresse de Ana não
seriam conseqüência de sua própria dificuldade, como professora, em lidar com a
aluna. Afirma que se sente despreparada para lidar com Ana e não sabe como
proceder para despertar a atenção e o interesse da aluna pelas aulas.
A professora lembra que, no início do ano, pensava que Ana não gostava
dela, pois sentia haver um certo distanciamento entre elas, parecendo que a aluna
colocava um obstáculo entre as duas. Entretanto, comenta que tem notado
mudanças nesse vínculo, desde que, há alguns dias, Ana lhe entregou uma carta
em que declarava seu amor pela professora. Desde então, Maria tem sentido que
está modificando seu vínculo com Ana.
Consultando os Registros de Observação, Maria distingue mudanças
ocorridas nos últimos dias, na forma da aluna se comportar em sala. Ela reparou
que, dependendo do momento, Ana presta mais atenção à aula e participa melhor
das atividades. Em sua avaliação, Maria acredita que a aluna está melhorando.
Em nenhum momento, quando pensa sobre sua prática pedagógica, a
professora vai estar refletindo sobre Pedro em sala, o outro aluno com deficiência
mental inserido em sua sala.
166

CATEGORIAS REFERENTES AO TERCEIRO MOMENTO:

PARTICIPANDO DA PESQUISA

As categorias explicativas que revelam as influências e as consequências da


participação da professora no processo de pesquisa podem ser descritas segundo
três perspectivas:

I – A professora COMENTANDO O REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

II – A professora TENDO UMA PESQUISADORA EM SALA

III – A professora REFLETINDO SOBRE SUA PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE


PESQUISA

Um conjunto de categorias foi revelado dentro de cada uma destas


perspectivas:

I - A professora COMENTANDO O REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

1.1- REGISTRO DE OBSERVAÇÃO CONTENDO MUITAS INFORMAÇÕES SOBRE A


SALA

1.2–REGISTRO DE OBSERVAÇÃO SENDO REPRESENTATIVO DOS


ACONTECIMENTOS

1.3– REGISTRO DE OBSERVAÇÃO DESENCADEANDO REFLEXÕES SOBRE A SALA

1.4 – REGISTRO DE OBSERVAÇÃO DESENCADEANDO REFLEXÕES SOBRE SI


PRÓPRIA

1.5– REGISTRO DE OBSERVAÇÃO FORNECENDO NOVOS DADOS PARA AVALIAR


ALUNOS

1.6 – REGISTRO DE OBSERVAÇÃO SUSCITANDO EMOÇÕES

1.7– REGISTRO DE OBSERVAÇÃO GERANDO NOVOS CONHECIMENTOS


167

II - A professora TENDO UMA PESQUISADORA EM SALA

2.1- SENDO OBSERVADA SEM PLANEJAMENTO PRÉVIO

2.2- TENDO EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO À PRESENÇA DA PESQUISADORA

2.3- PRESENÇA DA PESQUISADORA INCOMODANDO A PROFESSORA

2.4- ALUNOS SENTINDO A PRESENÇA DA PESQUISADORA EM SALA

2.5- DEIXANDO DE INCOMODAR-SE COM A PRESENÇA DA PESQUISADORA

2.6- NÃO PERCEBENDO A PRESENÇA DA PESQUISADORA

III – A professora REFLETINDO SOBRE SUA PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE


PESQUISA

3.1- TENDO EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO À PESQUISA

3.2 – SENDO ELA QUEM AVALIA E DECIDE

3.3 – TEMENDO SER AVALIADA ATRAVÉS DO REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

3.4 - COMENTANDO SOBRE A PESQUISA


168

CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE

PROFESSORA PARTICIPANDO DA PESQUISA

I - COMENTANDO O REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

Na primeira Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação, o


Registro de Observação e vários aspectos relacionados a este instrumento foram
alvo de muitos comentários por parte da professora. Com o passar das Entrevistas e
das sessões de observação em sala, os comentários de Maria sobre o instrumento
foram diminuindo, enquanto aumentava sua facilidade e naturalidade na utilização
dos Registros de Observação como fonte de informações e de referência para suas
reflexões.

1.1.REGISTRO DE OBSERVAÇÃO CONTENDO MUITAS INFORMAÇÕES SOBRE


A SALA

A professora inicia sua fala, na primeira Entrevista Reflexiva a partir do


Registro de Observação, discorrendo sobre suas impressões a respeito do Registro
de Observação. Ao ler a primeira descrição, Maria relata que ficou admirada vendo
a quantidade de informações e detalhes registrados e “achando interessante
como a pesquisadora pegou os mínimos detalhes”(sic).

Maria foi achando muito interessante a leitura dos Registros de


Observação, pois, conforme ia lendo, lembrava-se de fatos ou situações ocorridos
em sala, que já havia esquecido. Ela ainda comenta que ficou admirada ao constatar
“que, em uma hora (de aula), acontecem muitas coisas, muitas falas e muitos
acontecimentos”(sic).

1.2. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO SENDO REPRESENTATIVO DOS


ACONTECIMENTOS
169

Apesar de reconhecer a riqueza de detalhes das descrições, em um primeiro


momento, Maria fica questionando a veracidade das informações contidas nos
Registros de Observação e conta que, ao ler as descrições, perguntou-se “se
aconteceu, realmente, o que está descrito ali”(sic). Nesse sentido, a professora
enfatiza que “a pesquisadora pôs o seu (o da pesquisadora) ponto de referência ao
descrever o que observou em sala”(sic) e que isto deve ser considerado ao analisar-
se as informações contidas nos registros.

A professora reconhece que a pesquisadora foi registrando todos os


acontecimentos ocorridos durante o período observado, inclusive captando o
sentido de suas ações.

Em várias ocasiões, durante as Entrevistas, Maria recorre ao Registro de


Observação buscando informações sobre algum fato ou situação que quer comentar
ou esclarecer. A professora relata que, ao longo das leituras dos registros, foi
reconhecendo suas ações e concordando com as informações ali contidas,
legitimando, assim, as descrições como representativas do que aconteceu, durante o
período observado.

Ao final, Maria reconhece o Registro de Observação proporcionando-lhe


uma nova visão sobre si mesma, a partir do olhar da pesquisadora.

1.3. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO DESENCADEANDO REFLEXÕES SOBRE A


SALA

Durante as leituras dos Registros de Observação, a professora não apenas


obtém novas informações sobre o contexto ambiental da sala de aula, como
também revê fatos ou situações, ali ocorridos, com maior detalhamento e destaque.

Maria reconhece que os Registros de Observação foram fazendo com que


ela parasse para pensar nos acontecimentos descritos, pois, a medida em que ia
lendo, voltava seu pensamento para a sala de aula, procurando lembrar-se dos fatos
registrados e do sentido de suas atitudes.

Além das novas informações sobre sua sala, a professora acredita que
mesmo os dados já conhecidos geram novas reflexões, quando vistos por um novo
170

ângulo. Ela observa que, estando dentro de sala, “tem uma visão diferente daquela
quando vê a classe do lado de fora, via Registro de Observação”(sic), e admite que as
leituras foram oferecendo-lhe uma “outra perspectiva de análise”(sic) daquele
ambiente, propiciando-lhe uma visão diferente dos acontecimentos vivenciados
em sala,.

1.4. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO DESENCADEANDO REFLEXÕES SOBRE SI


PRÓPRIA

Maria comenta ter achado muito interessante as leituras dos registros, “tendo
a impressão de estar vendo um filme da sala”(sic). Conta que, ao iniciar a leitura do
primeiro Registro de Observação, foi “tendo uma nova visão da atitude que tinha
tomado em sala”(sic) e passou a “se ver de uma forma bem rígida”(sic) . A princípio,
ficou assustada com isto, questionando-se se realmente tinha se comportado
daquele jeito. Entretanto, no transcorrer da leitura, foi “ficando mais calma, pois
passou a se ver de um novo aspecto”(sic) .

A professora relata que, conforme foi lendo os Registros de Observação


seguintes, pode “ver-se mais calmamente". E, a medida em que foi vendo-se nas
descrições, passou a refletir mais sobre sua forma de conduzir a aula e de se
relacionar com os alunos. Com as leituras também foi “enxergando coisas novas em
si própria”(sic), percebendo-se de outra forma.

Maria reconhece que os momentos de leitura dos registros foram importantes


para que ela estivesse refletindo sobre si própria. Conta que, nesses momentos,
questionava seu comportamento e tinha muitas dúvidas sobre suas atitudes.
Entretanto, acredita que “seria pior olhar o Registro de Observação e dizer que está
tudo normal, que está tudo bom, que não tem nada, que ela é excelente”(sic).

1.5. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO FORNECENDO NOVOS DADOS PARA


AVALIAR ALUNOS

A professora menciona que, no transcorrer das leituras dos Registros, foi


“percebendo aspectos relacionados aos alunos”(sic) que antes não havia notado e
isso contribuiu para que ela os conhecesse e avaliasse melhor. Os Registros de
171

Observação também forneceram-lhe dados para avaliar novos aspectos dos alunos.
Os novos aspectos apontados pela professora relacionam-se, principalmente, com
certos padrões de interação estabelecidos em sala e a forma com que determinados
alunos participam das atividades.

1.6. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO SUSCITANDO EMOÇÕES

A professora comenta, ao longo das Entrevistas, sobre as emoções que as


leituras dos Registros de Observação lhe despertaram, principalmente após a leitura
do primeiro Registro de Observação.

Assustando-se ao ler o primeiro Registro de Observação, ficou mais


calma, ao final da leitura, “pois passou a ver-se por um novo aspecto”(sic). Já na
segunda Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação, ela declara que
não se assustou muito com a leitura do segundo Registro.

Maria relata que, no início, achava “um horror o que via nos Registros de
Observação”(sic) e ficava “questionando-se se falou ou fez aquilo que estava
descrito”(sic) e, por isso, acabava incomodando-se com a leitura.

Ao longo das Entrevistas, a professora vai revelando outros tipos de emoções


despertadas pelas leituras dos Registros de Observação: admirando-se ao ler o
Registro de Observação ao reconhecer ali os fatos ocorridos em sala; sentindo-se
bem, ao ler “uma passagem do Registro onde é descrito um momento de bom
entrosamento entre professora e alunos”(sic); e ficando muito tocada ao ler “a
descrição do que Ana, Tânia e Regina estavam fazendo”(sic).

1.7. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO GERANDO NOVOS CONHECIMENTOS

Esta categoria evidencia a dinâmica da professora na construção de novos


conhecimentos sobre sua prática pedagógica e sobre o ambiente da sala de aula, a
partir das leituras dos Registros de Observação.

Maria comenta que por meio dos Registros, foi conhecendo “novas coisas”
sobre sua sala, em torno das quais “nunca tinha parado para pensar antes”(sic). Os
novos conhecimentos construídos pela professora, estão relacionados,
172

principalmente, à sua aluna Ana e aos padrões de interação social estabelecidos no


contexto ambiental da sala.

A professora constrói novos conhecimentos sobre Ana interagindo com os


colegas, quando, por exemplo, no primeiro Registro de Observação, relata ter ficado
admirada ao constatar o entrosamento entre Ana, Regina e Tânia, interagindo o
tempo todo entre si, alheias ao que estava acontecendo na aula.

Ao comentar sobre Ana participando da aula, Maria relata que também


percebeu, no primeiro Registro, “que são poucos os momentos em que Ana presta
atenção”(sic) na atividade, “ficando totalmente por fora do que está acontecendo na
aula”(sic). Em sua análise, Maria deduz que Ana não presta atenção à aula porque,
certamente, encontrou outras coisas mais interessantes para fazer, naquele
momento.

Com a leitura do segundo Registro de Observação, a professora observa que


Ana está mudando seus comportamentos. Inicialmente, Maria comenta sobre as
mudanças observadas nos comportamentos de Ana interagindo com as colegas
Tânia e Regina: “Não tendo mais aquela brincadeira entre Ana e Regina”(sic);
“Achando que Ana e Tânia não estão muito dispersas, nesta observação”(sic);
“Percebendo, no Registro de Observação, que as alunas e, principalmente, Ana,
mesmo tendo momentos de distração, estão mais envolvidas na aula”(sic).

Depois, a professora concentra seus comentários em Ana, apontando as


novas impressões que obteve sobre a aluna, por meio das leituras dos registros.
Comenta, por exemplo, ter surpreendido-se ao constatar que Ana, em alguns
momentos, também participa da atividade e se concentra na tarefa. Ao longo das
Entrevistas, a professora aponta outras mudanças observadas nos comportamentos
de Ana, recorrendo aos Registros de Observação para exemplifica-las.

Comentando sobre os alunos interagindo em sala, Maria observa que


alguns, geralmente “aqueles da fila dos mais fracos”(sic), são muito mencionados nos
Registros de Observação. Refletindo sobre o assunto, ela conclui que “os alunos
mais citados são aqueles que estão toda hora chamando a professora”(sic),
solicitando ajuda ou demandando atenção. Além disto, também são aqueles que
movimentam-se mais dentro da sala, fazendo com que ela tenha que chamar-lhes a
173

atenção ou repreendê-los com mais frequência, mencionando seus nomes a toda


hora.

Maria, notando que alguns alunos não são citados nos Registros de
Observação, indaga sobre o que eles estariam fazendo naquele momento. Ela
conclui que “estes alunos não estavam imóveis, por causa do movimento da sala e
do tom de sua voz, que foram descritos nos Registros de Observação”(sic). Por isso,
ela constatou “que os alunos não mencionados também estavam participando da
aula, mas não estavam tão chamativos quanto os outros”(sic).

Analisando sua maneira de estar interagindo com os alunos, Maria afirma


que, lendo os Registros, percebeu que sua atenção está mais centrada em
determinados alunos da sala, que também são aqueles mais citados nos registros:
Ana, Tânia, Pedro, Regina, Eduardo e Dione.

Além disto, a professora comenta que ficou agradavelmente surpresa ao


verificar, via Registros, que em sua sala ocorreram alguns momentos avaliados por
ela como sendo de “bom entrosamento entre professora e alunos”(sic), ou seja,
situações ocorridas em sala quando “todos os alunos estão participando da aula,
animados e querendo falar”(sic).
174

II – TENDO UMA PESQUISADORA EM SALA

TENDO UMA PESQUISADORA EM SALA engloba o conjunto de categorias


que revelam as impressões, sentimentos e reflexões da professora Maria
relacionadas ao fato de ter pessoa “estranha” dentro de sua sala de aula - a
pesquisadora, observando tudo que ali acontece, durante determinado período de
tempo.

2.1. SENDO OBSERVADA SEM PLANEJAMENTO PRÉVIO

Antes de início das sessões de observação com registro, a pesquisadora


explicou para Maria quais eram os objetivos desta estratégia, dentro do processo de
pesquisa. A professora também foi esclarecida que poderia utilizar essas sessões
em benefício próprio, dirigindo a observação da pesquisadora, por exemplo, para
algum momento da aula que fosse de seu interesse ou focalizando-a em
determinado aluno que quisesse conhecer melhor. Além disso, era ela quem deveria
determinar os dias e horários das sessões de observação.

Maria, contudo, se recusa a fazer qualquer tipo de planejamento antecipado,


“querendo que a pesquisadora observe o que está acontecendo no momento em
que chega na sala”(sic). Ela justifica tal atitude declarando que acha muito difícil
planejar, com antecedência, o que irá acontecer em suas aulas, já que na hora pode
mudar tudo o que foi combinado antes.

A professora declara que as sessões de observação podem ocorrer a


qualquer hora, pois sua aula vai transcorrer da mesma forma, estando a
pesquisadora em sua sala ou não. Diante de certa insistência por parte da
pesquisadora, a professora concorda apenas em agendar os dias e horários que as
sessões de observações serão realizadas.

2.2. TENDO EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO À PRESENÇA DA PESQUISADORA

Maria comenta que, no início das sessões de observação, teve “algumas


expectativas em relação à presença da pesquisadora, dentro de sua sala”(sic) e
admite que ficou um pouco ansiosa, “pensando se teria que mudar sua aula na hora
175

em que a ela estivesse na classe”(sic).

Entretanto, a professora esclarece que a entrada de uma observadora em sua


sala nunca levou-a a pensar que sua aula tivesse que “ser surpreendente, ser o
máximo, só porque a pesquisadora estava olhando”(sic). Ao contrário, ela sempre
procurou agir de forma norma, como faz todos os dias.

2.3. PRESENÇA DA PESQUISADORA INCOMODANDO A PROFESSORA

Ao comentar, inicialmente, sobre a presença da pesquisadora em sua sala,


Maria é enfática em dizer que isto não interfere, de forma alguma, na realização de
sua aula. Afirma que é “normal a pesquisadora ficar em sua sala”(sic) e que, durante
as sessões de observação, tudo transcorre dentro da forma habitual, como se não
tivesse ninguém diferente na sala.

Entretanto, depois de alguns encontros e das sessões iniciais de observação,


a professora muda sua fala e comenta que sentiu a “presença da pesquisadora, na
sala, incomodando um pouquinho, é lógico”(sic). Em sua opinião, esse incômodo se
originou do fato dela pensar que a presença da pesquisadora poderia chamar mais a
atenção dos alunos do que a sua. Como isso não aconteceu, a professora ficou mais
tranqüila em relação às entradas da pesquisadora em sua sala.

Maria também comenta que, logo no início das primeiras sessões de


observação, algumas vezes, ao lembrar-se que a pesquisadora estava para chegar,
ficava um pouco sobressaltada, mas que isto passava logo.

2.4. ALUNOS SENTINDO A PRESENÇA DA PESQUISADORA EM SALA

Maria comenta que, nos primeiros dias, notou que os alunos ficavam
excitados com a presença da pesquisadora, na sala. Mas, com o passar das
sessões de observação, eles foram se acostumando com isto e “não voltavam-se
tanto para a pesquisadora”(sic). A professora reconhece que “uns alunos ainda ficam
o tempo todo chamando a atenção da pesquisadora para si”(sic), mas são poucos e
não chegam a atrapalhar sua aula.

Apesar das crianças não interagirem diretamente com a pesquisadora, Maria


176

acredita que elas sentem sua presença em sala, pois nos outros dias da semana,
“ficam perguntando quando a pesquisadora vem, que dia ela não vem”(sic), dando-lhe
a impressão que gostam da presença da pesquisadora e sentem sua falta quando
ela não aparece.

2.5. DEIXANDO DE INCOMODAR-SE COM A PRESENÇA DA PESQUISADORA

De acordo com os comentários da professora, seu incômodo em relação à


presença da pesquisadora dentro da sala, foi diminuindo no transcorrer das sessões
de observações iniciais. Após a primeira sessão de observação com registro, ao ser
inquirida sobre suas impressões, a professora comenta que aquele foi um dia igual
aos outros e sequer se lembrou que a pesquisadora estava fazendo o Registro de
Observação.

Maria relata que, com o passar do tempo, foi se acostumando e deixou de se


preocupar com a vinda da pesquisadora, “não sentindo mais que ela estava
atrapalhando”(sic) e “nem ficando com o coração batendo a mil por hora, quando ela
estava na sala”(sic). Entretanto, ressalta que isso não significa que tivesse deixado de
notar sua presença, mas sim, que tal presença deixou de incomodá-la, pois ela “não
ficava tropeçando na pesquisadora, quando ela estava dentro da sala”(sic).

2.6. NÃO PERCEBENDO A PRESENÇA DA PESQUISADORA

Com o início das sessões de observação com registro, diminuem os


comentários da professora referentes à presença da pesquisadora em sua sala. Na
terceira Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação, a professora
comenta que nem percebeu a presença da pesquisadora, na última sessão de
observação.

Achando graça no episódio, Maria conta que levou um susto ao olhar para os
fundos da sala e ver a pesquisadora ali sentada. Ela relata que não tinha visto a
pesquisadora chegar e também, quando deu-se conta, ela já tinha ido embora. A
professora acredita que a presença da pesquisadora não chamou muito a sua
atenção “porque as crianças já não voltam-se tanto para ela (pesquisadora)”(sic).
177

III – REFLETINDO SOBRE A PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE PESQUISA

REFLETINDO SOBRE SUA PARTICIAPACAO NO PROCESSO DE


PESQUISA engloba o conjunto de categorias que revelam as impressões,
sentimentos e reflexões da professora relacionados ao fato de estar participando
deste processo de pesquisa.

3.1. TENDO EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO À PESQUISA

Logo na primeira reunião, Maria relata que está esperando que sua
participação na pesquisa a ajude em seu trabalho, auxiliando-a superar as
dificuldades enfrentadas em seu cotidiano, dentro de sala. Ela acredita que “suas
expectativas, em relação à pesquisa, vão ser cumpridas no decorrer de todas as
observações e de todas estas discussões”(sic).

Depois de serem iniciadas as Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de


Observação, Maria comenta que espera que sua participação no processo de
pesquisa a ajude a conseguir meios para avaliar o processo de aprendizagem de
seus alunos. Posteriormente, ela declara que sua participação na pesquisa está
“fazendo com que ela esteja avaliando o processo de aprendizagem de seus alunos,
o que está acontecendo e o que pode vir a acontecer, e o que a gente pode fazer
para melhorar este processo”(sic).

A professora também está esperando que a pesquisadora volte a escola,


depois de concluir seu estudo, para contar o que descobriu e realizar algum tipo de
trabalho de assessoria com as professoras interessadas.

3.2. SENDO ELA QUEM AVALIA E DECIDE

Maria espera que sua participação no processo de pesquisa possibilite-lhe


conhecer novos aspectos de sua prática pedagógica e de sua interação com os
alunos, porém avisa que será ela própria quem vai refletir e avaliar estes novos
dados.

A professora reconhece que a pesquisadora, por meio dos Registros de


Observação “está contando-lhe... mostrando-lhe como foi sua aula”(sic). Entretanto,
178

afirma que é ela quem vai decidir sobre o que pode ser feito para melhorar sua
atuação. Declara que está “mudando por causa da reflexão sobre si própria e sobre
as crianças, e não porque está sendo observada pela pesquisadora”(sic). Ela acredita
que será “vendo o jeito como está, o que está bom ou ruim, o que pode melhorar e o
que não pode melhorar”(sic) que conseguirá decidir sobre quais caminhos seguir.

3.3. TEMENDO SER AVALIADA ATRAVÉS DO REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

Logo na primeira Entrevista, a professora comenta ter ficado impressionada


com os eventos descritos no Registro de Observação e relata sua preocupação
sobre a possibilidade de outra pessoa ler o Registro de Observação e questionar-lhe
sobre a atitude tomada em sala e descrita no registro. Comenta que, ao terminar de
ler o primeiro Registro, ficou “perguntando-se sobre o que uma pessoa, que não
fosse ela nem a pesquisadora, iria pensar caso lesse o Registro de Observação”(sic).

3.4. COMENTANDO SOBRE A PESQUISA

Ao longo de todo processo de pesquisa, a professora relata sobre


comentários feitos por outras professoras da escola, a respeito de sua participação
no trabalho. Comenta que, na hora do recreio, eventualmente, algumas colegas
demonstram curiosidade a respeito do que ela está fazendo com a pesquisadora.
Algumas professoras acreditam que a pesquisadora está oferecendo algum tipo de
assessoria para a professora e perguntam-lhe como fazer para também conseguir
esse tipo de ajuda.
A participação de Maria no processo de pesquisa também é alvo de
comentários em outro contexto frequentado por ela. A professora relata que,
influenciada pelo exemplo da pesquisadora, tem pensado em retomar seus estudos
e fazer pós-graduação (Mestrado) e que este assunto está sendo tema frequente de
conversas com seus pais, em casa.
179

SÍNTESE DO TERCEIRO MOMENTO

PROFESSORA PARTICIPANDO DA PESQUISA

I - COMENTANDO O REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

Esta grande categoria engloba os comentários da professora a respeito dos


Registros de Observação, suas características e as repercussões de utilização deste
instrumento no processo de pesquisa.
A professora avalia o registro de observação contendo muitas informações
sobre a sala e conta que considerou muito interessante sua leitura, diante da
quantidade de informações e detalhes registrados pela pesquisadora.
Após a leitura do primeiro Registro de Observação, Maria questiona as
informações ali contidas e pondera que o instrumento, na verdade, é a descrição de
sua sala, a partir do ponto de vista da pesquisadora. Contudo, a professora avalia-o
como sendo representativo do que aconteceu em sala, pois reconhece que a
pesquisadora captou todos os acontecimentos, assim como também o sentido de
suas ações. Além disso, Maria conta que, ao ler os registros, foi reconhecendo suas
ações e concordando com as informações ali contidas. Ao final, a professora avalia
que o objetivo do Registro de Observação foi proporcionar-lhe uma nova visão sobre
si mesma, a partir do olhar de outra pessoa.
A professora conta que, no transcorrer das leituras, os Registros de
Observação foram desencadeando reflexões sobre a sala, o que fez com que ela
parasse e pensasse nos acontecimentos descritos. Além disso, comenta que os
registros descreviam fatos já conhecidos por uma outra perspectiva, e isso propiciou-
lhe uma visão diferente dos acontecimentos vivenciados em sala.
Maria comenta que os Registros de Observação também foram
desencadeando reflexões sobre si própria e, à medida que foi se vendo nas
descrições, passou a refletir mais sobre sua forma de conduzir a aula e de
relacionar-se com os alunos. Ao ler os Registros de Observação, também foi “vendo
coisas novas de si própria” e passou a se perceber de outra forma. Afirma que os
Registros de Observação serviram para que ela refletisse sobre si própria, levando-a
a questionar seus comportamentos e suas atitudes.
180

A professora comenta que as leituras dos Registros de Observação foram


suscitando-lhe emoções. Declara que ter se assustado ao ler o primeiro Registro de
Observação. Conta que foi acostumando-se com os registros seguintes, mas
reconhece que sempre incomodava-se com as leituras. Em alguns momentos,
durante as Entrevistas, Maria declara ter-se admirado ao ler certa passagem no
Registro de Observação; ou estar sentindo-se bem com descrição de determinado
acontecimento; ou, ainda, ter ficado muito tocada ao ler sobre o comportamento das
alunas.
Segundo a professora, os Registros de Observação também foram
fornecendo-lhe novos dados para avaliar os alunos em relação aos aspectos da
interação e da participação deles em sala.
No transcorrer das leituras, os Registros de Observação também foram
gerando novos conhecimentos sobre o contexto ambiental da sala de aula, para a
professora. Estes novos conhecimentos, construídos pela professora, estão
relacionados à aluna Ana (interagindo com os colegas; participando da aula; e
modificando seus comportamentos); e aos padrões de interação social estabelecidos
dentro de sala (a interação dos alunos entre si e a interação da professora com os
alunos).

II - TENDO UMA PESQUISADORA EM SALA

Esta grande categoria revela as impressões, sentimentos e reflexões da


professora relacionados ao fato dela de ter uma pessoa estranha no contexto da
sala de aula, observando tudo que ali acontece, durante determinados períodos de
tempo.
Maria recusa-se a fazer qualquer tipo de planejamento antecipado para as
sessões de observação com registro e afirma que prefere ser observada sem
planejamento prévio. Ela julga muito difícil planejar com antecedência o que irá
acontecer na aula, já que, na hora, pode mudar o que foi combinado.
Logo no início da pesquisa, Maria é enfática ao afirmar que a presença da
pesquisadora, na sala, não lhe causa nenhum incômodo. Posteriormente, ela
confessa que, ao iniciarem as sessões de observação, sentiu a presença da
pesquisadora incomodando, pois temia que ela chamasse mais a atenção dos
181

alunos do que ela própria. Maria também conta que, algumas vezes, ficou
sobressaltada ao pensar que a pesquisadora estava para chegar.
A professora relata também que, no começo, percebeu os alunos sentindo a
presença da pesquisadora. No entanto, com o passar das sessões, acredita que
eles acostumaram-se com o fato, apesar de alguns ainda tentarem chamar a
atenção da pesquisadora para si.
Ela comenta que, inicialmente, sentia expectativas em relação à presença da
pesquisadora e ficava um pouco ansiosa pensando se deveria mudar sua aula,
quando a ela estivesse na sala. Contudo, declara que nunca pensou que sua aula
tinha que ser surpreendente só porque a pesquisadora estava na sala.
A professora comenta que, com o tempo, foi acostumando-se ao fato de estar
sendo observada, deixando de incomodar-se com a presença da pesquisadora e de
se preocupar com a sua vinda, apesar de continuar notando sua presença, dentro da
sala. Acostumou-se tanto, que, certo dia, não tendo visto que a pesquisadora havia
chegado e não percebendo sua presença, levou um susto ao vê-la sentada nos
fundos da sala.

III – REFLETINDO SOBRE A PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE PESQUISA

Refere-se ao conjunto de categorias que revelam as impressões, sentimentos


e reflexões da professora relacionados ao fato de estar participando desse processo
de pesquisa.
Logo na primeira reunião com a pesquisadora, Maria revela-se tendo
expectativas em relação à pesquisa, pois espera que sua participação a ajude em
seu trabalho e que a pesquisadora volte à escola, depois de concluir seu estudo,
para contar os resultados e dar assessoria às professoras. Por fim, a professora
comenta que, com sua participação no processo de pesquisa, pretende conseguir
meios para avaliar o processo de aprendizagem de seus alunos.
Ela avalia que, ao longo do processo de pesquisa, tem percebido novos
aspectos de sua prática pedagógica e de sua interação com os alunos. Contudo,
afirma que sabe que é ela quem avalia e decide sobre o que mudar e de que forma
fazê-lo.
182

Depois de ter lido o primeiro Registro de Observação, Maria comenta sua


preocupação frente à possibilidade de outra pessoa estar lendo as descrições feitas
pela pesquisadora, temendo ser avaliada por meio do registro de observação.
Comentando sobre a pesquisa com outras pessoas, relata que tem sido alvo
de constantes perguntas e comentários por parte das outras professoras que
querem saber o que está acontecendo entre ela e a pesquisadora. Os comentários
sobre a pesquisa saem do contexto da escola, quando Maria comenta que tem
conversado muito com seus pais sobre a possibilidade de vir a fazer o curso de
mestrado, animada pelo exemplo da pesquisadora.
183

CATEGORIAS EXPLICATIVAS DO QUARTO MOMENTO:

MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O AGIR EM

SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

As categorias de MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O AGIR EM SUA


PRÁTICA PEDAGÓGICA foram reveladas a partir das informações codificadas das
duas Entrevistas Reflexivas Finais realizadas com a professora Maria.
O objetivo das Entrevistas Reflexivas Finais era investigar possíveis
mudanças ou transformações na forma da professora refletir, planejar e executar sua
prática pedagógica, ocorridas após o processo de análise reflexivo-crítica
desencadeado pelas Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação. A
professora foi devidamente esclarecida sobre os objetivos destas duas últimas
entrevistas.

As categorias reveladas foram organizadas em dois conjuntos:

(1) As mudanças percebidas, sentidas e apontadas pela própria


professora, ao longo das Entrevistas Reflexivas Finais e
(2) As mudanças identificadas pela pesquisadora, a partir da análise
dos dados das Entrevistas Reflexivas Finais.
184

As categorias de MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O AGIR EM SUA


PRÁTICA PEDAGÓGICA são as seguintes:

- MUDANÇAS APONTADAS PELA PROFESSORA -

1. RECONHECENDO ROTINA MAÇANTE NA SALA DE AULA


2. REFLETINDO SOBRE A FALTA DE DIVERSIFICAÇÃO DOS CONTEÚDOS
3. ADMITINDO SUA ACOMODAÇÃO AO IMPLEMENTAR A PRÁTICA
PEDAGÓGICA
4. RECONHECENDO A NECESSIDADE DE MUDAR
5. ACHANDO DIFÍCIL MUDAR
6. SENTINDO-SE CAPAZ DE MUDAR
7. AMPLIANDO SUA COMPREENSÃO SOBRE ANA E PEDRO
8. AVALIANDO O PROCESSO DE INSERÇÃO DE ANA E PEDRO EM SALA
9. REFLETINDO SOBRE A INSERÇÃO DE ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS
EM SALA DE AULA COMUM

- MUDANÇAS IDENTIFICADAS PELA PESQUISADORA -

1. REFLETINDO SOBRE PEDRO


2. LEVANTANDO HIPÓTESES SOBRE ANA
3. ENTENDENDO O FENÔMENO DEFICIÊNCIA MENTAL
4. DESCREVENDO O ALUNO DEFICIENTE MENTAL
5. REFLETINDO SOBRE A INSERÇÃO ESCOLAR DO DEFICIENTE
MENTAL
6. DESCREVENDO O PERFIL DO PROFESSOR DO ALUNO DEFICIENTE
MENTAL
7. REFLETINDO SOBRE EXPERIÊNCIAS ATUAIS DE INSERÇÃO
ESCOLAR DE ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS NA ESCOLA
8. PLANEJANDO MUDANÇAS NA IMPLEMENTAÇÃO DA PRÁTICA
PEDAGÓGICA
185

CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE

A PROFESSORA MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O

AGIR EM SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

- MUDANÇAS APONTADAS PELA PROFESSORA –

1. RECONHECENDO ROTINA MAÇANTE EM SALA

Maria comenta que, relendo os Registros de Observação, foi percebendo a


rotina maçante de Ana e Pedro, dentro da sala. Conta que, de repente, ficou
admirada ao constatar que estes alunos estão sempre sentados nos mesmos
lugares, do mesmo jeito, e que ela, por sua vez, permanece “exigindo as mesmas
coisas deles e passando os conteúdos da mesma forma”(sic).

A professora relata que está incomodando-se muito com a situação de


Ana e Pedro, pois “as coisas em sala estão parecendo muito maçantes para
eles”(sic). Comenta que só agora percebeu que Ana é “uma criança de onze anos
incompletos, estando há cinco anos na primeira série”(sic), e que Pedro é um
adolescente de quatorze anos de idade colocado em uma sala onde a maioria dos
alunos tem apenas oito anos.

Maria conta que, ao analisar melhor a situação de sua sala, acabou


percebendo que as aulas estão maçantes e repetitivas para todos, inclusive
para ela, que “está fazendo as mesmas coisas todos os dias”(sic). Enquanto isso, “os
alunos têm que ficar em fila, certinho, olhando para ela... sempre do mesmo
ângulo”(sic).

Ela declara que, no momento, tem pensado se não seria interessante mudar
ou variar as condições de suas aulas, pois acredita que “realmente, é muito chato ter
as coisas sempre do mesmo jeito na sala”(sic) .
186

2. REFLETINDO SOBRE A FALTA DE DIVERSIFICAÇÃO DOS CONTEÚDOS

Maria relata que, ultimamente, tem refletido mais sobre como tem
implementado sua prática pedagógica e julga que está falhando em encontrar
alternativas diferentes para desenvolver os conteúdos em sala. Entende que,
mesmo tendo um conteúdo pedagógico pré-determinado pelo planejamento geral
curricular, ela poderia “diversificar sua estratégia de aplicação”(sic). A professora
acredita que está “falhando em sua parte de procurar ou pesquisar alternativas
diferentes daquelas tradicionais, que estão sendo usadas em sala”(sic).

Além disto, reconhece que, do modo como está trabalhando atualmente, vem
desconsiderando os interesses dos alunos, ao escolher os conteúdos, “não
deixando que eles tragam coisas deles mesmos”(sic) para a aula. A professora
acredita que é “mais rico quando o tema do texto vem dos próprios alunos”, contudo,
reconhece que não tem considerado isso no momento de escolher os assuntos
trabalhados em sala.

Maria lembra que, no ano anterior, sua postura era muito diferente. Naquela
época, ela procurava trabalhar com situações novas e reveladoras para os alunos,
sempre “expondo os fatos para que a sala inteira pudesse ver como as coisas
estavam acontecendo”(sic).

3. ADMITINDO SUA ACOMODAÇÃO AO IMPLEMENTAR A PRÁTICA


PEDAGÓGICA

Maria afirma que não está gostando da forma como vem conduzindo sua
prática pedagógica este ano e sente que isto não está lhe fazendo bem,
principalmente porque “sabe que já fez muito”(sic), em outros tempos.

Reconhecendo que está muito parada e acomodada, a professora relata


que tem perguntado-se “se não tinha que ensinar algo mais do que as necessidades
dos alunos”(sic), definindo “as necessidades dos alunos” como o conjunto de
conteúdos acadêmicos considerados prioritários para aquela etapa. Além de “parada
e acomodada”, também reconhece que “tem estado muito presa ao usual, ao
rotineiro, ao de sempre”(sic).em suas aulas.

Maria acredita que essa acomodação não está restrita à sua própria sala. Em
sua opinião, a acomodação está sendo geral, dentro da escola. Ela declara que
187

as professoras têm liberdade para fazer o que quiserem dentro de suas salas, e que
“a diretora está querendo mais movimento, mais criatividade, sentindo que o povo
está muito parado”(sic). Apesar disso, na opinião de Maria, as professoras
permanecem paradas e acomodadas na escola.

A professora declara que não entende o porquê de sua acomodação, pois


esse ano, está tendo uma sala onde é possível desenvolver muitas coisas, com
uma turma “muito mais adiantada do que a do ano passado”(sic). Além disto, acredita
que, mesmo pertencendo a um bairro pobre, seus alunos podem ter um caminho
pela frente e, por isso “a sala não pode ser destruída”(sic) e ela tem “que avançar e
levar os meninos para adiante”(sic).

4. RECONHECENDO A NECESSIDADE DE MUDAR

Maria afirma que “tem uma hora que todos precisam ter um alerta: Tem que
mudar!”(sic), e que ela recebeu este alerta. Por isso, agora, entende que está
precisando mudar a mesmice da aula, pois acredita que “talvez, seja incômodo
para os alunos a repetição das coisas em sala”(sic).

A professora afirma que está tendo que mudar para atrair a atenção dos
alunos mais fracos, pois “não está vendo nenhum respaldo desses alunos diante
daquilo que ela está fazendo em sala”(sic).

5. ACHANDO DIFÍCIL MUDAR

Maria percebe que está sentindo dificuldades em implementar as


mudanças desejadas. Reconhece que elas são necessárias, mas admite que é
“mais fácil para ela chegar e elaborar sua aula sem tentar fazer algo diferente”(sic).

Ela reconhece que ainda sofre muito a influência de sua própria formação
escolar, pois surpreende-se repetindo antigas atitudes do tempo em que era aluna e
“ficava sentada, olhando para a professora, com seu livro e seu caderno na
frente”(sic). Por isso, acredita que é complicado até quando pensa sobre o que fazer,
não conseguindo decidir-se entre “mudar ou continuar no caminho tradicional em
que está”(sic).
188

A professora manifesta seu desejo de mudar, pois não gosta de algumas


atitudes suas que considera tradicionais e antigas, como por exemplo, utilizar o livro
didático ou, então, escrever textos na lousa para os alunos copiem. Entretanto, ela
reconhece que acaba sendo pressionada a permanecer no estilo tradicional de
ensino pelos próprios alunos e por seus pais, que ficam “cobrando-lhe que faça
justamente aquilo que ela gostaria de mudar”(sic).

As crianças pedem para fazer cópias no caderno, querem usar o livro


didático, insistem para que ela passe lição na lousa etc. Já os pais, querem ver o
livro didático e os cadernos com muita escrita, parecendo acreditar que a criança só
aprende quando faz o registro escrito. Cobram da professora tarefas para os alunos
fazerem em casa, mas não garantem que os seus filhos as realizem.

6. SENTINDO-SE CAPAZ DE MUDAR

Maria identifica “o novo” dando mais trabalho, mas também sendo mais
interessante. Ela acredita que levar novidades para a sala pode dar mais trabalho:
a professora gasta mais tempo; os alunos ficam mais agitados; a classe fica mais
barulhenta e isto pode incomodar as outras salas e os outros professores etc.
Entretanto, “o novo” também pode ser muito mais interessante, pois desperta o
interesse dos alunos, prende a atenção deles, faz com que queiram saber mais,
estimula seus comentários sobre o assunto, desperta a vontade deles pesquisarem
etc.

A professora explica que, considerando sua disposição atual, parece que ela
é muito parada, contudo, declara que nem sempre foi assim. Conta que, no ano
anterior, por ter tido uma turma muito fraca “teve que dar tudo de si, aproveitando
todas as coisas que eles tinham”(sic). Ela “lembra-se de ter dado uma aula
excelente”(sic), quando teve “que pesquisar sobre um assunto que não conhecia,
antes de falar para os alunos.”(sic).

Maria acredita que “o fato dos alunos não saberem nada fazia com que ela
desse mais de si”(sic). Portanto, reafirmando que já fez muito em sala e, sabendo
que pode ser mais dinâmica, acredita que este ano ainda pode mudar as coisas
com seus alunos.
189

7. AMPLIANDO SUA COMPREENSÃO SOBRE ANA E PEDRO

Maria reconhece que participar do processo de pesquisa ampliou sua


compreensão sobre seus alunos, especialmente sobre Ana e Pedro. Conta que, ao
ler os Registros de Observação, ficava “o tempo todo olhando para o que estava
acontecendo com os dois”(sic), passando a conhecê-los melhor. Ela avalia que, a
partir desse processo de conhecimento, estabeleceu um contato maior com Ana e
Pedro, “passando a se incomodar com a situação deles em sala”(sic).

A professora lembra que, até começar as leituras, achava “que Ana não tinha
nenhum interesse ou vontade de participar da aula”(sic) Porém, foi mudando sua
compreensão sobre a aluna, a medida em que os Registros foram revelando-lhe
“um maior interesse de Ana em participar das aulas”(sic). Conta que, durante as
leituras dos Registros, ficava atenta, procurando entender o que estava se
passando com a aluna e reconhece que passou a ver “em Ana um ser, uma
pessoa”(sic).

Em relação a Pedro, a professora relata que, com as leituras dos Registros,


passou “a incomodar-se com o que conheceu sobre a situação do aluno em sala”(sic)
e agora vem refletindo mais sobre ele. Ela admite que, atualmente, “está muito
mexida com essa situação”(sic).

8. AVALIANDO O PROCESSO DE INSERÇÃO DE ANA E PEDRO EM SALA

Maria comenta que, ultimamente, tem pensado muito sobre o tema da


inserção de alunos com deficiência mental em salas do ensino regular. Ela afirma
que, agora, entende que o modo como Ana e Pedro ingressaram em sua sala
dificultou muito seu trabalho com eles.

Ela relata que “não recebeu qualquer informação prévia da supervisora sobre
os novos alunos”(sic), não tendo sido preparada para a tarefa de atendê-los.
Lembra que, quando Pedro chegou em sua sala, ficou “questionando-se se iria dar
conta de trabalhar com ele, porque nunca tinha vivido uma situação daquele tipo,
antes”(sic).

Além de não ter sido preparada profissionalmente para atender esse tipo de
190

aluno, Maria acredita que Ana e Pedro estão vivendo um conflito muito grande e que
ela “não está dando conta de lidar com isso.”(sic).

Para ela, as atividades desenvolvidas, em sala, não estão tendo sentido


para Ana e Pedro, pois, muitas vezes, tem a impressão que está “falando ou
escrevendo algo que eles não estão conseguindo abstrair, que não está fazendo
sentido para eles”(sic). Além disso, avalia que os conteúdos trabalhados em sala “não
estão tendo significado algum para Ana e Pedro”(sic).

Apesar das dificuldades apontadas, Maria relata que está observando


algumas mudanças em Ana. Ela lembra que Ana, até então, nem tentava fazer as
tarefas. Mas, de uns tempos para cá, observou que ela “parece que está com mais
vontade”(sic) e, até “está dando conta de fazer algumas coisas, com muita
facilidade.”(sic). Maria admite que Ana ainda não consegue ficar quieta o tempo todo,
mas tem que reconhecer que a aluna realmente melhorou em outros aspectos.

A professora não sabe explicar a causa das mudanças apresentadas por Ana.
Refletindo sobre isto, Maria pondera se a melhora do desempenho da aluna seria
conseqüência do fato dela já ter visto, em outros anos, o conteúdo que está sendo
trabalhado em sala. Ou, então, se tais mudanças não seriam indicativas de que
“uma das alternativas utilizadas por ela esteja dando certo e por isso Ana está
caminhando bem” (sic).

A professora acha que “Ana e Pedro até podem continuar em sua sala, mas
fazendo outro tipo de trabalho”(sic). Ela acredita que os dois “necessitam ter, em sala,
alguma coisa relacionada com eles”(sic) e que, para isto, ela precisa conhecê-los
melhor. No momento, ela admite que está precisando encontrar outros meios que
garantam a aprendizagem e a participação de Ana e Pedro, em sala.

Maria enfatiza, contudo, que deve “buscar seu próprio conceito de como
trabalhar com Ana e Pedro, depois de pesquisar todas as alternativas
disponíveis”(sic). Enquanto isso não acontece, ela decidiu que Ana e Pedro vão
ficando com os alunos que não têm condições de ir em frente, “enquanto
recebem o acompanhamento fora da sala”(sic).
191

9. REFLETINDO SOBRE A INSERÇÃO DE ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS EM


SALA COMUM

Maria afirma que sempre concordou com a idéia da inserção de alunos com
deficiência mental em salas do ensino regular. No entanto, acredita que os objetivos
da escola para esses alunos devem ficar mais claros. Ela vê o atendimento escolar
oferecido a esses alunos tendo como objetivo prepará-los para enfrentar o
mundo fora da escola.

A professora conta que fica, o tempo todo, pensando no que Ana e Pedro
podem passar, fora da escola. Ela imagina “se as pessoas, fora da escola, estão
entendendo que eles fazem as coisas mais devagar”(sic) e fica “questionando-se se o
tempo que passa com eles dentro da escola, vai ajuda-los quando estiverem lá de
fora”(sic).

Em sua opinião, alunos como Ana e Pedro chegam à escola já tendo sofrido
muitas perdas e ela acredita no atendimento escolar tendo como objetivo repor
estas perdas, porém, admite que “não sabe definir como deveria ser o trabalho da
escola para repor tais perdas”(sic).

Por outro lado, Maria também acredita que “é uma perda para o aluno ficar
cinco anos em uma série e não dar conta de fazer nada, e só agora estar
começando a ler”(sic), como é o caso de Ana. Ela responsabiliza a estrutura escolar
provocando estas perdas, quando obriga um aluno a passar tanto tempo na
mesma série, sem adquirir nenhuma bagagem com isto.

A professora julga que só o conteúdo trabalhado em sala não é suficiente


para promover, adequadamente, o desenvolvimento do aluno deficiente mental,
sendo necessário um atendimento extra-classe, integrado àquilo que está sendo
trabalhado pela professora, em classe. No caso de Pedro, tal integração não ocorre,
pois não existe qualquer comunicação entre a escola regular e a escola especial
onde o aluno recebe o atendimento escolar de apoio.

Em relação à Ana, isto fica um pouco mais fácil, porque, coincidentemente, a


supervisora de Maria é também a professora especialista que atende a aluna no
serviço de apoio escolar especial que é oferecido pela escola. Essa coincidência
192

facilita a comunicação entre as duas professoras, deixando Maria melhor informada


sobre o andamento do atendimento extra-sala oferecido à Ana.

Contudo, tanto no caso de Ana como de Pedro, Maria afirma que não tem
visto o trabalho pedagógico caminhar, avaliando o atendimento extra-classe como
não dando muito resultado.
193

- MUDANÇAS IDENTIFICADAS PELA PESQUISADORA –

1. REFLETINDO SOBRE PEDRO

Esta categoria revelou-se a partir dos comentários e reflexões da professora


relacionados ao fenômeno de ter Pedro inserido em sua sala. É importante destacar
que REFLETINDO SOBRE PEDRO aconteceu, unicamente, nesses dois últimos
encontros.

Maria comenta que vem mudando seu jeito de ver Pedro, “depois que
começou a conversar sobre ele com a pesquisadora”(sic). De repente, surpreendeu-
se vendo em Pedro um adolescente de quatorze anos de idade, reconhecendo
que, para ele, a situação na escola deve estar muito complicada, pois ele, ao chegar
na escola foi matriculado na terceira série e depois, foi transferido para a primeira.

A professora lembra que “pensou mil coisas, quando recebeu Pedro em


sala”(sic), pois não teve qualquer informação prévia sobre sua vinda ou sobre sua
situação acadêmica. Além disso, ela imagina que Pedro devia estar muito abalado,
quando chegou à sua sala e que a primeira semana de aula deve ter sido muito ruim
para ele. Por isso, desde o início, ela “tentou fazer com que ele se sentisse a
vontade”(sic), pois acredita que é “horrível estar num grupo e ser rejeitado,
desrespeitado ou criticado”(sic). Além disso, ela sabia que “a forma como Pedro fosse
tratado em sala iria influenciar demais a vida dele”(sic).

No começo, Maria acreditava que teria trabalho para lidar com Pedro, mas
isso não aconteceu, pois ele nunca a incomodou. Relata que “Pedro é engraçado
porque tem comportamentos infantis para sua idade”(sic), “gostando das mesmas
atividades infantis... e tendo os mesmos pensamentos que os alunos mais novos da
sala”(sic). Ela comenta que só agora entendeu que, por causa de seus
comportamentos infantis, Pedro acaba misturando-se com os alunos mais novos
e, por isso não a incomoda dentro de sala.

Avaliando o desempenho de Pedro, a professora menciona que, hoje,


percebe que o aluno “tem uma dificuldade para aprender: sendo lento, tendo
alguma coisa na cabeça, algum tipo de bloqueio que dificulta sua aprendizagem”(sic).
194

Ela avalia que Pedro “tem uma boa coordenação motora, mas não tem raciocínio
lógico, nem compreensão sobre os comportamentos adequados para as atividades
em sala”(sic). Entretanto, Maria enfatiza que ele não tem atitude de louco e nem é
agressivo.

Levantando hipóteses para explicar as dificuldades de Pedro,


inicialmente, a professora explica que “a deficiência mental de Pedro é causada por
alguma coisa que aconteceu na formação dele, na gestação, pois ele é um rapaz
com pêlos no corpo, tem sentimentos, mas sua mentalidade é de criança... tendo
uma parte do seu cérebro que causa sua dificuldade para ser alfabetizado”(sic).
Depois, acrescenta que Pedro parece “ter uma barreira que o impede de
aprender”(sic), pois fica falando a toda hora que não dá conta e demonstra ter
vergonha de expor-se diante dos colegas.

Avaliando a interação de Pedro com os colegas, a professora acredita que


ele “não é discriminado, nem sente-se reprimido pelos colegas, como ela havia
temido que acontecesse, quando ele ingressou na sala”(sic). Pedro parece ter-se
acostumado ao ambiente da sala e demonstra estar bem integrado com os outros
alunos. Entretanto, Maria acredita que ele sente-se envergonhado por estar naquela
série.

A professora supõe que o aluno “teve um choque ao ser transferido para a


primeira série, depois de ter sido colocado na terceira.”(sic). Ela percebe que Pedro
tem expectativas quanto a avançar para a próxima etapa, pois fica o tempo todo
“perguntando quando ele vai para a segunda série”(sic). Porém, a professora avalia
que ele, ainda, “não tem condições de ir para a segunda série, porque não está
sequer alfabetizado”(sic).

2. LEVANTANDO HIPÓTESES SOBRE ANA

Inicialmente, ao levantar hipóteses para explicar as dificuldades de Ana, a


professora, pondera se a origem da deficiência mental da aluna não seria “uma
questão genética”(sic).

Em seguida, Maria menciona que “a deficiência mental de Ana é causada


porque a aluna se reprime no processo de aprendizagem”(sic), pois sua “família vive
195

dizendo que ela é burra, e que não vai aprender”(sic). Por fim, Maria afirma que “tem
uma parte do cérebro de Ana (e também de Pedro) que provoca suas dificuldades
para ser alfabetizada”(sic).

3. ENTENDENDO O FENÔMENO DEFICIÊNCIA MENTAL

Logo no primeiro encontro com a pesquisadora, Maria questiona o que vem a


ser deficiência mental e acaba citando sua própria definição para o fenômeno. Na
última entrevista, porem, ela comenta que, “pode ver um outro lado da questão e,
por isso, mudou seu conceito sobre o que é deficiência mental”(sic).

A professora relembra que, “na época em que recebeu Ana e Pedro não tinha
definido em si, o que seria um deficiente mental”(sic). Revendo sua antiga definição
de deficiência mental, Maria confessa que “achava que o indivíduo deficiente
mental era como um louco que babava, que não tinha condição nem de viver”(sic).
Hoje, entretanto, não concorda mais com isto. Ela não sabe se sua definição
presente está correta, entretanto, reconhece que “seus alunos atuais não se
encaixam mais em sua antiga definição de deficiência mental”(sic).

Construindo uma nova definição de deficiência mental, hoje, Maria


acredita que a pessoa com deficiência mental “tem dificuldades, é mais lenta para
estar adquirindo um certo conhecimento, andando mais devagar do que o
normal”(sic). Contudo, também “é uma pessoa capaz de alguma coisa, como todo
mundo, mas dentro do seu limite”(sic).

Maria conta que, após iniciar as conversas com a pesquisadora, “passou a


questionar mais a questão da deficiência mental: este aluno é deficiente mental?
Que deficiência é esta? É uma dificuldade de aprendizagem? Porque o deficiente é
mais lento? Tem alguma coisa em sala que dificulta a aprender?”(sic). Contudo, se
avalia sabendo pouco sobre deficiência mental, pois não está conseguindo
responder suas perguntas.

A professora busca esclarecimentos para suas dúvidas e, questionando a


origem da deficiência mental, levanta suas duas hipóteses para o fenômeno. Ela
considera que “a origem da deficiência mental pode ser uma questão genética ou
então devido a alguma coisa que ocorre dentro de casa”(sic). Pensando na primeira
196

hipótese, Maria acredita que a deficiência mental “pode ocorrer devido a uma
constituição genética quando, por causa de algum problema ocorrido durante o parto
ou a gestação, a criança nasce com certa deficiência ou dificuldade”(sic). Ou então,
considerando a segunda explicação, ela pensa que “a causa da deficiência mental
pode estar no fato da família ter colocado algum obstáculo para o progresso da
criança”, ou então, “porque a própria criança se reprime neste progresso”(sic).

4. DESCREVENDO O ALUNO DEFICIENTE MENTAL

Utilizando seus próprios alunos como referência, Maria reflete sobre quem é o
aluno com deficiência mental. Ela afirma que vê, agora, o aluno com deficiência
mental conseguindo aprender, apesar de ser mais lento nesta aprendizagem.

Ela pondera que, como no caso de Ana e Pedro, esses alunos “não têm
dificuldades em atividades físicas ou de coordenação motora”(sic), contudo, parecem
ter “uma parte do cérebro que causa a dificuldade para serem alfabetizados”(sic).
Além disso, apresentam comportamentos infantilizados e não conseguem aprender
certas coisas, parecendo ter um atraso no desenvolvimento global.

Além das dificuldades inerentes ao atraso no desenvolvimento global, Maria


observa que esses alunos têm outro fator limitante em seu processo de
aprendizagem. Tendo muito medo de errar, Ana e Pedro “estão sempre dizendo
que não vão fazer a atividade porque vão errar”(sic). Na opinião de Maria, estes
alunos possuem este tipo de limite, ou seja, mesmo quando são capazes de realizar
com êxito a tarefa, muitas vezes não o fazem por medo de errar.

Maria afirma que, hoje, entende que o aluno “deficiente mental não é um
doido, não é um louco e nem é um ser que baba”(sic). Reconhecendo a
possibilidade de aprendizagem do deficiente mental, Maria acredita que ele “é
uma pessoa que tem mais dificuldades, que é mais lenta para estar adquirindo certo
conhecimento, andando mais devagar do que o normal”(sic). Entretanto, ela entende
que esta pessoa “é capaz de alguma coisa, como todo mundo, mas dentro de seu
limite”(sic).
197

5. REFLETINDO SOBRE A INSERÇÃO ESCOLAR DO DEFICIENTE MENTAL

Maria revela que, antes do processo de pesquisa, “não pensava muito sobre a
situação do deficiente mental inserido na escola comum”(sic), e confessa que
acreditava que inserir esse tipo de aluno na escola “era uma coisa fora do normal”.
Contudo, depois de participar das reuniões com a pesquisadora, admite que está
mudando sua forma de entender a inserção escolar do deficiente mental.

Hoje, a professora reconhece que suas idéias anteriores estavam erradas,


pois está vendo na prática que esses alunos podem aprender, “que eles têm
muita capacidade”(sic) e, por isso, eles “têm que estar convivendo no meio comum,
independente do grau de deficiência que possuem, mesmo sendo grave ou
gravíssima”(sic).

Maria relata que, antes, não entendia muito bem porque esse aluno estava na
escola, mas agora, está conseguindo identificar (com mais clareza) os objetivos
do atendimento escolar oferecido ao aluno com deficiência mental. Em sua
opinião, o trabalho dentro de sala, deve promover o desenvolvimento e o progresso
desse aluno, aumentando sua independência, sua iniciativa, e sua confiança em sua
própria capacidade de realizar as coisas.

6. DESCREVENDO O PERFIL DO PROFESSOR DO ALUNO DEFICIENTE


MENTAL

Maria acredita que todos que atendem o aluno deficiente mental, na escola,
devem saber como realizar este trabalho, principalmente o professor ou
professora do ensino regular que irá receber este aluno em sua sala.

Para ela, esse professor deve saber trabalhar a individualidade desse


aluno, inserido no todo, integrando o atendimento individual no coletivo. Ressalta
que também é muito importante o professor acreditar que este aluno pode
aprender e jamais abandoná-lo ou desistir dele.

Pelo contrário, Maria acredita que esse professor deve procurar


compreender melhor as limitações e o tipo de deficiência mental desse aluno
para, assim, poder trabalhar mais adequadamente com ele. Além disso, entende que
198

o professor deve incentivar seu aluno, insistindo para que ele tente fazer sozinho e
do seu próprio jeito a atividade solicitada, incentivando-o sempre, pois “o incentivo
do professor é muito importante para os alunos”(sic).

Por fim, Maria acredita que o professor estar comunicando-se com o aluno,
durante o processo de aprendizagem, pois esta comunicação “é necessária para
que ele aprenda”(sic). Em sua opinião, o “aluno fica perdido quando o professor não
dá conta de transmitir o significado de sua fala”(sic) e, esta comunicação só passa a
ocorrer, na hora em que esta fala adquire um significado para ambos, ou seja,
quando um entende o que o outro falou.

7. REFLETINDO SOBRE EXPERIÊNCIAS ATUAIS DE INSERÇÃO ESCOLAR DE


ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS NA ESCOLA

Refletindo sobre as atuais experiências de inserção escolar de alunos


deficientes mentais em sua escola, Maria acredita que muitos fatores devem ser
considerados “para tornar a educação destes alunos perfeita”(sic).

A professora questiona-se “se existe apenas um caminho a ser seguido para


resolver os problemas relacionados à situação do aluno deficiente mental na escola
comum”(sic), ou, se ao contrário disso, é preciso estar considerando todas as
alternativas disponíveis para viabilizar o processo de inserção. Na opinião de
Maria, conhecer as teorias disponíveis sobre o assunto até pode ajudar a professora,
mas não resolve seus problemas de ordem prática, que são inerentes e específicos
do contexto educacional de sua sala de aula.

Ela avalia a escola estando, no momento, despreparada para


implementar adequadamente o processo de inserção escolar do aluno deficiente
mental. Ela observa que, dentro da escola, “ninguém sabe dizer, ao certo, porque
este aluno está ali”(sic) e acredita que está faltando conhecimentos para todos
aqueles envolvidos com esse atendimento, “sobre quem é este individuo deficiente
mental, como ele está, do que se trata esta deficiência”(sic).

Para a professora, a escola deveria fazer um trabalho mais voltado para estes
alunos, preparando-os “para enfrentar o mundo fora do contexto escolar”(sic).
Todavia, analisando as atuais experiências em andamento, vê a escola
199

fracassando em seu objetivo de preparar o aluno deficiente mental para sua


inserção fora do contexto escolar.

Maria comenta que as professoras do ensino regular que receberam esses


alunos em sala, não estão sendo preparadas adequadamente para realizar esse
atendimento. Ela também acredita que “é muito complexo para a professora
trabalhar aquele individual do indivíduo... porque na sala tem outras trinta
crianças”(sic).

A professora acredita que é muito importante que o aluno deficiente mental


receba o apoio escolar fora da sala de aula, pois isso poderá ajudá-lo a desenvolver-
se melhor. No entanto, ela tem observado que este atendimento educacional
especial acaba estigmatizando o aluno que dele participa. Ela já percebeu que,
quando uma criança é encaminhada para esse tipo de serviço, dentro ou fora da
escola, toda a comunidade escolar passa a vê-la como diferente, subentendendo
que o aluno tem algum problema ou alguma coisas errada.

Além disto, Maria avalia que está faltando integração entre os


atendimentos oferecidos ao aluno deficiente mental, pois não existe um efetivo
canal de comunicação entre a professora regente e a professora do serviço de apoio
escolar que é oferecido pela própria escola; e nem entre a escola regular e a escola
especial onde algumas crianças são atendidas.

8. PLANEJANDO MUDANÇAS NA IMPLEMENTAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Maria comenta que as Entrevistas e as leituras dos Registros de Observação,


de uma forma geral, fizeram com que ela refletisse sobre sua prática pedagógica
como um todo. No entanto, reconhece que, aos poucos, foi “sendo cutucada e
ficando mexida pela preocupação e interesse despertados por Pedro e Ana”(sic). Por
conta isso, atualmente, está mudando seu planejamento geral em função destes
alunos.

A professora admite que a presença dos dois alunos, em sala, está “passando
a interferir na escolha dos conteúdos e das estratégias de suas aulas”(sic). Antes, ela
“elaborava um plano geral e atendia as individualidades”(sic) Agora, vem tentando
pensar um alguma coisa diferente para Ana e Pedro e procura observar “se a
200

atividade escolhida é boa para estar trabalhando com eles, se será interessante, se
vai despertar-lhes o interesse, se eles vão conseguir realizá-la.”(sic)

A professora conta está prestando mais atenção em Pedro e Ana, procurando


observar tudo o que se passa com eles; vendo o que eles estão fazendo;
observando suas reações durante as aulas; avaliando a participação e o
envolvimento deles nas atividades; verificando o que está faltando.
Consequentemente, está pensando em outras alternativas para trabalhar com Ana
e Pedro, buscando novos meios para chamar-lhes a atenção e promover a
participação e o aprendizado deles.

Maria reconhece que está sendo difícil trabalhar o individual dentro do


coletivo, ou seja, “fazer um trabalho individual e diferenciado com o aluno deficiente
mental, ao mesmo tempo em que está fazendo um trabalho integral com ele na
sala”(sic). Para ela, “atender às individualidades" significa assessorar,
individualmente, os alunos que não estão conseguindo fazer sozinhos as atividades.

A professora admite ter muitas dificuldades e limitações para realizar esse


“atendimento individualizado dentro do coletivo”(sic), pois, “tem uma sala inteira
esperando por ela, além de Pedro e Ana”(sic) e ela “não está ali para dar assistência
exclusiva para os dois”(sic). Além disso, acredita que o trabalho com Ana e Pedro só
poderá dar bons resultados se eles tiverem um bom atendimento de apoio, fora da
sala de aula. Maria também comenta que antes, acreditava que “todos os alunos
tinham que acompanhar igualmente a aula”(sic). Hoje, ela mudou de opinião e afirma
que está respeitando o ritmo do aluno, entendendo que, as vezes, o progresso
dele pode ser mais devagar que o dos outros.

Estabelecendo novos objetivos para o trabalho com Ana e Pedro, Maria


conta que em seu trabalho, de agora em diante, vai procurar desenvolver a iniciativa
e a independência destes alunos, tornando-os mais seguros daquilo que podem e
dão conta de fazer. Ela quer que Ana e Pedro tentem fazer sozinhos as atividades,
que insistam e continuem tentando até conseguir atingir o objetivo, tornando-se cada
vez menos dependente de sua assistência.
201

SÍNTESE DO QUARTO MOMENTO

MODIFICANDO O PENSAR SOBRE O AGIR EM SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA

- MUDANÇAS APONTADAS PELA PROFESSORA –

Maria comenta que, a princípio, ao ler os Registros de Observação,


percebeu a rotina maçante de Ana e Pedro em sala e passou a incomodar-se muito
com a situação desses alunos. Depois, analisando bem a situação, compreendeu
que as aulas estavam monótonas e repetitivas para todos e acabou reconhecendo a
rotina maçante em sala.
A professora, refletindo sobre a falta de diversificação dos conteúdos
trabalhados em sala, acredita que está falhando em encontrar alternativas diferentes
para desenvolvê-los. Além disso, reconhece que vem desconsiderando os interesses
dos alunos, no momento em que escolhe esses conteúdos.
Maria declara que não está sentindo-se bem, por causa da forma como vem
conduzindo sua prática pedagógica, este ano. Reconhece que está muito parada e
vem acomodando-se às necessidades básicas dos alunos.
Admitindo sua acomodação ao implementar a prática pedagógica, Maria
acredita que tal acomodação está sendo geral na escola, apesar das professoras
terem liberdade para fazer o que quiserem e da diretora solicitar mais movimento e
criatividade. Contudo, ela reconhece que tem uma sala onde é possível desenvolver
muitas "coisas" e que seus os alunos podem ter um caminho pela frente, sendo
necessário que ela avance para levá-los adiante.
Declara que, agora, está reconhecendo a necessidade de mudar a mesmice
da aula, principalmente, para atrair a atenção dos “alunos mais fracos”, pois não está
vendo resultados no trabalho realizado com eles.
Entretanto, Maria está achando difícil mudar. Embora admita que as
mudanças sejam necessárias, sente dificuldades em implementá-las, pois reconhece
que ainda sofre a influência de sua própria formação escolar e vê-se repetindo
atitudes tradicionais e antigas. Relata que, quando tenta mudar algumas dessas
202

atitudes que a desagradam, é pressionada a permanecer no estilo tradicional de


ensino pelos próprios alunos e seus pais.
A professora considera que implementar “o novo” dá mais trabalho, mas
também é mais interessante, pois desperta e estimula o interesse dos alunos. Ela
enfatiza que nem sempre foi acomodada como está e, sabendo que pode ser mais
dinâmica, afirma que vem sentindo-se capaz de mudar.
Maria conta que, ao participar do processo de pesquisa, foi conhecendo
melhor seus alunos e, em especial, ampliando sua compreensão sobre Ana e Pedro.
Lendo os Registros de Observação, mudou sua compreensão sobre a Ana,
constatando que a aluna também tinha momentos de interesse pelas aulas. Atenta
às descrições, procurava entender o que se passava com Ana, perguntando-se
como iria trabalhar com a aluna, dali em diante.
Em relação a Pedro, reconhece que, ao longo das leituras, foi refletindo mais
sobre ele, passando a incomodar-se com a situação dele, em sala.
Avaliando o processo de inserção de Ana e Pedro, Maria lembra que não
recebeu qualquer informação prévia sobre esses alunos, nem foi preparada para a
tarefa de atendê-los; e acredita que estes fatores dificultaram seu trabalho. Julga
que esses alunos vivem um conflito muito grande e ela não se sente apta para lidar
com isso. Considera as atividades desenvolvidas, em sala, sem sentido para Ana e
Pedro, pois, muitas vezes, parece que ela está falando ou escrevendo algo que eles
não conseguem abstrair ou que não tem significado para eles.
Entretanto, em relação à Ana, de uns tempos para cá, Maria vem
observando algumas mudanças. A aluna parece estar com mais vontade e até vem
conseguindo executar algumas tarefas com muita facilidade.
A professora acredita que Ana e Pedro podem continuar inseridos em sua
sala, mas fazendo outro tipo de trabalho, algo que seja mais relacionado a eles. Por
isso, avalia que precisa encontrar outros meios que garantam a aprendizagem e a
participação desses alunos em sala. Até encontrar suas próprias alternativas, decidiu
que Ana e Pedro vão ficando com os alunos que não têm condições de ir em frente,
mas recebendo o atendimento de apoio fora da sala.
Atualmente, refletindo sobre a inserção de aluno deficiente mental em sala
comum, Maria afirma ser favorável a isso. Porém, entende que os objetivos da
203

escola devam ficar mais claros e que esse atendimento tenha como objetivo
preparar o aluno deficiente mental para enfrentar o mundo fora da escola.
Ela acredita que alunos como Ana e Pedro chegam à escola já tendo sofrido
muitas perdas e, por isso, avalia que o atendimento escolar deva repor tais perdas.
Considera, ainda, que o conteúdo trabalhado em sala não é suficiente para ajudar
no desenvolvimento desses alunos, sendo necessário um atendimento extra-classe
integrado ao trabalhado da sala de aula. No entanto, ao analisar as experiências de
inserção realizadas na escola, Maria responsabiliza a estrutura escolar pelas perdas
nos alunos, além de avaliar o atendimento extra-sala não dando muito resultado.

-MUDANÇAS IDENTIFICADAS PELA PESQUISADORA –

Apenas durante as duas últimas Entrevistas Reflexivas é que Maria vai estar
refletindo sobre Pedro. Ela comenta que, depois que começou a refletir sobre o
aluno junto com a pesquisadora, foi mudando seu jeito de vê-lo e, "de repente",
surpreendeu-se vendo em Pedro um adolescente com quinze anos de idade, que
deve estar vivendo uma situação escolar muito complicada.
A professora observa que Pedro tem comportamentos infantis para sua
idade. Ela entende que ele tem “alguma coisa na cabeça” que dificulta sua
aprendizagem, mas sabe que ele não tem atitudes de louco e nem é agressivo.
Ao levantar hipóteses para explicar a deficiência mental do aluno,
inicialmente, Maria aponta para problemas que possam ter ocorrido durante sua
gestação, pois Pedro parece ter uma parte do cérebro que lhe causa dificuldades em
ser alfabetizado. Depois, lembrando-se das reações do aluno durante as aulas,
observa que Pedro parece colocar uma “barreira diante de si” que o impede de
aprender.
Maria acredita que Pedro teve um choque quando foi transferido da terceira
para a primeira série, mas, hoje, ele parece acostumado com a sala. Entretanto,
apesar de todos simpatizarem com ele e ninguém fazer críticas a respeito de seu
desempenho, ela percebe que Pedro sente-se envergonhado por estar “na primeira
série.”
Levantando hipóteses sobre a deficiência mental de Ana, inicialmente Maria
aponta para a origem genética. Em seguida, declara que a deficiência mental da
204

aluna ocorre porque a ela se reprime no processo de aprendizagem, influenciada


pela opinião de sua família. Por fim, a professora conclui que Ana deve ter uma
parte do cérebro que causa suas dificuldades para ser alfabetizada.
Maria comenta que, como vem refletindo mais sobre a deficiência mental,
pôde ver um outro lado da questão, revendo sua definição sobre o fenômeno. Antes,
ela acreditava que indivíduos deficientes mentais eram como loucos, que babavam e
nem tinham condições de viver. Hoje, construindo uma nova definição, acredita que
o deficiente mental tem dificuldades para aprender, sendo mais lento que o normal
para adquirir conhecimento. Entretanto, é uma “pessoa capaz de alguma coisa,
como todo mundo, mas dentro de seu limite”.
Pensando mais sobre o assunto, Maria reconhece que sabe pouco sobre a
deficiência mental. Questionando a origem do fenômeno, ela levanta suas próprias
hipóteses: defeitos na constituição genética do indivíduo; problemas de gestação ou
de parto; problemas afetivos da própria criança ou relacionados a seu contexto
familiar.
Descrevendo o aluno deficiente mental, Maria declara que, agora, percebe
que seus alunos com deficiência mental têm capacidade de aprender, apesar de
serem mais lentos. Em sua opinião, esses alunos não apresentam problemas físicos,
entretanto, têm comportamentos infantis para a idade e dificuldades em aprender
certas "coisas", demonstrando atraso em seu desenvolvimento. Além disso,
apresentam outro fator limitador de aprendizagem: mesmo quando são capazes de
realizar com êxito a tarefa, não o fazem, por medo de errar. No entanto, a professora
afirma que, hoje, vê o aluno deficiente mental como alguém que pode fazer algo,
dentro de seus limites.
Maria declara que, ao longo das Entrevistas, foi modificando sua
compreensão sobre a inserção escolar do deficiente mental. Antes, via essa
inserção na escola comum, como fora do normal. Hoje, reconhece que tais idéias
estavam erradas, pois está vendo, na prática, que esses alunos podem aprender.
Além disso, consegue identificar (com mais clareza) quais devem ser os objetivos do
atendimento escolar oferecido para o aluno com deficiência mental: promover o
desenvolvimento e o progresso desse aluno, aumentando sua independência, sua
iniciativa e sua confiança na própria capacidade de realizar as coisas, sem
necessitar da presença da professora o tempo todo ao seu lado.
205

Considerando os objetivos do atendimento escolar oferecido ao deficiente


mental, Maria descreve qual deve ser, em sua opinião, o perfil da professora do
ensino regular que recebe esse aluno em sua sala.
Maria acredita que essa professora deve saber como realizar esse
atendimento e conseguir trabalhar a individualidade do aluno inserido na sala, em
sua totalidade. Também é muito importante ela acreditar que seu aluno pode
aprender e, portanto, jamais abandoná-lo, avaliando que "ele não tem jeito" . Ao
contrário disso, essa professora deve procurar compreender melhor quais são as
limitações desse aluno e qual o tipo de sua deficiência mental, para poder, assim,
trabalhar mais adequadamente com ele. Além disso, ela deve incentivar seu aluno a
realizar as atividades do seu próprio jeito, sem a sua assessoria constante. Por fim,
Maria acredita que a professora deve comunicar-se com o aluno durante o processo
de aprendizagem, pois essa comunicação é fundamental para orientar seu
aprendizado e para que ele não sinta-se perdido quando a professora não conseguir
transmitir o significado de sua fala.
Refletindo sobre as atuais experiências de inserção escolar em andamento
na escola, Maria pondera que muitos fatores devem ser considerados nessa análise
e que não existe apenas um caminho a ser seguido para resolver os problemas
relacionados à situação do aluno deficiente mental, sendo importante considerar
todas as alternativas disponíveis para viabilizar seu processo de inserção.
A professora avalia que a escola está despreparada, no momento, para
implementar adequadamente esse processo de inserção escolar e, em
conseqüência disso, vem fracassando em seu objetivo de preparar o aluno
deficiente mental para sua inserção fora do contexto escolar. Além disso, comenta
que as professoras do ensino regular, que recebem esses alunos, não estão sendo
capacitadas adequadamente para esse trabalho.
Em relação ao atendimento de apoio escolar extra-classe, Maria acredita
que ele acaba estigmatizando o aluno, que passa a ser visto como diferente dentro
da escola, quando começa a frequentá-lo. A professora também considera que falta
uma integração entre os atendimentos escolares oferecidos ao aluno, pois não
existe um canal de comunicação efetivo entre a professora regente e a professora
que realiza o atendimento de apoio extra-classe.
206

Maria comenta que o interesse e a preocupação por Ana e Pedro,


despertados ao longo do processo de pesquisa, mexeram com ela e revela que está
planejando mudanças em sua prática pedagógica. Reconhecendo a influência das
presenças dos dois alunos em sala, a professora declara que vem pensando em
algo diferente para eles e que está mudando seu planejamento geral em função dos
dois.
A professora conta que está prestando mais atenção em Pedro e Ana e,
conseqüentemente, vem pensando em outras alternativas para trabalhar com eles.
Contudo, ela reconhece que está sendo difícil trabalhar o individual dentro do
coletivo, pois, além de Pedro e Ana, há uma sala inteira esperando por ela. Apesar
de todas as dificuldades, hoje, ela respeita o ritmo do aluno e entende que o
progresso de uma pessoa pode ser diferente dos outros e ocorrer mais devagar.
Ao estabelecer novos objetivos para o trabalho com Ana e Pedro, Maria
relata que, agora, em sala, procurará desenvolver a iniciativa e a independência
destes alunos, tornando-os mais seguros daquilo que podem e são capazes de
fazer.
207

DISCUSSÃO DAS CATEGORIAS

A discussão final deste estudo foi desenvolvida acompanhando a


apresentação dos quatro momentos descritos na análise dos dados. Ao optar por
esse caminho, esperávamos, com isso, ir tecendo nossa malha de interpretações e
análises, seguindo o roteiro que nos foi sendo apontado pelos próprios dados, à
medida que estes iam revelando-se a nós.
Observamos, então, que ao implementar sua prática pedagógica, Maria
estabelece uma dicotomia entre a realidade pensada e a vivida, ou seja, entre aquilo
que julga ser melhor e mais adequado a ser feito dentro da sala de aula e aquilo que
o cotidiano vai impondo-lhe que faça. Demonstrando ter suas próprias crenças e
concepções teóricas a respeito de como desenvolver seu trabalho, ela revela
também possuir uma visão bem realista das condições disponíveis em seu cotidiano
e, por conta disso, está sempre comparando os objetivos desejados com as
realizações possíveis.
Assim, apesar de reconhecer a heterogeneidade da turma e a necessidade de
considerar as especificidades dos alunos, Maria assume que não consegue
contemplar essas diferenças, principalmente, aquelas apresentadas pelos “alunos
fracos”3. Diante dessa dificuldade prática, ela opta por um planejamento único,
buscando padronizar e homogeneizar o desempenho da turma, de acordo com um
modelo idealizado de um aluno, ou seja, visando transformar os “alunos fracos” em
"alunos fortes”.

3
Ao longo da Discussões das Categorias estaremos utilizando algumas expressões ou
palavras que foram “tomadas emprestado” da fala da professora; elas foram escritas em itálico e
entre aspas.
208

De acordo com seus pressupostos teóricos, a professora acredita que os


alunos devam ficar animados e entusiasmados com as atividades desenvolvidas em
sala, mas gasta muito de seu tempo controlando-os para mantê-los em silêncio e
sentados em seus lugares. Preocupa-se com a falta de interesse dos “alunos mais
fracos” e relaciona isso ao fato de alguns deles, como Ana, serem repetentes
naquela série e já terem visto o conteúdo pedagógico trabalhado em sala. Todavia,
não faz qualquer alteração significativa no sentido de modificar a forma como
desenvolve esses conteúdos.
Maria reclama que passa boa parte da aula atendendo individualmente os
alunos, especialmente, os “mais fracos”. Comenta que gostaria que eles fossem
mais independentes e autônomos na realização de suas tarefas e, por isso, tem a
idéia de colocar os “alunos fortes” para ajudar “os mais fracos”. O resultado da
experiência é um sucesso, no entanto, ela resolve abolir esse tipo de estratégia,
porque concluiu que os alunos ainda não estão preparados para trabalhar em grupo.
Podemos observar, desse modo, que existe uma significativa diferença entre
a forma como a professora pensa sua prática pedagógica e o modo como ela, de
fato, implementa e vivencia essa prática. Não acreditamos, entretanto, que isso
aconteça por uma opção de Maria ou porque, talvez, ela seja uma professora
incompetente. Ao contrário disso, Maria é uma professora jovem, com alguns anos
de prática; que recebeu sua formação acadêmica em excelentes escolas da cidade
e demonstra ter grande interesse e comprometimento em seu trabalho com os
alunos. Além disso, está sempre procurando conhecer novidades sobre sua área
profissional e revela-se sensível a críticas, aberta a reflexões e disponível a
mudanças. Então, por que a falta de coerência entre o pensado e o vivido?
O primeiro fator que se destaca, ao buscarmos uma explicação para a
ocorrência dessa dicotomia, relaciona-se ao tipo de formação escolar recebida por
Maria. Não nos referimos, porém, apenas à formação universitária que a habilitou
como professora. Queremos ampliar o conceito de formação, incluindo toda a sua
história de vida escolar, com destaque para os modelos de processo de ensino e
aprendizagem e de interação professor-aluno experienciados por ela, ao longo
dessa trajetória.
Para tanto, faz-se necessário retroceder um pouco no tempo. Comentando
sobre sua época de aluna, Maria reconhece que sua formação escolar se deu nos
209

moldes de uma abordagem tradicional de ensino e que isso, até hoje, ainda exerce
forte influência sobre seu modo de implementar sua prática pedagógica, inclusive,
levando-a a repetir as mesmas atitudes tradicionais que tanto criticava em seus
antigos professores.
Nascida em uma família de professores, até onde se lembra, Maria sempre
quis ser professora. Desde muito pequena, freqüentou escolas, primeiro
acompanhando a mãe (docente no ensino fundamental); depois, como aluna e, em
algumas épocas, como auxiliar de secretaria. Em sua opinião, as escolas daquela
época, apesar de públicas, eram muito boas, dispondo de toda infra-estrutura para o
professor realizar seu trabalho e para o aluno desenvolver-se. Maria enfatiza que,
naquele tempo, “os professores ensinavam e os alunos, sentados em suas carteiras
com seus livros, realmente aprendiam”, revelando, assim, o seu modelo de processo
de ensino e aprendizagem.
Ingressando no curso de Pedagogia, no qual sempre foi considerada uma boa
aluna, Maria conheceu as mais recentes teorias da educação e apropriou-se de
importantes conhecimentos sobre os vários aspectos do processo de ensino e
aprendizagem e da implementação da prática pedagógica. Contudo, apesar dos
discursos teóricos em defesa de uma educação construtivista, criativa, participativa e
democrática, ela relata que ainda encontrou, na Universidade, muitos professores
com posturas retrógradas e autoritárias de ensino.
Maria conta que, na época da Faculdade, não conseguia relacionar muito
bem a teoria aprendida com os aspectos reais da prática pedagógica, pois ainda não
possuía qualquer experiência docente. Ela própria reconhece que os conhecimentos
teóricos adquiridos na academia eram relacionados a experiências pedagógicas
descritas, unicamente, em livros e reportavam-se a uma situação padronizada de
ensino e aprendizagem, legitimando um modelo ideal de professor e de aluno.
A passagem de Maria pela universidade, portanto, parece não a ter preparado
adequadamente para a realidade escolar que iria encontrar ao sair dali. Como os
conhecimentos teóricos apropriados na academia foram construídos desconectados
da prática, Maria aprendeu pouca coisa, ou quase nada, sobre a diversidade e as
contradições inerentes ao contexto institucional de uma escola pública. Ou, quem
sabe, tenha até incorporado a idéia de que as diferenças devem ser respeitadas,
210

tratadas e eliminadas, na busca pela homogeneização e padronização da realidade


escolar.
Em seguida à conclusão do curso superior, Maria foi efetivada como
professora em uma escola da rede pública municipal, situada em um bairro pobre e
distante do centro da cidade, na qual se encontra até hoje. Lembrando-se do
primeiro dia de aula, relata que se assustou ao entrar na sala, pois o que encontrou
ali era muito diferente daquilo que ela conhecia ou esperava: a “enorme carência
emocional e material dos alunos”, a extrema agitação da turma, a falta de
concentração e interesse de alguns, as dificuldades de aprendizagem de outros etc.
Enfim, Maria assustou-se com a diferença, a grande diferença entre aquilo que
aprendeu na faculdade e a realidade que se apresentava a sua frente, ou seja, a
diferença entre a teoria e a prática, entre o pensado e o vivido.
Nesse ponto da reflexão, começamos a construir a resposta para a questão
anteriormente posta. A professora faz uma dicotomia entre o pensado e o vivido ao
implementar sua prática pedagógica, porque não consegue relacionar suas
concepções teóricas sobre educação e processo de ensino e aprendizagem com a
realidade que se desvela diante de seus olhos. Conseqüentemente, ela depara-se
com sua carência de subsídios e conhecimentos teóricos que a habilitem a lidar,
com tranqüilidade e segurança, com a heterogeneidade dessa realidade.
A saída para essa situação, encontrada por Maria, é deixar de lado a teoria
aprendida na faculdade, mantendo-a no âmbito das idéias e das aspirações a serem
buscadas, porém, nem sempre alcançadas, e passar a implementar sua prática
pedagógica, utilizando como referência os antigos parâmetros do modelo tradicional
de ensino, tão bem conhecidos por ela ao longo de toda sua vida escolar. Dessa
forma, as interações diádicas estabelecidas pela professora, dentro do
microssistema da sala de aula, são marcadas pela relação de autoritarismo e de
controle, tanto no caso das díades professora-aluno, como nas díades “aluno forte” –
“aluno fraco”.
A grande meta estabelecida por Maria para seus alunos é que eles prestem
atenção à aula, participem adequadamente das atividades desenvolvidas em sala e,
por conseguinte, “aprendam aquilo que está sendo ensinado”. Para alcançar tais
objetivos, ela procura manter, dentro daquele microssistema, o predomínio de um
certo tipo de interação, definido por Bronfenbrenner (1994) como díade
211

observacional. Na díade observacional, um dos membros da interação presta uma


cuidadosa e continuada atenção à atividade do outro, que, por sua vez, ao menos
demonstra reconhecer o interesse manifestado pelo primeiro.
Observando o contexto da sala de Maria, veremos que é exatamente isso que
ocorre durante as aulas: a professora solicita, o tempo todo, que os alunos prestem
cuidadosa e continuada atenção ao que ela está fazendo ou falando, só devendo
interromper tal concentração quando ela os autoriza a fazer suas tarefas. Um
procedimento similar repete-se quando, ocasionalmente, a professora reúne “alunos
fortes” com “alunos fracos” : os primeiros devem ajudar/ensinar, enquanto os
segundos permanecem atentos observando/aprendendo com os colegas.
Das relações diádicas, segundo Bronfenbrenner (1994), a díade
observacional é a menos complexa e a que tem menor impacto desenvolvimental
sobre a pessoa, já que esse impacto ocorre em função direta do: (1) nível de
reciprocidade estabelecido entre os participantes, de modo que um tenha que
coordenar suas atividades com as do outro; (2) da mutualidade de sentimentos
positivos existentes entre os participantes envolvidos; e (3) de uma gradual alteração
do equilíbrio do poder entre os participantes, em favor da pessoa em
desenvolvimento.
Analisando as interações diádicas estabelecidas no microssistema da sala de
Maria, observamos que existe um relativo nível de reciprocidade, se considerarmos
que um dos membros (o aluno) eventualmente está observando as atividades
realizadas pelo outro (a professora ou o colega). Porém, os participantes dessas
díades não se envolvem na realização conjunta de atividades em níveis
progressivamente mais complexos.
Também não observamos, nessas interações diádicas, a gradual alteração do
equilíbrio do poder entre os participantes em favor da pessoa em desenvolvimento,
pois o vínculo hierárquico de autoridade é sempre mantido entre aquele que ensina
(o “detentor” do saber) e aquele que aprende (o “necessitado” do saber).
Em relação à mutualidade de sentimentos positivos entre os membros da
díade, às vezes, observamos sua ocorrência em situações de interação entre Maria
e determinados alunos, como, por exemplo, Denio, tido por ela como o seu preferido.
Já em outras ocasiões, como no caso de Ana, a princípio, observamos a existência
de um mútuo antagonismo entre a professora e a aluna, o que, fatalmente,
212

perturbava o desenvolvimento da atividade conjunta na díade e interferia na


aprendizagem observacional da aluna.
Esse antagonismo também pôde ser observado em algumas díades
estabelecidas entre “aluno forte” e “aluno fraco”, quando, por exemplo, Pedro
reclamou do colega escolhido pela professora para auxiliá-lo na tarefa. Ou então,
quando Ana se recusou a receber ajuda de Denio, negando-se a realizar a tarefa,
enquanto o colega permaneceu sentado ao seu lado.
Portanto, as díades estabelecidas no microssistema da sala de Maria não
podem ser consideradas díades desenvolvimentais (Bronfenbrenner, 1994), já que
não satisfazem às condições ótimas de reciprocidade, complexidade
progressivamente crescente, mutualidade de sentimentos positivos e alteração
gradual no equilíbrio do poder em favor da pessoa em desenvolvimento; aspectos
característicos desse tipo de situação interacional. Concluímos, pois, que as
interações diádicas estabelecidas naquele microssistema não eram promotoras do
desenvolvimento dos alunos (e nem da professora).
Ao contrário disso, em favor da manutenção da ordem e do progresso,
aspectos tão valorizados dentro dos parâmetros do modelo tradicional de ensino, as
interações instauradas, na sala de Maria, são marcadas pela falta de reciprocidade
entre os participantes da díade e o estabelecimento de uma relação autoritária e
controladora daquele que detém o saber/poder sobre aquele que está desapropriado
desse saber/poder. Instituindo, dessa maneira, o controle e o vínculo hierárquico de
autoridade, fundamentais nesse tipo de educação em que não se trabalha com o
diálogo, com o desenvolvimento de consciência e com o auto-controle.
Maria revela ter uma visão limitada do microssistema de sua sala, não
percebendo as peculiaridades da complexa rede interacional estabelecida entre os
participantes daquele ambiente. Essa falta de informações fica evidente, quando, ao
ler os Registros de Observação, ela surpreende-se constatando, pela primeira vez, o
movimento interacional dos “alunos mais fracos”, que, em sua percepção, “pareciam
estar em outro mundo”. A surpresa da professora é compreensível, se
considerarmos que, dificilmente, o participante de um microssistema consegue ter
uma visão completa acerca de todos os aspectos do ambiente ecológico em que se
encontra inserido.
213

A compreensão de determinado contexto ambiental depende não só do


conjunto de informações que o indivíduo possui sobre este ambiente, mas também
da forma como essas informações são por ele interpretadas. A interpretação de uma
situação é, nesse sentido, a maneira como ela se torna compreensível para a
alguém, e será essa interpretação que irá orientar o olhar da pessoa e definir sua
percepção sobre a referida situação.
Por isso, no caso deste estudo, acreditamos que nossa compreensão a
respeito do ambiente ecológico da sala de Maria passa, necessariamente, pelo olhar
que ela tem sobre esse ambiente, pois, dentro de uma orientação ecológica, o que
importa para o comportamento e o desenvolvimento da pessoa é o ambiente
conforme é percebido por ela e não como ele poderia existir na realidade objetiva
(Bronfenbrenner, 1996).
Desse modo, tendo como referência um modelo de aluno coerente com os
padrões de normalidade valorizados pela escola, Maria interpreta sua sala como
sendo “uma primeira série de nível forte”. Na busca pela homogeneização do
desempenho e ignorando como trabalhar com as diferenças, a professora
compreende que aqueles alunos que apresentam maiores dificuldades e são
avaliados como “fracos” encontram-se “fora do nível de sua sala”.
Diante da impossibilidade de excluir, de fato, esses alunos de sua sala, uma
vez que as outras professoras recusaram-se a recebê-los, Maria vê-se obrigada a
incluí-los ali, de alguma forma. Considerando sua compreensão sobre aquele
microssistema, julga não ser possível incluí-los no “grupo dos alunos fortes”, isto é,
dos que se ajustam ao nível estabelecido para a sala. Então, a professora constitui o
“grupo dos alunos mais fracos” e nele inclui todos os que não se enquadram dentro
dos padrões de normalidade valorizados.
Ana é descrita como pertencendo ao grupo dos alunos mais fracos e, por
isso, está segregada na “fila dos mais fracos”, juntamente com os outros colegas
que não apresentam o desempenho e os comportamentos julgados como
adequados pela professora. No entanto, notamos que, ao identificar os alunos
pertencentes ao grupo dos mais fracos, Maria não menciona o nome de Pedro.
Questionada sobre isso, a professora responde que com Pedro vai tudo bem, que
ele tem um bom desempenho e comporta-se dentro do esperado para sua sala.
214

Essa passagem, envolvendo a avaliação da professora sobre Pedro, ilustra


muito bem aquilo que Sawaia (1999), dentro da análise psicossocial e ética da
desigualdade social, descreve como a lógica dialética da inclusão/exclusão.
Explicando este conceito, aquela autora afirma que
“A exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de
dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético,
pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa
ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os
outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser
combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do
funcionamento do sistema.” (idem, pg.9)
Voltando ao caso de Pedro, em uma conclusão apressada, poderíamos dizer
que o aluno, com seus quinze anos de idade, semi-analfabeto, vindo de uma escola
especial e ingressando pela primeira vez em uma escola regular, está tão bem
“incluído” na sala de Maria que acaba passando despercebido por ela, misturando-
se ao grupo dos alunos regulares da sala. Entretanto, se lembrarmos que os tais
“alunos regulares” são crianças entre sete e oito anos de idade, oriundas da pré-
escola, novatas na primeira série e em processo inicial de alfabetização,
percebemos que algo parece estranho
O fenômeno da professora negar as especificidades de Pedro, a ponto de
incluí-lo em um grupo tão diferente de sua condição individual e social, remete-nos
àquilo que Sawaia (1999) denomina como a dialética da inclusão/exclusão. Para
essa autora, é preciso estarmos atentos para os efeitos perversos da transmutação
da exclusão em inclusão, isto é, da exclusão sendo realizada como inserção social.
E, nesse sentido, percebemos que é exatamente o que acontece com Pedro, ao
analisarmos o modo como ocorreu sua inserção, dentro do microssistema da sala de
aula.
Ao inserir Pedro no grupo dos alunos “normais”, como se ele estivesse nas
mesmas condições desses, na verdade, Maria não o está incluindo no contexto
regular de sua sala. Ao contrário disso, ela o exclui de sua condição individual,
histórica e social, incluindo-o em um grupo no qual suas especificidades são
negadas e desconsideradas. Sendo olhado e tratado como uma criança de sete
anos e não como o adolescente que é, Pedro tem a sua identidade social negada e,
215

por isso, seu processo de aprendizagem perde o significado social, uma vez que os
interesses próprios de sua idade não estão sendo relacionados aos objetos de
conhecimento trabalhados em sala.
O fato de Pedro, inicialmente, ter sido matriculado em uma terceira série,
talvez indique uma tentativa da escola de inseri-lo em um grupo de alunos mais
próximo ao de sua faixa etária. Contudo, a supremacia do desempenho cognitivo,
como critério de avaliação escolar, em detrimento de outros aspectos do
desenvolvimento global do aluno – prática, ainda tão presente em nossa realidade
escolar, levou os educadores a remanejarem Pedro para a Primeira Série,
desconsiderando a enorme discrepância de desenvolvimento sócio-afetivo que se
estabeleceria entre ele e o restante da turma. Por conseguinte, os objetivos do
processo educacional de Pedro ficaram seriamente comprometidos e, nessas
condições, dificilmente o contexto da sala de aula, onde ele está inserido, poderá
constituir-se em um ambiente interacional promotor de seu desenvolvimento.
A exclusão novamente aparecerá sendo realizada como inclusão, quando a
professora inclui no “grupo de alunos mais fracos” todos aqueles que apresentam
características que os diferem do modelo de “bom aluno”, estabelecido por ela. Não
sabendo como lidar com as diferenças apresentadas por esses alunos, Maria reúne
todos eles em um mesmo grupo e, em seguida, os exclui da condição regular de sua
sala, passando a considerá-los como os “fora de nível”. Excluídos da regularidade da
sala e incluídos na condição de fora do contexto, esses alunos continuam inseridos
no ambiente da sala de aula, porém ocupando uma posição à margem do processo
regular de ensino-aprendizagem. Para eles, também, dificilmente o ambiente da sala
de aula irá constituir-se em um real contexto de desenvolvimento.
Vimos, até agora, de que maneira importante a formação acadêmica e a
história escolar de Maria influenciam seu modo de interpretar e perceber o
microssistema da sala de aula e, conseqüentemente, sua maneira de agir ali dentro.
Contudo, não podemos reduzir a isso as explicações para a dicotomia estabelecida
por ela, entre o pensado e o vivido, ao implementar sua prática pedagógica, e para
sua dificuldade de incluir todos os alunos em um efetivo processo de ensino e
aprendizagem, dentro daquele microssistema.
Reconhecemos que Maria é uma professora comprometida com a ação
pedagógica e, mesmo não tendo recebido a formação adequada para lidar com a
216

realidade encontrada na escola publica, é criativa e interessada o bastante para


buscar novas alternativas para realizar adequadamente seu trabalho, a despeito das
dificuldades enfrentadas. Todavia, mesmo acreditando em um modelo de educação
mais moderno, democrático e participativo, ela não consegue mudar. Ou, ainda,
promove mudanças que não mudam como, por exemplo, quando inova colocando
os alunos em grupo e obtém excelentes resultados com isso, mas em seguida,
aborta a utilização dessa estratégia afirmando, paradoxalmente, que os alunos ainda
não estão preparados para isso.
Na busca por uma compreensão mais aprofundada do fenômeno, ao ampliar
nosso olhar para o ambiente ecológico da escola, iremos constatar que a mesma
dicotomia vivida por Maria, dentro de sua sala, permeia suas interações em outros
microssistemas. Assim, por exemplo, sua supervisora lhe dá “carta branca” para
desenvolver as atividades em sala de aula do modo que achar melhor, desde que
Maria não saia dos conteúdos obrigatórios do planejamento geral; a diretora pede
mais movimento e criatividade às professoras, desde que as inovações não
perturbem a ordem e a tranqüilidade da escola; as professoras acreditam que é
importante aprimorar a formação profissional, mas reclamam quando Maria falta a
algumas reuniões pedagógicas para fazer um novo curso; a supervisora (endossada
pela diretora) considera importante que a escola esteja aberta a outros profissionais
que queiram realizar trabalhos voltados para a melhoria da qualidade do ensino,
mas tenta boicotar as reuniões de Maria com a pesquisadora, atribuindo-lhe tarefas
inesperadas ou reduzindo o tempo que ela tem disponível para encontrar-se com a
pesquisadora.
Outros exemplos poderiam ser trazidos para ilustrar a situação de dicotomia
existente dentro do contexto social da escola, entre o que é pensado e verbalizado
como sendo o ideal, e aquilo que é realmente vivido e implementado na prática, que
não precisa ser dito porque está implícito nas entrelinhas, de modo subliminar. Maria
descreve muito bem essa dicotomia ao comentar, em certa ocasião, referindo-se ao
fato da supervisora estar dificultando seus encontros com a pesquisadora, que: “na
frente dos outros, no discurso oficial, todos na escola são muito abertos e
disponíveis. Pode vir e fazer a pesquisa que quiser. Mas, por trás, no discurso dos
bastidores, a coisa é outra”.
217

Tomando emprestadas as expressões utilizadas pela professora, podemos


dizer que dentro do ambiente ecológico da escola, existem dois tipos de discursos: o
discurso oficial que é aquele que está no nível das idéias e dos ideais, e o discurso
dos bastidores, que está implícito nas entrelinhas do discurso oficial, e que é o
verdadeiro orientador e definidor das ações dentro do cotidiano escolar. Os dois
discursos, apesar de serem contraditórios e divergentes entre si, habitam
conjuntamente o ambiente ecológico da escola.
Em seu discurso oficial, a escola defende uma educação democrática e
participativa, incentivando as mudanças, a criatividade e a busca de novos
conhecimentos por parte dos professores. Como representante principal desse
discurso, a diretora pede aos professores que transformem e inovem suas práticas
pedagógicas. Consoante com os avanços da educação moderna, o discurso oficial
defende o ensino pelas diferenças, em oposição à seriação das etapas acadêmicas.
Valoriza a heterogeneidade em sala de aula e defende a inclusão de todos na
escola, com ênfase especial para aqueles indivíduos que possuem algum tipo de
deficiência. Oferece serviços de apoio escolar extra-sala para os alunos deficientes
mentais que estão inseridos no ensino regular e enfatiza a importância desses
atendimentos estarem integrados.
Na prática, entretanto, as ações serão definidas e orientadas pelo discurso
dos bastidores, que, em sua essência, estabelece seus valores, critérios e normas a
partir dos parâmetros do modelo tradicional de ensino, em conformidade com a
ideologia dominante no macrossistema educacional. O discurso dos bastidores
garante a manutenção da ordem e do status quo por meio do controle autoritário e
hierarquizado, dentro da escola. As eventuais mudanças não devem comprometer o
equilíbrio estrutural daquele nível do macrossistema e só irão ocorrer conforme o
que for aceitável e estiver de acordo com os critérios estabelecidos pelo discurso
dos bastidores. Um bom exemplo disso foi a extinção, na escola, do sistema de
seriação por etapas no primeiro ciclo do Ensino Fundamental: oficialmente, dentro
do Projeto de Ensino pelas Diferenças, a seriação foi abolida; porém, no cotidiano da
escola tudo continuava como sempre foi, ou seja, os alunos separados e
classificados por turmas seriadas anuais - primeira, segunda, terceira e quarta
séries.
218

Em relação ao processo de inserção escolar do aluno deficiente mental no


ensino regular, enquanto o discurso oficial defende uma escola para todos, na
prática, o discurso dos bastidores determina que só entrem na escola aqueles
alunos considerados passíveis de serem “educados”. O respeito pelas diferenças e a
importância do trabalho na diversidade, no discurso dos bastidores, são substituídos
pela padronização do desempenho e a busca pela homogeneização, com a
classificação e separação dos alunos em turmas fortes e fracas. O atendimento
escolar oferecido ao aluno com deficiência mental, tendo como objetivo seu
desenvolvimento acadêmico no ensino regular, no discurso dos bastidores é
desconsiderado, pois tal atendimento é contemplando dentro de um projeto
educacional especial (o Projeto de Ensino Alternativo), à parte do plano geral de
metas e ações da escola. A ênfase na importância da integração dos atendimentos
escolares oferecidos ao aluno deficiente mental, no discurso dos bastidores, é
inviabilizada, pois a escola não disponibiliza o espaço e o tempo necessários para
que os professores envolvidos troquem conhecimentos e construam essa
integração.
Dentro desse jogo de contradições, portanto, as mensagens que chegam até
a professora trazem sempre um duplo sentido. Maria deve diversificar suas
atividades, respeitando a obrigatoriedade de um planejamento único. Sua sala é
“uma primeira série forte”, mas ela não pode excluir dali os alunos fracos. A
professora é orientada para trabalhar respeitando as diferenças, mas deve
padronizar o desempenho dos alunos e buscar os objetivos pré-estabelecidos para
aquela série. Ela é incentivada a inovar e transformar sua prática, mas não deve
tumultuar sua sala para não incomodar o resto da escola. Maria é respeitada como
uma excelente professora, mas sente-se desqualificada quando colocam Pedro em
sua sala sem qualquer explicação. Ela deve atender, eficientemente, os dois alunos
com deficiência mental inseridos em sua sala, mas não recebe qualquer tipo de
assessoria ou apoio por parte da escola para desempenhar essa tarefa. Tem a
promessa de que o atendimento extra-classe irá auxiliá-la em seu trabalho com
Pedro e Ana, mas não recebe qualquer informação sobre esses atendimentos.
Assim sendo, Maria sente-se insegura e sem respaldo da instituição para
transformar, de modo significativo, sua prática pedagógica. E nem poderia ser
diferente: despreparada, não conseguindo estabelecer uma relação efetiva entre
219

teoria e prática, imersa em um jogo de contradições em que a comunicação se


estabelece em duplo sentido, ela só consegue implementar “mudanças” que, na
realidade, não mudam nada. Eventualmente, quando faz algo que resulta em uma
modificação significativa, como aconteceu quando colocou os alunos em grupo e
eles demonstraram mais autonomia, ela se assusta com o resultado e retrocede à
antiga situação tradicional.
O mais preocupante é que, desconhecendo a complexidade de sua situação e
não conseguindo perceber a influência dos fatores apontados, Maria faz uma leitura
equivocada dos efeitos provocados pelas modificações empreendidas por ela.
Diante dos resultados inócuos dessas mudanças, conclui que não adianta mudar
sua prática pedagógica e acaba acomodando-se na “rotina maçante de sua sala”.
No entanto, apesar da acomodação e da insegurança, Maria revela, ao longo
do processo de pesquisa, possuir disponibilidade e flexibilidade para mudar. As
discussões e reflexões, suscitadas por sua participação na pesquisa, provocaram
mudanças em sua forma de interpretar e perceber determinados aspectos das
interações sociais ocorridas em sua sala, alguns dos quais especialmente
relacionados à Ana.
Maria surpreende-se com as novas informações sobre o contexto de sua sala,
obtidas via Registro de Observação e fica, particularmente, impressionada e
interessada nos movimentos de Ana, conversando muito sobre a aluna em seus
encontros com a pesquisadora.
Ainda nas entrevistas iniciais, a professora comenta sobre o mútuo
antagonismo existente entre ela e a aluna. Depois de algumas reuniões, Maria relata
o episódio da carta de amor que Ana lhe entregou. A professora que, até então,
acreditava que a aluna não gostava dela, interpreta o gesto de Ana como uma
demonstração de afeto e admiração, passando a percebê-la de uma forma amigável
e simpática. A partir desse episódio, o mútuo antagonismo existente entre elas é
substituído por um sentimento positivo de afeto, aumentando o nível de
reciprocidade entre a professora e a aluna.
A ação inédita e inesperada de Ana surpreende a professora e desencadeia
mudanças em sua forma de interpretar e perceber a aluna. Conseqüentemente,
Maria também modifica sua forma de interagir com Ana. Constatamos, assim, a
importância do fator afetivo na relação diádica, quando notamos que foi o gesto
220

afetuoso de Ana o grande desencadeador das modificações observadas na


percepção e nas ações da professora, em relação à aluna.
Apesar da iniciativa de mudança ter partido da aluna, certamente, ela deve ter
captado algum indício por parte da professora – um olhar ou um gesto -, que a
estimulou a escrever a carta. Provavelmente Maria, tendo o seu interesse pela aluna
despertado e estimulado, ao longo do processo de pesquisa, tenha modificado seu
olhar sobre Ana, e essa mudança tenha sido interpretada pela aluna como um sinal
positivo para uma aproximação.
Revelando uma nova compreensão sobre sua interação com Ana, Maria
reorienta o seu olhar e modifica sua percepção sobre a aluna. Conseqüentemente,
também muda sua forma de interagir com ela, procurando dar-lhe mais atenção e
envolvê-la mais efetivamente nas atividades em sala. Desse modo, considerando as
significativas transformações ocorridas nos domínios da percepção e da ação,
podemos afirmar que houve uma mudança desenvolvimental em Maria.
Contudo, não observamos apenas modificações na percepção e nas ações da
professora. Acreditamos que Ana, também, mudou sua forma de interpretar e
perceber sua relação com Maria. Apesar de não termos seu testemunho pessoal
para comprovar nossa hipótese, as ações de Ana são indicadoras de que essa
mudança ocorreu. Segundo Maria e de acordo com os Registros de Observação,
percebemos que Ana tornou-se mais amistosa e receptiva em sua interação com a
professora, diminuindo os momentos em que desafia seu controle disciplinar.
Também foram observadas mudanças na qualidade das participações da aluna,
durante as atividades desenvolvidas em sala, que passou a demonstrar mais
interesse, ficar menos dispersa e parecer mais segura em relação à sua capacidade
de desempenhar as tarefas.
A clara correlação entre as mudanças apresentadas pela professora e por sua
aluna comprova a proposição de Bronfenbrenner (1996), demonstrando que, se um
dos membros de uma díade sofre uma mudança desenvolvimental, é muito provável
que o outro também mude.
Nos momentos em que está pensando sua prática pedagógica, Maria
estabelece uma relação de causalidade entre os eventos ao buscar respostas para
as questões que mobilizam seu interesse ou para os problemas que lhe demandam
soluções.
221

Assim, buscando a identificar as causas para os efeitos percebidos, a


professora estabelece algumas relações diretas: ela não consegue diversificar as
atividades, por causa da heterogeneidade da turma; algumas crianças apresentam
dificuldades para aprender, porque estão “fora do nível da sala”; alguns alunos se
distraem, porque têm problemas de concentração; Ana não aprende, por causa de
sua “auto-estima negativa”; os alunos são fracos, porque não são capazes de
aprender; Pedro não consegue alfabetizar-se, por causa de seu cérebro, que tem
problemas de formação; ela não consegue controlar os alunos, porquanto está
falhando em sua capacidade de domínio da turma etc.
Nessa correlação de causa e efeito, Maria está sempre buscando entender o
porquê dos fatos acontecerem do jeito que acontecem: Por que será que Ana é tão
distraída? Por que será que ela não consegue chamar a atenção da aluna? Por que
será que os “alunos mais fracos” parecem viver em um mundo à parte? Por que será
que ela está tão desanimada esse ano?
Esse tipo de pergunta, por meio da qual se busca a razão e o significado de
as coisas acontecerem, como se houvesse uma causa primeira, de acordo com
Machado e Souza (1997) é uma pergunta que não exige movimento e produz um
efeito paralisador, aprisionando a criatividade e o surgimento de novas idéias. É o
que as autoras chamam de “naturalizar”, ou seja, pensar que o que acontece é
decorrente da natureza mesma das coisas e não da história. Assim, quando
analisamos que algo ocorre porque isso está dentro da ordem natural dos
acontecimentos, não sabemos o que fazer para mudar e entendemos que a solução
para o problema está fora de nosso alcance.
Ao naturalizar a explicação de um acontecimento, concentramos nossa
atenção sobre o objeto que está sendo analisado e esquecemos as relações e as
práticas que o envolvem. Para Machado e Souza, no entanto, é preciso redirecionar
o foco de análise, pois

“Se são nas relações e nas práticas que se produzem as objetivações,


então as perguntas devem ser feitas sobre as relações e as práticas e não
sobre os objetos.” (p.37, 1997)

Isolando o objeto ao analisar a situação, estamos desconsiderando as


relações que o envolvem nessa conjuntura. Conseqüentemente, estaremos diante
222

de uma situação em que as queixas são sempre as mesmas e não ocorre


movimento, porque as relações estão estagnadas e sempre temos a sensação de
que não há nada mais a se fazer, além de esperar. Uma situação onde, conforme a
definição de Machado e Souza (1997), as relações estão “cristalizadas”.
No caso em estudo, ao analisar sua prática pedagógica, Maria concentra seu
olhar em determinados sujeitos daquele microssistema, sem considerar as práticas e
as relações que os envolvem. Assim, ao perguntar-se o que fazer para resolver seus
problemas, a professora não consegue enxergar possibilidades de mudanças e vê-
se diante de circunstâncias nas quais não há o que se fazer.
A “naturalização” dos problemas “cristaliza” as relações e propicia
justificativas para a não mudança. Desse modo, se a professora acredita que Ana
não aprende porque tem uma “auto-estima” negativa oriunda de suas relações
familiares, vê-se diante de uma situação em que ela nada pode fazer para resolver
as dificuldades da aluna. Ou então, entendendo que Pedro tem dificuldades de
raciocínio porque nasceu com o cérebro mal formado, conclui que não há como
fazê-lo aprender o “conteúdo oficial”, pois suas condições de aprendizagem são
constitucionalmente deficientes.
Observamos, então, que a compreensão da professora sobre seu
microssistema é construída dentro de uma matriz de pensamento causalista e
excludente. Assim, diante da falta de soluções para lidar com as diversidades, ela
nega as diferenças e enfatiza a homogeneização e a padronização dos alunos, por
meio do desempenho cognitivo. Não conseguindo olhar para o outro em suas
especificidades, ela confere um valor negativo ao diferente, que passa a ser
percebido como algo incômodo ou indesejado, devendo, portanto, ser excluído.
Buscando a homogeneização e negando as diferenças, Maria resolve seu
problema de ter dois alunos com deficiência mental em sua sala, “incluindo-os pela
exclusão”. Ao receber Pedro e Ana, ela realiza oficialmente a inclusão, atendendo ao
que foi deliberado pelo macrossistema educacional. Entretanto, dentro da sala, a
professora “exclui” esses alunos do processo regular de ensino e aprendizagem,
incluindo-os no “grupo dos fracos”, “dos fora do nível da sala”, ou, ainda, “daqueles
que não têm condição de ir para frente”.
Ao estabelecer os objetivos para o trabalho a ser desenvolvido com Ana e
Pedro, Maria espera “que eles aprendam e alcancem a turma”, reafirmando sua
223

expectativa de homogeneização e revelando seu desejo de que os “alunos fracos”


tornem-se “alunos fortes”, ou seja, que os diferentes deixem de ser diferentes e
passem a ser iguais.
Coerente com uma interpretação de realidade educacional na qual o diferente
deve ser excluído, Maria demonstra utilizar critérios normatizadores, relacionados a
um modelo padrão de indivíduo, para avaliar seus alunos. Nessa forma de avaliação
do desenvolvimento e do progresso acadêmico do aluno, a professora não o
compara com ele próprio, isto é, não confronta seu desempenho atual com a sua
performance passada, de modo a identificar os avanços ou mudanças que,
eventualmente, ele possa ter tido. Ao contrário disto, tendo como referência um
modelo padrão de aluno normal, Maria interpreta as diferenças apresentadas por
seus alunos deficientes mentais, quando comparados a esse modelo, como um
déficit a ser superado.
Novamente, observamos a diferença entre o pensado e o vivido estabelecida
pela professora ao implementar sua prática pedagógica. Maria tem concepções
teóricas que foram incorporadas ao longo de sua formação acadêmica e, sempre
que necessário, recorre a conceitos modernos sobre desenvolvimento e processo de
aprendizagem. Contudo, no trabalho prático com seus alunos deficientes mentais, o
discurso enfático em defesa de uma concepção construtivista de desenvolvimento e
aprendizagem, que valoriza as diferenças e o ritmo próprio de cada aluno, não é
aplicado.
A despeito da dicotomia entre teoria e prática, da vivência dentro de um jogo
de contradições e da visão tradicional do processo de ensino e aprendizagem, Maria
tem atendido as expectativas como docente na escola, onde é considerada uma
excelente profissional. Entretanto, ela própria revela-se insatisfeita com a qualidade
do trabalho que vem realizando em sua sala, principalmente, em relação à Ana.
A professora reconhece que precisa modificar aspectos de sua prática
pedagógica, mas não sabe como operar as mudanças desejadas. Ela possui
informações limitadas e insuficientes de seu microssistema e sobre aspectos
relacionados ao processo de ensino e aprendizagem ali instaurado. Além disso, não
recebe qualquer tipo de ajuda, por parte da escola ou do macrossistema
educacional, que facilite a ocorrência dessas mudanças ou indique-lhe caminhos
alternativos.
224

Às vezes, quando consegue algum tipo de ajuda, Maria tem que buscá-la por
iniciativa própria, como no caso de sua aluna com deficiência auditiva. Somente
agora, graças ao curso de Linguagem dos Sinais que está fazendo, começa a
progredir em seu trabalho com Regina. Mas, no caso de alunos com deficiência
mental, como Ana e Pedro, a professora não encontrou qualquer tipo de assessoria
ou curso de formação continuada que a capacitasse em seu trabalho com eles. Fato
que talvez revele a falta de interesse ou comprometimento do macrossistema
educacional em relação à formação de educadores que lidam com esses alunos.
Nem a possibilidade de trocar informações com as professoras especialistas que
estão atendendo seus alunos no apoio extra-classe é viabilizada, pois a estrutura
escolar não disponibiliza um espaço para essa troca dentro da agenda das
professoras envolvidas com esses atendimentos.
Assim, pensar sobre sua prática pedagógica e refletir sobre o seu papel
docente, implica para Maria, questionar o estabelecido e, eventualmente, rejeitá-lo
em prol do novo, da mudança. Contudo, sem as informações adequadas que lhe
permitam compreender o significado e o sentido dessas mudanças, e estando
sozinha para empreendê-las, um sentimento de insegurança invade a professora
fazendo-a recuar e permanecer estática onde está, realizando apenas mudanças
que não irão alterar, significativamente, a sua prática pedagógica.
Em meio ao cotidiano escolar, no entanto, surge para a professora a
oportunidade de estar participando de um novo contexto interacional – o ambiente
da pesquisa -, que é inaugurado com a entrada da pesquisadora na escola e o início
do processo de investigação. Esse ambiente envolve, principalmente, as situações
de interação ocorridas entre Maria e a pesquisadora. Em um segundo plano, o
ambiente de pesquisa também ira abarcar todas as outras situações interacionais,
dentro ou fora da escola, relacionadas a esse processo de investigação.
Na pesquisa ecológica, o campo fenomenológico experienciado pelos sujeitos
envolvidos na investigação é muito importante, quando se considera a validade
ecológica desse estudo. Para Bronfenbrenner, um ambiente torna-se
ecologicamente válido para uma pesquisa sobre o desenvolvimento humano,
quando duas condições são satisfeitas:

“O significado psicológico e social da experiência do sujeito no ambiente


é investigado e fica conhecido pelo pesquisador, e o significado subjetivo da
225

situação de pesquisa corresponde à experiência ambiental para a qual o


investigador deseja generalizar” (pg.1996, p.98)

Assim sendo, para nós foi de fundamental importância considerar a maneira


pela qual a situação de pesquisa foi interpretada e percebida pela professora
participante, ou, em outras palavras, como foi para Maria estar participando da
pesquisa.
Ao comentar sobre o instrumento utilizado na pesquisa, Maria avalia que a
leitura do Registro de Observação, além de proporcionar-lhe muitas informações
sobre sua sala, ainda revelou-se como uma descrição representativa do que
acontece naquele contexto, desencadeando nela uma série de reflexões sobre seu
microssistema e sobre si mesma dentro dele.
Refletir sobre questões relativas à prática pedagógica, mediante sua própria
vivência docente, despertou em Maria uma gama de emoções inéditas. Além disso,
por meio das leituras dos Registros de Observação, a professora também foi
construindo uma série de novos conhecimentos a respeito dos processos
interacionais ocorridos naquele microssistema.
O depoimento de Maria confirma, portanto, a eficiência do Registro de
Observação como instrumento capaz de fornecer uma descrição detalhada e fiel da
realidade observada. E sendo um relato descritivo sem finalidade avaliativa ou
orientadora, o Registro de Observação não estabelece modelos a serem seguidos
ou parâmetros de avaliação, permitindo, assim, que a professora reflita sobre sua
prática pedagógica sem se sentir avaliada ou pressionada a mudar. Todavia, mesmo
que o caráter não avaliativo do instrumento tenha sido reiteradamente enfatizado
para a professora, não há como garantir que ela não tenha interpretado o Registro
de Observação como um instrumento de avaliação.
As emoções suscitadas na professora, pelas leituras dos Registros de
Observação, demonstram o impacto que a visão da própria experiência prática pode
ter sobre uma pessoa, quando ela se depara com eventos ou fatos relacionados ao
seu agir dentro de um ambiente, surpreendendo-se com aspectos, até então,
desconhecidos ou desconsiderados por ela.
Ainda sobre os Registros de Observação, notamos que os novos
conhecimentos construídos pela professora, por meio de suas leituras, estão
relacionados à aspectos das interações sociais estabelecidas no ambiente da sala
226

de aula. Essa ênfase não foi aleatória e ocorreu porque a observação realizada,
naquele microssistema, teve um recorte interacional.
Outro importante aspecto destacado pela professora, relacionado aos efeitos
de sua participação no processo de pesquisa, refere-se à interferência provocada
pela presença da pesquisadora em seu cotidiano na escola, dentro e fora de sua
sala de aula.
Em essência, esses comentários comprovam que a presença de um
pesquisador no ambiente natural da pesquisa não deve ser considerada um
elemento inócuo. Ao contrário disso, ao entrar em campo, o pesquisador integra-se,
mesmo que temporariamente, àquele novo contexto interacional e passa a interagir
com seus participantes. A presença do pesquisador, desse modo, não só interfere
no meio, como também passa a ser efetivamente influenciada por esse.
Considerando a escola um ambiente ecológico, enquanto ali esteve, a
pesquisadora procurou circular por seus diversos contextos e interagir com as
pessoas que encontrou, sempre atenta aos aspectos das inter-relações
estabelecidas naquele ambiente que pudessem auxiliá-la a melhor compreender do
fenômeno em estudo.
A presença da pesquisadora dentro do microssistema da sala de aula de
Maria, inicialmente, também provocou interferências, gerando expectativas e
ansiedade em todos os participantes daquele ambiente. Contudo, com o passar do
tempo, tanto a professora como seus alunos demonstraram ter se acostumado com
a sua presença. Destacamos que as seis sessões de observações iniciais,
realizadas antes do início das sessões de observação com registro, foram
fundamentais para que o impacto da presença da pesquisadora na sala de Maria
fosse reduzido, de modo a não comprometer significativamente os rumos da
pesquisa.
Constatamos, ainda, que a interferência da presença da pesquisadora não se
limitou ao ambiente da sala de Maria e pôde ser reconhecida em outros
microssistemas da escola como, por exemplo, nas reuniões de professores, nas
conversas entre a diretora e a supervisora, nos encontros da pesquisadora com
outras professoras na hora do recreio, nas reuniões da pesquisadora com as mães
de Pedro e Ana.
227

Em certas ocasiões, essa interferência chegou a transpor os limites da escola


e foi observada em outros níveis do macrossistema educacional, quando, por
exemplo, a pesquisadora e seu projeto de pesquisa foram alvo de comentários por
parte de profissionais da Secretaria Municipal de Educação vinculados ao setor de
coordenação dos projetos pedagógicos desenvolvidos nas escolas municipais.
Dentro da escola, alguns participantes não só foram influenciados pela
presença da pesquisadora como também reagiram a ela, o que, em alguns casos,
provocou interferências importantes no desenrolar do processo de pesquisa. Um
exemplo ilustrativo disso foi quando a supervisora, visivelmente incomodada por não
poder participar das Entrevistas da pesquisadora com Maria, começou a dificultar a
participação da professora nesses encontros.
Do ponto dos mesossistemas de Maria, notamos que sua participação no
processo de pesquisa provocou interferências em outros microssistemas
freqüentados por ela, como na sala dos professores, onde ela era sempre alvo de
perguntas de colegas interessadas em saber maiores detalhes de seu trabalho com
a pesquisadora; ou dentro de seu contexto familiar, ao discutir com seus pais sobre
seu desejo de fazer o curso de Mestrado em Educação, despertado por sua
participação no projeto de doutorado da pesquisadora.
Constatamos, ainda, um outro tipo de interferência provocado pela presença
da pesquisadora na escola. São as expectativas suscitadas pelo fato dela ser
psicóloga educacional e professora da Universidade Federal. Desde a professora
participante, que tinha expectativas bem práticas em relação à sua participação na
pesquisa, como ser auxiliada pela pesquisadora na avaliação de seus alunos, até
outras pessoas, como professoras, funcionários e pais de alunos, que procuravam a
pesquisadora/psicóloga pelos mais variados motivos, demandando sua atenção e
ajuda.
Acreditamos, portanto, que dificilmente seja possível evitar o aparecimento de
expectativas em torno do pesquisador, quando este realiza uma pesquisa em
ambiente natural, principalmente, quando se trata de um pesquisador/psicólogo
educacional dentro de uma escola pública. Os problemas no interior desse tipo de
instituição são tão grandes, quanto a demanda por profissionais especializados para
resolvê-los. Por isso, é compreensível que todos queiram usufruir ao máximo da
presença desse profissional, que chega à escola como alguém que, no imaginário
228

das pessoas, detém o saber da academia e a solução para diversos problemas,


educacionais ou não.
Diante dessas expectativas e demandas, é necessário que o
pesquisador/psicólogo educacional permaneça atento aos objetivos de sua presença
na escola, procurando esclarecer as pessoas participantes daquele contexto sobre
eles. Há que se ter, no entanto, a postura ética e a continência necessárias para
lidar com tais demandas e proceder aos devidos encaminhamentos para cada caso.
Com a entrada da pesquisadora na escola e o início do processo de
investigação, surge um ambiente ecológico que engloba um sistema de
microssistemas, dentro e fora do contexto escolar. O foco de nossa investigação,
porém, concentrou-se no microssistema constituído pela díade estabelecida entre
professora e pesquisadora durante as Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de
Observação, o qual denominamos de microssistema da pesquisa.
O microssistema da pesquisa foi compreendido em suas inter-relações com
os outros microssistemas da escola, pois, conforme propõe Bronfenbrenner,

“A análise do microssistema deve levar em conta o sistema interpessoal


total operando num dado ambiente. Este sistema incluirá tipicamente todos os
participantes presentes (não excluindo o investigador) e envolverá relações
recíprocas entre eles.” (1996, p.54)

Tais relações recíprocas serão observadas tanto dentro como fora do


microssistema da pesquisa, uma vez que, segundo Bronfenbrenner (1996), se um
dos membros da díade sofre uma mudança desenvolvimental, é provável que o
outro também mude, e tais mudanças poderão repercutir-se em outros
microssistemas freqüentados direta (mesossistemas) ou indiretamente
(exossistemas) pelos participantes da díade.
O microssistema da pesquisa é, em sua essência, a operacionalização de
uma situação de diálogo entre a professora e a pesquisadora. Nessa situação de
interação, o diálogo é sempre iniciado pela professora diante do “silêncio” da
pesquisadora. Isto é, as conversas e reflexões nas Entrevistas sempre partem da
professora e/ou das informações de sua própria vivência, via Registro de
Observação. Enquanto isso, a pesquisadora “silencia” suas próprias opiniões e
229

juízos de valores sobre as situações em discussão, permitindo-se conhecer o


microssistema da sala de aula através de um novo olhar – o olhar da professora.
Dentro do microssistema da pesquisa, portanto, oferecemos à professora a
oportunidade de olhar sua própria prática pedagógica, por meio de uma nova
perspectiva (o Registro de Observação) e oportunizarmos a ela o espaço e o tempo
necessários para discutir essa prática dentro de um processo de análise reflexivo-
crítica (a Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação). Esperávamos
com isso, a princípio, viabilizar uma estratégia de investigação e coleta de dados que
ampliasse nossa compreensão sobre o contexto ambiental da sala de aula de Maria,
onde estão inseridos os dois alunos com deficiência mental.
De fato, a análise dos dados demonstra que esse objetivo foi plenamente
alcançado, pois, ao longo das Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de
Observação, foi suscitado um significativo conjunto de informações objetivas e
subjetivas sobre aquele microssistema, assim como sobre o agir e o pensar da
professora em sua prática pedagógica. Tal conjunto de informações conduziu o
diálogo entre a professora e a pesquisadora, dentro das Entrevistas, propiciando
tanto a troca, como a compreensão mais aprofundada desses dados.
As interações estabelecidas, entretanto, nas Entrevistas Reflexivas a partir do
Registro de Observação não se desenvolveram ao acaso. Ao contrário disso, foram
mediadas e dirigidas pela pesquisadora visando a outro objetivo, além daquele de
investigar e coletar os dados. Dentro das Entrevistas Reflexivas a partir do Registro
de Observação, a interação foi organizada e dirigida de modo a assumir o caráter de
intervenção direcionada para desencadear reflexões na professora que
provocassem modificações (em seu pensar e agir sobre sua prática pedagógica), no
sentido de transformar o ambiente de sua sala em um efetivo contexto de
desenvolvimento para os alunos com deficiência mental, ali inseridos.
Assim, ao longo do processo de pesquisa, as Entrevistas Reflexivas a partir
do Registro de Observação se revelaram situações interacionais promotoras do
desenvolvimento para as duas participantes da díade. A relação diádica
estabelecida entre professora e pesquisadora, dentro do microssistema da pesquisa,
caracterizou-se pelo excelente nível de reciprocidade estabelecido entre as duas,
pela mutualidade de sentimentos positivos existente entre elas e pela gradual
230

alteração do equilíbrio do poder na díade em favor da pessoa em desenvolvimento,


ou seja, da professora.
O desenvolvimento da professora ocorre à medida que ela muda sua forma
de interpretar e perceber aspectos de seu microssistema. Essa transformação
acontece, porque as Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação
oportunizam à professora um espaço de interação e reflexão mediada, no qual ela
pode, efetivamente, pensar e discutir a respeito de idéias, impressões e dúvidas
desencadeadas pela nova visão do ambiente da sala, oferecida pelos Registros de
Observação. Assim, mediante os elementos de sua própria prática pedagógica, a
professora reflete sobre fatos conhecidos, modifica antigas concepções e constrói
novos conhecimentos sobre os aspectos interacionais do microssistema de sua sala.
As modificações observadas na forma da professora interpretar e perceber
aspectos do ambiente de sua aula, por si, já caracterizariam a ocorrência de
significativas mudanças desenvolvimentais, dentro do microssistema da pesquisa.
Entretanto, segundo Bronfenbrenner, para demonstrar que o desenvolvimento
humano ocorreu, é “necessário estabelecer que uma mudança produzida nas
concepções e/ou atividades da pessoa foi transferida para outros ambientes e outros
momentos.” (1996, pg.28)
Assim, no caso da professora, constatamos que as mudanças
desencadeadas dentro do microssistema da pesquisa foram transferidas para o
microssistema da sala de aula, refletindo-se em modificações nos padrões de
interação estabelecidos por ela naquele ambiente, especialmente, em relação à Ana.
As transformações da professora podem, ainda, ser comprovadas de outra
forma. Se, conforme propõe Bronfenbrenner (1996), as mudanças no
desenvolvimento de um dos membros da díade podem desencadear modificações
no outro, então, ao observar as transformações ocorridas na interação diádica entre
a professora e Ana, teremos a comprovação desse desenvolvimento.
Ao mudar sua compreensão sobre Ana, a professora também modifica seu
modo de interagir com a aluna. Conseqüentemente, Ana reage a essas mudanças
interacionais, modificando também sua forma de perceber e interagir com a
professora, estabelecendo-se, com isto, um vínculo de amistosidade entre as duas.
As mudanças de desenvolvimento de Ana revelam-se quando a aluna muda seus
231

comportamentos em sala, passando a interessar-se mais pelas aulas, a participar


das atividades e a melhorar seu desempenho nas tarefas.
Além disso, comprovando a inter-relação entre os microssistemas,
observamos que as mudanças desenvolvimentais apresentadas pela aluna no
contexto da sala de aula, repercutiram-se em outros microssistemas freqüentados
por ela: (1) a professora de Ana no atendimento escolar extra-classe e a supervisora
pedagógica reconhecem os progressos da aluna e já profetizam que ela vai passar
de ano; (2) a mãe de Ana comenta com a pesquisadora sobre a melhora de
comportamentos que a filha vem apresentado em casa, sendo menos teimosa e
mais dedicada às tarefas domésticas. A mãe associa essas mudanças ao fato de
Ana estar melhorando na escola. Comenta que está muito contente com isto, pois vê
agora que Ana consegue aprender e acredita que isso significa que a filha vai
conseguir seguir em frente.
Para a pesquisadora, as Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de
Observação constituíram-se em uma importante fonte de novas informações sobre o
ambiente ecológico da sala da Maria, permitindo-lhe refletir sobre diversos aspectos
daquele microssistema e da prática pedagógica da professora dentro dele,
modificando sua compreensão e ampliando seus conhecimentos. O conjunto mais
evidente desses novos conhecimentos construídos por ela, em consequência de sua
participação no microssistema de pesquisa e de suas mudanças de
desenvolvimento, revela-se na produção de sua tese de doutorado.
Ao longo da realização de todo este processo de pesquisa, a questão da
mudança, da transformação, esteve presente de forma muito evidente, revelando
que um procedimento de investigação pode ir muito além do que uma simples coleta
de dados. Da entrada da pesquisadora na escola e as interferências que isso
provocou, até as mudanças desenvolvimentais da professora, da aluna e da própria
pesquisadora, desencadeadas em conseqüência do envolvimento de todas no
processo de pesquisa, observamos diversas modificações, algumas menos, outras
mais significativas.
Contudo, essas mudanças irão revelar-se em toda sua abrangência e
profundidade no momento em que a professora aponta e comenta sobre as
modificações ocorridas no pensar sobre o seu agir em sua prática pedagógica,
durante o processo de pesquisa.
232

Acreditamos que o refletir sobre sua própria prática pedagógica tenha sido o
elemento essencial no processo desencadeador de mudanças vivenciado pela
professora. A despeito desse processo de reflexão ter sido realizado mediante uma
experiência individual e particular – a experiência da professora Maria -, ele suscitou
questões extremamente importantes e pertinentes sobre o tema da inserção do
aluno com deficiência mental em salas de aula do ensino regular.
O processo de análise reflexivo-crítica de Maria, nas Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação, inicialmente, foi suscitado por questões referentes
às dificuldades enfrentadas por ela em seu trabalho com Ana, sua aluna com
deficiência mental. Posteriormente, já na fase final da pesquisa, a professora
também incorpora Pedro, seu outro aluno deficiente mental, nesse processo de
análise.
Por essas reflexões, Maria conclui que suas aulas estão monótonas e
desprovidas de significados para Ana e Pedro. Contudo, uma vez iniciado, o
processo de análise reflexivo- crítica é ampliado para o restante do microssistema e
a professora reconhece que a rotina de sua sala está “maçante e repetitiva para
todos os alunos” e que as mudanças a serem feitas em relação a isso devem
envolver a todos e não apenas Ana e Pedro.
Diante disso, constatamos que a análise do processo da inserção escolar do
aluno deficiente mental perpassa por uma reflexão mais ampla e geral do ensino
regular. As dificuldades enfrentadas na implementação de projetos de inserção
escolar desses alunos em salas do ensino regular, na grande maioria dos casos, são
as mesmas encontradas pela professora ao implementar sua prática pedagógica
com os outros alunos ditos “normais”. Assim, em uma análise mais ampla, podemos
dizer que atendimento escolar oferecido ao aluno deficiente mental na escola pública
regular vai mal, porque o ensino público, em geral, também vai mal.
Portanto, para se compreender a complexa e estreita relação entre esses dois
tipos de atendimento escolar, é preciso que as contradições existentes no discurso
oficial do macrossistema educacional sejam reveladas. O depoimento de Maria, ao
final do processo de pesquisa, é extremamente ilustrativo do que queremos dizer
com revelar contradições.
Em seu primeiros contatos com a pesquisadora, Maria apresentou um
discurso bem elaborado e politicamente correto sobre a importância da inclusão do
233

deficiente mental na escolar regular, enfatizando sua crença na capacidade desse


aluno usufruir dos conteúdos acadêmicos trabalhados na escola. Contudo, nas duas
últimas entrevistas com a pesquisadora, os depoimentos da professora revelaram-
nos que sua verdadeira opinião era outra.
Ao comentar sobre as mudanças ocorridas em conseqüência de sua
participação no processo de pesquisa, Maria confessa que, antes da pesquisa, na
verdade, achava que o indivíduo deficiente mental era “uma espécie de louco que
babava e que, por isso, não devia estar na escola”. Mas, agora, tendo oportunidade
de observar e refletir sobre seus próprios alunos, ela acredita que estava errada e
declara que mudou suas concepções sobre a deficiência mental, sobre o aluno
deficiente mental e sobre o processo de inserção escolar deste aluno.
Reconhecendo que sabe pouco sobre estes temas, de agora em diante, a
professora pretende buscar novas informações sobre eles, ampliando seu novo foco
de interesse.
O depoimento final de Maria revela a clara contradição entre sua fala,
reprodutora do discurso “politicamente correto” aprovado pela ideologia da
macrossistema e incorporado por ela, e sua verdadeira opinião sobre o assunto;
opinião que será decisiva na condução dos rumos de qualquer projeto de inserção
escolar que ela venha a implementar.
Talvez, a própria professora não tivesse consciência da contradição vivida por
ela e apenas porque teve a oportunidade de participar deste processo de pesquisa é
que pôde deparar-se com ela. No caso de Maria, foi possível a ela estar em um
contexto – o microssistema da pesquisa -, no qual se sentiu à vontade para revelar
tais contradições e tentar superá-las transformando suas concepções, de modo a
estabelecer uma coerência maior entre o pensado e o vivido.
No entanto, apesar das mudanças ocorridas em suas concepções e no
surgimento do desejo de mudar, a professora não consegue desvencilhar-se
totalmente do jogo de contradições no qual está imersa. Ela demonstra claramente
essa dificuldade, no final do processo de pesquisa, quando ainda repete o discurso
oficial incorporado, afirmando que a “escola deve preparar o aluno para enfrentar o
mundo”; mas, no entanto, planeja uma ação pedagógica totalmente contrária a esse
discurso.
234

Assim, Maria afirma que Pedro e Ana devem ficar em sua sala, pois acredita
que eles podem aprender. Porém, entende que as estratégias utilizadas com os
outros alunos (os “não deficientes”) não servem para os dois e, por isso, ela
pretende encontrar novas alternativas para trabalhar com seus alunos deficientes
mentais. Enquanto não encontra tais alternativas, a professora decide que vai
manter Pedro e Ana “junto com os outros alunos que não conseguem aprender”, ou
seja, eles permanecerão à margem do processo de ensino e aprendizagem
instaurado dentro da sala de aula.
Ao buscar novas explicações teóricas para a deficiência mental, Maria
demonstra que ainda está muito presa ao modelo tradicional de educação, no qual
as diferenças dos alunos são interpretadas como perdas ou déficits a serem
sanadas pelo atendimento escolar. Dentro de uma visão organicista de Ser Humano,
ela focaliza a deficiência no indivíduo desviante – o aluno -, e revela ter uma
compreensão médica sobre o fenômeno da deficiência mental.
Esse modelo de compreensão enfatiza o diagnóstico e prognóstico clínico da
deficiência e tem como objetivo fundamental: classificar, comparar e normatizar a
pessoa desviante. Essa concepção pressupõe que existem duas condições para o
indivíduo: uma normal (padrão, saudável, eficiente) e outra anormal (desviante,
doente, deficiente).
Portanto, no caso do aluno deficiente mental inserido no contexto escolar,
caberia a escola repor suas faltas, compensando suas perdas e déficits, de modo a
diminuir o desvio existente entre o grau de desempenho apresentado por ele e o
coeficiente de normalidade estabelecido como o ideal para sua faixa de
desenvolvimento.
Raciocinando dessa forma, ao avaliar Ana, a professora irá comparar o
desenvolvimento da aluna com um nível de rendimento e desempenho
arbitrariamente estabelecido como sendo o ideal para ela. Como Ana não se encaixa
no nível esperado e não dispondo Maria de outra forma de avaliação, ela não
consegue reconhecer os progressos realizados pela aluna.
Aplicando a si própria o mesmo estilo tradicional de avaliação, a professora
não consegue interpretar os progressos de Ana como sendo os bons resultados de
seu trabalho realizado junto a aluna. Maria, igualmente, possui uma concepção
idealizada de que a “boa professora é aquela que consegue ensinar a todos os
235

alunos”. Diante daqueles que não apresentam o desempenho esperado, ela se culpa
por não ser tão eficiente como gostaria e divide com os alunos a culpa pelo fracasso
do atendimento escolar oferecido na sala.
Todavia, Maria consegue fazer uma leitura adequada das atuais condições
em que o processo de inserção escolar dos alunos com deficiência mental vem
sendo implementado em sua escola, destacando aspectos extremamente
pertinentes às atuais discussões realizadas por estudiosos e pesquisadores da área
sobre o tema da inclusão escolar do deficiente mental.
Em sua análise, a professora constata que a escola não está preparada para
implementar a inserção escolar desses alunos, sendo que a própria estrutura escolar
demonstra dificultar esse processo, ao manter uma aluna fracassando, durante cinco
anos, em uma mesma série. Reconhece também que, como professora, não
recebeu a formação adequada para trabalhar com esse tipo de aluno inserido em
sua sala e, além disso, sabe que não pode contar com profissionais especializados
dentro da escola, para lhe fornecerem a assessoria constante e sistematizada de
que necessita. Quanto ao atendimento extra-classe oferecido ao aluno com
deficiência mental, Maria aponta que não existe integração entre o trabalho
desenvolvido pela professora em sala e esse atendimento, e que seus resultados,
levando-se em conta o progresso apresentado pelos alunos, são insignificantes.
Podemos dizer que Maria chega ao final do processo de pesquisa
considerando a possibilidade de implementar mudanças em sua prática pedagógica
e ensaia uma análise sistêmica de sua realidade, caminhando para a construção de
uma visão ecológica daquele ambiente. Contudo, ela ainda não consegue fazer uma
reflexão crítica sobre a ideologia que está por trás do discurso oficial do
macrossistema educacional e, por isso, não percebe que a transformação do
contexto de sua sala em um ambiente realmente promotor do desenvolvimento para
todos os alunos, deficientes ou não, depende de mudanças em outros níveis do
macrossistema educacional.
Porém, mesmo não tendo acontecido modificações no macrossistema
educacional, constatamos que as pequenas mudanças ocorridas dentro do ambiente
da sala de Maria, ao longo do processo de pesquisa, foram significativas para
transformar aquele microssistema em um contexto promotor do desenvolvimento
236

para alguns alunos, em especial para Ana. Seguramente, a eficiência desse


atendimento escolar teria sido melhor, se as modificações tivessem sido estruturais.
A pesquisa também demonstrou que as mudanças desencadeadas no
pensar, sentir e agir de uma pessoa demandam tempo para serem consolidadas,
pois, considerando o caso em estudo, foram necessários cinco meses de trabalho da
pesquisadora junto à professora para que Maria chegasse ao nível de reflexões que
chegou, ainda sem ter incorporado novos procedimentos na implementação de sua
prática pedagógica.
Com certeza, as transformações efetivas no agir da professora ao
implementar sua prática pedagógica, principalmente em relação aos alunos com
deficiência mental inseridos em sua sala, demandariam da pesquisadora um
trabalho mais longo de assessoria contínua e sistemática junto a professora
237

CONCLUSÃO

Ao considerarmos o fenômeno da inserção de alunos com deficiência mental


em salas do ensino regular, compreendido através da perspectiva da professora,
que vivencia tal fenômeno em seu cotidiano profissional, destacam-se em nossa
análise quatro aspectos importantes que aparecem, permanentemente,
influenciando e interferindo na implementação de sua prática pedagógica: (1) a
formação profissional deficiente da professora que não a preparou adequadamente
para lidar com a realidade escolar encontrada em sua sala; (2) a dicotomia entre o
pensado e vivido estabelecida por Maria ao implementar sua prática pedagógica; (3)
a visão limitada e a falta de informações da professora sobre o microssistema da
sala de aula; e (4) a existência de um jogo de contradições nas comunicações
estabelecidas dentro ambiente ecológico da escola.
A ocorrência conjunta desses quatro fatores surte um efeito paralisador e
favorece a ocorrência de díades observacionais de caráter autoritário, dentro do
microssistema da sala de aula.
A análise dos dados revelou-nos a expectativa da professora de que o
processo educacional promova todos os alunos ao mesmo nível de desempenho e
competência estabelecidos como o padrão ideal. Em conseqüência dessas
expectativas, ao planejar e implementar sua prática pedagógica, a professora não
encontra lugar para o diferente, em especial, para aquelas diferenças apresentadas
pelo aluno em decorrência de sua deficiência mental.
A expectativa de “normalidade”, que nunca será concretizada em relação ao
aluno deficiente mental, induz a professora a excluí-lo do grupo de alunos passíveis
de serem educados. Não encontrando lugar para esse aluno em sua concepção
padronizada de educação, a professora acaba por incluí-lo no grupo daqueles
alunos que permanecem à margem do processo educativo instaurado dentro da
sala.
A professora, entretanto, a despeito de tudo isso, revela sua disponibilidade
para promover mudanças no pensar sobre sua prática pedagógica e em suas
concepções relacionadas ao fenômeno do aluno deficiente mental inserido em sua
sala. Esta disponibilidade e a efetivação de algumas mudanças apareceram ao
238

longo da participação da professora no processo de pesquisa, que teve um caráter


de análise reflexivo-crítica.
Ao final deste processo, embora ainda impregnada pela expectativa de
normalidade, a professora consegue perceber o aluno com deficiência mental como
alguém que pode aprender e, também, ver a si própria como alguém capaz de
ensiná-lo a aprender. Essa mudança na forma de interpretar e perceber o aluno
deficiente mental, inserido em sua sala de aula, levou-a a transformar sua prática
pedagógica no sentido de estabelecer díades promotoras do desenvolvimento deste
aluno.
Chegamos ao final deste trabalho com a certeza de que o processo de
inserção escolar do aluno deficiente mental na sala do ensino regular é um
fenômeno extremamente complexo para pretendermos esgotar, em único estudo,
todas as considerações sobre o assunto. Nem mesmo este trabalho conseguiu
discutir todas as possibilidades de análise oferecidas pelos dados que foram
revelados, ao longo do processo de investigação.
Antes disso, nosso objetivo fora realizar um recorte epistemológico na
realidade do fenômeno e oferecer um novo olhar sobre ele. E, nesse sentido, alguns
pontos destacam-se em nossas conclusões, ao final deste estudo.
Constatamos, neste estudo, que a transformação do ambiente da sala de aula
em um contexto que promova o desenvolvimento do aluno deficiente mental passa
por modificações na interação diádica estabelecida entre a professora e esse aluno.
Observamos, também, que tais modificações podem ser desencadeadas, em
conseqüência de transformações ocorridas na forma da professora interpretar e
perceber aspectos do microssistema da sala de aula.
Este trabalho revela, ainda, que essas mudanças, tão necessárias à
transformação do microssistema da sala, extrapolam a questão da especificidade da
inserção escolar do aluno com deficiência mental e devem ser considerados na
totalidade do contexto do ambiente ecológico escolar, dentro do macrossistema
educacional.
No tocante às Entrevistas Reflexivas a partir do Registro de Observação
realizadas no microssistema da pesquisa, estas revelaram-se situações interacionais
promotoras do desenvolvimento da professora, pois suscitaram modificações em sua
forma de pensar sobre sua prática pedagógica e em seus padrões de interação
239

dentro de sala, desencadeando também mudanças desenvolvimentais na aluna


deficiente mental.
Porém, transformações mais radicais, envolvendo todos os alunos daquele
microssistema, demandariam um período maior de interação entre professora e
pesquisadora. Além disso, considerando-se a rede sistêmica onde está inserido o
microssistema da sala, constatamos que eficiência do processo de inserção escolar
depende de transformações em outros níveis do ambiente ecológico.
Diante destes resultados, entendemos que uma das contribuições que este
trabalho oferece ao campo de investigação psicológica é trazer à público a
Entrevista Reflexiva a partir do Registro de Observação. Utilizada inicialmente como
estratégia de investigação e coleta de dados, a Entrevista Reflexiva a partir do
Registro de Observação demonstrou, ao longo desta pesquisa, seu potencial como
estratégia de intervenção em Psicologia da Educação.
Apesar do caráter interventivo da estratégia ter sido considerado, durante o
processo de investigação, este trabalho não teve como objetivo realizar um estudo
sistematizado e conclusivo sobre as implicações e desdobramentos da utilização
dessa estratégia. Contudo, reconhecemos as imensas possibilidades da Entrevista
Reflexiva a partir do Registro de Observação vir a tornar-se um importante recurso
tecnológico disponível ao Psicólogo da Educação envolvido com a formação
continuada de professores. Para tanto, outros trabalhos devem ser realizados com o
objetivo específico de investigar melhor esta estratégia e suas promissoras
possibilidades de utilização.
Em relação aos desdobramentos deste trabalho, chegamos ao seu final com
a certeza de que o fenômeno da inserção escolar de alunos deficientes mentais no
ensino regular ainda carece de muitos estudos, de muitos olhares, até que sejam
respondidas todas as perguntas. As imensas e desafiadoras possibilidades de
investigação que esse tema ainda oferece, de certa forma, nos fascinam e atraem,
impulsionando-nos a empreender novos caminhos, a partir daqui.
No entanto, é importante que esses novos caminhos de investigação sejam
trilhados, o quanto antes, por todos aqueles que se inquietam com os milhares de
jovens e crianças deficientes mentais que permanecem à margem do processo de
inclusão social e estão excluídos de sua condição social de indivíduos participantes
e ativos, simplesmente porque são diferentes.
240

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