Você está na página 1de 107

//

///////////////////
Mise-en-abyme da cultura:
a exposição do “antecampo”
em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá
Petei Jeguatá1
André Brasil2

1. Este texto é parte da pesquisa Formas de vida na imagem: biopolítica,


perspectivismo e cinema, apoiada pela Fapemig por meio do PPM VI
(Programa Pesquisador Mineiro).

2. Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em


Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: agbrasil@uol.com.br

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 245


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Resumo
Dedicando-se à análise de dois documentários — Pi’õnhitsi e Mokoi
Tekoá Petei Jeguatá —, o artigo sugere a natureza constituinte do
antecampo em filmes indígenas. Trata-se do espaço no qual o
realizador encena um duplo e intercambiável papel: dentro da
cena, como membro da comunidade, e fora da cena, como cineasta.
Em seguida, desdobramos a hipótese de que, por meio da exposição
do antecampo, o cinema indígena expressa, em mise-en-abyme, o
engendramento entre cultura e “cultura”.

Palavras-chave
Pi’õnhitsi, Mokoi Tekoá Petei Jeguatá, cinema indígena, cultura
com aspas, reversibilidade.

Abstract
Through the analysis of two documentaries — Pi’õnhitsi e Mokoi
Tekoá Petei Jeguatá —, the article suggests the constitutive nature of
the “antecampo” (the space behind the camera) in the indigenous
films. It is the space in which the director enacts a double and
interchangeable role: within the scene, as a member of the
community, and out of the scene, as a filmmaker. Then, we unfold
the hypothesis that, through the exposition of the “antecampo”, the
indigenous cinema expresses, by mise-en-abyme, the engendering
between culture and “culture”.

Keywords
Pi’õnhitsi, Mokoi Tekoá Petei Jeguatá, indigenous cinema,
“culture”, reversibility.

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 246


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

Na primeira cena de Corumbiara (2009), Vincent Carelli comenta


as imagens do documentário A festa da moça (1986), experiência
inaugural do Projeto Vídeo nas aldeias. Naquela época, tratava-se
de filmar os índios e retornar a eles as imagens: entusiasmados com
a possibilidade de se ver na telinha, “os Nambiquara começam a
delirar, e a gente, com eles”. Eis que, provocados pelo filme, retomam
uma cerimônia há 20 anos abandonada e furam o lábio de 30 jovens.

Explicita-se ali, logo no início do projeto, a força performativa


do cinema: se, por um lado, é sabido que a câmera intervém na
situação filmada, criando a cena, por outro lado, o filme retorna
ao mundo quando é visto, instaurando desdobramentos inauditos.
Para o VNA, essa performatividade das imagens é definidora: ali, o
cinema torna-se um importante instrumento de invenção da cultura,
tal como a compreende Roy Wagner (2010): invento minha cultura
no mesmo ato de inventar a cultura do outro. Como bem mostra o
trabalho seguinte de Carelli, O espírito da TV (1990), ao ver a própria
imagem confrontada com as imagens de outras etnias, os waiãpi
situam sua cultura, estabelecendo distinções e afinidades, separações
e intercâmbios. O espírito da TV (e outros filmes dessa primeira fase)
sugere ainda uma questão que se vai tornando mais e mais importante
à medida que os filmes são realizados: a própria noção de imagem se
insinua outra, em alguma medida, diferente da acepção que forjamos
historicamente no Ocidente (ainda que saibamos o quão arriscadas
são as generalizações desse tipo). O maracá que se agita no interior
da imagem pode, quem sabe, repercutir no mundo fora do filme,
produzindo efeitos muito concretos.

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 247


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

Como já discutimos em outro artigo (BRASIL, 2012), sem


desconsiderar as enormes diferenças de propósito e de resultado
entre os filmes, o que chamamos de cinema indígena é uma rica
manifestação daquilo que Manuela Carneiro da Cunha (2009)
definiu como “cultura com aspas”, quando os índios se valem de
definições antropológicas para performar e citar reflexivamente a
própria cultura. As “aspas”, vale notar, circunscrevem — ainda que
precariamente — a experiência cultural de um grupo e, ao mesmo
tempo, colocam-na em relação com o que está fora dela: trata-se, no
caso do cinema indígena, de uma relação negociada e, tantas vezes,
conflituosa, entre a maneira como os índios concebem a imagem
da própria cultura e os conceitos metropolitanos de cultura.
Lembremos, mais uma vez, a pergunta de Carneiro da Cunha
(2009, p. 355), que, apesar de formulada em outro contexto, sugere
um rico programa de pesquisa em torno do cinema indígena: “Como
é que povos indígenas reconciliam prática e intelectualmente sua
própria imaginação com a imaginação limitada que se espera que
eles ponham em cena?”.

Ainda em diálogo com a antropologia, podemos retomar


a proposição de Sahlins (1997), para sugerir uma espécie de
indigenização do cinema, assumido aqui fortemente como prática
cultural e interétnica. Esse processo não se resume, é claro, à
tematização por meio do cinema de questões ou traços culturais
dos povos indígenas. Nem mesmo à visibilidade ou representação
das culturas indígenas para si e para outras comunidades de
espectadores. Ainda que essas demandas estejam presentes e sejam
indissociavelmente importantes, poderíamos ir mais longe, para
nos perguntar: que concepções de cinema, cultura, visibilidade,
imagem ou representação estão em jogo quando os coletivos
indígenas passam a produzir, eles próprios, os filmes? Ou ainda,
repercutindo no cinema a célebre questão antropológica de
Viveiros de Castro (2002, p. 122): “qual o ponto de vista nativo
sobre o ponto de vista?”.

Para fazer jus à concepção de “ponto de vista” ali reivindicada,


as abordagens do cinema devem estar atentas às práticas que o
constituem, em visada pragmática: qual cinema o nativo pensa e faz

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 248


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

quando se põe a fazer cinema? Mais amplamente, na prática de um


cinema nativo, como se experimentam traços de outras cosmologias,
outras concepções de imagem e de visibilidade? Como a prática
do cinema se imiscui — em mútua constituição — nas demais
práticas cotidianas e ritualísticas? Em sua dimensão pragmática e
antropológica, o cinema indígena será assim não apenas um modo
de “imaginar uma experiência”, mas principalmente uma maneira
bem concreta de “experimentar uma imaginação” (VIVEIROS DE
CASTRO, 2002, p. 123).

Tudo isso se complexifica se retomamos a ideia de “cultura


com aspas”: o cinema indígena é desde o início um híbrido, um
dispositivo relacional, que articula o dentro da cultura com o fora
dela, em múltiplas e variáveis dobragens. Um filme é sempre uma
negociação entre os índios consigo mesmos e com não índios:
os jovens realizadores, os professores das oficinas, os editais, as
instituições, os membros da aldeia (especialmente os velhos), as
comunidades de espectadores (a aldeia, as outras etnias, o público
dos festivais...). A realização de um filme aciona portanto uma rede
de relações que não existiria sem ele.

E, no entanto (ou portanto), há o filme: essas questões amplas


demais, essas múltiplas dobragens entre dentro e fora devem
ganhar a escala desse ou daquele filme singular. No caso específico
do artigo, interessa-nos sublinhar o fato de que, em inúmeros
filmes indígenas, essa pragmática está concretamente em cena,
materializa-se formalmente em um espaço fílmico que chamaremos
de antecampo. Trata-se do espaço atrás da câmera, com os sujeitos
que abriga (o realizador, a equipe, os equipamentos). Em certos
filmes, eles passam para a frente da câmera, implicando-se e
posicionando-se internamente à cena: atentamo-nos assim, mais
propriamente, à exposição do antecampo, na hipótese de que esse
seja um traço não apenas recorrente mas também definidor do
cinema indígena: não são raros os exemplos em que o processo de
produção do filme se explicita, em estratégia que, a princípio, guarda
semelhanças com a tradição do documentário moderno, de viés
anti-ilusionista. Mas aqui, o escopo dessa estratégia — a exposição
do antecampo — é abrangente: ela permite ao diretor implicar-se

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 249


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

na cena, simultaneamente, como diretor do filme e como membro


da aldeia; como membro da aldeia e como mediador entre a aldeia
e o que está fora dela. Se ainda se trata de “reflexividade”, ela se
endereça não apenas ao cinema, mas, reiteramos, às práticas e
processos culturais — interétnicos — mais amplos.

Como já sugerimos (BRASIL, 2013), no domínio do


documentário, a explicitação do antecampo se move
historicamente por ao menos duas demandas: de um lado, a
abertura ao dialogismo; de outro, a reflexividade crítica. Em
paralelo às transformações epistemológicas no campo das ciências
humanas e sociais, o cinema moderno se define como dispositivo
relacional, dialógico. Algo que, na teoria do documentário,
reverbera na reivindicação por Jean-Louis Comolli (2008) de
uma mise-en-scène compartilhada, aberta à automise-en-scène dos
sujeitos filmados. Digamos, em complemento, que filmar o outro
é, de uma forma ou de outra, filmar a si mesmo (estejamos ou não
em cena). No ato de filmar a vida de outrem (suas mise-en-scènes
individuais e coletivas), inventamos e expressamos nosso próprio
modo de olhar, nosso ponto de vista.

A exposição do antecampo provoca, em contrapartida, o


atravessamento (e mesmo a fratura) do dialogismo pela reflexividade.
Revelar em cena a equipe e os equipamentos de filmagem será,
no cinema, uma estratégia anti-ilusionista: expõem-se criticamente
os mecanismos e meandros da representação e dos processos de
construção de verdade. O dialogismo constrói, em relação, o ponto
de vista. A reflexividade, por sua vez, acusa o caráter artificial,
mediado e fraturado do diálogo. “O filme propõe uma relação
dialógica, não sem simultaneamente suspeitar de suas próprias
ambições” (BRASIL, 2013, p. 4).

A propiciar o posicionamento interno daquele que filma e ao


colocar em tensão processos dialógicos e reflexivos, a explicitação
do antecampo participa, mais amplamente, do abalo do regime
representativo clássico (tal como construído historicamente no
Ocidente). Nele, sabemos, ver significa objetivar (tornar objeto),
pressupondo um recuo, um ocultamento do próprio ato de olhar
(e do corpo daquele que olha). Inversamente, a exposição do

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 250


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

antecampo torna o olhar situado, participante, engajado; olhar que


não apenas contempla, mas que sofre, concretamente em cena, os
afetos do mundo. Aquele que filma compartilha com aqueles que
são filmados uma mesma mise-en-scène. “Questiona-se portanto
a enunciação clássica — assim como o lugar de verdade que ela
instaura, afastado do mundo — para misturar, em uma mesma
cena, sujeitos, processos de aproximação e de esquiva e discursos de
diferentes naturezas” (BRASIL, 2013, p. 4).

Dialogismo e reflexividade ganham novas variações no momento


em que o “outro” passa ele mesmo a se filmar, e podemos nos
questionar se esse segundo conceito é ainda capaz de explicar o que
está realmente em jogo nesse caso. Mais do que circunstancial, a
constante e consciente exposição do antecampo em filmes indígenas
é, reiteramos, estratégia fundamental dessa prática entre os índios:
afinal, estou fora da cena — não se filma totalmente de dentro; para
filmar, é preciso tomar certa distância —, mas, ao mesmo tempo,
estou dentro da cena, já que sou parte da comunidade que o filme
aborda, tornando-me também personagem. Aqui, o olho distanciado
da câmera (o espírito que se afasta para construir uma representação
do mundo) precisa se tornar, simultânea e novamente, situado, em
constante intercâmbio entre o dentro e o fora. Não raro, a produção
do filme explicita-se como espaço de negociação, seja entre os
membros da aldeia, seja entre a equipe de trabalho (formada por
indígenas e não indígenas). Expor o antecampo significa não apenas
3. Sabemos que essa é uma revelar o caráter construído e mediado da imagem cinematográfica
contradição em termos. Stricto mas também, principalmente, conceber o cinema como prática
sensu, o antecampo deve manter-se
entre outras práticas culturais, inserida na vida da aldeia (em suas
sempre fora da cena, diante dela.
Mas, aqui, nos referimos a essa relações internas e externas).
situação em que os elementos que
compõem o antecampo — a câmera Antes de abordar concretamente dois filmes específicos, vale
e o sujeito que filma — entram em ressaltar que o resultado, nesse caso, é sempre a mise-en-abyme:
cena para dela participar. Por isso, para que o antecampo3 se exponha em cena, outro antecampo
a mise-en-abyme: é preciso sempre
uma câmera a filmar, de fora, a outra precisa se manter fora dela; há sempre outra câmera a filmar aquela
câmera que agora está em cena. que se mostra, há sempre um olhar que se oculta por trás do olhar.

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 251


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

Cultura e “cultura”

Pode ser sutil, discreta, a maneira como o antecampo é convocado.


O olhar do personagem para a câmera adensa a copresença entre
quem filma e quem é filmado; convoca o fotógrafo/realizador para
dentro da cena, mesmo que ele ainda não esteja visível nela.4 A
4. Sobre esse olhar que se devolve cena, no caso, é um “mundo” instaurado pela perspectiva daquele
e interpela o sujeito que filma, ver: que endereça seu olhar para a câmera. (Fig. 1)
BRASIL, 2012.

Fig. 1: Solano olha para a câmera,


em Bicicletas de Nhanderu
(2011; frame do filme)

Quem olha, nesse caso, é menos o espírito do que o corpo, engajado


no mundo que ele habita e que contribui para forjar; corpo em
relação com a rede acionada pelo filme. O realizador indígena está
em cena e fora de cena, em um duplo movimento: ele compartilha
o mundo que se configura e que, afinal, é o dele; responde com
cumplicidade ao olhar que lhe é endereçado, compartilha uma
presença lastreada por um modo de vida. Deve, em contrapartida,
manter-se filmando, fora da cena. Trata-se assim, de habitar as
bordas, o limiar do antecampo.

Antes dessa mirada frontal que fisga, que convida ou convoca


aquele que filma a se implicar na cena, a se engajar em um mundo, o
olhar se fixou no extracampo. Para onde o personagem olha? (Fig. 2).

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 252


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

Fig. 2: O extracampo
(frame do filme)

Como tento mostrar em outro artigo (BRASIL, 2012), o filme se


abre a um extracampo mítico, cosmológico, contíguo ao mundo
cotidiano ali figurado. Esse extracampo que os espectadores não
conhecemos objetivamente permanece presente ao longo do filme,
ele “insiste” (como diria Deleuze, 1985, 1990), inscrevendo na
cena seus traços, seus lampejos, suas lascas.

De maneira mais explícita e processual, não são raros os filmes


indígenas em que o antecampo se mistura, não sem lacunas, à cena:
o espaço atrás da câmera torna-se cena, e o filme quase se confunde
com a própria feitura. No limite, não se trata de uma exposição
eventual do antecampo, circunscrita a este ou aquele momento da
narrativa, mas de um antecampo que, exposto, virado ao avesso,
torna-se ele próprio o espaço da cena.

No caso de Pi’õnhitsi, mulheres xavante sem nome (2009), o filme


em si — aquele a que se propõe o diretor — não se realiza. Feito por
Divino Tserewahú, da aldeia de Sangradouro (MT), em coautoria
com Tiago Campos Torres, da equipe do Vídeo nas aldeias, o filme
nasce da tentativa de registrar o ritual de iniciação das mulheres
(a festa Nome das mulheres), que já não se via em nenhuma das
aldeias xavante, senão em Sangradouro. O problema é que, desde
1995 (a última vez em que foi encenada integralmente), em

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 253


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

outras tentativas, o ritual é sempre interrompido em suas etapas


preliminares, por conta de inúmeros acidentes e da resistência de
parte da comunidade. Diante do fracasso em retomar o ritual, o
diretor recorre então às imagens de arquivo, de seu e de outros
acervos, para evocá-lo aos membros da comunidade.

Pi’õnhitsi se constrói assim sobre um fracasso, sobre uma


impossibilidade, sobre uma ausência: se não é possível reencenar
o ritual, retomá-lo integralmente no filme, ele será evocado,
por meio de registros de rituais passados, dos discursos e afetos
que eles suscitam, principalmente entre os velhos da aldeia.5
5. Guardadas as diferenças, Pi’õnhitsi
Essa retomada precária e entrecortada se dá no antecampo do
nos lembra Pour la suite du monde, filme, nos espaços de sua produção, ali onde se veem a equipe,
de Michel Brault, Marcel Carrière a câmera, os monitores de TV e outros equipamentos de edição.
e Pierre Perrault (1963). Em certo O antecampo expõe-se como cena na qual o realizador — Divino
sentido, um filme é o avesso do
outro: primeiro, porque é filmado
Tserewahú — está implicado: em algumas sequências, ele tenta
pelos próprios nativos. Segundo, mobilizar a aldeia para a realização do ritual; em outras, exibe
porque, diferentemente do filme imagens aos membros da comunidade; conversa com eles na
canadense, nesse caso, o “ritual” busca de subsídios para sua pesquisa (e essa busca já é, ela mesma,
acaba não se realizando.
o filme); em mais de uma sequência, Divino compartilha a ilha
de edição com o codiretor, não índio, a comentar o ritual, assim
como as lembranças que guarda dele.

Situado no extracampo, o ritual “virtual”, que nunca chega a


ser integralmente realizado, move a narrativa do filme. A ausência
é, repetimos, constituinte; é ela que faz que o filme “se lance” ao
antecampo, exibindo-se como busca e negociação permanentes.

Já na cena de início, realizada em 2003, a feitura do filme e


a tentativa de produção do ritual se misturam. Nela, jovens se
preparam para a performance e respondem às perguntas do diretor.
“Estamos começando a festa, pedindo às mulheres...”. Ao que ele
intervém, detrás da câmera: “Fala mais alto”. Adiante, um velho
comenta: “Não tem ninguém aqui com experiência para conduzir
vocês nesta dança”. Depois, ele se dirige ao diretor: “E você tem
que comprar os shorts para os wapté. Se não comprar, vou quebrar a
sua câmera”. Logo após os créditos, voltamos a Sangradouro, agora
em 2008. Acompanha as imagens a voz over de Divino. Diante
de um monitor de TV dentro de um pequeno cômodo, ele inicia

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 254


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

uma “visionagem” com os velhos da aldeia (Fig. 3). Ali, as imagens


de 2003 retornam, sob os comentários jocosos dos personagens e
demonstrações em torno do modo correto de realizar o ritual.

Fig. 3: Os velhos veem as imagens


(frame do filme)

Há, de um lado, a instância na qual o diretor se situaria fora da cena,


em um antecampo oculto, recuado, a filmar, a pensar e a montar
as imagens. Ali, ele assume com Tiago a instância enunciativa,
organizadora do filme, agenciando materiais heterogêneos,
marcados por temporalidades diversas. Mas essa instância não é
nunca soberana nem pode permanecer oculta, fora da cena. O
antecampo é constantemente interpelado, e Divino deve se expor
aos parentes e afins, às circunstâncias de filmagem, às negociações
em torno do ritual e do filme.

Quase todas as imagens e estratégias do filme são, então,


submetidas à relação, exposta, com os demais sujeitos implicados.
Antes de tudo, há as imagens de arquivo de naturezas e tempos
distintos (o filme de 67, feito pelos missionários; as imagens de 95,
realizadas por Vincent Carelli e pelo próprio Divino, aprendiz
de cineasta; as imagens feitas pelo diretor em 2003 e 2007...).

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 255


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

Notável como, ali, os arquivos são recolocados em cena, exibidos


ao coletivo, com desdobramentos inesperados para a vida na aldeia
e para o próprio filme (Figs. 4, 5 e 6).

Figs. 4, 5 e 6: Exibição do filme de


1967 (frames do filme)

Também nas entrevistas — procedimento que, no documentário,


pode resultar em distanciamento —, jovens e velhos interpelam
o entrevistador. Lembremo-nos da senhora que, ao remontar à
história do ritual, aponta o dedo para a câmera e provoca: “Não
éramos frouxos como vocês, que estão deixando a festa” (Fig. 7).

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 256


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

Fig. 7: Entrevista (frame do filme)

De fato, a realização do filme e a realização do ritual imbricam-


se, um processo intervindo no outro, a ponto de constituírem-se
mutuamente. A própria feitura do filme que exige a mobilização
da comunidade para a realização do ritual — depende desse
engajamento do diretor, compartilhando em cena as negociações
e dificuldades da empreitada. Em uma sequência emblemática,
entrecruzam-se o desejo de retomar a festa (ainda que “resumida”
para o filme); as resistências e tabus em torno do ritual; a urgência
de finalização do trabalho, e até a necessidade de prestação de
contas a um edital cinematográfico. Na reunião com membros da
comunidade, o diretor argumenta:

Se vocês decidirem fazer a festa, tudo bem. Pode ser uma


semana, três ou quatro dias, mas nós não estamos pedindo
isso para vocês. O dinheiro do projeto foi gasto no tempo
da festa. O prazo já acabou e agora tem a prestação de
contas. Estamos fazendo a edição e a finalização. Não
podemos mais gastar com outra coisa para não sujar o
nome do Vídeo nas aldeias.

Há, por fim, uma camada narrativa, de viés metalinguístico, na


qual o diretor reflete sobre a realização do filme, sobre a festa, sobre

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 257


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

os interditos na aldeia e, indiretamente, sobre a própria experiência


como cineasta, em suas relações com índios e não índios. Diante da
ilha de edição, junto ao codiretor, Divino revê as imagens, passando,
vez ou outra, ao papel de entrevistado. (Figs. 8 e 9) Se, com os
velhos da aldeia, diante da ilha de edição, a relação é interna, agora,
com Tiago, ela é interétnica, voltando-se para fora da aldeia.

Fig. 8: Diante da ilha de edição


(frame do filme)

Fig. 9: Mediador entre mundos


(frame do filme)

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 258


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

Ele é assim uma espécie de mediador entre mundos, assumindo


corpos diferentes quando passa de um a outro: faz a passagem
entre passado e presente, entre o cotidiano da aldeia e a cena
fílmica; entre índios e não índios. Participante da cena, a câmera
é dispositivo operador dessas passagens, impedindo também que
elas sejam totalmente fluentes, provocando desconcertos e cisões.
6. A linguagem ordinária, nos
O efeito que se produz, afinal, é o de mise-en-abyme. Há
diz Manuela Carneiro da Cunha
(2009, p. 373), “movimenta-se sempre uma cena dentro da cena e sempre uma câmera a filmar
sem solução de continuidade entre outra câmera. Não poderíamos conferir a esse efeito estilístico um
cultura e ‘cultura’”. A primeira é tida
sentido cultural amplo? Digamos, em primeiro lugar, que, assim
como um conjunto de “esquemas
interiorizados que organizam a como o diretor do filme, os sujeitos estão simultaneamente dentro
percepção e a ação das pessoas e da cultura — “a rede invisível na qual estamos suspensos” — e fora
que garantem um certo grau de
dela — podem tomar certa distância, para citá-la reflexivamente,
comunicação em grupos sociais”
(p. 313); como “um complexo colocá-la entre aspas e em relação com outras culturas.
unitário de pressupostos, modos
de pensamento, hábitos e estilos Poderíamos então nos perguntar: o cinema indígena, não
que interagem entre si, conectados nos permite ele experimentar, muito concretamente, essa mútua
por caminhos secretos e explícitos contaminação e constituição entre a cultura e a “cultura”?6 Como
com os arranjos práticos de uma
sociedade, e que, por não aflorarem prática reflexiva da “cultura”, o cinema teria “efeitos dinâmicos
à consciência, não encontram tanto sobre aquilo que [ele] reflete – cultura, no caso – quanto
resistência à sua influência sobre as sobre as próprias metacategorias” utilizadas para definir e pensar
mentes dos homens” (TRILLING,
L. apud CARNEIRO DA CUNHA, a cultura. (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 363) Ou seja, ao
2009, p. 357). Ou ainda, de se dedicar a um fato cultural – a festa – Pi’õnhitsi é um filme
modo mais conciso, como a “rede que não apenas tematiza esse fato cultural mas também intervém
invisível na qual estamos suspensos”
(CARNEIRO DA CUNHA, 2009, nas próprias formas como ele pode ser pensado, reconfigura
p. 373). A segunda — “cultura”, as próprias categorias que o permitem pensar. É profunda a
com aspas — “tem a propriedade de performatividade nesse caso: o filme confere visibilidade e devolve
uma metalinguagem: é uma noção
reflexiva que de certo modo fala problematicamente à comunidade as negociações não apenas em
de si mesma” (p. 356). Trata-se da torno da cultura mas também em torno da “cultura” (as categorias
maneira como um grupo performa e coletivas da autorreflexão). A mise-en-abyme cinematográfica pode
cita reflexivamente a própria cultura,
utilizando-a “como recurso e como ser assim desenhada: trata-se da cena da “cultura” (com aspas)
arma para afirmar identidade, sobre a cena da cultura (sem aspas), que por sua vez se volta sobre
dignidade e poder diante de Estados a cena da “cultura” (com aspas), em transformações sucessivas: o
nacionais ou da comunidade
internacional” (CARNEIRO DA cinema filma o ritual, que é visto pela comunidade, via cinema.
CUNHA, 2009, p. 373) Ela por sua vez tece comentários sobre o ritual, mas também

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 259


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

sobre a maneira como o ritual é percebido, definido e mesmo


filmado. Esse comentário retorna e incorpora-se ao filme, que será
novamente exibido à comunidade7 (Figs. 10, 11, 12).
7. Estamos muito próximos do que
Ian Hacking (citado por Carneiro da
Cunha) chamou de “efeito looping”:
quer seja, o fato de que os tipos
humanos têm consciência sobre o
modo como são classificados. A essa
consciência se responde, na prática,
com comportamentos que podem
ser diferentes do que se espera do
tipo humano em questão. Essa
diferença retorna então, como novo
conhecimento, alterando a maneira
de compreender e definir o tipo, e
assim por diante.

Figs. 10, 11 e 12: cultura e “cultura”


(frames do filme)

Câmera reversa

Ainda que indique relações com o mundo dos brancos (o VNA, a


coautoria, os editais e festivais de cinema...), Pi’õnhitsi é um filme
relativamente centrípeto, cuja circunscrição se define pela aldeia,
da qual o diretor faz parte. Em outro trabalho de nosso interesse, a
relação da cultura com o fora dela é mais enfática. No rico domínio
do cinema indígena, a produção do Coletivo Mbyá-Guarani prima

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 260


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

por usar a mediação do cinema como dispositivo duplo, espécie


de dobradiça, que tem uma face voltada para a própria cultura e a
outra, para a cultura do branco; uma face voltada aos espectadores
da aldeia e outra, aos espectadores não índios. Os filmes instauram
efetivos processos de reversibilidade (WAGNER, 2010), voltando-
se simetricamente para a cultura do branco e colocando-se em
relação com ela. Mokoi Tekoá Petei Jeguatá (Duas aldeias, uma
caminhada, 2008), trabalho realizado pelos Mbyá-Guarani, mostra
o cotidiano de duas aldeias, premidas pela vida urbana, cujos
membros, impedidos de plantar, caçar e pescar (dadas as condições
de escassez e degradação ambiental), vivem da venda de artesanato
nas cidades vizinhas. Não são raras as aparições da equipe e dos
equipamentos de filmagem, e o antecampo está constantemente em
cena: escapando do formato habitual da entrevista, os realizadores
conversam entre si e com outros membros da aldeia, sobre a história
e atual situação do grupo; sobre o próprio trabalho do cinema.
Em uma curta, mas bela sequência, imagens feitas para o filme
— antecipadas ao espectador pela montagem — são exibidas, em
uma pequena televisão, à comunidade. Ao enquadrar o rosto das
crianças, jovens e velhos a assistir atentamente às imagens, produz-
se a coincidência entre a comunidade indígena e a comunidade de
espectadores: assim como no filme xavante, mas de outra maneira,
o cinema se mistura à vida na aldeia, seja quando de sua feitura, seja
quando de sua exibição.

Mas, como em outros filmes dos Mbyá-Guarani, o cinema é


um dispositivo nômade, ligado à experiência de perambulação
desse povo tantas vezes expulso das suas terras. A câmera
transita, acompanha o percurso dos personagens (muitas
vezes, crianças), atravessa os limites da aldeia, visita as cidades
vizinhas (Fig. 13, 14 e 15).

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 261


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

Figs. 13, 14 e 15: Cinema nômade


(frames do filme)

Quando, portanto, a equipe do filme deixa a aldeia para viajar


até as ruínas das Missões em São Miguel Arcanjo, local onde os
guaranis vendem seu artesanato, o antecampo torna-se espaço
polêmico, expondo fortemente a relação conflituosa com o mundo
dos brancos. A sequência inicia-se com a câmera a acompanhar
a indiferença consumista dos turistas, que misturam perguntas
banais sobre a cultura dos índios (por cuja resposta, afinal, não
se interessam muito) a perguntas sobre o preço dos objetos (que
acabam por não comprar). Segue-se a sequência com um grupo
ciceroneado pelas guias de turismo local. Nesse momento, o
antecampo é convocado, senão “açulado”, por um dos turistas, que
brinca ao tirar uma fotografia do diretor, atrás da câmera.

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 262


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

A sequência se desenvolve com registros do discurso dos guias


Fig. 16: Câmera contra câmera
sobre a história das Missões e dos guaranis. Em um gesto reverso,
(frame do filme)
a câmera passa a se dedicar, mais enfaticamente, ao imaginário
que os brancos construíram sobre os índios, que, como vemos,
avança pouco para além do sentimento de comiseração. Corta-se
para o enquadramento frontal de um professor/turista, que dá seu
depoimento para a câmera. Ele diz que os alunos ficam tristes ao ver
os índios sujos, e até pedindo dinheiro para ser fotografados. Ainda
fora de cena, Ariel Ortega, um dos diretores do filme, sobressalta-
se: “Sujos?” Nesse momento, ele adentra a cena, e o procedimento
da entrevista é acirrado. Uma relação se impõe, superando a
indiferença e instaurando o embate: “Você acha que os índios estão
vendendo sua imagem, é isso?” A câmera dobradiça mantém-se
firme, voltada ao próprio imaginário dos brancos, e o comentário
do turista sobre os índios retorna reversamente (Fig. 17).

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 263


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

Sugere-se aí uma inversão circunstancial de perspectivas: no início


Fig. 17: “Sujos?” (frame do filme)
desta sequência, os índios parecem incomodamente habitar o
mundo do turismo; agora, é o turista que se vê “capturado” pela
perspectiva dos índios: ele se desconcerta diante da resposta que lhe
é devolvida, revelando-se o equívoco de seu comentário. Para Ruben
Caixeta de Queiroz (2008, p. 116), o filme é “um olhar certeiro do
índio sobre o olhar colonizador do branco para o índio: são os índios
que enquadram o ‘olhar do branco’ e revelam não só a sua dimensão
histórica, mas sua presença real no mundo de hoje”. Aquele que
sempre foi objeto do olhar, agora olha, firmemente, o olhar de que
era objeto. Provocado pela câmera, sustentada por um indígena, o
branco se vê — a si próprio — a enunciar sua visão limitada sobre
os índios. A câmera produz relação, na medida em que ressalta uma
diferença — uma diferença não apenas de opinião, mas de mundo.

A sequência continua, e um dos parentes, protagonista do filme,


conta parte da história daquelas ruínas sob a perspectiva indígena:
sobre fotografias do acervo do museu, documentos da história, ele
inicia a narrativa da cobra grande, atingida por um raio enviado por

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 264


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

Tupã. Mostra depois as paredes da ruína manchadas de sangue e


gordura da cobra, paredes que foram construídas pelos antepassados.

Evidencia-se, quem sabe, o equívoco que reside e que resiste


Fig. 18: Paredes manchadas de
ao fundo do encontro entre brancos e indígenas: não se trata
sangue e gordura (frame do filme)
estritamente de narrativas ou interpretações diferentes para a
mesma história; explicita-se, mais profundamente, como os
próprios objetos da história, o mundo sobre o qual ela se constrói,
são diferentes, distantes. Como sugere Eduardo Viveiros de Castro,
em sua formulação sobre o equívoco na antropologia, trata-se antes
de uma radical alteridade referencial, de natureza ontológica, e
não apenas representacional: não são a mesma coisa a ruína das
missões jesuíticas transformadas em museu e as paredes manchadas
de sangue e gordura que o índio faz questão de nos indicar. Os
afetos, as memórias e os gestos que produzem são bem diferentes
quando são os índios que as atravessam, ou quando são os turistas
que passeiam por elas.

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 265


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Artigos

Essas sequências fazem do filme um dispositivo fortemente


relacional: colocada em cena, a câmera produz relação, não sem
provocar a transformação de seus termos. É em sentido amplo que
a estratégia é dialógica e reflexiva. De um lado, a dialogia é cindida
pelos equívocos que a constituem. De outro lado, a reflexividade
não se endereça apenas ao cinema, mas ao imaginário do qual ele
participa e que ajuda a forjar. Posto em relação, esse imaginário é
transformado por dentro, como as paredes da ruína tomadas pelo
sangue e pela gordura da cobra.

A hipótese que trouxemos por meio do comentário ainda inicial


sobre esses filmes é relativamente simples: ela sugere a natureza
constituinte do antecampo em filmes indígenas. Do ponto de
vista endógeno, o antecampo é o lugar onde o realizador encena
esse duplo e intercambiável papel: dentro da cena, como parente,
membro da comunidade, e fora da cena, como cineasta. Como
vimos, o cinema expressa, em mise-en-abyme, o engendramento
entre cultura e “cultura”. Do ponto de vista exógeno, o antecampo
permite performar e citar reflexivamente aspectos da própria
cultura, tendo em vista as relações interétnicas. Expõe-se como um
antecampo cindido, já que fundado por um equívoco que caberia
ao filme menos desfazer do que revelar.

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 266


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá | André Brasil

Referências

BRASIL, A. “Bicicletas de Nhanderu: lascas do extracampo”.


Revista Devires – Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, v. 9,
n. 1, jan./jun. 2012.

__________. “Formas do antecampo: notas sobre a performatividade


no documentário brasileiro contemporâneo”. In: XXII
ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, Salvador, jun. 2013.

__________. “O olho do mito: perspectivismo em Histórias de


Mawary”. Revista Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, 2012b.

CAIXETA DE QUEIROZ, R. “Cineastas indígenas e pensamento


selvagem”. Revista Devires, Belo Horizonte, v. 5, n. 2, jul./dez. 2008.

CARNEIRO DA CUNHA, M. “‘Cultura’ e cultura: conhecimentos


tradicionais e direitos intelectuais”. In: CARNEIRO DA CUNHA,
M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

COMOLLI, J-L. “Aqueles que filmamos: notas sobre a mise-en-


scène documentária”. In: COMOLLI, J-L. Ver e poder. A inocência
perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2008.

__________. DELEUZE, G. Cinema I: A imagem-movimento.


São Paulo: Brasiliense, 1985.

__________. Cinema II: A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.

SAHLINS, M. “O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência


etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção
(parte I)”. Mana, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, 1997.

VIVEIROS DE CASTRO, E. “O nativo relativo”. Mana, Rio de


Janeiro, v. 8, n. 1, 2002.

__________. “Perspectivismo e multinaturalismo na América


indígena”. In: VIVEIROS DE CASTRO, E. A inconstância da
alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2002b.

WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

submetido em: 15 ago. 2013 | aprovado em: 24 out. 2013

2013 | v. 40 | nº 40 | significação | 267


9
Post-Third-Worldist Culture:
Gender, Nation, and the Cinema

Ella Shohat

At a time when the grands recits of the West have been told and retold ad
infinitum, when a certain postmodernism (Lyotard) speaks of an "end" to
metanarratives, and when Fukayama speaks of an "end of history," we must
ask: precisely whose narrative and whose history is being declared at an
"end"?1 Hegemonic Europe may clearly have begun to deplete its strategic
repertoire of stories, but Third-World peoples, First-World minoritarian
communities, women, and gays and lesbians have only begun to tell, and
deconstruct, theirs. For the "Third World,, this cinematic counter-telling
basically began with the postwar collapse of the European empires and the
emergence of independent nation-states. In the face of Eurocentric histori-
cizing, the Third World and its diasporas in the First World have rewritten
their own histories, taken control over their own images, spoken in their
own voices, reclaiming and reaccentuating colonialism and its ramifications
in the present in a vast project of remapping and renaming. Third-World
feminists, for their part, have participated in these countemarratives, while
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

insisting that colonialism and national resistance have impinged differendy


on men and women, and that remapping and renaming is not without its
fissures and contradictions.
Although relatively small in number, women directors and producers in
the "Third World" already played a role in film production in the first half
of this century: Aziza Amir, Assia Daghir, and Fatima Rushdi in Egypt;
Carmen Santos and Gilda de Abreu in Brazil; Emilia Saleny in Argentina;
and Adela Sequeyro, Matilda Landeta, Candida Beltran Rondon, and Eva
Liminano in Mexico. However, their films, even when focusing on female
protagonists, were not e.xplicidy feminist in the sense of a declared political
project to empower women in the context of both patriarchy and (neo)
colonialism. In the postindependence or postrevolution era, women, despite
their growing contribution to the diverse aspects of film production,

183
<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
184 I Ella Shohat

remained less visible than men in the role of film direction. Furthermore,
Third-Worldist revolutionary cinemas in places such as China, Cuba,
Senegal, and Algeria were not generally shaped by an anticolonial feminist
imaginary. As is the case with First-World cinema, women's participation
within Third-World cinema has hardly been central, although their growing
production over the last decade corresponds to a worldwide burgeoning
movement of independent work by women, made possible by new, low-
cost technologies of video communication. But quite apart from this relative
democratization through technology, postindependence history, with the
gradual eclipse of Third-Worldist nationalism and the growth of women's
grass roots local organizing, also helps us to understand the emergence of
what I call "post-Third-Worldist"2 feminist film and video.
Here, I am interested in examining recent feminist film and video work
within the context of post-Third-Worldist film culture as a simultaneous cri-
tique both of Third-Worldist anticolonial nationalism and of First-World
Eurocentric feminism. Challenging white feminist film theory and practice
that emerged in a major way in the 1970s in First-World metropolises,
post-Third-Worldist feminist works have refused a Eurocentric universaliz-
ing of "womanhood," and even of "feminism." Eschewing a discourse of
universality, such feminisms claim a "location,"3 arguing for specific forms of
resistance in relation to diverse forms of oppression. Aware of white
women's advantageous positioning within (neo)colonialist and racist sys-
tems, feminist struggles in the Third World (including that in the First World)
have not been premised on a facile discourse of global sisterhood, and have
often been made within the context of anticolonial and antiracist struggles.
But the growing feminist critique of Third-World nationalisms translates
those many disappointed hopes for women's empowerment invested in a
Third-Worldist national transformation. Navigating between the excommu-
nication as "traitors to the nation" and "betraying the race" by patriarchal
nationalism, and the imperial rescue fantasies of clitoridectomized and veiled
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

women proffered by Eurocentric feminism, post-Third-Worldist feminists


have not suddenly metamorphosized into "Western" feminists. Feminists of
color have, from the outset, been engaged in analysis and activism around
the intersection of nation/race/gender. Therefore, while still resisting the
ongoing (neo)colonized situation of their "nation" and/or "race,"
post-Third-Worldist feminist cultural practices also break away from the nar-
rative of the "nation" as a unified entity so as to articulate a contextualized
history for women in specific geographies of identity. Such feminist projects,
in other words, are often posited in relation to ethnic, racial, regional, and
national locations.
Feminist work within national movements and ethnic communities has
not formed part of the generally monocultural agenda of Euro-"feminism."
In cinema studies, what has been called "feminist film theory" since the

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 185

1970s has often suppressed the historical, economic, and cultural contradic-
tions among women. Prestigious feminist film journals have too often
ignored the scholarly and cultural feminist work performed in relation to
particular Third-Worldist national and racial media contexts; feminist work
to empower women within the boundaries of their Third-World communi-
ties was dismissed as merely nationalist, not "quite yet" feminist. Universal-
izing the parameters for feminism and using such ahistorical psychoanalytical
categories as "desire," "fetishism," and "castration" led to a discussion of
"the female body" and "the female spectator" that was ungrounded in the
many different-even opposing-women's experiences, agendas, and political
visions. Any dialogue with feminist scholars or filmmakers who insisted on
working from and within particular locations was thus inhibited. Is it a coin-
cidence that throughout the 1970s and most of the 1980s, it was Third-
World cinema conferences and film programs that first gave prominence to
Third-Worldist women filmmakers (for example, the Guadeloupian Sarah
Maldoror, the Colombian Marta Rodriguez, the Lebanese Heiny Srour, the
Cuban Sara Gomez, the Senegalese Safi Faye, the Indian Prema Karanth, the
Sri Lancan Sumitra Peries, the Brazilian Helena Solberg Lad, the Egyptian
Atteyat El-Abnoudi, the Tunisian Selma Baccar, the Puerto Rican Ana Maria
Garcia) rather than feminist film programs and conferences? A discussion of
Ana Maria Garcia's documentary La Operaci6n, a film which focuses on
U.S.-imposed sterilization policies in Puerto Rico, for example, reveals the
historical and theoretical aporias of such concepts as "the female body"
when not addressed in terms of race, class, and (neo)colonialism. Whereas a
white "female body" might undergo surveillance by the reproductive
machine, the dark "female body" is subjected to a dis-reproductive apparatus
within a hidden, racially coded demographic agenda.
In fact, in the 1970s and most of the 1980s, prestigious feminist film jour-
nals paid little attention to the intersection of heterosexism with racism and
imperialism; that task was performed by some "Third-World cinema" acade-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

mics who published in those leftist film and cultural journals that allotted
space to Third-World alternative cinema (for example, ]umpcut, Cineaste,
The Independent, Framework, and Critical Arts). Coming in the wake of visi-
ble public debates about race and multiculturalism, the task-force on "race"
(established in 1988) at the Society for Cinema Studies, along with the
increasing substantial representation of the work of women of color in
Women Make Movies (a major New York-based distribution outlet for
independent work by women film and videomakers), began to have an
impact on white feminist film scholars, some of whom gradually came to
acknowledge and even address issues of gender in the context of race.
Discourses about gender and race still tend not to be understood within an
anticolonial history, however, while the diverse recent post-Third-Worldist
feminist film and video practices tend to be comfortably subsumed as a

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
186 I Ella Shohat

mere "extension" of a "universal" feminist theory and practice. Applying old


paradigms onto new (dark) objects implies, to some extent, "business as
usual." Post-Third-Worldist feminist practices now tend to be absorbed into
the preoccupations of Eurocentric feminist theories within the homogeniz-
ing framework of the shared critique of patriarchal discourse. Examining
recent Third-World feminist cultural practices only in relation to theories
developed by what has been known as "feminist film theory" reproduces a
Eurocentric logic whose narrative beginnings for feminism will inevitably
always reside with "Western" cultural pratices and theories seen as straight-
forwardly pure "feminism," unlike Third-World feminisms, seen as "bur-
dened" by national and ethnic hyphenated identities. Notions of nation and
race, along with community-based work are implicitly dismissed as both
too "specific" to qualify for the theoretical realm of "feminist film theory"
and as too "inclusive" in their concern for nation and race that they presum-
ably "lose sight" of feminism.
Rather than merely "extending" a preexisting First-World feminism, as a
certain Euro-"diffusionism,.. would have it, post-Third-Worldist cultural
theories and practices create a more complex space for feminisms open to
the specificity of community culture and history. To counter some of the
patronizing attitudes toward (post)Third-World feminist filmmakers-the
dark women who now also do the "feminist thing"-it is necessary to con-
textualize feminist work in national/racial discourses locally and globally
inscribed within multiple oppressions and resistances. Third-World feminist
histories can be understood as feminist if seen in conjunction with the resis-
tance work these women have performed within their communites and
nations. Any serious discussion of feminist cinema must therefore engage
the complex question of the "national." Third-Worldist films are often pro-
duced within the legal codes of the nation-state, often in (hegemonic)
national languages, recycling national intertexts (literatures, oral narratives,
music), projecting national imaginaries. But if First-World filmmakers have
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

seemed to float "above" petty nationalist concerns, it is because they take


for granted the projection of a national power that facilitates the making
and the dissemination of their films. The geopolitical positioning of Third-
World nation-states continues to imply that their filmmakers cannot assume
a substratum of national power.
Here, I am interested in examining the contemporary work of post-Third-
Worldist feminist film- and videomakers in light of the ongoing critique of
the racialized inequality of the geopolitical distribution of resources and
power as a way of looking into the dynamics of rupture and continuity with
regard to the antecedent Third-Worldist film culture. These texts, I argue,
challenge the masculinist contours of the "nation" in order to continue a
feminist decolonization of Third-Worldist historiography, as much as they
continue a multicultural decolonization of feminist historiography. My

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 187

attempt to forge a "beginning" of a post-Third-Worldist narrative for recent


film and video work by diverse Third-World, multicultural, diasporic femi-
nists is not intended as an exhaustive survey of the entire spectrum of generic
practices. Rather, by highlighting works embedded in the intersection
between gender/sexuality and nation/race, this essay attempts to situate
such cultural practices. It looks at a moment of historical rupture and conti-
nuity, when the macronarrative of women's liberation has long since sub-
sided yet sexism and heterosexism prevail, and in an age when the
metanarratives of anticolonial revolution have long since been eclipsed yet
(neo)colonialism and racism persist. What, then, are some of the new modes
of a multicultural feminist aesthetics of resistance? And in what ways do they
simultaneously continue and rupture previous Third-Worldist film culture?

The Eclipse of the Revolutionary Paradigm

Third-Worldist films by women assumed that revolution was crucial for


the empowering of women, that the revolution was integral to feminist
aspirations. Sarah Maldoror's short film Monangambe (Mozambique, 1970)
narrates the visit of an Angolan woman to see her husband who has been
imprisoned by the Portuguese, while her feature film Sambizanga
(Mozambique, 1972), based on the struggle of the MPLA in Angola, depicts
a woman coming to revolutionary consciousness. Heiny Srour's documen-
tary Saat a/ Tahrir (The Hour of Liberation, Oman, 1973) privileges the role
of women fighters as it looks at the revolutionary struggle in Oman, and her
Leila wal dhiab (Leila and the Wolves, Lebanon, 1984) focuses on the role of
women in the Palestine Liberation Movement. Helena Solberg Ladd's
Nicaragua Up From the Ashes (U.S., 1982) foregrounds the role of women in
the Sandanista revolution. Sara Gomez's weD-known film De cierta manera
(One Way or Another, Cuba, 1975), often cited as part of the late 1970s and
early 1980s Third-Worldist debates around women's position in revolution-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

ary movements, interweaves documentary and fiction as part of a feminist


critique of the Cuban revolution. From a decidedly pro-revolutionary per-
spective, the film deploys images of building and construction to
metaphorize the need for further revolutionary changes. Macho culture is
dissected and analyzed within the overlaid cultural histories (African,
European, and Cuban), in terms of the need to revolutionize gender rela-
tions in the postrevolution era.
Already in the late 1960s and early 1970s, in the wake of the Vietnamese
victory over the French, the Cuban revolution, and Algerian independence,
Third-Worldist film ideology was crystallized in a wave of militant mani-
festos-Glauber Rocha's "Aesthetic of Hunger," (1965), Fernando Solanas
and Octavio Getino's "Towards a Third Cinema," (1969), and Julio Garcia
Espinosa's "For an Imperfect Cinema" (1969)-and in declarations from

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
188 I Ella Shohat

Third-World film festivals calling for a tricontinental revolution in politics


and an aesthetic and narrative revolution in film form. 5 Within the spirit of a
politicized auteurism, Rocha demanded a "hungry'" cinema of "sad, ugly
films"; Solanas and Getino urged militant guerrilla documentaries; and
Espinosa advocated an "imperfect" cinema energized by the "low" forms of
popular culture. But the resistant practices of such films are neither homo-
geneous nor static; they vary over time, from region to region, and, in
genre, from epic costume drama to personal small-budget documentary.
Their aesthetic strategies range from "progressive realist" to Brechtian
deconstructivist to avant-gardist, tropicalist, and resistant postmodern.6 In
their search for an alternative to the dominating style of Hollywood, such
films shared a certain preoccupation with First-World feminist independent
films which sought alternative images of women. The project of digging
into "herstories" involved a search for new cinematic and narrative forms
that challenged both the canonical documentaries and mainstream fiction
films, subverting the notion of "narrative pleasure" based on the "male
gaze." As with Third-Worldist cinema and with First-World independent
production, post-Third-Worldist feminist films and videos conduct a strug-
gle on two fronts, at once aesthetic and political, synthesizing revisionist
historiography with formal innovation.
The early period of Third-Worldist euphoria has given way to the collapse
of Communism, the indefinite postponement of the devoudy wished "tri-
continental revolution," the realization that the "wretched of the earth" are
not unanimously revolutionary (nor necessarily allies to one another), the
appearance of an array of Third-World despots, and the recognition that
international geopolitics and the global economic system have forced even
the "Second World" to be incorporated into transnational capitalism.
Recent years have even witnessed a crisis around the term "Third World"
itself; it is now seen as an inconvenient relic of a more militant period. Some
have argued that Third-World theory is an open-ended ideological intetpel-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

lation that papers over class oppression in all three worlds, while limiting
socialism to the now nonexistent second world.7 Three-worlds theory not
only flattens heterogeneities, masks contradictions, and elides differences,
but also obscures similarities (for example, the common presence of the
"Fourth-World," or indigenous, peoples in both "Third-World" and "First-
World" countries). Third-World feminist critics such as Nawal El-Saadawi
(Egypt), Vma Mazumdar (India), Kumari jayawardena (Sri Lanka), Fatima
Mernissi (Morocco), and Lelia Gonzales (Brazil) have explored these differ-
ences and similarities in a feminist light, pointing to the gendered limita-
tions of Third-World nationalism.
But even within the current situation of "dispersed hegemonies" (Arjun
Appadurai),8 the historical thread or inertia of First-World domination
remains a powerful presence. Despite the imbrication of "First" and "Third"

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 189

worlds, the global distribution of power still tends to make the First-World
countries cultural "transmitters" and the Third-World countries "receivers."
(One byproduct of this situation is that First-World "minorities" lulve the
power to project their cultural productions around the globe). While the
Third World is inundated with North American films, TV series, popular
music, and news programs, the First World receives precious little of the
vast cultural production of the Third World, and what it does receive is usu-
ally mediated by multinational corporations.9 These processes are not
entirely negative, of course. The same multinational corporations that dis-
seminate inane blockbusters and canned sitcoms also spread Afro-diasporic
music, such as reggae and rap, around the globe. The problem lies not in the
exchange but in the unequal terms on which the exchange take place. 10
At the same time, the media-imperialism thesis, which was dominant in
the 1970s, needs drastic retooling. First, it is simplistic to imagine an active
First World simply forcing its products on a passive Third World. Second,
global mass culture does not so much replace local culture as coexist with
it, providing a cultural lingua franca remarked by a "local" accent. 11 Third,
there are powerful reverse currents as a number of Third-World countries
(Mexico, Brazil, India, Egypt) dominate their own markets and even become
cultural exporters. u We must distinguish, furthermore, between the owner-
ship and control of the media-an issue of political economy-and the specif-
ically cultural issue of the implications of this domination for the people on
the receiving end. The "hypodermic needle" theory is as inadequate for the
Third World as it is for the First: everywhere spectators actively engage with
texts, and specific communities both incorporate and transform foreign
influences. 13 In a world of transnational communications, the central prob-
lem becomes one of tension between cultural homogenization and cultural
heterogenization, in which hegemonic tendencies, well-documented by
Marxist analysts like Mattelart and Schiller, are simultaneously "indige-
nized" within a complex, disjunctive global cultural economy. At the same
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

time, discernible patterns of domination channel the "fluidities" even of a


"multipolar" world; the same hegemony that unifies the world through
global networks of circulating goods and information also distributes them
according to hierarchical structures of power, even if those hegemonies are
now more subtle and dispersed.
Although all cultural practices are on one level products of specific
national contexts, Third-World filmmakers (men and women) have been
forced to engage in the question of the national precisely because they lack
the taken-for-granted power available to First-World nation-states. At the
same time, the topos of a unitary nation often camouflages the possible
contradictions among different sectors of Third-World society. The nation
states of the Americas, of Africa and Asia often "cover" the existence, not
only of women, but also of indigenous nations (Fourth World) within them.

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
190 I Ella Shohat

Moreover, the exaltation of "the national" provides no criteria for distin-


guishing exactly what is worth retaining in the "national tradition." A senti-
mental defense of patriarchal social institutions simply because they are
"ours" can hardly be seen as emancipatory. Indeed, some Third-World films
criticize exactly such institutions: Xala (1990) criticizes polygamy; Finzan
(1989) and Fire Eyes (1993) critique female genital mutilation; films like Allah
Tanto (1992) focus on the political repression exercised even by a pan-
Africanist hero like Sekou Toure; and Sembene's Guelwaar (1992) satirizes
religious divisions within the Third-World nation. Third, all countries, includ-
ing Third-World countries, are heterogeneous, at once urban and rural, male
and female, religious and secular, native and immigrant. The view of the
nation as unitary muffles the "polyphony" of social and ethnic voices within
heteroglot cultures. Third-World feminists, especially, have highlighted the
ways in which the subject of the Third-World nationalist revolution has been
covertly posited as masculine and heterosexual. Fourth, the precise nature of
the national "essence" to be recuperated is elusive and chimerical. Some
locate it in the precolonial past, or in the country's rural interior (e.g., the
African village), or in a prior stage of development (the preindustrial), or in a
non-European ethnicity (e.g., the indigenous or African strata in the nation-
states of the Americas); and each narrative of origins has had its gender
implications. Recent debates have emphasized the ways in which national
identity is mediated, textualized, constructed, "imagined," just as the tradi-
tions valorized by nationalism are "invented."14 Any definition of nationality,
then, must see nationality as partly discursive in nature, must take class, gen-
der, and sexuality into account, must allow for racial difference and cultural
heterogeneity, and must be dynamic, seeing "the nation" as an evolving,
imaginary construct rather than an originary essence.
The decline of the Third-Worldist euphoria, which marked feminist films
like One Way or Another, The Hour of Liberation, and Nicaragua Up From
the Ashes, brought with it a rethinking of political, cultural, and aesthetic
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

possibilities, as the rhetoric of revolution began to be greeted with a certain


skepticism. Meanwhile, the socialist-inflected national-liberation struggles
of the the 1960s and 1970s were harassed economically and militarily,
violendy discouraged from becoming revolutionary models for postinde-
pendence societies. A combination of IMF pressure, cooptation, and "low-
intensity warfare" obliged even socialist regimes to make a sort of peace
with transnational capitalism. Some regimes repressed those who wanted to
go beyond a purely nationalist bourgeois revolution to restructure class,
gender, religion, and ethnic relations. As a result of external pressures and
internal self-questioning, the cinema also gave expression to these muta-
tions, with the anticolonial thrust of earlier films gradually giving way to
more diversified themes and perspectives. This is not to say that artists and
intellectuals became less politicized but that cultural and political critique

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 191

took new and different forms. Contemporary cultural practices of post-


Third-World and multicultural feminists intervene at a precise juncture in
the history of the Third World.

1bird Worldism Under Feminist Eyes

Largely produced by men, Third-Worldist films were not generally con-


cerned with a feminist critique of nationalist discourse. It would be a mis-
take to idealize the sexual politics of anticolonial Third-Worldist films like
the classic Battle ofAlgiers, for example. On one level, it is true that Algerian
women are granted revolutionary agency. In one sequence, three Algerian
women fighters are able to pass for Frenchwomen and, consequendy, slip
through the French checkpoints with bombs in their baskets. The French
soldiers treat the Algerians with disciminatory scorn and suspicion but greet
the Europeans with amiable "bonjours." The soldiers' sexism leads them to
misperceive the three women as French and flirtatious when, in fact, they
are Algerian and revolutionary. The Battle of Algiers thus underlines the
racial and sexual taboos of desire within colonial segregation. As Algerians,
the women are the objects of the military as well as the sexual gaze; they
are publicly desirable for the soldiers, however, only when they masquerade
as French. They use their knowledge of European codes to trick the
Europeans, putting their own "looks" and the soldiers' "looking" (and fail-
ure to see) to revolutionary purpose. (Masquerade also serves the Algerian
male fighters, who veil as Algerian women to better hide their weapons.)
Within the psychodynamics of oppression, the colonized knows the mind of
the oppressor, while the converse is not true. In The Battle of Algiers, the
women deploy this cognitive asymmetry to their own advantage, con-
sciously manipulating ethnic, national, and gender stereotypes in the service
of their struggle.
On another level, however, the women in the film largely carry out the
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

orders of the male revolutionaries. They certainly appear heroic, but only
insofar as they perform their sacrificial service for the "nation." The film
does not ultimately address the two-fronted nature of their struggle within
a nationalist but still patriarchal revolution. 15 In privileging the nationalist
struggle, Battle of Algiers elides the gender, class, and religious tensions
that fissured the revolutionary process, failing to realize that, as Anne
McClintock puts it, "nationalisms are from the outset constituted in gender
power" and that "women who are not empowered to organize during the
struggle will not be empowered to organize after the struggle. " 16 The final
shots of a dancing Algerian woman waving the Algerian flag and taunting
the French troops, accompanied by a voice-over announcing: "July 2, 1962:
Independence. The Algerian Nation is born," has the woman "carry" the
allegory of the "birth" of the Algerian nation. But the film does not raise the

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
192 I Ella Shohat

contradictions that plagued the revolution both before and after victory.
The nationalist representation of courage and unity relies on the image of
the revolutionary woman precisely because her figure might otherwise
evoke a weak link, the fact of a fissured revolution in which unity vis-a-vis
the colonizer does not preclude contradictions among the colonized.
Third-Worldist films often favored the generic and gendered space of
heroic confrontations, whether set in the streets, the casbah, the mountains,
or the jungle. The minimal presence of women corresponded to the place
assigned to women both in the anticolonialist revolutions and within Third-
Worldist discourse, leaving women's homebound struggles unacknowledged.
Women occasionally carried the bombs, as in Battle of Algiers, but only in
the name of a "Nation." More often, women were made to carry the "bur-
den" of national allegory: the woman dancing with the flag in Battle of
Algiers, the Argentinian prostitute whose image is underscored by the
national anthem in La Hora de las Homos (The Hour of the Furnaces), the
mestiza journalist in Cubagua, as embodiment of the Venezuelan nation, or
scapegoated as personifications of imperialism, for example, the allegorical
"whore of Babylon" figure in Rocha's films. Gender contradictions have
been subordinated to anticolonial struggle: women were expected to "wait
their turn."
A recent Tunisian film, Samt al Qusur (The Silence of the Palace, 1994) by
Moufida Tlatli, a film editor who had worked on major Tunisian films of the
postindependence, "Cinema Jedid" (New Cinema) generation, and who has
now directed her first film, exemplifies some of the feminist critiques of the
representation of the "nation" in the anticolonial revolutionary films. Rather
than privileging direct, violent encounters with the French, which would nec-
essarily have to be set in male-dominated spaces of battle, the film presents
1950s Tunisian women at the height of the national struggle as restricted to
the domestic sphere. Yet, it also challenges middle-class assumptions about
the domestic sphere as belonging to the isolated wife-mother of a (hetero-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

sexual) couple. The Silence of the Palace focuses on working-class women,


the servants of the rich, pro-French Bey elite, subjugated to hopeless servi-
tude, including at times sexual servitude, but for whom life outside the
palace, without the guarantee of shelter and food, would mean the even
worse misery of, for example, prostitution. Although they are bound to
silence about what they see and know within the palace, the film highlights
their survival as a community. As an alternative family, their emotional close-
ness in crisis and happiness and their supportive involvement in decision-
making show their ways of coping with a no-exit situation. They become a
nonpatriarchal family within a patriarchal context. Whether through singing
as they cook for an exhibitionist banquet, through praying as one of them
heals a child who has fallen sick, or through dancing and eating in a joyous
moment, the film represents women who did not plant bombs but whose

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 193

social positioning turns into a critique of failed revolutionary hopes as seen


in the postcolonial era. The information about the battles against the besieg-
ing French are mediated through the radio and by vendors, who report to
the always "besieged" women on what might lead to an all-encompassing
national transformation.
Yet, this period of anticolonial struggle is framed as a recollection narra-
tive of a woman singer, a daughter of one of the female servants, illuminat-
ing the continuous pressures exerted on women of her class. (With some
exceptions, female singers/dancers are still associated in the Middle East
with being just a little above the shameful occupation of prostitution.) The
gendered and classed oppression that she witnessed as an adolescent in col-
onized Tunisia led her to believe that things would be different in an inde-
pendent Tunisia. Such hopes were encouraged by the promises made by the
middle-class male intellectual, a tutor for the Bey's family, who suggests
that in the new Tunisia not knowing her father's name will not be a barrier
for establishing a new life. Their passionate relationship in the heat of revo-
lution, where the "new" is on the verge of being born, is undercut by the
framing narrative. Her fatherless servant-history and her low status as a
singer haunt her life in the postindependence era; the tutor lives with her
but does not marry her, yet gives her the protection she needs as a singer.
The film opens on her sad, melancholy face singing a famous Um Kulthum
song from the 1960s, "Amal Hayati" (The Hope of My Life). Um Kulthum,
an Egyptian, was the leading Arab singer of the twentieth century. Through
her unusual musical talents-including her deep knowledge of "fusha" (liter-
ary) Arabic-she rose from her small village to become "kawkab al sharq"
(the star of the East). Her singing accompanied the Arab world in all its
national aspirations and catalyzed a sense of Arab unity that managed to
transcend, at least on the cultural level, social tensions and political con-
flicts. She was closely associated with the charismatic leadership of Gamal
Abdul Nasser and his anti-imperial pan-Arab agenda, but the admiration,
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

respect, and love she elicited continued well after her death in 1975. Um
Kulthum's transcendental position, however, has not been shared by many
female singers or stars in the Arab world.
The protagonist of The Silence of the Palace begins her public perform-
ance at the invitation of the masters of the palace. This invitation comes
partly because of her singing talent but no less because of the sexual
advances she begins to experience as soon as one of the masters notices
that the child has turned into a young woman. The mother who manages
to protect her daughter from sexual harassment is herself raped by one
of the masters. On the day of the daughter's first major performance at
a party in the palace, the mother dies of excessive bleeding from medical
complications caused by aborting the product of the rape. In parallel
scenes, the mother shouts from her excruciating pain and the daughter

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
194 I Ella Shohat

courageously cries out the forbidden Tunisian anthem. The sequence


ends with the mother's death and with her daughter leaving the palace for
the promising outside world of young Tunisia. In postindependent Tunisia,
the film implies, the daughter's situation has somewhat improved. She is
no longer a servant but a singer who earns her living, yet needs the protec-
tion of her boyfriend against gender-based humiliations. Next to her
mother's grave, the daughter articulates, in a voice-over, her awareness of
some improvements in the conditions of her life in comparison with that of
her mother. The daughter has gone through many abortions, despite her
wish to become a mother, in order to keep her relationship with her
boyfriend-the revolutionary man who does not transcend class for pur-
poses of marriage. At the end of the film, she confesses at her mother's
grave that this time she cannot let this piece of herself go. If, in the
opening, the words of Um Kulthum's song relay a desire for the dream
not to end-"Khalini, gambalc, khalini/ fi hudhni albalc, khahlinil oosibni
ahlam bikl Yaret Zamani rna yesahinish" (Leave me by your side/ in your
heart/ and let me dream/ wish time will not wake me up )-the film ends
with an awakening to hopes unfulfilled with the birth of the nation. Birth,
here, is no longer allegorical as in The Battle of Algiers, but concrete,
entangled in taboos and obstacles, leaving an open-ended narrative, far
from the euphoric closure of the Nation.

The Cinema of Displacement

Third-World nationalist discourse has often assumed an unquestioned


national identity, but most contemporary nation-states are "mixed" forma-
tions. A country like Brazil, arguably Third World in both racial terms (a
mestizo majority) and economic ones (given its economically dependent sta-
tus), is still dominated by a Europeanized elite. The U.S., a "First-World"
country, which always had its Native American and African American
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

minorities, is now becoming even more "Third Worldized" by waves of


postindependence migrations. Contemporary United States life intertwines
First- and Third-World destinies. The song "Are My Hands Clean," by
Sweet Honey in the Rock, traces the origins of a blouse on sale at Sears to
cotton in El Salvador, oil in Venezuela, refineries in Trinidad, factories in
Haiti and South Carolina. Thus, there is no Third World, in Trinh T. Minh-
ha's pithy formulation, without its First World, and no First World without
its Third. The First-World/Third-World struggle takes place not only
between nations but also within them.
A number of recent diasporic film and video works link issues of post-
colonial identity to issues of post-Third-Worldist aesthetics and ideology.
The Sankofa production The Passion of Remembrance (1986) by Maureen
Blackwood and Isaac Julien thematizes post-Third-Worldist discourses and
fractured diasporic identity-in this case, Black British identity-by staging a

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 195

"polylogue" between the 1960s black radical as the (somewhat puritanical)


voice of nationalist militancy and the "new," more playful voices of gays
and lesbian women, all within a derealized reflexive aesthetic. Film and
video works such as Assia Djebar's Nouba Nisa al Djebel Chenoua (The
Nouba of the Women of Mount Chenoua) (1977), Lourdes Portillo's After
the Earthquake (1979), Lucia Salinas's Canto a Ia Vida (Song to Life) (1990),
Mona Hatoum's Measures of Distance (1988), Pratibha Parmar's Khush
(1991), Trinh T. Minh-ha's Surname Viet Given Name Nam (1989) and Shoot
for the Content (1991), Prajna Paramita Parasher and Den Ellis's Unbidden
Voices (1989), Lucinda Broadbent Sex and the Sandinistas (1991), Mona
Smith's Honored by the Moon (1990), Indu Krishnan's Knowing Her Place
(1990), Christine Chang's Be Good My Children (1992), Teresa Osa and
Hidalgo de la Rivera's Mujeria (1992), Marta N. Bautis's Home is the
Struggle (1991) break away from earlier macronarratives of national libera-
tion, re-envisioning the nation as a heteroglossic multiplicity of trajectories.
While remaining anticolonialist, these experimental films call attention to
the diversity of experiences within and across nations. Since colonialism had
simultaneously aggregated communities fissured by glaring cultural differ-
ences and separated communities marked by equally glaring commonalities,
these films suggest, many Third-World nation-states were highly artificial
and contradictory entities. The films produced in the First World, in particu-
lar, raise questions about dislocated identities in a world increasingly
marked by the mobility of goods, ideas, and peoples attendant with the
"multinationalization" of the global economy.
Third Worldists often fashioned their idea of the nation-state according
to the European model, in this sense remaining complicit with a
Eurocentric Enlightenment narrative. And the nation-states they built often
failed to deliver on their promises. In terms of race, class, gender, and sexu-
ality, in particular, many of them remained, on the whole, ethnocentric,
patriarchal, bourgeois, and homophobic. At the same time, a view of
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

Third-World nationalism as the mere echo of European nationalism ignores


the international realpolitik that made the end of colonialism coincide with
the beginning of the nation-state. The formation of Third-World nation-
states often involved a double process of, on the one hand, joining diverse
ethnicities and regions that had been separate under colonialism, and, on
the other, partitioning regions in a way that forced regional redefinition
(Iraq/Kuwait) and a cross-shuffling of populations (Pakistan/India,
IsraeVPalestine). Furthermore, political geographies and state borders do
not always coincide with what Edward Said calls "imaginary geographies,"
whence the existence of internal emigres, nostalgics, rebels (i.e., groups of
people who share the same passport but whose relations to the nation-
state are conflicted and ambivalent). In the postcolonial context of a con-
stant flux of peoples, affiliation with the nation-state becomes highly
partial and contingent.

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
196 I Ella Shohat

While most Third-Worldist films assumed the fundamental coherence of


national identity, with the expulsion of the colonial intruder fully complet-
ing the process of national becoming, the postnationalist films call attention
to the fault lines of gender, class, ethnicity, region, partition, migration,
and exile. Many of the films explore the complex identities generated by
exile-from one's own geography, from one's own history, from one's own
body-within innovative narrative strategies. Fragmented cinematic forms
homologize cultural disembodiment. Caren Kaplan's observations about a
reconceived "minor" literature as deromanticizing solitude and rewriting
"the connections between different parts of the self in order to make a
world of possibilities out of the experience of displacement," 17 are exquis-
itely appropriate to two autobiographical films by Palestinians in exile, Elia
Suleiman's Homage by Assassination (1992) and Mona Hatoum's Measures
ofDistance. Homage by Assassination chronicles Suleiman's life in New York
during the Persian Gulf War, foregrounding multiple failures of communica-
tion: a radio announcer's aborted efforts to reach the filmmaker by phone;
the filmmaker's failed attempts to talk to his family in Nazareth (Israel/
Palestine); his impotent look at old family photographs; and despairing
answering-machine jokes about the Palestinian situation. The glorious
dream of nationhood and return is here reframed as a Palestinian flag on a
TV monitor, the land as a map on a wall, and the return (awda) as the
"return" key on the computer keyboard. At one point, the filmmaker
receives a fax from a friend, who narrates her family history as an Arab-Jew,
her feelings during the bombing of Iraq and Scud attacks on Israel, and the
story of her displacements from Iraq, through Israel/Palestine, and then on
to the U.S. 18 The mediums of communication become the imperfect means
by which dislocated people struggle to retain their national imaginary, while
also fighting for a place in a new national context (the U.S., Britain), in
countries whose foreign policies have concretely impacted on their lives.
Homage by Assassination invokes the diverse spatialities and temporalities
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

that mark the exile experience. A shot of two clocks, in New York and in
Nazareth, points to the double time-frame lived by the diasporic subject, a
temporal doubleness underlined by an intertide saying that, due to the Scud
attacks, the filmmaker's mother is adjusting her gas mask at that very
moment. The friend's letter similarly stresses the fractured space-time of
being in the U.S. while identifying with relatives in both Iraq and Israel.
In Measures of Distance, the Palestinian video and performance artist
Mona Hatoum explores the renewal of friendship between her mother and
herself during a brief family reunion in Lebanon in the early 1980s. The film
relates the fragmented memories of diverse generations: the mother's tales
of the "used-to-be" Palestine, Hatoum's own childhood in Lebanon, the
civil war in Lebanon, and the current dispersal of the daughters in the West.
(It should be noted that the cinema, from The Sheik through The /(jng and I

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 197

to Out of Africa. has generally preferred showing Western women travelers


in the East rather than Eastern women in the West.) As images of the
mother's handwritten Arabic letters to the daughter are superimposed over
dissolves of the daughter's color slides of her mother in the shower, we hear
an audiotape of their conversations in Arabic, along with excerpts of their
letters as translated and read by the filmmaker in English.
The voice-over and script of Measures of Distance narrate a paradoxical
state of geographical distance and emotional closeness. The textual, visual,
and linguistic play between Arabic and English underlines the family's ser-
ial dislocations, from Palestine to Lebanon to Britain, where Mona Hatoum
has been living since 1975, gradually unfolding the dispersion of Pales-
tinians over very diverse geographies. The foregrounded letters, photo-
graphs, and audiotapes call attention to the means by which people in exile
negotiate cultural identity. In the mother's voice-over, the repeated phrase
"My dear Mona" evokes the diverse "measures of distance" implicit in the
film's title. Meanwhile, background dialogue in Arabic, recalling their con-
versations about sexuality and Palestine during their reunion, recorded in
the past but played in the present, parallels shower photos of the mother,
also taken in the past but looked at in the present. The multiplication of
temporalities continues in Hatoum's reading of a letter in English: to the
moments of the letter's sending and its arrival is added the moment of
Hatoum's voice-over translation of it for the English-speaking viewer. Each
layer of time evokes a distance at once temporal and spatial, historical and
geographical; each dialogue is situated, produced, and received in precise
historical circumstances.
The linguistic play also marks the distance between mother and daughter,
while their separation instantiates the fragmented existence of a nation.
When relentless bombing prevents the mother from mailing her letter, the
screen fades to black, suggesting an abrupt end to communication. Yet the
letter eventually arrives via messenger, while the voice-over narrates the
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

exile's difficulties of maintaining contact with one's culture(s). The negotia-


tion of time and place is here absolutely crucial. The videomaker's voice-
over reading her mother's letters in the present interferes with the dialogue
recorded in the past in Lebanon. The background conversations in Arabic
give a sense of present-tense immediacy, while the more predominant
English voice-over speaks of the same conversation in the past tense. The
Arabic speaker labors to focus on the Arabic conversation and read the
Arabic scripts, while also listening to the English. Hthe non-Arabic speaking
spectator misses some of the film's textual registers, the Arabic-speaking
spectator is overwhelmed by competing images and sounds. This strategic
refusal to translate Arabic is echoed in Suleiman's Homage by Assassination
where the director (in person) types out Arab proverbs on a computer
screen, without providing any translation. These exiled filmmakers thus

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
198 I Ella Shohat

cunningly provoke in the spectator the same alienation experienced by a


displaced person, reminding us, through inversion, of the asymmetry in
social power between exiles and their "host communities." At the same
time, they catalyze a sense of community for the minoritarian speech com-
munity, a strategy especially suggestive in the case of diasporic filmmakers,
who often wind up in the First World precisely because colonial/imperial
power has turned them into displaced persons.
Measures of Distance also probes issues of sexuality and the female body
in a kind of self-ethnography, its nostalgic rhetoric concerned less with the
"public sphere" of national struggle than with the "private sphere" of sexu-
ality, pregnancy, and children. The women's conversations about sexuality
leave the father feeling displaced by what he dismisses as "women's non-
sense." The daughter's photographs of her nude mother make him pro-
foundly uncomfortable, as if the daughter, as the mother writes, "had
trespassed on his possession." To videotape such intimate conversations is
not a common practice in Middle Eastern cinema or, for that matter, in any
cinema. (Western audiences often ask how Hatoum won her mother's con-
sent to use the nude photographs and how she broached the subject of sex-
uality.) Paradoxically, the exilic distance from the Middle East authorizes the
exposure of intimacy. Displacement and separation make possible a trans-
formative return to the inner sanctum of the home; mother and daughter
are together again in the space of the text.
In Western popular culture, the Arab female body, whether in the form
of the veiled, barebreasted women who posed for French colonial photog-
raphers or the Orientalist harems and belly dancers of Hollywood film, has
functioned as a sign of the exotic. But rather than adopt a patriarchal strat-
egy of simply censuring female nudity, Hatoum deploys the diffusely sen-
suous, almost pointillist images of her mother naked to tell a more
complex story with nationalist overtones. She uses diverse strategies to
veil the images from voyeuristic scrutiny: already hazy images are con-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

cealed by text (fragments of the mother's correspondence, in Arabic script)


and are difficult to decipher. The superimposed words in Arabic script
serve to "envelop" her nudity. "Barring" the body, the script metaphorizes
her inaccessibility, visually undercutting the intimacy verbally expressed in
other registers. The fragmented nature of existence in exile is thus under-
lined by superimposed fragmentations: fragments of letters, dialogue, and
the mother's corps morcelle (rendered as hands, breasts, and belly). The
blurred and fragmented images evoke the dispersed collectivity of the
national family itsel£. 19 Rather than evoke the longing for an ancestral
home, Measures of Distance, like Homage by Assassination, affirms the
process of recreating identity in the liminal zone of exile. 20 Video layering
makes it possible for Mona Hatoum to capture the fluid, multiple identities
of the diasporic subject.

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 199

Interrogating the Aesthetic Regime

Exile can also take the form of exile from one's own body. Dominant
media have long disseminated the hegemonic white-is-beautiful aesthetic
inherited from colonialist discourse, an aesthetic which exiled women of
color from their own bodies. Until the late 1960s, the overwhelming major-
ity of Anglo-American fashion journals, films, TV shows, and commercials
promoted a canonical notion of beauty within which white women (and,
secondarily, white men) were the only legitimate objects of desire. In so
doing, the media extended a longstanding philosophical valorization of
whiteness. European writing is replete with homages to the ideal of white
beauty, implicidy devalorizing the appearance of people of color. For
Gobineau, the "white race originally possessed the monopoly of beauty,
intelligence and strength."21 For Buffon, "[Nature] in her most perfect exer-
tions made men white."22 Fredrich Bluembach called White Europeans
"Caucasians" because he believed that the Caucusus mountains were the
original home of the most beautiful human species.23
Gendered racism left its mark on Enlightenment aesthetics. The measure-
ments and rankings characteristic of the new sciences were wedded to
aesthetic value judgments derived from an Apollonian reading of a de-
Dionysianized Greece. Thus, Aryanists like Carl Gustav Carus measured the
divine in humanity through resemblance to Greek statues. The auratic reli-
gion of art, meanwhile, also worshipped at the shrine of whiteness. Clyde
Taylor, Cornel West, and bell hooks, among others, have denounced the nor-
mative gaze that has systematically devalorized non-European appearance
and aesthetics. 24 Where but among Caucasians, the British surgeon Charles
White asked rhetorically, does one find "that nobly arched head, containing
such a quantity of brain.... In what other quarter of the globe shall we find
the blush that overspreads the soft features of the beautiful women of
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

Europe."25 Although White's tumescent descriptions clearly hierarchize male


brains over female beauty, they ultimately embrace white women for their
genetic membership in the family of (white) Man. In this spirit, coundess
colonial adventure novels, not to mention films like Trader Horn (1930) and
King Kong (1933), show "natives" in naked adoration of the fetish of white
beauty. It is only against the backdrop of this long history of glorification of
whiteness and the devalorization of blackness that one can appreciate the
emotional force of the counter-expression "Black is Beautiful."
If cinema itself traced its parentage to popular sideshows and fairs, ethno-
graphic cinema and Hollywoodean ethnography were the heirs of a tradi-
tion of exhibitions of "real" human objects, a tradition going back to
Columbus's importation of "New World" natives to Europe for purposes of
scientific study and courtly entertainment. Exhibitions organized the world

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
200 I Ella Shohat

as a spectacle within an obsessively mimetic aesthetic.26 Africans and Asians


were exhibited as human figures bearing kinship to specific animal species,
thus literalizing the colonialist zeugma yoking "native" and "animal," the
very fact of exhibition in cages implying that the cages' occupants were less
than human. Lapps, Nubians, and Ethiopians were exhibited in Germany
in anthropological-zoological exhibits.27 The conjunction of "Darwinism,
Bamumism, [and] pure and simple racism" resulted in the exhibition of Ota
Benga, a Pygmy from the Kasai region, alongside the animals in the Bronx
Zoo.28 The 1894 Antwerp World's Fair featured a reconstructed Congolese
village with sixteen "authentic" villagers. In many cases, the people exhib-
ited died or fell seriously ill. "Freak shows," too, paraded before the
bemused eyes of the West a variety of "exotic" pathologies. A recent video,
The Couple in the Cage: A Gautinaui Odyssey (1993) by Coco Fusco and
Paula Heredia, "writes back" by readdressing the notion of pathology to its
scientist "senders." The video is based on a satirical performance by
Guillermo Gomez-Peiia and Coco Fusco in which they placed themselves in
a cage in public squares and museums performing as two newly discovered
Gautinaui from an island in the Gulf of Mexico. The video juxtaposes
responses of spectators, many of whom took the caged humans to be "real,"
with archival footage from ethnographic films in a kind of a media jujitsu
that returns the colonial gaze.
One of the best-known cases of the exhibition of African woman is that
of Saartjie Baartman, the "Hottentot Venus," who was exhibited on the
entertainment circuit in England and France.29 Although her protrusive but-
tocks constituted the main attraction, the rumored peculiarities of her geni-
talia also drew crowds, with her raciaVsexual "anomaly" constandy being
associated with animality.30 The zoologist and anatomist George Cuvier
studied her intimately and presumably dispassionately, and compared her
buttocks to those of "female mandrills, baboons ... which assume at certain
epochs of their life a truly monstrous development."31 After her death at the
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

age of twenty-five, Cuvier received official permission for an even closer


look at her private parts, and dissected her to produce a detailed description
of her body, inside out.32 Her genitalia still rest on a shelf in the Musee de
l'Homme in Paris alongside the genitalia of "une negresK' and "une peruvi-
enne,"33 monuments to a kind of imperial necrophilia. The final placement
of the female parts in the patriarchally designated "Museum of Man" pro-
vides a crowning irony.
A collage by the artist Renee Green on the subject of the "Hottentot
Venus" looks ironically at this specific fonn of colonizing the black female
body. The supposedly oxymoronic naming of the "Hottentot Venus" was
aggressive and Eurocentric. The collage turns this same "oxymoron"
against its originators. The piece juxtaposes a photograph of a white man
looking through a camera; a fragment of a nineteenth-century drawing of

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 201

the torso of a white woman in a hoop skirt; a fragment of another torso,


this time of the nude Hottentot; and finally, an image of the Grand Tetons
(the Big Breasts). A text accompanying the coUage calls attention to the
undercurrents of desire within the scientific enterprise:

The subinterpreter was married to a channing person, not only a


Hottentot in figure, but in that respect a Venus among Hottentots.
I was perfectly aghast at her development. I profess to be a scitn-
tific man, and was exceeding anxious to obtain accurate measure-
ments of her shape.

The coUage evokes a hierarchy of power. The man looking evokes Cuvier,
the scientist who measured the historical Hottentot Venus. By fragmenting
the African woman's buttocks, Green exaggerates what for the white scien-
tists was already exaggerated. Juxtaposing this image with a fragmented
depiction of a white woman whose fashionably hooped skirt also shapes
artificially outsized buttocks, she implies that both the African and the
European woman have been constructed for masculinist pleasures: one as
the acme of coy virginal beauty, adorned with flowers and a delicately held
fan; the other, naked, imagined as an exemplum of gross corporality sup-
posedly to be looked at without pleasure, only for the sake of the austere
discipline of science. Both drawings easily slide into the image of Nature,
the Grand Tetons. The letter "A" appears next to the white woman, "B"
next to the Black, and "AB" next to the Grand Tetons, and a punning "C"
("see") next to the white man with camera. The strategic use of European
representations of an African woman to underline social ironies about sexu-
ality, gender, and race exploits a boomerang technique; a descendant of
Africans literally re-frames the prejudicial images of an earlier African
woman as a kind of posthumous accusation.
The hegemony of the Eurocentric gaze, spread not only by First-World
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

media but even at times by Third-World media, explains why morena


women in Puerto Rico, like Arab-Jewish (Sephardi) women in Israel, paint
their hair blond, and why Brazilian TV commercials are more suggestive of
Scandinavia than of a black-majority country, and why "Miss Universe"
contests can elect blond "queens" even in North African countries, and why
Asian women perform cosmetic surgery in order to appear more Western. (I
am not questioning the partial "agency" involved in such transformations
but highlighting the patterns informing the agency exercised.) Multicultural
feminists have criticized the internalized exile of Euro-"wannabees" (who
transform themselves through cosmetic surgery or by dying their hair) while
at the same time seeking an open, nonessentialist approach to personal aes-
thetics. The mythical norms of Eurocentric aesthetics come to inhabit the
intimacy of self-consciousness, leaving severe psychic wounds. A patriarchal

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
202 I Ella Shohat

system contrived to generate neurotic self-dissatisfaction in all women


(whence anorexia, bulimia, and other pathologies of appearance) becomes
especially oppressive for women of color by excluding them from the
realms of legitimate images of desire.
Set in a Hollywood studio in the 1940s, Julie Dash's Illusions (1982)
underscores these exclusionary practices by foregrounding a black singer
who lends her singing voice to a white Hollywood star. Like Hollywood's
classic Singin' in the Rain, Illusions reflexively focuses on the cinematic tech-
nique of postsynchronization, or dubbing. But while the former film
exposes the intraethnic appropriation whereby silent movie queen Lina
Lamont Uean Hagen) appropriates the silky dubbed voice of Kathy Selden
(Debbie Reynolds), Illusions reveals the racial dimension of constructing
eroticized images of female stars. The film features two "submerged" black
women: Mingon Dupree (Lonette McKee), invisible as an African American
studio executive "passing for white," and Esther jeeter (Rosanne Katon), the
invisible singer hired to dub the singing parts for white film star (Lila Grant).
Jeeter performs the vocals for a screen role denied her by Hollywood's insti-
tutional racism. Black talent and energy are sublimated into a haloed white
image. But by reconnecting the black voice with the black image, the film
makes the black presence "visible" and therefore "audible," while depicting
the operation of the erasure and revealing the film's indebtedness to black
performance. But if Gene Kelly can expose the injustice and bring harmony
in the world of Singin' in the Rain, Lonette McKee-who is far from being a
"tragic mulatta" and is portrayed as a woman with agency, struggling to
rewrite her community's history-has no such power in Illusions, in a studio
significandy named the "national studio." Illusions references the historical
fading in of the African American image into Euro-American entertainment,
suggesting that while black sounds were often welcome (for example, on
the radio) black images remained taboo, as if their iconic presence would be
incendiary after such a long disappearing act.
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

The existential life of the racialized body has been harsh, subject not only
to the indignities of the auction block, to rape, branding, lynching, whip-
ping, stun gunning, and other kinds of physical abuse but also to the kind of
cultural erasure enailed in aesthetic stigmatization. Many Third-World and
minoritarian feminist film and video projects offer strategies for coping with
the psychic violence inflicted by Eurocentric aesthetics, calling attention to
the sexualizedlracialized body as the site of both brutal oppression and cre-
ative resistance. Black creativity turned the body, as a singular form of "cul-
tural capital," into what Stuart Hall calls a "canvas of representation." 34 A
number of recent independent films and videos-notably Ayoka Chenzira's
Hairpiece: A Film for Nappy-Headed People (1985), Ngozi A. Onwurah's
Coffee Coloured Children (1988), Deborah Gee's Slaying the Dragon (1988),
Shu Lea Cheang's Color Schemes (1989), Pam Tom's Two Lies (1989),

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 203

Maureen Blackwood's Perfect Image? (1990), Helen Lee's Sally's Beauty Spot
(1990), Camille Billop's Older Women and Love (1987), and Kathe Sandler's
A Question of Color (1993)-meditate on the racialized/sexualized body in
order to narrate issues of identity. These semiautobiographical texts link
fragmented diasporic identities to larger issues of representation, recovering
complex experiences in the face of the hostile condescension of Eurocentric
mass culture. Perfect Image?, for example, satirizes the mass-mediated ideal
of a "perfect image" by focusing on the representation and self-representa-
tion of two black British women, one light-skinned and the other dark, lam-
pooning the system that generates self-dissatisfaction in very diverse
women, all of whom see themselves as "too" something-too dark, too
light, too fat, too tall. Their constant shifting of personae evokes a diversity
of women, and thus prevents any essentialist stereotyping along color lines
in the Afro-diasporic community.
Pathological syndromes of self-rejection-black skins/white masks-form
the psychic fall-out of racial hegemony. Given the construction of dark bod-
ies as ugly and bestial, resistance takes the form of affirming black beauty.
The Black Power movement of the 1960s, for example, transformed kinky
hair into proud Afro hair. Sandler's A Question of Color traces tensions
around color-consciousness and internalized racism in the African American
community, a process summed up in the popular dictum: "If you're white,
you're all right/if you're yellow, you're mellow/if you're brown, stick
around/ but if you're black, stay back." (Such tensions formed the subject of
Duke Ellington's musical composition "Black, Brown and Beige.")
Hegemonic norms of skin color, hair texture, and facial features are
expressed even within the community through such euphemisms as "good
hair" (i.e., straight hair) and "nice features" (i.e., European-style features),
and in inferentially prejudicial locutions like "dark but beautiful," or in
admonitions not to "look like a Ubangi." The film registers the impact of
the "Black is Beautiful" movement, while regarding the present moment as
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

the contradictory site both of the resurgent Afrocentrism of some rap music
along with lingering traces of old norms. One interview features a Nigerian
cosmetic surgeon who de-Africanizes the appearance of black women,
while the film reflects on the valorization of light-skinned black women in
rap video and MTV. Sandler also probes intimate relations in order to
expose the social pathologies rooted in color hierarchies; the darker-
skinned feel devalorized and desexualized, the lighter-skinned-to the extent
that their own community assumes they feel superior to it-are obliged to
"prove" their blackness. Filtering down from positions of dominance, chro-
matic hierarchies sow tensions among siblings and friends, all caught by
Sandler's exceptionally sensitive direction.
In all these films, internalized models of white beauty become the object of
a corrosive critique. Not coincidentally, many of the films pay extraordinary

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
204 I Ella Shohat

attention to hair as the scene both of humiliation ("bad hair") and of creative
self-fashioning, a "popular art form" articuJating "aesthetic solutions," in
Kobena Mercer's words, to the "problems created by ideologies of race and
racism."35 Already, since the Afro hair style of the late 1960s and 1970s but
especially recently, there have been reverse currents linked to the central role
of African Americans in mass-mediated culture: whites who thicken their lips
and sport dreadlocks, fades, or cornrows. From a multicultural feminist per-
spective, these cross-cultural transformations (cosmetic surgery, dyeing the
hair) on one level are exempla of "internal exile" or "appropriation." But on
another level they evoke the possibility of an open, nonessentialist approach
to looks and identity. Ayoka Chenzira's ten-minute animated short Hair-
piece: A Film for Nappy-Headed People addresses hair and its vicissitudes in
order to narrate African Americans' history of exile from the body as well as
the utopia of empowerment through Afro-consciousness. In a dominant
society where beautiful hair is that which "blows in the wind," Hairpiece
suggests an isomorphism between vital, rebellious hair that refuses to con-
form to Eurocentric norms and the vital, rebellious people who "wear" the
hair. Music by Aretha Franklin, James Brown, and Michael Jackson accom-
panies a collage of black faces (from Sammy Davis to Angela Davis).
Motown tunes underscore a quick-paced visual inventory of relaxers, gels,
and curlers, devices painfully familiar to black people, and particularly to
black women. The film's voice-over and "happy ending" might seem to
imply an essentialist affirmation of "natural African beauty," but as Kobena
Mercer points out in another context, "natural hair" is not itself African; it is
a syncretic construct.36 Afro-diasporic hair styles, from the Afro to dread-
locks are not emulations of "real" African styles but rather neologistic pro-
jections of diasporic identity. The styles displayed at the film's finale, far
from being examples of "politically correct" hair, rather assert a cornucopia
of diasporic looks, an empowering expression of a variegated collective
body. Satirizing the black internalization of white aesthetic models, the film
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

provokes a comic catharsis for spectators who have experienced the terror
and pity of self-colonization.37
Ngozi A. Onwurah's lyrical semiautobiographical film Coffee Coloured
Children, meanwhile, speaks of the black body as hemmed in by racism.
The daughter of a white mother and an absent Nigerian father, the film's
narrator recalls the pain of growing up in an all-white English neighbor-
hood. The opening sequence immediately demonstrates the kind of racist
harassment the family suffered: a neo-Nazi youth defiles their front door
with excrement, while the mother, in voice-over, worries about protecting
her children from feeling somehow responsible for the Violence directed at
them. The narrative conveys the traumatic self-hatred provoked by
imposed paradigms. In one scene, the daughter doffs a blonde wig and
white makeup in front of a mirror, trying to emulate a desired whiteness. H

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 205

The Battle ofAlgiers made the mirror a revolutionary tool, here, it becomes
the speculum for a traumatized identity, literally that of a black skin
masked with whiteness. The simple act of looking in a mirror is revealed to
be multiply specular, as one looks even at oneself through the eyes of many
others-one's family, one's peers, one's racial others, as well as the panop-
tic eyes of the mass media and consumerist culture. The scar inflicted on
the victims of this aesthetic hegemony are poignandy suggested in a bath
sequence in which the children, using cleaning solutions, frantically try to
scrub off a blackness lived as dirt. 38 The narrator's voice-over relating the
cleansing ritual is superimposed on a close shot of rapid scrubbing, blurred
so as to suggest bleeding, an apt image for colonialism's legacy inscribed
on the body of children, a testament to the internalized stigmata of a dev-
astating aesthetic regime.

Rewriting the Exotic Body

While Third-World and First World minoritarian women have experienced


diverse histories and sexual regimes, they have also shared a common status
as colonial exotics. They have been portrayed as wiggling bodies graced with
Tutti Frutti hats, as lascivious dark eyes peering from behind veils, as feath-
ered dark bodies slipping into trance to accelerating rhythms. In contrast to
the Orientalist harem imaginary, all-female spaces have been represented
very differendy in feminist independent cinema, largely directed by Arab
women. Documentaries such as Attiat El-Abnoudi's Ahlam Mum/Una (Per-
missible Dreams) (Egypt, 1989) and Claire Hunt's and Kim Longinotto's
Hidden Faces (Britain, 1990) examine female agency within a patriarchal con-
text. Both films feature sequences in which Egyptian women spealcing
together about their lives in the village, recount in ironic terms their dreams
and struggles with patriarchy. Through its critical look at the Egyptian femi-
nist Nawal el Saadawi, Hidden Faces explores the problems of women work-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

ing together to create alternative institutions. Elizabeth Femea's The Veiled


Revolution (1982) shows Egyptian women redefining not only the meaning
of the veil but also the nature of their own sexuality. And Moroccan film-
maker Farida Benlyazid's feature film Bab Ila Sma Maftouh (A Door to the
Sky) (1988) offers a positive gloss on the notion of an all-female space, coun-
terposing Islamic feminism to Orientalist phantasies.
A Door to the Sky tells the story of a Moroccan woman, Nadia, who
returns from Paris to her family home in Fez. That she arrives in Morocco
dressed in punk clothing and hair style makes us expect an ironic tale about
a Westernized Arab feeling out of place in her homeland. But instead, Nadia
rediscovers Morocco and Islam and comes to appreciate the communitarian
world of her female relatives, as well as her closeness with her father. She is
instructed in the faith by an older woman, Kirana, who has a flexible

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
206 I Ella Shohat

approach to Islam: "Everyone understands through his own mind and his
own era." As Nadia awakens spiritually, she comes to see the oppressive
aspects of Western society. At the same time, she sees Arab/Muslim society
as a possible space for fulfillment. Within the Islamic tradition of women
using their wealth for social charity, she turns part of the family home into a
shelter for battered women. The film is not uncritical of the patriarchal
abuses of Islam-for example, the laws which count women as "half-per-
sons" and which systematically favor the male in terms of marriage and
divorce. The film's aesthetic, however, favors the rhythms of contemplation
and spirituality, in slow camera movements that caress the contoured
Arabic architecture of courtyards and fountains and soothing inner spaces.
Dedicated to a historical muslim woman, Fatima Fihra, the tenth-century
founder of one of the world's first universities, A Door to the Sky envisions
an aesthetic that affirms Islamic culture, while inscribing it with a feminist
consciousness, offering an alternative both to the Western imaginary and to
an Islamic fundamentalist representation of Muslim women. Whereas con-
temporary documantaries show all-female gatherings as a space for resis-
tance to patriarchy and fundamentalism, A Door to the Sky uses all-female
spaces to point to a liberatory project based on unearthing women's history
within Islam, a history that includes female spirituality, prophecy, poetry,
and intellectual creativity, as well as revolt, material power, and social and
political leadership. 39
Negotiating between past and present is also seen in Tracey Moffat's Nice
Coloured Girls, which interweaves tales about contemporary urban Austral-
ian Aboriginal women and their "captains" (sugar daddies) with tales of
Aboriginal women and white men over 200 years before. Moffat interro-
gates the hackneyed conventions of the "Aboriginal Film," proposing
instead the formal experimentalism of Nice Coloured Girls itself. 40 And in
sharp contrast to the colonial construction of the Aboriginal "female body"
seen as a metaphorical extension of an exoticized land, Nice Coloured Girls
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

places dynamic, irreverent, resourceful Aboriginal women at the center of


the narrative, offering a multitemporal perspective on their "nasty" actions-
mild forms of prostitution and conning white Australian men into spending
money. By shuttling between present-day Australia and past texts, voices,
and images, the film contextualizes their behavior in relation to the asym-
metrical exchanges typical of colonial encounters. Two temporally and spa-
tially distinct but conceptually interconnected frames-one associated with
images of the sea (or its painterly representation) and set in the past, the
other set in a pub in contemporary Australia-contextualize the encounter.
In one early pub sequence, an Aboriginal man and woman step behind a
frosted glass door to smoke a joint. As their film-noirish silhouettes undu-
late to the diegetic pub music, a British-accented male voice-over reads
excerpts from a historical journal describing an Aboriginal woman's breasts,

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 207

teeth, and face. The evocation of an earlier historical meeting conditions the
viewer's comprehension of latter-day encounters.
Rather than search for an "authentic" Aboriginal culture, Nice Coloured
Girls constructs a "genealogy" of criminality. While from the vantage point
of Eurocentric decorum the Aboriginal women are amoral schemers, the
historical context of settler colonialism and its sexualized relations to both
land and women switches the ethical and emotional valence. In the pub, the
women demonstrate their resilient capacity to survive and to outwit mar-
ginalization. Whereas images of the past are set inside a ship or in daylight
on shore, images from the present are set in the nighttime city, pointing to
the historical "neonization," as it were, of Aboriginal space. The film can
thus be seen as a "revenge" narrative in which Aboriginal women trick
Euro-Australian men into fantasizing a "fair" exchange of sex and goods,
then take their money and run.
Racial and sexual relations from past (the initial encounter between
Europeans and Aborigines, in 1788) and present (1987) are interwoven
through overlapping images, music, texts, and voice-over. The opening
sequence superimposes a text by an early English "explorer" over a dark
urban skyscraper, accompanied by the sounds of rowing and of labored
rhythmic breathing. While the male voice-over narrates excerpts from jour-
nals of the "discovery" of Australia in 1788, subtitles convey the thoughts of
present-day Aboriginal women. While the voice-over is in the first-person,
the subtitles relay a collective voice. The images reinforce the subtitled ver-
sion, offering the women's perspective on their trapped "captains," decon-
structing the journals not by correcting the historical record but rather
through a discursive critique of their racist and masculinist thrust.
The title of Nice Coloured Girls is itself ironic, foreshadowing the film's
subversion of the "positive" image of "nice" colored girls as the objects of
colonial exoticization, and the valorization of the "negative" image of "nas-
tiness." The historical encounters are reconstructed in a minimalist antireal-
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

ist style, a symbolic evocation rather than a "realistic" depiction. By


reflexively foregrounding the artifice of its production through stylized sets,
excessive performance style, and ironic subtitles, the film undermines any
expectation of sociologically "authentic" or ethnically "positive" representa-
tions. Image, sound, and text amplify and contextualize one another, mili-
tating against any authoritative history. The constant changes of discursive
register-verite-style hand-held camera, voice-over ethnographic texts, sub-
titled oral narratives, American soul music of obscure diegetic status-
undermine any univocal mode of historical narration. Nice Coloured Girls
challenges a whole series of discursive, generic, and disciplinary traditions.
Looking at official Anglo-Australian discourse through the deconstructive
eyes of the Aboriginal women, this densely layered text mocks the prurient
"ethnographic" fascination with aboriginal sexuality. Rather than reverse

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
208 I Ella Shohat

the dichotomy of sexualized Third-World women and virginal European


women by proposing an equally virginal image of Aboriginal women, the
film rejects the binaristic mode altogether. Finding the kernel of contem-
porary power relations in the colonial past, Nice Coloured Girls shows
"nastiness" as a creative response to a specific economic and historical
conjuncture.

A discourse which is "purely" feminist or "purely" nationalist, I have tried


to argue, cannot apprehend the layered, dissonant identities of diasporic or
postindependent feminist subjects. The diasporic and post-Third-Worldist
films of the 1980s and 1990s, in this sense, do not so much reject the
"nation" as interrogate its repressions and limits, passing nationalist dis-
course through the grids of class, gender, sexuality, and diasporic identities.
While often embedded in the autobiographical, they are not always narrated
in the first person, nor are they "merely" personal; rather, the boundaries
between the personal and communal, like the generic boundaries between
documentary and fiction, the biographic and the ethnographic, are con-
standy blurred. The diary form, the voice-over, the personal written text,
now bear witness to a collective memory of colonial violence and postcolo-
nial displacement. While early Third-Worldist films documented alternative
histories through archival footage, interviews, testimonials, and historical
reconstructions, generally limiting their attention to the public sphere, the
films of the 1980s and 1990s use the camera less as a revolutionary weapon
than as a monitor of the gendered and sexualized realms of the personal and
the domestic, seen as integral but repressed aspects of national history.
They display a certain skepticism toward metanarratives of liberation but do
not necessarily abandon the notion that emancipation is worth fighting for.
Rather than fleeing from contradiction, they install doubt and crisis at their
very core. Rather than a grand anticolonial metanarrative, they favor het-
eroglossic proliferations of difference within polygeneric narratives, seen
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

not as embodiments of a single truth but rather as energizing political and


aesthetic forms of communitarian self-construction.
Since all political struggle in the postmodem era necessarily passes
through the simulacral realm of mass culture, the media are absolutely cen-
tral to any discussion of post-Third-Worldist multicultural and transna-
tional feminist practices. I have tried to link the often ghettoized debates
concerning race and identity politics, on the one hand, and nationalism and
postcolonial discourse, on the other, as part of an attempt to put in dia-
logue, as it were, diverse post-Third-Worldist feminist critiques. The global
nature of the colonizing process and the global reach of the contemporary
media virtually oblige the cultural critic to move beyond the restrictive
framework of the nation-state. Within postmodem culture, the media not
only set agendas and frame debates but also inflect desire, memory, and

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Post-Third-Worldist Culture I 209

fantasy. The contemporary media shape identity; indeed, many argue that
they now exist close to the very core of identity production. In a transna-
tional world typified by the global circulation of images and sounds, goods,
and peoples, media spectatorship impacts complexly on national identity,
communal belonging, and political affiliations. By facilitating a mediated
engagement with distant peoples, the media "deterritorialize" the process of
imagining communities. And while the media can destroy community and
fashion solitude by turning spectators into atomized consumers or self-
entertaining monads, they can also fashion community and alternative affili-
ations. Just as the media can exoticize and disfigure cultures, they have the
potential power not only to offer countervailing representations but also to
open up parallel spaces for anti-racist feminist transformation. In this histor-
ical moment of intense globalization and immense fragmentation, the alter-
native spectatorship established by the kind of film and video works I have
discussed can mobilize desire, memory, and fantasy, where identities are not
only the given of where one comes from but also the political identification
with where one is trying to go.
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
Copyright © 1996. Routledge. All rights reserved.

<i>Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures</i>, edited by M. Jacqui Alexander, and Chandra Talpade
Mohanty, Routledge, 1996. ProQuest Ebook Central, http://ebookcentral.proquest.com/lib/nyulibrary-ebooks/detail.action?docID=1144502.
Created from nyulibrary-ebooks on 2019-08-04 08:53:15.
O filme etnográfico: autoria, autenticidade e recepção

Sylvia Caiuby Novaes


Universidade de São Paulo

Resumo
Os filmes etnográficos são parte de uma categoria mais geral: os filmes
documentários. Algumas das questões do debate mais contemporâneo são comuns ao
documentário em geral e ao filme etnográfico. Outras são mais específicas deste último.
Este artigo trata de três dentre as questões que centralizam o debate contemporâneo
sobre os filmes etnográficos: autoria, autenticidade e recepção.
Palavras-chave: filme etnográfico, autoria, autenticidade, recepção,
intersubjetividade.

Abstract
Ethnographic films are part of a more general mode: documentary films. Some
of the questions of the contemporary debate are common to documentaries in general
and also to the ethnographic films. This article deals with the three questions around
which center the contemporary debate on ethnographic films: authorship, authenticity
and reception.
Key words: ethnographic film, authorship, authenticity, reception,
intersubjectivity.

Résumé
Les films ethnographiques font partie de la catégorie plus générale des films
documentaires. Certaines des questions du débat contemporain sont communes aux
documentaires en général et aux film ethnographiques; d'autres sont plus particulières à
ces derniers. Cet article traite de trois des questions qui focalisent le débat actuel sur le
film ethnographique : la question de l'auteur, de l'authenticité et de la façon dont le film
est reçu.
Mots clés : film ethnographique, auteur, authenticité, réception, intersubjectivité

Sylvia Caiuby Novaes


Livre Docente em Antropologia pela Universidade São Paulo
Coordenadora do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP e
Professora Associada do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP
scaiuby@usp.br

1
O filme etnográfico: autoria, autenticidade e recepção

Sylvia Caiuby Novaes 1


Universidade de São Paulo

Sempre me intrigaram as discussões a respeito dos filmes etnográficos. De certo


modo é como se grande parte destas discussões ecoassem ainda os cânones que
orientavam a elaboração dos inúmeros filmes realizados pelo Institut für den
Wissenschaftlichen Film. Os responsáveis por este Instituto do Filme Científico, de
Göttingen, na Alemanha, ficaram famosos por terem sido dos primeiros a se dedicarem
de modo sistemático à realização de filmes nas mais diversas áreas da ciência,
apresentados sob a forma de verbetes enciclopédicos. Harald Schultz, por exemplo,
realizou no Brasil uma série de filmes etnográficos entre os índios para esta
Enciclopédia do Filme Científico. Há, nestes filmes, uma concepção de ciência que não
vê grandes diferenças entre a descrição do sistema de circulação do sangue e o
acontecimento de um ritual. Embora não desfrutem hoje da popularidade que tinham há
algumas década, os filmes da Enciclopédia Científica acabaram por formar uma escola,
cuja influência ainda pode ser percebida por exemplo, entre os franceses de Paris X -
Nanterre. Esta influência se evidencia na coletânea de artigos organizada por Claudine
de France Do filme etnográfico à antropologia fílmica, onde quatro dos cinco autores
pertencem a esta escola. Todos estes autores estão ainda muito ligados a uma concepção
de etnografia típica dos anos 30, hiper descritiva, onde se supõe a possibilidade de uma
total objetividade, e os fatos sociais são literalmente tratados como coisa. As exigências
de realismo do filme etnográfico para estes Autores não são em nada diferentes
daquelas do filme científico. Para vários deles o filme é não só campo, mas, igualmente,
o instrumento principal da pesquisa, instrumento que para eles se iguala ao microscópio
para o biólogo ou os tubos de ensaio para os químicos. Neste sentido interações sociais
são de algum modo equivalentes à evolução de bactérias ou à reação de elementos
químicos. 2
Os críticos dos filmes etnográficos, de certo modo continuam tendo em mente
estas premissas que orientavam a realização do filme etnográfico, esquecendo por
completo que, filmes, assim como textos, resultam de pesquisas em que a
intersubjetividade é o elemento fundamental que levará a resultados discursivos ou
formas de reapresentação da realidade.
Ao analisar as semelhanças e diferenças entre o filme e a escrita etnográfica,
Crawford (1992) procura se deter no paradoxo presente nestas duas práticas discursivas,
que dependem de presença e ausência a fim de produzir significado e texto. Filme e
texto são não apenas processos de conhecimento, mas, igualmente, processos de
comunicação. Se as palavras do texto articulam a realidade, as imagens devem expressá-
la. Mas estas diferenças se anulam porque, por outro lado, para que um filme seja
inteligível e explicativo ele deve se distanciar de sua presença intrínseca estabelecida
pela insistência da imagem em estar lá. Já a escrita luta com sua intrínseca ausência,
fazendo tentativas de diminuir a distância imposta entre o texto e o “Outro”, chegando a
1
Livre Docente em Antropologia Social, Professora Associada no Departamento de Antropologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Coordenadora do
LISA – Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP. Fones: 55-11-3091-3045; fax: 55-11-
3091-3140. scaiuby@usp.br
2
Agradeço a leitura e os comentários, sempre generosos e instigantes, de Rose Satiko Hikiji a este texto.

2
um entendimento sensitivo do que significa estar lá. Para resolver estes problemas o
texto etnográfico procura evocar uma sensação de presença através de imagens – fotos,
por exemplo, ou através de metáforas e imagens mentais. Já o filme distancia-se da
realidade que está sendo mostrada seja através da voz do narrador, seja através de
cartelas explicativas. Outro grande recurso do discurso fílmico, como bem o mostrou
Eisenstein, é a montagem, que permite a “exposição coerente e orgânica do tema, do
material, da trama, da ação, do movimento interno da seqüência cinematográfica e de
sua ação dramática como um todo” (1990:13). Ao justapor dois pedaços de filme cria-se
um novo conceito, uma nova qualidade, que surge exatamente desta justaposição.
Em termos de discurso as palavras e as imagens são elementos constitutivos do
processo verbal e visual de representação. O filme é um veículo que opera em dois dos
cinco sentidos. Como veículo de representação tem como desafios lidar com a
subjetividade e os pontos-de-vista. E estes são temas debatidos pelos antropólogos
contemporâneos. Apesar de realizadores de filmes estarem lidando com estas questões
há mais de 30 anos suas discussões tiveram um impacto mínimo na escrita etnográfica.
E estas discussões sobre a escrita etnográfica tampouco serviram de inspiração para os
realizadores de filmes. Talvez isto se deva, segundo Crawford, à posição marginal da
antropologia visual no interior da disciplina (1992:72).
Por que, como pergunta Crawford, o filme tem tido tão pouco crédito entre os
antropólogos? Mesmo discutindo textualidade (textuality) e autenticidade muito antes
dos antropólogos o fazerem?
Talvez isto se esclareça na relação entre “realidade” e registro. O filme tem uma
dupla natureza: ele é registro e linguagem. O significado presente na edição final está já
presente nos registros da filmagem. Se no texto os dados são transformados em
palavras, expressões verbais e frases, combinadas de modos específicos no produto final
(artigo ou livro), nos filmes estas expressões são aquelas que foram efetivamente
filmadas. Daí, para Crawford, as inversões: se o filme é semanticamente rico e
sintaticamente pobre, o inverso ocorre com a linguagem. (1992:73).
Estas são as questões que oferecem o pano de fundo do debate mais
contemporâneo sobre os filmes etnográficos. Os filmes etnográficos são parte de uma
categoria mais geral: os filmes documentários. Algumas das questões do debate mais
contemporâneo são comuns ao documentário em geral e ao filme etnográfico. Outras
são mais específicas deste último. Procuro aqui analisar três das principais questões que
centralizam o debate contemporâneo sobre os filmes etnográficos: autoria, autenticidade
e recepção.

Autoria
São muitas as definições sobre o que é um documentário. Seguindo João
Moreira Salles (2005), documentários podem ser definidos como o produto de empresas
e instituições que fazem documentários: a BBC, a Discovery Channel, um conhecido
documentarista como Eduardo Coutinho. A moldura institucional é aí determinante e
em geral o filme já em seu início anuncia que se trata de um filme sobre fatos verídicos.
Na Antropologia a questão da autoria está imersa nos debates que os chamados
pós-modernos iniciam em meados da década de 80 do século XX. A voz do autor nas
descrições etnográficas começa a ser contestada; procura-se abrir espaço para a voz dos
sujeitos pesquisados. A perspectiva dialógica, as possibilidades de construção de um
texto polifônico começam a ser buscadas mais intensamente. Ao debater os filmes que

3
podem interferir na comunicação intercultural, Dominique Gallois afirma: “Se está claro
que o autor não apaga sua presença na construção do trabalho, esta opção de
comunicação exige que ele atenue sua voz para deixar espaço à voz dos outros”. E
continua a mesma autora: “não se trata de substituir a versão/locução do antropólogo
por uma fala nativa, usada estrategicamente como voz na construção do documento
audiovisual. Trata-se de dar espaço ao conteúdo dessa voz, às versões do grupo sobre
sua história, às suas opções para o futuro, algumas vezes contraditórias com as
interpretações que o antropólogo faz dessa história ou desse futuro”. (Gallois,
1998:314).
A questão da autoria, seja nos textos, seja nos filmes etnográficos, está
certamente ligada à questão da representação, em termos éticos e políticos. “Como
apresentar entre nós o ponto de vista do outro? Não seriam os antropólogos os
intermediários mais bem situados para explicar tais processos de comunicação?”,
pergunta-se Gallois.
Num sentido paralelo a essa pergunta de Gallois vai a questão colocada por
David MacDougall, que fez intensas pesquisas entre os aborígines australianos, numa
época de grandes demandas políticas por parte desta população. De quem é a história?
Seria o filme do realizador, para quem ele pode ter o status de um discurso, o mesmo
que para aqueles que ao passar por ele, deixaram impressos seus traços físicos? Para
MacDougall esta questão é simultaneamente ontológica e moral. (MacDougall,
1992:29). Antropólogos agora admitem estar contando histórias, mas, ao incorporar
outras vozes nestas histórias, os antropólogos não abrem mão da autoria, e é o texto, ou
o filme do autor que incorporará ou não estas outras vozes.
Para João Salles, que tem em mente a comparação entre o documentário e a
reportagem jornalística, a questão da autoria no documentário se define por uma
responsabilidade ética. Para ele a grande questão da autoria no documentário não é
estética ou epistemológica, mas ética. O filme reduz a complexidade, diminui a
experiência para construir uma outra. A pessoa filmada possui uma vida independente
do filme. Para este documentarista, será documentário o filme em que o cineasta terá
uma responsabilidade ética para com seu personagem. O documentário envolve o
espectador pela narrativa que o autor vai construindo. Não se trata de uma descrição,
mas da construção de uma determinada parte da realidade que se quer apresentar ao
espectador. O documentarista não reproduz o real, ele fala sobre o real. O autor
seleciona partes da vida dos protagonistas de seus filmes, rearranja as cenas no
momento da edição, procura driblar as dificuldades que encontrou na captação das
imagens. Ele jamais reproduz tudo o que presenciou. Todo filme é sobre alguma coisa.
A realidade não, como bem o diz Daí Vaughan (1999). O documentário não é para
Salles uma conseqüência do tema, mas uma forma de se relacionar com ele.
Para alguns críticos o documentário se define pela forma como o filme se dirige
ao espectador, assegurando que o que está sendo exibido na tela efetivamente ocorreu.
Para João Salles, esta não é a questão central. O importante, diz ele, é a relação que o
documentarista estabelece com os sujeitos filmados e que vai diferenciar o
documentário da reportagem jornalística. A fórmula “eu falo sobre eles para nós” será
substituída por “eu e ele falamos de nós para vocês”. (Salles, 2005:70). Ou seja, os
documentários e eu acrescentaria, também os filmes etnográficos, não falam do outro,
mas do encontro com o outro. Não essencializam a realidade e, por outro lado, não
escondem o desejo de conhecer, apenas deixam de lado a ambição de conhecer tudo.
Esta formulação de João Salles corresponde de perto a um dos marcos do filme
etnográfico: Nanook of the North, de Robert Flaherty. Um acidente com a brasa de um
cigarro queimou quase que por completo o material que Flaherty havia filmado ao longo

4
de um período de um ano e meio, enquanto participava de uma equipe de exploração de
minérios no Ártico. No entanto, mesmo o material que escapou do fogo foi por ele
considerado ruim, sem nenhuma linha de continuidade, sem uma história que
empolgasse a audiência. Flaherty e sua mulher decidem-se então por uma biografia de
um esquimó típico e sua família, que o cineasta acompanharia por um ano. Na
perspectiva de Flaherty o grande interesse seria filmar a vida de alguém que vive num
local onde não há praticamente recursos, que luta para sobreviver num ambiente
absolutamente hostil, onde nada cresce. Com uma câmera Akeley, própria para
funcionar em ambientes de baixíssima temperatura, por requerer um mínimo de óleo e
graxa para lubrificação e um equipamento para revelação do filme fornecido pela
Eastman Kodak Company, Flaherty segue para a Baía de Hudson, no Canadá. Apesar
dos problemas para lavar e secar o filme, Flaherty consegue projetá-lo para os
esquimós, fato fundamental para conseguir que pudessem entender os objetivos do
filme, criando assim uma parceria nas filmagens. O envolvimento de Nanook é tal que
este frequentemente se põe a planejar caçadas, perguntando a Flaherty se elas não
dariam boas cenas. Nanook of the North é, efetivamente aquilo que Salles define como
documentário: Flaherty e Nanook falando dos esquimós para nós. Em uma entrevista
publicada em 1950, Flaherty afirma:
“The urge that I had to make Nanook came from the way I felt about
these people, my admiration for them; I wanted to tell others about them.
This was my whole reason for making the film. In so many travelogues you
see, the film-maker looks down on and never up to his subject. He is always
the big man from New York or from London […] My work had been built
up along with them. I couldn’t have done anything without them. In the end
it is all a question of human relationships” (Flaherty, entrevista a Cinema,
1950).
É exatamente esta parceria entre Flaherty e Nanook e esta humanidade do
protagonista em que nos reconhecemos que continua a encantar os espectadores deste
filme até hoje.

Autenticidade
Ao escrever sobre as dificuldades do documentário, João Moreira Salles (2005)
inicia seu artigo apontando para as críticas fáceis dirigidas a este tipo de filme. Críticas
que procuram apontar o quanto certas cenas foram construídas previamente, perdendo
assim sua autenticidade, ou aquelas que se restringem ao modo como um filme sobre
uma cultura indígena, africana ou esquimó foi recebido pelos espectadores ocidentais.
Esta introdução de João Moreira Salles não é acidental. É exatamente em torno da
questão da autenticidade, da fidelidade ao mundo real e, por outro lado em torno da
recepção que giram as discussões em torno do filme documentário, categoria na qual se
costuma incluir os filmes etnográficos.
Vejamos, por exemplo, como Flaherty filmou seu clássico Nanook of the North,
exibido pela primeira vez em 1922, mesmo ano, aliás, em que foi publicado o clássico
Argonautas do Pacífico Ocidental, de Malinowski. O objetivo de Flaherty era descrever
como os esquimós lutavam por sua sobrevivência no ambiente inóspito em que viviam.
Num artigo em que explica como o filme foi realizado, Flaherty fala sobre as inúmeras
dificuldades que teve que enfrentar. Como já mencionado, tudo o que ele havia filmado
em sua primeira viagem à área foi perdido em um incêndio. Flaherty volta então para
uma segunda viagem. Foram 55 dias de filmagem, 600 milhas de viagem de trenó e a pé
para conseguir filmar as caçadas. A fome rondando a equipe e os cachorros, muitos dos

5
quais tiveram que ser sacrificados. Apesar dos sacrifícios Flaherty festeja no final o
conhecimento que pode obter sobre as sofisticadas qualidades de seus amigos esquimós.
Flaherty era um romântico, que procurava mostrar seus protagonistas com certa
dignidade, lutando contra as agruras do ambiente natural e comercial. Flaherty não
estava interessado em mostrar os nativos em situação contemporânea (tal como
Malinowski também não o estava). Dedicou-se, graças à parceria que pôde estabelecer
com Nanook e sua família, muito mais a uma reconstrução do que à observação.
Flaherty nos leva a este mundo esquimó revelado por ele através de um encadeamento
de cenas em que a montagem está praticamente ausente. Para Flaherty o cinema não é
um braço da antropologia ou da arqueologia, mas um braço da imaginação. Há uma
imaginação narrativa em Nanook. Ele não descreve, constrói. Para um documentarista
como João Salles, a realidade que interessa à Flaherty e a ele próprio é aquela
construída pela imaginação autoral.
Para viabilizar sua empreitada, Flaherty teve que solicitar a construção de um
iglu muito maior do que o habitual e, além disso, que não tivesse paredes fechadas; um
iglu grande e aberto, de modo que tivesse ao mesmo tempo luz e espaço suficientes para
filmar com os enormes equipamentos disponíveis na época. Numa outra cena, da caçada
de um leão marinho, Flaherty só pode filmar a cena com um animal previamente
caçado.
Uma das possibilidades de definição do documentário é o modo como o filme é
visto pelo espectador. As estratégias utilizadas por Flaherty retiram de seu filme a
autenticidade? Certamente todos os filmes, sejam documentários ou de ficção são
construídos. Isso não quer dizer, como afirmam alguns sociólogos, que não haja
diferença entre documentário e ficção. Salles é categórico: “Aqueles que negam a
existência de uma diferença essencial entre ficção e documentário geralmente partem do
princípio equivocado de que o documentário, caso existisse, deveria oferecer acesso
direto e não contaminado à coisa em si. Como isso não é possível, preferem então
declarar que todo filme é ficcional. Estão errados. Manipular o material não significa
aproximá-lo da ficção”. (Salles, 2005:66).
Afirmar que um filme é um documentário não quer dizer que não haja
manipulação, ou um contato direto entre a câmera, as pessoas filmadas, o fato e o
espectador. Manipular um material não significa aproximá-lo da ficção.

Por outro lado, vale lembrar que mesmo um filme de ficção apresenta
documentos. Podemos ver entre Um Bonde chamado Desejo (1951) e O Poderoso
Chefão (1972) como Marlon Brando vai envelhecendo e engordando nos vários filmes
de ficção de sua carreira; num filme encenado em Nova York podemos ver as torres
gêmeas antes do ataque de 11 de Setembro. Documentos fílmicos são índices do mundo
real, mantem contigüidade com a realidade. Todo filme de ficção é um documento sobre
a época em que foi realizado. Podemos, como diz João Salles, ver a atuação de Judy
Garland em 1939.
Muitos autores enfatizaram os aspectos comuns entre filmes documentários e
filmes de ficção - o uso da narrativa de suspense, continuidade na filmagem e edição.
Por outro lado, também os filmes de ficção aproximam-se da imitação do realismo.
Vide, por exemplo, o neo realismo italiano - estilo naturalista, filmagem comum de
pessoas comuns, sem grandes interferências, movimento da câmera após uma explosão,
enquadramento não horizontal, etc..
Para Nichols (1991) os filmes de ficção de gênero realista procuram nos
envolver criando um mundo imaginário que é suficientemente parecido com o mundo
que pensamos conhecer, embora se relacionem com o mundo histórico e real apenas de

6
modo oblíquo e metafórico. Já os documentários, embora não sejam cópia carbono da
realidade, no nível das imagens retêm o que Nichols chama de adesão indicial - eles
representam o que ocorreu em frente às câmeras e próximo ao microfone. Estes sons e
imagens são representações, realidades de segunda ordem, não os acontecimentos
originais, de primeira ordem. Para Nichols os documentários diferem da ficção não na
sua construção como textos, mas nas representações que fazem. No cerne de um
documentário está menos uma história e seu mundo imaginário e muito mais um
argumento sobre o mundo histórico. A realidade é frequentemente opaca e
desorganizada, mas há indícios, sinais, zonas privilegiadas, que permitem decifrá-la.
Cabe ao documentarista, como ao bom pesquisador, desenvolver seu faro, agir como os
bons cães de caça, ter golpe de vista, intuição e sensibilidade.
Quando se menciona o início da história do cinema é muito freqüente a oposição
entre os filmes de Lumière e os filmes de Melies. Se os filmes de Lumière são vistos até
hoje como “a vida, tal como ela é”, é bom lembrar que em seu famoso filme O trem
chegando na estação, as pessoas envolvidas não são uma massa anônima como pensa e
espera o espectador até hoje e sim membros da família Lumière que obviamente foram
ensaiados, posicionados, instruídos a ignorarem a câmera e a agir naturalmente.

A questão da autenticidade é também interessante por estar intimamente ligada à


crise da representação na antropologia a que já aludimos. Começou-se por criticar o
realismo na escrita etnográfica, numa tentativa de superar o cientificismo e o
objetivismo que resultam deste realismo pela reintrodução dos sujeitos pesquisados e
tentando-se uma reflexividade. (Marcus e Fisher, 1986). A reintrodução dos sujeitos
pesquisados é, certamente, uma boa maneira de lidar com o conceito de autenticidade,
que deixa de ser essencializado. O que é autêntico, verdadeiro?
Sabemos que, em qualquer situação são muitos os pontos de vista, dependendo
dos atores sociais em questão. Difícil afirmar que há uma única verdade. Sabemos
também que, numa situação fílmica há, geralmente, consciência da presença da câmera.
Há nos documentários uma negociação constante entre o realizador e os sujeitos
filmados. O que está em jogo na realização de um filme documentário e mais
especificamente nos filmes etnográficos é também a imagem de si que os sujeitos
filmados desejam tornar pública, ou a correção da imagem pública que deles se têm e
que a seus olhos parece distorcida. Nestes filmes, há um maior controle dos sujeitos
filmados sobre aquilo que deles se divulga. Da relação entre o realizador e os sujeitos
filmados depende o filme. Neste sentido, o que o documentário revela como autêntica é
a relação que pôde ser construída entre o realizador e seus sujeitos.
Para Crawford (1992), tanto a escrita quanto o filme etnográfico são práticas
discursivas ou formas de representação que constituem dois produtos diferentes do
mesmo processo antropológico. Ambos resultam deste processo de intersubjetividade. É
nesta relação intersubjetiva que se deve buscar a autenticidade e é apenas isto que o
texto ou o filme podem revelar.

Recepção
Recepção é certamente uma das questões mais complexas na análise de qualquer
filme. Mais ainda quando se trata da análise da recepção de um filme etnográfico.
Grande parte desses filmes centra-se numa cultura e num saber local, a ser comunicada
para uma outra. Como diz Loizos (1992), a não transparência das narrativas e
performances locais dificulta a recepção de um texto ou filme etnográfico. Como tornar
explícito ou transparente aquilo que em muitas culturas é implícito?

7
Outras questões estão envolvidas na análise da recepção: Qual o público a ser
considerado numa análise que tenha como foco a recepção? A crítica especializada, o
grupo filmado, estudantes universitários, antropólogos ou o público em geral? Sabe-se,
por outro lado, que público e opiniões variam também ao longo do tempo.
São inúmeros os artistas cujo talento não foi reconhecido em sua época. Por anos
as obras de Cézanne foram sistematicamente rejeitadas pelo júri do Salão Oficial de
Paris. Outro exemplo clássico é Van Gogh, que vendeu pouquíssimos quadros ao longo
de sua vida e cuja genialidade só foi reconhecida após sua morte. O mesmo acontece
com o cinema. Um filme pode ser rejeitado por ocasião de seu lançamento e visto como
obra prima anos depois. A Aventura, de Antonioni e Gritos e Sussurros, de Bergman,
hoje considerados obras primas destes dois diretores recentemente falecidos, foram
derrubados pelos críticos por ocasião de seu lançamento. Terra em Transe, de Glauber
Rocha, foi muito mal recebido pela crítica gaúcha. “Ninguém é perfeito em seu tempo”
é exatamente a manchete de uma matéria de jornal 3 sobre a relatividade do julgamento
no calor da hora de seu lançamento. Foi exatamente o que ocorreu com o filme de Jean
Rouch, Lês Maîtres Fous, lançado em 1954. Quero me deter neste filme de Rouch,
mostrando as dificuldades de análise de sua recepção.
O filme narra um ritual de possessão entre os Hauka, migrantes trabalhadores de
Accra, cidade da África Ocidental, capital da então Costa do Ouro, colônia britânica,
hoje Gana. Trata-se de um ritual que emerge nos anos 20 como forma de resistência à
colonização européia. No ritual os participantes são possuídos por espíritos, que
assumem a identidade dos senhores coloniais. Quem são os loucos, como afirma o título
do filme? Os agentes coloniais, os Hauka que os imitam ou ambos? Na interpretação de
Grimshaw (2001), o que Rouch mostra neste filme é a contestação do ritual às
hierarquias convencionais de poder e racionalidade.
Neste filme de 33 minutos, que não posso aqui resumir, uma cena específica
provocou intensas reações no público: a seqüência de possessão dos Hauka, em que eles
aparecem babando, com a saliva escorrendo misturada a sangue, os olhos saltados, num
ambiente escuro. A seqüência envolve também o sacrifício de um cachorro, que será
ingerido pelos participantes. Não vemos o cachorro sendo morto, mas vemos os
possuídos comendo o animal. Na segunda parte do filme os migrantes voltam às suas
atividades cotidianas de trabalho.

Na primeira exibição do filme, no Museu do Homem em Paris, estavam


presentes na platéia africanistas como Marcel Griaule, Luc de Heusch e Germaine
Dieterlen, além de alguns alunos, muitos deles de origem africana. Tal como afirmei,
analisar a recepção de um filme é uma questão complexa. Mesmo se restringirmos a
análise da recepção a um público de especialistas, como os que se concentravam nesta
primeira exibição do polêmico filme de Rouch. Segundo Sztutman a platéia estava
atônita depois de assistir ao filme. “Alguns africanos presentes declaram que as imagens
vistas são uma afronta à sua dignidade, que elas apresentam os nativos como selvagens.
Marcel Griaule pede, então, que Rouch destrua o filme: aquelas imagens não poderiam
ser veiculadas, visto que eram demasiadamente perigosas. Elas jamais poderiam ser
vistas por não-iniciados, que não partilham aquele universo. Tampouco poderiam ser
exibidas a iniciados, que, ao vê-las, poderiam entrar em transe. Durante o debate, Luc
De Heusch é o único a defender o filme de Rouch, apontando ali um documento de
grande importância para a antropologia. Para além do Museu do Homem, Les Maîtres
Fous não teve melhor sorte. Foi rechaçado pelas autoridades coloniais britânicas, que
3
O Estado de São Paulo, 12/8/2007. p. D9.

8
acusaram o autor de desrespeito ao Exército e à rainha. Tendo em vista todas as
objeções, Rouch optou por restringir a circulação do filme, exibindo-o apenas em um
circuito alternativo de cineclubes”. (Sztutman, 2005:117)

Na visão de Grimshaw e Sztutman o cinema de Rouch não é acidental, ele


efetivamente busca esses efeitos na platéia. O filme, realizado no contexto das lutas
africanas pela emancipação é, para estes autores, uma crítica poderosa às autoridades
coloniais. Os intelectuais franceses ficaram enfurecidos com a exibição do filme. Para
eles o filme mostra uma África tribal, no momento mesmo em que os africanos lutam
pela emancipação e sua afirmação como estado independente. O que Rouch
questionava, segundo Anna Grimshaw, é a possibilidade de uma equação mecânica
entre independência e progresso, modernidade e racionalidade. Na seqüência da
possessão, ao inverter e satirizar a hierarquia política, Rouch e os Hauka afirmam a
irracionalidade presente em todas as estruturas de governo, sejam elas coloniais ou pós
coloniais.
Analisar a recepção de um filme deveria igualmente envolver uma análise de seu
impacto e influência em outros setores artísticos. Como mostra Sztutman: “Com todos
esses pesares – e talvez mesmo por causa deles – Les Maîtres Fous tornou-se um
clássico. Inspirou rapidamente campos artísticos, como o cinema de ficção e o teatro.
Claude Chabrol foi logo procurar Jean Rouch para saber, afinal, como ele tinha
adquirido tamanha técnica na direção de atores. (Ele não havia acreditado que aquilo
pudesse ser um ritual.) Jean Genet, de sua parte, inspirou-se na possessão Hauka para
escrever Os Negros, peça em que um grupo de escravos se rebela contra seus mestres. E
Peter Brook usou as imagens para treinar os atores de Marat/Sade”. (Sztutman,
2005:118).
Analisar a recepção de um filme é igualmente difícil porque a reação do público
muda ao longo do tempo e se deixa contaminar pelo contexto histórico do momento.
Após a independência da Costa do Ouro, Rouch voltou a algumas das aldeias filmadas e
exibiu o filme. Nesse novo contexto, salienta Sztutman, os espíritos Hauka já estavam
em grande parte incorporados às práticas tradicionais e ao panteão de divindades, o que
retirava de seus cultos o caráter propriamente contestatório. É assim que hoje as
imagens de Rouch – que, como os espíritos europeus, são parte constitutiva de uma
memória coletiva – podem ser exibidas em lugares públicos como o Centro Cultural do
Níger, sem causar desconcerto algum.
A outra dificuldade da análise da recepção de um filme como esse e tantos
outros filmes etnográficos é, como disse, a não transparência de saberes e performances
locais para uma cultura não familiarizada com estas práticas.
Como mostra Sztutman, os rituais de possessão Hauka imitam o homem branco
e sua organização militar para domesticá-los, controlá-los. Estes povos têm, assim, nos
rituais de possessão um modo de processar os episódios de contato com diferentes
populações, que remete tanto a tempos imemoriais – o tempo do mito – como a tempos
datados – a conquista muçulmana, a incorporação de outros grupos étnicos etc. Neste
sentido, a possessão entre esses povos é um ato a um só tempo cognitivo, histórico e
político, e isso significa que esta maneira de habitar no mundo – de existir – passa
necessariamente pelo simbólico ou, para usar um termo bastante frisado por Rouch, pelo
imaginário, pela imaginação.
As cenas de possessão são duplamente traumáticas. Elas mostram o trauma
causado pela civilização e os agentes coloniais, e simultaneamente traumatizam a
platéia. Quem são, afinal os loucos – lês maîtres fous? Os Hauká, cujas contorções
lembram a nós a contorção de loucos? Os agentes colonizadores, parodiados

9
mimeticamente pelos Hauká? Ou estas reações seriam aquelas de um cineasta que busca
com seus filmes o que ele denominava de cine-transe?

Conclusões
Agora me parece um pouco mais claro por que a discussão sobre filmes
etnográficos sempre me intrigou. E por que, de alguma forma as críticas que ouvia em
algumas destas discussões a respeito do filme etnográfico me remetiam aos cânones do
filme científico, tal como elaborados pelos autores da Enciclopédia do Filme Científico
e retomadas por Claudine de France e os autores da escola de Nanterre. Agora percebo
também o que está por trás da crítica da não autenticidade de um filme etnográfico, da
rejeição que ele sofre quando é exibido. Freqüentemente a crítica a estes filmes parte da
premissa de que o filme documentário e o filme etnográfico em particular é apenas
registro e não linguagem. É a realidade intocada que se quer ver nestes filmes, sem uma
iluminação especial, sem efeitos sonoros, sem o rearranjo de cenas e ambientes que
permitam a filmagem. Como se a “realidade bruta” pudesse falar por si.
Outras questões entram em jogo e permitem melhor entender os temas aqui
tratados – autoria, autenticidade e recepção. À guisa de conclusão, gostaria de retomar
algumas reflexões feitas por Geoffrey O’Connor em seu Diário da Amazônia (1995).
Trata-se de um documentário/diário em que o cineasta revê suas filmagens na
Amazônia, procurando refletir sobre os diversos modos como as sociedades indígenas
foram retratadas em imagens feitas por ele próprio e por outros cineastas e o efeito
causado por estas imagens, nas sociedades filmadas.
Neste diário filmado O’Connor revisita os filmes que fez em algumas sociedades
indígenas na Amazônia, a primeira delas em 1989 quando documenta a luta de 9 mil
Yanomami contra 45 mil garimpeiros que invadiam suas terras. O “progresso” era o
mote que “justificava” a invasão das terras Yanomami, mesmo que este progresso
acarretasse epidemias que devastaram a população indígena. Pouco tempo depois ocorre
a organização de um movimento indígena, encabeçado pelos Kayapó, de protesto contra
a construção de barragens em Altamira. Em 1992 O’Connor filma o encontro que os
vários movimentos indígenas organizaram por ocasião da Eco 92 no Rio de Janeiro. O
Encontro da Carioca, como ficou conhecido, teve presença maciça da mídia nacional e
internacional e reunia não apenas os índios, mas também fanáticos do movimento
ecológico que se apropriavam da imagem dos índios em benefício da ecologia. Nesta
mesma época ocorre o famoso incidente com Paiakã, em que este líder Kayapó vira
capa da revista Veja ao ser acusado de estupro, numa “típica explosão de seu instinto
selvagem”. O’Connor documenta a luta de Raoni, que alia-se ao cantor pop Sting, com
o objetivo de conseguir a demarcação do território Kayapó. Esta luta de Raoni é,
entretanto enfraquecida pelas imagens que mostram estes índios ávidos pelo consumo
de mercadorias do mundo dos brancos e que não hesitavam em entrar em negociações
com madeireiros e garimpeiros com o objetivo de conseguir os recursos que os órgãos
governamentais não mais lhes forneciam, nem mesmo para a aquisição de remédios. Em
1993 O’Connor registra o assassinato de 16 Yanomami pelos garimpeiros. A
repercussão internacional deste massacre foi tal que os garimpeiros foram expulsos e os
índios passaram a contar com assistência à saúde por parte de organizações
internacionais.
A partir deste diário O’Connor se pergunta sobre o papel das imagens em nosso
mundo. Para ele imagens podem refletir nossas crenças em determinados momentos e
acabam por nos impedir de ver os seres humanos retratados em nossas fotos. Ao longo

10
da história os índios foram retratados de diversos modos: como selvagens, como nobres
selvagens, como obstáculos para o “progresso”, como os verdadeiros salvadores da
floresta amazônica. Todas estas são para o cineasta imagens equivocadas, pois ajudam a
criar incompreensões desastrosas que acabam por perpetuar a desconfiança que mantem
nossos mundos em conflito. Mesmo que muito diferentes entre si são imagens clichês,
que não demonstram o menor respeito por um estilo de vida próprio.
Estas reflexões são úteis para os temas aqui tratados. Em primeiro lugar porque
remetem à questão da autoria. Como efetivamente representar o ponto de vista de
indivíduos de outra cultura? É esta necessidade de respeito a um estilo de vida próprio e
diferente do nosso que leva João Salles a enfatizar a ética no documentário. Depois de
prontos, os filmes gozam de autonomia; o mesmo ocorre com as pessoas filmadas, que
têm uma vida independente do filme. Relações dialógicas, onde o processo de
intersubjetividade emerge, onde a parceria se impõe, têm mais condições de garantir
uma autoria marcada pela ética, em que o ponto de vista do outro pode efetivamente
emergir. Nesta relação dialógica, não se trata de “dar voz” ao outro, atitude
absolutamente arrogante, de quem se vê outorgando direitos. Trata-se, isto sim, de “dar
ouvidos” àquilo que é dito.
O Encontro da Carioca, por ocasião da Eco 92 mostra, por outro lado, o quanto é
problemática a questão da autenticidade. Num mundo cada vez mais interconectado,
busca-se de modo intenso, culturas “puras e autênticas” que, em sua “essência”
poderiam contrapor-se aos males de nossa própria civilização. Novamente temos que
voltar à questão da intersubjetvidade. Como garantir imagens autênticas? O filme
etnográfico, tal como o texto, depende, eminentemente, da relação que se estabelece
com os sujeitos pesquisados. A autenticidade não está naquilo que é retratado ou sobre o
qual se escreve, mas na relação entre quem pesquisa e quem é pesquisado. O que o
antropólogo-cineasta faz é traduzir em imagens a experiência do encontro e do que o
motivou para este encontro. E é a ética desta relação que será vista como estética pelo
espectador.

11
Bibliografia
BANKS, Marcus: Which films are the ethnographic films? In CRAWFORD,
Peter e TURTON, David: Film as Ethnography. Manchester: Manchester University
Press, 1992. p. 116-129
COUSINS, Mark & MACDONALD, Kevin: Imagining Reality, the Faber
Book of Documentary. London: Faber and Faber, 1996. 468 p. ISBN: 0-571-22514-4
CRAWFORD, Peter: Film as discourse: the invention of anthropological
realities. In CRAWFORD, Peter e TURTON, David: Film as Ethnography.
Manchester: Manchester University Press, 1992. p. 66-82
FARIS, James: Anthropological transparency: film, representation and
politics. In CRAWFORD, Peter e TURTON, David: Film as Ethnography.
Manchester: Manchester University Press, 1992. p. 171-182
EISENSTEIN, Sergei: O Sentido do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990. 145 p. ISBN: 85-7110-007-8
FLAHERTY, Robert: How I filmed Nanook of the North. In GEDULD, Harry:
Film Makers on Film Making. Middlesex: Penguin Books, 1967. p. 68-75.
FLAHERTY, Robert: entrevista publicada em The Cinema, 1950, ed Roger
Manvell. London: Penguin, 1950. In COUSINS, Mark & MACDONALD, Kevin:
Imagining Reality, the Faber Book of Documentary. London: Faber and Faber, 1996.
p. 37-43.
FRANCE, Claudine de (Org.): Do filme etnográfico à antropologia fílmica.
Campinas: Editora da UNICAMP, 2000. 145 p. ISBN: 85-268-0510-X
GALLOIS, Dominique: Antropólogos na mídia: comentários sobre algumas
experiências de comunicação intercultural. In FELDMAN-BIANCO, Bela e
MOREIRA LEITE, Miriam: Desafios da Imagem – fotografia, iconografia e vídeo
nas Ciências Sociais. Campinas: Papirus Editora, 1998. p. 305 – 319.
GRIMSHAW, Anna: The ethnographer’s eye – ways of seeing in modern
Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. 222 p. ISBN:0-521-
77475-6
LOIZOS, Peter: Notes on the non transparency of local narratives and
performances. In Crawford, Peter e Simonsen, Jan: Ethnographic Film – Aesthetics
and Narrative Traditions. Oslo: Intervention Press, 1992. p. 106 – 120;
LOIZOS, Peter: Innovation in ethnographic film – from innocence to self
consciousness, 1955-1985. Manchester: Manchester University Press, 1993.224 p.
ISBN: 0-7190-4007-8
LOIZOS, Peter: First exits from observational realism: narrative
experiments in recent ethnographic films. IN BANKS e MORPHY: Rethinking
Visual Anthropology. New Haven e Londres: Yale University Press, 1997. p. 81-104
MACDOUGALL, David: Whose story is it? In Crawford, Peter e Simonsen,
Jan: Ethnographic Film – Aesthetics and Narrative Traditions. Oslo: Intervention
Press, 1992. p. 25 – 42
MARCUS, George e FISCHER, Michael: Anthropology as Cultural Critique
– an experimental moment in the human sciences. Chicago e Londres: The
University of Chicago Press; 1986. 205 p. ISBN: 0-226-50449-2
NICHOLS, Bill: Representing Reality. Bloomington: Indiana University Press,
1991;
SALLES, João Moreira– A dificuldade do documentário. IN MARTINS,
ECKERT e CAIUBY NOVAES – O imaginário e o poético nas Ciências Sociais.
Bauru: EDUSC, 2005. p. 57-71

12
SZTUTMAN, Renato. 2005. Imagens Perigosas: a possessão e a gênese do
cinema de Jean Rouch. Cadernos de Campo. Ano 14, número 13. São Paulo, p. 115-
124.

Artigos em jornais
Ninguém é perfeito em seu tempo. O Estado de São Paulo, 12/8/2007. p. D9.

Filmografia

- The Godfather. (O Poderoso Chefão), Francis Ford Coppola, 1972.


- Nanook of the North. Robert Flaherty, 1922. Revillon Frères.
- A Streetcar named Desire, (Um Bonde chamado Desejo), Elia Kazan. 1951.
- Diário da Amazônia, Geoffrey O’Connor, 1995.
- Les Maîtres Fous, Jean Rouch. 1955. Paris: Films de la Plêiade.
(1951).

13
 

IMAGE-KNOWLEDGE

Introduction

Sylvia Caiuby Novaes

The articles in this volume are a selection of the ones presented at an

international symposium – Translation and Perception – the dialogue among Social

Sciences - held at the Universidade de São Paulo in Brazil in 2006. Our main interest

was to discuss the new possibilities in Anthropology, especially when our approaches

incorporate the new technologies of filming and when we get closer to an artistic

domain.

George Marcus opens the collection of articles discussing the context in the

eighties when young anthropologists invested in the literary critical examination of the

rhetoric of anthropological authority and were at the same time looking for a

rearticulation of its aesthetic of method. A new design of research practices, though still

shaped by the expectations of what the author calls the Malinowskian scene of

encounter, brought new results in contemporary ethnographic writing. Marcus analyses

works where the ethnographic-like observations of anthropology “takes fully into

account the nature of a distinctive practice of research within it as a technology, an

aesthetic, and a power-knowledge”. Getting closer to art projects the anthropologist

might construct “fieldwork as a social symbolic imaginary with certain posited relations

1  

 
 

among things, people, events, places, and cultural artifacts, and a literally multi-sited

itinerary as a field of movement emerges in the construction of such an imaginary”.

In Image and Social Sciences, a difficult relationship Sylvia Caiuby Novaes

discusses the ambiguity among social scientists who following Durkheim’s perspective

treat social phenomena as things, and observe them as things that are found in our line

of sight. There is in the West a cultural ideological bias that treats vision as the “noblest

sense” but, at the same time this visualism not only alters profoundly our own visual

experience but also annuls all experience that comes to us through senses other than

sight when we are in the field. Trying to understand how the senses are differently

perceived in different cultures the author goes on to analyze why social scientists, with

rare exceptions have distanced themselves from the images.

Meaning and Sense in Images and Texts explores the possibilities of recognizing

the experience of the other who is on screen. When the film-maker is the anthropologist

conducting the research there is a unique opportunity to make of ethics and aesthetics

two aspects of the same experience and consequently an anthropological understanding

of another depth, shows Andréa Barbosa. Filmed ethnography may introduce us to the

evocation and co-presentation of the anthropologist and the person he/she is filming and

in many situations, as those described by Andréa Barbosa, silence is as eloquent as the

words we hear. Andréa follows MacDougall and emphasizes the importance in making

the film more than a report on a cultural encounter and, instead embody it”. In this

approach “silence is filled by looks, gestures and movements [that] can in fact be

considered an important element in reflecting on the relationships in which these

elements create meaning”.

2  

 
 

Situations of intercultural dialogue may be better understood by anthropologists

when their approach incorporates filming by the protagonists being studied. The last

two articles of this volume show that this is a strategy that might go well beyond what

had already been set by Worth and Adair in their pioneering experience among the

Navajo. In Images and research among the Bororo of Mato Grosso, Brazil Edgar

Teodoro da Cunha proposed a workshop for two Bororo Indians and in his article he

discusses the potentials of filming as a technical device where the very place of the

camera is the privileged locus of the anthropologist who may then apprehend the actions

and meanings constructed with the aid of the camera. Communication in situations of

intercultural dialogue may be impregnated with misunderstandings and these are crucial

to the comprehension of topics such as culture and tradition.

The last article discusses the relationships between the anthropologist and the

people he/she studies that are created in and for the production of audiovisuals. Inspired

by Jean Rouch and David MacDougall Video, music and shared anthropology, by Rose

Satiko Hikiji shows how “The process of the production of the video involved a

reflexivity and a dialogue which are fundamental to the production of shared

knowledge”. Rose offers to a young woman who was part of the group she had done

research with the possibility of making a film. This article discusses the expressive

possibilities Alessandra (the violinist of the orchestra the author was studying) found in

filming and, at the same time, Rose Satiko analyses the process of discussions about

filming and how the knowledge she then acquires disorients what she thought she

already knew about the group of musicians she was researching.

What we see in these articles are new possibilities in the Malinowskian scenes of

encounter, new possibilities of bringing a better understanding of the people we study

3  

 
 

and, a new horizon for an ethnography that integrates texts and images in the

construction of knowledge that is at the same time ethic and aesthetic.      

4  

 
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2): 9-26 (2009)

Entre a harmonia e a tensão:


as relações entre Antropologia e imagem
Sylvia Caiuby Novaes 1

Resumo
O artigo trata das relações que historicamente a Antropologia
estabeleceu com as imagens, notadamente a fotografia e o cinema.
Se, no século XIX, no início da ciência e logo após a invenção da
máquina fotográfica e do cinematógrafo, as relações eram de uso
intenso das novas tecnologias à disposição dos pesquisadores, esta
relação mudou na década de trinta para um abandono quase
completo do uso das imagens pelos antropólogos. Mais recente-
mente é que a Antropologia Visual começa a ganhar espaço e
reconhecimento no interior mesmo da disciplina antropológica.

Palavras-chave: Antropologia; Fotografia; Cinema; Uso de


imagens pela Antropologia.

Abstract
This article is focuses on the historical relationships established
between Anthropology and the use of images, particularly photo-
graphy and cinema. When Anthropology had become a science, in

1
Sylvia Caiuby Novaes é Professora Associada no Departamento de Antropologia da
Universidade de São Paulo e Coordenadora do Laboratório de Imagem e Som em
Antropologia – LISA-USP. E-mail: scaiuby@usp.br
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

the beginning of the 19th century, just after the invention of


photography and cinema, researchers widely used the new techno-
logies. However, this relationship has changed during the thirties
and the use of images by anthropologists was almost completely
abandoned. Only recently Visual Anthropology has lost its margi-
nal space in the field and stops being treated with suspicion and
disbelief.

Keywords: Anthropology; Photography; Cinema; The use of


images by Anthropologists.

São inúmeras as afinidades entre a Antropologia, por um lado, e a


fotografia e o cinema, por outro: a busca do registro de diferentes modos
de vida; sua função enquanto memória e „acervo‟ de diversos modos de
ser; o desejo de proximidade com aqueles que nos são distantes; a
relação com o mundo do outro; a tentativa de reconstruir esse outro
mundo; a tentativa de buscar no outro o que é de si, fazendo do outro
um espelho; a busca incessante de aspectos universais nos diferentes
modos de ser humano, até mesmo certo voyeurismo. Mas, há ainda outras
afinidades. Se o fotógrafo é alguém invisível por trás de sua câmera,
tornando completamente visível o que ele fotografa, também o antropó-
logo preocupa-se em abstrair sua presença dos povos que ele estuda e
reapresenta em seus trabalhos (Pinney 1991:76).
A analogia entre Antropologia e imagem permite distintas aborda-
gens. É possível tentar entender o modo como esta relação entre Antro-
pologia e imagem transformou, ao longo da história de nossa disciplina,
as potencialidades que a imagem parece oferecer a esta área do conhe-
cimento, seja como instrumento de ensino, seja como recurso de pés-
quisa, seja mesmo como objeto de análise pela Antropologia. É também
possível ver as possibilidades de uso da imagem como modo de apre-
sentação dos resultados de nossas pesquisas.
Há várias coincidências temporais que marcam esta história para-
lela entre a Antropologia e as técnicas de reprodução da imagem, como a
fotografia e o cinema. A primeira metade do século XIX registra muitas
datas que as aproximam: o anúncio público da invenção de Talbot em
1839, o desenvolvimento do daguerreótipo de 1837, a criação da Socie-

10
Entre a harmonia e a tensão

dade de Proteção aos Aborígenes de 1837 e a criação da Ethnological


Society of London em 1843 (Pinney 1992:74).
Quanto ao cinema, vale lembrar que, se o cinema fez 100 anos em
1995, a Antropologia tem praticamente a mesma idade. E os mesmos
desafios que impulsionaram a história da fotografia e do cinema estavam
também presentes na disciplina que então se iniciava de forma mais
sistemática. Os paralelos entre Antropologia e as técnicas de reprodução
da imagem, que surgem com a invenção da fotografia e do cinema, são
inúmeros, e cito aqueles que me parecem relevantes.
O contexto histórico-social do século XIX, marcado pela busca da
compreensão e apreensão do mundo pelos europeus, caracteriza o surgi-
mento da etnografia e dos registros visuais e sonoros fotografia e
cinema apontando para questões fundamentais sobre estas formas de
documentação e representação da realidade social, formas que alcançam
sua maturidade na década de 20 deste século. As técnicas fotográficas e
fílmicas, que se multiplicam a partir dessa época, vão possibilitar o regi-
stro das ocorrências do mundo e a apreensão da diversidade racial e
social.
É também no final do século XIX que a capacidade do ocidente de
organizar o mundo se traduzirá na expansão colonial. A fotografia, o
cinema e a ciência assumem seus lugares como instrumentos e disciplina
privilegiados para a observação da experiência humana; a função civiliza-
dora dos estados-nações europeus encontra na investigação científica a
certeza da existência de uma medida racional que explica a diversidade
racial e cultural do mundo que o expansionismo explora.
O evolucionismo, que marcou as Ciências Humanas no século
XIX, levou os antropólogos a um intenso uso de imagens. Em vários
sentidos. É nessa época que ocorre também uma grande proximidade
entre a Antropologia, as Ciências Jurídicas e as Ciências Médicas, tendo
como importante instrumento de pesquisa o uso de fotografias. A
Antropologia Criminal, desenvolvida principalmente por Cesare Lom-
broso, em seu livro O homem delinquente (1876), procura afirmar o caráter
hereditário do comportamento criminoso, através de estudos de crânio-
metria e antropometria (Gould 2003). A antropometria, elaborada em
1860 por Huxley e Lamprey, tinha como objetivo inicial mapear, através
de estudos fotográficos, as várias raças humanas viventes no Império

11
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

Britânico. Os indivíduos eram todos fotografados nus, de frente e de


perfil, a uma distância fixa da câmera. Posteriormente, sugeriu-se que,
para efeitos comparativos, uma grade métrica fosse colocada como pano
de fundo (Spencer 1992).
Lilia Schwarcz (2004) explicita que, aqui no Brasil, essas técnicas
também eram utilizadas. A Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do
Recife traz artigos, analisados pela autora, cujo objetivo era a busca de
“critérios científicos para a prática do direito” (Schwarcz 2004:166). Nas
palavras da autora:

[...] Esses juristas, enquanto „homens de sciencia‟ se sentiam


responsáveis por essa difícil nação ainda em processo de forma-
ção. Intelectual era, portanto, aquele que ia à Filosofia apenas para
encontrar os fundamentos necessários para lidar com os proble-
mas locais: a miscigenação, o atraso, a pobreza, o parco desenvol-
vimento (Schwarcz 2004:169).

O registro imagético de outros povos buscava identificar os ele-


mentos que distinguiam e marcavam a relação ambígua entre homem e
natureza. A fotografia e o cinema apresentaram as imagens de homens
que os europeus pensavam como mais próximos da natureza do que da
civilização. As diversas possibilidades de leitura que a imagem oferece
contribuíram para que se visse nelas aquilo que se buscava. No final do
século XIX, a etnologia dos antropólogos de gabinete surgiu das imagens
que os missionários e funcionários do governo traziam do campo. Ao
mesmo tempo, a fotografia e o filme assumiram o papel de objeto
significante, que traduziam em imagens essa realidade intelectual.
É neste contexto que Lumière procura registrar o movimento,
captar realidades distantes, entregando câmeras a viajantes para que
registrassem a vida em sociedades remotas. Em 1898, apenas três anos
após a primeira exibição comercial de cinema pelos cineastas Lumière,
Haddon, Rivers e Seligman organizam a expedição da Universidade de
Cambridge ao Estreito de Torres e são os primeiros pesquisadores a
utilizar uma câmera de filmar e equipamento para gravação sonora, enfa-
tizando a importância da observação mediada por equipamentos e a não
confiabilidade dos sentidos. O que se buscava na época era marcar a
transformação da Antropologia especulativa do século XIX em uma

12
Entre a harmonia e a tensão

Antropologia preocupada em apreender padrões de evidência compa-


ráveis aos das Ciências Naturais. Visando a atender todos os aspectos da
cultura material, Antropologia Física e organização social, essa expedição
utilizou-se de equipamentos de registro visual e sonoro, como modo de
atestar a objetividade das investigações. Em 1904, Baldwin Spencer filma
os aborígines australianos e retrata a dança aborígine do canguru e a
cerimônia da chuva. Entre 1904 e 1907, Pöch filma na Nova Guiné e no
Sudoeste da África. Poucos destes filmes são conhecidos ou utilizados, e
este parece ser o destino de grande parte dos filmes etnográficos.
Eisenstein, famoso cineasta russo, acreditava, tal como os evolu-
cionistas, em uma humanidade universal, num novo mundo, que deveria
partir de novas formas de vida. No cinema, novas linguagens deveriam
expressar esse novo mundo. Sua concepção de montagem é uma res-
posta ao novo mundo que surge em processo de constantes transforma-
ções. Os equipamentos eram, entretanto, muito pesados e „trambolhu-
dos‟. Os objetivos nas filmagens eram aqueles da ciência da época.
Com a Primeira Grande Guerra, ocorrem muitos questionamentos
sobre a interpretação das imagens. Neste período, o cinema documen-
tário consagrado ao real se populariza. É neste contexto que Edward
Curtis, famoso por fotografar os índios americanos, faz um épico sobre
os índios Kwakiutl denominado In the Land of the War Canoes (1914).
Curtis realiza um documentário romanceado, cuja história entre um casal
Kwakiutl, similar ao clássico romance de Shakespeare Romeu e Julieta, irá
caracterizar o imaginário dos filmes americanos nos anos 40 e 50. Nesse
período, surge uma etnologia de ficção comprometida com a percepção
culturalmente tendenciosa do observador.
Se, durante todo o século XIX, a Antropologia concentrara-se nos
estudos sobre crença, costume e cultura material, a partir dos anos 30 do
séc. XX o foco passou a ser a organização social, sistemas de parentesco
e rituais. Há um paralelo possível entre a obra de Malinowski e a filmo-
grafia de Flaherty. Este se considerava um cameraman, tendo filmado
muito. Foi Flaherty o primeiro cineasta a cujo filme se aplicou o termo
documentário (por Grierson). Era um amador, viajante, exatamente a
figura de quem queria se ver livre a moderna Antropologia Científica.
Por isto mesmo, ele foi ignorado pelos antropólogos, por constituir uma
ameaça à Antropologia que se queria científica. Nasceu em 1880 e fez
várias expedições ao norte do Canadá, tendo feito amigos entre os
13
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

Innuit. Mas Flaherty estava consciente da necessidade de mostrar algo de


uma cultura e, tal como Malinowski, estava também interessado em
provocar uma reflexão sobre a natureza da humanidade e da civilização.
Passou dois anos em Samoa e 12 meses filmando Nanook.
Interessado, tal como Malinowski, em traçar o perfil de um personagem.
Havia, nesta época, uma grande consciência da pessoa como um
indivíduo único.
Flaherty começa sua carreira trabalhando para William MacKenzie,
que estava, em 1910, iniciando a construção de uma ferrovia no norte do
Canadá. Flaherty levou uma filmadora nas 6 expedições que realizou à
área e, chegando de volta a Toronto, perdeu todo seu material num
incêndio. Segundo ele, felizmente, pois os filmes eram amadorísticos.
Mas, foi a partir daí que cresceu seu interesse por filmes. Recomeça a
filmar em 1920, financiado por uma empresa que comercializava peles.
Seu equipamento incluía também a possibilidade de revelar os filmes, e
era seu objetivo mostrar aos esquimós o que ele filmava. Nanook era um
dos líderes do grupo de esquimós. Três rapazes auxiliavam Flaherty. Isto
incluía suas esposas, famílias, cachorros, trenós, caiaques e equipamento
de caça. A caça ao leão-marinho foi o primeiro filme realizado. Todos
queriam participar da expedição. Esta caçada foi exatamente o primeiro
filme que os esquimós viram. E foi visto não como filme, mas como
realidade. Esta experiência firma a relação entre Flaherty e os Innuit e
delineia toda uma relação de pesquisa.
O ano de 1922 é, assim, outro marco importante da relação entre a
Antropologia e a história do cinema, data da aparição destes dois grandes
clássicos: Argonautas do Pacífico Ocidental, de Malinowski, e Nanook of the
North. Neste filme, tal como Malinowski fizera entre os Trobriandeses,
Flaherty segue um plano de pesquisa etnográfico com uma longa perma-
nência entre o grupo. Ao observar e absorver a cultura nativa, Flaherty
introduz o conceito de câmera participante, que não só participa dos
eventos registrados, mas também reflete a perspectiva do nativo. Outro
grande mérito deste filme reside no fato do espectador ser levado a
conhecer e se identificar com pessoas reais, que pertencem a um con-
texto social definido, cujo exotismo e peculiaridade apontam para a
proximidade e para a luta hostil, do ponto de vista ocidental, entre o
homem e a natureza, tema recorrente nos filmes posteriormente produ-
zidos por Flaherty, como Man of Ara (1934) e Louisiana Story (1948). A

14
Entre a harmonia e a tensão

habilidade na construção de uma narrativa visual e a problemática abor-


dada por Flaherty influenciaram significativamente os filmes etnográficos
subsequentes.
Tal como Malinowski, Flaherty acreditava que a história deveria
emergir de seu material, onde o importante seria captar o ponto de vista
do nativo. Argonautas do Pacífico Ocidental e Nanook of the North constituem
tentativas de reconstrução da sociedade enquanto totalidade dotada de
sentido. Mas, tanto Flaherty quanto Malinowski veem o mundo de uma
perspectiva única. A câmera de Flaherty é fixa, estática e, tal como Mali-
nowski, ele cria o presente etnográfico em que não são percebidas a
mudança e transformações. Apesar da insistência no ponto de vista do
nativo, ambos atrelam a interpretação à descrição dos fatos, e tanto
Malinowski quanto Flaherty apresentam a sua própria visão sobre as
sociedades que pesquisaram. Ambos estavam interessados em um modo
particular de visão e em construir esta visão do mundo. Uma representa-
ção única do mundo, fixa em termos de tempo e espaço e com certa
„aura‟. Na visão de Grimshaw (2001), Argonautas e Nanook têm esta aura
dos trabalhos de arte e constituem experiências únicas. Tanto o trabalho
de campo quanto a imagem em movimento foram utilizados para ela-
borar um retrato desta sociedade. Malinowski procura retratar o ponto
de vista do nativo, e o filme de Flaherty procura exatamente a visão de
Nanook.
Com a maior divulgação das técnicas de reprodução da imagem,
fotos de povos exóticos e distantes passam a ser cada vez mais fre-
quentes na literatura de viagens, nos documentários e no fotojornalismo.
É exatamente este uso da fotografia que parece comprometer a utilização
de registros visuais e sonoros pela Antropologia. Para os propósitos da
Antropologia, os quais começam a se delinear com os autores funciona-
listas, notadamente Radcliffe-Brown, a fotografia parecia redundante e
estava essencialmente em oposição às intenções mais objetivas das
monografias (Poignant 1992:65). As imagens dessa época, que compõem
o acervo do Royal Anthropological Institute (RAI), parecem constituir curio-
sidades, colecionadas por viajantes, missionários, agentes governamen-
tais. Exatamente aquela categoria de pessoas cujos dados estavam sendo
contestados pelos antropólogos funcionalistas. O exotismo era total.
Rouch (1995:84) aponta que é nessa época que Johnny Weismuller
começa a fazer enorme sucesso nos filmes em que interpreta Tarzan.
15
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

Outro paralelo entre Antropologia e cinema apontado por Grim-


shaw (2001) refere-se às obras de Vertov e Radcliffe-Brown. Ambos
estavam preocupados em descobrir mundos ocultos, por trás da super-
fície aparente da realidade. Descartam o ponto de vista subjetivo e indi-
vidual e tratam as pessoas como expressões de papéis sociais, e não
como indivíduos, com todas as suas idiossincrasias, como o fizeram
Malinowski e Flaherty. Radcliffe-Brown abandona por completo a má-
quina fotográfica, equipamento cujas imagens evidenciavam indivíduos
na sua individualidade mais concreta. Para Vertov, o olho da câmera
(kino-eye) decodificava o mundo visível, e a filmagem deveria levar a
plateia a novas visões do mundo, só possíveis com a câmera de filmar.
Preocupado em fazer da Antropologia uma disciplina científica, dotada
de legitimidade, e influenciado pela obra de Durkheim, Radcliffe-Brown
tenta desvendar as leis sociais subjacentes à organização social imediata-
mente apreensível pelo pesquisador.
O início do século XX é uma época de grandes turbulências e
transformações. Um mundo em crise e em constante processo de
mudança. Grimshaw, com base em Paul Klee, dizia que quanto mais o
mundo se torna aterrorizador, mais a arte se torna abstrata (Klee 1915
apud Grimshaw 2001:32). As ciências e as artes procuram criar um
sentido de ordem, equilíbrio e movimento num mundo em mudança. A
fotografia parece não ter espaço nas monografias que a Antropologia
produz nesta época.
Apesar da disponibilidade da tecnologia do cinema desde o
começo do século, a Antropologia só irá contribuir para o filme etno-
gráfico, de forma sistemática, na década de 50. Nesta época, o filme
etnográfico torna-se parte do campo científico, cuja área será composta
por especialistas reconhecidos e por um corpo crítico. Nos anos 40 e 50,
Mead e Bateson sistematizam o uso da imagem como instrumento
etnográfico, utilizando a câmera pela necessidade própria da pesquisa
antropológica. Estes trabalhos são marcados por uma preocupação em
comparar e explicar a diversidade cultural, como nos filmes First Days in
the life of a New Guinea Baby (1951), Trance and Dance in Bali (1951),
Childhood Rivalry in Bali and New Guinea (1951) e Four Families (1960).
De todos os antropólogos que se utilizaram da Antropologia
Visual, é certamente Margaret Mead a mais citada e talvez conhecida. É
sua a introdução à clássica coletânea, publicada pela primeira vez em

16
Entre a harmonia e a tensão

1974, por Paul Hockings. O artigo de Mead, que abre o livro Visual
Anthropology in a Discipline of Words, é um alerta e um apelo para que os
antropólogos utilizem meios mais precisos para o registro audiovisual.
Mead estava extremamente preocupada com uma Antropologia salvacio-
nista, que não fosse cúmplice dos desatinos que levavam culturas inteiras
à extinção. Preservar hábitos e costumes foi, aliás, o mote da Antropo-
logia norte-americana da primeira metade do século XX. Ela se per-
guntava: por que tanta resistência em utilizar tais métodos?
A reconstrução cultural, foco de muitos dos trabalhos da época,
fazia com que os antropólogos se utilizassem apenas de palavras, já que
os informantes contavam apenas com palavras para referirem-se a uma
dança que já não mais existia, um ritual já não mais praticado, uma
caçada sem búfalos. Mead reconhecia que o antropólogo deveria ter
competência técnica para filmar e fotografar. Bateson, que a acompa-
nhou em suas pesquisas em Bali era, aliás, excelente fotógrafo. Outro
grande problema para incorporação das novas técnicas de registro era o
alto custo dos equipamentos.
Na visão de Mead, etnógrafo e câmera devem ser uma única
pessoa. Questões éticas devem ser estritamente observadas, e o filme não
deve ser exibido em locais em que cause constrangimento para as pés-
soas filmadas.
A Segunda Guerra Mundial levou muitos antropólogos norte-ame-
ricanos, como Margaret Mead, Rhoda Métraux, Ruth Benedict e Gregory
Bateson, a utilizarem filmes para a análise de padrões culturais que não
poderiam ser observados in loco, principalmente filmes e culturas da Ale-
manha e do Japão. Também nesta época, os sociólogos começam a pen-
sar o cinema como um sistema de produção de imagens, ideias e ideo-
logias (Weakland 1995).
Tal como a literatura e o folclore, o cinema permitiria a projeção
de imagens do comportamento humano que, se devidamente analisadas,
levariam a avaliar e prever, naquele contexto da guerra, a reação coletiva
e individual de sociedades que se enfrentavam. Eram, por isto mesmo,
análises que se centravam no conteúdo temático dos filmes, a partir de
uma metodologia que não se diferenciava muito daquela que os antropó-
logos utilizavam para a análise do significado de mitos, rituais e cerimô-
nias em sociedades de pequena escala, com as quais já vinham traba-
lhando há algum tempo. Neste sentido, a análise tinha como objetivo
17
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

buscar, através dos filmes, elementos que permitissem um melhor enten-


dimento da cultura em questão, e não o inverso.
Até aquela época, não se tinha ainda muita clareza quanto à Possi-
bilidade dos filmes moldarem o comportamento ou induzirem à ação,
parecendo apenas óbvio que eles refletiam padrões culturais e, neste
sentido, forneciam os dados necessários às análises propostas, por mais
que os filmes de Eisenstein, já naquela época, levassem para as telas suas
preocupações educativas e ideológicas. É apenas após a Segunda Guerra
que esta questão se evidencia. A sofisticação tecnológica - que levou aos
filmes sonoros e coloridos - o contexto da Guerra Fria, a confortável
situação econômica em que se encontravam os Estados Unidos após a
guerra, a necessidade de competir com os aparelhos televisores que
começaram a invadir os lares americanos e que levaram à adoção da
projeção em telas gigantescas, transformando o filme em grande espe-
táculo, acabaram por difundir pelo mundo afora o American Way of Life,
sendo o cinema o meio que melhor cumpriria esta função.
Filmes documentários frequentemente trazem implícito um mo-
delo de sociedade. Os chamados filmes de ficção feature films (feature, em
inglês, significa também: caracterizar, retratar, delinear) são, por outro
lado, documentários preciosos sobre nosso imaginário, sobre nossos
valores e aspirações. Enquanto antropólogos e cientistas sociais, inter-
essam-nos o cinema como campo de expressão imagética de valores,
categorias e contradições de nossa realidade social. O cinema que re-
constrói o real, seja através do documentário, seja através da ficção. Que
reconstrói de modo admirável que causa admiração categorias como
tempo e espaço, que articulam planos e sequências, produzindo signifi-
cados que advêm exatamente desta montagem ou, num outro estilo, da
própria ausência de montagem. Imagens que nos penetram em várias
dimensões e que alteram o nosso modo de ser e perceber a realidade em
que nos encontramos.
Como antropólogos, debruçamo-nos sobre mitos, máscaras e ri-
tuais, procurando, através de uma análise minuciosa, elementos que nos
permitam uma melhor compreensão da organização social de uma deter-
minada sociedade, os valores que orientam padrões de comportamento,
as categorias básicas de um pensamento tipicamente humano. Não per-
cebemos quanto imagens fílmicas e fotográficas nos revelam, tal como

18
Entre a harmonia e a tensão

estes aspectos da organização social e outros elementos da cultura mate-


rial, dados fundamentais sobre nossa própria sociedade e sobre nosso
modo de pensar. Mas, raramente nos debruçamos sobre o cinema ou
sobre as fotografias. Tal como estas outras temáticas a que os antropó-
logos tradicionalmente se dedicaram, também o cinema, enquanto arte-
fato, produto cultural, é uma via de acesso privilegiada para os objetivos
a que as Ciências Sociais se propõem. Tal como mitos, rituais, vivências e
experiências, as imagens fílmicas condensam sentido, dramatizam situa-
ções do cotidiano, representam reapresentam a vida social. Os aspec-
tos recorrentes e inconscientes do agir social estão igualmente presentes
nas imagens fílmicas e fotográficas, cabendo ao pesquisador investigar as
relações que se constroem e os significados que as constituem.
Se até hoje cientistas sociais resistem a uma maior aproximação
com a imagem, é, muito provavelmente, por associarem a imagem a
signos naturais, ao passo que as palavras são tidas, nesta perspectiva,
como signos convencionais. Aquilo que nos distingue enquanto seres
humanos é nossa capacidade de comunicação através da linguagem, ao
passo que a percepção da imagem, embora também ela linguagem, é algo
que supomos compartilhar com outros animais. Esta perspectiva ignora
o fato de que olhar não é apenas um fenômeno fisiológico, assim como
imagens fílmicas ou fotográficas não são apenas cópias do mundo
visível. Olhar e produzir imagens implica operações mentais complexas,
ligadas a nossa vida psíquica e cultural. Percebemos, sobretudo, aquilo
que conhecemos do mundo, exatamente aquilo que a linguagem procura
estruturar e ordenar. Concebemos o mundo, o espaço, o tempo, a pés-
soa, a própria noção de imagem, através de valores que guiam o nosso
olhar, nossa percepção e nossa representação, que não são, portanto,
atividades universais ou naturais.
A história da Antropologia Visual demonstra que o difícil para os
antropólogos não foi desenvolver um interesse pelo visual, que eles
sempre tiveram, e sim saber o que fazer com ele, como bem coloca
MacDougall (1997). O visual está também relacionado à pessoa. O que
fazer com o indivíduo, a pessoa, este não é o lugar da Antropologia?
Passar de uma Antropologia de gabinete para uma Antropologia envol-
vida com o trabalho de campo e focando o estudo do comportamento e
de comunidades, fotografias das pessoas, filmes em que estes indivíduos
apareciam, isso parecia resolver o problema. Fotos, filmes e peças/
19
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

artefatos de museus começaram a substituir o indivíduo. Foi como


metáfora do indivíduo que o visual floresceu (MacDougall 1997:277). O
visual estava no lugar de uma humanidade ausente, assim como a arqui-
tetura das igrejas procurava tornar mais tangível a invisibilidade de Deus.
Fotos e artefatos mostravam simbolicamente a proximidade entre esses
povos e a natureza.
No contexto colonial, o visual era fundamental para organizar as
sociedades em tipos muito específicos, criando modelos de humanidade
a serem classificados e comparados. A Antropologia inspirou-se na zoo-
logia, botânica e geologia, disciplinas científicas que se utilizavam
extensamente de ilustrações para descrever o mundo visualmente.
O registro visual deveria salvar, preservar o evento, como o queria
Mead, numa visão absolutamente reificada. A interpretação poderia vir
depois, o fundamental era preservar o fato. Mas esta pode ter sido igual-
mente uma das razões para o declínio do uso de fotos nas monografias.
A Antropologia deixa de se interessar tanto pelos detalhes que caracte-
rizaram a fase evolucionista, para se deter mais numa descrição holística
das culturas. O foco agora já não é a cultura material, a arte, os rituais,
aspectos para os quais a câmera efetivamente contribuía. A ênfase agora
passa a ser na organização social, no método genealógico, na tradição
oral, onde o velho caderno de campo parece bastar.
Os filmes baseados em uma etnografia ficcionada contribuem para
o questionamento da objetividade científica e realista do filme docu-
mentário. O aspecto mágico do cinema e a fragmentação visual própria
de sua linguagem indicam que o processo de registro da realidade implica
um recorte e uma construção. Desta forma, o cinema perde seu aspecto
ingênuo, enquanto um meio que apresenta o mundo exterior, e passa a
ser percebido como uma representação que articula o real e o imaginário.
A questão fundamental não se concentra unicamente na realidade Regis-
trada, mas no discurso construído sobre uma realidade. Esta temática,
que a Antropologia chamada pós-moderna irá discutir a partir dos anos
80, é uma questão que começa a se colocar para aqueles que trabalham
com a imagem a partir dos anos 60 do século XX, com os trabalhos de
Jean Rouch na África.
Anna Grimshaw (2001) vê o projeto de Rouch como altamente
idiossincrático e intuitivo, onde a visão é o mais nobre dos sentidos (ela
compara os filmes de Rouch àqueles de David e Judith MacDougall,

20
Entre a harmonia e a tensão

mais „cerebrais‟, baseados na conversa entre o cineasta e seus infor-


mantes). Os filmes de Jean Rouch – Lês Maîtres Fous, Moi um Noir, Jaguar,
Chronique d’um Été, centrados em temas como a imigração, as cidades, a
modernidade que se anuncia, destroem as fronteiras entre o self e o
mundo, entre corpo e mente, entre o olho da mente e o olho que
inspeciona. Trata-se de um cinema antropológico que envolve momen-
tos de revelação, que se utiliza do transe e da possessão de culturas
africanas para expandir o humanismo desta disciplina. O cineasta
antropólogo não é mais ele mesmo:

Ele é um olho mecânico acompanhado por um ouvido eletrônico.


É este estado bizarro de transformações no cineasta que chamei
de cine-transe, por analogia aos fenômenos de possessão (Rouch
1995:90).

É com Rouch que se estabelece uma nova síntese entre Antropo-


logia e cinema e, para Grimshaw (2001:92), isto se deve ao momento
político de independência das colônias da África Ocidental. Um mo-
mento de transição, e hoje, 40 anos após esses filmes, pode-se melhor
apreciá-los, como uma expressão poderosa de uma humanidade uni-
versal, que estava incorporada na revolução dos povos coloniais.
Não quero me deter na reação que as primeiras exibições de Lês
Maîtres Fous provocaram entre intelectuais, africanos e franceses, já apon-
tada por alguns autores (Henley 2006; Menezes 2007, entre outros) e
que, a meu ver, detêm-se a uma reação da época, deixando de lado o que
o filme apresenta de mais interessante (como se a melhor apreciação da
obra de Van Gogh fosse a que se detém nas reações que seus quadros
provocaram nas primeiras exposições). O mais interessante é, a meu ver,
analisar a aproximação deste filme, em particular, e da obra de Rouch,
em geral, em relação àquilo que nos anos 80 passa a se constituir como a
crítica pós-moderna.
Lês Maîtres Fous foi rodado em plena luta pela emancipação
africana, mas seu filme expressa uma rejeição da retórica política da
época, sendo, por outro lado, uma crítica poderosa à autoridade colonial.
Independência e progresso, modernidade e racionalidade são equações
simplistas, rejeitadas por Rouch (daí também a reação dos intelectuais
africanos). A sequência da possessão, que é, de todas, a que mais causa

21
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

repulsa na plateia, inverte e satiriza a hierarquia política e deveria ser vista


como símbolo da irracionalidade fundamental de todas as estruturas
governamentais, sejam elas coloniais ou pós-coloniais (Grimshaw 2001:
97).
A etnografia de Rouch jamais deixa de lado o conflito a ela ine-
rente. Tal como a “etnografia verdade” de Griaule, mestre e orientador
de Rouch, o cinema verdade, perseguido por Jean Rouch, expressa a
total rejeição do registro de uma realidade objetiva. Muito pelo contrário,
as realidades etnográficas são produzidas no e através do próprio en-
contro etnográfico. A antropologia de Rouch revela-se por sua prática
cinematográfica e dela não se separa. Sua „antropologia compartilhada‟ é
essencialmente visual, seu filme etnográfico, como mostra Sztutman
(2004), alia a arte da exposição cinematográfica ao rigor da enquete
científica.
Os filmes de Rouch transitam entre a etnografia e a ficção, sub-
vertendo a divisão convencional entre descrição e imaginação e, neste
sentido, fundindo o realismo dos Lumière à fantasia de Méliès. São
filmes feitos com enorme prazer, até mesmo amor, como afirma Grim-
shaw (2001:119). Seus filmes são recheados de diálogo com os africanos
que ele filma, diálogos que aparecem nos filmes, e que são inseridos na
fase de edição (estratégia criativa de Rouch, que na época ainda não con-
tava com som sincronizado); esta abertura ao diálogo, que tanto será
enfatizada pelos pós-modernos, não abre mão da autoria. Rouch não
buscava a verdade ou o conhecimento; sua câmera era o agente trans-
formador. Através dela, Rouch escapava das limitações da linguagem e
procurava chegar àquilo que é transcendente, desconhecido, indizível.
Mas, ao contrário dos pós-modernos, que, nas palavras de Renato Sztut-
man, colocam-nos frente a uma impotência teórica que logo nos leva a
uma paralisia prática, Rouch jamais abdica do fazer antropológico. E este
seu fazer é possível graças ao cinema.
A Antropologia Visual goza hoje de um maior reconhecimento no
Brasil e no mundo. Há um número maior de antropólogos dedicados a
essa área, e vêm gradativamente crescendo os núcleos e laboratórios
dedicados à produção de audiovisuais numa perspectiva antropológica,
nas universidades brasileiras. A aproximação entre a Antropologia, a
fotografia e o cinema tende a crescer e deve mesmo ser aprofundada.
Não por que estas tecnologias nos permitiriam registrar e salvar culturas

22
Entre a harmonia e a tensão

em extinção, como queria Margaret Mead em meados dos anos 70, mas
porque fotografia e cinema nos ajudam a pensar e a fazer Antropologia.

Bibliografia
DE BRIGARD, Emilie. 1995. The History of Ethnographic Film. In
HOCKINGS, Paul (ed.): Principles of Visual Anthropology, pp. 13-43. 2a ed.
New York: Mouton de Gruyter.
FLAHERTY, Robert. 1967. How I filmed Nanook of the North. In
GEDULD, Harry (Ed.): Film Makers on Film Making. Pelican Book.
Indiana: Indiana University Press.
GOULD, Stephen Jay. 2003. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins
Fontes.
GRIMSHAW, Anna. 2001. The ethnographer’s eye: ways of seeing in modern
Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.
HOCKINGS, Paul (ed.). 1995. Principles of Visual Anthropology. Berlim e Nova
York: Mouton de Gruyter.
MACDOUGALL, David. 1997. The Visual in Anthropology. In BANKS;
MORPHY (eds.) Rethinking Visual Anthropology. New Haven: Yale
University Press.
MALINOWSKI, Bronislaw. 1922. Argonauts of the Western Pacific: an account of
native enterprise and adventure in the archipelagoes of Melanesian New Guinea.
Londres: Routledge; Kegan Paul.
MEAD, Margaret. 1995. Visual Anthropology in a Discipline of Words. In
HOCKINGS, Paul (ed.): Principles of Visual Anthropology, pp. 3-10. 2a ed.
New York: Mouton de Gruyter.
MENDONÇA, João Martinho de. 2005. Repensando a visualidade no campo da
Antropologia: reflexões e usos da imagem na obra de Margaret Mead. Tese de
Doutorado. Campinas: UNICAMP.
MENEZES, Paulo. 2007. Les Maîtres Fous de Jean Rouch: a questão
epistemológica da relação entre cinema documental e produção do
conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 63:81-91.

23
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

PINNEY, Christopher. 1992. The Parallel Histories of Anthropology and


Photography. In EDWARDS, Elizabeth (ed.): Anthropology and
Photography, 1860-1920, pp. 74-95. New Haven & London: Yale
University Press.
POIGNANT, Roslyn. 1992. Surveying the field of view: the making of the RAI
photographic collection. In EDWARDS, Elizabeth (ed.): Anthropology and
Photography, 1860-1920, pp. 42-73.New Haven & London: Yale University
Press.
ROUCH, Jean. 1995. The Camera and Man. In HOCKINGS, Paul (ed.):
Principles of Visual Anthropology, pp. 79-98. 2a ed. New York: Mouton de
Gruyter.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. 2004. O espetáculo das raças: cientistas instituições e
questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras.
SPENCER, Frank. 1992. Some notes on the attempt to anthropometry during
the second half of the nineteenth century. In EDWARDS, Elizabeth
(ed.): Anthropology and Photography, 1860-1920, pp. 99-107. New Haven &
London: Yale University Press.
SZTUTMAN, Renato. 2004. Jean Rouch, um Antropólogo-cineasta. In
CAIUBY NOVAES, S. et alli (orgs.): Escrituras da Imagem, pp. 49-62. São
Paulo: EDUSP.
WEAKLAND, John H. 1995. Feature Films as Cultural Documents. In
HOCKINGS, Paul (ed.): Principles of Visual Anthropology, 2a ed, pp. 45-67.
New York: Mouton de Gruyter.

Filmografia
BATESON, Gregory; MEAD, Margaret. 1952. First Days in the life of a New
Guinea Baby. 19 min.
______. 1954. Childhood Rivalry in Bali and New Guinea. Bali, Nova
Guiné/Estados Unidos. 20 min.
BATESON, Gregory; MEAD, Margaret; BELLO, Jane. 1952. Trance and Dance
in Bali. Bali/Estados Unidos. 20 min.
CURTIS, Edward. 1914. In the land of the war canoes. 47 min.
FLAHERTY, Robert. 1934. Man of Aran. Inglaterra. 76 min.

24
Entre a harmonia e a tensão

FLAHERTY, Frances; FLAHERTY, Robert. 1922. Nanook of the North.


Estados Unidos/França. 79 min.
______. 1948. Louisiana Story. Estados Unidos. 78 min.
MACNEILL, Ian; GLOVER, Guy; MEAD, Margaret. 1960. Four Families. 60
min.
ROUCH, Jean. Lês Maîtres Fous. Ghana, (Costa do Marfim)/França. 35 min.,
1957.
______. Moi um Noir. Costa do Marfim/França. 70 min., 1958.
______. Jaguar. Ghana/França, 110 min., 1971.
ROUCH, Jean; MORIN, Edgar. 1960. Chronique d’um Été. França. 90 min.

Recebido em março de 2008


Aprovado para publicação em outubro de 2008

25
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 13, vol. 20(1+2), 2009

26
Paul Henley:
o antropólogo-cineasta que faz cineastas1

Clarice Ehlers Peixoto & Sylvia Caiuby Novaes

Propomos discutir dois assuntos diferentes. Um, é o seu traba-


lho no Granada Centre, e o outro, a sua carreira como antro-
pólogo e cineasta. Vamos começar pelos alunos do Granada
Centre: quem são eles e o que estão procurando?

Um dos requisitos essenciais é que eles possuam uma formação em an-


tropologia. Às vezes, é complicado estabelecer isso quando lidamos com
países como a China, por exemplo, onde o que chamam de “antropolo-
gia” é muito diferente do que nós consideramos antropologia. No Bra-
sil, é facilmente traduzível, mas em outros países da América Latina,
por exemplo, pode não ser exatamente o caso. Mas, essencialmente, não
é um requisito absoluto, na medida em que fazemos concessões para
pessoas que vêm de outras tradições antropológicas. Na Itália, por exem-
plo, não há uma tradição forte de antropologia social e cultural. Apesar
disso, gostamos de pensar que há dois caminhos, ao menos dois cami-
nhos principais que vão além do Granada Centre. Um, são as pessoas
que continuam na vida acadêmica e usam a produção cinematográfica
como parte de sua pesquisa na antropologia e disciplinas relacionadas.
O outro é essencialmente a indústria televisiva, a produção de docu-
mentários como atividade profissional, um campo dominado pela tele-
visão. O que muitas vezes ocorre é que as pessoas podem vir com um
sincero desejo de se tornarem antropólogos profissionais, usando a fil-

019_RA_Entrevist.pmd 765 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

magem no contexto antropológico profissional, e ficam seduzidas pela


possibilidade de trabalhar em um ambiente mais comercial.
Em 2003, analisei os dados estatísticos e constatei que mais da meta-
de dos estudantes do Granada foram trabalhar na televisão. Isso é parti-
cularmente verdade no caso dos estudantes do Reino Unido porque
aqui, fora da televisão, quase não há patrocínio para a produção cine-
matográfica, enquanto em alguns países, por exemplo, existem outros
patrocinadores de cinematografia etnográfica. É possível, claro, fazer fil-
mes no contexto do ambiente acadêmico, mas como vocês e eu sabe-
mos, até isso tem seus problemas. Então, muitas pessoas tendem a ir
para a produção cinematográfica fora da academia.
O que tipicamente acontece é que, trabalhando como cineasta pro-
fissional, e com a casualidade da indústria nos últimos dez a quinze anos,
eles podem viver muito bem até seus vinte, trinta anos. Isto porque eles
podem viajar o mundo, fazer todo o tipo de coisa, enfim, viver uma
vida muito incerta: ganhar muito dinheiro em um ano, e nenhum no
seguinte. Mas quando chegam aos trinta anos, percebem que não que-
rem continuar nesse grau de incerteza, particularmente se têm filhos e
responsabilidades domésticas. Em geral, deixam a indústria televisiva,
alguns retornam à vida acadêmica e passam a ser professores, outros fa-
zem uma grande variedade de coisas. Um fator importante é que cerca
de 40% de nossos alunos, são de fora do Reino Unido. E, freqüente-
mente, eles retornam aos seus países de origem e desenvolvem carreiras
por lá.

E como os estudantes são selecionados? Como vocês os escolhem?

Eles precisam se candidatar formalmente, exigimos que tenham boas


notas na graduação. Deixe-me explicar de outra forma: há sempre uma

- 766 -

019_RA_Entrevist.pmd 766 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

grande demanda e há recursos. Mas, é um processo bastante difícil dis-


tinguir um estudante de outro, principalmente, quando são estudantes
estrangeiros. Não podemos avaliá-los com a mesma confiança que te-
mos nos programas e universidades conhecidas.
Apesar disso, gosto de pensar que temos uma mistura internacional
muito interessante, então até certo ponto é válido arriscar algo novo,
alguém da Indonésia, da China, onde pode não haver um programa que
identifiquemos como sendo classicamente antropológico, do tipo anglo-
americano. Então, o primeiro requisito não é absoluto. Mas, quando
existe formação em algo que reconhecemos antropologia já é uma grande
vantagem. Em segundo lugar, solicitamos aos estudantes que escrevam
uma declaração dos motivos pelos quais eles querem entrar no programa.
Não exigimos que as pessoas tenham uma experiência prévia em produ-
ção cinematográfica, mas pedimos que nos convençam de que têm po-
tencialidades na cinematografia, e uma maneira de fazer isso é mostrando
filmes que já realizaram. Outra maneira é mostrar fotografias ou traba-
lhos artísticos. Aqueles que têm alguma experiência em produção cine-
matográfica, fazemos recomeçar desde o início porque temos um estilo
particular. Assim, mesmo pessoas que tenham um conhecimento bastan-
te sofisticado, podem ter alguma dificuldade no início. Então, temos
confiança que nossos alunos serão capazes de produzir filmes algum dia.

Você poderia descrever esse estilo?

O estilo é fundado e baseado no cinema observacional tradicional. Mas,


isso é muito difícil definir, não há fronteiras claras neste tipo de ativida-
de. Se olharmos o trabalho do nosso amigo David MacDougall, ao lon-
go dos último trinta anos, vemos que ele evoluiu. Então, não é uma
lista de dez mandamentos que precisamos observar. No entanto, este

- 767 -

019_RA_Entrevist.pmd 767 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

estilo é baseado nesses princípios, porque acredito que haja uma com-
patibilidade particular com a observação participante antropológica tra-
dicional; fazer com que os estudantes tenham um foco, encorajá-los a
abandonar as idéias pré-concebidas sobre a produção cinematográfica.
O que certa vez David MacDougall chamou de uma postura de humil-
dade no filme, na qual a história do sujeito é mais importante do que a
história do cineasta. O cineasta tem que ter uma história antes de co-
meçar. Mas, no processo de filmagem ele pode muito bem descobrir
outra história completamente diferente, e precisa estar aberto a esse tipo
de possibilidade. Então, esse é um tipo de princípio. Um segundo é que
a produção cinematográfica tem que estar baseada na essência da obser-
vação participante, em um conhecimento amplo e, se possível, num
convívio com os sujeitos do filme. Obviamente, esse nível de convivên-
cia nem sempre é possível e varia de uma situação para outra. Uma ter-
ceira possibilidade é um tipo de postura estética e ética, ou seja, uma
atitude respeitosa e isenta de juízos de valor em relação à cultura do seu
sujeito. Isto é consoante com a antropologia tradicional, não julgar os
sujeitos e a razão do cinema observacional. Há que se resistir à tentação
de inserir músicas fora do contexto do filme, ou efeitos especiais, ou um
artifício estiloso de edição. É até possível que isso seja apropriado em
algumas situações.
Acredita-se, erroneamente, que o cinema observacional esteja, de al-
guma forma, fingindo ser objetivo; talvez fosse verdade no início, anos
1960, e misturado com as idéias positivistas. Mas, na verdade, os teóri-
cos mais sofisticados, ou defensores do cinema observacional, não pre-
tendiam impor essa aparelhagem estética e descontextualizada visando
a objetividade; estavam interessados realmente nos ritmos, nos valores
culturais manifestados pelos sujeitos, e não em “vou provocar alguma
emoção, colocar uma ópera italiana”. Então, esses são os três tipos de
princípio em que acredito.

- 768 -

019_RA_Entrevist.pmd 768 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

Mas acho que, antes disso, preciso escrever esses dez mandamentos
do cinema observacional e explorar os três princípios da observação para,
em seguida, introduzir a produção e só depois pensar na pós-produção.
Mas o último mandamento reza, justamente, que esses dez mandamen-
tos devem ser estritamente observados, exceto quando se adverte para
fazer algo diferente. Pois há situações em que o cinema observacional
não é apropriado. De todo modo, penso no cinema observacional um
pouco como uma escola de vida.

Você diria que há mais diferenças entre o filme etnográfico


e os filmes de televisão? Como você classificaria as diferenças
entre eles?

Elas são enormes! Em termos de estilo, do objeto de pesquisa, de sua


prioridade ética – o sujeito ou a audiência. Isso é do lado dos cineastas,
considerando-se que há dinheiro em jogo. Mas há algumas similitudes,
que têm a ver com a história, a forma da narrativa, a arte da narrativa.
Um jornalista chamaria de uma “história” o que um acadêmico poderia
chamar de “narrativa”, mas falamos da mesma coisa: um certo tipo de
habilidade genérica que se aplica, do meu ponto de vista, à produção
cinematográfica, independentemente de ser ou não para a televisão. Mas
há coisas que pairam acima disso: os efeitos especiais e a música, que
podem ajudar o empreendimento antropológico.

Você disse que filmes para a televisão são mais focados na


audiência, e filmes etnográficos no sujeito. Mas, qual o papel
da audiência no filme etnográfico?

- 769 -

019_RA_Entrevist.pmd 769 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

Tanto na televisão quanto em filmes etnográficos é preciso um engaja-


mento, e além de pensar na audiência, que é um pouco difusa e não é a
mesma que lê um texto. Então, é preciso cativar a audiência, comunicar
o que se quer comunicar sem entediá-la ou trair o seu interesse pelo
Outro. Mas, quando me refiro à postura ética, penso no exemplo do
Paul Watson. Certa ocasião, ele falou para nossos alunos: “Imaginem se
vocês estivessem, como eu me encontrei em uma ocasião, no auge da
guerra civil na antiga Iugoslávia. Eu filmava de uma posição que podia
avistar Sarajevo de cima, onde os sérvios estavam atirando. Em determi-
nado momento, o bombardeio parou e vimos uma mulher e duas crian-
ças lutando para chegar no morro onde estávamos.” Ele perguntou aos
alunos: “O que vocês teriam feito nessa situação? Vocês teriam – consi-
derando que fossem muito corajosos – abandonado o equipamento e
corrido para ajudar a mulher? Ou teriam se certificado que o white ba-
lance e o foco estavam corretos, caso os sérvios começassem a bombar-
dear novamente?” Todos os estudantes de antropologia, e eu também,
responderam que teriam corrido para ajudar a mulher e deixado o equi-
pamento para trás. Ele disse: “Não, vocês estão completamente errados,
se querem fazer boas ações, alistem-se na Cruz Vermelha. O trabalho de
vocês é dizer ao mundo que essas atrocidades estão acontecendo.” Feliz-
mente, os antropólogos raramente se deparam com uma situação de vida
ou morte.
Em termos de antropologia contemporânea não estamos mais con-
tando ou mostrando o mundo como ele é, mas estamos envolvidos,
muito comprometidos com os sujeitos. E precisamos reconhecer este
fato como uma postura ética muito distinta, esse senso de proteger nos-
sos sujeitos de possíveis abusos enquanto o jornalista está preocupado
com a audiência, com a verdade completa, nada mais que a verdade.
Enquanto todas as declarações éticas dos antropólogos sempre iniciam
pela proposta ética de interesse do sujeito, isto é primordial. A meu ver,

- 770 -

019_RA_Entrevist.pmd 770 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

há certa ambigüidade a respeito disso, porque se o único propósito dos


filmes etnográficos fosse representar o interesse do sujeito, então deve-
ria tornar-se uma forma de campanha política pró-ativa em nome do
sujeito. A produção cinematográfica iria se tornar um tipo de atividade
diferente, com um tipo diferente de agenda no lugar da agenda acadê-
mica. Há pontos em que há um conflito de interesses.

Mas, não é só na produção cinematográfica. Até os antropólo-


gos agem da mesma forma, os que só escrevem textos e não
fazem filmes. Talvez seja parte da estratégia para o trabalho
de campo estabelecer relacionamentos, estar comprometido
com seu sujeito.

Claro, e há outras diferenças entre a atividade jornalística e a atividade


acadêmica. Um jornalista que talvez tenha ido a Sarajevo por uma se-
mana e foi embora depois, ou talvez até depois de algumas semanas, e
escreve sobre o que viu nas semanas em que esteve lá. Mas, a nossa rela-
ção com nossos sujeitos se estende ao longo de anos, ou mesmo déca-
das. É um tipo diferente de participação. Há, contudo, momentos de
autocensura em decorrência do interesse de nosso sujeito e que, de al-
guma forma, está em conflito com outros valores da vida acadêmica, ou
podem estar.

Jean Rouch, Colin Young, David MacDougall, todos eles


criaram escolas. Você acha que o mesmo aconteceu com o
Granada Centre?

- 771 -

019_RA_Entrevist.pmd 771 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

Eu diria que não, acredito que existe um estilo próprio reconhecível,


um estilo derivativo. É basicamente uma incorporação do observacional
formulado por Colin Young e David MacDougall, mas que foi fertiliza-
do pelas idéias rouchianas, sem seguir exatamente o mesmo caminho
que ele. Não diria que desenvolvi uma nova teoria, nova abordagem;
acredito que procurei me aproximar de várias outras inspirações para
desenvolver esse estilo próprio. Mas, essencialmente, o princípio peda-
gógico dos cursos que concebi – e meus colegas talvez tenham idéias
diferentes acerca disso – tem a ver com Max Gluckman, o maior perso-
nagem ancestral do departamento de Manchester. Certa vez, ao escre-
ver a introdução de um famoso livro de Elizabeth Bott, ele citou um
provérbio chinês sobre a aprendizagem. Talvez não seja chinês, mas não
importa, achei interessante: existem três estágios na educação. No pri-
meiro estágio, você dá aos alunos a Verdade. No segundo, você lhes dá a
Dúvida para que, no terceiro estágio, eles consigam atingir a Sabedoria
por conta própria. Traduzindo isso para o nosso curso principal: no pri-
meiro semestre, digo a eles que há somente uma forma legítima de fazer
filme na escola: cinema observacional, quer dizer, sem música e sem
entrevistas, seguindo todas as normas do cinema observacional. Na se-
gunda fase, digo: “Bem, na verdade, há muitas outras formas de fazer
filmes. E aqui está um exemplo.” E começo logo com Shoah, de Claude
Lanzmann. São nove horas de entrevistas para que reflitam em quê ele é
superior ou diferente do cinema observacional. Claro que são fatos da-
tados e passados, mas não é passado, é um filme sobre memória, sobre
criar um monumento ao holocausto através de memórias. Aí, um teste-
munho é muito mais importante do que a simples observação.
No segundo semestre, assistem filmes do professor visitante Leslie
Woodhead, um grande documentarista que faz filmes para televisão,
distante das normas do cinema observacional; filmes feitos pelos
Kayapós. Vemos uma grande variedade de filmes feitos por pessoas com

- 772 -

019_RA_Entrevist.pmd 772 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

diferentes objetivos, ou diferentes princípios, para chegar a um ponto


extremamente básico: não há o que se possa chamar de um filme bom
ou ruim, em um sentido absoluto. Há somente um bom filme se levar-
mos em conta o orçamento, o tempo, os objetivos, a audiência que se
tem em mente. E você tem que adaptar seu próprio estilo a essas coisas.
Depois desse estágio de dúvidas, os alunos podem se apropriar disso e
juntar com a disciplina fundamental do cinema observacional: como
contar uma história, como observar, como participar etc. Eles podem
talvez inserir uma música, e todas essas coisas que antes eram proibidas,
contanto que entendam que esta é uma escolha particular profissional-
mente distinta. Eles, então, são encorajados a juntar essas coisas no ter-
ceiro estágio, que consiste em seus projetos de graduação.

O Granada Centre está agora comemorando seu vigésimo


aniversário (2007). Quais são as principais conquistas em
todos esses anos?

Acho que é uma pergunta fácil de ser respondida, porque quase duzen-
tas pessoas já fizeram o mestrado em antropologia visual e se dispersa-
ram ao redor do mundo. Gostaria de acreditar que a maioria delas con-
sidera ter tido uma experiência valiosa no Granada Centre, e que estão,
de diferentes maneiras, aplicando esse conhecimento nas suas carreiras.
O Granada Centre conquistou reconhecimento internacional como um
dos principais centros de pesquisa no mundo, pelo menos no mundo
ocidental. Meu desgosto é que talvez a cinematografia etnográfica ainda
permaneça como uma atividade marginal; acho que a antropologia vi-
sual se expandiu muito como uma disciplina analítica, há programas de
antropologia visual se espalhando por todo o mundo. E mesmo dentro
de minha própria instituição, preciso lembrar às pessoas qual o objetivo

- 773 -

019_RA_Entrevist.pmd 773 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

do Granada Centre, que é produzir filmes como um modo de se fazer


antropologia e não estudar filmes como uma espécie de expressão de
uma cultura, de manifestação de uma cultura. Acho que essa lição ainda
tem que ser enfatizada.
Outra conquista, embora seja modesta, é a longevidade. Muitos pro-
gramas em antropologia visual, dedicados à prática da cinematografia
etnográfica, floresceram por um tempo – nos anos 60, 70 e 80 havia
um número considerável –, depois entraram em declínio e desaparece-
ram. É muito difícil dirigir um programa desse tipo, e vocês também
têm no Brasil. É um trabalho que consome muito tempo; o resultado e
o reconhecimento que os filmes recebem não é tão instantâneo e tão
automático quanto escrever textos. Pode ser arrogante, mas gosto de
pensar que em 50 anos, na história do departamento de antropologia
de Manchester, as conquistas do Granada Centre na construção dessa
escola de especialização serão tão importantes quanto as contribuições
dos meus colegas mais teóricos.
Se você olhar para a história da antropologia, verá que há sempre
essa questão: o objetivo da teoria antropológica é algo em si mesmo, ou
serve para melhorar a qualidade das etnografias produzidas? A explora-
ção etnográfica serve aos propósitos da teoria, ou é a teoria que deveria
servir aos propósitos da investigação etnográfica, no sentido de que de-
veria haver obviamente algum tipo de sinergia, de dialética, em última
instância, qual o objetivo? Acho que o nosso papel é agir como testemu-
nhas de nosso momento histórico-cultural particular, e precisamos de
teoria para entender tudo isso. Através do processo comparativo da ex-
periência e das idéias de outras pessoas, podemos interpretar nossa expe-
riência etnográfica particular. Mas, no final, a teoria passará e o teste-
munho etnográfico irá permanecer.
Dessa forma, observando bem, esse é o objetivo final da antropolo-
gia. Por exemplo, Radcliffe-Brown é hoje quase uma figura cômica na

- 774 -

019_RA_Entrevist.pmd 774 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

história da antropologia: alvo de risadas, com idéias teóricas pretensiosas.


Apesar disso, há cinqüenta ou sessenta anos, ele era um titã, um gigan-
te; deu aulas na África do Sul, na Austrália, em todas as colônias do
Império Britânico, esteve nos Estados Unidos, na Escola de Chicago...

Ele esteve no Brasil.

É mesmo? Bem, toda a Escola de Antropologia de Chicago evoluiu ten-


do por base, de algum modo, as suas idéias. Hoje, ele pode ser criticado,
mas se você ler seu texto The Andaman Islanders, escrito em 1908-1909,
e publicado em 1922, verá que ainda tem grande validade etnográfica.
O capítulo sobre mitos e lendas é ainda um documento comovente, de
leitura extraordinária, que permite todos os tipos de comparação com
as mitologias da Amazônia, descritas por Claude Lévi-Strauss há mais
de meio século. Esse é o aspecto da antropologia que dura. É um tipo
diferente de testemunho, que um missionário ou um jornalista deixa-
riam passar porque não são informados por essa sensibilidade antropo-
lógica, essas idéias antropológicas. E, é nesse ponto que os filmes po-
dem contribuir. Eles não são, na verdade, um meio para a elaboração
teórica, mas uma forma de se fazer etnografia; eles podem estar infor-
mados por idéias teóricas e diretamente focados na razão principal pela
qual se escolhe um sujeito em particular, ou na razão pela qual se desen-
volve ou se decide adotar um estilo ou uma estratégia particular. Tudo
isso pode ter algum tipo de inspiração teórica. Eles não podem, por si
mesmos, realizar propostas teóricas. Em termos de reconhecimento aca-
dêmico, isso é visto como uma fraqueza, mas no longo prazo, é também
uma força.

- 775 -

019_RA_Entrevist.pmd 775 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

Então, qual é o futuro da antropologia visual? Jean Rouch


costumava dizer que a antropologia, no futuro, será visual ou
não existirá. O que você acha disso?

Esse era um dos comentários provocativos de Jean. Ele alegou que


Marcel Mauss havia dito isso antes dele e, supostamente, ele repetiu a
visão de Mauss. Mas não me preocupo muito sobre o futuro da antro-
pologia visual porque tenho a sensação de que, agora, estamos entre duas
coisas: de um lado, um passado glorioso com pessoas como Jean Rouch
e outros de sua geração como Robert Gardner, da era do 16mm e do
desenvolvimento do som sincronizado, e todas essas conquistas herói-
cas dos personagens fundadores. De outro lado uma espécie de futuro
utópico com novas tecnologias, gigabytes, petabytes, vastas memórias, o
uso de câmeras digitais e por aí vai. Quer dizer, todos os nossos proble-
mas serão resolvidos. Mas entre essa espécie de passado glorioso e esse
futuro utópico, há o espaço presente. E parece que sempre estamos ou
olhando para trás ou para frente, em vez de nos concentrarmos onde
estamos agora. Aí que está meu foco: o agora, para aproveitar toda essa
tecnologia fantástica. Não precisamos mais de muito dinheiro para fa-
zer filmes, não precisamos mais de um alto nível de habilidade técnica,
mas ainda precisamos de habilidades narrativas, habilidades estéticas, e
pensar mais sobre como ligar essa atividade fílmica ao papel do diálogo
antropológico. Não para desenvolver uma teoria, mas a partir do diálo-
go antropológico mais amplo, explorar idéias através de nossos filmes.
Então, eu não especulo muito sobre o futuro, estou preocupado em atra-
vessar essa ponte entre o passado e o futuro.

- 776 -

019_RA_Entrevist.pmd 776 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

Sobre você. Como foi sua trajetória da etnologia à antropolo-


gia visual; ou, como você se sente atuando nesses dois campos?

Foi através de uma série de experiências acidentais. Eu era um tipo bem


convencional, prefiro dizer clássico, um “amazonista”. Fiz doutorado em
Cambridge, e na pesquisa de campo de quase dois anos, em 1975-1976,
vivi em uma casa de madeira nas terras amazônicas da Venezuela. Escre-
vi uma etnografia e passei a ter um interesse particular pelos sistemas de
parentesco porque o grupo indígena em questão, os Panare, eram
poligâmicos com uma alta incidência de casamento entre primos cruza-
dos, casavam até com suas netas. Então, meus interesses eram muito
clássicos, não tinham nada a ver com o visual.
É verdade que, desde adolescente, tinha interesse pela fotografia, mas
nunca havia pensado em combinar isso com minha formação profissio-
nal. Já estava escrevendo a tese de doutorado quando conheci Chris
Curling, que era um produtor da BBC e estava interessado em fazer fil-
mes com antropólogos para a série Worlds Apart, produzida pela BBC
de Bristol. Era uma espécie de continuação da série Disappearing World
da Granada Television em Manchester. Ele me convidou, e a vários ou-
tros, para sermos pesquisadores desse programa depois que terminásse-
mos o doutorado. Naquela época, não quis porque ainda estava muito
comprometido com a idéia da antropologia amazônica. Continuei na
vida acadêmica e, alguns anos mais tarde, em 1981, quando fazia o se-
gundo campo com os Panare, como parte de pós-doutorado em antro-
pologia na Amazônia, Chris veio com um grupo técnico da BBC para
fazer um filme para a televisão sobre a relação dos Panare com os não-
índios da região. Até esse momento, eu tinha uma idéia muito ingênua
do que era um filme, nunca havia pensado realmente sobre a relação

- 777 -

019_RA_Entrevist.pmd 777 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

entre o material do filme e sua edição. Não sabia nada e achava que se
filmava por um determinado período, depois se jogava fora as cenas ru-
ins e o que sobrava era o filme. Não tinha noção de edição – e o grande
mérito do Chris foi que ele nos conduziu e nos incentivava a ir até a
edição. Foi, então, que vi essa coisa surgir, como os sentimentos vindos
das cinzas de nossa experiência. E foi isso que realmente me intrigou:
era um artefato, mas, ao mesmo tempo, correspondia à realidade. Isso
realmente me interessou. E, por pura sorte, depois disso, o Royal
Anthropological Institute montou um projeto para treinar alguns an-
tropólogos deste instituto na Escola Nacional de Filme e Televisão, na
cidade de Beaconsfield que fica 32 quilômetros a oeste de Londres. Era
1984 e tive a sorte de ter sido uma das duas primeiras pessoas escolhidas
para fazer o curso. Então, tive um treinamento profissional como
cameraman e diretor de 16mm em uma das melhores escolas da Europa!
E tínhamos um salário, recebíamos dinheiro para fazer o filme – um
documentário de longa-metragem. Esse era o projeto de Colin Young,
que já tinha tentado realizá-lo, de um modo um pouco diferente, na
Califórnia nos anos 1960. O Chris foi então escolhido para ser o dire-
tor da Escola Nacional da Inglaterra em 1970 (ele é escocês, embora
tenha começado sua carreira nos Estados Unidos) e, cerca de quinze anos
mais tarde, desenvolveu este novo projeto em conjunto com o Royal
Anthropological Institute. Então, era uma espécie de ideal que vinha
sendo trabalhado há muito tempo.
No primeiro ano, fiz um filme com indígenas mineradores na Vene-
zuela, que haviam migrado de volta para seu lugar; eles ainda estavam
vivendo na fronteira, onde havia uma corrida do ouro, e esse foi meu
primeiro documentário de longa-metragem. Achei isso tão legal, muito
mais viável do que tirar fotos, porque o problema com fotografias é que
você realmente se sente como uma espécie de ladrão quando tira fotos.
Mas, quando faz um filme há uma relação que necessariamente se esta-

- 778 -

019_RA_Entrevist.pmd 778 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

belece ao longo do tempo. Você tem que negociar. Na verdade, consi-


dero a filmagem muito menos constrangedora do que tirar fotografias.
Foi uma experiência fantástica e muito difícil ter que controlar toda
aquela tecnologia de 16mm na floresta tropical – tínhamos que andar
pela floresta durante horas com um equipamento muito pesado,
desmontá-lo e colocá-lo na minha mochila, e andar para ver onde eles
iam garimpar ouro, tirar tudo, remontar e filmar. Recolher o material,
garantir que não caísse nos buracos das minas, e havia muitos pela flo-
resta. Foi uma experiência muito desgastante, mas enriquecedora. No
ano seguinte, também pela escola de cinema, retornei à Venezuela. Mas,
desta vez, fiz dois filmes na costa caribenha. Foram, de fato, meus fil-
mes na graduação da escola de cinema. Tive muita sorte porque nesse
momento, 1987, David Turton e Leslie Woodhead, com o auxílio de
Marilyn Strathern, criaram o Granada Centre para antropologia visual
em Manchester.

Marilyn Strathern estava lá também?

Ela era a chefe do departamento. A idéia era do David e do Leslie, que


era uma figura líder na série Disappearing World, e o David era o antro-
pólogo consultor da série. No início, a idéia deles era ter somente um
curso teórico de antropologia visual e, nas férias de verão, os alunos po-
deriam usar as cenas descartadas das filmagens de Disappearing World
para fazer seus próprios filmes. A Marilyn apoiou essa idéia e apresen-
tou-a para o vice-chanceler de Manchester, que disse: “se vocês realmente
querem fazer, ter um impacto, é preciso que seja uma coisa em si mes-
ma, não apenas um curso”. Então, decidiram criar um centro e eu fui
indicado porque tinha terminado a escola de cinema. Foi uma sorte e
uma grande chance.

- 779 -

019_RA_Entrevist.pmd 779 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

De um lado, isso foi uma coisa muito feliz para mim, mas por outro
lado, durante muitos anos fiquei meio desapontado coordenando o
Granada Centre porque as minhas atividades de filmagem desaparece-
ram, ou diminuíram, porque quando os verões chegavam, eu estava
exausto. Eu não tinha tempo para conceber meus próprios projetos.
Então, desde que comecei no Granada Centre, fiz vários filmes nos quais
trabalhei como cameraman, freelancer, para a televisão do Reino Unido.
A melhor coisa disso é que não preciso pensar, alguém me diz: “você
gostaria de ir a uma prisão para viciados em heroína por uma semana?”,
e aceito.
Recentemente tive uma experiência muito interessante: rodei pelas
ruas de Londres filmando as reações do povo ao funeral da princesa
Diana. Fiz também dois filmes sobre a história do rio Tâmisa. A razão
pela qual faço isso é porque, como disse antes, mais da metade dos estu-
dantes vão trabalhar na televisão. Acho importante que eu tenha algum
conhecimento atualizado desse ambiente televisivo, além de ser uma
oportunidade para exercer minhas habilidades profissionais de filmagem.
Mas não são realmente filmes etnográficos. Não os reconheço como tal,
como David [MacDougall] faz, por exemplo.
MacDougall, há anos, não faz filmes somente por fazer, ele tem uma
espécie de objetivo que está elaborando progressivamente em cada um
dos sujeitos de seus filmes, com uma idéia particular de explorar um
estilo, uma concepção. E minhas circunstâncias simplesmente não per-
mitem que eu faça isso. Preocupei-me com isso durante muito tempo, e
me frustrava. Mas agora me consolo com a idéia – como David mesmo
disse a respeito de Colin Young – que ele não é um cineasta, é um pro-
dutor de cineastas, ele faz cineastas. E é isso que eu penso de mim, não
tanto como um cineasta, mas como um produtor de cineastas. Pois é
um investimento, é muita alma!

- 780 -

019_RA_Entrevist.pmd 780 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

Essa é minha contribuição, em vez de ser um cineasta propriamente


dito. Mas, se me considero um cineasta ou um etnólogo... a verdade é
que tentei manter um pouco da etnologia amazônica: ano sim, ano não,
dou uma palestra sobre etnologia amazônica. Mas não posso voltar ao
campo para fazer um trabalho de pesquisa original. E a não ser que se
continue a fazer isso, é preciso reconhecer que não se é mais um etnólogo
com um trabalho de campo particular. A última vez em que fiz trabalho
de campo, sobre os Warao, uma tribo ameríndia, foi com o filme The
Legacy of Antonio Lorenzano, sobre um músico e feiticeiro xamã, fiz com
meu colega venezuelano Dieter Heinen em 1997. Hoje em dia, não
posso mais me ausentar vários meses para fazer trabalho de campo.

Você ainda mantém vínculos de proximidade com a televisão?

Considerando que os fundos da Granada Centre Television estão dimi-


nuindo percentualmente... a bolsa atual é de apenas 2 mil libras por
ano. De qualquer forma, a Granada (Television) não faz mais filmes
antropológicos, não tem interesse profissional neste tipo de atividade.
Apesar disso, mantemos contato regular com as pessoas da Granada, elas
fazem seminários em nosso departamento, temos debates. Consideran-
do a aspiração de muitos dos nossos alunos para trabalhar na televisão,
acho importante manter esse canal de comunicação.
Então, a razão pela qual eu passei a me envolver com a televisão é
porque acredito que seja importante para nós, apesar de reconhecer que
as idéias são muito diferentes, mas sempre há coisas que podemos apren-
der com eles: novas lições, manter as habilidades atualizadas. Apesar de
acreditar que é importante a antropologia estar na televisão, esse é um
empreendimento completamente diferente. Não tenho feito exatamen-

- 781 -

019_RA_Entrevist.pmd 781 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

te filmes antropológicos na televisão, mas como faço parte do comitê de


filmes do Royal Anthropological Institute, tento encontrar novas ma-
neiras de levar a antropologia para a televisão, pois ela basicamente de-
sapareceu da televisão já que esta tem uma idéia própria de antropologia.
Por exemplo, no nosso festival de cinema, tentamos realizar um debate
sobre antropologia e televisão, persuadindo as autoridades da televisão,
ou trabalhando com eles, para encontrar uma fórmula particular que
permita a existência de alguma forma de antropologia na televisão.

E quais são os antropólogos que influenciaram seu trabalho?

Acho que todos os etnólogos, todos os “amazonistas”, certamente da tra-


dição européia, ainda somos profundamente influenciados por Lévi-
Strauss. No meu caso, não por ele mesmo, mas pela forma como
permeou os trabalhos de Philippe Descola, Anne-Christine Taylor,
Stephen Hugh Jones e Peter Rivière. Todos, de algum modo, beberam
da tradição estruturalista. E pensando em termos de Brasil, tenho man-
tido algum diálogo com Eduardo Viveiros de Castro, que é uma espécie
de profeta da doutrina lévi-straussiana. Eu diria que todas essas pessoas
me influenciaram. Mas tenho uma espécie de identidade esquizofrênica
como antropólogo, porque havia isso de um lado, e de outro, meu inte-
resse em filmes.
Claro que a figura de Colin Young me inspirou imensamente. Outra
pessoa que me ensinou muito na escola de cinema foi um grande
documentarista ítalo-americano chamado Umberto Di Gioia, mais co-
nhecido pelo seu nome americano, Herb Di Gioia. Ele tinha sido aluno
de Colin, na Califórnia nos anos 1960, e influenciou muitos jovens ci-
neastas quando veio a ser o documentarista-tutor na Escola de Cinema,
nos anos 1980.

- 782 -

019_RA_Entrevist.pmd 782 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

Claro que os pensamentos de David MacDougall são sempre instru-


tivos. Tenho certeza de que ele talvez tenha dificuldade em ver no meu
trabalho, ou no trabalho de meus alunos, uma inspiração das suas idéias.
Não é uma influência direta, mas é devida ao fato de ser uma pessoa
muito sensível. Ele tanto é um cineasta muito talentoso como um escri-
tor muito sensível e controverso. E não conheço mais ninguém que seja
as duas coisas. Não estou dizendo que concordo com tudo o que ele diz,
ou que eu queira ser um cineasta como ele, mas considero alguns de
seus trabalhos mais recentes um tanto desafiadores. Creio que todos nós
devemos isso a ele, nos encorajar a pensar sobre essa prática com uma
sofisticação e um nível de reflexão que talvez não tenhamos.
Rouch teria muito a dizer sobre essa prática, mas ele dava entrevistas,
ele não escrevia. Ele contava histórias... e, por suas próprias razões
idiossincráticas, desenvolveu uma forma de trabalhar que me inspirou e
inspirou outras pessoas. Mas ele não filosofava sobre essa prática nem a
analisava no mesmo grau que David [MacDougall] o faz.
É isso...

Nota
1
Realizada em Oxford, fevereiro de 2007. Tradução de Gustavo Saggese, revisão
técnica de Clarice Peixoto.

- 783 -

019_RA_Entrevist.pmd 783 23/12/2009, 09:19


ENTREVISTA. PAUL HENLEY: O ANTROPÓLOGO-CINEASTA QUE FAZ CINEASTAS

Bibliografia (trabalhos recentes)


No prelo The Adventure of the Real: Jean Rouch and the Practice of Ethnographic Cinema,
[2009] The University of Chicago Press.
No prelo “Postcards at the service of the Imaginary: Jean Rouch, shared anthropology
and the ciné-trance”, in PARKIN, Robert; SALES, Anne de (orgs.), Out of the
Study and into the Field: Ethnographic Theory and Practice in French Anthropology,
Oxford, Berghahn.
No prelo “In denial – authorship and ethnographic film-making”, in BARBOSA,
Andréa; TEODORO DA CUNHA, Edgar; HIKIJI, Rose Satiko G. (orgs.),
Imagem-conhecimento, Campinas, Papirus.
2007 “Beyond the burden of the real: anthropological reflections on the technique
of a master cutter”, in The Cinema of Robert Gardner, Berg.
2007 “Jean Rouch and the legacy of the ‘pale master’: filming the Sigui, 1956-2033",
in Building Bridges: the cinema of Jean Rouch, Wallflower, pp. 43-62.
2007 “The origins of observational cinema: conversations with Colin Young”, in
Memories of the Origins of Visual Anthropology, Frankfurt/New York/Bern/
Brussels, Peter Lang, pp.139-161.
2007 “Seeing, hearing, feeling: sound and the despotism of the eye in ‘visual’
anthropology”, Visual Anthropology Review, vol. 23(1): 54-63.
2006 “Spirit-possession, power and the absent presence of Islam: re-viewing ‘Les
Maitres fous’”, Journal of the Royal Anthropological Institute, vol. 12(4): 731-
761.
2006 “Anthropologists in television: a disappearing world?”, in Applications of
Anthropology: professional anthropology in the 21st century, Berghahn, pp.170-
189.
2006 “Narratives: the guilty secret of Ethnographic Film making”, in Reflecting Visu-
al Ethnography; using the camera in anthropological research, Intervention Press
& CNWS Publications, pp. 376-402.
2004 “Putting film to work: observational cinema as practical ethnography”, in
Working Images: visual research and representation in ethnography, Routledge, pp.
109-130.
2003 “Are you happy? Interviews, ‘conversations’ and ‘talking heads’ as means of
gathering oral testimony in ethnographic documentary”, in Interview und Film.
Volkskundliche und ethnologische Ansätze zu Methodik und Analyse, Waxmann
Verlag, pp. 51-67.

- 784 -

019_RA_Entrevist.pmd 784 23/12/2009, 09:19


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2008, V. 51 Nº 2.

Filmografia
2000 The Legacy of Antonio Lorenzano, 46 min. (direção e câmera), produção Nuffield
Foundation/Granada Centre.
1996 Writing Panare, 29 min. (direção e câmera), produção Granada Centre/
University of Manchester.
1995 We are Born to Survive, 29 min. (produção e câmera), produção Granada
Centre/Kath Locke Educational Trust.
1994 Faces in the Crowd, 39 min. (direção e câmera), produção Granada Centre,
University of Manchester.
1988 Archival footage of Bacup, Lancashire. British Universities Film & Video
Council/ British Video History Trust, camera.
1987 Cuyagua: The Saint with Two Faces, 56 min. (direção e câmera), produção
National Film & Television School/ Royal Anthropological Institute.
1986 Cuyagua: Devil Dancers, 52 min. (direção e câmera), produção National Film
& Television School/ Royal Anthropological Institute.
1985 Reclaiming the Forest, 39 min. (direção e câmera), produção National Film &
Television School/ Royal Anthropological Institute.

Filmes para Televisão


2004 The Thames through Time – The Great River Race, 23 min. (direção e câmera),
produção Mosaic Pictures para ITV/Carlton.
2004 The Thames through Time – Boom and Bust in London’s Docklands, 23 min. (di-
reção e câmera), produção Mosaic Pictures para ITV/Carlton.
2000 The Enemy Within, 28 min. (direção e câmera), produção Mosaic Pictures/BBC
2.
2000 Wannabe an MEP?, 28 min. (câmera), produção Mosaic Pictures/BBC 2.
1999 Princess’ People, 72 min. (câmera), direção Colin Luke, produção Mosaic
Pictures/BBC 2.
1998 The Long Weekend, 72 min. (câmera), direção Colin Luke, produção Mosaic
Pictures/Channel 4.
1997 Royal Watchers, 28 min. (direção e câmera), produção Mosaic Pictures/BBC 2.

- 785 -

019_RA_Entrevist.pmd 785 23/12/2009, 09:19

Você também pode gostar