EM UM CONTEXTO PROMOTOR DO
CLAUDIA DECHICHI
EM UM CONTEXTO PROMOTOR DO
SÃO PAULO
2001
iii
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_____________________________________
_____________________________________
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iv
Para
Rafael, Pedro, César, Fred, Clara, Taís, Carlos, Patrícia,
Rosângela, Carlos Eduardo, Catiane, Fábio, e Caíque,
meus primeiros alunos. Crianças muito... muito mais que especiais,
que revelaram em mim minhas melhores possibilidades como ser humano
e despertaram meu desejo de querer saber mais.
EM ESPECIAL,
preparando-me para ela. Meu pai, que me revelou o fascínio pela leitura e
os objetivos desejados.
Aos meus familiares e amigos, pois, sem eles esta teria sido uma
trajetória solitária.
Agradecimentos,
Sumário
RESUMO __________________________________________________________IX
ABSTRACT ________________________________________________________ X
APRESENTAÇÃO__________________________________________________ 11
INTRODUÇÃO_____________________________________________________ 22
PARTICIPANTES ________________________________________________ 85
PROCEDIMENTOS _______________________________________________ 85
PARTICIPANTES ________________________________________________ 88
PROCEDIMENTOS _______________________________________________ 97
ANEXO A ________________________________________________________A.1
ANEXO B________________________________________________________B.1
ix
RESUMO
ABSTRACT
O TEMA DE INTERESSE
luta contra o estigma social que a condição de deficiente lhe imputa, é fundamental
que ela constitua esse aluno como um sujeito cognoscente e que transforme o
ambiente de sua sala de aula em um verdadeiro contexto desenvolvimental.
OBJETIVO DO TRABALHO
INTRODUÇÃO
parece ter se estendido até o início da década de 50 do século XX. Ao longo desse
período podemos observar que os conhecimentos teóricos relativos à deficiência
mental parecem ter estado restritos aos meios essencialmente acadêmicos, com a
ocorrência de poucas ofertas de atendimento educacional para os deficientes
mentais.
Essa fase da negligência ainda estava predominando em nosso país, quando,
em outros países do mundo, já era possível observar o desenrolar da segunda fase,
a era da intensiva institucionalização que ocorreu entre os Séculos XVIII e XIX.
Nesses países, o predomínio de uma concepção radicalmente organicista sobre a
deficiência mental, baseada no pressuposto de que esse fenômeno tinha etiologia
hereditária, evidenciando uma degenerescência da espécie, justificava a segregação
social dos indivíduos deficientes mentais em instituições assistenciais especiais,
defendendo essa institucionalização como a melhor alternativa para combater a
ameaça representada por essa população. Enquanto isto, no Brasil, não existia
interesse pela educação e atendimento especiais para os indivíduos considerados
idiotas ou imbecis, persistindo, o país, na fase da negligência (ibidem).
Ao final do Século XIX e meados do Século XX, observamos iniciativas para
reduzir a segregação imposta ao indivíduo deficiente mental e a busca pela inserção
dessas pessoas em escolas especiais comunitárias ou em classes especiais, em
vários outros países do mundo. No início do Século XX, a questão da debilidade
mental, categorizada como um dos graus mais leves dos estados inferiores da
inteligência, segundo Mendes (1995), foi despertando o interesse dos profissionais
da área. A partir desse período, o conceito de deficiência mental começou a
depender de critérios essencialmente culturais, e para solucionar o problema,
iniciou-se a expansão das classes especiais nas escolas regulares, que tinham
como objetivo atender aqueles indivíduos avaliados como sendo deficientes mentais
leves.
No Brasil, a preocupação em definir, identificar, classificar a condição da
deficiência mental e, conseqüentemente, oferecer algum tipo de atendimento
educacional a essa população, era quase inexistente, até meados do Século XX. Só
na década de 50, quando em outros países já surgiam questionamentos sobre a
qualidade e os objetivos do atendimento educacional oferecido ao deficiente mental
28
Este princípio foi generalizado, a partir de 1972, por Wolfensberg, para todas
as pessoas com deficiências e contemplou tanto os meios possíveis, quanto os
resultados alcançados. Isto quer dizer que, para Wolfensberg, a normalização era a
utilização de meios, tão culturalmente normativos quanto fosse possível, para
estabelecer e/ou manter condutas e características pessoais o mais culturalmente
normativas quanto fosse possível (in Steenlandt, 1991).
O pressuposto básico do princípio da normalização era que toda pessoa
portadora de deficiência, especialmente, as deficientes mentais, tinham o direito de
experienciar um estilo, ou padrão de vida, que fosse comum ou normal à sua própria
cultura, ou seja, a todos os membros de uma sociedade deveriam ser oferecidas
oportunidades iguais de participar em atividades comuns àquelas partilhadas por
seu grupo de pares (Mendes, 1994).
Definida como um princípio ou como um objetivo a ser alcançado, a
normalização não era específica da escola; ela passava a englobar os diversos
aspectos da existência em sociedade e de todas as etapas de vida dos indivíduos
portadores de deficiência. Além disso, o princípio da normalização não permaneceu
restrito aos fatores relacionados à vida dos indivíduos afetados por uma
incapacidade ou uma dificuldade, ele passava a envolver também todas as outras
pessoas que estavam em contato com aqueles indivíduos, ou seja, sua família e a
sociedade que se relacionasse com eles (Doré et al.,1996).
44
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
suficientes para que ele tenha condições de desenvolver-se como estudante, pessoa
e cidadão.
Dessa forma, o objetivo fundamental da Inclusão Escolar é não deixar criança
alguma fora do sistema escolar e garantir que todas possam freqüentar a sala de
aula do ensino regular da escola comum e que esta escola, por sua vez, adapte-se
às particularidades de todos os alunos para concretizar o objetivo da diversidade,
proposto pelo modelo inclusivista. O paradigma da Inclusão não admite
diversificação de atendimentos pela segregação e, na busca de um ensino
especializado no aluno, procura soluções que atendam às suas diversidades, sem
segregá-los em atendimentos especializados ou em modalidades especiais de
ensino (Werneck, 1997; Mantoan, 1996;1997).
Portanto, a inserção proposta no modelo da inclusão é muito mais completa,
radical e sistemática, não admitindo que ninguém fique fora da escola, por isto, seus
pressupostos provocam o questionamento das políticas educacionais e da
organização da educação especial e regular, assim como o conceito de
mainstreaming e de integração.
Nesse sentido, as escolas inclusivas propõem um modo de constituir um
sistema educacional que considere as necessidades de todos os alunos e que seja
estruturado em virtude dessas necessidades. A proposta inclusivista, assim, provoca
uma ampliação na perspectiva educacional, dentro do contexto escolar, já que sua
prática não prevê apenas o atendimento aos alunos que apresentam dificuldades na
escola. Além disto, o trabalho educacional desenvolvido dentro do paradigma da
inclusão apóia a todos os que se encontram envolvidos no processo de
escolarização: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham
sucesso na corrente educativa geral (Mantoan, 1997).
A ênfase da escola inclusivista não se restringe ao atendimento das crianças
portadoras de necessidades especiais. A meta do novo paradigma é incluir todos
aqueles que se encontram em situação de exclusão, quer sejam eles deficientes
físicos, mentais, sensoriais, ou crianças fracassadas na escola; ou alunos
marginalizados por conta de suas peculiaridades raciais ou culturais; ou qualquer
outra criança que esteja impedida de usufruir seu direito de acesso a uma educação
democrática e de qualidade que lhe garanta um desenvolvimento social, emocional e
50
métodos de ensino tradicionais (Glat, 1985). Porém, é sempre bom lembrar que o
fracasso escolar diante dos métodos “tradicionais” de ensino nem sempre significa
que o aluno tem uma deficiência mental.
Nas últimas décadas, as definições para deficiência mental têm enfatizado
mais os aspectos psicossociais da deficiência, do que os aspectos biológicos e
etiológicos, devido à importância que vem sendo dada à conduta adaptativa do
indivíduo deficiente, em relativo detrimento aos fatores causais e às considerações
prognósticas da deficiência mental. A conduta adaptativa refere-se aos
comportamentos do indivíduo relativos à sua competência social, ao seu
desempenho escolar, à sua independência em hábitos de cuidados pessoais e à sua
aquisição de padrões de conduta socialmente aceitos.
Algumas definições de deficiência mental, utilizadas por importantes
organizações mundiais, têm tido repercussão internacional e destacam-se como
referência conceitual, exercendo significante influência sobre as representações
conceituais de muitos profissionais da área de educação especial. A importância
dessa influência deve ser considerada, pois, tendo tais concepções como referência,
os profissionais da educação irão estruturar serviços, elaborar planejamentos e
estabelecer objetivos para o atendimento educacional oferecido ao deficiente
mental.
Dentre as referências conceituais de deficiência mental, destacamos a
definição da Associação Americana de Deficiência Mental (American Association on
Mental Deficiency - AAMD), sediada nos EUA, devido à sua importância histórica
nos eventos relacionados à educação especial e também pelo fato da definição
proposta por essa associação vigorar como princípio orientador de trabalhos e
pesquisas na área da educação especial. Em 1992, a AAMD apresentou uma nova
revisão de sua definição de deficiência mental. O novo texto, ampliado e com maior
detalhamento, afirma que a deficiência mental:
por seu meio ambiente. Assim sendo, as condições propiciadas pelo contexto em
que esse sujeito vive passam a ter um peso fundamental em seu processo de
adaptação, podendo contribuir tanto para o abrandamento, quanto para o
agravamento de suas dificuldades, incapacidades ou inadaptações. As causas da
situação de inadaptação, portanto, não são mais procuradas no indivíduo e
justificadas por suas características pessoais, o foco desloca-se para o processo
interacional dele com seu meio ambiente.
A ênfase na análise dos aspectos externos envolvidos na interação do
indivíduo deficiente mental, em sua inserção no contexto em que vive, não tira a
importância de considerar os aspectos relacionados ao quadro etiológico de sua
deficiência mental. Entretanto, sem negar a etiologia orgânica que uma considerável
parcela de deficientes mentais carregam, Pessotti (1984) alerta para os radicalismos
nas considerações sobre a deficiência, no sentido de evitar uma postura totalmente
organicista e unitária, lembrando que o conceito de deficiência mental, seu
diagnóstico e classificação devem considerar o homem dentro de uma visão
integrativa e global. Para Mantoan (1997a), restringir a interpretação da deficiência
mental a um fenômeno individual, acaba conduzindo a compreensão desse
fenômeno a muitas distorções de sentido, ao mesmo tempo em que estimula a
concretização de atendimentos educacionais e terapêuticos cujas intervenções
acentuam o seu caráter patológico e segregativo.
Estudos de epistemologia social, relacionados à construção social da
deficiência mental, demonstram que os problemas enfrentados pela pessoa
deficiente são mais de limitações e deficiências da sociedade e do meio em que ela
se encontra, do que do próprio organismo dito deficiente, confirmando, assim, a
importância dos fatores ambientais na constituição do fenômeno da deficiência
mental (Omote, 1980; Melchiori, 1987).
Em uma sociedade em que o padrão de normalidade e ajustamento é
valorizado e legitimado pela ideologia dominante, qualquer pessoa que se destoe do
convencional passa a ser discriminada e segregada pela maioria considerada
“normal”. Como a sociedade não está preparada para lidar com as diferenças
apresentadas pelos indivíduos com deficiência mental, em geral, acaba
culpabilizando-os por suas próprias impossibilidades e limitações. Enxergar apenas
o quadro orgânico e patológico da deficiência mental é desconsiderar os aspectos
57
indivíduo. Para tanto a escola é, ao nosso ver, o agente social que mais poderá
contribuir na preparação desse indivíduo para uma inserção social plena e
verdadeira.
Nesse sentido, acreditamos que a escola comum, como contexto social, tem
um duplo papel em relação ao aluno deficiente mental que ali se encontra: (1)
constituir-se em uma opção de ambiente social em que este aluno possa estar se
inserindo e estabelecendo inter-relações sociais que fortaleçam e enriqueçam sua
identidade sócio-cultural; (2) propiciar uma formação escolar diversificada e
completa a esse aluno, de modo a capacitá-lo a realizar uma inserção social
adequada nos outros ambientes pelos quais circula.
Estudos já demonstraram que a influência do processo educativo escolar
pode ser decisiva para o desenvolvimento psico-intelectual da criança. Conduzir o
seu desenvolvimento por meio da educação, segundo Kostiuk (1991), significa
organizar essa interação, dirigindo a atividade da criança para o conhecimento da
realidade e para o domínio – por meio da palavra – do saber e da cultura da
humanidade, desenvolvendo concepções sociais, convicções e normas de
comportamento moral.
Além disto, as atividades educativas na escola vão além da simples aquisição
de conhecimentos acadêmicos. No contexto escolar, as crianças estão envolvidas
em várias formas de atividade educativa intencional e a participação delas em tais
atividades, deve ser vista como uma espécie de aperfeiçoamento de sua atividade
cognitiva e de sua capacidade para assimilar conhecimentos. Kostiuk comenta que
pesquisas têm revelado “a dependência do ensino a respeito do desenvolvimento
psico-intelectual da criança, e dão um conteúdo novo à idéia de que o ensino exerce
um papel ativo no desenvolvimento” (1991, p.55). Ao colocar os alunos perante
tarefas de caráter cognoscitivo, o professor não se limita a organizar as ações
encaminhadas para a execução dessas tarefas, mas proporciona aos alunos os
métodos necessários cujo domínio leva ao aparecimento de novas atividades e ao
desenvolvimento das potencialidades mentais.
Se essas considerações valem para aquelas crianças consideradas
“normais”, intelectualmente falando, também servem para aquelas que apresentam
déficit intelectual ou deficiência mental.
62
priori, pelo quadro etiológico da deficiência e que irá realizar-se independente das
interações ou experiências que o sujeito venha a ter em seu meio ambiente.
Se, por um lado, não existe um potencial pré-determinado a ser desenvolvido,
por outro, esse indivíduo não pode ser considerado uma folha em branco ou uma
massa disforme, cujo desenvolvimento será programado e determinado pelas forças
do ambiente. Assim como a condição de déficit cognitivo não tira desse aluno suas
possibilidades em aberto de desenvolvimento, também não padroniza suas
características pessoais. Como qualquer outra pessoa, ele também tem suas
especificidades individuais, seus interesses, sua capacidade crítica e interpretativa
da realidade, e sua forma de compreender e dar significado ao mundo que o rodeia.
A professora regente também é considerada como alguém que se encontra
em um ativo e progressivo processo de desenvolvimento, dentro do ambiente da
sala de aula. Ao desempenhar sua prática docente, ela atua de forma dinâmica e
efetiva sobre esse ambiente, reestruturando-o e modificando-o a partir de suas
ações e interações; o meio ambiente age e reage à esta atuação, estabelecendo-se,
assim, um processo de mútua interação entre indivíduo e meio. O processo de
desenvolvimento da professora ocorre à medida que ela, a partir desse processo de
interação com o ambiente da sala, se transforma e, conseqüentemente, transforma
sua prática docente, modificando e ampliando sua compreensão sobre os aspectos
relacionados a essa prática e aos fatores que permeiam as interações estabelecidas
em sala. A qualidade do processo de desenvolvimento da professora irá depender,
fundamentalmente, de sua disponibilidade em estar pensando sobre os diversos
aspectos relacionados à sua prática e, conseqüentemente, na sua disponibilidade
em estar operando mudanças na sua percepção, compreensão e ação sobre este
meio.
De acordo com a perspectiva ecológica, existe uma acomodação progressiva,
mútua, entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades
mutantes dos ambientes imediatos desse indivíduo. Por definição, esses ambientes
imediatos são todos os locais por em que o indivíduo circula e estabelece interações
diretas com outras pessoas. A interação estabelecida entre a pessoa e o meio
ambiente é bidirecional e caracterizada pela reciprocidade: o indivíduo penetra no
meio em que está inserido e o reestrutura, provocando ali transformações; enquanto
que esse meio ambiente, agindo e reagindo às ações desse indivíduo, também irá
69
comunidade escolar; tudo isto se passa no nível dos exossistemas, que, portanto,
estão extremamente relacionados ao ambiente da sala de aula.
Um importante campo de trabalho para o Psicólogo da Educação, focalizando
o fenômeno da inserção escolar do deficiente mental, surge no nível dos
exossistemas. Partindo do pressuposto de que o sucesso da inserção deve ocorrer,
antes de tudo, dentro da sala de aula do ensino regular, acreditamos que a
formação e o preparo do professor regente são a base fundamental para garantir, ou
não, esse sucesso. Dessa forma, o Psicólogo da Educação é um dos profissionais
capacitados para implementar projetos de formação continuada junto ao professor.
Em um trabalho de formação continuada, em que a situação de interação
estabelecida entre professor e psicólogo educacional desencadeie um processo de
análise reflexivo-crítica, o professor tem oportunidade de trocar informações,
construir novos conhecimentos, rever antigas concepções e refletir sobre posturas,
atitudes, valores e sentimentos vivenciados em sua prática pedagógica, dentro de
sala. Esse processo de informação e formação, mediado pelo psicólogo da
educação, pode desencadear transformações importantes na implementação da
prática pedagógica pelo professor, assim como no modo dele constituir seus alunos,
na condição de sujeitos participantes do contexto de ensino e aprendizagem, em
sala de aula.
Enquanto que, para o aluno, inserido em sala, a relação professor – psicólogo
educacional é um exemplo de exossistema, para o professor, o ambiente ecológico
constituído em sua interação com o psicólogo, durante o processo de formação
continuada, é um dos vários microssistemas do qual participa. Sendo um
participante ativo e em desenvolvimento dentro desse microssistema, as
transformações sofridas pelo professor, muito provavelmente, irão influenciar as
relações estabelecidas por ele em outros microssistemas por onde circula e com os
quais interage, sendo o ambiente imediato da sala de aula um destes. Assim,
queremos destacar as imensas possibilidades de intervenção e transformação que
um trabalho de formação continuada, dentro dos referenciais da Psicologia da
Educação, pode implementar na atual realidade de atendimento escolar oferecido
aos portadores de deficiência mental.
O quarto nível do ambiente ecológico, o macrossistema, é definido por
Bronfenbrenner partindo do pressuposto de que um fenômeno importante ocorre
76
diante da situação de ter seu filho freqüentando a mesma sala de aula que um
garoto com deficiência mental.
Encontramos outros exemplos de inter-relações entre os ambientes, dentro da
escola, quando constatamos a interferência de decisões tomadas pela direção
escolar auxiliando, ou perturbando, a dinâmica da implementação do trabalho
pedagógico desenvolvido pela professora, dentro da sala; ou ainda, quando a
existência de um elemento controlador, na figura da supervisora escolar, cerceia as
possibilidades da professora estar refletindo sobre sua prática e buscando novas
alternativas de mudanças.
Ao considerarmos o princípio triádico das relações entre os ambientes,
ampliam-se as possibilidades de transformação da prática pedagógica da professora
regente, a partir de um trabalho de formação continuada, mediado pela psicóloga da
educação. A interação estabelecida entre professora e psicóloga constitui um novo
ambiente ecológico, que irá existir ao longo do processo de formação continuada.
Esse novo ambiente, funcionando como um contexto desenvolvimental para a
professora, estará em constante interconexão com o ambiente da sala de aula onde
se encontra o aluno em desenvolvimento; a psicóloga educacional será a terceira
pessoa em interação com a díade professora – aluno
Como podemos observar, Bronfenbrenner (1994) propõe uma teoria das
interconexões ambientais e seu impacto sobre as forças que afetam o crescimento
psicológico. Ao considerar o desenvolvimento humano, não coloca ênfase nos
processos psicológicos tradicionais, como a percepção, motivação, pensamento e
aprendizagem, mas, sim, no seu conteúdo, naquilo que é percebido, desejado,
temido, pensado ou adquirido como conhecimento, e como a natureza desse
material psicológico muda em função da exposição e interação de uma pessoa com
seu meio ambiente. Em suas palavras:
partir da década de 70, começaram a fazer uso dessas técnicas, dando origem a
uma nova linha de pesquisas, cujo foco de interesse é o processo educativo.
A abordagem etnográfica na pesquisa educacional fundamenta-se em duas
hipóteses sobre o comportamento humano: (1) a hipótese naturalista-ecológica, que
assegura ser o comportamento humano significativamente influenciado pelo contexto
em que se situa e, nesse sentido, retirar o indivíduo de seu contexto natural é negar
a influência dessas forças contextuais e, conseqüentemente, deixar de compreender
o fenômeno pesquisado em sua totalidade; (2) a hipótese qualitativo-
fenomenológica, que afirma ser quase impossível compreender o comportamento
humano sem tentar entender o quadro referencial dentro do qual os indivíduos
interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações. Para compreender o
significado latente e manifesto dos comportamentos dos indivíduos e, ao mesmo
tempo, manter uma visão objetiva do fenômeno, o pesquisador deve exercer o papel
subjetivo de participante e o papel objetivo de observador (Wilson, 1977).
Para que um estudo de caso seja reconhecido como etnográfico, antes de
tudo, ele deve preencher os requisitos da etnografia e, além disto, constituir-se no
estudo de um sistema bem delimitado, uma unidade com limites bem definidos,
segundo André (1998). Apesar do estudo de caso enfatizar o conhecimento do
particular, isto não impede que o pesquisador situe essa unidade num sistema mais
amplo e observe as inter-relações que ela mantêm com as outras instâncias ou
unidades dentro desse contexto maior. Nas palavras de Lüke & André,
Objetivos
Participantes
Procedimentos
Objetivos
Participantes
Logo no segundo ano na escola, Maria teve contato com um aluno com
deficiência mental, que foi inserido em sua sala de alfabetização de adultos. Nos
anos seguintes, continuou recebendo alunos com deficiência mental, em suas salas.
Além da experiência com esse tipo de alunos, há dois anos Maria vem trabalhando
com uma aluna que possui um comprometimento total da capacidade auditiva.
92
que tem como objetivo principal integrar e socializar as crianças ao meio, pela
prática desportiva.
O outro aluno deficiente mental inserido na sala de Maria era Pedro (nome
fictício). Ele tinha quinze anos de idade e havia chegado à escola no primeiro
semestre daquele ano, vindo de uma escola especial da rede de ensino estadual.
Segundo a supervisora, o pedido de encaminhamento enviado por aquela escola
afirmava que o nível acadêmico de Pedro correspondia à terceira série do Ensino
Fundamental, por isso, ao chegar à escola, o aluno foi inserido em uma turma da
terceira série. Contudo, ao longo das duas primeiras semanas, Pedro demonstrou ter
enormes dificuldades para seguir o conteúdo pedagógico, levando a supervisora a
transferi-lo para uma turma de primeira série – a sala de Maria.
Pedro, segundo sua professora, era um aluno bem comportado, que estava
desenvolvendo-se muito bem, de acordo com o esperado para aquela série. Na
avaliação de Maria, ele não lhe dava trabalho em sala, pois fazia todas as atividades
solicitadas, empenhando-se em superar suas dificuldades. Pedro continuava
freqüentando, duas vezes por semana, o serviço de apoio escolar da escola
especial, por isso não era atendido pelo pessoal do Projeto de Ensino Alternativo.
muitas dificuldades, tendo sido reprovado duas vezes, Pedro ele foi encaminhado
para uma escola especial, lá permanecendo até a época da mudança da família
para Uberlândia. Aqui chegando, depois de nova tentativa frustrada de inseri-lo em
uma escola comum, a família foi orientada a procurar uma escola especial. Nessa
escola, Pedro permaneceu dos dez aos quinze anos, sendo, posteriormente,
encaminhado para a Escola Municipal São José.
Inquirida sobre as causas das dificuldades de Pedro, a mãe relatou que ele
fora avaliado por uma neurologista do posto de saúde, que conclui que o menino
tinha problemas de formação neurológica, o que fazia com que seu desenvolvimento
fosse mais lento. Segundo a mãe, uma cópia da avaliação feita pela médica
encontrava-se no prontuário de Pedro que ainda estava na escola especial.
Alternativo.
Procedimentos
narrativa em curso, para Holstein & Gubrium (1995), todas são construídas na
situação de interação: são produto da conversa entre os participantes da entrevista.
Normalmente referenciada como estratégia, técnica ou instrumento de coleta
de dados, a Entrevista pode ser analisada num sentido mais amplo, que é o da
comunicação verbal. Lembrando-nos da complexidade que envolve a discussão do
campo conceitual da entrevista, Minayo discute dois aspectos que, certamente,
retiram a Entrevista do campo supostamente neutro da coleta de dados, colocando-a
na "arena dos conflitos e contradições" (1996, p.109).
O primeiro desses aspectos reporta ao status que adquire a palavra (a fala do
indivíduo) na entrevista, constituindo-se em símbolo de comunicação por excelência
e reveladora de códigos de sistemas e valores contraditórios. O outro aspecto refere-
se à interação social na situação de Entrevista – fenômeno que, inevitavelmente,
se estabelece na relação entre entrevistador/pesquisador e entrevistado/sujeito
(idem).
A Palavra ou a fala individual, inerente a toda situação envolvendo
entrevistador e entrevistado, confere à Entrevista um caráter privilegiado, como
procedimento na coleta de dados.
Baktin (apud Minayo, 1996), analisa o ato da fala como produção social
marcada pelo ideológico, destacando o fenômeno social da interação verbal. Para
ele, a palavra é um fenômeno ideológico por excelência, "o modo mais puro e
sensível de relação social" (p.110). O caráter histórico e social da fala é definido por
Baktin como um campo de expressão das relações e lutas sociais; campo que sofre
os efeitos da luta e, concomitante, serve de instrumento e de material para sua
comunicação.
E é justamente esta possibilidade de a fala ser “reveladora de condições
estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles)
e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as
representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas
e culturais específicas" que dá à entrevista esse caráter de especial importância
como instrumento de coleta de dados, segundo Minayo (1996, p.110).
As boas Entrevistas, para Bogdan & Bilken, produzem uma riqueza de dados,
recheados de palavras, que revelam as perspectivas dos respondentes. Durante a
Entrevista, são registrados os dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, que
101
Aquela autora descreve cinco tipos de questões que devem ser utilizadas pelo
entrevistador, ao longo das Entrevistas Reflexivas, para que ele possa orientar-se na
condução do processo reflexivo. Cada uma dessas questões relaciona-se a um tipo
específico de objetivo a ser alcançado, dentro da Entrevista Reflexiva, e serve, ao
mesmo tempo, de guia na interação que se estabelece, como de estratégia de
ampliação e aprofundamento do material que vai sendo apresentado, ao longo
dessa interação. A Questão Desencadeadora refere-se ao tema que se está
investigando e deve ser suficientemente ampla para permitir que o entrevistado inicie
seu depoimento pelo ângulo que achar melhor; as Questões de Esclarecimento,
como o próprio nome está dizendo, são feitas pelo entrevistador, quando ele não
entendeu a fala do entrevistado; as Questões de Síntese são feitas de tempos em
tempos para resumir as informações recebidas, solicitando a confirmação pelo
entrevistado sobre sua abrangência; as Questões de Aprofundamento, que
servem para o entrevistador, expressar sua própria compreensão a respeito do que
foi dito; e, finalmente, as Questões de Diferenças, que estimulam o entrevistado a
apontar diferenças quer entre situações, perspectivas ou no tempo.
109
relacionados à sua prática pedagógica sobre os quais ainda não tinha uma clareza
de conhecimento ainda. Isto torna a interação muito mais rica por conta das novas
informações que vão surgindo e da situação de troca que se estabelece entre os
participantes da entrevista, pois não só a pesquisadora estará obtendo o
conhecimento que deseja, como a professora também estará construindo,
sistematizando ou (re)significando determinado conjunto de conhecimentos.
Além disto, quando a professora é solicitada a falar sobre sua prática e
experiência pedagógica e sobre tudo mais que acontece em sua sala de aula, ela
passa a ser reconhecida como alguém que possui um conhecimento que é do
interesse de um Outro – a pesquisadora. Os relatos de experiência da professora,
suas opiniões, suas avaliações, suas percepções sobre tudo que acontece em sua
sala de aula constituem um conjunto de conhecimentos que é exclusivo e próprio
dela.
Ao assenhorear-se desses conhecimentos, na interação com a pesquisadora,
a professora deixa o papel passivo de mera receptora de informações, tão usual em
entrevistas que visam apenas “sugar” informações, e pode desempenhar o papel de
conhecedora. Sendo alguém que conhece, alguém que também sabe, alguém que
possui um conhecimento que é alvo do interesse de Outro, a professora pode
assumir a posição ativa de colaboradora no processo de análise reflexivo-crítica, e
contribuir mais efetivamente para o desvelamento do fenômeno em investigação.
1
No Anexo B, o leitor encontra a reprodução integral de uma das Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação realizadas com a professora Maria.
117
A Grounded Theory não começa com uma teoria, ela demonstra-a. Este tipo
de análise, quando bem feita, segundo Glaser & Strauss (1967), revela ou
demonstra uma teoria que irá se ajustar ao conjunto de dados perfeitamente. O
resultado deste ajuste é o estabelecimento de uma relação recíproca entre o
conjunto de dados, a análise e a teoria.
Nesta metodologia de investigação, o pesquisador é um elemento
fundamental. A Grounded Theory exige do pesquisador uma grande sensibilidade
teórica no momento em que estiver analisando e discutindo os dados. Ou seja, o
investigador necessita ser sensível, teoricamente falando, para orientar-se na coleta
de dados relevantes ao fenômeno e para saber, no momento da análise, identificar
as sutilezas dos significados que esses dados revelam. Além disto, esse
investigador precisa ter habilidades para realizar observações e deixar os
informantes à vontade (Bousso, 1999).
O sucesso da utilização deste método de análise depende da obediência,
pelo pesquisador, aos passos característicos de coleta e análise de dados.
Resumidamente, as etapas de coleta, análise, discussão e interpretação dos dados
sobre o fenômeno estudado, dentro da Grounded Theory são as seguintes:
(Maria) – É, porque aí eu vou estar olhando, eu sei (175)Querendo que tivesse integração e que os
alunos fracos ficassem misturados no meio.
que naquela fila lá, tá todo mundo ali.(174) Queria
(176)Alunos fracos tendo que aprender, que se
que tivesse a integração e eles ficassem
adiantar, tentar alcançar a turma.
misturados no meio,(175) mas eu resolvi... como eles
(177)Resolvendo fazer a troca de lugares entre os
têm que aprender, tem que tá, se adiantar, tentar alunos, porque os alunos fracos têm que aprender e
alcançar a turma,(176) aí, eu resolvi fazer essa alcançar a turma.
troca.(177) Coloquei... tentei colocar a fila de (178)Tentando colocar a fila dos alunos fracos no
canto,(178) mas, de forma alguma eles estão canto (da sala).
sabendo disso, sabe? (179) (179)Alunos fracos não sabendo, de forma alguma,
2a.Etapa - CATEGORIZAÇÃO:
Neste nível da análise, podem estar sendo elaborados os MEMOS, que são
procedimentos auxiliares para o desenvolvimento de uma teoria. O MEMO é o
registro escrito do processo de análise dos dados, representando o pensamento
abstrato (“insights”) que o investigador tem sobre eles. Os MEMOS podem tornar-se
uma importante fonte de dados: registro de idéias sobre códigos, categorias e
relações entre categorias.
No exemplo abaixo, reproduzimos um dos Quadros de Categorização
utilizados na análise dos dados.
2
No Anexo A, o leitor encontrará os Quadros de Categorização referentes a cada um dos
quatro momentos da “Codificação Teórica”
123
CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE
GEOGRAFIA / HISTÓRIA:
LINGUA PORTUGUESA: GRAMÁTICA DO USO:
Do Espaço do Corpo ao Espaço da
-Leitura/Escrita/Interpretação. -Alfabeto.
Vivência Próxima- as Relações Sociais:
-Linguagem Oral. -Ordem alfabética.
-Eu: Quem sou/ Como sou/ Minha
-Distinção desenho/escrita. -Escrita de palavras e textos.
história
CIÊNCIAS
MATEMÁTICA MATEMÁTICA
O Ser Humano:
Geometria: Numeração Decimal:
-O corpo humano externo e suas
-Posições -Conjunto/Classificação
funções.
-Sentidos -Numerais: ler / escrita posicional
-Órgãos dos sentidos e suas funções.
Para não correr o risco de sair dos limites estabelecidos pelo plano geral, a
professora opta por elaborar um planejamento pedagógico único, a ser
implementado com todos os alunos da sala. Entretanto, mesmo TENDO UM
PLANEJAMENTO ÚNICO, Maria reconhece que seus alunos apresentam diferenças
importantes entre si, relacionadas ao desempenho escolar, aos níveis de
dificuldades de aprendizagem, à forma de participação e envolvimento nas
atividades desenvolvidas e ao tipo de comportamento manifestado em sala. Assim,
ela busca elaborar um planejamento único respeitando as diferenças dos alunos.
A professora afirma que, em sua sala, existem "alunos mais fracos"(sic), por
isto, ela busca elaborar um planejamento único respeitando as diferenças dos
alunos(1) e, dentro daquilo que está sendo proposto no plano geral, vai fazendo as
adaptações possíveis, sempre planejando pensando nos alunos mais fracos,
procurando considerar suas dificuldades e sendo mais atenciosa para com eles.
Maria comenta que a maioria dos alunos mais fracos é repetente, alguns já
tendo cursado aquela série mais de uma vez e, por causa disto, “já viram muitas
coisas que ela está dando em sala”(sic). Considerando as diferenças dos níveis de
desempenho acadêmico apresentadas pelos alunos fracos e pensando naqueles
que já viram o conteúdo programático que está sendo ministrado, a professora
preocupa-se em estar diversificando as atividades desenvolvidas em sala.
Ao exemplificar esta diversificação, entretanto, a professora fala de algumas
mudanças superficiais na organização das atividades em sala e reconhece que
“senta-se muito no conteúdo que tem que ser dado”(sic), referindo-se aos conteúdos
128
curriculares do plano geral, não conseguindo fazer grandes variações durante suas
aulas.
Apesar de reconhecer as dificuldades e necessidades dos alunos fracos
(dentre eles, aqueles com deficiência mental), Maria conta que não recorre a
nenhum tipo de atividade diferenciada ou adaptada, ou ao uso de qualquer material
extra ou exercício de suporte, que tenha sido elaborado especialmente para estes
alunos. Ela relata que, às vezes, pensa em fazer alguma coisa diferentes para os
alunos mais fracos, mas reconhece que não tem conseguido realizar atividades que
tenham sido especialmente planejadas para eles. A despeito da vontade de mudar,
a professora afirma que não consegue alcançar seus objetivos e continua
planejando sem atender os alunos mais fracos.
Para manter este controle, a professora afirma que tem que estar em
“movimento rápido durante as aulas”(sic), ou seja, o tempo todo precisa estar falando
com os alunos, andando pela sala, chamando a atenção dos alunos em voz alta,
repreendendo comportamentos, verbalizando ameaças de punições etc.
Quando estão realizando alguma atividade, vez ou outra, os alunos pedem
que a professora vá até suas mesas para atendê-los. Maria comenta que acaba
sendo solicitada o tempo todo por alguns alunos que só conseguem desempenhar
suas tarefas quando ela está ao lado deles, dirigindo-lhes toda sua atenção.
Por outro lado, segundo Maria, sua presença acaba não sendo muito
solicitada por alguns alunos. Procurando explicações para o fato, a professora
acredita que, devido a características próprias de interação social, alguns alunos não
chamam muito a professora. Em outros casos, existem aqueles alunos que
conseguem realizar a tarefa sozinhos, sem encontrar qualquer dificuldade e que,
portanto, dispensam sua ajuda. Outra explicação apontada pela professora refere-se
ao tipo de tarefa que está sendo realizada, ou seja, uma tarefa muito fácil de ser
executada, provocaria menos dificuldades ou dúvidas nos alunos,
conseqüentemente, os alunos necessitariam menos da professora.
Maria também associa à situação de não sendo muito solicitada aos
momentos em que os alunos estão trabalhando em grupo de dois ou três elementos.
A princípio, a professora justifica este fato afirmando que, quando estão em grupo,
os alunos que têm mais dificuldades ou dúvidas acabam copiando a tarefa do
caderno do colega e dispensam sua presença. Entretanto, a professora reconhece
que, em algumas ocasiões em que trabalharam em duplas, os alunos demonstraram
mais autonomia no desempenho das tarefas.
Existe ainda, um outro tipo de aluno, como é o caso de Ana, que nunca
solicita a presença da professora e permanece sentado em seu lugar sem, contudo,
realizar a tarefa pedida. Estes alunos, segundo a professora, demandam sua
assessoria constante, pois se ela “não está em cima, eles não fazem nada”(sic), se
distraem com outros assuntos ou ficam parados sem fazer nada.
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5. CONTROLANDO OS ALUNOS
conduta, de modo a fazer com que ele próprio conclua sobre a inadequação da
mesma e, conseqüentemente, resolva corrigi-la.
Outra estratégia de controle utilizada pela professora é “as vezes, durante o
processo que está ocorrendo, falar com os alunos sobre como eles devem se
comportar durante o trabalho”(sic). Maria explica que seu objetivo, nesse momento, é
estar instruindo o aluno, para torná-lo consciente sobre o tipo de comportamento
necessário e permitido para o desenvolvimento da tarefa em curso, para que ele
próprio possa estabelecer o controle de seus comportamentos.
Maria relata que, de modo geral, as instruções são dadas a turma, no início
de cada tarefa, em tom de voz alto, sem muito detalhamento. Para avaliar a
compreensão dos alunos, ao final das instruções dadas, a professora pergunta se
todos entenderam e, normalmente, se contenta com uma resposta afirmativa dada
pelo grupo. Quando algum aluno responde que não compreendeu as instruções
dadas, a professora repete a mesma explicação dada anteriormente.
Eventualmente, outra estratégia de controle empregada pela professora é
estar repreendendo ou advertindo o aluno sobre possíveis punições que ele
possa vir a sofrer, caso persista com o comportamento inadequado. Geralmente,
associado a esse mecanismo de censura, outro recurso de controle muito utilizado
pela professora é estar falando alto e gritando com o aluno.
Maria, usualmente, conversa com os alunos ou dá instruções sobre a tarefa
em um tom de voz alto e estridente. No momento em que está fazendo uma
advertência ou repreensão, ela eleva ainda mais seu tom de voz. Quando os alunos
estão agitados e/ou conversando muito, a professora recorre aos gritos para
restabelecer a ordem na sala. Imediatamente, os alunos param de conversar e
retornam aos seus lugares, onde permanecem retraídos e calados por algum tempo,
até que, aos poucos, voltam a conversar entre si e, eventualmente a caminhar pela
sala.
Dependendo das circunstâncias, Maria prefere estar retirando o aluno da
sala, segurando-o pelo braço ou pela mão, para conversar com ele. Do lado de fora
da sala, a professora repreende o aluno, adverte-o sobre as possíveis punições e,
ao mesmo tempo, solicita que ele reflita sobre sua atitude e passe a se comportar
adequadamente.
137
quem deveria sentar-se com quem, solicitando àqueles que já tinham terminado sua
tarefa que fossem até as mesas dos colegas retardatários para ajudá-los.
A professora acredita que, na primeira situação, o fato do “aluno estar
trabalhando com alguém com quem ele está toda hora, com quem tem mais
contato”(sic) influenciou nos resultados da atividade, pois a proximidade existente
entre os alunos favoreceu a conversa e a distração. Na segunda situação, o fato do
aluno “formar grupo com outro com quem não tem tanta conversa, tanto papão”(sic)
pode ter contribuído para diminuir a distração entre os colegas e aumentar a
concentração no momento de realizar a tarefa.
Outro elemento de diferenciação entre as duas situações foi, segundo Maria,
a forma como ela apresentou e explicou o trabalho em grupo à turma. Na primeira
ocasião, Maria relata que avisou aos alunos que eles iriam trabalhar em grupo e deu
algumas rápidas explicações sobre como deveriam proceder na nova situação de
trabalho: Cada um deveria aproximar sua carteira da carteira do colega ao lado, e
aquele que terminasse a tarefa primeiro deveria auxiliar o outro, sem, contudo fazer
a tarefa para ele. Na segunda ocasião, a professora não destacou para a turma que
eles iriam fazer trabalho em grupo; simplesmente foi apontando para este ou aquele
aluno e dizendo com quem ele deveria sentar-se, recomendando que aquele que
terminasse primeiro auxiliasse seu parceiro.
A professora acredita que, na primeira situação, os alunos ficaram excitados
com a notícia que iriam trabalhar em grupo, pois aquela era a primeira vez que
vivenciavam esse tipo de atividade. Além disto, Maria acha que “a junção das
cadeiras tornando o ambiente assim meio diferente”(sic), dentro da sala, foi um fator
relevante, pois tumultuou a usual organização dos alunos naquele espaço. Assim,
em sua opinião o trabalho em grupo acabou agitando os alunos e tumultuando a
organização da sala.
Segundo a professora, esses fatores contribuíram para que, na primeira
experiência de trabalho em grupo, os alunos se dispersassem muito e não
cumprissem a regra de ajudar o colega. Já na segunda situação, Maria relata que
surpreendeu-se com os resultados, pois os alunos se comportaram adequadamente,
ajudando uns aos outros e permanecendo concentrados na tarefa.
A professora relata, ainda, que observou alguns alunos tendo
comportamentos diferentes em grupo. Ela comenta sobre duas alunas que, em
139
Maria explica que nem todos os alunos que já terminaram a tarefa são
requisitados para auxiliá-la. Na verdade, a professora elege quatro, dos alunos mais
adiantados, para ajudá-la, ficam assim os alunos mais fortes ajudando os alunos
mais fracos da sala. Apesar de considerá-los, naquele momento, como seus
ajudantes, a professora não menciona isto para a turma.
Na avaliação da professora, sempre que ela utiliza essa estratégia, os
resultados são muito bons. Os alunos que terminam primeiro ficam entusiasmados
com a possibilidade de auxiliar a professora e os mais atrasados parecem apreciar a
ajuda dos colegas, pois não se recusam a recebe-la. O restante da turma,
observando que “os colegas que estão ajudando-a são aqueles que terminaram
primeiro...e são os que têm capacidade de ajudar a professora”(sic), procuram seguir
o exemplo desses que, valorizados pela professora, circulam pela sala auxiliando os
colegas.
Quando usa essa estratégia, Maria relata que fica admirada ao observar, “os
alunos se sentarem ao lado dos colegas e explicarem tudo para eles, ajudando-os
na maior responsabilidade, sem virar bagunça”(sic). Além disso, ela notou alguns
alunos interagindo melhor ao ajudar os colegas, quando assumiam a condição
de auxiliares da professora.
Apesar de, inicialmente, ter descrito o trabalho em grupo como uma situação
onde os alunos reunidos ajudam uns aos outros, a professora se questiona se a
situação de deslocar um aluno mais forte, até a mesa de outro mais fraco para
ajuda-lo, também pode ser considerada como uma situação de trabalho em grupo.
De qualquer forma, nessa nova situação, o objetivo de um aluno ajudar o colega foi
alcançado com êxito, na opinião de Maria.
A professora comenta ter se surpreendido ao observar que o aluno indicado
para ajudar o colega mais fraco estava parecendo professor e sendo respeitado
como professor, “tendo uma compreensão entre os alunos que estavam ensinando e
os que estavam aprendendo”(sic). A professora constatou “que um novo jeito de ser
é mostrado pelo aluno: ele está ali e está ensinando junto com a professora”(sic). Ela
acredita que os alunos sentem-se como professores e que ela, naquele momento,
também os vê como se assim fossem.
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Maria relata que Pedro chegou a escola dois meses depois do início das
aulas, vindo de uma escola especial para deficientes mentais. Inicialmente Pedro foi
colocado em uma sala da terceira série e, duas semanas depois, foi transferido para
a sala de Maria.
A professora conta que não foi avisada sobre a vinda do aluno e relembrando
o momento de Pedro ingressando na sala, relata que o fato causou muito impacto
e despertou o maior interesse de todos, inclusive o dela própria, quando viram
“aquele tamanho de gente entrando”(sic) na sala.
Maria apresentou Pedro para a turma “dizendo que era um coleguinha novo
que ia ficar na sala”(sic) e não fez mais nenhum comentário a respeito dele. Os
alunos, por sua vez, não fizeram nenhuma pergunta relacionada à grande diferença
de idade e tamanho existente entre Pedro e o restante da turma. Hoje, ela acha que
Pedro está bem adaptado e integrado à sala.
Pedro aparece no relato da professora como um aluno que tem amizade com
todos os outros da sala, interagindo com todos os colegas, sem ser discriminado
por ninguém. Maria conta que, as vezes, é Pedro quem reclama do colega escolhido
por ela para sentar-se junto a ele. Mesmo assim, o colega acaba ficando e ninguém,
até hoje, se recusou trabalhar com Pedro.
A professora relata que o tamanho e a idade de Pedro são muito discrepantes
em relação ao resto da turma e, eventualmente, ele tem comportamentos que a
desagradam, principalmente envolvendo brincadeiras com os colegas menores,
“sendo meio bruto, porque ele é grande e os outros são pequenos, comparados com
ele”(sic). Nestes momentos, Maria acaba repreendendo Pedro oralmente,
“explicando que aquilo que ele está fazendo não está certo, que ela não está
gostando e pedindo para não fazer mais aquilo”(sic).
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Apesar de ter se adaptado bem à sala, Maria relata que, desde o início, Pedro
lhe pergunta quando é que vai se promovido para a próxima série. Inicialmente, ele
“ficava perguntando quando ia para a terceira”(sic), com o transcorrer do tempo,
passou a perguntar “quando eles vão fazer prova para a segunda série”(sic). Nestes
momentos, geralmente, a professora acaba respondendo que ele vai passar de ano,
mas procura conversar com o aluno para lhe explicar “tudo direitinho”(sic), pois
reconhece que Pedro está tendo muitas expectativas em relação ao seu progresso
acadêmico.
148
ou ainda, porque talvez tenha solicitado a ajuda do colega ao lado para realizar a
atividade.
A professora acredita que uma de suas maiores dificuldades, na
implementação de sua prática pedagógica, é estar controlando os alunos, para que
esses não apresentem comportamentos inadequados que comprometam a situação
de ensino aprendizagem em sala. Assim, sempre que o aluno se distrai e não presta
atenção, Maria implementa ações de controle sobre seus comportamentos,
principalmente, se for um dos “alunos mais fracos”(sic).
As estratégias e ações de controle utilizadas por Maria variam. Ela pode, por
exemplo, refletir com o aluno e incentivá-lo a pensar sobre sua conduta, decidindo-
se por mudá-la. Em outros momentos, pode instruir o aluno sobre o tipo de
comportamento que ela espera que ele tenha. Eventualmente, a professora acaba
repreendendo ou advertindo algum aluno, ameaçando-o com punições, caso ele
persista agindo daquela forma.
Outro recurso, freqüentemente utilizado pela professora, é falar alto ou gritar
com o aluno, quando esse age de forma inadequada, durante a aula. Algumas
vezes, Maria retira o aluno da sala para terem uma conversa a sós. E, finalmente,
em certa ocasião, a professora foi observada sacudindo o aluno, fazendo com que
ele interrompesse sua ação inadequada e voltasse a sentar-se em seu próprio lugar.
Maria relata que realizou, em sala, duas experiências de alunos trabalhando
agrupados, visando estimular a interação entre os alunos e criar a situação de um
colega colaborando com o outro. Apesar dos alunos não terem se comportado da
maneira esperada na primeira vez, Maria relata que ficou surpresa ao observar que
a segunda experiência foi muito proveitosa e atingiu os objetivos propostos.
Ao buscar explicações para o fracasso da primeira experiência, a professora
avalia que a proximidade existente entre os componentes do grupo favoreceu
conversas paralelas, e a novidade de estar trabalhando em grupo, pela primeira vez,
deixou os alunos agitados. Assim, ela conclui que aquela situação de trabalho em
grupo agitou os alunos e tumultuou a organização da sala.
Já na segunda experiência, Maria relata ter observado que alguns alunos
tiveram comportamentos diferentes em grupo, interagindo adequadamente com o
colega, demonstrando interesse e concentração na tarefa. Ela também notou que,
nessa segunda ocasião, os alunos se comportaram de forma mais autônoma, não
151
sendo muito solicitada por eles. Entretanto, essa autonomia foi avaliada
negativamente pela professora, que decidiu suspender o uso dessa estratégia,
evitando colocar os alunos em grupo até encontrar o momento mais adequado para
este tipo de atividade.
A fim de receber auxílio em sua tarefa de atender individualmente os “alunos
mais fracos”(sic) e também para dar alguma ocupação àqueles que estão
desocupados, Maria solicita ajuda dos alunos que já terminaram sua atividade. Ela
explica que elege os quatro alunos mais adiantados, para auxiliá-la na tarefa de
atender aqueles que têm mais dificuldades, ou seja, a professora coloca os alunos
mais fortes ajudando os alunos mais fracos.
Na opinião da professora, a situação de aluno sendo quem ensina sempre dá
bons resultados e ela notou que alguns alunos interagem melhor ao ajudar os
colegas, assumindo realmente a condição de seus auxiliares, “parecendo um
professor e respeitado como tal”(sic), pelo colega que recebe a ajuda.
Maria comenta sobre aspectos da implementação de sua prática pedagógica
tendo Ana em sala, uma aluna com onze anos de idade, considerada deficiente
mental, que está repetindo a primeira série pela quinta vez e que, em sua opinião,
faz parte do grupo de “alunos mais fracos”.
Os momentos em que Ana interage com os colegas são de dois tipos: as
interações estabelecidas naturalmente pela aluna, fruto da afinidade e proximidade
com determinados colegas; e as interações constituídas sob orientação da
professora, quando esta organiza uma atividade. Na opinião de Maria, predomina o
primeiro tipo de interação, pois Ana está sempre conversando seus colegas mais
próximos, que, junto com ela, compõem a “fila dos mais fracos”(sic). Maria revela ter
ficado surpresa ao constatar, via Registros de Observação, que Ana e seus colegas
“mais fracos” são os alunos que mais conversam, distraindo-se com qualquer coisa
e não prestando atenção à aula.
Os momentos em que Ana interage com a professora estão relacionados,
basicamente, a três tipos de situações: àquelas que envolvem a participação de Ana
nas atividades em sala, quando é solicitada pela professora; aos momentos em que
a professora atende individualmente a aluna; e às ocasiões em que a professora
procura estabelecer seu controle disciplinar sobre determinados comportamentos da
aluna.
152
CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE
pois avalia que está falhando em seu controle sobre a turma, principalmente em
relação aos alunos mais fracos que continuam muito dispersos e desinteressados.
Procurando explicações para o fato, Maria questiona sua própria postura e se
pergunta se “a razão dos alunos se distraírem não está na atitude que ela vem tendo
em sala”(sic). Se for este o motivo, ela acha que alguma coisa deve ser feita, mas se
questiona sobre quais mudanças deve realizar para melhor adequar sua conduta e
conseguir que os alunos prestem mais atenção à aula e concentrem-se melhor em
suas tarefas.
A professora relata ter se surpreendido ao ler, no Registro de Observação,
algumas passagens onde o seu tom de voz é descrito como alto ou bem alto. A
princípio, Maria questiona a pesquisadora sobre o critério utilizado para classificar
seu tom de voz. Depois, refletindo sobre o fato, reconhece que seu tom de voz em
sala é realmente alto, mas avalia que isto é adequado e necessário devido ao
barulho existente dentro da sala. Ela afirma que precisa falar alto para que todos os
alunos possam ouvi-la e afirma que não iria gritar em uma sala que estivesse em
silêncio.
Maria aponta outro trecho do Registro de Observação que descreve que ela
sacudiu o aluno pelo braço, obrigando-o a sentar-se. Maria comenta ter se
surpreendido com seu próprio comportamento, principalmente, porque a
pesquisadora parece “ter posto ela como uma fera, na história”(sic). Entretanto, ela
afirma que isto não é verdade, pois ela não se comportou como uma fera na
situação. Depois, Maria conta que questionou-se se agir daquela forma pode ser
considerado uma coisa normal.
2. REVELANDO CONCEPÇÕES
3. VIVENCIANDO EXPECTATIVAS
5. NESSITANDO DE AJUDA
atrativa para Ana. Maria relaciona esta hipótese com o fato da aluna estar repetindo
pela quinta vez a mesma série e, certamente, já ter visto muito do conteúdo que está
sendo dado em sala. A professora reconhece que vem “dando, as vezes; coisas
repetidas para Ana”(sic) e acredita que este pode ser um dos fatores que
desestimulem sua atenção e concentração na aula.
Centrando o foco da reflexão em Ana, Maria levanta a hipótese de que a
causa de sua falta de interesse e atenção pode estar no fato da aluna estar
colocando um obstáculo à sua própria aprendizagem. Convencida de que não
sabe nada e de que não consegue aprender, Ana tem baixa expectativa em relação
ao seu desempenho e nem tenta aprender, evitando assim participar de qualquer
situação de construção de conhecimentos.
Maria também se pergunta se desatenção e desinteresse de Ana não seriam
conseqüência de sua própria dificuldade, como professora, em saber lidar com a
aluna. Ela não sabe dizer “se é capaz de ajudar Ana em suas dificuldades”(sic) e nem
consegue identificar o que está lhe faltando para poder agir adequadamente com a
aluna. No momento, Maria afirma que está sentindo-se despreparada para lidar
com Ana, não sabendo como agir e quais caminhos tomar, em sua aula “para fazer
Ana prestar atenção”(sic). Maria reconhece que, agora, não tem alternativas para
solucionar esse problema.
Maria comenta sobre o tipo de relação estabelecida entre ela e a aluna, e
sobre as mudanças que vem percebendo ocorrer nos últimos dias. No início do ano,
a professora lembra que sentia haver um certo distanciamento entre ela e aluna,
parecendo que Ana colocava um obstáculo entre elas, todas as vezes que a
professora tentava lhe chamar a atenção. A professora reconhece que, a princípio, o
vínculo entre ela e Ana “estava meio complicado”(sic) e que ela até achava que a
aluna não gostava dela, porque sempre recusava-se a fazer as coisas que a
professora lhe pedia. Entretanto, Maria comenta que tem notando mudanças neste
vínculo, desde que, há alguns dias atrás, Ana lhe entregou uma carta onde
declarava seu amor pela professora. Desde então, tem sentido que está
modificando seu vínculo com Ana.
A professora afirma que não sabe avaliar muito bem o que aconteceu, “se a
partir daquele momento, viu uma afetividade de Ana para ela”(sic) ou o que foi. Mas, o
fato é que, desse dia em diante, Maria sentiu que ela e a aluna começaram a se dar
162
melhor: ela “parando de chamar a atenção de Ana; e Ana parando de falar que não
estava nem aí para o que a professora lhe dizia”(sic).
Consultando os Registros de Observação, Maria vai distinguindo algumas
mudanças na forma usual de Ana se comportar em sala. A professora comenta que,
no primeiro Registro de Observação, observou que a aluna estava totalmente por
fora do que estava acontecendo em sala. Já no segundo Registro de Observação,
apesar da aluna ter tido alguns momentos “que parecem de recaída, voltando a
conversar em sala”(sic), de um modo geral, Ana “conseguiu se centrar mais para a
aula”(sic), e ficar mais envolvida no que estava sendo dado.
Na terceira Entrevista, a professora comenta ter percebido que Ana melhorou
seus comportamentos e passou a prestar mais atenção à aula. Analisando as
situações descritas, Maria comenta ter percebido que, em alguns momentos, Ana se
direciona mais para atividades que estão sendo desenvolvidas na sala, ficando mais
concentrada no que está acontecendo. A professora conclui sua análise afirmando
que, em sua opinião, Ana está melhorando.
Esta categoria é uma exceção em relação às outras, pois ela se revela não
pela presença de informações que foram codificadas originando categorias e
subcategorias, mas sim, pela ausência destes dados.
É muito interessante observar que, em nenhum momento de PENSANDO
SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA, Maria reflete sobre Pedro ou sobre os aspectos
relacionados à presença do aluno em sua sala. Mesmo quando a pesquisadora
formula questões desencadeadoras mencionando o aluno ou situações onde ele
aparece, a professora não faz qualquer tipo de reflexão envolvendo-o
especificamente.
163
trabalhados dentro de sala, pois estes poderão contribuir com a formação global do
cidadão.
Comentando sobre o desenvolvimento de seu trabalho, Maria avalia que está
vivenciando expectativas tanto em relação ao desempenho dos alunos, como em
relação ao seu próprio. Em relação aos alunos, ela espera alcançar dois objetivos:
que todos participem da aula e que todos aprendam o conteúdo dado.
Especificamente em relação aos “alunos mais fracos”, espera que eles se integrem
completamente ao grupo, que aprendam e que alcancem a turma. Em relação aos
alunos com deficiência mental, Maria declara que não espera que eles supram todas
suas dificuldades, mas que se sobressaiam. Sentindo-se alvo de expectativas, a
professora tem a impressão de que os outros desejam que ela faça um excelente
trabalho com os “alunos mais fracos”, de modo que estes superem suas dificuldades
e desenvolvam-se mais do que nos anos anteriores. No entanto, ela preocupa-se,
pois teme não conseguir suprir tais expectativas.
Cada vez mais, ao longo das Entrevistas, Maria assume uma postura de
reflexão, dispondo-se a realizar mudanças em sua prática pedagógica. Ela conta
que tem procurado pensar mais sobre as crianças com dificuldades, para poder
melhorar sua atuação junto a elas. Revela que sente necessidade de mudar as
"coisas" em sala e localiza, em si mesma, o ponto de partida dessas modificações.
Maria julga que é bom reconhecer que algo não "está legal" e que pode ser
melhorado, mas avisa que é ela quem avalia e decide sobre o que deve ser mudado
e de que forma fazê-lo. Contudo, relata que está encontrando dificuldades para
efetuar mudanças.
A professora afirma que está necessitando de ajuda na implementação de
sua prática pedagógica, pois sente-se despreparada para lidar com a situação de
heterogeneidade de sua sala e para trabalhar com as dificuldades e limitações
apresentadas por certos alunos. Declara precisar de assessoria e acredita que todo
professor deveria receber algum tipo de apoio da escola para trabalhar com os
alunos que tenham maiores dificuldades de aprendizagem.
Por sua própria iniciativa, Maria procurou e está recebendo ajuda para lidar
com Regina, aluna que tem deficiência auditiva. Para tanto, inscreveu-se e freqüenta
um curso de LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais) oferecido pela Secretária
Municipal de Educação.
165
PARTICIPANDO DA PESQUISA
CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE
Além das novas informações sobre sua sala, a professora acredita que
mesmo os dados já conhecidos geram novas reflexões, quando vistos por um novo
170
ângulo. Ela observa que, estando dentro de sala, “tem uma visão diferente daquela
quando vê a classe do lado de fora, via Registro de Observação”(sic), e admite que as
leituras foram oferecendo-lhe uma “outra perspectiva de análise”(sic) daquele
ambiente, propiciando-lhe uma visão diferente dos acontecimentos vivenciados
em sala,.
Maria comenta ter achado muito interessante as leituras dos registros, “tendo
a impressão de estar vendo um filme da sala”(sic). Conta que, ao iniciar a leitura do
primeiro Registro de Observação, foi “tendo uma nova visão da atitude que tinha
tomado em sala”(sic) e passou a “se ver de uma forma bem rígida”(sic) . A princípio,
ficou assustada com isto, questionando-se se realmente tinha se comportado
daquele jeito. Entretanto, no transcorrer da leitura, foi “ficando mais calma, pois
passou a se ver de um novo aspecto”(sic) .
Observação também forneceram-lhe dados para avaliar novos aspectos dos alunos.
Os novos aspectos apontados pela professora relacionam-se, principalmente, com
certos padrões de interação estabelecidos em sala e a forma com que determinados
alunos participam das atividades.
Maria relata que, no início, achava “um horror o que via nos Registros de
Observação”(sic) e ficava “questionando-se se falou ou fez aquilo que estava
descrito”(sic) e, por isso, acabava incomodando-se com a leitura.
Maria comenta que por meio dos Registros, foi conhecendo “novas coisas”
sobre sua sala, em torno das quais “nunca tinha parado para pensar antes”(sic). Os
novos conhecimentos construídos pela professora, estão relacionados,
172
Maria, notando que alguns alunos não são citados nos Registros de
Observação, indaga sobre o que eles estariam fazendo naquele momento. Ela
conclui que “estes alunos não estavam imóveis, por causa do movimento da sala e
do tom de sua voz, que foram descritos nos Registros de Observação”(sic). Por isso,
ela constatou “que os alunos não mencionados também estavam participando da
aula, mas não estavam tão chamativos quanto os outros”(sic).
Maria comenta que, nos primeiros dias, notou que os alunos ficavam
excitados com a presença da pesquisadora, na sala. Mas, com o passar das
sessões de observação, eles foram se acostumando com isto e “não voltavam-se
tanto para a pesquisadora”(sic). A professora reconhece que “uns alunos ainda ficam
o tempo todo chamando a atenção da pesquisadora para si”(sic), mas são poucos e
não chegam a atrapalhar sua aula.
acredita que elas sentem sua presença em sala, pois nos outros dias da semana,
“ficam perguntando quando a pesquisadora vem, que dia ela não vem”(sic), dando-lhe
a impressão que gostam da presença da pesquisadora e sentem sua falta quando
ela não aparece.
Achando graça no episódio, Maria conta que levou um susto ao olhar para os
fundos da sala e ver a pesquisadora ali sentada. Ela relata que não tinha visto a
pesquisadora chegar e também, quando deu-se conta, ela já tinha ido embora. A
professora acredita que a presença da pesquisadora não chamou muito a sua
atenção “porque as crianças já não voltam-se tanto para ela (pesquisadora)”(sic).
177
Logo na primeira reunião, Maria relata que está esperando que sua
participação na pesquisa a ajude em seu trabalho, auxiliando-a superar as
dificuldades enfrentadas em seu cotidiano, dentro de sala. Ela acredita que “suas
expectativas, em relação à pesquisa, vão ser cumpridas no decorrer de todas as
observações e de todas estas discussões”(sic).
afirma que é ela quem vai decidir sobre o que pode ser feito para melhorar sua
atuação. Declara que está “mudando por causa da reflexão sobre si própria e sobre
as crianças, e não porque está sendo observada pela pesquisadora”(sic). Ela acredita
que será “vendo o jeito como está, o que está bom ou ruim, o que pode melhorar e o
que não pode melhorar”(sic) que conseguirá decidir sobre quais caminhos seguir.
alunos do que ela própria. Maria também conta que, algumas vezes, ficou
sobressaltada ao pensar que a pesquisadora estava para chegar.
A professora relata também que, no começo, percebeu os alunos sentindo a
presença da pesquisadora. No entanto, com o passar das sessões, acredita que
eles acostumaram-se com o fato, apesar de alguns ainda tentarem chamar a
atenção da pesquisadora para si.
Ela comenta que, inicialmente, sentia expectativas em relação à presença da
pesquisadora e ficava um pouco ansiosa pensando se deveria mudar sua aula,
quando a ela estivesse na sala. Contudo, declara que nunca pensou que sua aula
tinha que ser surpreendente só porque a pesquisadora estava na sala.
A professora comenta que, com o tempo, foi acostumando-se ao fato de estar
sendo observada, deixando de incomodar-se com a presença da pesquisadora e de
se preocupar com a sua vinda, apesar de continuar notando sua presença, dentro da
sala. Acostumou-se tanto, que, certo dia, não tendo visto que a pesquisadora havia
chegado e não percebendo sua presença, levou um susto ao vê-la sentada nos
fundos da sala.
CATEGORIAS EXPLICATIVAS DE
Ela declara que, no momento, tem pensado se não seria interessante mudar
ou variar as condições de suas aulas, pois acredita que “realmente, é muito chato ter
as coisas sempre do mesmo jeito na sala”(sic) .
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Maria relata que, ultimamente, tem refletido mais sobre como tem
implementado sua prática pedagógica e julga que está falhando em encontrar
alternativas diferentes para desenvolver os conteúdos em sala. Entende que,
mesmo tendo um conteúdo pedagógico pré-determinado pelo planejamento geral
curricular, ela poderia “diversificar sua estratégia de aplicação”(sic). A professora
acredita que está “falhando em sua parte de procurar ou pesquisar alternativas
diferentes daquelas tradicionais, que estão sendo usadas em sala”(sic).
Além disto, reconhece que, do modo como está trabalhando atualmente, vem
desconsiderando os interesses dos alunos, ao escolher os conteúdos, “não
deixando que eles tragam coisas deles mesmos”(sic) para a aula. A professora
acredita que é “mais rico quando o tema do texto vem dos próprios alunos”, contudo,
reconhece que não tem considerado isso no momento de escolher os assuntos
trabalhados em sala.
Maria lembra que, no ano anterior, sua postura era muito diferente. Naquela
época, ela procurava trabalhar com situações novas e reveladoras para os alunos,
sempre “expondo os fatos para que a sala inteira pudesse ver como as coisas
estavam acontecendo”(sic).
Maria afirma que não está gostando da forma como vem conduzindo sua
prática pedagógica este ano e sente que isto não está lhe fazendo bem,
principalmente porque “sabe que já fez muito”(sic), em outros tempos.
Maria acredita que essa acomodação não está restrita à sua própria sala. Em
sua opinião, a acomodação está sendo geral, dentro da escola. Ela declara que
187
as professoras têm liberdade para fazer o que quiserem dentro de suas salas, e que
“a diretora está querendo mais movimento, mais criatividade, sentindo que o povo
está muito parado”(sic). Apesar disso, na opinião de Maria, as professoras
permanecem paradas e acomodadas na escola.
Maria afirma que “tem uma hora que todos precisam ter um alerta: Tem que
mudar!”(sic), e que ela recebeu este alerta. Por isso, agora, entende que está
precisando mudar a mesmice da aula, pois acredita que “talvez, seja incômodo
para os alunos a repetição das coisas em sala”(sic).
A professora afirma que está tendo que mudar para atrair a atenção dos
alunos mais fracos, pois “não está vendo nenhum respaldo desses alunos diante
daquilo que ela está fazendo em sala”(sic).
Ela reconhece que ainda sofre muito a influência de sua própria formação
escolar, pois surpreende-se repetindo antigas atitudes do tempo em que era aluna e
“ficava sentada, olhando para a professora, com seu livro e seu caderno na
frente”(sic). Por isso, acredita que é complicado até quando pensa sobre o que fazer,
não conseguindo decidir-se entre “mudar ou continuar no caminho tradicional em
que está”(sic).
188
Maria identifica “o novo” dando mais trabalho, mas também sendo mais
interessante. Ela acredita que levar novidades para a sala pode dar mais trabalho:
a professora gasta mais tempo; os alunos ficam mais agitados; a classe fica mais
barulhenta e isto pode incomodar as outras salas e os outros professores etc.
Entretanto, “o novo” também pode ser muito mais interessante, pois desperta o
interesse dos alunos, prende a atenção deles, faz com que queiram saber mais,
estimula seus comentários sobre o assunto, desperta a vontade deles pesquisarem
etc.
A professora explica que, considerando sua disposição atual, parece que ela
é muito parada, contudo, declara que nem sempre foi assim. Conta que, no ano
anterior, por ter tido uma turma muito fraca “teve que dar tudo de si, aproveitando
todas as coisas que eles tinham”(sic). Ela “lembra-se de ter dado uma aula
excelente”(sic), quando teve “que pesquisar sobre um assunto que não conhecia,
antes de falar para os alunos.”(sic).
Maria acredita que “o fato dos alunos não saberem nada fazia com que ela
desse mais de si”(sic). Portanto, reafirmando que já fez muito em sala e, sabendo
que pode ser mais dinâmica, acredita que este ano ainda pode mudar as coisas
com seus alunos.
189
A professora lembra que, até começar as leituras, achava “que Ana não tinha
nenhum interesse ou vontade de participar da aula”(sic) Porém, foi mudando sua
compreensão sobre a aluna, a medida em que os Registros foram revelando-lhe
“um maior interesse de Ana em participar das aulas”(sic). Conta que, durante as
leituras dos Registros, ficava atenta, procurando entender o que estava se
passando com a aluna e reconhece que passou a ver “em Ana um ser, uma
pessoa”(sic).
Ela relata que “não recebeu qualquer informação prévia da supervisora sobre
os novos alunos”(sic), não tendo sido preparada para a tarefa de atendê-los.
Lembra que, quando Pedro chegou em sua sala, ficou “questionando-se se iria dar
conta de trabalhar com ele, porque nunca tinha vivido uma situação daquele tipo,
antes”(sic).
Além de não ter sido preparada profissionalmente para atender esse tipo de
190
aluno, Maria acredita que Ana e Pedro estão vivendo um conflito muito grande e que
ela “não está dando conta de lidar com isso.”(sic).
A professora não sabe explicar a causa das mudanças apresentadas por Ana.
Refletindo sobre isto, Maria pondera se a melhora do desempenho da aluna seria
conseqüência do fato dela já ter visto, em outros anos, o conteúdo que está sendo
trabalhado em sala. Ou, então, se tais mudanças não seriam indicativas de que
“uma das alternativas utilizadas por ela esteja dando certo e por isso Ana está
caminhando bem” (sic).
A professora acha que “Ana e Pedro até podem continuar em sua sala, mas
fazendo outro tipo de trabalho”(sic). Ela acredita que os dois “necessitam ter, em sala,
alguma coisa relacionada com eles”(sic) e que, para isto, ela precisa conhecê-los
melhor. No momento, ela admite que está precisando encontrar outros meios que
garantam a aprendizagem e a participação de Ana e Pedro, em sala.
Maria enfatiza, contudo, que deve “buscar seu próprio conceito de como
trabalhar com Ana e Pedro, depois de pesquisar todas as alternativas
disponíveis”(sic). Enquanto isso não acontece, ela decidiu que Ana e Pedro vão
ficando com os alunos que não têm condições de ir em frente, “enquanto
recebem o acompanhamento fora da sala”(sic).
191
Maria afirma que sempre concordou com a idéia da inserção de alunos com
deficiência mental em salas do ensino regular. No entanto, acredita que os objetivos
da escola para esses alunos devem ficar mais claros. Ela vê o atendimento escolar
oferecido a esses alunos tendo como objetivo prepará-los para enfrentar o
mundo fora da escola.
A professora conta que fica, o tempo todo, pensando no que Ana e Pedro
podem passar, fora da escola. Ela imagina “se as pessoas, fora da escola, estão
entendendo que eles fazem as coisas mais devagar”(sic) e fica “questionando-se se o
tempo que passa com eles dentro da escola, vai ajuda-los quando estiverem lá de
fora”(sic).
Em sua opinião, alunos como Ana e Pedro chegam à escola já tendo sofrido
muitas perdas e ela acredita no atendimento escolar tendo como objetivo repor
estas perdas, porém, admite que “não sabe definir como deveria ser o trabalho da
escola para repor tais perdas”(sic).
Por outro lado, Maria também acredita que “é uma perda para o aluno ficar
cinco anos em uma série e não dar conta de fazer nada, e só agora estar
começando a ler”(sic), como é o caso de Ana. Ela responsabiliza a estrutura escolar
provocando estas perdas, quando obriga um aluno a passar tanto tempo na
mesma série, sem adquirir nenhuma bagagem com isto.
Contudo, tanto no caso de Ana como de Pedro, Maria afirma que não tem
visto o trabalho pedagógico caminhar, avaliando o atendimento extra-classe como
não dando muito resultado.
193
Maria comenta que vem mudando seu jeito de ver Pedro, “depois que
começou a conversar sobre ele com a pesquisadora”(sic). De repente, surpreendeu-
se vendo em Pedro um adolescente de quatorze anos de idade, reconhecendo
que, para ele, a situação na escola deve estar muito complicada, pois ele, ao chegar
na escola foi matriculado na terceira série e depois, foi transferido para a primeira.
No começo, Maria acreditava que teria trabalho para lidar com Pedro, mas
isso não aconteceu, pois ele nunca a incomodou. Relata que “Pedro é engraçado
porque tem comportamentos infantis para sua idade”(sic), “gostando das mesmas
atividades infantis... e tendo os mesmos pensamentos que os alunos mais novos da
sala”(sic). Ela comenta que só agora entendeu que, por causa de seus
comportamentos infantis, Pedro acaba misturando-se com os alunos mais novos
e, por isso não a incomoda dentro de sala.
Ela avalia que Pedro “tem uma boa coordenação motora, mas não tem raciocínio
lógico, nem compreensão sobre os comportamentos adequados para as atividades
em sala”(sic). Entretanto, Maria enfatiza que ele não tem atitude de louco e nem é
agressivo.
dizendo que ela é burra, e que não vai aprender”(sic). Por fim, Maria afirma que “tem
uma parte do cérebro de Ana (e também de Pedro) que provoca suas dificuldades
para ser alfabetizada”(sic).
A professora relembra que, “na época em que recebeu Ana e Pedro não tinha
definido em si, o que seria um deficiente mental”(sic). Revendo sua antiga definição
de deficiência mental, Maria confessa que “achava que o indivíduo deficiente
mental era como um louco que babava, que não tinha condição nem de viver”(sic).
Hoje, entretanto, não concorda mais com isto. Ela não sabe se sua definição
presente está correta, entretanto, reconhece que “seus alunos atuais não se
encaixam mais em sua antiga definição de deficiência mental”(sic).
hipótese, Maria acredita que a deficiência mental “pode ocorrer devido a uma
constituição genética quando, por causa de algum problema ocorrido durante o parto
ou a gestação, a criança nasce com certa deficiência ou dificuldade”(sic). Ou então,
considerando a segunda explicação, ela pensa que “a causa da deficiência mental
pode estar no fato da família ter colocado algum obstáculo para o progresso da
criança”, ou então, “porque a própria criança se reprime neste progresso”(sic).
Utilizando seus próprios alunos como referência, Maria reflete sobre quem é o
aluno com deficiência mental. Ela afirma que vê, agora, o aluno com deficiência
mental conseguindo aprender, apesar de ser mais lento nesta aprendizagem.
Ela pondera que, como no caso de Ana e Pedro, esses alunos “não têm
dificuldades em atividades físicas ou de coordenação motora”(sic), contudo, parecem
ter “uma parte do cérebro que causa a dificuldade para serem alfabetizados”(sic).
Além disso, apresentam comportamentos infantilizados e não conseguem aprender
certas coisas, parecendo ter um atraso no desenvolvimento global.
Maria afirma que, hoje, entende que o aluno “deficiente mental não é um
doido, não é um louco e nem é um ser que baba”(sic). Reconhecendo a
possibilidade de aprendizagem do deficiente mental, Maria acredita que ele “é
uma pessoa que tem mais dificuldades, que é mais lenta para estar adquirindo certo
conhecimento, andando mais devagar do que o normal”(sic). Entretanto, ela entende
que esta pessoa “é capaz de alguma coisa, como todo mundo, mas dentro de seu
limite”(sic).
197
Maria revela que, antes do processo de pesquisa, “não pensava muito sobre a
situação do deficiente mental inserido na escola comum”(sic), e confessa que
acreditava que inserir esse tipo de aluno na escola “era uma coisa fora do normal”.
Contudo, depois de participar das reuniões com a pesquisadora, admite que está
mudando sua forma de entender a inserção escolar do deficiente mental.
Maria relata que, antes, não entendia muito bem porque esse aluno estava na
escola, mas agora, está conseguindo identificar (com mais clareza) os objetivos
do atendimento escolar oferecido ao aluno com deficiência mental. Em sua
opinião, o trabalho dentro de sala, deve promover o desenvolvimento e o progresso
desse aluno, aumentando sua independência, sua iniciativa, e sua confiança em sua
própria capacidade de realizar as coisas.
Maria acredita que todos que atendem o aluno deficiente mental, na escola,
devem saber como realizar este trabalho, principalmente o professor ou
professora do ensino regular que irá receber este aluno em sua sala.
o professor deve incentivar seu aluno, insistindo para que ele tente fazer sozinho e
do seu próprio jeito a atividade solicitada, incentivando-o sempre, pois “o incentivo
do professor é muito importante para os alunos”(sic).
Por fim, Maria acredita que o professor estar comunicando-se com o aluno,
durante o processo de aprendizagem, pois esta comunicação “é necessária para
que ele aprenda”(sic). Em sua opinião, o “aluno fica perdido quando o professor não
dá conta de transmitir o significado de sua fala”(sic) e, esta comunicação só passa a
ocorrer, na hora em que esta fala adquire um significado para ambos, ou seja,
quando um entende o que o outro falou.
Para a professora, a escola deveria fazer um trabalho mais voltado para estes
alunos, preparando-os “para enfrentar o mundo fora do contexto escolar”(sic).
Todavia, analisando as atuais experiências em andamento, vê a escola
199
A professora admite que a presença dos dois alunos, em sala, está “passando
a interferir na escolha dos conteúdos e das estratégias de suas aulas”(sic). Antes, ela
“elaborava um plano geral e atendia as individualidades”(sic) Agora, vem tentando
pensar um alguma coisa diferente para Ana e Pedro e procura observar “se a
200
atividade escolhida é boa para estar trabalhando com eles, se será interessante, se
vai despertar-lhes o interesse, se eles vão conseguir realizá-la.”(sic)
escola devam ficar mais claros e que esse atendimento tenha como objetivo
preparar o aluno deficiente mental para enfrentar o mundo fora da escola.
Ela acredita que alunos como Ana e Pedro chegam à escola já tendo sofrido
muitas perdas e, por isso, avalia que o atendimento escolar deva repor tais perdas.
Considera, ainda, que o conteúdo trabalhado em sala não é suficiente para ajudar
no desenvolvimento desses alunos, sendo necessário um atendimento extra-classe
integrado ao trabalhado da sala de aula. No entanto, ao analisar as experiências de
inserção realizadas na escola, Maria responsabiliza a estrutura escolar pelas perdas
nos alunos, além de avaliar o atendimento extra-sala não dando muito resultado.
Apenas durante as duas últimas Entrevistas Reflexivas é que Maria vai estar
refletindo sobre Pedro. Ela comenta que, depois que começou a refletir sobre o
aluno junto com a pesquisadora, foi mudando seu jeito de vê-lo e, "de repente",
surpreendeu-se vendo em Pedro um adolescente com quinze anos de idade, que
deve estar vivendo uma situação escolar muito complicada.
A professora observa que Pedro tem comportamentos infantis para sua
idade. Ela entende que ele tem “alguma coisa na cabeça” que dificulta sua
aprendizagem, mas sabe que ele não tem atitudes de louco e nem é agressivo.
Ao levantar hipóteses para explicar a deficiência mental do aluno,
inicialmente, Maria aponta para problemas que possam ter ocorrido durante sua
gestação, pois Pedro parece ter uma parte do cérebro que lhe causa dificuldades em
ser alfabetizado. Depois, lembrando-se das reações do aluno durante as aulas,
observa que Pedro parece colocar uma “barreira diante de si” que o impede de
aprender.
Maria acredita que Pedro teve um choque quando foi transferido da terceira
para a primeira série, mas, hoje, ele parece acostumado com a sala. Entretanto,
apesar de todos simpatizarem com ele e ninguém fazer críticas a respeito de seu
desempenho, ela percebe que Pedro sente-se envergonhado por estar “na primeira
série.”
Levantando hipóteses sobre a deficiência mental de Ana, inicialmente Maria
aponta para a origem genética. Em seguida, declara que a deficiência mental da
204
3
Ao longo da Discussões das Categorias estaremos utilizando algumas expressões ou
palavras que foram “tomadas emprestado” da fala da professora; elas foram escritas em itálico e
entre aspas.
208
moldes de uma abordagem tradicional de ensino e que isso, até hoje, ainda exerce
forte influência sobre seu modo de implementar sua prática pedagógica, inclusive,
levando-a a repetir as mesmas atitudes tradicionais que tanto criticava em seus
antigos professores.
Nascida em uma família de professores, até onde se lembra, Maria sempre
quis ser professora. Desde muito pequena, freqüentou escolas, primeiro
acompanhando a mãe (docente no ensino fundamental); depois, como aluna e, em
algumas épocas, como auxiliar de secretaria. Em sua opinião, as escolas daquela
época, apesar de públicas, eram muito boas, dispondo de toda infra-estrutura para o
professor realizar seu trabalho e para o aluno desenvolver-se. Maria enfatiza que,
naquele tempo, “os professores ensinavam e os alunos, sentados em suas carteiras
com seus livros, realmente aprendiam”, revelando, assim, o seu modelo de processo
de ensino e aprendizagem.
Ingressando no curso de Pedagogia, no qual sempre foi considerada uma boa
aluna, Maria conheceu as mais recentes teorias da educação e apropriou-se de
importantes conhecimentos sobre os vários aspectos do processo de ensino e
aprendizagem e da implementação da prática pedagógica. Contudo, apesar dos
discursos teóricos em defesa de uma educação construtivista, criativa, participativa e
democrática, ela relata que ainda encontrou, na Universidade, muitos professores
com posturas retrógradas e autoritárias de ensino.
Maria conta que, na época da Faculdade, não conseguia relacionar muito
bem a teoria aprendida com os aspectos reais da prática pedagógica, pois ainda não
possuía qualquer experiência docente. Ela própria reconhece que os conhecimentos
teóricos adquiridos na academia eram relacionados a experiências pedagógicas
descritas, unicamente, em livros e reportavam-se a uma situação padronizada de
ensino e aprendizagem, legitimando um modelo ideal de professor e de aluno.
A passagem de Maria pela universidade, portanto, parece não a ter preparado
adequadamente para a realidade escolar que iria encontrar ao sair dali. Como os
conhecimentos teóricos apropriados na academia foram construídos desconectados
da prática, Maria aprendeu pouca coisa, ou quase nada, sobre a diversidade e as
contradições inerentes ao contexto institucional de uma escola pública. Ou, quem
sabe, tenha até incorporado a idéia de que as diferenças devem ser respeitadas,
210
por isso, seu processo de aprendizagem perde o significado social, uma vez que os
interesses próprios de sua idade não estão sendo relacionados aos objetos de
conhecimento trabalhados em sala.
O fato de Pedro, inicialmente, ter sido matriculado em uma terceira série,
talvez indique uma tentativa da escola de inseri-lo em um grupo de alunos mais
próximo ao de sua faixa etária. Contudo, a supremacia do desempenho cognitivo,
como critério de avaliação escolar, em detrimento de outros aspectos do
desenvolvimento global do aluno – prática, ainda tão presente em nossa realidade
escolar, levou os educadores a remanejarem Pedro para a Primeira Série,
desconsiderando a enorme discrepância de desenvolvimento sócio-afetivo que se
estabeleceria entre ele e o restante da turma. Por conseguinte, os objetivos do
processo educacional de Pedro ficaram seriamente comprometidos e, nessas
condições, dificilmente o contexto da sala de aula, onde ele está inserido, poderá
constituir-se em um ambiente interacional promotor de seu desenvolvimento.
A exclusão novamente aparecerá sendo realizada como inclusão, quando a
professora inclui no “grupo de alunos mais fracos” todos aqueles que apresentam
características que os diferem do modelo de “bom aluno”, estabelecido por ela. Não
sabendo como lidar com as diferenças apresentadas por esses alunos, Maria reúne
todos eles em um mesmo grupo e, em seguida, os exclui da condição regular de sua
sala, passando a considerá-los como os “fora de nível”. Excluídos da regularidade da
sala e incluídos na condição de fora do contexto, esses alunos continuam inseridos
no ambiente da sala de aula, porém ocupando uma posição à margem do processo
regular de ensino-aprendizagem. Para eles, também, dificilmente o ambiente da sala
de aula irá constituir-se em um real contexto de desenvolvimento.
Vimos, até agora, de que maneira importante a formação acadêmica e a
história escolar de Maria influenciam seu modo de interpretar e perceber o
microssistema da sala de aula e, conseqüentemente, sua maneira de agir ali dentro.
Contudo, não podemos reduzir a isso as explicações para a dicotomia estabelecida
por ela, entre o pensado e o vivido, ao implementar sua prática pedagógica, e para
sua dificuldade de incluir todos os alunos em um efetivo processo de ensino e
aprendizagem, dentro daquele microssistema.
Reconhecemos que Maria é uma professora comprometida com a ação
pedagógica e, mesmo não tendo recebido a formação adequada para lidar com a
216
Às vezes, quando consegue algum tipo de ajuda, Maria tem que buscá-la por
iniciativa própria, como no caso de sua aluna com deficiência auditiva. Somente
agora, graças ao curso de Linguagem dos Sinais que está fazendo, começa a
progredir em seu trabalho com Regina. Mas, no caso de alunos com deficiência
mental, como Ana e Pedro, a professora não encontrou qualquer tipo de assessoria
ou curso de formação continuada que a capacitasse em seu trabalho com eles. Fato
que talvez revele a falta de interesse ou comprometimento do macrossistema
educacional em relação à formação de educadores que lidam com esses alunos.
Nem a possibilidade de trocar informações com as professoras especialistas que
estão atendendo seus alunos no apoio extra-classe é viabilizada, pois a estrutura
escolar não disponibiliza um espaço para essa troca dentro da agenda das
professoras envolvidas com esses atendimentos.
Assim, pensar sobre sua prática pedagógica e refletir sobre o seu papel
docente, implica para Maria, questionar o estabelecido e, eventualmente, rejeitá-lo
em prol do novo, da mudança. Contudo, sem as informações adequadas que lhe
permitam compreender o significado e o sentido dessas mudanças, e estando
sozinha para empreendê-las, um sentimento de insegurança invade a professora
fazendo-a recuar e permanecer estática onde está, realizando apenas mudanças
que não irão alterar, significativamente, a sua prática pedagógica.
Em meio ao cotidiano escolar, no entanto, surge para a professora a
oportunidade de estar participando de um novo contexto interacional – o ambiente
da pesquisa -, que é inaugurado com a entrada da pesquisadora na escola e o início
do processo de investigação. Esse ambiente envolve, principalmente, as situações
de interação ocorridas entre Maria e a pesquisadora. Em um segundo plano, o
ambiente de pesquisa também ira abarcar todas as outras situações interacionais,
dentro ou fora da escola, relacionadas a esse processo de investigação.
Na pesquisa ecológica, o campo fenomenológico experienciado pelos sujeitos
envolvidos na investigação é muito importante, quando se considera a validade
ecológica desse estudo. Para Bronfenbrenner, um ambiente torna-se
ecologicamente válido para uma pesquisa sobre o desenvolvimento humano,
quando duas condições são satisfeitas:
de aula. Essa ênfase não foi aleatória e ocorreu porque a observação realizada,
naquele microssistema, teve um recorte interacional.
Outro importante aspecto destacado pela professora, relacionado aos efeitos
de sua participação no processo de pesquisa, refere-se à interferência provocada
pela presença da pesquisadora em seu cotidiano na escola, dentro e fora de sua
sala de aula.
Em essência, esses comentários comprovam que a presença de um
pesquisador no ambiente natural da pesquisa não deve ser considerada um
elemento inócuo. Ao contrário disso, ao entrar em campo, o pesquisador integra-se,
mesmo que temporariamente, àquele novo contexto interacional e passa a interagir
com seus participantes. A presença do pesquisador, desse modo, não só interfere
no meio, como também passa a ser efetivamente influenciada por esse.
Considerando a escola um ambiente ecológico, enquanto ali esteve, a
pesquisadora procurou circular por seus diversos contextos e interagir com as
pessoas que encontrou, sempre atenta aos aspectos das inter-relações
estabelecidas naquele ambiente que pudessem auxiliá-la a melhor compreender do
fenômeno em estudo.
A presença da pesquisadora dentro do microssistema da sala de aula de
Maria, inicialmente, também provocou interferências, gerando expectativas e
ansiedade em todos os participantes daquele ambiente. Contudo, com o passar do
tempo, tanto a professora como seus alunos demonstraram ter se acostumado com
a sua presença. Destacamos que as seis sessões de observações iniciais,
realizadas antes do início das sessões de observação com registro, foram
fundamentais para que o impacto da presença da pesquisadora na sala de Maria
fosse reduzido, de modo a não comprometer significativamente os rumos da
pesquisa.
Constatamos, ainda, que a interferência da presença da pesquisadora não se
limitou ao ambiente da sala de Maria e pôde ser reconhecida em outros
microssistemas da escola como, por exemplo, nas reuniões de professores, nas
conversas entre a diretora e a supervisora, nos encontros da pesquisadora com
outras professoras na hora do recreio, nas reuniões da pesquisadora com as mães
de Pedro e Ana.
227
Acreditamos que o refletir sobre sua própria prática pedagógica tenha sido o
elemento essencial no processo desencadeador de mudanças vivenciado pela
professora. A despeito desse processo de reflexão ter sido realizado mediante uma
experiência individual e particular – a experiência da professora Maria -, ele suscitou
questões extremamente importantes e pertinentes sobre o tema da inserção do
aluno com deficiência mental em salas de aula do ensino regular.
O processo de análise reflexivo-crítica de Maria, nas Entrevistas Reflexivas a
partir do Registro de Observação, inicialmente, foi suscitado por questões referentes
às dificuldades enfrentadas por ela em seu trabalho com Ana, sua aluna com
deficiência mental. Posteriormente, já na fase final da pesquisa, a professora
também incorpora Pedro, seu outro aluno deficiente mental, nesse processo de
análise.
Por essas reflexões, Maria conclui que suas aulas estão monótonas e
desprovidas de significados para Ana e Pedro. Contudo, uma vez iniciado, o
processo de análise reflexivo- crítica é ampliado para o restante do microssistema e
a professora reconhece que a rotina de sua sala está “maçante e repetitiva para
todos os alunos” e que as mudanças a serem feitas em relação a isso devem
envolver a todos e não apenas Ana e Pedro.
Diante disso, constatamos que a análise do processo da inserção escolar do
aluno deficiente mental perpassa por uma reflexão mais ampla e geral do ensino
regular. As dificuldades enfrentadas na implementação de projetos de inserção
escolar desses alunos em salas do ensino regular, na grande maioria dos casos, são
as mesmas encontradas pela professora ao implementar sua prática pedagógica
com os outros alunos ditos “normais”. Assim, em uma análise mais ampla, podemos
dizer que atendimento escolar oferecido ao aluno deficiente mental na escola pública
regular vai mal, porque o ensino público, em geral, também vai mal.
Portanto, para se compreender a complexa e estreita relação entre esses dois
tipos de atendimento escolar, é preciso que as contradições existentes no discurso
oficial do macrossistema educacional sejam reveladas. O depoimento de Maria, ao
final do processo de pesquisa, é extremamente ilustrativo do que queremos dizer
com revelar contradições.
Em seu primeiros contatos com a pesquisadora, Maria apresentou um
discurso bem elaborado e politicamente correto sobre a importância da inclusão do
233
Assim, Maria afirma que Pedro e Ana devem ficar em sua sala, pois acredita
que eles podem aprender. Porém, entende que as estratégias utilizadas com os
outros alunos (os “não deficientes”) não servem para os dois e, por isso, ela
pretende encontrar novas alternativas para trabalhar com seus alunos deficientes
mentais. Enquanto não encontra tais alternativas, a professora decide que vai
manter Pedro e Ana “junto com os outros alunos que não conseguem aprender”, ou
seja, eles permanecerão à margem do processo de ensino e aprendizagem
instaurado dentro da sala de aula.
Ao buscar novas explicações teóricas para a deficiência mental, Maria
demonstra que ainda está muito presa ao modelo tradicional de educação, no qual
as diferenças dos alunos são interpretadas como perdas ou déficits a serem
sanadas pelo atendimento escolar. Dentro de uma visão organicista de Ser Humano,
ela focaliza a deficiência no indivíduo desviante – o aluno -, e revela ter uma
compreensão médica sobre o fenômeno da deficiência mental.
Esse modelo de compreensão enfatiza o diagnóstico e prognóstico clínico da
deficiência e tem como objetivo fundamental: classificar, comparar e normatizar a
pessoa desviante. Essa concepção pressupõe que existem duas condições para o
indivíduo: uma normal (padrão, saudável, eficiente) e outra anormal (desviante,
doente, deficiente).
Portanto, no caso do aluno deficiente mental inserido no contexto escolar,
caberia a escola repor suas faltas, compensando suas perdas e déficits, de modo a
diminuir o desvio existente entre o grau de desempenho apresentado por ele e o
coeficiente de normalidade estabelecido como o ideal para sua faixa de
desenvolvimento.
Raciocinando dessa forma, ao avaliar Ana, a professora irá comparar o
desenvolvimento da aluna com um nível de rendimento e desempenho
arbitrariamente estabelecido como sendo o ideal para ela. Como Ana não se encaixa
no nível esperado e não dispondo Maria de outra forma de avaliação, ela não
consegue reconhecer os progressos realizados pela aluna.
Aplicando a si própria o mesmo estilo tradicional de avaliação, a professora
não consegue interpretar os progressos de Ana como sendo os bons resultados de
seu trabalho realizado junto a aluna. Maria, igualmente, possui uma concepção
idealizada de que a “boa professora é aquela que consegue ensinar a todos os
235
alunos”. Diante daqueles que não apresentam o desempenho esperado, ela se culpa
por não ser tão eficiente como gostaria e divide com os alunos a culpa pelo fracasso
do atendimento escolar oferecido na sala.
Todavia, Maria consegue fazer uma leitura adequada das atuais condições
em que o processo de inserção escolar dos alunos com deficiência mental vem
sendo implementado em sua escola, destacando aspectos extremamente
pertinentes às atuais discussões realizadas por estudiosos e pesquisadores da área
sobre o tema da inclusão escolar do deficiente mental.
Em sua análise, a professora constata que a escola não está preparada para
implementar a inserção escolar desses alunos, sendo que a própria estrutura escolar
demonstra dificultar esse processo, ao manter uma aluna fracassando, durante cinco
anos, em uma mesma série. Reconhece também que, como professora, não
recebeu a formação adequada para trabalhar com esse tipo de aluno inserido em
sua sala e, além disso, sabe que não pode contar com profissionais especializados
dentro da escola, para lhe fornecerem a assessoria constante e sistematizada de
que necessita. Quanto ao atendimento extra-classe oferecido ao aluno com
deficiência mental, Maria aponta que não existe integração entre o trabalho
desenvolvido pela professora em sala e esse atendimento, e que seus resultados,
levando-se em conta o progresso apresentado pelos alunos, são insignificantes.
Podemos dizer que Maria chega ao final do processo de pesquisa
considerando a possibilidade de implementar mudanças em sua prática pedagógica
e ensaia uma análise sistêmica de sua realidade, caminhando para a construção de
uma visão ecológica daquele ambiente. Contudo, ela ainda não consegue fazer uma
reflexão crítica sobre a ideologia que está por trás do discurso oficial do
macrossistema educacional e, por isso, não percebe que a transformação do
contexto de sua sala em um ambiente realmente promotor do desenvolvimento para
todos os alunos, deficientes ou não, depende de mudanças em outros níveis do
macrossistema educacional.
Porém, mesmo não tendo acontecido modificações no macrossistema
educacional, constatamos que as pequenas mudanças ocorridas dentro do ambiente
da sala de Maria, ao longo do processo de pesquisa, foram significativas para
transformar aquele microssistema em um contexto promotor do desenvolvimento
236
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, B.B.B. Classes de Educação Especial: para deficientes mentais? 1989. 367
p. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São
Paulo.
GLASER, B. G. & STRAUSS, A.L. The discovery of Grounded Theory. New York:
Aldine, 1967.
__________ Inclusão Total: Mais uma utopia? Revista IntegrAÇÃO, Brasília, 1998,
ano 08, n.20, p.26-28.
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