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Organizado por CP Iuris


ISBN 978-85-5805-012-8

DIREITO CIVIL

1ª edição
Brasília
CP Iuris
2020

2
SOBRE OS AUTORES

AURÉLIO BOURET. Advogado especialista em Direito Privado. Professor de Direito Civil da Escola
da Magistratura do Rio de Janeiro – EMERJ e de diversos cursos preparatórios para concurso
público.

MATHEUS ZULIANI. Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.


Professor de Direito Civil da ESMA/DF e do Instituto Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Professor de Sentença Cível do CP Iuris.

PAULO CESAR BATISTA DOS SANTOS. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub
(2001). Mestrando em Direito Constitucional Comparado pela Universidade de Samford,
Alabama, nos Estados Unidos (2015-2020). Especialista em Direito Notarial e Registral pela
Escola Paulista da Magistratura/SP (2018-2019). Pós-Graduado em Direito Constitucional pela
Escola Superior do Ministério Público Federal – DF (2002). Juiz de Direito do Tribunal de Justiça
da Bahia, de 2004 a 2007. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2007. Juiz
Titular da 37ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo - SP, desde 2019. Juiz Assessor da
Corregedoria-Geral da Justiça do TJSP, no biênio 2018–2019. Juiz Instrutor no Supremo Tribunal
Federal desde setembro de 2019. Professor de cursos de pós-graduação. Coautor de obras na
área de Direitos Reais.

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SUMÁRIO

Capítulo 1 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ........................... 27

1. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ........................................... 27

1.1. Vigência e validade das normas ........................................................................ 27

1.2. Revogação da lei e suas formas ........................................................................ 28

1.3. Repristinação ................................................................................................... 29

1.4. Normas gerais e normas especiais .................................................................... 29

1.5. Da integração das normas ................................................................................ 29

1.5.1. Analogia ....................................................................................................... 30

1.5.2. Costumes .................................................................................................. 30

1.5.3. Princípios gerais de direito ......................................................................... 31

1.6. Da equidade .................................................................................................... 31

1.7. Da aplicação e interpretação das normas jurídicas ............................................ 31

1.8. Da irretroatividade das leis............................................................................... 32

1.8.1. Do ato jurídico ........................................................................................... 32

1.8.2. Direito adquirido ....................................................................................... 32

1.8.3. Da coisa julgada......................................................................................... 32

1.9. Conflito de leis no tempo ................................................................................. 32

1.10. Da vigência da lei no espaço ........................................................................... 33

Capítulo 2 – Da Parte Geral do Código Civil ..................................................................... 35

1. Dos princípios norteadores do código civil .................................................................. 35

1.1. Socialidade ...................................................................................................... 35

1.2. Eticidade .......................................................................................................... 35

1.3. Operabilidade .................................................................................................. 36

4
1.4. Direito civil constitucional ................................................................................ 36

1.5. Diálogo das fontes ........................................................................................... 36

2. Das pessoas ............................................................................................................... 37

2.1. Da personalidade jurídica ................................................................................. 37

2.2. Do nascituro .................................................................................................... 37

2.3. Da capacidade.................................................................................................. 38

2.4. Da incapacidade ............................................................................................... 39

2.4.1. Dos absolutamente incapazes .................................................................... 39

2.4.2. Dos relativamente incapazes...................................................................... 39

2.4.3. Do estatuto da pessoa com deficiência – aspectos relevantes ..................... 41

2.5. Maioridade civil ............................................................................................... 42

2.5.1. Da emancipação ........................................................................................ 43


2.5.1.1. Da emancipação voluntária ................................................................. 43
2.5.1.2. Da emancipação judicial ...................................................................... 43
2.5.1.3. Da emancipação legal.......................................................................... 44
2.5.1.4. Da revogação da emancipação ............................................................ 44

2.6. Da extinção da personalidade jurídica – morte.................................................. 44

2.6.1. Da morte sem declaração de ausência........................................................ 45

2.6.2. Da morte com declaração de ausência ....................................................... 45

2.6.3. Da comoriência ......................................................................................... 47

2.7. Direitos da personalidade................................................................................. 47

2.7.1. Aspectos gerais.......................................................................................... 47

2.7.2. Disposição do próprio corpo ...................................................................... 49

2.7.3. Disposição pós-morte ................................................................................ 49

2.7.4. Tratamento sem consentimento ................................................................ 50

5
2.7.5. Do nome ................................................................................................... 51

2.7.6. Do direito de imagem ................................................................................ 53

2.7.7. Vida privada e intimidade .......................................................................... 55

2.7.8. Direito dos mortos..................................................................................... 56

2.7.9. Direito de personalidade das pessoas jurídicas ........................................... 56

2.8. Das pessoas jurídicas - aspectos gerais .............................................................. 56

2.8.1. Classificação das pessoas jurídicas ............................................................. 58

2.8.2. Das associações ......................................................................................... 58

2.8.3. Das fundações ........................................................................................... 60

2.9. Do domicílio..................................................................................................... 61

2.9.1. Classificação do domicílio .......................................................................... 62

2.10. Dos bens ........................................................................................................ 63

2.10.1. Classificação dos bens .............................................................................. 63

2.10.2. Das pertenças .......................................................................................... 65

2.10.3. Das benfeitorias ...................................................................................... 66

2.10.4. Dos bens públicos .................................................................................... 66

2.10.5. Do bem de família ................................................................................... 67


2.10.5.1. Do bem de família voluntário ............................................................ 67
2.10.5.2. Do bem de família involuntário ......................................................... 67

2.11. Dos fatos jurídicos .......................................................................................... 68

2.11.1. Do negócio jurídico .................................................................................. 69


2.11.1.1. Classificação do negócio jurídico ........................................................ 69
2.11.1.2. Tricotomia do negócio jurídico (escada ponteana).............................. 70

2.11.2. Vícios do negócio jurídico ........................................................................ 72


2.11.2.1. Do erro ou da ignorância ................................................................... 73
2.11.2.2. Do dolo ............................................................................................. 74

6
2.11.2.3. Da coação ......................................................................................... 75
2.11.2.4. Do estado de perigo .......................................................................... 76
2.11.2.5. Da lesão ............................................................................................ 77
2.11.2.6. Da fraude contra credores ................................................................. 78
2.11.2.7. Da simulação..................................................................................... 79

2.11.3. Invalidade do negócio jurídico.................................................................. 80

2.11.4. Da representação .................................................................................... 81

2.11.5. Da condição, do termo e do encargo ........................................................ 82


2.11.5.1. Da condição ...................................................................................... 82
2.11.5.2. Do Termo .......................................................................................... 83
2.11.5.3. Do Encargo ou Modo ......................................................................... 84

2. 12. Dos atos ilícitos e lícitos ................................................................................. 84

2.12.1. Dos atos ilícitos........................................................................................ 84

2.12.2. Dos atos lícitos ........................................................................................ 85

2.13. Da prescrição e da decadência ........................................................................ 86

2.13.1. Da prescrição – disposições gerais ............................................................ 86

2.13.2. Das causas impeditivas e suspensivas da prescrição .................................. 89

2.13.3. Das causas interruptivas da prescrição ..................................................... 90

2.13.4. Dos prazos prescricionais ......................................................................... 91

2.13.5. Da decadência ......................................................................................... 93

Capítulo 3 – Direito das Obrigações ................................................................................ 95

1. Teoria Geral das Obrigações ....................................................................................... 95

1.1. Introdução ....................................................................................................... 95

1.1.1. Estrutura do livro das obrigações no Código Civil ........................................ 95

1.1.2. Fontes obrigacionais .................................................................................. 96

1.2. Diferença entre direitos reais e direitos obrigacionais ....................................... 96

7
1.3. Figuras híbridas ................................................................................................ 97

1.4. Relação jurídica obrigacional ............................................................................ 98

1.5. Teoria dualista das obrigações (Brinz) ............................................................... 99

1.5.1. Responsabilidade patrimonial do devedor ................................................. 99

1.5.2. Obrigações perfeitas e imperfeitas ............................................................. 99

2. Atos unilaterais ........................................................................................................ 100

2.1. Introdução ..................................................................................................... 100

2.2. Promessa de recompensa ............................................................................... 100

2.2.1. Revogação da promessa .......................................................................... 100

2.2.2. Execução conjunta e simultânea .............................................................. 100

2.2.3. Prazo e julgamento .................................................................................. 101

2.3. Gestão de negócios ........................................................................................ 101

2.4. Pagamento indevido ...................................................................................... 102

2.5. Enriquecimento sem causa ............................................................................. 103

3. Classificação das obrigações ..................................................................................... 103

3.1. Classificação básica das obrigações ................................................................. 103

3.2. Classificação especial das obrigações .............................................................. 103

3.2.1. Quanto ao elemento subjetivo (os sujeitos) ............................................. 103

3.2.2. Quanto ao elemento objetivo (a prestação) ............................................. 104

3.2.3. Quanto ao elemento acidental ................................................................. 104

3.2.4. Quanto ao conteúdo ................................................................................ 104

4. Obrigações de dar .................................................................................................... 104

4.1. Introdução ..................................................................................................... 104

4.2. Obrigação de dar coisa certa .......................................................................... 105

8
4.2.1. Perecimento/deterioração da coisa ......................................................... 105

4.2.2. Regras sobre perda e deterioração do objeto ........................................... 106

4.2.3. Artigos mais cobrados em provas ............................................................. 107

4.3. Obrigação de dar coisa incerta........................................................................ 108

5. Obrigações de Fazer e Não Fazer ............................................................................... 108

5.1. Obrigação de fazer ......................................................................................... 108

5.1.1. Não cumprimento da obrigação de fazer .................................................. 110

5.2. Obrigação de não fazer .................................................................................. 110

5.2.1. Descumprimento da obrigação de NÃO fazer ........................................... 110

6. Obrigações Alternativas e Facultativas ...................................................................... 110

6.1. Obrigações Alternativas ................................................................................. 110

6.2. Obrigações Facultativas .................................................................................. 112

7. Obrigações Divisíveis e Indivisíveis............................................................................ 112

7.1. Dispositivos relevantes................................................................................... 113

7.2. Remissão ou perdão ....................................................................................... 113

7.3. Perda do objeto e fim da indivisibilidade ........................................................ 113

8. Obrigações Solidárias ............................................................................................... 114

8.1. Introdução ..................................................................................................... 114

8.2. Da Solidariedade Ativa ................................................................................... 115

8.3. Da Solidariedade Passiva ................................................................................ 116

9. Adimplemento das Obrigações ................................................................................. 118

9.1. Introdução ..................................................................................................... 118

9.2. Pagamento direto .......................................................................................... 118

9.2.1. Sujeitos do pagamento ............................................................................ 119

9
9.2.1.1. Solvens ............................................................................................. 119
9.2.1.2. Accipiens........................................................................................... 119

9.2.2. Do objeto do pagamento direto ............................................................... 120

9.2.3. Prova do pagamento direto ..................................................................... 121

9.2.4. Do lugar do pagamento direto ................................................................. 122

9.2.5. Do tempo do pagamento ......................................................................... 123

9.3. Das formas especiais de pagamento e das formas de pagamento indireto ....... 123

9.3.1. Do pagamento em consignação................................................................ 123

9.3.2. Da imputação do pagamento ................................................................... 125

9.3.3. Do pagamento com sub-rogação .............................................................. 126


9.3.3.1. Sub-rogação legal .............................................................................. 126
9.3.3.2. Sub-rogação convencional ................................................................. 126

9.3.4. Da dação em pagamento ......................................................................... 127

9.3.5. Da novação ............................................................................................. 128


9.3.5.1. Elementos essenciais da novação ...................................................... 128
9.3.5.2. Espécies de novação.......................................................................... 129

9.3.6. Da compensação ..................................................................................... 129

9.3.7. Da confusão ............................................................................................ 131

9.3.8. Da remissão das dívidas ........................................................................... 131

10. Transmissão das Obrigações ................................................................................... 132

10.1. Introdução ................................................................................................... 132

10.2. Cessão de crédito ......................................................................................... 132

10.3. Cessão de débito (assunção de dívida) .......................................................... 134

10.4. Cessão de contratos ..................................................................................... 135

11. Inadimplemento das Obrigações ............................................................................. 135

11.1. Introdução ................................................................................................... 135

10
11.2. Inadimplemento por ato culposo do devedor (artigo 389 do CC) .................... 135

11.2.1. Inadimplemento absoluto ...................................................................... 136

11.2.2. Inadimplemento relativo ....................................................................... 136


11.2.2.1. Mora do devedor ............................................................................ 137
11.2.2.2. Mora do credor ............................................................................... 138

11.3. Inadimplemento por fato não imputável ao devedor .................................... 139

11.4. Cláusula penal e arras................................................................................... 139


Questões ................................................................................................................. 141

Gabarito .................................................................................................................. 147

Capítulo 4 — Direito dos Contratos: Teoria Geral dos Contratos .................................... 149

1. Princípios Contratuais .............................................................................................. 149

1.1. Introdução ao estudo dos contratos ............................................................... 149

1.2. Função Social dos Contratos ........................................................................... 150

2. Principiologia contratual .......................................................................................... 151

2.1. Princípio da autonomia da vontade ................................................................ 151

2.1.1. Enunciados da Jornada de Direito Civil ..................................................... 152

2.2. Princípio da supremacia da ordem pública ..................................................... 152

2.3. Princípio do consensualismo .......................................................................... 153

2.4. Princípio da relatividade dos contratos .......................................................... 154

2.5. Princípio da obrigatoriedade dos contratos .................................................... 154

2.6. Princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva ...................... 154

2.7. Princípio da boa-fé e probidade ...................................................................... 156

2.7.1. Teoria do abuso de direito ....................................................................... 156


2.7.1.1. Venire contra factumpropium............................................................ 157
2.7.1.2. Supressio e surrectio......................................................................... 157
2.7.1.3. Tu quoque......................................................................................... 158

11
2.7.1.4. Duty to mitigate the loss ................................................................... 159

3. Formação dos Contratos ........................................................................................... 160

3.1. Introdução .................................................................................................... 160

3.2. Fases para a formação dos contratos .............................................................. 160

4. Formas Contratuais .................................................................................................. 162

4.1. Contrato preliminar ....................................................................................... 162

4.2. Estipulação em favor de terceiros – artigos 436 a 438 do CC ........................... 164

4.3. Promessa de fato de terceiro – artigos 439 e 440 do CC .................................. 164

4.4. Contrato aleatório – Artigos 458 a 461 do CC ................................................. 165

5. Vícios redibitórios e evicção ..................................................................................... 166

5.1. Definição de vícios redibitórios ....................................................................... 166

5.1.1. Ações edilícias ......................................................................................... 167


Assertiva de prova: .................................................................................................. 167
5.1.1.1. Prazos para o ajuizamento da ação redibitória e ação quanti minoris . 168

5.2. Evicção – Garantia implícita imposta ao alienante .......................................... 168

Capítulo 5 – Direito dos Contratos: Contratos em Espécie ............................................. 170

1. Compre e venda ....................................................................................................... 170

1.1. Conceito ........................................................................................................ 170

1.2. Natureza jurídica............................................................................................ 170

1.3. Elementos constitutivos ................................................................................. 170

1.4. Estrutura sinalagmática e os efeitos da compra e venda .................................. 171

1.5. Restrições à autonomia privada na compra e venda ........................................ 172

1.5.1. Venda de ascendente a descendente ....................................................... 172

1.5.2. Venda entre cônjuges .............................................................................. 172

12
1.5.3. Venda de bens sob administração ............................................................ 173

1.5.4. Venda de bens em condomínio ................................................................ 173

1.6. Regras especiais da compra e venda ............................................................... 174

1.6.1. Venda por amostra (por protótipo ou por modelo) ................................... 174

1.6.2. Venda a contento ou sujeita à prova ........................................................ 175

1.6.3. Venda por medida ................................................................................... 175

1.6.4. Venda de coisas conjuntas ....................................................................... 176

1.7. Cláusulas especiais da compra e venda ........................................................... 176

1.7.1. Cláusula de retrovenda ............................................................................ 176

1.7.2. Cláusula de preempção ............................................................................ 177

1.7.3. Cláusula de venda sobre documentos ...................................................... 178

1.7.4. Cláusula de venda com reserva de domínio .............................................. 178

1.8. Terrenos da Marinha ...................................................................................... 179

2. Troca ou permuta..................................................................................................... 180

2.1. Conceito ........................................................................................................ 180

2.2. Troca entre ascendentes e descendentes ........................................................ 181

3. Contrato estimátorio ................................................................................................ 181

3.1. Conceito ........................................................................................................ 181

3.2. Natureza jurídica............................................................................................ 181

3.3. Responsabilidade pela perda da coisa consignada ........................................... 182

4. Doação .................................................................................................................... 182

4.1. Introdução ..................................................................................................... 182

4.2. Modalidades de doação ................................................................................. 183

4.2.1. Doação remuneratória............................................................................. 183

13
4.2.2. Doação contemplativa................................................................................. 183

4.2.3. Doação ao nascituro ................................................................................ 183

4.2.4. Doação sob forma de subvenção periódica ............................................... 184

4.2.5. Doação em contemplação de casamento futuro ....................................... 184

4.2.6. Doação poderá ser de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges


........................................................................................................................ 184

4.2.7. Doação com cláusula de reversão ............................................................ 185

4.2.8. Doação conjuntiva ................................................................................... 185

4.2.9. Doação manual ....................................................................................... 185

4.2.10. Doação inoficiosa .................................................................................. 185

4.2.11. Doação universal ................................................................................... 186

4.2.12. Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice ......................................... 186

4.2.13. Doação a entidade futura....................................................................... 186

4.3. Promessa de doação ...................................................................................... 186

4.4. Revogação da doação ................................................................................. 187

5. Locação de Coisas no Código Civil ............................................................................. 188

5.1. Introdução ..................................................................................................... 188

5.2. Deveres das partes numa locação ................................................................... 189

5.3. Extinção do contrato de locação ................................................................. 189

6. Empréstimo: comodato e mútuo .............................................................................. 190

6.1. Introdução ..................................................................................................... 190

6.1.2. Comodato ............................................................................................... 190

6.1.3. Mútuo ..................................................................................................... 191


6.1.3.1. Mútuo oneroso (mútuo feneratício) .................................................. 192

14
7. Prestação de Serviço ................................................................................................ 192

7.1. Introdução ..................................................................................................... 192

7.2. Regras da prestação e serviço no CC/02 .......................................................... 193

7.3. Extinção do contrato de prestação de serviço ................................................. 193

7.4. Tutela externa do contrato ............................................................................. 194

7.5. Prestação de serviço agrícola .......................................................................... 194

8. Contrato de empreitada ........................................................................................... 195

8.1. Introdução ..................................................................................................... 195

8.2. Regras da empreitada no CC/02 ..................................................................... 195

8.3. Sub-empreitada ............................................................................................. 196

9. Contrato de depósito ............................................................................................... 197

9.1. Introdução ..................................................................................................... 197

9.2. Regras quanto ao depósito voluntário ............................................................ 198

9.3. Depósito necessário ....................................................................................... 199

10. Mandato ................................................................................................................ 199

10.1. Introdução ................................................................................................... 199

10.2. Principais classificações do mandato............................................................. 200

10.3. Principais regras do mandato no CC/02 ......................................................... 200

10.4. Obrigações do mandatário ........................................................................... 201

10.5. Obrigações do mandante.............................................................................. 201

10.6. Substabelecimento....................................................................................... 201

10.7. Extinção do contrato de mandato ................................................................. 202

11. Contrato de comissão; agência e distribuição; corretagem....................................... 202

11.1. Contrato de comissão ................................................................................... 202

15
11.1.1. Espécies de comissão ............................................................................. 203

11.2. Contrato de agência e distribuição ................................................................ 204

11.3. Corretagem .................................................................................................. 205

12. Contrato de transporte ........................................................................................... 206

12.1. Introdução ................................................................................................... 206

12.2. Regras gerais previstas no Código Civil .......................................................... 206

12.2.1. Transporte aéreo ................................................................................... 206


12.2.1.1. Observações sobre contratos de transportes aéreos ........................ 207

12.2.2. Transporte cumulativo ........................................................................... 207

12.2.3. Transporte de pessoas ........................................................................... 208

12.2.4. Transporte de coisas .............................................................................. 209

13. Contrato de seguro ................................................................................................. 210

13.1. Introdução ................................................................................................... 210

13.2. Regras gerais do seguro no Código Civil......................................................... 211

13.3. Seguro de dano ............................................................................................ 213

13.3.1. Seguro DPVAT ....................................................................................... 215

13.4. Seguro de pessoa ......................................................................................... 217

14. Constituição de renda e jogo e aposta ..................................................................... 218

14.1. Constituição de renda .................................................................................. 218

14.2. Jogo e aposta ............................................................................................... 219

15. Contrato de fiança .................................................................................................. 220

15.1. Introdução ................................................................................................... 220

15.2. Efeitos e regras da fiança no Código Civil....................................................... 221

15.3. Classificação da fiança quanto a sua extensão ............................................... 222

16
16. Transação e compromisso ...................................................................................... 223

16.1. Transação .................................................................................................... 223

16.1.1. Espécies ................................................................................................ 223

16.2. Compromisso ............................................................................................... 224

16.2.1. Espécies ................................................................................................ 224


Questões ................................................................................................................. 225

Gabarito .................................................................................................................. 232

Capítulo 6 — Direito das Coisas .................................................................................... 234

1. Introdução ............................................................................................................... 234

1.1. Direitos Reais x Direitos Pessoais (obrigacionais) ............................................ 234

1.2. Demais diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais ... 235

1.2.1. Direitos reais ............................................................................................... 235

1.2.2. Direitos pessoais ......................................................................................... 235

2. Da Posse .................................................................................................................. 236

2.1. Natureza jurídica da posse ............................................................................. 236

2.2. Diferenças entre posse e detenção ................................................................. 236

2.3. Principais classificações da posse .................................................................... 237

2.3.1. Quanto ao desdobramento ...................................................................... 237

2.3.2. Quanto aos vícios objetivos ..................................................................... 237

2.3.3. Quanto à boa-fé ...................................................................................... 238

2.3.4. Quanto à presença de um título ............................................................... 238

2.3.5. Quanto ao tempo .................................................................................... 238

2.3.6. Quanto aos efeitos .................................................................................. 238

2.4. Efeitos materiais e processuais da posse ......................................................... 239

17
2.4.1. Efeitos quanto aos frutos ......................................................................... 239

2.4.2. Efeitos da posse em relação às benfeitorias .............................................. 239

2.5. Posse e responsabilidade ............................................................................... 240

2.6. Posse e processo civil ..................................................................................... 240

2.6.1. Principais aspectos processuais ................................................................ 240

2.7. A legítima defesa da posse e o desforço imediato ........................................... 242

2.8. Forma de aquisição, transmissão e perda da posse ......................................... 242

2.9. Composse ...................................................................................................... 242

3. Propriedade ............................................................................................................. 243

3.1. Conceito ........................................................................................................ 243

3.2. Principais características do direito de propriedade ........................................ 243

3.3. Função social e socioambiental da propriedade .............................................. 243

3.4. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho ........................................ 245

3.5. Diferença entre propriedade resolúvel e propriedade fiduciária ...................... 245

3.5.1. Propriedade resolúvel.............................................................................. 245

3.5.2. Propriedade fiduciária ............................................................................. 246

3.6. Formas de aquisição da propriedade imóvel ................................................... 246

3.6.1. Formas originárias de aquisição da propriedade imóvel ............................ 246


3.6.1.1. Acessões naturais.............................................................................. 246
3.6.1.2. Acessões artificiais ............................................................................ 247
3.6.1.3. Usucapião de bens imóveis ............................................................... 248
3.6.1.4. Usucapião imobiliária e a questão intertemporal ............................... 252

3.6.2. Formas de aquisição derivada da propriedade .......................................... 252


3.6.2.1. Registro público ................................................................................ 252
3.6.2.2. Sucessão hereditária de bens imóveis ................................................ 252

3.7. Formas de aquisição da propriedade móvel .................................................... 253

18
3.7.1. Ocupação e achado do tesouro e estudo da descoberta ............................ 253
3.7.1.1. Ocupação.......................................................................................... 253
3.7.1.2. Achado do tesouro ............................................................................ 253
3.7.1.3. Descoberta ....................................................................................... 253

3.7.2. Usucapião de bens móveis ....................................................................... 253


3.7.2.1. Usucapião ordinária .......................................................................... 254
3.7.2.2. Usucapião extraordinária .................................................................. 254

3.7.3. Especificação ........................................................................................... 254

3.7.4. Confusão, comistão e adjunção ................................................................ 254

3.7.5. Tradição .................................................................................................. 255

3.7.6. Sucessão hereditária de bens móveis ....................................................... 256

3.7.7. Perda da propriedade imóvel e móvel ...................................................... 256

4. Direito de vizinhança ................................................................................................ 256

4.1. Conceito ........................................................................................................ 256

4.2. Uso anormal da propriedade .......................................................................... 256

4.3. Árvores limítrofes .......................................................................................... 257

4.4. Passagem forçada e da passagem de cabos e tubulações................................. 257

4.4.1. Passagem forçada .................................................................................... 257

4.4.2. Cabos e tubulações .................................................................................. 258

4.5. Águas ............................................................................................................ 258

4.6. Direito de tapagem e limites entre prédios ..................................................... 259

4.7. Direito de construir ........................................................................................ 259

5. Do Condomínio ........................................................................................................ 261

5.1. Conceito ........................................................................................................ 261

5.2. Condomínio voluntário ou convencional ......................................................... 261

19
5.2.1. Administração do condomínio ................................................................. 262

5.3. Condomínio necessário .................................................................................. 262

5.4. Condomínio edilício ....................................................................................... 262

5.4.1. Direitos e deveres dos condôminos .......................................................... 264

5.4.2. Penalidades a que está sujeito o condômino ............................................ 264

5.4.3. Direito de preferência. Alienação de partes acessórias e comuns .............. 265

5.4.4. Despesas condominiais ............................................................................ 265

5.4.5. Administração do condomínio edilício...................................................... 265


5.4.5.1. Síndico .............................................................................................. 265
5.4.5.2. Assembleia ....................................................................................... 266
5.4.5.3. Conselho fiscal .................................................................................. 267

5.4.6. Extinção do condomínio edilício ............................................................... 267

5.4.7. Condomínio em multipropriedade ........................................................... 267

5.4.8. Condomínio de lotes ................................................................................ 268

6. Direito real de aquisição do promitente comprador .................................................. 268

7. Direitos reais de gozo ou fruição ............................................................................... 269

7.1. Introdução ..................................................................................................... 269

7.2. Superfície ...................................................................................................... 269

7.3. Servidões ....................................................................................................... 270

7.3.1. Classificação das servidões....................................................................... 271

7.3.2. Obras na servidão .................................................................................... 271

7.3.3. Finalidade da servidão ............................................................................. 271

7.3.4. Indivisibilidade da servidão ...................................................................... 272

7.3.5. Extinção das servidões ............................................................................. 272

7.4. Usufruto ........................................................................................................ 272

20
7.4.1. Classificação do usufruto ......................................................................... 272

7.4.2. Direitos do usufrutuário........................................................................... 273

7.4.3. Deveres do usufrutuário .......................................................................... 274

7.4.4. Extinção do usufruto................................................................................ 274

7.5. Uso ................................................................................................................ 274

7.6. Habitação ...................................................................................................... 275

7.7. Concessões especiais para uso e moradia ....................................................... 275

8. Direitos reais de garantia.......................................................................................... 275

8.1. Introdução ..................................................................................................... 275

8.2. Penhor ........................................................................................................... 277

8.2.1. Constituição do penhor............................................................................ 277

8.2.2. Direitos do credor pignoratício................................................................. 277

8.2.3. Deveres do credor pignoratício ................................................................ 277

8.2.4. Modalidades de penhor ........................................................................... 278


8.2.4.1. Penhor legal ...................................................................................... 278
8.2.4.2. Penhor convencional ......................................................................... 278

8.2.5. Extinção do penhor .................................................................................. 281

8.3. Hipoteca ........................................................................................................ 281

8.3.1. Remição ou resgate da hipoteca .............................................................. 282

8.3.2. Perempção da hipoteca convencional ...................................................... 283

8.3.3. Classificação da hipoteca ......................................................................... 283


8.3.3.1. Quanto à sua origem ......................................................................... 283

8.3.4. Extinção da hipoteca................................................................................ 284

8.4. Anticrese ....................................................................................................... 284

8.5. Alienação fiduciária em garantia .................................................................... 284

21
8.5.1. Conceito .................................................................................................. 285

8.5.2. Alienação fiduciária em garantia de bens móveis...................................... 285

8.5.3. Alienação fiduciária em garantia de bens imóveis ..................................... 287

9. Da Laje ..................................................................................................................... 288


Questões ................................................................................................................. 288

Comentários ............................................................................................................ 295

Capítulo 7 — Responsabilidade Civil ............................................................................. 298

1. Disposições gerais e classificações da responsabilidade civil ...................................... 298

2. Dos elementos ou pressupostos da responsabilidade civil ......................................... 299

3. Da conduta humana ................................................................................................. 300

4. Da culpa em sentido amplo ...................................................................................... 300

5. Do nexo de causalidade ............................................................................................ 301

6. Das excludentes do nexo de causalidade ................................................................... 302

7. Do dano ou prejuízo ................................................................................................. 303

8. Do dano material ..................................................................................................... 304

8.1 Teoria do desvio produtivo do consumidor ...................................................... 308

9. Dano estético ........................................................................................................... 308

10. Dano moral coletivo ............................................................................................... 309

11. Danos sociais.......................................................................................................... 310

12. Da teoria da perda de uma chance .......................................................................... 310

13. Dano bumerangue .................................................................................................. 311

14. Da responsabilidade civil por ato de terceiro ........................................................... 311

15. Da responsabilidade do incapaz .............................................................................. 313

16. Da responsabilidade civil do dono ou detentor de animais ...................................... 313

22
17. Responsabilidade civil do dono do prédio ou construção por sua ruína .................... 313

18. Da cláusula de não de indenizar .............................................................................. 314

Capítulo 8 – Direito das Famílias ................................................................................... 315

1. Direito de Família ..................................................................................................... 315

1.1. Introdução Ao Direito De Família .................................................................... 315

1.2. Princípios do direito de família ....................................................................... 315

1.3. Concepção constitucional da família e os tipos de famílias .............................. 319

1.4. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 323

1.4.1. Supremo Tribunal Federal ........................................................................ 323

2. Casamento ............................................................................................................... 326

2.1. Conceito e natureza jurídica ........................................................................... 326

2.2. Princípios específicos aplicáveis ao casamento................................................ 327

2.3. Capacidade para o casamento ........................................................................ 327

2.4. Impedimentos matrimoniais e causas suspensivas .......................................... 328

2.5. Processo de habilitação e celebração do casamento........................................ 331

2.6. Espécies de casamentos ................................................................................. 334

2.7. Invalidação do casamento .............................................................................. 336

2.8. Efeitos do casamento ..................................................................................... 340

2.8.1. Efeitos sociais do casamento .................................................................... 340

2.8.2. Efeitos pessoais ....................................................................................... 340

2.8.3. Efeitos patrimoniais................................................................................. 341

2.9. Provas do casamento ..................................................................................... 341

2.10. Informativos de Jurisprudência ..................................................................... 341

2.10. 1. Superior Tribunal de Justiça .................................................................. 341

23
3. Regime de bens ........................................................................................................ 342

3.1. Disposições gerais .......................................................................................... 342

3.2. Regras gerais quanto ao regime de bens ......................................................... 343

3.3. Pacto antenupcial .......................................................................................... 345

3.4. Regime de bens em espécie ............................................................................ 346

3.4.1. Regime da comunhão parcial de bens ...................................................... 346

3.4.2. Regime da comunhão universal de bens ................................................... 348

3.4.3. Regime de participação final nos aquestos ............................................... 350

3.4.4. Regime da separação de bens .................................................................. 352

3.5. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 353

3.5.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 353

4. Dissolução da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial ...................................... 355

4.1. Disposições gerais .......................................................................................... 355

4.2. Do fim da sociedade conjugal ......................................................................... 356

4.3. Da dissolução do vínculo matrimonial............................................................. 361

4.4. Discussão de culpa no divórcio ....................................................................... 361

4.5. O uso do nome após a EC 66 ........................................................................... 362

4.6. Dissolução do casamento por morte presumida .............................................. 363

4.7. Divórcio e prestação de alimentos .................................................................. 364

4.8. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 364

4.8.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 364

5. Parentesco ............................................................................................................... 366

5.1. Relações de parentesco .................................................................................. 366

5.2. Graus de parentesco ...................................................................................... 366

24
5.3. Filiação .......................................................................................................... 367

5.3.1. Filiação decorrente do casamento ............................................................ 368


5.3.1.1. Afastamento da presunção de paternidade ....................................... 368
5.3.1.2. Prova da filiação ............................................................................... 370

5.3.2. Filiação fora do casamento ...................................................................... 371


5.3.2.1. Reconhecimento voluntário .............................................................. 371
5.3.2.2. Reconhecimento judicial ................................................................... 372

5.3.3. Barriga de aluguel ou barriga de substituição ........................................... 374

5.3.4. Multiparentalidade.................................................................................. 374

5.3.5. Adoção .................................................................................................... 377

5.4. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 379

5.4.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 379

6. Poder familiar e a proteção aos filhos ....................................................................... 381

6.1. Poder familiar ................................................................................................ 381

6.1.1. Extinção e da suspensão do poder familiar ............................................... 383

6.1.2. A alienação parental como fundamento para a suspensão do poder familiar


........................................................................................................................ 384

6.2. Proteção aos filhos: a guarda .......................................................................... 385

6.3. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 389

6.3.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 389

7. Alimentos ................................................................................................................ 390

7.1. Considerações gerais ...................................................................................... 390

7.1.1. Conceito e requisitos ............................................................................... 391

7.1.2. Características da obrigação alimentar ..................................................... 392

7.1.3. Principais classificações dos alimentos ..................................................... 393

25
7.1.4. Regras sobre a ordem preferencial quanto ao pagamento dos alimentos .. 394

7.1.5. Divisibilidade e solidariedade na obrigação alimentar .............................. 395

7.1.6. Base de cálculo de incidência dos alimentos ............................................. 395

7.1.7. A prisão civil como consequência pelo não pagamento dos alimentos ...... 396

7.1.8. Extinção da obrigação alimentar .............................................................. 397

7.1.9. Alimentos gravídicos ............................................................................... 397

7.1.10. Obrigação avoenga ................................................................................ 398

7.2. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 398

7.2.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 398

8. Tutela e curatela ...................................................................................................... 400

8.1. Considerações gerais ...................................................................................... 400

8.1.1. Tutela...................................................................................................... 400

8.1.2. Curatela .................................................................................................. 403

8.2. Tomada de decisão apoiada ........................................................................... 407

8.3. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 408

8.3.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 408

9. União estável ........................................................................................................... 409

9.1. Considerações gerais ...................................................................................... 409

9.2. Evolução da união estável .............................................................................. 410

9.3. A união estável no código civil ........................................................................ 413

9.4. A união estável e o denominado namoro qualificado ...................................... 415

9.5. Questões polêmicas quanto à união estável.................................................... 415

9.6. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 416

9.6.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 416

26
Questões ................................................................................................................. 417

Capítulo 9 – Direito das Sucessões ................................................................................ 432

1. Introdução ao direito das sucessões.......................................................................... 432

1.2. Abertura da sucessão .................................................................................... 433

1.3. Direito das sucessões e o princípio de saisine ................................................. 434

1.4. Espécies de sucessões .................................................................................... 434

1.5. Vocação hereditária e classificação dos herdeiros ........................................... 435

1.6. Diferenças entre herança e legado .................................................................. 438

1.7. Procedimento previsto no ncpc para o direito das sucessões ........................... 438

1.8. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 439

1.8.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 439

2. Sucessão hereditária ................................................................................................ 440

2.1. A herança e meação: diferenciação................................................................. 440

2.2. Administração da herança .............................................................................. 441

2.3. Herança jacente e herança vacante ................................................................ 441

2.4. Aceitação e renúncia da herança .................................................................... 443

2.5. Excluídos da sucessão: indignidade sucessória e deserdação ........................... 445

2.6. Ação de petição de herança............................................................................ 447

2.7. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 447

2.7.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 447

3. Sucessão legítima ..................................................................................................... 449

3.1. Considerações gerais ...................................................................................... 449

3.2. Sucessão dos descendentes (por cabeça ou direito próprio e por representação) e
concorrência do cônjuge e do companheiro .......................................................... 450

27
3.3. Sucessão dos ascendentes e concorrência do cônjuge e do companheiro ......... 453

3.4. Sucessão do cônjuge e do companheiro isoladamente .................................... 454

3.5. Sucessão dos colaterais .................................................................................. 457

3.6. Informativos de Jurisprudência....................................................................... 457

3.6.1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................... 457

4. Sucessão testamentária............................................................................................ 459

4.1. Conceito de testamento e características ........................................................ 459

4.2. Modalidades ordinárias de testamento .......................................................... 462

4.3. Modalidades especiais do testamento ............................................................ 465

4.4. Codicilo.......................................................................................................... 466

4.5. Disposições testamentárias ............................................................................ 466

4.6. Legado ........................................................................................................... 468

4.6.1. Espécies de legados ................................................................................. 468

4. 6.2. Efeitos dos legados ................................................................................. 470

4. 6.3. Caducidade dos legados .......................................................................... 470

4.6.4. Direito de acrescer entre legatários .......................................................... 470

4.7. Substituições testamentárias.......................................................................... 471

4.8. Redução das disposições testamentárias ........................................................ 473

4.9. Revogação do testamento .............................................................................. 473

4.10. Rompimento do testamento......................................................................... 474

4.11. Testamenteiro.............................................................................................. 475

4.12. Informativos de Jurisprudência ..................................................................... 476

4.12.1. Superior Tribunal de Justiça ................................................................... 476

5. Inventário e partilha................................................................................................. 477

28
5.1. Considerações gerais ...................................................................................... 477

5.2. Inventário judicial .......................................................................................... 477

5.3. Inventário extrajudicial .................................................................................. 485

5.4. Pena de sonegados ........................................................................................ 487

5.5. Pagamento das dívidas ................................................................................... 487

5.6. Colação ou conferência .................................................................................. 488

5.7. Redução das doações inoficiosas .................................................................... 490

5.8. Partilha .......................................................................................................... 491

5.9. Garantia dos quinhões hereditários ................................................................ 493

5.10. Anulação, rescisão e nulidade da partilha ..................................................... 493

5.11. Informativos de Jurisprudência ..................................................................... 494

5.11.1. Superior Tribunal de Justiça ................................................................... 494

Referências bibliográficas............................................................................................. 509

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Matheus Zuliani

CAPÍTULO 1 – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)

1. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)

1.1. VIGÊNCIA E VALIDADE DAS NORMAS

A vigência da lei ocorre a partir do momento em que ela passa a ter força coercitiva,
ou seja, a partir do instante em que todas as pessoas devem obedecê-la. Não se pode confundir
a vigência da lei com a sua existência. Pode ser que a lei exista, todavia, ainda não esteja em
vigor.
Assim, o primeiro passo é a existência da lei, uma vez que não tem como exigir a
obrigatoriedade da lei sem que ela exista. A lei passa a existir com sua promulgação. Após a sua
promulgação, é possível que ela entre em vigor nessa mesma data ou em data distinta, a
depender da vontade do legislador.
A regra é que a lei passe a vigorar em todo o território dentro do prazo de 45 dias
depois de oficialmente publicada. É o que dispõe o art. 1º da LINDB.
Denomina-se vacatio legis o prazo entre o início da existência da lei e o início de sua
vigência, caso exista esse intervalo. Trata-se de um período necessário para que a sociedade se
habitue tanto com a lei quanto com o regime jurídico que ela impõe. Nesse sentido, em atenção
ao princípio da obrigatoriedade da lei, ninguém pode alegar seu desconhecimento. Entende-se
que esse princípio não é absoluto, uma vez que há exceção, como o caso do erro de direito, em
que a parte negociante poderia revogá-lo, desde que não tenha o objetivo de descumprir a lei
(CC, art. 139, III).
Há uma corrente que entende que a vacatio legis é imprescindível em leis que tenham
relevante repercussão, não podendo ela entrar em vigor na data da publicação (art. 8ª caput da
LC 95/1998).
Por fim, ainda sobre a vacatio legis, é importante mencionar a forma de contagem.
Dispõe a Lei Complementar nº 95/1998, que trata sobre a elaboração, a redação, a alteração e
a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição
Federal, em seu art. 8º, §1º que “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que
estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia
do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. Isto é, inclui-se o
primeiro e o último dia, entrando a lei em vigor no dia subsequente à consumação integral do
prazo. Por isso, não se pode confundir com os prazos processuais do Código de Processo Civil,
no qual não se inclui a data da publicação na contagem.
A lei que nasce e que tem data certa para entrar em vigor pode sofrer alteração em
seu texto antes da vigência ou depois da vigência. A LINDB trata das duas situações. Se, antes
de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo dos
dispositivos alterados começará a correr da nova publicação (LINDB, art. 1º, § 3º). Em outras
palavras, a vacatio se reinicia para esses dispositivos alterados, dando nova oportunidade de se
familiarizar com a lei. Agora, se as correções forem em texto de lei já em vigor consideram-se lei
nova (LINDB, art. 1º, § 4º).
Existe uma questão que pode gerar dúvidas em concurso por confundir a parte técnica
com o que comumente se fala ou se aplica. Alguns entendem que vigência e vigor são situações
distintas. Vigor é a força da lei, da norma. Vigência é a norma que já esteve em vigor, mas que
agora não tem mais aplicabilidade. Assim, no cenário em que vivemos, o CPC/73 não possui mais

27

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Matheus Zuliani

vigência. Todavia, em maior número, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, vigência é o


termo utilizado para indicar a norma que tem força, ou seja, sinônimo de vigor1.
Para finalizar a questão da vigência da lei é importante lembrar que uma lei pode
ingressar no território nacional em um prazo e no estrangeiro em outro. No concurso da
Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 2010, o examinador fez a seguinte
pergunta: é possível que um mesmo fato seja regulamentado por duas leis distintas? A resposta
para essa indagação está no art. 1º, §1º da LINDB, uma vez que “nos Estados, estrangeiros, a
obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente
publicada”. Assim, se a lei tem uma vacatio de 45 dias, no 60º dia da sua publicação terá validade
no Brasil, mas ainda não no estrangeiro, o que acarreta a aplicação da lei antiga para uma
situação e a lei nova na mesma situação, só dependendo o local em que o fato for praticado.

1.2. REVOGAÇÃO DA LEI E SUAS FORMAS

Revogar significa anular, invalidar, desfazer, desvigorar. Em outras palavras, significa


tornar sem efeito uma lei ou qualquer outra norma jurídica. É a supressão da força obrigatória
da lei, retirando sua eficácia.
A revogação da lei tem previsão no art. 2º da LINDB, existindo quatros formas de se
revogar uma lei que está em vigor. A revogação pode ser total, parcial, expressa ou tácita.
A revogação total, também conhecida como ab-rogação, ocorre quando uma lei nova
regula inteiramente a matéria da lei anterior, ou então, quando existir incompatibilidade entre
elas.
A revogação parcial, denominada de derrogação, acontece quando apenas parte da lei
é tida como sem efeito, permanecendo parte dela em vigor. Ex.: o novo Código de Processo Civil
derrogou alguns dispositivos do Código Civil, por exemplo, o art. 227.
A revogação pode ser, ainda, expressa ou tácita. A revogação expressa é aquela que
taxativamente se diz qual norma está revogada. O art. 9º da Lei Complementar nº 98/1995, com
a redação da Lei Complementar nº 107/2001, estabelece que “a cláusula de revogação deverá
enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. Essa é uma forma de
revogação expressa. A tácita, ao contrário, ocorre quando há incompatibilidade entre elas. Diz
o art. 2º, §1º da LINDB, que ocorre essa forma de revogação quando “seja com ela incompatível
ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior”.
Quando se fala em revogação, questiona-se se o costume pode revogar norma.
No Direito Brasileiro, não existe a possibilidade de retirar o efeito de uma lei em razão
de um costume. É a chamada supremacia da lei sobre os costumes. O desuetudo, ou seja, o
costume negativo (desuso) não revoga lei2. Ele pode, em outro giro, ser considerado um método
de integração para fins de julgamento.
Por fim, é importante mencionar que lei temporária é aquela que nasce com termo
prefixado de duração ou com um objetivo a ser cumprido. A lei já nasce com um prazo para
perder sua vigência. Ela é uma exceção ao princípio da continuidade, já que não tem eficácia
continua, ou seja, não precisa de uma lei para revogá-la, pois seu fim tem um prazo certo,
determinado.

1Ao verificar uma questão que trata da diferença entre vigor e vigência, lembre-se dessa celeuma para responder.
2STJ:“A eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam,
em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia (Precedentes). II - A norma incriminadora não pode ser
neutralizada ou se considerada revogada em decorrência de, v.g., desvirtuada atuação policial (art. 2º, caput da LICC).
Recurso conhecido e provido”. (REsp 146.360/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
19.10.1999, DJ 08.11.1999 p. 85].

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1.3. REPRISTINAÇÃO

Repristinação significa restaurar a vigência de uma lei pelo fato de a lei revogadora ter
perdido a sua vigência. É o que dispõe o art. 2º, §3º da LINDB: “salvo disposição em contrário, a
lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Desta forma, em regra, não há repristinação no ordenamento jurídico vigente.
Todavia, esse efeito pode acontecer quando o legislador fizer constar essa previsão na lei
revogadora. Desta forma, se ficar consignado na lei revogadora que um de seus efeitos é
ressuscitar a lei revogada, verifica-se o efeito repristinatório da lei.
Alguns doutrinadores fazem a distinção entre repristinação e efeito repristinatório. O
efeito repristinatório é estudado no campo do Direito Constitucional, mais especificadamente
em controle concentrado de constitucionalidade. Ex.: Lei “A” foi revogada pela Lei “B”.
Posteriormente, o STF declara a inconstitucionalidade da Lei “B”, restaurando-se os efeitos da
norma revogada, já que a norma revogadora será considerada como nunca tivesse existido. É o
que preleciona o artigo 27 da Lei nº 9.868/99. A decisão de inconstitucionalidade é declaratória
e possui efeitos retroativos, ex tunc, concretizando-se com a chamada modulação dos efeitos
da decisão.

1.4. NORMAS GERAIS E NORMAS ESPECIAIS

Há uma classificação de normas no art. 2º, §2° da LINDB em que se entende por norma
especial aquela que possui um conteúdo especializado dentro de um ramo do direito (por
exemplo, Lei de Alimentos, Código de Defesa do Consumidor). Já a norma geral aborda o
conteúdo de um ramo do direito de maneira geral.
A norma geral não revoga a especial e a norma especial não revoga a geral. Tais normas
caminharão conjuntamente. A norma especial pode revogar a geral de duas formas: de forma
explícita, ou então, de forma implícita. A revogação expressa ou explicita ocorre quando há
previsão de que a norma especial está revogando a geral. A revogação implícita, por sua vez,
acontece no momento em que regula a mesma matéria que a geral, modificando o seu
conteúdo.
Pode ser que uma lei especial contenha uma parte específica e outra parte geral que
também está disposta em um Código, sem que haja, entre elas, contradição. Nesse caso, ambas
continuarão em vigor, coexistindo.

1.5. DA INTEGRAÇÃO DAS NORMAS

Pelo fato lógico de que o legislador não consegue prever todos os acontecimentos,
seja para o presente seja para o futuro, e da mesma forma que o juiz não pode ser furtar ao seu
mister de julgar alegando ausência de norma legal sobre o assunto, é que existe o instrumento
de integração das normas, permitindo-se que haja o preenchimento de lacunas (CPC, art. 140).
Dispõe o art. 4º da LINDB: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. O juiz não pode deixar de decidir
uma questão alegando que não existe norma regulamentadora para aquele caso em concreto
(julgamento non liquet). Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
O fenômeno da subsunção se perfaz no encaixe perfeito da norma ao caso concreto.
Contudo, na ausência da subsunção o juiz deverá se valer da analogia, dos costumes e dos
princípios gerais do direito. Com isso, não deixa nenhum caso sem solução.

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A doutrina defende que existe uma hierarquia entre os instrumentos de integração da


norma, devendo ser aplicada em primeiro lugar a analogia, depois os costumes, e por fim, os
princípios gerais de direito. Diz que a analogia tem preferência em razão do sistema brasileiro
adotar a supremacia da lei escrita.

1.5.1. ANALOGIA

Consiste a analogia na busca da solução em outra norma que é similar ao caso


desprovido de lei. Utiliza-se de uma norma ou conjunto de normas aproximadas a um caso. A
analogia pode ser classificada como analogia legal e analogia jurídica.
A analogia legal, segundo os ensinamentos de Limongi França, é exatamente a
aplicação de uma lei àquele caso em específico. Cita-se como exemplo o caso da convalidação
do negócio jurídico praticado com o vício da lesão. Dispõe o § 2º do art. 157 do Código Civil que
“não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito”. Porém, e se o caso for cometido em estado
de perigo? O Código Civil não traz a convalidação do negócio praticado em estado de perigo.
Assim, a doutrina e a jurisprudência se valendo da analogia legal permitem a utilização da
convalidação também para o estado de perigo. Inclusive, o enunciado 148 da III Jornada de
Direito Civil é nesse sentido.
A analogia jurídica é diversa. Consiste em utilizar-se de princípios, conceitos, preceitos
consagrados pela doutrina e pela jurisprudência a um caso em específico. Cumpre mencionar
que para alguns doutrinadores, a analogia jurídica se constitui na aplicação dos princípios gerais
do direito.
Há diferença entre a analogia e a interpretação extensiva. A interpretação extensiva
visa adequar o que o legislador realmente pretendia com aquela norma, ou seja, a norma diz
menos do que deveria. É o caso do art. 12 do Código Civil, em caso de violação aos direitos da
personalidade do de cujus, o cônjuge se torna lesado de forma indireta (dano por ricochete), e
tem legitimidade para postular em juízo. Em face dessa regra, deve-se aplicar uma interpretação
extensiva para garantir ao companheiro o mesmo direito previsto ao cônjuge.

1.5.2. COSTUMES

O costume é a conduta reiterada, de forma lícita, e que possui relevância no mundo


jurídico. Assim, um determinado costume pode ser aplicado com forma de integração desde que
apresente esses elementos, ou seja, a prática reiterada (elemento objetivo) e observância da lei
(elemento subjetivo), com relevância no ordenamento jurídico.
Os costumes podem ser classificados como contra legem, praeter legem, secundum
legem, e por fim, costume judiciário.
O costume contra legem é o que contraria a lei. O costume praeter legem é aquele que
preenche os requisitos para servir como método integrativo, ou seja, a conduta reiterada, de
forma lícita, e que possui relevância no mundo jurídico. Já o costume secundum legem é aquele
em que a sua aplicação é imposta pela lei.
Caracteriza o ato emulativo – aquele praticado com abuso do direito – o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (CC, art. 187). Isto é, se a pessoa excede o bom
costume pratica abuso do direito e comete ato ilícito.
Alguns doutrinares ainda trazem o costume judiciário, também conhecido como
jurisprudência sedimentada. Atualmente vivemos em uma era de precedentes obrigatórios,

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súmulas vinculantes e não vinculantes, repercussões gerais e jurisprudências uníssonas. Há


casos, como a súmula vinculante, recursos repetitivos e repercussões gerais, em que o juiz não
pode se recusar a aplicar o precedente. Outros, como jurisprudência sedimentada e súmulas
não vinculantes, embora não tenham observância obrigatória, são considerados costumes
jurídicos a serem seguidos na ausência de lei específica sobre o tema.

1.5.3. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Segundo sustenta Miguel Reale, os princípios constituem verdadeiros pilares


fundantes do ordenamento jurídico. O artigo 8º do Código de Processo Civil trabalha com a ideia
de que os princípios devem ser compulsoriamente observados.
Os princípios Gerais de Direito são crenças jurídicas já consolidadas na sociedade e que
são universalmente aceitas, como a regra de que ninguém pode ser valer da própria torpeza
para se beneficiar, nem se enriquecer indevidamente à custa de terceiro, dentre outros.

1.6. DA EQUIDADE

A equidade não é método de integração das normas, sendo considerado um recurso


de julgamento na aplicação das leis. A equidade é o julgamento com senso de justiça, com bom
senso. Para que se aplique a equidade, a lei precisa autorizar o magistrado a fazê-lo (CPC, art.
140, parágrafo único).
Alguns doutrinadores entendem que há diferença entre julgamento por equidade e
julgamento com equidade. O primeiro é a aplicação da equidade em si, quando a lei autorizar.
O segundo e o julgamento com senso de justiça, com bom senso. Entende-se que o julgamento
com equidade é ínsito a toda decisão judicial proferida.

1.7. DA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

A hermenêutica consiste na teoria científica de interpretar e descobrir o sentido da


norma jurídica, fixando seu alcance.
Na interpretação, observa-se a verdadeira essência da norma jurídica, ou seja, o que
verdadeiramente se pretende alcançar. É a chamada mens legis, isso é, a real intenção da lei.
Há diversos métodos e critérios de interpretação. Dentre eles podemos citar a
interpretação autêntica, doutrinária, jurisprudencial, gramatical, lógica, ontológica, histórica,
sistemática, e por fim, a teleológica.
A interpretação autêntica é a feita pelo próprio legislador por meio de outro ato
normativo. A doutrinária é elaborada pelos estudiosos do direito, como doutores, mestres e
livre docente. A interpretação jurisprudencial é feita pelos Tribunais. Quanto aos meios, a
interpretação gramatical é mais pobre de todas, pois leva em conta o sentido literal da palavra.
A ontológica busca a essência da lei, sua razão de ser (ratio legis). Na interpretação histórica se
investigam os antecedentes da lei, analisando o processo legislativo. A interpretação sistemática
é a que faz a interpretação de acordo com as demais normas presentes no ordenamento
jurídico. Por fim, a teleológica (sociológica) busca a finalidade da lei diante da nova perspectiva
social. Carlos Roberto Gonçalves diz que essa interpretação é endereça ao magistrado e consta
do art. 5º da LINDB, quando diz que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do bem comum”.

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1.8. DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS

A regra é que a lei não retroage, abarcando apenas as situações jurídicas criadas a
partir da sua vigência. Trata-se de um princípio que visa dar estabilidade e segurança ao
ordenamento jurídico, preservando situações já consolidadas sob a lei antiga, em que o
interesse particular deve prevalecer. Denomina-se de regra do tempus regit actum. Todavia,
essas regras não são absolutas, podendo sofrer mitigações no âmbito do Direito Penal, por
exemplo.
Observa-se, por fim, o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal que determina: “a
lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Nessa mesma
linha, temos o disposto no art. 6º da LINDB que prevê: “a lei em vigor terá efeito imediato e
geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

1.8.1. DO ATO JURÍDICO

O ato jurídico perfeito e acabado é aquele que já se consumou perante a lei vigente do
tempo em que se efetuou. Pense em um contrato de compra e venda de bem imóvel, sem
escritura lavrada porque o imóvel tem valor de 28 salários vigentes (CC, art. 108) e com registro
realizado. Posteriormente ao ato, vem uma lei que altera a obrigação de lavrar escritura para os
negócios que tenham como objeto imóvel acima de 20 salários. Essa lei não vai atingir aquele
contrato celebrado.

1.8.2. DIREITO ADQUIRIDO

Consiste no direito que já se incorporou ao patrimônio e a personalidade de seu titular,


podendo ser exercido a qualquer momento. Para ser considerado “direito adquirido” mister se
faz a presença de dois requisitos: a existência de um fato e a existência de uma norma que faça
originar direito do fato. Enquanto não estiverem presentes esses elementos, não há direito
adquirido, mas expectativa de direito.

1.8.3. DA COISA JULGADA

A coisa julgada é a decisão que não comporta mais recurso, tendo atingido o trânsito
em julgado. Assim, uma lei nova não pode alterar aquilo que já foi apreciado em definitivo pelo
Poder Judiciário.
Sobre a coisa julgada é importante constar que consta o enunciado 109 da Jornada de
Direito Civil que diz: “a restrição da coisa julgada, oriunda de demandas reputadas
improcedentes por insuficiência de provas, não deve prevalecer para inibir a busca da
identidade genética pelo investigando”.

1.9. CONFLITO DE LEIS NO TEMPO

É possível que existam leis que se contrariem, aparentemente. Quando isso acontece
há uma antinomia. Diz-se aparentemente porque, em tese, o ordenamento jurídico é perfeito e
não apresenta tais conflitos. Não é o que acontece.
A antinomia pode ser aparente e real. A antinomia real ocorre quando duas leis são
exatamente conflitantes entre si. No caso desse conflito o sistema jurídico não traz uma solução,
devendo ser tal conflito resolvido pelo Poder Judiciário. O Código de Processo Civil, no art. 8º,
prevê que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do

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bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a


proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Embora esteja
dentro do Código de Processo Civil, pode servir de norte par aplicação de outros ramos do
ordenamento jurídico.
O conflito aparente, como o próprio nome diz, é apenas ilusório. Menciona-se, como
exemplo, o prazo de prisão civil do devedor de alimentos. Na Lei dos Alimentos há uma previsão
de prisão de 1 a 60 dias, enquanto o Código de Processo Civil, no art. 528, §3º, prevê um prazo
de 1 a 3 meses.
Diante de um conflito aparente de normas a doutrina criou alguns critérios para
eliminar a antinomia, sendo o hierárquico, o especial e, por fim, o cronológico.
Pelo critério hierárquico uma lei superior prevalece sobre a lei inferior. Assim, busca-
se na “pirâmide de Kelsen” o fundamento para a aplicação desse critério. Desta forma, a lei
hierarquicamente superior tem preferência em relação a uma lei inferior. Ex.: norma
constitucional possui hierarquia em face de uma norma infraconstitucional. Esse é o primeiro
critério a ser aplicado.
No critério da especialidade leva-se em consideração a amplitude das normas. Isto é,
se o legislador tratou um determinado assunto com mais cuidado e rigor, ele deve prevalecer
sobre o outro que foi tratado de forma geral. Portanto, uma norma especial deve prevalecer em
relação a uma norma geral.
Por fim, no critério cronológico se aplica o momento em que a norma jurídica entra
em vigor, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão.
Dessa forma, utilizando-se o critério cronológico, uma lei mais recente tem preferência em
relação a uma lei anterior. O critério cronológico será utilizado sempre que o conflito não puder
ser solucionado pelos critérios hierárquico e da especialidade.
Alguns doutrinadores classificam as antinomias em graus. Entende-se por antinomia
de primeiro grau aquela que envolve apenas um dos critérios de eliminação do conflito. Para o
conflito entre uma norma anterior e outra posterior, aplica-se o critério cronológico. Para o
caso de conflito entre uma norma geral e outra especial, usa-se o critério da especialidade.
A antinomia de segundo grau envolve mais de um critério. Assim, concorrendo os
critérios hierárquico e cronológico, prevalece o hierárquico. Concorrendo o critério hierárquico
e o de especialidade, prevalece o hierárquico. Por fim, concorrendo os critérios de especialidade
e cronológico, prevalece o da especialidade.

1.10. DA VIGÊNCIA DA LEI NO ESPAÇO

A regra geral é que, dentro do território brasileiro, aplica-se a lei brasileira.


O Estado politicamente organizado tem soberania sobre o seu território e sobre seus
habitantes. Decorre disso que toda lei, em princípio, tem seu campo de aplicação limitado no
espaço pelas fronteiras do Estado que a promulgou.
O critério a ser utilizado para aplicação das leis no espaço é o critério territorial.
O Brasil adotou a Teoria da Territorialidade, mas de forma moderada, também
chamada de Territorialidade Temperada ou Mitigada. Isso porque, excepcionalmente, nos
deparamos com leis ou decisões estrangeiras que podem ser reconhecidas e aplicadas no Brasil.
Dessa forma, para que haja a aplicação de leis e sentenças estrangeiras no
ordenamento jurídico pátrio, faz-se necessária a observância de duas regras. A primeira prevê
que não se aplica leis, sentenças ou atos estrangeiros no Brasil quando ofenderem a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes. A segunda, por sua vez, prevê que não se

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cumprirá sentença estrangeira no Brasil sem o devido exequatur, que é a permissão dada pelo
Superior Tribunal de Justiça, por meio de homologação, para que esta decisão produza seus
efeitos. É a homologação de sentença estrangeira.
Ainda sobre a sentença estrangeira, dispõe o art. 15 da LINDB que será executada no
Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido
proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver legalmente se verificado
a revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a
execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido
homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (corrigindo de ofício o erro da LINDB, pois lá ainda
consta a homologação pelo STF, modificação que ocorreu pela EC 45/2004).
Por fim, a sentença estrangeira poderá ser executada perante a Justiça Federal, de
primeira instância – art. 109, inciso X da CF. Quanto aos títulos executivos extrajudiciais
estrangeiros, estes não precisam ser homologados para serem executados no Brasil.
A LINDB ainda tratou da vigência da lei no espaço no que concerne às questões de
estado da pessoa. Com isso, A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre
o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família (LINDB, art.
7º).
No que tange ao casamento e ao regime de bens, realizando-se o casamento no Brasil,
será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da
celebração. O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas
ou consulares do país de ambos os nubentes.
Por fim, no que concerne ao direito sucessório, deve-se obediência à lei do país em
que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos
bens (LINDB, art. 10). A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela
lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (LINDB, art. 10, § 1º). Por fim,
a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder (LINDB, art. 10, §
2º).

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CAPÍTULO 2 – DA PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL

1. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO CIVIL

O Código Civil é rodeado de princípios que moldaram o que é atualmente chamado de


o moderno direito civil. O mais importante de todos é o princípio da dignidade humana que
irradia efeitos para todos os ramos do ordenamento jurídico, não sendo exclusividade do direito
privado.
Os princípios norteadores do Código Civil são a eticidade, a socialidade e a
operabilidade3.
Tais princípios vieram para quebrar a ligação que o Código Civil de 1916 mantinha com
o individualismo e patriarcalismo, que colide frontalmente com os ditames da Constituição
Federal de 1988. Desta feita nota-se uma inspiração constitucional nesses princípios.

1.1. SOCIALIDADE

O Código Civil de 2002 visa atingir um maior número de pessoas, deixando de lado a
aplicação estrita ao indivíduo, passando a respeitar direitos sociais, e assim, exigir uma função
social, como a função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 1.228, § 1º do Código Civil),
do contrato (art. 421), da posse e da empresa. A atividade, ainda que privada, deve considerar
em seu contexto a sociedade e não apenas os sujeitos do negócio. Exemplo que podemos citar:
a diminuição dos prazos para a usucapião, quando a pessoa ali exerce posse e trabalho; o
contrato nulo, quando ofende direito dos trabalhadores. Tanto é que a LINDB, no art. 5º, diz que
“na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum”.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves defendem que esse princípio encontra-se
atrelado ao direito subjetivo. O direito subjetivo consiste no direito do indivíduo de agir
amparado pelo ordenamento jurídico com o objetivo de satisfazer um interesse legítimo. Para
esses doutrinadores, o direito subjetivo corresponde a uma função social. O sujeito ao agir
sempre age no interesse próprio, mas esse interesse individual não pode contrariar um direito
social, sob pena de perder força.

1.2. ETICIDADE

O Código Civil de 1916, de Beviláquia, não possuía preceitos éticos. O atual Código Civil
mudou isso, tanto que a atuação ética, proba, honesta é valor quase que supremo no Código
Civil de 2002. Prestigia-se a boa-fé objetiva. Abandona o formalismo do direito romano. Em
vários dispositivos do Código Civil, pode-se notar a presença do princípio da eticidade, a exemplo
dos art. 113 (negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos); art. 187
(abuso do direito que excede os fins econômicos e sociais) e, o principal, art. 422 que valoriza a
boa fé na conclusão e execução dos contratos.
A violação positiva do contrato é um reflexo da boa-fé objetiva na relação civil. Assim
a parte contratual que cumpre a obrigação pactuada, todavia, o faz com ofensa a boa-fé
objetiva, eleva a sua conduta contratual a um inadimplemento.

3 Esses três princípios foram tema de dissertação do concurso 180º de ingresso na carreira de Juiz Substituto do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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E mais, a boa-fé não existe apenas no Direito Civil, estando presente no Direito
Processual Civil (art. 80, CPC), já que se exige a ética na condução dos processos, assim como
não alterar a verdade e evitar recursos procrastinatórios, sob pena de litigância de má-fé.

1.3. OPERABILIDADE

O princípio da operabilidade, também chamado de concretude, vem para facilitar a


aplicação e a interpretação das normas pelas pessoas comuns e não apenas pelos operadores
do direito. Há dois exemplos que precisam ser mencionados: o primeiro é a localização, no
Código Civil, de prazos prescricionais e decadenciais. Antes não se sabia qual prazo era
prescricional ou decadencial. Com o princípio operabilidade sabe-se que os prazos dos artigos
205 e 206 são prescricionais, sendo os demais do Código Civil decadenciais.
O outro exemplo é a concretude, ou seja, aplicar a regra do Código de forma simples
e efetiva, visando a solução do caso concreto. Insere-se, no ordenamento jurídico,
cláusulas/normas gerais e conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem interpretados
no caso concreto.
Diante disso, surgiu a teoria das janelas abertas idealizada por Judith Martins Costa.
Por essa teoria, na atual codificação material, é possível que se perceba um sistema aberto, um
sistema de janelas abertas, que permitem uma constante incorporação e solução para novos
problemas. É o magistrado, aplicador da lei, que tem a incumbência de preencher esses espaços
abertos, de conceitos indeterminados, com o conceito social da época. Exemplo é a atividade
de risco que permite a responsabilidade civil (CC, art. 927, parágrafo único). O que é uma
atividade perigosa? Uma atividade de risco podia ser perigosa em 1930, e com as técnicas de
segurança e de eletrônica deixou de ser assim taxada em 2020. Nessa senda, é o Magistrado
quem vai dizer qual atividade se encaixa no perigo ou não.

1.4. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

O Código Civil está umbilicalmente ligado à Constituição Federal. A expressão Direito


Civil Constitucional advém do Direito Italiano e baseia-se em uma visão unitária do ordenamento
jurídico. É imprescindível a leitura dos artigos do Código Civil sob a luz da Constituição Federal.
Exemplo claro que reflete a questão é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações
privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais), assim como a aplicação da dignidade
humana nas relações privadas.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a possibilidade que se tem de aplicar
os direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, na relação entre particulares. Nota-
se que o Código Civil, acompanhando essa permissão, modificou o art. 57 que assim passou a
ser redigido: “A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida
em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no
estatuto”.

1.5. DIÁLOGO DAS FONTES

Entende-se que os ramos jurídicos diversos não podem se excluir quando da análise
de um caso concreto. Isso quer dizer que se mostra perfeitamente possível a complementação
entre os ramos jurídicos distintos, aplicando-se no caso concreto, sem exclusão mútua. Caso
mais comum é a aplicação harmônica entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil.

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A jurisprudência do STJ já aplicou a teoria do diálogo das fontes4, em caso envolvendo


o contrato de leasing.

2. DAS PESSOAS

Pessoa é todo aquele que titulariza direitos. Para a via processual, pode ser aquele que
ocupa tanto o polo ativo quanto o polo passivo de uma relação jurídica.
É comum ao se falar em pessoa logo imaginar a pessoa como ser humano. Todavia, no
direito civil a pessoa pode ser natural, ou física, ou então, jurídica ou coletiva.

2.1. DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Dispõe o art. 1º do Código Civil que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na
ordem civil”. Ao nascer com vida, a pessoa adquire a personalidade jurídica, que nada mais é do
que a aptidão genérica para se titularizar direitos e deveres.
Diante disso, a pessoa adquire a personalidade jurídica ao nascer com vida, ou seja, ao
respirar. É o disposto no art. 2º, primeira parte, do Código Civil. Para tanto, existia o exame
denominado de docimasia hidrostática de Galeno. Esse método consistia em colocar o pulmão
do recém-nascido em recipiente com água. Se o pulmão boiasse, é porque entrou ar; com isso,
adquiriu personalidade jurídica. Se o pulmão afundasse, é porque não entrou ar, o que indica a
ausência de aquisição de personalidade jurídica. A relevância disso é auferida no direito das
sucessões, já que interfere na ordem da vocação hereditária.
Por fim, a personalidade jurídica coincide com a capacidade de direito, capacidade que
todos têm.

2.2. DO NASCITURO

O art. 2º do Código Civil ao mesmo tempo em que confere personalidade jurídica às


pessoas que respiram, põe a salvo o nascituro, desde a concepção, o que nos faz indagar: teria
também o nascituro personalidade jurídica?
Segundo a doutrina de Limongi França, o nascituro é o ente concebido, mas ainda não
nascido, em outras palavras é o ente de vida intrauterina.
Há uma acirrada discussão sobre a aquisição da personalidade jurídica pelo nascituro.
Com isso surgiram três teorias, a natalista, a da personalidade condicional e a concepcionista.
Pela teoria natalista o nascituro teria personalidade jurídica desde o nascimento. Antes
do nascimento, ou seja, enquanto detentor de vida intrauterina, teria apenas expectativa de
direitos. Essa teoria é defendida por Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Silvio Venosa.
A teoria da personalidade condicional divide a aquisição da personalidade jurídica a
depender do direito exercido. Por ela, o nascituro seria dotado de personalidade apenas para
direitos existenciais (como o direito à vida). Se, todavia, fosse para direito negocial ou
econômico o seu exercício dependeria do nascimento com vida, ou seja, ficaria condicionado.
Serpa Lopes defende essa teoria.
Por fim, no que tange a teoria concepcionista, teria o nascituro personalidade jurídica
desde sua concepção. A concepção é o momento em que o óvulo da mulher é fertilizado pelo

4 STJ - REsp 1060515 / DF – Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP] – julgado
em 04/05/2010.

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Matheus Zuliani

espermatozoide do homem. Assim, ela acontece entre 11 e 21 dias após o primeiro dia da
menstruação.
Percebemos que, aos poucos, a teoria concepcionista ganhou mais espaço nos
Tribunais, inclusive na própria legislação brasileira, a exemplo da lei de alimentos gravídicos (Lei
nº 11.804/08) e de recentes decisões do STJ que admitiram o dano moral ao nascituro ou pela
morte de nascituro (AgRg no REsp 1341790/RS e REsp 931556 /RS) e até mesmo pagamento de
DPVAT a beneficiária que teve a gestação interrompida por acidente de trânsito (REsp
1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014 – informativo de
jurisprudência nº 0547).
Para encerrarmos a questão do nascituro, ainda precisamos fazer alguns
apontamentos.
Nascituro é diferente do natimorto. O natimorto é o ser que nasce morto. Sobre o
natimorto, a nova roupagem que recebeu o Código Civil trouxe a ele alguns direitos que não
eram reconhecidos na vigência do Código Civil de 1916. Assim, a proteção que se confere ao
nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome,
imagem e sepultura (isso com base na dignidade da pessoa humana e na eficácia horizontal dos
direitos fundamentais). É o que dispõe o Enunciado nº 1, da 1ª Jornada de Direito Civil.
Também não se pode confundir nascituro com o concepturo. O concepturo o ente que
nem concebido foi. Trata-se da prole eventual que, nos termos do direito sucessório (CC, art.
1.799, I), pode ser herdeiro testamentário.
Com o advento da Lei nº 11.105/2005, conhecida como lei da biossegurança, é preciso
tecer algumas considerações sobre o embrião. Essa lei tutela os direitos do embrião, reforçando
a adoção da teoria concepcionista.
O art. 5º da lei diz que é permitida a utilização de células-tronco embrionárias para fins
de pesquisa e terapia, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não
utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam embriões inviáveis; ou seja, embriões
congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação da lei, ou que, já congelados na data da
publicação dessa lei, depois de completarem 3 anos, contados a partir da data de congelamento.
Ainda, para fins de utilização de embrião com o fito de pesquisa e uso terapêutico, a
lei autoriza tal utilização, desde que, em qualquer caso, seja indispensável o consentimento dos
genitores.
A utilização de células-tronco embrionárias é excepcional, pois a regra é a não
utilização. O STF considerou constitucional essa lei.
É importante expor que o descarte dos embriões não utilizados se dá pelo
encaminhamento às pesquisas de células-tronco. Isto é, não terá o embrião direitos da
personalidade. A existência dos direitos da personalidade é condicionada à concepção
intrauterina.

2.3. DA CAPACIDADE

A capacidade é a medida da personalidade. A pessoa plenamente capaz é aquela que


está apta para o exercício dos atos da vida civil sem estar assistido ou representado.
A capacidade pode ser de direito ou de fato.
A capacidade de direito, também conhecida como capacidade de gozo, confunde-se
com a personalidade jurídica, sendo adquirida no momento em que a pessoa nasce com vida. A
capacidade de direito ou de gozo é uma capacidade geral, genérica, que qualquer pessoa tem.
Bebê de 21 dias tem capacidade de direito, homem maior de 18 também. Todos têm.

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Capacidade de fato ou de exercício nem toda pessoa a tem. Ela traduz a aptidão para
a prática dos atos da vida civil. O absolutamente incapaz não a tem.
Quando um sujeito reúne as duas capacidades (de direito e de fato), ele atinge a
capacidade civil plena.
A capacidade plena não se confunde com a legitimação. Legitimação é a capacidade
especial para um determinado ato ou negócio jurídico. Ex.: necessidade de outorga conjugal
para vender o imóvel, sob pena de anulabilidade do contrato. Esta legitimação é conferida ao
cônjuge. Veja, o cônjuge varão é plenamente capaz, no entanto, não pode vender o bem imóvel
sem a outorga do outro, sob pena de faltar legitimação para o ato.
Em contraposição à capacidade, temos a incapacidade, que nada mais é do que a
ausência de capacidade de fato.

2.4. DA INCAPACIDADE

A incapacidade é a ausência de capacidade de fato, que torna a pessoa inapta para os


atos da vida civil sem estar assistida ou representada.
Assim, no ordenamento jurídico vigente não existe incapacidade de direito, uma vez
que todos se tornam capazes (de direito) ao nascer com vida.
O instituto da incapacidade sofreu, recentemente, uma reviravolta com a edição do
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Em suma, o Estatuto entendeu que
não é correto atribuir às pessoas com deficiência a pecha de incapazes. Diante disso e atraindo
o princípio da dignidade humana mais uma vez, as pessoas portadoras de deficiência são
consideradas capazes para os atos a vida civil. Essa lei trouxe para o ordenamento jurídico uma
valorização da dignidade/liberdade em detrimento de uma dignidade/vulnerabilidade.
A incapacidade de exercício pode ser de natureza absoluta ou de natureza relativa.
A incapacidade absoluta é a total ausência de exercício de direito. Somente pode
praticar o ato o representante do incapaz, sob pena de nulidade do ato. Os absolutamente
incapazes estão elencados no rol do art. 3º do Código Civil.
A incapacidade relativa, por sua vez, é aquela em que o sujeito detém certo
discernimento para praticar um ato, no entanto, precisa ser assistido para que o ato tenha
validade. Nessa assistência não há supressão da vontade, mas sim, convergência de vontades,
na qual o assistido pratica o ato junto com o relativamente incapaz. Nessa senda, o ato praticado
pelo relativamente incapaz é um ato anulável (CC, art. 171, I). Os relativamente incapazes estão
no rol do art. 4º do Código Civil.

2.4.1. DOS ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

Dispõe o art. 3º do Código Civil que: “são absolutamente incapazes de exercer


pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”.
Nota-se que o Legislador trouxe um critério objetivo para definir os absolutamente
incapazes, ou seja, ou a pessoa tem menos de 16 anos e é absolutamente incapaz, ou ela tem
mais de 16 anos e pode ser relativamente incapaz ou capaz.

2.4.2. DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES

Os relativamente incapazes estão no rol do art. 4º do Código Civil, que assim vem
redigido:

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Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

O critério adotado pelo Legislador, nesse caso, é um critério misto, pois adota tanto o
critério biológico (objetivo) quanto o critério psicológico (subjetivo). Veja que no inciso I adota-
se o critério biológico. Nos demais o critério é o psicológico.
O surdo-mudo pode ser considerado um relativamente incapaz ou não. A pessoa surda
é capaz. No entanto, na hipótese dessa pessoa não conseguir manifestar sua própria vontade, é
que ela poderá ser considerada relativamente incapaz, nos moldes do art. 4º, inciso III, do
Código Civil.
No Código Civil de 1916, o ausente era considerado um relativamente incapaz. No
Código Civil de 2002, a ausência não se relaciona com a incapacidade, possuindo um rito próprio
para que se tenha a declaração de ausência e, com isso, dê procedência aos bens deixados pelo
ausente.
Em 2016 foi editada uma lei que trouxe o conceito do que é a primeira infância da
pessoa. A Lei nº 13.257/2016 regula alguns pontos interessantes sobre a questão da primeira
infância, que é tida nos 72 primeiros meses (6 anos) de vida da criança. Diante da lei, busca-se
o estabelecimento de políticas públicas para melhor desenvolvimento da criança nesses
primeiros meses de vida. Dispõe o art. 2º da referida lei que “considera-se primeira infância o
período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida
da criança”.
O pródigo é a pessoa que dissipa seus bens desvairadamente. Sobre o pródigo, importa
fazer uma ressalva sobre a modificação da visão do direito privado ao logo dos anos. Certa vez,
em uma prova de ingresso no concurso da Magistratura do Estado de São Paulo, o
Desembargador Examinador perguntou ao candidato: analise a interdição do pródigo na visão
do Código atual (2002) no cotejo com o Código anterior (1916).
O que justifica a interdição do pródigo é a proteção do mínimo vital para a sua
sobrevivência. Não somente, a proteção do patrimônio mínimo, corolário do princípio da
dignidade humana. Assim, verifica-se o cunho social da intervenção (princípio da socialidade).
No Código Civil de 1916, a finalidade era estritamente patrimonialista, sem se preocupar com a
pessoa do pródigo. Simplesmente preservar o patrimônio para os herdeiros. Essa modificação
de visão é que deu outra roupagem ao direito civil moderno.
Por fim, sobre os índios, é preciso apenas fazer uma pequena observação, no mesmo
sentido que foi feita em relação ao surdo mudo.
No Código Civil de 1916, os índios eram denominados de “silvícolas” e considerados
relativamente incapazes, simplesmente por serem índios. Com o novo modelo de código, o
Código Civil de 2002 passou a prever que a capacidade dos índios é regida por legislação
específica (CC, art. 4º, parágrafo único).

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Matheus Zuliani

A Lei nº 6.001/73 que trabalha o Estatuto do Índio estabelece, no art. 8º, que o índio
não inserido na sociedade, caso pratique algum ato, esse ato será nulo. Por outro lado, caso o
índio esteja inserido na sociedade, os atos serão válidos.
A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é o órgão público encarregado de proteção dos
direitos dos índios.

2.4.3. DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – ASPECTOS RELEVANTES

A Lei nº 13.146/2015 entrou no nosso sistema jurídico em julho de 2015, teve período
de vacatio legis de 180 dias, tendo em vista a grande repercussão no mundo jurídico. Sua criação
teve por finalidade dar maior proteção às pessoas com deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência revolucionou nosso sistema de incapacidade,
conferindo maiores oportunidades às pessoas com deficiência, inclusive, para atuarem no
mundo cível com maior de liberdade.
Em virtude disso, antes da entrada em vigor da Lei n° 13.146/2015, as pessoas que
tinham discernimento reduzido eram chamadas de relativamente incapaz, ao passo que,
aqueles que não tinham qualquer discernimento, eram denominados de absolutamente
incapaz.
Hodiernamente, a pessoa com deficiência, pela simples deficiência, não é considerada
incapaz, podendo atuar nos atos da vida civil e tomar decisões.
Portanto, a pessoa com deficiência possui capacidade civil plena.
É claro que, na prática, a pessoa com deficiência, ainda possui certa vulnerabilidade
necessitando de atenção especial. A lei não ficou indiferente a essa situação, criando uma
divisão de atos a serem praticados por eles.
Desta forma, entende-se que a pessoa com deficiência não precisa estar amparada por
curador quando estiver diante da prática de atos existenciais, uma vez que é capaz. Assim, para
alterar seu nome ou para casar não precisa do curador. O art. 6º da lei traz essa menção quando
elenca atos, de forma exemplificativa, que podem ser praticados sem que isso afete a plena
capacidade.
Contudo, quando o ato tiver cunho patrimonial, há a necessidade do curador para a
proteção da pessoa com deficiência. O art. 85 da lei deixa isso claro quando diz que: “a curatela
afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”.
Nesse sentido, também foi editado um enunciado pela Jornada de Direito Civil
(Enunciado 138 da JDC), que diz: “a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inciso
I do artigo 3°, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles
concernentes, desde que demonstrem discernimento suficiente”.
Conclui-se, assim, que a curatela ainda persiste no nosso ordenamento jurídico. No
entanto, nos termos do art. 84, §3º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a definição de
curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
Outra questão relevante que foi introduzida pelo Estatuto é a tomada de decisão
apoiada.
A tomada de decisão apoiada encontra-se prevista no art. 1.783-A do Código Civil. É o
processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as
quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de

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decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para
que possa exercer sua capacidade.
A doutrina civilista afirma que essa decisão é, efetivamente, “apoiada”. Somente é
possível ter tomada de decisão apoiada se a pessoa a ser apoiada tiver o mínimo de
discernimento. A decisão não é substituída, ou seja, a decisão final será da pessoa que está
sendo apoiada.
Os limites do apoio estarão inseridos no termo, inclusive prazo de vigência do acordo,
conforme §1º do 1.783-A do Código Civil, in verbis:

para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os


apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser
oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo
e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

O pedido de tomada de decisão apoiada é feito perante o Juiz, com a participação do


Ministério Público (CC, art. 1.783-A, § 3º).
Outro ponto interessante a mencionar é quando os apoiadores não estão em harmonia
com a decisão. Neste caso, o juiz vai decidir, após manifestação do Ministério Público, tudo nos
termos do §6º do art. 1.783-A do Código Civil.

2.5. MAIORIDADE CIVIL

A maioridade põe fim à menoridade. Conforme ensina Fábio Ulhoa, a maioridade


inicia-se à zero hora do primeiro dia seguinte àquele em que a pessoa completou seu décimo
oitavo aniversário.
A partir desse instante a pessoa é plenamente capaz para os atos da vida civil.
Embora a maioridade só inicie aos 18 anos, é possível que haja a antecipação de seus
efeitos. Muitos dizem, de forma equivocada, que a maioridade pode ser antecipada. Não, não
pode. O que se antecipa são os efeitos da maioridade. Isso se dá com a emancipação.
Dois pontos merecem atenção quando se fala em maioridade.
O primeiro deles diz respeito a pensão alimentícia. Significa que o genitor que paga
pensão alimentícia não fica automaticamente desobrigado do dever alimentar pelo simples fato
do seu filho atingir a maioridade. Nesse caso, é preciso que se ingresse com ação de exoneração
de alimentos, garantindo, assim, o direito ao contraditório5. Isso porque é possível que esse filho
esteja estudando, fato que prorrogará a pensão alimentícia até os 24 anos de idade.
O segundo ponto é sobre o termo final de recebimento de pensão por morte. Isso
porque o art. 16, I da Lei nº 8.213/91 diz que são beneficiários do Regime Geral de Previdência
Social, na condição de dependentes do segurado, os menores de 21 anos de idade. Ora, o Código
Civil diz que o maior de 18 anos é maior e capaz e a lei específica diz que o menor de 21 anos de
idade é dependente. Como fazer diante desse conflito? Em primeiro, a lei surgiu quando a
maioridade era atingida aos 21 anos de idade. Em segundo, a doutrina e a jurisprudência
entendem que a redução da maioridade para os 18 anos não atingiu a lei da previdência, uma
vez que ela presume que a dependência econômica, para fins previdenciários, não cessa aos 18
anos, mas sim, aos 21 anos de idade.

5 Súmula 358 do STJ: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão
judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

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Nesse sentido foi editado o enunciado 3 da I Jornada de Direito Civil6.

2.5.1. DA EMANCIPAÇÃO

A emancipação é a antecipação dos efeitos da maioridade. Ela está prevista no art. 5º,
parágrafo único, do Código Civil, podendo ser voluntária, legal ou judicial.
A emancipação somente pode acontecer para os maiores de 16 anos de idade, mesmo
nas hipóteses de emancipação legal. No caso do casamento é preciso fazer apenas uma
observação. A regra é a de que o casamento só pode ser contraído por quem tenha a idade núbil.
Essa é atingida aos 16 anos de idade. Portanto, mesmo no caso de emancipação pelo casamento,
é necessário ter 16 anos de idade.
Por fim, é interessante, antes de ingressar nas formas de emancipação, falar sobre a
emancipação e a permissão para conduzir veículo automotor.
Embora o emancipado esteja, com a emancipação, apto a praticar os atos da vida civil,
podendo, inclusive, comprar um carro, não poderá conduzi-lo. Isso porque o Código de Trânsito
Brasileiro, no art. 140, I, diz que é requisito para adquirir a habilitação ser penalmente imputável,
ou seja, enquanto a maioridade penal for atingida apenas aos 18 anos de idade, somente com
essa idade a pessoa pode dirigir.

2.5.1.1. DA EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA

A emancipação voluntária é aquela concedida pelos pais, sendo realizada diretamente


no cartório, mediante escritura pública, ao menor que já tenha atingido 16 anos. Ela prescinde
de homologação judicial, basta a vontade dos pais.
Trata-se de um ato discricionário dos genitores, ou seja, os filhos não podem exigir de
seus pais a disposição do poder familiar. Ex.: Não se pode ajuizar uma ação de obrigação de fazer
contra os genitores exigindo que eles o emancipem.
Aquele que tem o poder familiar tem que participar do ato emancipatório.
E se os pais não concordam com o ato de emancipar? Havendo divergência entre a
vontade dos pais, o juiz decidirá.
Sobre a emancipação voluntária há uma questão relevante que vem sendo decidida
pelo Poder Judiciário. Quando os pais emancipam o maior de 16 anos de idade, isso não tem o
condão de livrá-los o pagamento de indenização pela prática do ato ilícito do filho.
Nesse sentido já decidiu o STJ (AgRg no Ag 1239557/RJ – Rel. Ministra Maria Isabel
Gallotti).
Nesse sentido, o enunciado 41 da Jornada de Direito Civil traz que “a única hipótese
em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido
emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil”.

2.5.1.2. DA EMANCIPAÇÃO JUDICIAL

A emancipação judicial acontece em uma única hipótese, qual seja, quando concedida
a pedido do tutor. É necessária a oitiva do tutor e do Ministério Público.

6 Enunciado nº 03, da I Jornada CJF: Art. 5º: “a redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos 18

anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, que regula específica situação de dependência econômica
para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial”.

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É importante ponderar que o tutor não pode emancipar o tutelado de forma


voluntária.

2.5.1.3. DA EMANCIPAÇÃO LEGAL

Por fim, a emancipação legal acontece nas hipóteses trazidas pelo Código Civil, sendo
aquelas previstas no art. 5º, parágrafo único, II, III, IV e V do Código Civil, ou seja, pelo
casamento, pelo exercício de emprego público efetivo, pela colação de grau em curso de ensino
superior, e por fim, por ser titular de estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de
relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha
economia própria.
Sobre a emancipação legal é preciso pontuar:
a) economia própria é um conceito vago, que será interpretado no caso concreto. É a
aplicação efetiva da teoria das janelas abertas;
b) não há homologação judicial na emancipação legal, basta a ocorrência dos fatos
previstos em lei;
c) em relação ao casamento como hipótese de emancipação legal, não se aplicará nos
casos de união estável. Isso porque, a união estável não possui o fato constitutivo, como se tem
no casamento. Havendo divórcio, o menor não retorna ao estado de incapaz, no entanto, se o
casamento for considerado nulo ou inválido, o menor voltará à condição de incapaz. Ademais,
em se tratando de casamento putativo (casamento nulo ou anulável contraído de boa-fé por um
ou ambos os nubentes) a pessoa permanece da condição de capaz;
d) a hipótese de emprego público efetivo, previsto no Código Civil, tornou-se um
dispositivo inócuo, pois atualmente é necessário ter 18 anos para esse tipo de emprego.

2.5.1.4. DA REVOGAÇÃO DA EMANCIPAÇÃO

A emancipação possui caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade. No entanto, não


significa dizer que não possa ser anulada. A emancipação voluntária, embora não seja um ato
jurídico em sentido estrito, cujos efeitos estão na lei, não significa que não possa ser invalidado.
Até porque, o artigo 185 do CC, estabelece que “poderão aplicar aos atos jurídicos, os
dispositivos relacionados a negócio jurídico”. Ex.: se o filho coage o pai para emancipá-lo, é
possível invalidar essa emancipação. Portanto, quando presente qualquer vício do negócio
jurídico, como coação, erro, dolo, simulação, fraude contra credores, será possível se cogitar em
uma anulação da emancipação.
Outra questão é a revogação da emancipação caso fique comprovado que os
responsáveis legais do relativamente incapaz realizaram a emancipação apenas para se livrarem
do dever de auxiliar o assistido. Nessa hipótese, é possível se cogitar em uma revogação da
emancipação.

2.6. DA EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MORTE

A personalidade jurídica é extinta pela morte.


De modo geral, a extinção da personalidade jurídica é extremamente relevante no
mundo jurídico, uma vez que interfere diretamente em outros ramos, como a abertura da
sucessão; transmissão da herança pelo princípio da saisine; extinção do poder familiar; extinção
do matrimônio; fim de relações personalíssimas, dentre outros.

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No direito civil temos dois tipos de morte, a real e a presumida.


A morte real é aquela em que temos um corpo morto.
Tem-se morte real com a paralisação da atividade encefálica, segundo dispõe a Lei nº
9.434/97 – Lei dos Transplantes de Órgão. Por essa razão, a extinção da personalidade jurídica
não acontecerá da mesma forma que à sua inquisição, ou seja, com a respiração. Portanto, basta
que um médico ateste o fim da atividade encefálica para se decretar a morte. Todavia, se a morte
tiver fins de transplante de órgãos, a morte precisa ser atestada por dois médicos que não integre
a equipe de remoção do órgão (art. 3º da Lei nº 9.434/97).
A morte presumida é considerada como sendo aquela em que não há a presença de
um corpo morto.
A morte presumida pode ser com declaração de ausência ou sem declaração de
ausência. O art. 7º do Código Civil trata dos casos em que a morte é sem declaração de ausência,
uma vez que a probabilidade da morte ter ocorrido é alta. Já a morte presumida com declaração
de ausência se encontra disciplinada nos artigos 22 ao 39 do Código Civil, possuindo um
procedimento específico de três fases.

2.6.1. DA MORTE SEM DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA

Dispõe o art. 7º, incisos I e II, Código Civil, que pode ser declarada a morte presumida,
sem decretação de ausência, se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo
de vida, ou então, se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra7. Na primeira hipótese temos os casos
recentes de tragédias envolvendo as companhias aéreas, como Air France; Air Malasia, barragem
de Brumadinho, dentre outros.
É importante constar que a declaração da morte presumida, nesses casos, somente
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a
data provável do falecimento. Para que o juiz profira essa sentença é preciso que haja o
procedimento de justificação.

2.6.2. DA MORTE COM DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA

A morte com declaração de ausência possui um procedimento próprio, previsto no


Código Civil, que visa arrecadar os bens do ausente, dar a posse dos bens aos herdeiros de forma
provisória, e por fim, declarar a morte com a transmissão definitiva da posse e propriedade dos
bens.
Com isso, tal procedimento possui três fases, sendo a primeira a da arrecadação dos
bens do ausente, a segunda da sucessão provisória, e por fim, a terceira que é a sucessão
definitiva.
Na fase de arrecadação dos bens do ausente, que se inicia com a judicialização da
notícia do desaparecimento da pessoa, o juiz nomeia um curador dentre as pessoas elencadas
no art. 25 do Código Civil, devendo seguir a ordem da lei.
Esse período de arrecadação, que pode ser de 1 (um) ano ou de 3 (três) anos, encerra
a primeira fase. Será de três anos quando o ausente deixou procurador para administrar seus
bens, sendo de um ano quando não existir procurador constituído (CC, art. 26).

7 Para os amantes de filme, esse caso reflete exatamente o narrado no Rambo II, a missão, com o autor sylvester
stallone. Nesse filme o Rambo resgata prisioneiros da guerra do Vietnã.

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Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores,


no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de
Justiça, onde permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa
da comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2 (dois) meses, anunciando a
arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens (CPC, art. 745).
Findo o prazo previsto no edital, ou seja, após um ano da arrecadação dos bens do
ausente, poderão os interessados (CC, art. 27) requerer a abertura da sucessão provisória.
Na fase da sucessão provisória, ao ser prolatada a sentença, que somente produzirá
efeitos 180 dias depois de publicada pela imprensa. No entanto, ao transitar em julgado já
poderá dar proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos
bens, como se o ausente fosse falecido (CC, art. 28).
Dessa forma, ao permitir o ingresso dos herdeiros na posse, o juiz exigirá deles uma
garantia de que eles serão restituídos. Essa garantia pode ser de penhor ou de hipoteca. Os
herdeiros necessários estão dispensados dessa garantia (CC, art. 30, § 2º). Os demais, que não
puder prestar a garantia serão excluídos, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a
administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia
(CC, art. 30, § 1º).
Nessa fase não se pode alienar os imóveis, salvo para evitar ruína e com autorização
do juiz. O mesmo para se hipotecar o bem. É o que se extrai do art. 31 do Código Civil.
Por fim, é importante tecer algumas considerações acerca dos frutos que os bens dão.
O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará 100% dos
frutos que os bens dão. Os outros sucessores (herdeiros facultativos), porém, deverão capitalizar
metade desses frutos e rendimentos, com obrigação de prestar contas anualmente ao juiz. Essa
capitalização ocorre em títulos garantidos pela União, nos termos do art. 29 do Código Civil.
Essa capitalização é necessária para o caso do retorno do ausente. Se isso acontecer, e
ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua
parte nos frutos e rendimentos.
Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse
provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia,
obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono. É o
que dispõe o art. 36 do Código Civil.
Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão
provisória abre-se a sucessão definitiva, por requerimento.
Com a sucessão definitiva atesta-se a morte do ausente e os herdeiros tomam os bens
para si, de forma definitiva. No entanto, ainda é permitido ao ausente reaver os bens. Nos termos
do art. 39 do Código Civil, regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão
definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens
existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os
herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele
tempo.
Se, nos dez anos da sucessão provisória, o ausente não regressar, e nenhum
interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do
Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se
ao domínio da União, quando situados em território federal (CC, art. 39, parágrafo único).
Por fim, é interessante anotar que o art. 38 do Código Civil traz uma conversão direta
em sucessão definitiva, sem passar pelas fases anteriores. Se comprovar que uma pessoa
ausente, esteja desaparecido a mais de 5 anos e que conta com 80 (oitenta) anos de idade,

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Matheus Zuliani

poderá ser requerida a abertura da sucessão definitiva. Isso porque a idade do ausente traz uma
presunção de que as chances de sobrevivência dessa pessoa são mínimas. Desta forma, as
medidas protetivas do seu patrimônio também poderão ser mitigadas.

2.6.3. DA COMORIÊNCIA

Comoriência tem relação com o momento da morte, interferindo diretamente nos


direitos sucessórios.
Segundo o art. 8 do Código Civil, se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma
ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-
ão simultaneamente mortos.
Há uma discussão na comoriência se o Código Civil, ao se valer do termo mesma
ocasião, pretendeu adotar comocomorientes as pessoas que morrem do mesmo evento, ou
então, que faleceram ao mesmo tempo. A doutrina majoritária, que enfrenta o assunto,
posiciona-se no sentido de que mesma ocasião leva a ideia de tempo e não de lugar. Nesse caso,
considera-se comorientes as pessoas que morreram ao mesmo tempo, independentemente de
ser sido do mesmo evento.

2.7. DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade por muitos anos ficaram no esquecimento, sem relevância


jurídica, já que a proteção do patrimônio era a única a ser tutelada. O ser humano não será
protegido apenas no seu patrimônio, mas também em elementos que integram a sua alma.
Os direitos da personalidade têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da
pessoa, mas não apenas individualmente, mas também socialmente. São direitos inatos, ou seja,
que nascem com o ser humano que não podem ser renunciados ou dispensados.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves fazem uma correlação interessante sobre os
direitos da personalidade. Eles dizem que, assim como os direitos fundamentais estão para a
Constituição Federal, os direitos da personalidade estão para Código Civil.

2.7.1. ASPECTOS GERAIS

O Código Civil não exauriu todos os direitos da personalidade, podendo existir outros
esparsos pelo ordenamento jurídico. Os direitos autorais é um exemplo que pode ser
mencionado de um direito da personalidade não previsto no Código Civil.
Nesse sentido foi editado o enunciado 274 da Jornada de Direito Civil que diz:

os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil,


são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc.
III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão
entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da
ponderação.

O enunciado representa muito bem a Escola do Direito Civil Constitucional que procura
analisar o direito privado a partir da Constituição Federal e dos seus princípios fundamentais.
O artigo 11 do Código Civil menciona que “com exceção dos casos previstos em lei, os
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária”.

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Matheus Zuliani

O referido artigo trabalha com mais uma das características dos direitos de
personalidade, o qual não consta no rol já mencionado. Desse modo, quando falamos em
intransmissível e irrenunciável, tem-se que os direitos de personalidade são indisponíveis.
Todavia, tais características não estão revistas de caráter absoluto. Significa que em algumas
situações pode-se dispor desses direitos de personalidade.
A parte destacável dos direitos da personalidade é aquela de cunho patrimonial,
realizada mediante um contrato, que tem que respeitar a sua função social. Essa parte disponível
tem um limite temporal e moral, ou seja, a disponibilidade não pode ser eterna e não pode
ofender a moral e os bons costumes, além de não atentar contra a dignidade humana. Aqui, não
tem como não lembrar do famoso caso de arremessos de anão na França8.
Além disso, o contrato que trata dessa parte destacável tem que respeitar a eficácia
interna da função social, ou seja, entre as partes do contrato é preciso que haja um respeito aos
interesses sociais.
A Jornada de Direito Civil da Justiça Federal editou três enunciados sobre o tema, sendo
o 49, 2310 e 36011.
O Código Civil prevê a proteção dos direitos da personalidade em seu art. 12. Os
direitos da personalidade são protegidos pelos princípios da prevenção e da proteção integral
dos danos. Pelo princípio da prevenção inibe-se, por meio da tutela inibitória o nascimento do
ilícito. É a busca e apreensão de uma revista que está prestes a publicar uma reportagem que
ofende a honra de uma pessoa. Todavia, quando o ilícito já produziu seus efeitos, a proteção é
por meio da tutela ressarcitória ou reparatória. Inclusive, permite-se que o juiz, de ofício, fixe
tutela específica para a proteção dos direitos da personalidade, como é o caso de astreintes.
Nesse sentido, o enunciado 140 da Jornada de Direito Civil traz que “a primeira parte do art. 12
do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art.
461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo”.
Por fim, mister se faz tecer considerações acerca da existência de conflito de direitos
da personalidade, como um possível conflito entre a honra e a informação; liberdade de
imprensa e privacidade; direito de crença e a vida, dentre outros. Diante desses conflitos, e
sabendo que um direito não se sobrepõe ao outro, é preciso socorrer-se ao método da
ponderação de princípios.
Os direitos fundamentais não possuem natureza, e assim, devem ser vistos diante do
caso concreto e dos argumentos fornecidos pelas partes envolvidas. Dessa forma, evidencia-se
a necessidade de se ponderar para se chegar a solução do conflito. A ponderação nada mais é
do que atuar com proporcionalidade diante do caso posto.
Na opinião do Ministro do STF Luís Roberto Barroso, a ponderação é uma “técnica de
decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou
insuficiente”. Assim, em breve resumo, a ponderação é o método de redução proporcional de

8 O arremesso de anões foi proibido na pequena cidade francesa de Morsang-sur-Orge em 1992, e o caso passou
pelas cortes administrativas de apelação por iniciativa do dublê Manuel Wackenheim – que ganhava a vida como
arremessado – até chegar ao Conselho de Estado, que em 1995 decidiu que uma autoridade municipal poderia proibir
a prática sob a alegação de que ela não respeitava a dignidade humana, sendo, portanto, contrária à ordem pública;
levando à sua proibição (https://pt.wikipedia.org].
9 O enunciado 4 CJF/STJ: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não

seja permanente nem geral.


10 Enunciado 23 CJF/STJ da I jornada: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina

o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses
metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana
11 Enunciado 360 CJF/STJ da IV jornada: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna

entre as partes contratantes

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Matheus Zuliani

um determinado princípio em detrimento do outro que, naquela circunstancia mostrou uma


maior relevância jurídica.

2.7.2. DISPOSIÇÃO DO PRÓPRIO CORPO

Dispõe o art. 13, caput e parágrafo único, do Código Civil que, salvo por exigência
médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente
da integridade física, ou contrariar os bons costumes. O ato de disposição será admitido para
fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
O Código estabelece que essa disposição do corpo de forma permanente é vedada,
salvo se existir uma exigência médica nesse sentido. Caso não exista exigência médica, não há
de que se falar em disposição de parte do corpo vivo de forma permanente, salvo para fins de
transplante.
Nesse ponto, não há como não se falar em transgenitalização. Trata-se do
procedimento cirúrgico que possibilita a retirada de parte do corpo, especificadamente órgão
genital, para a pessoa se transformar no sexo e incorporar a personalidade que acredita possuir.
São denominados de wannabes (essa expressão decorre da língua inglesa, que significa “I want
to be”, e que traduzida para o português significa “eu quero ser”), ou seja, pessoas que possuem
um sexo, mas que querem possuir outro.
O transexualismo, no meio médico, é uma patologia, visto que a pessoa tem um desvio
psicológico permanente de sua sexualidade. Isto é, o sujeito rejeita o fenótipo. Não somente,
segundo o Conselho Federal de Medicina, teria o sujeito uma sujeição à automutilação ou
autoextermínio.
Com isso, entende-se que somente com autorização de um médico, após sessões com
psiquiatra, é que seria autorizada a realização da cirurgia de mudança de sexo.
Nesse caso, haveria a recomendação médica para cirurgia do transexual. Existem
movimentos científicos que pretendem considerar o transexualismo uma condição sexual.
Com a alteração do sexo surge uma questão jurídica a ser resolvida, qual seja, o registro
civil da pessoa, seja no aspecto do gênero seja no nome da pessoa. Com isso, inicialmente, o
Poder Judiciário vinha entendendo que a alteração do gênero e do nome, incluindo o prenome,
era medida a ser adotada para àqueles que procedessem a alteração do sexo.
Todavia, recentemente o STF possibilitou aos transgêneros a possibilidade de alteração
do registro civil sem a mudança de sexo. A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4275, em março de 2018. Todos os ministros da Corte reconheceram
o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária autorização judicial.
Assim, o STF não apenas reconheceu o direito de mudança do registro civil (gênero e nome) sem
cirurgia, mas também, sem necessidade de ordem judicial.
Com isso, foi a ação julgada procedente para dar à Lei dos Registros interpretação
conforme a Constituição Federal e pactos internacionais que tratam dos direitos fundamentais,
a fim de conceder aos transgêneros que desejarem o direito à alteração de nome e gênero no
assento de registro civil, independentemente da cirurgia.

2.7.3. DISPOSIÇÃO PÓS-MORTE

Segundo o art. 14 do Código Civil, é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a


disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. O dispositivo
legal reflete a possibilidade de doação de órgãos.

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Matheus Zuliani

A disposição de órgão para depois da morte é plenamente possível, porém esta


disposição do próprio corpo pode ser revogada a qualquer momento. Significa que se permite o
arrependimento, conforme se nota do parágrafo único do art. 14 do Código Civil.
Para regulamentar a questão da doação de órgãos foi editada uma lei específica sobre
o tema.
Quando o doador manifesta sua vontade, de forma expressa, em vida, não há qualquer
discussão sobre o tema. Trata-se do princípio do consenso afirmativo. Antes da edição desse
princípio se entendia que, na omissão, a pessoa era doadora de órgão. Atualmente, não é mais
assim.
A discussão jurídica ocorre quando o doador morre.
Segundo o Enunciado 277 CJF/STJ da IV Jornada de Direito Civil12, o artigo 14 do Código
Civil ao tratar da disposição gratuita do próprio corpo determinou que a manifestação expressa
do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares.
Todavia, quando a pessoa não manifesta, de forma expressa, que é doador de órgãos,
a lei permite que essa decisão seja tomada por parentes.
O art. 4º da Lei nº 9.434/97 estabelece que a retirada de tecidos, órgãos e partes do
corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da
autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou
colateral, até o segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas
presentes à verificação da morte.
Em outras palavras, a retirada de órgãos post mortem deverá ser precedida de
diagnóstico de morte encefálica, e depende de autorização de parente maior, na linha reta ou
colateral até o 2º grau, ou do cônjuge sobrevivente.
É importante mencionar que, para pessoas não identificadas, não será permitida a
doação de órgãos. É o disposto no art. 4º, § 6º da Lei nº 9.434/97.

2.7.4. TRATAMENTO SEM CONSENTIMENTO

Dispõe o art. 15 do Código Civil que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se,
com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Significa que no caso em que o paciente, ao ser previamente esclarecido do risco do
procedimento, tem o direito potestativo de se negar a realizar o procedimento cirúrgico, sem
que, com isso, atraia a responsabilidade civil do médico. Tanto é que o STJ entendeu que a
internação forçada do paciente, ainda que por decisão dos pais, é descabida, configurando
constrangimento ilegal13.
O caso ganha contornos diversos quando o paciente, diante de um caso grave, não tem
condições de manifestar sua vontade. Nessas hipóteses o médico tem o dever de realizar o
procedimento cirúrgico tentando salvar a vida da pessoa humana.
AVI Jornada de Direito Civil aprovou o Enunciado 533, dizendo que o paciente
plenamente capaz pode deliberar sobre todos os aspectos concernentes ao tratamento médico

12 O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou
altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece
sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio
do potencial doador.
13 STJ - HC 35301/RJ – Ministra Relatora Nancy Andrhi.

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Matheus Zuliani

que possa lhe causar algum risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de
emergências no curso de procedimentos médico e cirúrgicos que não possam ser interrompidos.
Por último, a grande questão polêmica sobre esse dispositivo legal é o conflito que
pode surgir entre a crença religiosa e o direito à vida. Sabe-se que os seguidores da cresça
denominados de testemunha de Jeová, não aceitam, em hipótese nenhuma, a transfusão de
sangue. Assim, imagine a situação da testemunha de Jeová que, inconsciente, chega ao pronto
socorro, estando entre a vida e morte, precisando de transfusão de sangue. Nessa hipótese deve
ser aplicado o método da ponderação, critério utilizado para resolver conflitos entre princípios.
Nessa senda, conforme posição majoritária na jurisprudência, deve o médico salvar a vida, bem
maior protegido pela Constituição Federal.
Desta forma, o direito à liberdade de crença não é absoluto, ele pode ser limitado se
ofender outro direito fundamental garantido na Constituição, como o direito à vida.
O TJSP já julgou demanda em que a testemunha de Jeová ingressou com ação judicial
contra o médico que a salvou. Segundo o TJSP14 não há que se falar em exercício regular das
próprias funções, modalidade de exercício regular de direito (Código Civil, artigo 188, I).
Para finalizar, existe doutrina que diz que a Jornada de Direito Civil foi contra a posição
exposta acima, editando o Enunciado 403. Ao contrário, o enunciado reforma a posição expressa
no art. 15, ou seja, a pessoa consciente, alertada do risco do procedimento, tem o direito de
decidir em prol da cresça religiosa e se negar a realizar o procedimento de transfusão de sangue.
Segue a redação do enunciado:

O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da


Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico,
inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento
ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil
plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de
vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito
exclusivamente à própria pessoa do declarante.

2.7.5. DO NOME

O nome é o instrumento que identifica a pessoa no meio social. “É o nome que


identifica a pessoa nos circuitos familiar, profissional e social, daí exsurgindo a sua importância
como traço individualizador que molda e projeta a sua personalidade” (JAMES, Eduardo Oliveira
– Código Civil Anotado e Comentado – Editora Forense).
O nome encontra-se protegido pelo Código Civil e pelas leis especiais, e emerge do
princípio da segurança jurídica. Protege-se a sociedade evitando-se que a pessoa mude seu
nome, sem fundamento, prejudicando terceiros, tanto na esfera criminal quanto na esfera cível.
Diante disso, o nome é protegido pelo princípio da imutabilidade do nome. Todavia, esse
princípio não é absoluto.
São elementos do nome o prenome; sobrenome, e ainda, o agnome. O prenome é o
primeiro nome da pessoa, podendo ser ele simples ou composto. O sobrenome, antigamente
conhecido como patronímico de família (mudança ocasionada pelo princípio da operabilidade)
é o identificador familiar. Por fim, o agnome é o elemento que identifica, dentro de uma mesma
família, pessoas com o mesmo prenome e sobrenome. Se o patriarca se chama Antenor Zuliani,
seu filho vai se chamar Antenor Zuliani Filho, e seu neto se chamará Antenor Zuliani Neto.

14 TJSP – Apelação Cível 123. 430-4.

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Matheus Zuliani

Conforme ressaltado, o nome se sujeita ao princípio da imutabilidade do nome. No


entanto, essa imutabilidade não é absoluta.
Dispõe a Lei de Registros Públicos, no art. 56, que: “o interessado, no primeiro ano após
ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o
nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa”. Significa que, entre os 18 e 19 anos, a pessoa pode,
administrativamente, alterar o nome, desde que isso não prejudique a sua identificação no seio
familiar.
A lei traz no art. 57 que a alteração posterior de nome, ou seja, após o primeiro ano da
maioridade, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será
permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração pela imprensa.
Em uma leitura rápida de ambos os dispositivos é possível extrair a tese de que no
primeiro ano da maioridade seria possível a alteração do nome administrativamente, enquanto,
após esse primeiro ano, somente mediante ação judicial, com presença do Ministério Público.
No entanto, a posição da ARPEN (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do
Estado de São Paulo) defende a tese de, em ambos os casos, a modificação depende de sentença
judicial. O requerimento deve ser efetuado através de processo a ser manejado em juízo, assim
como no caso do art. 57. O que muda é que na hipótese do art. 56 a modificação, realizada no
prazo legal, não precisa ser justificada. Na hipótese do art. 57 a alteração só pode se operar por
exceção e justo motivo.
Por fim, a jurisprudência, interpretando tal dispositivo, chegou à conclusão de que essa
alteração é somente do sobrenome, não se permitindo a alteração do prenome, e sempre,
preservando a identificação familiar. Assim, seria possível modificar a ordem dos nomes; incluir
sobrenome de família que não foi colocado pelos pais; retirar sobrenome que o titular acredita
não se identificar, dentre outros casos.
Sobre a possibilidade de se alterar o prenome, o art. 56 utiliza a expressão nome, o
que engloba todos os elementos. Todavia, é pacífico que a alteração do prenome somente seria
possível diante do procedimento previsto no art. 57, apresentando um justo motivo.
Ainda sobre a relativização do princípio da imutabilidade do nome, permite-se a
alteração nas seguintes hipóteses: exposição ao ridículo; erro de grafia crasso; adequação de
sexo (transgenitalização); introdução de alcunha (alcunha também é conhecida como apelido ou
cognome); introdução do nome do cônjuge ou convivente; introdução do nome do pai ou da
mãe no caso de adoção do filho; tradução de nome estrangeiro, e por fim, proteção de
testemunhas.
A chamada Lei Clodovil (Lei nº 11.924/09), em homenagem ao Deputado Federal e
apresentador de Televisão, modificou o art. 57, incluindo o § 8º, permitindo-se que o enteado
ou a enteada, havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro
de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que
haja expressa concordância desses, sem prejuízo de seus apelidos de família.
Além desses casos permitidos pela Lei de Registros Públicos, a jurisprudência, a cada
dia que passa, enaltecendo o princípio da dignidade humana, tem flexibilizado mais o princípio
da imutabilidade do nome, como passamos a mencionar.

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Matheus Zuliani

O STJ, recentemente, entendeu que no caso de abandono afetivo e econômico por


parte de genitor, o filho poderá fazer requerimento de retirada no nome de identificação familiar
desse pai ou mãe15.
O mesmo STJ também entendeu que é possível a retificação do registro civil para
acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da mulher durante a convivência
matrimonial16.
Não se desconhece que a princípio, o propósito de alteração do sobrenome se revela
mais apropriada na habilitação para o futuro casamento, quando o exercício do direito é a regra.
Contudo, não há vedação legal expressa para que, posteriormente, o acréscimo de outro
patronímico seja requerido ao longo do relacionamento, por meio de ação de retificação de
registro civil, conforme artigos 57 e 109 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos),
especialmente se o cônjuge busca uma confirmação expressa de como é reconhecido
socialmente, invocando, ainda, motivos de ordem íntima e familiar, como, por exemplo, a
identificação social de futura prole.
Em contrapartida, ainda dentro desse tema, existe a proteção que o ordenamento
jurídico confere ao pseudônimo (CC, art. 19). O pseudônimo é nome adotado por autor ou
responsável por uma obra (literária, artística ou científica, ou de qualquer outra natureza), que
não usa o seu nome civil verdadeiro ou o seu nome consuetudinário, por modéstia ou
conveniência ocasional ou permanente, com ou sem real encobrimento de sua pessoa. Na
verdade, nos termos do art. 5º, VIII, “c” da Lei dos Direitos Autorais, aquele autor que se oculta
sob nome suposto.
O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Por fim, sobre a proteção jurídica do nome, dispõe o art. 17 do Código Civil que nome
da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a
exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. No mesmo sentido
é o art. 18 do Código Civil que diz que sem autorização, não se pode usar o nome alheio em
propaganda comercial. Caso haja infringência ao dispositivo citado haverá a prática de ato ilícito,
passível de indenização, material e moral.

2.7.6. DO DIREITO DE IMAGEM

A imagem é um direito inato da pessoa humana consistindo na sua fisionomia física e


social. É a forma como a pessoa fisicamente se apresenta, bem como o modo que a sociedade a
enxerga. É baseado nesse conceito que a doutrina classifica a imagem em imagem retrato e
imagem atributo. A imagem-retrato é a sua fisionomia e aparência. A imagem-atributo é a sua
qualificação, sendo a imagem pela qual as pessoas lhe julgam.
As duas modalidades de imagem estão protegidas pelo artigo 20 do Código Civil, que
assim dispõe:

salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção


da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação,
a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a
boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

15 STJ - REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014, DJe 5/2/2015 –

Informativo de Jurisprudência n. 555.


16 STJ - REsp 1.648.858-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em

20/08/2019 - Informativo de Jurisprudência n. 655.

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Matheus Zuliani

Pela leitura do dispositivo legal podemos extrair que, nos casos de interesse da ordem
pública e de interesse da administração da justiça, o direito de imagem da pessoa pode ser
utilizado sem necessidade de autorização. Ordem pública e administração da justiça são
cláusulas gerais, ou seja, é o Juiz quem vai dizer, no caso concreto, se fica autorizada a divulgação
dessa imagem da pessoa sem a sua autorização.
Nos demais casos, a autorização de seu titular é imprescindível. Não havendo
autorização, é possível aplicar o princípio da prevenção, impedindo que novas publicações sejam
feitas, bem como o princípio da reparação integral do dano, de forma que, caso haja violação,
deverá reparar o dano.
Outra questão é que, pelo dispositivo legal, somente pode proibir a utilização da
imagem sem autorização, caso ela atinja a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais. Essa interpretação é equivocada do ponto de vista doutrinário e
jurisprudencial. Isso porque, atualmente, em razão da relevância da dignidade humana e dos
princípios fundamentais, a proibição pode ocorrer em qualquer caso quando não exigir
autorização. A natureza da utilização da imagem é que vai ser analisada para gerar ou não
indenização. Assim, se a utilização sem autorização atingir a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, nascerá o direito de indenizar. Se não
houver essa ofensa, apenas existe o direito de evitar a publicação ou de retirá-la de circulação.
Sobre o dever de indenizar, quando o uso da imagem atingir a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, cabe ao ofendido comprovar o prejuízo. É ônus do detentor do direito de
imagem. É claro que o Juiz tem sensibilidade para analisar se a utilização de imagem de alguém
ofende a honra, boa fama ou respeitabilidade, não sendo um ônus probatório árduo.
No entanto, em se tratando da publicação de imagem de pessoa não autorizada, com
fins econômicos ou comerciais, o prejuízo é presumido, gerando um dano in re ipsa. Nesse
sentido, a Súmula 403 do STJ diz que “independe de prova do prejuízo a indenização pela
publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”
Em relação às pessoas públicas, não se desconhece que tais cidadãos também são
detentores de direito de imagem. Todavia, o direito de imagem dessas pessoas sofre uma
mitigação em razão do interesse público e do direito de informação. Desta forma, o STJ
entendeu, em caso envolvendo a pessoa pública, que o seu direito de imagem não pode ser
proibido desde que haja compromisso ético com a informação verossímil, que se preserve os
direitos da personalidade, entre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à privacidade
e à intimidade, e por fim, que se vede a veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar,
injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). Entendeu que

a princípio, não configura ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou
verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo
quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais,
gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica referirem-se a fatos de
interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa
noticiada17.

Por fim, é importante constar que a captação do direito de imagem, em ambiente


público, somente passa a ser ofensivo quando contextualizada ou específica, dando a
interpretação de que o foco não é o ambiente, mas sim, a sua pessoa. Caso isso aconteça
ocorrerá violação ao direito de imagem.

17 STJ - REsp 1771866/DF.

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Matheus Zuliani

2.7.7. VIDA PRIVADA E INTIMIDADE

A intimidade e a vida privada da pessoa humana angariam proteção pelo Código Civil,
como se nota do art. 21 do Código Civil, in verbis: “a vida privada da pessoa natural é inviolável,
e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou
fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Existe diferença entre vida privada e intimidade. A vida privada é um núcleo restrito da
vida social da pessoa que ela abre apenas para um grupo seleto de pessoas, enquanto a
intimidade é aquele momento íntimo da pessoa, ou seja, núcleo mais restrito ainda.
No que concerne a proteção, ambos possuem o mesmo peso, tendo a mesma
proteção. Na visão do ato ilícito, o que a faz diferenciar uma da outra é no quantum
indenizatório, sendo que a indenização é maior quando se viola a intimidade.
Mesmo o direito à vida privada e à intimidade não são revestidos de caráter absoluto.
Anderson Schreiber diz que é necessária a ponderação. Um exemplo claro de ponderação de
vida privada é a segurança, por exemplo. No caso do aeroporto, quando se coloca a bagagem no
raio-x, o agente da Infraero visualiza tudo. Todavia, nesse caso, o direito à segurança se sobrepõe
ao direito à privacidade.
Ainda dentro do tema da intimidade e da vida privada encontra-se o a questão da
biográfica. A biografia é um gênero literário em que o autor narra a história da vida de uma
pessoa ou de várias pessoas (conceito retirado da Wikipédia).
Sobre a biografia, surgiu uma discussão jurídica sobre a necessidade ou não de
autorização do personagem principal para que sua vida seja narrada.
O STF, por unanimidade, julgou procedente uma ADIN18, para dar interpretação
conforme a Constituição aos arts. 19 e 20 do Código Civil, sem redução de texto. O STF declarou
inexigível o consentimento da pessoa biografada. Ou seja, ela não tem que autorizar para que
sua vida seja contada. É igualmente desnecessária a autorização das pessoas que sejam
coadjuvantes na biografia, bem como aquelas que tenham morrido, mas que foram
mencionadas.
Além disso, o Supremo reafirmou que o direito à inviolabilidade, da privacidade,
intimidade, da honra e da imagem da pessoa, caso haja lesão aos seus direitos, deve-se haver a
reparação dos danos.
Outra questão polêmica é a publicidade do salário do servidor público. A publicação da
folha de pagamento de um determinado servidor público ofende a sua intimidade (ou vida
privada)? O TJDFT19 julgou um caso em que determinada imprensa escrita publicou uma
reportagem expondo o salário de um servidor da Câmara dos Deputados. Esse Analista ingressou
com ação dizendo que aquela publicidade ofendeu a sua intimidade, pois a partir de então
familiares passaram a pedir dinheiro emprestado, além de despertar a cobiça de vizinhos.
Nota-se que há forte corrente que entende que o salário do servidor público é pago
pela sociedade, tendo ela interesse e direito de conhecer quanto que o servidor recebe e se
estão observando os ditames legais. Assim, entende-se que a simples publicidade de salário, sem
exposição de descontos da vida pessoal, e sem falácias, não configura ato ilícito.

18 STF – ADIN 1815 – Relatora Ministra Cármen Lúcia – julgamento 1/2/2016.


19 TJDFT – 10º Vara Cível de Brasília – Juiz Matheus Stamillo Santarelli Zuliani – autos n. 2011.01.1.227261-7

55

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Matheus Zuliani

2.7.8. DIREITO DOS MORTOS

O § único do artigo 20 do Código Civil, assim como o § único do artigo 12, reconhecem
direitos da personalidade do morto, havendo legitimidade dos lesados indiretos. A lesão a
direito da personalidade atinge tanto o morto quanto os seus parentes (dano em ricochete). É
uma das hipóteses excepcionais em que se admite a transmissão de direitos personalíssimos.

Art. 20. (...)

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para


requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

A única observação que deve ser lembrada, embora retórica, é a de que, não obstante
se tenha esquecido da pessoa do companheiro, em razão da interpretação pacífica que se faz
sobre o Código Civil, tem ele legitimidade, ao lado do cônjuge. Nesse sentido, existe o Enunciado
275 da IV Jornada de Direito Civil.

2.7.9. DIREITO DE PERSONALIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS

A pessoa jurídica, tida como ente fictício, tem alguns dos direitos da personalidade,
como ser observa do art. 52 do Código Civil, que assim se encontra redigido: “aplica-se às
pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Quando falamos em dano moral a pessoa jurídica, a mesma se justifica na ofensa a
honra objetiva. A honra objetiva pode ser compreendida como o juízo que terceiros fazem acerca
dos atributos de alguém. A honra subjetiva, noutro giro, se revela no sentimento que a pessoa
tem dela mesma.
Realmente, a pessoa jurídica tem alguns dos direitos da personalidade, caso do nome,
da honra objetiva (repercussão social da honra) e da imagem. No entanto, não tem ela
sentimento próprio, uma vez que se trata de um ente fictício. Por isso, prevê a súmula 227 do
STJ que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral (nunca em relação à honra subjetiva, pois a
Pessoa Jurídica não tem sentimento).
Por fim, é importante constar que a pessoa jurídica de direito público não tem direito
a indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou imagem. É o que decidiu o
STJ20.

2.8. DAS PESSOAS JURÍDICAS - ASPECTOS GERAIS

Temos no nosso ordenamento jurídico os sujeitos de direitos com personalidade


jurídica, a qual é constituída pela pessoa natural e pessoa jurídica.
O princípio da legalidade no campo do direito civil se materializa na ideia de que a
pessoa natural e a pessoa jurídica podem fazer tudo que a lei não proíba.
Desse modo, a pessoa jurídica é uma atividade de criação, que se distingue da pessoa
natural. Por isso, fala-se que a pessoa jurídica tem personalidade jurídica própria, diversa,
portanto, da personalidade jurídica dos seus componentes/sócios.

20
STJ - REsp 1.258.389/PB.

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Matheus Zuliani

Trata-se da necessidade ou conveniência de os indivíduos unirem esforços e utilizarem


recursos coletivos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades
individuais.
O Código Civil adota a expressão “pessoa jurídica” para identificar esse ser fictício. No
entanto, isso não exclui outras terminologias, como: pessoa civil, pessoa moral, pessoa coletiva,
pessoa abstrata, pessoa mística, pessoa fictícia, ente de existência ideal (teoria abordada por
Teixeira de Freitas).
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves nos ensina:

A pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse fenômeno histórico e social.


Consiste num conjunto de pessoas ou de bens dotado de personalidade jurídica
própria e constituído na forma da lei para a consecução de fins comuns. Pode-se
afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade,
capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações.

Muito se discute sobre a teoria adotada pelo Código Civil no que concerne a criação
das pessoas jurídicas.
O Código Civil adotou a teoria da realidade técnica. Essa teoria é uma junção de outras
duas teorias, a teoria da ficção, idealizada por Savigny, e, ainda, a teoria da realidade orgânica,
criada por Otto Gierke.
Por essa teoria afirma-se que a pessoa jurídica teria existência real, não obstante a sua
personalidade ser conferida pelo direito. Uma vez personificada pelo direito, a pessoa jurídica
passa a ter a atuação social na condição de sujeito de direito. Não se olvida que a personalidade
jurídica, uma vez concedida pelo direito, passa a ter ela uma função social, atendendo, assim, ao
princípio da socialidade, um dos pilares do Código Civil de 2002.
A teoria da realidade técnica se revela, basicamente, no artigo 45 do Código Civil, que
assim dispõe:

Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do
ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização
ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por
que passar o ato constitutivo.

Denota-se que, a aquisição da personalidade jurídica da pessoa jurídica de direito


privado, existe a partir do registro dos atos constitutivos, produzindo efeito ex nunc, logo, possui
natureza constitutiva.
Por ter natureza constitutiva que o parágrafo único, do mesmo dispositivo, assenta que
decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por
defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Por último, não se pode perder de vista a questão da presentação da pessoa jurídica.
É muito comum em provas e em doutrinas, utilizarem a expressão de que a pessoa
jurídica é “representada” pelos sócios, administradores e gerentes. Porém, o termo correto é
“presentação”. Isso porque, representação, é um instituto das incapacidades e, a presentação,
é instituto da pessoa jurídica.
Segundo ensinamentos de Pontes de Miranda, por não poder atuar por si própria, a
pessoa jurídica, como ente da criação da lei, deve ser presentada por uma pessoa natural,
exteriorizando sua vontade, nos atos judiciais ou extrajudiciais. O art. 47, do Código Civil diz que
todos os atos negociais exercidos pelo presentante, dentro dos limites de seus poderes

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Matheus Zuliani

estabelecidos no estatuto social, obrigam a pessoa jurídica, que deverá cumpri-los. Contudo, se
o presentante extrapolar estes poderes, responderá pessoalmente por este excesso.
Para essas circunstâncias, temos a chamada teoria intra viris societatis e ultra vires
societatis.
A teoria intra viris societatis ocorrerá, quando a pessoa natural que a administra, o
sócio, atua de acordo com o previsto no ato constitutivo. Tais atos vinculam a pessoa jurídica. O
ato ultra vires societatis ocorrerá quando o sócio extrapola os poderes que lhes foram
concedidos através do contrato social, como consequência, o próprio sócio responde pelos atos
praticados. Não vincula a pessoa jurídica.
A questão do ato intra e ultra vires é bastante pertinente, no que tange à
desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque quando o sócio pratica um ato intra vires
e não possui condições de arcar com essa responsabilização, ocorrerá o fenômeno da
desconsideração da personalidade jurídica (CC, art. 50).
Em regra, a pessoa natural é a indicada no ato constitutivo da pessoa jurídica. Na sua
omissão, a presentação será exercida por seus diretores. Se a pessoa jurídica tiver administração
coletiva, as decisões serão tomadas pela maioria dos votos, salvo se o ato constitutivo dispuser
de modo diverso (CC, art. 48).

2.8.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS

No ordenamento jurídico vigente a pessoa jurídica pode ser nacional ou estrangeira,


sendo que, nesse último caso, precisará de autorização do Poder Executivo.
Quanto à estrutura interna, poderá a pessoa jurídica ser classificada como Corporação
ou como Fundação. Naquela há um conjunto de pessoas que atuam para determinados fins. Por
exemplo, as empresas possuem a finalidade de lucro, enquanto as associações possuam uma
natureza sem fins lucrativas e recreativa. A entidade religiosa possui a finalidade de buscar as
suas crenças, e assim por diante. Já a Fundação, por sua vez, é um conjunto de bens, os quais
são arrecadados para uma finalidade de interesse social.
Por fim, quanto a natureza, podem ser elas de direito público ou de direito privado. As
de direito público podem, ainda, ser de direito público interno e externo. Será de direito público
interno quando visar atender interesse público intrínseco. São elas a União, Estados, DF e
Municípios, autarquias, associações públicas. A pessoa jurídica de direito público externo
representa o País perante os países estrangeiros. A Pessoa jurídica de direito privado é aquela
instituída pela vontade dos particulares. O art. 44 do Código Civil elenca as pessoas jurídicas de
direito privado.
O rol do art. 44 do Código Civil não é um rol exaustivo, podendo existir outras pessoas
jurídicas de direito privado esparsas pelo Código Civil ou pela legislação civil especial. Cita-se,
como exemplo, o condomínio edilício, que tem uma personalidade jurídica anômala.
Atente-se que pessoas jurídicas não se confundem com entes despersonalizados. Entes
despersonalizados não têm personalidade jurídica. São conjuntos de bens ou de pessoas que
não tem personalidade própria, tais como a família, a massa falida, espólio, herança jacente,
sociedade de fato e a irregular, dentre outros.

2.8.2. DAS ASSOCIAÇÕES

O art. 53 diz que se constituem as associações pela união de pessoas que se organizem
para fins não econômicos. Por fins não econômicos entende-se pela ausência de finalidade

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lucrativa. Isso não significa que a pessoa jurídica não possa angariar dinheiro, o que é proibido é
a distribuição de dividendos.
Geralmente o estatuto de uma associação prevê, no que se refere à sua estrutura, uma
diretoria, uma presidência, um conselho fiscal, um conselho administrativo. No entanto, o órgão
máximo de toda e qualquer associação é a sua assembleia geral, cuja atribuição está delineada
no art. 59 do Código Civil, sendo resumidamente a destituição de administradores e a alteração
de estatuto.
Para as deliberações a que se referem os incisos do art. 59 é exigido deliberação da
assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo quórum será o estabelecido no
estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.
Em uma associação não existe entre os associados direitos e obrigações recíprocos.
Isso porque não há intuito de lucro. A diferença entre a associação e a sociedade é a de que
aquela não tem fins lucrativos e a sociedade sempre tem fins lucrativos. A diferença entre
associação e a fundação é a de que aquela é um conjunto de pessoas e a esta é um conjunto de
bens.
O Código Civil dispõe que dentro da associação deverão os associados ter iguais
direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais. Quem não lembra
do sócio remido do clube. O que não se admite é que dentro de uma mesma categoria de sócios
haja diferenciação entre eles.
Há uma discussão sobre a intransmissibilidade da qualidade de associado. Dispõe o art.
56 do Código Civil que a qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o
contrário. Trata-se de uma definição de natureza personalíssima (intuito personae) da qualidade
de sócio. Todavia, essa característica não se reveste de natureza absoluta, podendo o estatuto
autorizar a transmissão.
No que tange as associações, é importante ressaltar sobre a possibilidade da expulsão
do associado. Explica o art. 57 do Código Civil que “a exclusão do associado só é admissível
havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de
recurso, nos termos previstos no estatuto”.
A exclusão do associado só é possível se houver justa causa. Mesmo assim, é preciso
que a exclusão seja decorrente de um procedimento que assegure ampla defesa e recurso, nos
termos previstos no estatuto. Há, aqui, uma aplicação da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.
Outro tema importante envolvendo as associações é a possibilidade de cobrança de
taxa de manutenção criada por associações de moradores. Quando se envolve um bairro de uma
cidade a questão é simples, que não se associa não pode ser obrigado a pagar a referida taxa.
No entanto, a questão ganha contornos complexos quando se está diante de um condomínio de
fato, ou seja, irregular.
A matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal que decidiu pela não obrigatoriedade
de pagamento se a pessoa não aderiu à associação. Sustenta que a Constituição Federal, em seu
art. 5°, incisos II e XX, não aceita a adesão compulsória à associação. Ademais, pelo fato da
associação de moradores não ser igual à associação de condôminos, a imposição compulsória
da mensalidade é ilegal, vez que a obrigação tem como fonte a lei ou a declaração de vontade.
Se não há amparo em nenhuma dessas duas fontes só resta reconhecer a mensalidade dentro
do campo da ilicitude. Assim, não está obrigado ao pagamento da mensalidade imposta pela
associação dos moradores aquele que não aderiu. O STJ firmou, em sede de repetitivo, a tese
(882) de que a taxa de manutenção não é obrigatória, com fundamento na Constituição Federal
de que ninguém é obrigado a associar-se (REsp 1439163 / SP).

59

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Por fim, não há como não tratar do tema da dissolução da associação. O tema vem
delineado no art. 61 do Código Civil. Se for dissolvida a associação, o patrimônio líquido
remanescente será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto. Caso o
estatuto seja omisso, os associados irão deliberar a respeito. O remanescente poderá ser
destinado à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
Existe discussão em que se considera nula a previsão no Estatuto que determina que
nos casos de dissolução da associação, o patrimônio vai ser rateado entre os associados, eis que
haveria um esbarrar na vedação de lucro. Bastaria pensar numa associação que cresceu muito e
que tenha um patrimônio de 100 milhões de reais com 100 associados.
Maria Helena Diniz comenta que se a finalidade da associação não for altruística, “o
associado poderá receber uma quota de liquidação daquele acervo social, ante seu direito de
participante no patrimônio comum, de quota ideal, conforme os fins da associação, exceto se o
estatuto prescrever o contrário” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Editora
Saraiva).
Os que discordam dessa posição defendem que inexiste

um patrimônio em comum, eis que a associação possui personalidade e autonomia


patrimonial. Logo, ainda que a associação não possua finalidade altruística, a quota
a ser liquidada não poderá representar uma parcela do patrimônio associativo. Isso,
porque é notório que o associado não poderia ser considerado um proprietário de
quota do capital associativo, mas mero participante (BITTI, Eduardo Silva - A
dissolução de associação e a repartição do patrimônio entre “sócios proprietários).

Francisco Loureiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e


professor em diversas entidades, já decidiu que independente da finalidade altruísta ou não da
associação, isso não afasta o caráter não lucrativo da associação, ao certo que, no final de sua
existência o patrimônio não será compartilhado entre os associados, mas, sim, direcionado pelo
estatuto a “entidade de fins não econômicos designada”. Não somente, “à falta de deliberação
da assembleia, se um dia vier a ser extinta a pessoa jurídica, a escolha da entidade destinatária
do patrimônio cabe o juiz, com base na afinidade dos objetivos de entidades congêneres21”.
Existe a possibilidade de eventualmente o associado recuperar aquilo que ele investiu
na cota. Trata-se do ressarcimento, não havendo falar em enriquecimento.
Vale atentar que, não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no
Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas, o que remanescer
do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

2.8.3. DAS FUNDAÇÕES

Fundações podem ser conceituadas como um conjunto de bens, os quais são


arrecadados e personificados para uma determinada finalidade. A fundação é uma pessoa
jurídica especial, pois ela resulta de um patrimônio destacado e se personifica para se constituir.
Só constitui fundação quem tem muito patrimônio.
O art. 62 do Código Civil diz que as fundações são criadas por escritura pública ou por
testamento.
A sua criação pressupõe a existência de afetação de bens livres, a especificação da sua
finalidade, a previsão de como será administrada a fundação, e por fim, a elaboração de estatuto.

21
Apelação Cível n. 994.09.287598-8, pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – julgado
em 5/8/2010.

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Matheus Zuliani

O art. 64 do CC diz que constituída a fundação, num negócio jurídico entre vivos, o
instituidor é obrigado a transferir à fundação a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens
dotados. Caso não o faça, os bens serão registrados em nome da fundação por mandado judicial.
A elaboração do estatuto é submetida à apreciação do Ministério Público, eis que ele
fiscaliza a fundação, cabendo a ele a função de aprovar a elaboração. No entanto, pode ser que
o Ministério Público tenha que, ele próprio, elaborar o estatuto. Isso acontece quando o estatuto
não é elaborado dentro do prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e
oitenta dias. É o que dispõe o art. 65, parágrafo único, do Código Civil. Nesse caso, a quem cabe
a aprovação do estatuto elaborado pelo Ministério Público? Caso o Ministério Público elabore o
estatuto, o art. 764, II do Código de Processo Civil estabelece que deverá o mesmo ser aprovado
pelo juiz.
É importante constar que Pablo Stolze critica essa norma. Ele defende que isso escapa
da função jurisdicional. Se o juiz aprovar um estatuto, ele não poderá julgar as lides que
envolvam esse estatuto, pois ele o aprovou. Assim, a aprovação do estatuto não parece ser uma
função jurisdicional.
Sobre a atribuição fiscalizatória do Ministério Público, explica o Código Civil, no art. 66,
que velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde estão situadas. Se funcionarem
no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal.
Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao
respectivo Ministério Público. Quando se tratar de fundações instituídas ou mantidas pela União,
autarquia ou empresa pública federal, ou que destas recebam verbas, poderá o Ministério
Público Federal atuar22.
A alteração das normas estatutárias de uma fundação somente é possível pela
deliberação de 2/3 dos competentes para gerir e representar a fundação. Além disso, esta
alteração não pode contrariar ou desvirtuar o fim desta. Ademais, quando a alteração não se der
por votação unânime, os administradores, ao submeterem o estatuto à análise do Ministério
Público, irão requerer que seja cientificada a minoria vencida para impugnar a votação se quiser,
em 10 dias.
Por fim, tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou
vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe
promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato
constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual
ou semelhante. É o art. 69 do Código Civil tratando da extinção da fundação.

2.9. DO DOMICÍLIO

As regras quanto ao domicílio da pessoa natural estão entre os arts. 70 e 78 do Código


Civil.
Domicílio é o local em que a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem
privada. É o local onde poderá ser cobrada ou cobrar direitos e deveres na ordem jurídica.
Domicílio é o local da sua residência. Há quem diga que domicílio é residência com
ânimo definitivo. O domicílio eleitoral é mais amplo do que o domicílio civil.
Existe o elemento objetivo e o elemento subjetivo do domicílio. O elemento objetivo
representa a fixação da pessoa em um determinado lugar. É a cidade que o sujeito escolhe para
morar, por exemplo. O elemento subjetivo, por sua vez, é a vontade de ali permanecer de forma
definitiva.

22 Enunciado 147 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal.

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Matheus Zuliani

O Código Civil admite a pluralidade de domicílios, ou seja, a pessoa poderá ter duas ou
mais residências, o qual ela viva alternadamente, considerando-se domicílio seu qualquer delas.
É o que se extrai do art. 71 do código privado.
O art. 72 do Código Civil diz que o local em que a pessoa exercitar profissão também é
domicílio da pessoa natural, também sendo permitida a pluralidade domiciliar. Nesse caso, se a
pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as
relações que lhe corresponderem.
É possível a mudança de domicílio. Estabelece o art. 74 do Código Civil que se muda o
domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de mudar o domicílio. Para se
provar a intenção manifesta de mudar, basta que a prova da intenção resulte da declaração da
pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não
fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.
Essa intenção é vislumbrada por meio das declarações da pessoa à municipalidade,
tanto de onde ela está saindo como onde ela está indo morar. Ex.: alteração do domicílio eleitoral
é exemplo de intenção manifesta de se mudar.

2.9.1. CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO

O domicílio pode ser voluntário, de eleição, legal ou necessário, contratual, e por fim,
o aparente.
O domicílio voluntário, também conhecido como convencional, é o que decorre de um
ato de escolha da pessoa como exercício da autonomia privada. O legal ou necessário é o fixado
pela lei.
O artigo 76, do Código Civil, apresenta um rol daqueles que possuem domicílio legal, e
em seu parágrafo único, define o local onde elas terão domicílio.
Dessa forma, o domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente. Vale
lembrar que a súmula 383, STJ, estabelece que a competência para processar e julgar ações
conexas de interesse de menor, em geral, é o foro do domicílio do detentor da sua guarda.
O domicílio do servidor público é o lugar em que ele exerce permanentemente as suas
funções. Até para o servidor público admite-se a pluralidade de domicílios.
O domicílio do militar é o do local onde ele servir e se for da marinha ou da aeronáutica
é da sede ou comando a que se encontrar imediatamente subordinado.
O domicílio do marítimo é o do lugar em que seu navio estiver matriculado.
Por fim, o domicílio do preso é o do lugar em que ele cumpre a sentença. E o preso
preventivo? Ele não está cumprindo sentença, então, não há para ele essa hipótese de domicílio
legal.
No que tange as pessoas que não tem domicílio, o Código Civil classifica esse como o
de domicílio aparente, ou seja, seu domicílio é o local em que elas forem encontradas (CC, art.
73).
Domicílio contratual é aquele que consta em contrato escrito especificando local para
cumprimento de deveres e obrigações contratuais. Nesse ponto, não podemos confundir
domicílio contratual com foro de eleição.
O foro de eleição é utilizado para aspectos processuais, para fins de definição de uma
determinada ação judicial. Por exemplo, em uma cláusula contratual consta que eventuais
conflitos resultantes do contrato serão discutidos na cidade “A”.

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Matheus Zuliani

O domicílio contratual ocorrerá nos contratos escritos, em que os contratantes


poderão especificar domicílio onde se exercitem, e cumpram os direitos e obrigações deles
resultantes. É o disposto no art. 78, do Código Civil.
Dessa forma, estabelece a Súmula 335 do STF que “é válida a cláusula de eleição do
foro para os processos oriundos do contrato”.
No entanto, quando estivermos diante de contrato de adesão, ou seja, aquele com
conteúdo imposto por uma das partes, principalmente, no que tange as relações consumeristas,
a imposição de cláusula de eleição de foro é abusiva, podendo ser declarada de ofício se houver
prejuízo ao aderente.
É importante ponderar que o contrato de adesão não necessariamente é de
consumo23.
Por conseguinte, os contratos de adesão e de consumo, possuem proteção no Código
de Defesa do Consumidor, no entanto, no campo das relações civilistas, possuem proteções aos
contratos civis que não envolvam necessariamente relações de consumo.
O domicílio da pessoa jurídica pode ser estatutário ou aparente. Domicílio estatutário
é local previsto no estatuto. O domicílio aparente, noutro giro, é o local de funcionamento das
diretorias ou administrações. Se a pessoa jurídica tiver sede no exterior, deve-se considerar
como seu domicílio o local da filial no Brasil (CC, art.75, § 2º).

2.10. DOS BENS

Antes de ingressar no instituto jurídico denominado “dos bens”, que tem


regulamentação a partir do art. 79 e seguintes do Código Civil, é preciso fazer uma distinção
entre bem e coisa, já que não são vistos como sinônimos.
No conceito adotado pelo Código Civil de 2002, idealizado por Miguel Reale, coisa é
gênero (tudo o que não é humano), sendo que bem é espécie (coisa com interesse econômico
e/ou jurídico).
Diante disso, bens são as coisas materiais ou imateriais que têm valor econômico-
jurídico e que são elementos de uma relação jurídica. Desta forma, bem é uma coisa que
proporciona ao homem uma utilidade, sendo suscetível de apropriação. O ar não é bem, pois
apesar da utilidade, não é suscetível de apropriação.
Ao conjunto de bens pertencentes a um particular dá-se o nome de patrimônio.

2.10.1. CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

Os bens podem ser classificados de diversas maneiras. O Código Civil divide os bens
em bens considerados em si mesmos e bens reciprocamente considerados.
Quando se fala em bens considerados em si mesmo, considera-se o bem
individualmente, sem a necessidade de ter outro bem atrelado. Nessa classificação encontramos
os bens imóveis, bens móveis, bens fungíveis e infungíveis, bens consumíveis, e ainda, bens
singulares e coletivos.
Nos termos do art. 79 do Código Civil, são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou artificialmente. Noutro giro, bens móveis são os bens suscetíveis de

23Enunciado171 da Jornada de Direito Civil – “Art. 423: O contrato de adesão, mencionado nos artigos 423 e 424 do
novo Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo”

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movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da


destinação econômico-social (CC, art. 82).
Os bens imóveis sofrem, ainda, uma subclassificação, sendo por natureza, por acessão
física, industrial ou artificial, ou ainda, pela disposição da lei.
Os bens imóveis por natureza são formados pelo solo e tudo aquilo que se incorporar
a ele de forma natural. Abrange o solo, subsolo, superfície, espaço aéreo e tudo que lhe for
incorporado. Ex.: árvore que é incorporada naturalmente.
Os imóveis por acessão física são aqueles que o homem incorpora permanentemente
ao solo, não podendo remover do solo sem a destruição, será bem imóvel por acessão física, as
plantações, construções, etc. Segundo o art. 81, não perdem o caráter de imóveis as edificações
que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local, bem
como os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
Os imóveis por acessão física intelectual, por sua vez, são aqueles empregados
intencionalmente para exploração industrial, aformoseamento ou comodidade, estes bens
móveis seriam considerados imóveis por acessão física intelectual. A posição majoritária sobre
o assunto é a de que essa classificação ficou totalmente esvaziada com a introdução, no Código
Civil, do instituto da pertença.
Por fim, temos os bens imóveis por disposição legal: são bens considerados imóveis
pela lei, a fim de dar maior proteção jurídica, tais como: o direito à sucessão aberta, direitos reais
sobre imóveis, como a hipoteca e penhor agrícola, excepcionalmente, bem como as ações que
os asseguram (CC, art. 80).
Já os bens móveis podem ser classificados em móveis por natureza, móveis por
determinação legal, e por fim, móveis por antecipação. Os bens móveis por natureza são aqueles
que podem ser transportados sem qualquer dano, seja por força própria (semoventes) ou por
força alheia. Os móveis por determinação legal, a exemplo dos imóveis por determinação legal,
são aqueles estabelecidos pela lei, nos termos do art. 83 do Código Civil, sendo o penhor, a
energia elétrica, os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes, e por fim, s
direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Por fim, os bens móveis por
antecipação são os bens que eram imóveis, mas que foram mobilizados por uma atividade
humana. Ex.: colheita de uma plantação. Todo ano o fazendeiro semeia para colher. Trata-se de
um bem móvel por antecipação.
Há uma dúvida sobre a natureza dos navios e aeronaves, pois embora estejam sujeitos
a hipoteca, conforme determinação do Código Civil, são considerados bens móveis. Isso porque
eles possuem alto valor econômico, o que exige uma maior garantia, como a hipoteca. Flávio
Tartuce considera que são bens imóveis especiais ou bens móveis sui generis. Para concurso,
essa não é a posição majoritária.
Os bens infungíveis são aqueles que não podem ser substituídos por outro da mesma
espécie, qualidade ou quantidade. Pense em um quadro pintado por um artista renomado.
Trata-se de um bem que não pode ser substituído por outro quadro, pois não é daquele artista
específico. Os bens fungíveis, ao contrário, podem ser substituídos por outro da mesma espécie,
qualidade ou quantidade (CC, art. 85).
São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria
substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação (CC, art. 86).
Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,
diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. É importante mencionar
que o Código Civil não se importa com a fração da coisa, mas sim, com a perda da propriedade
da coisa. Um diamante é considerado um bem indivisível, pois se partido em várias frações

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perderá no seu aspecto econômico. É relevante considerar que o Código Civil, no art. 88 autoriza
que os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por
vontade das partes.
Os bens singulares são os que, embora reunidos, se consideram de per si,
independentemente dos demais. O livro, um boi, uma ovelha, são exemplos de bens singulares.
Os bens universais, por sua vez, são bens que se encontram agregados a um todo, constituído
por várias coisas singulares, mas considerados em seu conjunto, formando um todo
individualizado. Essa união poderá ser fática ou mesmo jurídica.
Neste sentido, de acordo com o artigo 90 do Código Civil, constitui universalidade de
fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes a mesma pessoa, tenham destinação
unitária. Um rebanho e uma frota de automóveis são exemplos dessa classificação. Já a
universalidade de direito é a união de bens materiais ou imateriais, corpóreas ou incorpóreas,
com natureza coletiva. A herança, a massa falida são exemplos de universalidade de direito.
Com relação à classificação que leva em conta a dependência em relação a outro bem,
temos o bem principal e o bem acessório. Principal é aquele que existe de forma autônoma e
independente, não dependendo de qualquer outro objeto. O acessório, por sua vez, é aquele
que a existência e finalidade depende de outro bem, que é denominado principal. Quando se
fala nessa particular classificação surge um princípio muito importante para o direito, sendo o
princípio da gravitação jurídica. Por ele, a regra é a de que o bem acessório segue o bem
principal. No entanto, essa regra não é absoluta.
Os frutos são classificados como bem acessórios.
Os frutos têm origem no bem principal, mas mantêm a integridade deste último, sem
diminuir a substância ou quantidade. Classificam-se como:
Frutos naturais: ex.: frutos de uma árvore, mas mantém a inteireza da coisa principal,
no caso a árvore; frutos industriais: decorrendo de uma atividade humana. Ex.: saco de balinhas
feita por uma fábrica; frutos civis: decorrendo de uma relação jurídica econômica, denominados
de rendimentos. Ex.: aluguel é fruto para o dono do imóvel, assim como os juros e dividendos.
Quanto ao estado que normalmente se encontram os frutos, podem ser classificados em: frutos
pendentes: são os frutos que ainda não foram colhidos. Ex.: fruta que está na árvore. Frutos
percebidos: são os frutos que já foram colhidos. Frutos estantes: são os frutos que já foram
colhidos e já estão armazenados. Ex.: maçãs colhidas e que estão armazenadas. Frutos
percipiendos: são os frutos que deveriam ter sido colhidos, mas não foram. Por fim, os frutos
consumidos: são os frutos que foram colhidos e não existem mais, pois foram consumidos.
Fruto não se confunde com produto. Produtos são bens acessórios que saem da coisa
principal, diminuindo a sua quantidade e substância. Neste ponto difere do fruto, pois este sai
da coisa principal, mas não diminui a sua substância ou quantidade. Ex.: pepita de ouro retirado
de uma mina. Explora-se a mina até que irá acabar o ouro.

2.10.2. DAS PERTENÇAS

Nos termos do art. 93 do Código Civil, são pertenças os bens que, não constituindo
partes integrantes, destinam-se, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento
de outro. A doutrina traz um exemplo que esclarecedor. Ex.: em uma fazenda, o sujeito compra
uma caminhonete para utilizar dentro da fazenda. Este bem é uma pertença, pois é destinado a
servir um bem principal, que é um imóvel, não perdendo a sua individualidade e não é parte
integrante desse bem.
As pertenças vieram para substituir a antiga classificação de bem imóvel por acessão
intelectual.

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A regra é a de que o bem acessório segue o bem principal (gravitação jurídica), todavia,
quando se trata de pertença, essa regra não prevalece. Nota-se que o Código Civil, no art. 94 diz
que os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo
se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso. Assim,
quando resultar da lei, da vontade manifestada, ou então, das circunstâncias do caso, ela pode
seguir o bem principal.
O STJ determinou a restituição, para o devedor fiduciário, de equipamento de
monitoração que havia sido acoplado ao caminhão apreendido por falta de pagamento do
contrato de financiamento. Segundo o colegiado, o equipamento é considerado uma pertença
e, portanto, pode ser retirado do caminhão sem causar prejuízos ao bem (STJ - REsp nº
1667227/RS).

2.10.3. DAS BENFEITORIAS

Benfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou bem imóvel,


visando a sua conservação, ou melhor, de sua utilidade.
Podem ser classificadas em necessárias, úteis e voluptuárias.
Benfeitorias necessárias são as que têm por finalidade conservar ou evitar que o bem
se deteriore. Ex.: reforma no telhado da casa para evitar que o telhado desabasse. As
benfeitorias úteis aumentam ou facilitam o uso ou a utilidade da coisa. Ex.: instalar grades na
janela da casa. Por fim, as benfeitorias voluptuárias são benfeitorias para mero deleite. Ex.:
piscina numa casa.
Não devemos confundir benfeitorias com acessões, visto que as primeiras são
melhorias e as últimas são incorporações.

2.10.4. DOS BENS PÚBLICOS

Os bens públicos pertencem a pessoa jurídica de direito público interno. Os bens


públicos podem ser classificados como bens de uso geral, bens de uso especial, e por fim, bens
dominicais (CC, art. 99).
Bens de uso geral, também conhecido como bem de uso comum do povo são aqueles
necessários ao uso geral do povo, sem a necessidade de uma permissão especial. Ex.: praças e
ruas, ainda que cobre pedágio. Os bens de uso especial são bens ou terrenos que são utilizados
pelo próprio estado para execução de um serviço público especial. Isto é, há uma destinação
especial àquele bem, denominado de afetação. Ex.: repartições públicas, sede da prefeitura, etc.
por último, os bens públicos dominicais são bens que fazem parte de um patrimônio disponível
da pessoa jurídica de direito público. Ex.: terras devolutas, pois não têm uma destinação
específica. Os bens dominicais podem ser convertidos em bem de uso comum ou bem de uso
especial.
Os bens de uso comum e de uso especial são inalienáveis, enquanto os bens dominicais
são alienáveis. Todavia, essa inalienabilidade não é absoluta, podendo perdê-la, desde que haja
desafetação, ou seja, que mude a destinação do bem. Na afetação, o bem dominial passa a ser
afetado a uma função. Ex.: terreno vazio passou a ser a sede da prefeitura. Na desafetação, há a
mudança da destinação do bem para a categoria de bens dominicais. Ou seja, passam a fazer
parte do patrimônio disponível da pessoa jurídica de direito público, podendo ser alienado. Os
bens públicos podem ou não ser alienáveis, a depender da destinação ou não do bem, se há
afetação ou não.

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Seja qual for a espécie de bem público, nenhum deles está sujeito a usucapião (CC, art.
102; CF, art. 183, § 3°, e súmula 340 do STF).

2.10.5. DO BEM DE FAMÍLIA

O bem de família é o imóvel utilizado como residência da entidade familiar.


No direito de família existem duas formas de prever o bem de família. Existe o bem de
família voluntário e o bem de família involuntário. O voluntário, também conhecido como
convencional, é aquele indicado pela entidade familiar. Tem previsão no art. 1.711 do Código
Civil. Já o bem de família involuntário é aquele que foge a indicação da pessoa, sendo instituído
pela lei, no caso, a Lei nº 8.009/90.

2.10.5.1. DO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO

A instituição do bem de família convencional se dará por escritura pública ou


testamento. Porém, não pode ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido da pessoa que faz a
instituição. O bem de família convencional não revoga o bem de família legal, podendo, inclusive,
conviverem. No caso do bem de família convencional, os cônjuges devem aceitar expressamente
este benefício. Para que seja bem de família convencional, é necessário que o bem seja imóvel,
residencial rural ou urbano, e que inclua todos os bens acessórios que o compõem.
São consequências da instituição do bem de família convencional a inalienabilidade do
imóvel; a impenhorabilidade do imóvel, e ainda, a isenção de execução por dívidas posteriores
à instituição.
Há situações em que, a despeito de o bem ser de família convencional, e ter tais
características, essas condições não prevalecerão, como em situações de dívidas anteriores à
constituição do bem de família, em casos de dívidas posteriores relacionadas a tributos
relacionados ao prédio, e ainda, com relação a dívidas de condomínio.
O art. 1.715, parágrafo único do Código Civil diz que no caso de execução dessas
dívidas, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da
dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução,
a critério do juiz.
A inalienabilidade é a regra geral do bem de família convencional, mas é possível a
alienação do referido bem se houver o consentimento dos interessados, ouvido o Ministério
Público, desde que houvesse autorização judicial.
Eventualmente, comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família
convencional, poderá o juiz extinguir o bem de família ou autorizar a sub-rogação real, colocando
um bem no lugar do outro para fins de bem de família convencional.
O art. 1.722 diz que se extingue, igualmente, o bem de família com a morte de ambos
os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela. Essa extinção não
impede a aplicação da proteção do bem de família legal, constante da Lei nº 8.009/90.

2.10.5.2. DO BEM DE FAMÍLIA INVOLUNTÁRIO

O art. 1º da Lei nº 8.009/90 diz que o imóvel residencial próprio do casal, ou da


entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa lei.

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O conceito de bem de família vem sofrendo transformações ao longo do tempo, tudo


com o objetivo de acompanhar e dar efetividade ao princípio da dignidade humana. Assim, a
jurisprudência tem ampliado seu conceito para abarcar situações que antes nem eram cogitadas.
O bem pertencente a pessoa solteira, pode ser considerado bem de família legal. Isso
porque o conceito de família sofreu uma evolução, sendo que se considera família o lar da pessoa
solteira. Dessa forma, o STJ editou a Súmula 364 que diz que “o conceito de impenhorabilidade
de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e
viúvas”.
A vaga de garagem também recebe a proteção do bem de família, desde que não tenha
matrícula própria. Caso a vaga de garagem tenha matrícula própria, é perfeitamente possível a
sua penhora, não sendo ela considerada bem de família. É o mais recente entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, explanado na edição da Súmula 449, que diz: “A vaga de garagem
que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de
penhora”.
A pessoa que tem apenas um único bem imóvel e aluga esse bem para, com a renda
oriunda, alugar outro maior que cabe toda a família, também tem a atenção do instituto da
proteção do bem de família. Entende-se que esse bem é considerado bem de família, insuscetível
de penhora. O motivo é a tutela do patrimônio mínimo, pois a renda do único vem encontra-se
destinada a garantir as necessidades vitais mínimas da família. A Súmula 486 do STJ, nesse
sentido, assim dispõe: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado
a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a
moradia da sua família”.
A questão do contrato de fiança e da proteção do bem de família já rendeu muita
discussão doutrinária e jurisprudencial. Tanto que o STJ pacificou o tema com edição da Súmula
549 que diz que “é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de
locação." A Lei nº 8.009/90 também traz essa permissão quando excepciona, no art. 3º, os casos
em que não há a proteção da impenhorabilidade. No inciso VII, do art. 3º diz que A
impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de fiança concedida
em contrato de locação.
No entanto, é preciso ficar atento ao tipo de contrato de locação. Isso porque o STF
decidiu que se o contrato de locação foi não residencial, ou seja, comercial, não há essa exceção,
estando o bem do fiador protegido. Em outras palavras, não é possível a penhora de bem de
família do fiador em contexto de locação comercial. (STF. 1ª Turma. RE 605709/SP, Rel. Min. Dias
Toffoli, red. p/ ac. Min. Rosa Weber, julgado em 12/6/2018 (Informativo de jurisprudência n.
906)).
Outra questão decidida pelos Tribunais Superiores foi a do bem pertencente a pessoa
jurídica na qual reside seu sócio. Na hipótese de sobrevier dívida da sociedade, esse bem não
pode ser penhorado por ser considerado bem de família. Assim, é impenhorável a residência do
casal, ainda que de propriedade de sociedade comercial, da qual os cônjuges são sócios
exclusivos. Foi o que decidiu o STJ (STJ. 4ª Turma. EDcl no AREsp 511.486-SC, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 3/3/2016 (Informativo de jurisprudência n 579)).

2.11. DOS FATOS JURÍDICOS

Fato jurídico é o acontecimento, natural ou humano, que interessa ao direito,


relevância jurídica. O fato jurídico não se confunde com o ato jurídico. Esse é um fato que tem
relevância jurídica, mas com elemento volitivo e conteúdo lícito (ou ilícito). É a atuação da
vontade de alguém. O ato jurídico também pode ser ilícito, diga-se de passagem. Além do fato

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jurídico e do ato jurídico existe o negócio jurídico. Negócio jurídico é um ato jurídico, com
elemento volitivo e de conteúdo lícito, mas que há composição de interesse das partes, com
finalidade específica e desejada pelas partes.
O negócio jurídico é o ponto principal da parte geral do Código Civil, uma vez que é a
base de um contrato, a base de atos familiares e nas sucessões, estando presente, também, nas
obrigações.
O ato jurídico pode ainda ser classificado com ato jurídico stricto sensu, sendo aquele
ato jurídico com elemento volitivo, ou seja, com manifestação de vontade. Todavia, essa
manifestação de vontade já está pré-determinada na lei. É o caso do sujeito que adquire um bem
imóvel ou veículo. Como consequência desse ato ele terá que pagar o imposto que incide, ou
seja, no caso do bem imóvel, o IPTU, e no do bem móvel, o IPVA.
Por fim, ainda existe o ato-fato jurídico. Por esse, existe um ato ou um comportamento
humano sem vontade, mas que produziu um resultado. Carlos Roberto exemplifica bem esse
ato.

Muitas vezes o efeito do ato não é buscado nem imaginado pelo agente, mas decorre
de uma conduta e é sancionado pela lei, como no caso de uma pessoa que acha,
casualmente, um tesouro. A conduta do agente não tinha por fim imediato adquirir-
lhe a metade, mas tal acaba ocorrendo, por força do disposto no art. 1.264, ainda
que se trate de um louco (GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro –
volume 1 – parte geral – editora Saraiva jur).

2.11.1. DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico tem origem no Código Civil alemão, trata-se de um ato ou uma
pluralidade de atos, entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que tem por
fim produzir efeitos jurídicos e modificações nas relações jurídicas no âmbito do direito privado.
No campo dos negócios jurídicos a autonomia privada é ampla, traduz uma declaração
de vontade limitada pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, pela qual o agente
pretende livremente alcançar determinados efeitos juridicamente possíveis. Tal situação,
segundo Judith Martins, vive-se a era da autonomia solidária.
Por fim, tem-se como negócio jurídico, a manifestação da vontade através de uma
finalidade negocial, que abrange a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos.
Existem doutrinadores que trazem, dentro do negócio jurídico, teorias que explicam a
natureza jurídica do negócio jurídico. Assim, entende-se que existe a teoria da declaração e a
teoria da vontade.
Pela teoria da declaração (Erklärungstheorie), afirma-se que o negócio jurídico teria a
sua essência, não na vontade interna, mas na vontade externa ou declarada. Já pela teoria da
vontade (Willenstheorie), entende-se que o núcleo essencial do negócio jurídico seria a vontade
interna, a intenção do agente. Por ela, o negócio jurídico se explica pela intenção do agente.
A teoria adotada pelo sistema civilista é a teoria da vontade, que por sua vez, pode ser
dividida em: vontade externada e vontade interna. Via de regra, a vontade interna condiz com a
vontade exteriorizada (intenção do sujeito). Caso elas sejam destoantes poderá haver um vício
do consentimento.

2.11.1.1. CLASSIFICAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico sofre classificações.

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Matheus Zuliani

Quanto ao número de declarantes o negócio jurídico pode ser unilateral ou bilateral.


O negócio jurídico unilateral é aquele em que há uma única manifestação de vontade, podendo
ser receptícios (destinatário deve saber para ter efeitos, como revogação de procurações) ou não
receptícios (não precisa de ciência do destinatário, como testamentos). Nos bilaterais existem
duas manifestações e vontade coincidentes sobre o mesmo objeto, o que se chama de
consentimento mútuo ou acordo de vontades, podendo ser simples (uma parte aufere
vantagem) ou sinalagmáticos (vantagens recíprocas, deriva do vocábulo grego sinalagma, que
significa contrato com reciprocidade).
Quanto as vantagens patrimoniais podem ele ser gratuito ou oneroso. No gratuito
apenas uma das partes aufere vantagem ou benefício, como doação e comodato. No oneroso,
ambas as partes contratantes auferem vantagens às quais correspondem um sacrifício ou uma
contraprestação. Os onerosos podem ser comutativos (prestações certas e determinadas) ou
aleatórios (caracterizados pela incerteza, o risco é a essência do negócio). Há, ainda, os bifrontes,
que são os que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das partes, como o mútuo,
o mandato, o depósito. Nem todo contrato gratuito pode se tornar oneroso, como por exemplo,
a doação e o comodato, pois, nesses casos tornar-se-iam venda e locação, respectivamente,
segundo Orlando Gomes. Por fim, existem os neutros. Caracterizam-se pela destinação do bem,
possuindo, ainda, uma vinculação com bem. É o caso da cláusula de incomunicabilidade e
inalienabilidade.
Quanto ao modo de existência pode ser principal e acessório. Principal é aquele que
tem existência própria e não depende de nada para produzir seus efeitos. O acessório, por sua
vez, é aquele que tem sua existência subordinada à do contrato principal, como ocorre com a
cláusula penal, fiança, penhor e hipoteca.

2.11.1.2. TRICOTOMIA DO NEGÓCIO JURÍDICO (ESCADA PONTEANA)

A escada ponteana foi pensada e idealizada por Pontes de Miranda, nos quais o
negócio jurídico perpassa por três planos/degraus: 1º plano de existência; o 2º plano de validade
e o 3º o plano de eficácia.
No plano de existência, observam-se os elementos que conferem a possibilidade de se
chegar à validade. Diante disso, para que o negócio jurídico exista é necessário: vontade, agente,
objeto e forma.
O plano de validade visa adjetivar os elementos de existência, para assim, verificar se
o negócio jurídico é válido ou inválido. Eles se encontram no art. 104 do Código Civil, ou seja, a
vontade tem que se livre e de boa-fé; o agente necessita ser capaz; o objeto tem que ser lícito,
possível, determinado ou determinável, e por fim, a forma tem que ser aquela prescrita ou não
defesa em lei.
Uma vez violado tais requisitos, o negócio jurídico poderá ser nulo ou anulável, a
depender da situação.
Por fim, no plano da eficácia, temos os elementos acidentais, ou seja, a condição, o
termo e o encargo.
No Código Civil, nas disposições gerais do negócio jurídico, há algumas questões que
precisam ser observadas e que tratam, especificadamente, sobre os elementos de existência e
de validade do negócio jurídico.
No art. 105 do Código Civil há regramento sobre a incapacidade. Explica que a
incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio,
nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, nesse caso, for indivisível o objeto do
direito ou da obrigação comum.

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A primeira parte do art. 105 trata do venire contra factum proprium, instituto ligado a
boa-fé objetiva das relações negociais.
Venire contra factum proprium consiste na vedação de práticas antagônicas àquelas
praticadas anteriormente pelo próprio agente. Nada mais é do que um desdobramento do
princípio da boa-fé objetiva.
Também chamada de “teoria dos atos próprios” ou “proibição de comportamento
contraditório”.
No venire contra factum proprium, há uma sequência lógica de dois comportamentos.
Cada um deles, observados isoladamente, certamente se mostraria lícito; mas eles se tornam
ilícitos pela incoerência comportamental. Existe enunciado nesse sentido24.
O art. 106 do Código Civil, por sua vez, trata da impossibilidade inicial e relativa do
objeto. Assim, a impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa,
ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Desta forma, entende
a doutrina que para macular o negócio jurídico a impossibilidade do objeto deve ser absoluta,
ou seja, não ligada ao declarante, mas sim, a todas as pessoas que possam ter alguma relação
com tal objeto.
Sobre a vontade e a forma, o Código Civil explica, no art. 107 que a validade da
declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a
exigir. De acordo com Anderson Shreiber, “forma do negócio jurídico é o meio através do qual
o agente exprime a sua vontade” (Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência – Editora
Gen). Diante disso, o Código Civil diz que a regra, no negócio jurídico, é a do ato não solene. No
entanto, quanto à lei exigir o negócio jurídico passa a ser um ato solene, onde a desobediência
da forma macula a validade do ato. Cite-se como exemplo a compra e venda de uma casa, em
uma cidade do interior, localizada no bairro mais pobre. Se essa casa tiver o valor de R$
20.000,00 (vinte mil reais), o negócio jurídico de compra e venda envolvendo-a pode ser feito
por instrumento particular. Isso porque o Código Civil, no art. 108, diz que “não dispondo a lei
em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Se superasse 30 salários a
compra e venda deveria ser por escritura pública, ou seja, um ato solene (formal).
No entanto, é importante constar que, nesse negócio envolvendo essa casa de R$
20.000,00, se as partes fizerem constar no contrato que o negócio não tem validade se não for
feito por escritura pública, passa a ser essa forma a substância do ato. Assim, o art. 109 do
Código Civil explica que “No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato”.
O art. 110 do Código Civil traz a reserva mental. A redação do dispositivo legal expõe
que “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. A pouco, em
comentário supra, dizemos que o Código Civil, no âmbito do negócio jurídico, adotou a teoria
da vontade, onde a intenção manifestada interessa para o negócio. Assim, mesmo que o agente
manifeste uma vontade não condizente com a vontade desejada, esse negócio existe e será
válido. Para a doutrina, quando a outra parte, aquela que recebe a declaração de vontade,
conhece dessa divergência entre a vontade querida e a vontade externada, o negócio passa a
ter um vício na sua existência, sendo considerado um negócio jurídico inexistente.

24Enunciado 362 da IV Jornada de Direito Civil: “a vedação do comportamento contraditório (Venire contra factum
proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos art. 187 e 422 do Código Civil”

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Sobre o silêncio como manifestação de vontade, o Código Civil, no art. 111 explica que
O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa. Nesse sentido, o silêncio, como regra, não produz
vontade. Ele apenas passa a ser considerado uma manifestação de vontade quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e ainda, desde que não seja necessária a declaração de
vontade expressa.
No que concerne a interpretação do negócio jurídico, o Código Civil traz três regras
importantes.
A primeira encontra-se no art. 112 do Código Civil que diz que “nas declarações de
vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da
linguagem”. Isso significa que, precisando o negócio jurídico de uma interpretação, buscará a
solução no que pretendiam as partes quando da celebração do negócio. Busca-se a essência do
negócio na visão dos personagens. Mais uma vez é o Código Civil sinalizando pela adoção da
teoria da vontade.
A segunda, por sua vez, está no art. 113 do Código Civil, que recentemente
experimentou uma modificação advinda da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei
nº 13.874/2019). Assim dispõe o art. 113 do Código Civil: “os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Nota-se que a boa-fé
objetiva é um elemento interpretativo do negócio jurídico, impondo um comportamento leal,
probo, baseado na confiança. Nesse sentido, entende-se que a interpretação deve levar em
conta o comportamento das partes após a celebração do contrato, obedecendo as práticas
costumeiras para aquele negócio, sem, contudo, se depreender da boa-fé, e ainda, ser mais
benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável (CC, art. 113, § 1º).
Além disso, o Código Civil permitiu que as partes trouxessem para o negócio critérios
e regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos
diversas daquelas previstas em lei (CC, art. 113, § 2º).
A terceira e última regra de interpretação diz respeito aos negócios jurídicos benéficos
e a renúncia. Nessas duas modalidades o negócio jurídico deve ser interpretado estritamente,
ou seja, aquela interpretação que se revela menos ampla (CC, art. 114). Isso acontece porque
nessa modalidade de negócio a parte, em regra, já não aufere qualquer vantagem, não podendo,
ainda, sofrer uma interpretação extensiva.

2.11.2. VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico nasce para ser perfeito e produzir efeitos jurídicos desejados entre
as partes. No entanto, pode ocorrer que, em razão de uma mácula nesse negócio, passe ele a
ser considerado viciado, e assim, podendo ser anulado ou declarado nulo, a depender do vício
apresentado.
Os vícios, também conhecidos como defeitos do negócio jurídico, podem ser
classificados em vícios do consentimento ou vícios sociais.
Vícios do consentimento são aqueles em que a manifestação de vontade interna do
agente não condiz com a manifestação externada ao outro negociante. Já o vício social consiste
naquele em que a manifestação de vontade querida pelo agente é a mesma externada, contudo,
praticada com o intuito de prejudicar terceiros.
São vícios do consentimento o dolo, o erro, o estado de perigo, a lesão e a coação. Por
sua vez, são vícios sociais a fraude contra credores e a simulação.

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2.11.2.1. DO ERRO OU DA IGNORÂNCIA

A legislação brasileira não diferencia o erro da ignorância, embora a doutrina costume


dizer que o erro é uma falsa representação positiva da realidade, ao passo que a ignorância
traduz um estado negativo de desconhecimento.
O erro consiste numa falsa representação da realidade ou o próprio agente se faz
enganar, sem perceber o erro.
Segundo a doutrina clássica de Clóvis Beviláqua, para que haja invalidação do negócio
jurídico, é necessário que o erro seja essencial ou substancial. Nessa perspectiva, erro
essencial/substancial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio
jurídico. É a causa determinante, ou seja, a causa que se fosse conhecida no momento da
realização do negócio jurídico, o mesmo não seria celebrado (CC, art. 139). Outra espécie de erro
é o acidental o qual não invalida o negócio jurídico. Ele se opõe ao erro substancial, uma vez que
se refere a circunstâncias de menos importância e que não acarretam efetivo prejuízo, ou seja,
qualidades secundárias do objeto ou da pessoa. Significa que mesmo tendo que conhecida do
sujeito, o negócio seria celebrado.
Pense o caso de Manuel que deseja comprar um lote em um condomínio horizontal
fechado. Ao sentar com o vendedor escolhe o lote 2, da quadra “a” porque fica ao lado do
parquinho, já que possui dois filhos pequenos. No entanto, ao celebrar o contrato e escolher o
lote no mapa, acaba por selecionar o lote 2 da quadra “d”, que fica bem distante do parquinho
e ao lado da portaria. O lote da quadra “a” é mais caro, tendo Manuel pago preço. Nesse caso,
estamos diante de um erro essencial.
Quando se fala em erro, a doutrina clássica exigia que o erro deveria ser essencial e
escusável. O erro escusável, também conhecido como perdoável, é aquele em que qualquer
pessoa de mediana prudência incidiria. É o erro que qualquer pessoa poderia cometer. O erro é
perdoável, qualquer um cometeria.
Seguindo tendência moderna, o enunciado 12, da 1ª Jornada de Direito Civil25,
sustenta, à luz do princípio da confiança, ser dispensável a escusabilidade para a caracterização
do erro. Assim, para a doutrina mais modera, deve exigir-se que o erro seja essencial, mas não
que seja escusável. Basta que o erro seja essencial. Não precisa ser escusável, desculpável,
inevitável.
O Código Civil admite o erro de direito, como se nota do art. 139, III, desde que não
implique recusa a aplicação da lei, ou então, for o único motivo ou principal motivo do negócio
jurídico. O erro de direito é o equívoco sobre a regra que disciplina o negócio jurídico que se está
celebrando. Ele não se confunde com o total desconhecimento da lei.
Dispõe o art. 140 do Código Civil que O falso motivo só vicia a declaração de vontade
quando expresso como razão determinante. Também chamado de erro de motivos. Os motivos
do negócio jurídico não interessam para formação deste, via de regra. Se a pessoa vende uma
casa, o motivo pelo qual ela vende essa casa não interessa para o direito. Entretanto, se o motivo
constituir expressamente como razão essencial do negócio, e ainda, for falso, ele viciará o
negócio celebrado. Por exemplo, a pessoa faz uma doação ao sujeito porque este supostamente
lhe salvou a vida e posteriormente descobre que não é verdade. O motivo da doação é o
salvamento. Por ser um motivo falso, e ainda, que constou no negócio como razão determinante
da doação, pode levar a invalidade do negócio celebrado.

25I Jornada de Direito Civil – enunciado 12: “Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro,
porque o dispositivo adota o princípio da confiança”.

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O Código Civil ainda permite que se anule por erro a transmissão errônea da vontade.
O art. 141 do Código Civil explica que “a transmissão errônea da vontade por meios interpostos
é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta”. Se o declarante não se encontra
na presença do declaratório, valendo-se de interposta pessoa (mensageiro) ou de um meio de
comunicação (fax, telégrafo, e-mail) e a transmissão da vontade, não se faz com fidelidade,
estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente
(mensagem truncada), caracteriza-se o vício que torna anulável o negócio jurídico.
Por fim, o Código Civil permite que o negócio jurídico errôneo possa ser convalidado
(CC, art. 144). Desta forma, se a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para
executá-la em conformidade da vontade real do manifestante, o erro fica superado,
convalidando-se o negócio jurídico, tornando-se válido.

2.11.2.2. DO DOLO

O dolo é o vício do negócio jurídico em que o contratante se vale de qualquer meio


para induzir ou manter alguém em erro na prática de um ato jurídico.
O dolo é classificado em dolo principal, dolo acidental, dolus bonus, dolus malus, dolo
positivo (comissivo), omissivo (negativo), dolo do representante, dolo de terceiro, dolo
unilateral, e por fim, dolo bilateral.
Dolo principal consiste naquele em que o engodo centra-se na causa determinante do
negócio jurídico. Encontra previsão no art. 145 do Código Civil. O negócio se realizou somente
por que houve o dolo de umas das partes. Já o dolo acidental é o que se concentra em elementos
acessórios, circunstanciais no negócio jurídico. Mesmo que previsto o negócio jurídico se
realizaria, contudo, não da forma que foi feito. É o que dispõe o art. 146 do Código Civil, segunda
parte. O exemplo é contrato de permuta em que uma das partes induz em erro a questão dos
valores. Pelo fato de que o negócio seria realizado de qualquer forma é que este dolo não anula
o negócio jurídico gerando, apenas, perdas e danos.
Dolus bonus é o dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a
manifestação da vontade. Essa modalidade é muito comum no comércio, principalmente em
publicidade. Já o dolus malus é o revestido de gravidade, sendo exercido com o propósito de
ludibriar e de prejudicar. Podem consistir em atos, palavras e até mesmo no silêncio maldoso.
Essa espécie vicia o consentimento.
Dolo omissivo é o engodo praticado pelo silêncio, quando a parte tinha obrigação de
alertar sobre determinado fato relevante. Tem previsão no art. 147 do Código Civil. Já o dolo
comisso é aquele materializado por ações maliciosas.
O dolo de terceiro é aquela artimanha para enganar uma pessoa a fazer um negócio
malfeito com uma terceira pessoa, que se beneficia do ato. O dolo de terceiro somente tem o
condão de anular o negócio jurídico se o terceiro beneficiado tivesse devesse ter conhecimento
do engodo. Caso não tenha esse conhecimento, resta ao contratante enganado apenas perdas e
danos contra o que praticou a artimanha.
O dolo do representante não é igual ao dolo de terceiro. O representante age se fosse
a própria parte. A questão está tratada no artigo 149 do CC, e faz uma diferenciação entre
representante legal e representante convencional. Na representação legal, o representado
responde civilmente até importância do proveito que teve. Não somente, em se tratando de
representante convencional, acarretará a responsabilidade solidária do representado. Com isso,
terá o representado direito a ação regressiva contra o representante.
Por fim, temos o dolo unilteral e o bilateral. Dolo unilateral é o dolo de uma das partes.
O dolo bilateral, noutro giro, é o dolo praticado por ambas as partes. Esse está regulado no artigo

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150 do CC que traz que “se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o negócio, ou reclamar indenização”. O dolo bilateral é reflexo do brocardo jurídico de
que ninguém pode se beneficiar da própria (Nemo auditur propriam turpitudinem allegans).

2.11.2.3. DA COAÇÃO

Coação é toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo,
contra sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que caracteriza é o emprego da
violência psicológica para viciar a vontade. Não é a coação em si um vício, mas o temor que ela
inspira, tornando defeituosa a manifestação de vontade de querer do agente.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a coação é o vício mais grave e profundo que pode
afetar o negócio jurídico.
Dispõe o artigo 151, do Código Civil que:

A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos
seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do
paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Assim, nem toda ameaça configura a coação como vício, a não ser que tenha os
seguintes requisitos: causa determinante + grave + injusta + dizer respeito a dano atual ou
iminente + constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou pessoa de sua família.
A coação não é apreciada em juízo abstrato (critério do homem médio), mas em uma
análise concreta da condição da vítima, como se verifica dos elementos a serem analisados no
art. 152 do Código Civil, in verbis: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam
influir na gravidade dela”.
A coação pode ser absoluta (física), relativa (moral), sobre a pessoa e de sua família,
sobre os bens da pessoa, e por fim, sobre pessoa diversa da família.
A coação absoluta, também conhecida como vis absoluta, é aquela que a vantagem
decorre de violência física. Trata-se na hipótese de negócio jurídico inexistente, por ausência de
manifestação de vontade. Pense no caso em que se pega a mão da velhinha e força a assinatura
de um cheque. A relativa, que pode ser denominada de vis compulsiva, é a que torna o negócio
anulável. Neste caso, deixa-se opção de escolha à vítima: praticar o ato ou correr o risco. Trata-
se de uma coação psicológica. Nesse caso, aponta-se uma arma para a pessoa e manda que ela
assine o cheque. São casos diversos.
A coação pode ser ainda contra a própria pessoa, seus familiares, ou então sobre os
seus bens. Quando a coação é exercida sobre uma pessoa que não pertence à família do
contratante, é preciso analisar as circunstancias do caso. Nessa hipótese, é o juiz quem vai fazer
essa análise, verificando se aquela pessoa ameaçada é relevante para o coagido ao ponto de
causar nele um grave temor de dano.
Na coação, é preciso ressaltar que nem o temor reverencial e nem o exercício regular
de um direito, caracterizam vício do negócio jurídico. Dispõe o art. 153 do Código Civil que “não
se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor
reverencial”. Temor reverencial é o respeito à autoridade instituída (é a autoridade reconhecida
pela vítima). Isso não caracteriza coação. Pablo Stolze, Juiz do TJBA e professor de Direito Civil,
dá o seguinte exemplo: “pai de sua noiva, no início de namoro, pede R$ 10.000,00 emprestado
e diz “você confia em mim, não é?”– Você empresta sem pestanejar para não desagradar o
sogrinho. Porém, isso não caracteriza coação, mas mero temor reverencial”. O exercício regular

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de um direito, ato lícito pelo Código Civil, também não gera coação. Se alguém lhe ameaça
inscrever seu nome nos órgãos de proteção ao crédito porque você não paga a dívida, isso não
pode ser considerado uma coação, mas sim, o exercício regular de um direito.
A coação exercida por terceira pessoa tem previsão no art. 154 do Código Civil, in
verbis: “vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter
conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas
e danos”. Todavia, o negócio subsiste se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que
aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento, todavia, o autor da coação responderá por
todas as perdas e danos que houver causado ao coacto (CC, art. 155).
Desse modo, prevalece o princípio da boa-fé e a tutela da confiança da parte que
recebe a declaração de vontade. É importante se atentar para o caso de que nos atos unilaterais,
como testamentos e promessa de recompensa, a coação de terceiro continuará ensejando
sempre anulação, uma vez que ali não existem “partes”, mas sim, agentes e terceiros que se
dirigem a declaração de vontade.

2.11.2.4. DO ESTADO DE PERIGO

O estado de perigo é um vício do negócio jurídico que não existia no Código Civil de
1916.
Dispõe o art. 156 do Código Civil que “configura-se o estado de perigo quando alguém,
premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela
outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.
O Estado de perigo é a situação de extrema necessidade (conhecido pela parte
contrária) que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação
desproporcional e excessivamente onerosa. O exemplo clássico é do náufrago que doa seu
patrimônio para ser salvo.
O professor Carlos Roberto Gonçalves ensina que a anulabilidade do negócio jurídico
celebrado mediante estado de perigo encontra justificativa em diversos dispositivos do novo
código civil, principalmente, naqueles que consagram os princípios da boa-fé e da probidade, e
ainda, condiciona o exercício da liberdade de contratar a função social do contrato (artigos 421
e 422 do CC).
Há que se mencionar, ainda, os dizeres de Teresa Ancona Lopez:

evidentemente se o declarante se aproveitar da situação de perigo para fazer um


negócio vantajoso para ele e muito oneroso para outra parte, não há como agasalhar
tal negócio. Há uma frontal ofensa à justiça comutativa que deve estar presente em
todos os contratos.

Ao estudar o estado de perigo nota-se que o Código Civil não tratou, de forma expressa,
da possibilidade de se convalidar o negócio, a exemplo do que faz com a lesão. Assim, a doutrina
entendeu que a mesma situação prevista no art. 157, §2º do Código Civil, tem incidência, por
analogia, no caso de estado de perigo. Dispõe o no art. 157, §2º do Código Civil que: “não se
decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida
concordar com a redução do proveito”. Nesse mesmo sentido foi editado o Enunciado 158 da
Jornada de Direito Civil26.

26Enunciado 148 da III Jornada de Direito Civil: “Ao "estado de perigo" (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto
no § 2º do art. 157”.

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Matheus Zuliani

Da mesma forma que a coação, é possível que uma pessoa, sob a premente
necessidade de salvar alguém que não é da família, assume prestação onerosa. Seguindo o
mesmo raciocínio, o Código Civil, no art. 156, parágrafo único, diz que, em se tratandode pessoa
não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. Portanto, fica
ao crivo do Magistrado o decreto do negócio viciado ou não.
Por fim, no estado de perigo é preciso que haja um requisito indispensável, qual seja,
o dolo de aproveitamento. Consiste no fato de uma das partes se aproveitar da outra para levar
vantagem, enquanto a outra experimenta prejuízo. O dolo de aproveitamento deve ser aferido
no instante da realização do contrato. Se posteriormente à sua subscrição a parte descobre que
está levando vantagem enquanto a outra experimenta prejuízo não se pode pleitear a anulação
pelo vício do negócio jurídico.

2.11.2.5. DA LESÃO

Igual ao estado de perigo, o instituto da lesão não tinha previsão no Código Civil antigo.
É inovação. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação
oposta. Lesão é, assim, o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as
prestações de um contrato no momento de sua celebração, determinada pela premente
necessidade ou inexperiência de uma das partes. Dessa forma, não se contenta a lei com
qualquer desproporção, mas sim a manifesta.
O objetivo é reprimir a exploração usurária de um dos contratantes com o outro, que
não precisa ser de conhecimento da parte contrária, ao contrário do estado de perigo, que exige
o conhecimento da parte contrária.
O CC de 2.002 adotou a lesão especial ou lesão enorme, na qual apenas se verifica a
vantagem exagerada ou desproporcional, não se indagando a má-fé ou ilicitude do
comportamento da parte contrária (dolo de aproveitamento). O nosso código, neste caso, não
está preocupado em punir o sujeito, mas em proteger o lesado. Veja que a doutrina entende que
há dolo de aproveitamento para o estado de perigo, mas não para a lesão. Nesse sentido foi
editado o Enunciado 150 da Jornada de Direito Civil27.
Em suma: Ocorre lesão quando por premente necessidade ou por inexperiência, obriga
a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
A desproporção das prestações será apreciada segundo os valores vigentes ao tempo
em que foi celebrado o negócio jurídico, conforme consagra o art. 157, § 1º do Código Civil.
O Código de Defesa do Consumidor trata a lesão como causa de nulidade absoluta do
negócio (arts. 6º, V; 39, V; e 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor).
Por fim, é importante fazer a distinção entre a lesão e a onerosidade excessiva. A
diferença é que na lesão o negócio jurídico já nasce viciado, enquanto no caso da teoria da
imprevisão não. Na lesão o vício é congênito. Ao contrário da teoria da imprevisão, onde o
contrato nasce válido, e devido ao fato imprevisível e inevitável, que altera substancialmente a
base do contrato, acaba por tornar a prestação excessivamente onerosa para uma das partes. A
saída encontrada pelos protagonistas é a revisão do contrato (CC, art. 479), ou até mesmo a
extinção do negócio, essa como última medida. A resolução por onerosidade excessiva encontra-
se regulamentada no art. 478 do Código Civil28.

27 III Jornada de Direito Civil – enunciado 150: “A lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de

aproveitamento”.
28 Art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar

excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e

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Matheus Zuliani

2.11.2.6. DA FRAUDE CONTRA CREDORES

A fraude contra credores é um vício social do negócio jurídico passível de anulabilidade.


Os defeitos do negócio jurídico como erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo,
podem ser discutidos como questões principais no processo através de uma ação anulatória, ou
então, até mesmo de forma incidental. Por via incidental, hipoteticamente, poderia ocorrer na
hipótese de alguém ajuizar ação de adimplemento contratual (questão principal), e parte
contrária, em sua defesa, alegar algum vício social quando da celebração do contrato(questão
incidental).
Por outro lado, quando falamos em fraude contra credores, tem-se o manejo de uma
ação própria, denominada de Ação Pauliana, também denominada de Ação Revocatória, que
tem o mesmo sentido de uma ação anulatória. Todavia, neste caso, não é possível suscitar a
fraude contra credores por via incidental.
Notadamente, a referida ação pauliana de origem romana, foi idealizada pelo
jurisconsulto chamado Paulo, tendo como razão de ser a nomenclatura “ação pauliana”.
Esse instituto jurídico encontra-se previsto nos artigos 158 ao 165 do Código Civil, e
trata-se de um ato de disposição patrimonial pelo devedor com objetivo de prejudicar o credor.
Colocando-se em estado de insolvência.
Nesse contexto, temos na doutrina alemã um binômio que rege as relações
obrigacionais, denominados de schuld – débito e haftung – responsabilidade patrimonial.
Significa, portanto, que quando o sujeito contrai uma obrigação na condição de devedor, a partir
do fenômeno “vínculo obrigacional” origina o binômio schuld e haftung.
Schuld, portanto, é uma relação estática do direito civil, quem detém o débito, é o
devedor. O haftung, por sua vez, constitui uma relação dinâmica do direito processual civil e,
portanto, trata-se da responsabilidade patrimonial. No campo do Processo Civil, este se revela
através do princípio da patrimonialidade, pois, em caso de não cumprimento da obrigação pelo
devedor, este responderá com seu patrimônio.
Conforme doutrina clássica, para a comprovação da fraude contra credores é preciso
demonstrar o elemento objetivo e o elemento subjetivo. O elemento objetivo consiste na
diminuição ou esvaziamento do patrimônio do devedor, até a sua insolvência. É também
denominado de eventus damni. Por sua vez, o elemento subjetivo é a intenção maliciosa do
devedor de causar o dano. Também chamado de consilium fraudis. Todavia, recentemente o
STJ29 entendeu que na fraude contra credores não precisa mais da prova do elemento subjetivo
(consilium fraudis), ou seja, conluio fraudulento, basta que se comprove a quatro elementos I
anterioridade do crédito/ II – prejuízo/ III – redução da insolvência/ IV – conhecimento do
terceiro.
Existe na doutrina e na jurisprudência uma discussão acerca da consequência do
reconhecimento da fraude contra credores. É pacífico que todos os vícios do negócio jurídico
levam a anulação, com exceção da simulação, que é um negócio nulo. Cresceu na doutrina e na
jurisprudência a tese de que o reconhecimento da fraude gera a ineficácia do negócio. Portanto,
provado pelo credor os requisitos, a alienação será ineficaz em relação ao credor, considerando-
se como se nunca tivesse produzido efeitos. Estenderam à fraude os mesmos efeitos da fraude
à execução, institutos que não se confundem.

imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à
data da citação”.
29
STJ - REsp nº 1294462/GO.

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Na fraude à execução há uma diminuição patrimonial do devedor para reduzir-se à


insolvência, com alienação de bens no curso do processo. Além de prejudicar o credor é,
também, considerado um ato atentatório a dignidade da justiça. Para a sua configuração basta a
alienação do bem, nas hipóteses do artigo 792 do Código de Processo Civil.
Para finalizar o tema da fraude contra credores, é importante tecer comentários acerca
da legitimidade passiva da ação paulina.
A legitimidade passiva (quem responde na Pauliana) é em face do devedor insolvente,
da pessoa que com ele contratou e, eventualmente, do terceiro de má-fé (art. 161, ver também
REsp. 242.151, MG). Haverá um litisconsórcio passivo necessário entre os legitimados passivos.
Se o bem estiver com terceiro de boa-fé que o adquiriu sem ter ciência da fraude o
credor terá de buscar outros meios de ressarcimento.
Não se pode alegar a fraude contra credores em sede de embargos de terceiros. É o
disposto na súmula 195 do STJ30. Por quê? Porque nessa ação falta a presença do vendedor do
bem, justamente aquele que praticou o negócio fraudulento, o Ou seja, o devedor insolvente. O
devedor vende seu bem a um terceiro. O credor consegue a penhora desse bem. O comprador
do bem entra com embargos de terceiro contra o credor que penhorou e não coloca o devedor
vendedor no polo passivo. Como discutir se ele praticou fraude se não consta do processo? É
esse o motivo pelo qual não se discute fraude contra credores em embargos de terceiro.

2.11.2.7. DA SIMULAÇÃO

A simulação consiste em um vício social, ou seja, sempre visa prejudicar uma terceira
pessoa, ainda que não definida, enquanto na fraude contra credores a investida fraudulenta é
destinada a prejudicar o credor. Na simulação, ao contrário, o prejudicado pode não se
nominado, não se tratando de uma vítima especifica. No CC/16 era causa de anulabilidade; no
CC/2.002 passa a ser tratada como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico.
Na simulação celebra-se um negócio jurídico aparentemente normal, mas que, em
verdade, não pretende atingir o efeito que juridicamente deveria produzir. Por essa razão, a
simulação será sempre bilateral, na qual, “A” e “B”, por exemplo, em conluio para enganar “C”
ou fraudar a lei.
Há duas espécies de simulação, a absoluta e a relativa. Na simulação absoluta as partes
não realizam qualquer ato, apenas fingem na criação de um negócio que não existe. Na
simulação relativa as partes pretendem realizar negócio jurídico prejudicial a terceiro ou para
fraudar a lei, mas realizam um diverso “simulado” para ocultar o “dissimulado”, oculto, mas
verdadeiramente desejado.
É o caso da velhinha e da cuidadora. A velhinha prometeu doação da casa em que ela
morava para sua cuidadora se ela cuidasse dela até o fim da vida. Passou uma procuração para
ela fazer a doação. A cuidadora, se valendo da procuração, faz uma escritura de compra e venda
com a própria filha, representando a velhinha. O negócio simulado é nulo, mas o dissimulado
pode ser válido se for na substância e na forma31.
Sobre a simulação relativa, existe enunciado da Jornada de Direito Civil sobre o tema32.
Por fim, a doutrina ainda fala em simulação inocente. Tal modalidade era prevista no
código civil de 1916 e tratava-se de uma simulação desprovida de intenção de prejudicar

30Súmula 195 do STJ: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”.
31Autos n. 0702397-17.2017.8.07.0004 – sentença proferida Juiz Matheus Stamillo Santarelli Zuliani 11/12/2019.
32Enunciado 153, da III Jornada de Direito Civil: “Na simulação relativa, o negócio simulado (aparente) é nulo, mas o

dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar prejuízos a terceiros”.

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terceiros ou violar a lei. Essa modalidade não se aplica mais, uma vez que qualquer simulação é
nula.

2.11.3. INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Quando se fala em invalidade do negócio jurídico se fala em nulidade (nulidade


absoluta) ou anulabilidade (nulidade relativa).
Todos os vícios do negócio jurídico levam a anulação, com exceção da simulação,
conforme visto acima, que leva a nulidade.
A Nulidade é a sanção imposta pela lei aos atos e negócios jurídicos realizados sem
observância dos requisitos essenciais, impedindo-os de produzir os efeitos que lhes são próprios.
Ofendem preceitos de ordem pública que interessam à sociedade, ou seja, o interesse público é
lesado.
A nulidade pode ser absoluta ou relativa. Enquanto a nulidade absoluta ofende as
normas de ordem pública, a nulidade relativa ofende norma de interesse particular. A nulidade
absoluta não se convalida nunca, enquanto a relativa pode ser convalidada por vontade das
partes. O juiz pode conhecer de ofício de uma nulidade absoluta, no entanto, tal atitude não
pode ser tomada diante de uma nulidade relativa.
Para se postular o reconhecimento de uma nulidade absoluta é preciso o manejo de
uma ação declaratória de nulidade, e, como o nome mesmo sugere, sua natureza é de ação
declaratória. A nulidade relativa é reconhecida por meio de ação anulatória, possuindo efeito
desconstitutivo. A sentença declaratória, efeitos ex tunc, isso é, retroativos, enquanto na
sentença desconstitutiva (ou constitutiva negativa) o Juiz desfaz o negócio jurídico, produzindo
efeitos ex nunc (não retroativos). Não obstante tal posição, a jurisprudência tem reconhecido o
efeito retroativo também para a ação anulatória, retornando as partes ao estado anterior. Por
fim, podem ajuizar ação declaratória o Ministério Público ou qualquer interessado, enquanto a
ação anulatória somente pode ser ajuizada pelo interessado no reconhecimento.
Para finalizar a questão das ações cabíveis, é preciso mencionar a questão do prazo
para o manejo.
Enquanto a ação declaratória de nulidade é imprescritível, a ação anulatória pode ser
ajuizada em 2 (dois) anos ou em 4 (quatro) anos, a depender do defeito.
Consoante dispõe o art. 179 do Código Civil, quando a lei dispuser que determinado
ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar
da data da conclusão do ato.
Todavia, quando se tratar de defeitos do negócio jurídico, o prazo é de 4 (quatro) anos,
podendo ter termos iniciais distintos. Assim, no caso de coação, o termo inicial é do dia em que
ela cessar (CC, art. 178, I). Na hipótese de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo
ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico (CC, art. 178, II). Por fim, no de atos de
incapazes, do dia em que cessar a incapacidade (CC, art. 178, III).
O negócio jurídico é nulo, conforme art. 166 do Código Civil, quando celebrado por
pessoa absolutamente incapaz; quando for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; quando não revestir a
forma prescrita em lei; quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade; quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa, e por fim, quando a lei
taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Embora se tenha dito que o negócio jurídico nulo não aceita convalidação, não se pode
deixar de mencionar o instituto da conversão substancial.

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A conversão substancial consiste na possibilidade de convalidação de um negócio nulo


em um válido, desde que contenha os requisitos de outro negócio, subsistindo este, e ainda, que
se possa presumir que era a intenção das partes, se houvessem previsto a nulidade. É o que vem
expresso no art. 170 do Código Civil. Não se confunde com a convalidação livre da anulabilidade,
com previsão no art. 172 do Código Civil, em que as partes por livre vontade convalidam o
negócio anulável.

2.11.4. DA REPRESENTAÇÃO

O Código Civil traz um capítulo sobre o negócio jurídico concluído por meio da
representação.
É importante constar que os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo
interessado. Assim, a manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes,
produz efeitos em relação ao representado (CC, art. 116).
O contrato consigo mesmo, também conhecido na doutrina como autocontrato, tem
regulamentação no art. 117 do Código Civil. Dispõe tal dispositivo legal que “salvo se o permitir
a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou
por conta de outrem, celebrar consigo mesmo”. Dessa forma, o representante só pode fazer
contrato consigo mesmo (de um lado ele e do outro ele representando terceiro) quando a lei ou
quando o próprio representado der poderes específicos para tanto.
Alguns entendem que essa modalidade de contrato não tem validade. Silvio de Salvo
Venosa escreveu que:

Para muitos, o chamado autocontrato é vedado, ainda que o ordenamento não o faça
expressamente, porque faltaria o essencial acordo de vontades: uma única vontade
se imporia no negócio, podendo trazer enorme prejuízo ao mandante. (...)
verificamos que, para a configuração dos ditos autocontratos é essencial que o
negócio jurídico seja concluído por meio do representante (Cavalcanti, 1983:1).

Já Carlos Roberto Gonçalves defende a validade, desde que não haja conflito de
interesses, sendo essa a melhor posição a ser adotada. Assim, o Desembargador do TJSP, disse:

É de se supor que, malgrado a omissão do novo diploma, a jurisprudência continuará


exigindo a ausência do conflito de interesses, como condição de admissibilidade do
contrato consigo mesmo, como vem ocorrendo. O supratranscrito parágrafo único
do art. 117 do novo Código trata de hipótese em que também pode configurar-se o
contrato consigo mesmo de maneira indireta, ou seja, quando o próprio
representante atua sozinho declarando duas vontades, mas por meio de terceira
pessoa, substabelecendo-a para futuramente celebrar negócio com o antigo
representante. Ocorrendo esse fenômeno, tem se como celebrado pelo
representante o negócio realizado por aquele em que os poderes houverem sido
substabelecidos.

Por fim, é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses


com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou
(CC, art. 119). Essa ação deve ser ajuizada no prazo de 180 dias a contar da conclusão do negócio
ou da cessação da incapacidade.

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2.11.5. DA CONDIÇÃO, DO TERMO E DO ENCARGO

Condição, termo e encargo são denominados de elementos acidentais do negócio


jurídico. Recebem essa denominação porque podem ou não constar do negócio jurídico, a
depender da vontade das partes. Eles estão relacionados a eficácia do negócio jurídico.

2.11.5.1. DA CONDIÇÃO

A condição é um acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio


jurídico. Estabelece o artigo 121, do Código Civil que “considera-se condição a cláusula que,
derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento
futuro e incerto”.
A condição como elemento acidental deve-se derivar exclusivamente pela vontade das
partes, pois, se imposta pela lei, não se trata da condição que estamos analisando. A expressão
“exclusivamente da vontade das partes”, mesmo mencionada à palavra “partes”, no plural,
poderá ser imposta unilateralmente. Por exemplo, “te dou um carro se você for aprovado no
vestibular do final do ano”.
São elementos da condição a voluntariedade, futuridade e a incerteza. A
voluntariedade é a que permite que as partes possam instituir a cláusula e não a lei, sob pena
de se ter conditio iuris. A Futuridade exige que o objeto da condição seja ser futuro, não podendo
versar sobre fatos passados ou presentes. Se assim tratar serão considerados condições
impróprias. Por exemplo, “prometo certa quantia se o bilhete for premiado. E nesse caso o
sorteio foi ontem”. Por fim, a incerteza é algo que não se sabe se vai acontecer.
A condição pode ser classificada de diversas formas.
Quanto à licitude, elas podem ser lícitas ou ilícitas. São lícitas, em geral, todas as
condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições
defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro
arbítrio de uma das partes (CC, art. 122). As ilícitas, noutro sentido, são as que invalidam o
negócio jurídico que lhes são subordinados. Elas podem ser ilícitas ou de fazer coisa ilícita. A
condição ilícita invalida o negócio jurídico de forma integral.
Quanto à fonte podem ser causais, potestativas ou mistas. São causais as que decorrem
de fato alheio à vontade das partes, mesmo que decorra da vontade de terceiro. Por exemplo,
“te dou dinheiro se chover amanhã”. As potestativas Decorrem da vontade ou do poder de uma
das partes. Podem ser elas puramente potestativas ou simplesmente potestativas. As puramente
Potestativas sujeitam os efeitos do negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes. É a
cláusula si voluero (se me aprouver). O artigo 122 inclui como condição defesa, ou seja, vedada
pelo ordenamento. As simplesmente potestativas são admitidas por dependerem não só da
manifestação de vontade de uma das partes como também de algum acontecimento ou
circunstância exterior que escapa do controle da parte. As mistas, por seu turno, dependem da
vontade das partes e de um terceiro ao mesmo tempo. Por exemplo, “te dou o dinheiro se você
se casar com João”.
Dentro das condições vedadas, existem as perplexas, também conhecida como
contraditórias. Está prevista no art. 122 do Código Civil, sendo as que privarem de todo efeito o
negócio jurídico. O exemplo tradicional é o contrato de locação residência que impede o
inquilino de morar no bem locado.
Quanto à possibilidade podem ser possíveis ou impossíveis. As possíveis são as
fisicamente possíveis de serem cumpridas. As impossíveis são as que podem ser fisicamente
impossíveis e juridicamente impossíveis. No primeiro caso tem-se a promessa de um carro se

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chegar caminhando até a lua. No segundo caso, temos a hipótese de fazer contrato de herança
de pessoa viva.
Quanto ao modo de atuação podem ser suspensivas ou resolutivas.
A condição suspensiva é aquela que impede a aquisição e o exercício do direito. Dessa
maneira, não haverá produção de efeitos até a realização do evento futuro e incerto. Por
exemplo, “te dou o carro se você for aprovado no vestibular do final do ano”. A aprovação é
incerta e o vestibular é futuro.
Se houver uma condição impossível e suspensiva, ela invalida todo o negócio jurídico.
A condição resolutiva é aquela que não desempenha suspensão da aquisição nem do
exercício. Após a ocorrência do evento futuro e incerto, ocorre a extinção do direito. Por
exemplo, “te dou o carro enquanto você for aluno CP IURIS”. Na hipótese de condição impossível
e resolutiva, é tida por não escrita, todavia, o contrato permanece válido, íntegro e produz seus
efeitos. Por exemplo, “te dou o carro se você não respirar”.
Sobre a retroatividade da condição, dispõe o art. 128 do Código Civil que

sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que


ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a
sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já
praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme
aos ditames de boa-fé.

Tem-se como exemplo de negócio de execução continuada ou periódica: “te dou uma
mesada mensal enquanto você for aluno CP IURIS”. No momento em que a pessoa deixa de ser
aluno, a condição resolutiva resolve o negócio jurídico, mas não atinge os atos já praticados.

2.11.5.2. DO TERMO

O termo, também elemento acidental do negócio jurídico, é o acontecimento futuro e


certo que interfere na eficácia jurídica do negócio.
É o dia ou momento em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico,
podendo ter como unidade de medida a hora, o dia, o mês ou o ano.
O termo convencional é cláusula que subordina a eficácia do negócio a evento futuro
e certo. Por exemplo, “te dou o carro no natal deste ano”.
O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito (CC, art. 131).
O termo não suspende a aquisição do direito por ser evento futuro, mas dotado de
certeza, sendo assim, inexiste estado de pendência, podendo o titular, com maior razão, exercer
atos de conservação.
Pode ainda ocorrer conjugação de termo e condição num mesmo negócio jurídico –
“te dou um carro se você se formar em direito até 22 anos de idade”.
A morte no contrato de seguro de vida não é condição, é termo. Isso porque é certeza
que um dia todos morreremos. No entanto, se a pessoa coloca em contrato que doa ao filho do
outro R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) se ele morrer até dezembro de 2025, a morte passa
a ser uma condição.
O termo pode ser inicial, final, convencional, de direito, de graça, certo e incerto. O
termo inicial é o que marca o início, também conhecido como de dies a quo. Tem-se como
exemplo, “te dou o carro no dia 10 do próximo mês”. O final é aquele que põe fim ao elemento
acidental, também denominado de dies ad quem. Por exemplo, “te dou o carro até o dia 10 do

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mês que vem”. Termo final não se confunde com condição resolutiva, porque esta pressupõe
incerteza, e aquela, certeza de que irá acontecer. Termo convencional é o aposto pela vontade
das partes. Termo de direito é o que decorre da lei. Termo de graça é a dilação de prazo
concedida ao devedor. Termo certo é o que tem data específica. Termo incerto, noutro giro, é o
que não tem data específica para ocorrer, mas é certo que ocorrerá – morte.

2.11.5.3. DO ENCARGO OU MODO

Encargo é uma determinação que, imposta pelo autor por liberalidade, obriga o
beneficiário. É utilizada em doações ou testamentos. Por exemplo, “te dou minha casa para que
você institua uma creche”. Não pode ser aposta em negócio oneroso, pois equivaleria a uma
contraprestação.
Dispõe o art. 136 do Código Civil que o encargo não suspende a aquisição nem o
exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente,
como condição suspensiva. Nesse caso, é preciso fazer uma breve anotação relevante. Se a
pessoa doa uma casa em que vive para um cuidador com o elemento acidental dele cuidar do
doador até o fim da sua vida, esse elemento acidental é um encargo ou uma condição
suspensiva? Caso se entenda que é encargo, então o cuidador se torna dono da casa
imediatamente. No entanto, caso se entenda como condição suspensiva, o cuidador somente se
torna dono da coisa com a morte, atrelada ao elemento incerto de cuidar da idosa até o fim da
sua vida. Portanto, tem que ficar bem atento aos elementos do negócio, devendo vir
expressamente como condição suspensiva. E veja bem, não tem que vir que trata-se de condição
suspensiva, mas sim, que subordinou o negócio a fazer algo, como no caso de cuidar da idosa.
Se o beneficiário morrer antes do cumprimento do encargo a liberalidade prevalece,
mesmo se instituída causa mortis. Se o encargo não for cumprido, a liberalidade poderá ser
revogada. O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo, mas não está
legitimado a propor ação revocatória que é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas
prosseguir na ação por ele intentada. O instituidor também pode reclamar o cumprimento do
encargo e o Ministério Público somente poderá fazê-lo, depois da morte do instituidor se este
não o tiver feito, e se o encargo foi imposto no interesse geral.

2. 12. DOS ATOS ILÍCITOS E LÍCITOS

2.12.1. DOS ATOS ILÍCITOS

O ato ilícito é aquela conduta humana, omissiva ou comissiva, que ofende o


ordenamento jurídico. Assim, o ilícito pode ser civil, penal, administrativo, dentre outros. Para
nós, o relevante é o ilícito civil.
O ilícito civil pode ser extracontratual ou contratual. O ilícito contratual é a ofensa ao
contrato firmado entre as partes. É a violação negativa do contrato, que será mais bem estudado
no tema dos contratos.
O ilícito extracontratual, também conhecido como responsabilidade aquiliana33, é a
ofensa a um dever jurídico de não lesar outrem. Encontra previsão no art. 186 do Código Civil

33“Por volta do final do século III a.C., um Tribuno da Plebe de nome Aquilius, dirigiu uma proposta de lei aos Conselhos

da Plebe, com vistas a regulamentar a responsabilidade por atos intrinsecamente ilícitos. Foi votada a proposta e
aprovada, tornando-se conhecida pelo nome de Lex Aquilia. A Lex Aquilia era na verdade plebiscito, por ter origem
nos Conselhos da Plebe. É lei de circunstância, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegiam contra os
prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas terras. Antes da Lei Aquília imperava o regime da Lei das
XII Tábuas (450 a.C.), que continha regras isoladas” (César Fiuza in Por uma nova teoria do ilícito civil].

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que diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O ato ilícito é o ato que dá surgimento à responsabilidade civil extracontratual, gerando
o dever de indenizar. Se você, teclando no celular, não se atentar para o farol que ficou vermelho
logo a sua frente, e abalroar o carro a sua frente, terá infringido o dever jurídico imposto pelo
ordenamento jurídico de não lesar outrem (princípio alterum non laedere ou neminem laedere).
Nesse momento, terá cometido um ilícito civil, gerando a sua responsabilidade extracontratual,
que acarretará no dever de indenizar.
Além do ato ilícito extracontratual, é considerado um ato ilícito o ato emulativo. O ato
emulativo nada mais é do que o abuso do direito.
O abuso do direito encontra regulamentação no art. 187 do Código Civil e diz que
“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Abuso do direito é o exercício de forma abusiva ou irregular do direito. O ato é
originariamente lícito, mas foi exercício fora dos limites impostos pelos seus fins econômicos,
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Aqui há a consagração dos princípios da socialidade
e da eticidade.
A teoria do abuso de direito está consagrada em quatro conceitos jurídicos
indeterminados, ou seja, em cláusulas gerais que serão preenchidas pelo juiz (fins econômicos,
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes).
Para que o abuso do direito esteja configurado, é importante que a pessoa esteja
exercendo o direito de forma abusiva ou irregular. É a atuação do exercício irregular do direito.
Para tanto, não é necessário que se discuta ou que se levante o elemento culpa. Basta
que a conduta exceda manifestamente os parâmetros do art. 187 (fins econômicos, fins sociais,
boa-fé objetiva ou pelos bons costumes).
Em suma, o abuso de direito é causa de responsabilidade objetiva, não se discutindo a
presença ou não de culpa. Inclusive há um enunciado acerca desse tema34.

2.12.2. DOS ATOS LÍCITOS

São considerados atos lícitos pelo art. 188 do Código Civil os praticados em legítima
defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, e ainda, a deterioração ou destruição
da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Em resumo, são atos
lícitos o estado de necessidade, a legítima defesa, e ainda, o exercício regular de um direito.
A legítima defesa consiste no ato de se defender de uma agressão injusta e real, ou
seja, se ataca alguém quando está sendo atacado. O Código Civil permite isso, tanto como
excludente da responsabilidade civil como defesa da posse.
O estado de necessidade é a lesão a um bem ou a uma pessoa para remover-se de um
perigo iminente. Esse o ato somente será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem
absolutamente necessário e não exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Por fim, o exercício regular de um direito consiste na atuação amparada pelo
ordenamento jurídico, como o ato de inscrever o nome do devedor que não lhe paga nos órgãos
de proteção ao crédito.

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Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito
independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

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Sobre os atos lícitos é preciso fazer uma explanação. A regra é a de que a prática do ato
lícito não gera o dever de indenizar. No entanto, existe uma pequena exceção, sendo a hipótese
em que um ato lícito gera o dever de indenizar. Quando a pessoa, para remover o perigo iminente
e real, volta-se contra o bem ou a pessoa de terceiro, ainda que tenha praticado um ato lícito,
terá que indenizar. Trata-se do estado de necessidade agressivo. É o que dispõe o art. 929 do
Código Civil, in verbis: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188,
não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”.
Noutro giro, se a agressão ou lesão para remover perigo for contra o próprio causador
do perigo ou da agressão, nesse caso, não há o dever de indenizar. Nessa hipótese se está diante
de um estado de necessidade defensivo.
O art. 930 consagra o direito de regresso daquele que causou o dano em relação ao
causador do estado de perigo (hipótese de estado de necessidade agressivo). Portanto, indeniza-
se, mas tem o direito de regresso.
Embora os arts. 929 e 930 sejam aplicados para o caso de estado de necessidade, a
doutrina o aplica, de forma uníssona, para o caso da legitima defesa, por analogia.

2.13. DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

2.13.1. DA PRESCRIÇÃO – DISPOSIÇÕES GERAIS

A prescrição é a perda da pretensão pelo decurso do tempo. A prescrição na parte geral


do código denota uma compreensão de perda. Essa perda é da pretensão. É errado dizer que a
prescrição aniquila a ação. Essa afirmação foi feita durante muitos anos atrás, não persistindo.
Direito de ação é estudado pelo direito processual civil, a qual advém três institutos:
jurisdição, ação e processo. Dessa forma, temos que o direito de ação é a materialização, a
corporificação da provocação da jurisdição que, por sua vez, é inerte. Nesse aspecto, temos
várias características do direito de ação (dentre eles: público, subjetivo, processual e abstrato),
mas, uma delas, é que o direito de ação é imprescritível.
Segundo o professor Carlos Roberto Gonçalves, “para evitar o debate sobre a
prescrição ou não da ação, adotou-se a tese da prescrição da pretensão, por ser considerada a
mais condizente com o Direito Processual contemporâneo”.
Após contribuição do direito alemão, Agnelo Amorim Filho e Miguel Reale dirão que o
Código Civil de 2002 não comete o erro do Código revogado, uma vez que não há confusão entre
o direito de ação e prescrição.
A pretensão nasce no momento em que o direito subjetivo da parte é violado. Nesse
momento tem o titular desse direito violado a pretensão, que deve ser exercida dentro de um
lapso temporal, sob pena de ocorrência da prescrição.
A prescrição tem como alicerce um grande princípio constitucional, qual seja, o
princípio da segurança jurídica. E por quê? Porque não se pode permitir que o credor se eternize
em um crédito, podendo infinitamente exercer esse direito em crédito em face do devedor.
Outros institutos também encontram a base no princípio da segurança jurídica: são eles a coisa
julgada e o direito adquirido.
No que tange à prescrição, é preciso comentar a dualidade conceitual da prescrição.
A prescrição, na sua concepção dual, serve ao mesmo tempo para extinguir direitos
pelo decurso do tempo, funcionando com uma punição ao seu titular pela sua inércia, e por
outro lado, permitir a aquisição de direitos (aquisitiva).

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No direito brasileiro o termo prescrição aquisitiva recebeu o nome de usucapião,


ficando subentendido que o termo prescrição pura e simples se refere a prescrição extintiva. A
prescrição aquisitiva é conhecida como usucapião, e é vista no livro especial do direito das coisas.
Trataremos da prescrição extintiva, da Parte Geral do Código Civil. Essa modalidade
também é conhecida como prescrição liberatória, porque libera o devedor da sujeição a que
estava preso (a uma dívida).
A importância dessa correlação é para lembrar que se aplica a usucapião as regras
gerais da prescrição extintiva, como as hipóteses de suspensão e de interrupção do prazo
prescricional.
O STJ35 entende que se não estiver contemplado no Código Civil como causa
interruptiva ou suspensiva da prescrição o fato não tem o condão de interromper ou suspender
o prazo para a usucapião.
Dispõe o art. 190 do Código Civil que “a exceção prescreve no mesmo prazo em que a
pretensão”. A exceção empregada pelo dispositivo em análise se refere à defesa da parte.
Portanto, há equívoco em dizer que a defesa é imprescritível. Dessa forma, a matéria que pode
ser alegada na ação, poderá ser alegada também na exceção. Pense no caso em que seu vizinho
lhe deve R$ 50 mil reais, de uma dívida feita por meio de contrato de empréstimo, há dois anos.
Ao notificá-lo para pagamento, o mesmo se nega. Ao ingressar com uma demanda de cobrança,
em sua defesa, o vizinho alega que existe uma compensação a ser feita, uma vez que ele pagou,
há 10 anos, uma conta de água da sua casa, de R$ 1.000,00 que estava vencendo. A tese de
dívida na contestação de R$ 1.000,00 também prescreve, sendo que, no caso, certamente ela
está prescrita.
O Código Civil permite que haja a renúncia da alegação da prescrição. Explica o art. 191
que “a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo
de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de
fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”.
Dessa forma, é possível a renúncia desde que sejam obedecidos alguns requisitos,
como feita após a consumação do prazo, e ainda, que não prejudique terceiros. Significa que,
para que haja renúncia da parte a quem aproveita a prescrição é preciso que o prazo
prescricional tenha se consumado, e ainda, que não há um credor do devedor, uma vez que a
consumação da prescrição gera um incremento no patrimônio do devedor. Assim, se existir um
credor do devedor não há possibilidade de renunciar a prescrição.
Por fim, a renúncia pode ser expressa ou tácita. Renúncia tácita é aquela se presume
em razão do comportamento do devedor que são incompatíveis com a vontade de alegar a
prescrição. Pense no caso do devedor que faz um acordo para pagamento. Após a assinatura e
antes do pagamento muda de ideia pelo fato da dívida estar prescrita. Sobre a renúncia tácita
o STJ afirmou que não é qualquer postura do devedor que leva à renúncia tácita, mas apenas
aquela considerada manifesta, patente, explícita, irrefutável e facilmente perceptível36.
Ainda sobre a renúncia, o Código Civil não se admite a renúncia prévia da prescrição.
Isso porque a prescrição é matéria de ordem pública e uma cláusula contratual impedindo a
alegação de prescrição é deixar ao arbítrio das partes, de submeter ou não, a questão ao regime
legal da prescrição.
A questão da renúncia tem que ser estudada junto com a possibilidade de se
reconhecer de ofício a prescrição pelo juiz. Isso porque, embora o juiz possa reconhecer de ofício

35 REsp 149.186/RS
36 STJ - REsp 1.250.583

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a prescrição, é importante ouvir as partes para tomar conhecimento se não houve, por parte do
devedor, a renúncia expressa, ou então, alguma conduta que possa levar a renúncia tácita.
Sabe-se que a prescrição é matéria de ordem pública, e com isso, pode ser reconhecida
de ofício pelo juiz. A atenção que se recomenda é imposta pelo Código de Processo Civil, uma
vez que, diante no novo código processual, se a prescrição não foi ventilada pelas partes durante
o curso do processo, o juiz tem que converter o julgamento em diligência, abrindo-se vista as
partes para que elas se manifestem sobre o instituto. Trata-se do princípio da vedação da
decisão surpresa, o qual estabelece o seguinte: “O juiz não pode decidir, em grau algum de
jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes
oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício”. Conclui-se que o juiz pode reconhecer de ofício a prescrição e a decadência legal, porém,
é necessário consultar as partes antes, a fim de promover o contraditório efetivo. O respectivo
contraditório é substancial/material, que tem por finalidade, além de ofertar a manifestação da
parte, influenciar na decisão do julgador. Além disso, o art. 487, parágrafo único, trata da
matéria de forma específica na sentença, quando diz que, ressalvada a hipótese do art. 332, §
1º, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes
oportunidade de manifestar-se.
Ainda sobre a conduta das partes, é importante ressaltar que os prazos prescricionais
não podem ser alterados por vontade das partes (CC, art. 192). Isso porque a prescrição é norma
cogente, não podendo ser convencionado entre as partes.
Outra característica da prescrição é que ela não se curva ao instituto da preclusão.
Consoante dispõe o art. 193 do Código Civil, a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de
jurisdição, pela parte a quem aproveita. Nessa senda, embora o requerido não alegue a
prescrição da pretensão autoral na primeira oportunidade que fala no processo, ele pode alegar
em qualquer grau de jurisdição. Qual a interpretação que se dá “em qualquer grau de
jurisdição”? Entende-se que em qualquer grau de jurisdição se aplica somente as instâncias
ordinárias, uma vez que, para as extraordinárias, é imprescindível o prequestionamento.
Por fim, o antigo Código de Processo Civil continha uma regra de que o réu que, por
não arguir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, dilatar
o julgamento da lide, será condenado nas custas a partir do saneamento do processo e perderá,
ainda que vencedor na causa, o direito a haver do vencido honorários advocatícios (art. 22 do
Código de Processo Civil de 1973). O novo Código de Processo Civil não repetiu essa regra. Com
isso, se arguir a prescrição em momento posterior ao da contestação, isso não acarretará a
extinção do direito de receber os honorários advocatícios de sucumbência, mesmo sendo
vencedor.
O Código Civil não deixou desamparado o sujeito que é prejudicado pela conduta
daquele que deixou um direito prescrever, ou então, que não alegou a alegou na oportunidade
correta. Assim, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus
assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem
oportunamente. É o que dispõe o art. 195 do Código Civil.
Uma vez iniciada a prescrição contra uma pessoa ela continua a correr contra o
sucessor. É o que dispõe o art. 196 do Código Civil. Desta forma, a sucessão não interfere na
prescrição, nem suspendendo, nem interrompendo. O prazo prescricional flui sem ligação
subjetiva com os sujeitos envolvidos. Desse modo, ainda que haja a transferência do crédito por
ato inter vivos ou por causa mortis, o prazo prescricional não será alterado.
Não poderia deixar de comentar a prescrição intercorrente. O novo Código de Processo
Civil disciplina com muita precisão a denominada prescrição intercorrente, que constitui causa
de suspensão e de extinção da execução.

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Nota-se que o Código de Processo Civil, no art. 921, III, narra que uma vez não
encontrado bens penhoráveis de propriedade do executado o juiz determinará a suspensão do
processo pelo prazo de 1 (um) ano, ficando, também, suspensa a prescrição.
O § 4º do mesmo dispositivo legal explica que ultrapassado o prazo anuo inicia-se a
prescrição intercorrente.
José Rogério Tucci37 explica muito bem o procedimento:

Atingido tal interregno temporal, o juiz deverá determinar a intimação das partes
para que se manifestem no prazo de 15 dias (parágrafo 5º do artigo 921). Justifica-se
esta providência no princípio do contraditório efetivo, caro ao novo Código de
Processo Civil (artigo 10), evitando-se decisão escudada em fundamento-surpresa. O
exequente, em particular, terá oportunidade de explicar o motivo de sua prolongada
inércia. Em seguida, considerando a manifestação das partes, sendo injustificável a
paralisação do processo, o juiz, reconhecendo, de ofício, a prescrição intercorrente,
proferirá sentença extintiva do processo executivo.

2.13.2. DAS CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

O Código Civil elenca quais são as hipóteses em que o prazo prescricional não se inicia,
ou então, quando iniciado fica suspenso. Assim, as causas impeditivas obstam o início do prazo,
enquanto as causas suspensivas suspendem o prazo que já se iniciou. Nessa última, quando o
fato se encerra, o prazo continua seu curso, cessando a suspensão.
As causas que impedem ou suspendem a prescrição, encontram-se previstas nos
artigos 197, 198 e 199 do CC.
Em regra, essas causas não se aplicam aos prazos decadenciais; somente em casos
excepcionais existem causas que interferem no curso de prazo decadencial, que estão elencados
nos artigos 195 e 198, inciso I do Código Civil. São elas o regresso contra o representante e a
incapacidade absoluta.
Algumas dessas hipóteses merecem observação. Para as outras, basta a leitura simples
do dispositivo legal.
O art. 198, I, do Código Civil diz que não corre prescrição contra os incapazes que trata
o art. 3º do Código Civil. Quando se faz uma leitura acelerada do dispositivo em questão, pode-
se gerar uma interpretação, equivocada, diga-se de passagem, que não corre prescrição contra
qualquer incapaz, seja ele relativamente ou absolutamente. O art. 3º do Código Civil trata apenas
do absolutamente incapaz. Assim, corre prescrição contra o relativamente incapaz (CC, art. 4º).
O inciso III afirma que não corre prescrição contra os que se acharem servindo nas
Forças Armadas, em tempo de guerra. É importante mencionar que essa guerra é a declarada.
O art. 200 do Código Civil traz uma hipótese em que o prazo fica suspenso/obstando
até que a responsabilidade criminal seja definida. É um reflexo da independência das instâncias
prevista no art. 935 do Código Civil. Nesse sentido, quando a ação se originar de fato que deva
ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Entende-se por sentença definitiva o trânsito em julgado da sentença penal.
Por fim, é interessante mencionar que a tramitação de inquérito não tem força para a
suspensão do prazo prescricional. O sujeito não pode ficar aguardando a conclusão do inquérito
policial acreditando que o prazo prescricional da ação civil está suspenso.

37 TUCCI, José Rogério - A prescrição intercorrente no novo CPC e na atual jurisprudência do STJ in CONJUR – publicado

no dia 4/10/2016.

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Matheus Zuliani

O mesmo ocorre quando a denúncia é rejeitada pelo Juiz. Nesse caso, não ocorre a
suspensão do prazo prescricional.
A prescrição é uma exceção pessoal. Assim, pode ser que ela corra contra uma
determinada pessoa e não contra outra (incapaz, por exemplo). Desta forma, em se tratando de
diversos devedores, a suspensão da prescrição em favor de um não aproveita ao outro. O Código
Civil, no art. 201, segue essa linha dizendo que, mesmo em caso de solidariedade de credores, a
suspensão da prescrição em favor de um não aproveita o outro, salvo se a obrigação for
indivisível. Assim, a extensão da suspensão pressupõe a indivisibilidade do objeto.

2.13.3. DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

Uma causa interruptiva da prescrição não tem o mesmo significado que uma causa
suspensiva da prescrição. Enquanto na suspensão o prazo volta a correr de onde parou, na
interrupção ele volta a correr desde o início. Outra diferença é que a suspensão do prazo pode
ocorrer por diversas vezes, enquanto a interrupção do prazo prescricional só acontece uma única
vez.
As causas interruptivas estão nos art. 202, 203 e 204, todos do Código Civil.
Da mesma maneira que as causas que obstam e suspendem a prescrição, algumas das
causas interruptivas merecem atenção doutrinária, enquanto outras se bastam com a simples
leitura da lei.
O art. 202, I, do Código Civil diz que a interrupção da prescrição dar-se-á por despacho
do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na
forma da lei processual.
Nesse ponto, faz-se necessária análise do disposto no artigo 240, §1º do CPC:

A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz


litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o
disposto nos arts. 397 e 398 do Código Civil. § 1º A interrupção da prescrição,
operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo
incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

Veja, portanto, que a interrupção da prescrição não é efeito da citação válida, mas sim,
o despacho do juiz que manda citar.
Questiona-se: e a decisão que ordena a emenda da inicial? O art. 321 do Código Civil
prevê a possibilidade de o Magistrado ordenar a emenda da inicial para sanar determinado vício
da petição inicial. O STJ tem entendimento que a interrupção da prescrição no caso em que se
ordena a emenda da inicial ocorre na data em que se ordenou a emenda e não da data do
ajuizamento da ação. Sendo assim, entende que

A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de


Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de
desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a
emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional 38.

Por fim, ainda tratando do inciso I, nos casos dos Juizados Especiais Cíveis e na Justiça
do Trabalho, onde não há o despacho inicial, uma vez que o juiz recebe os autos já em audiência,
já tendo sido citado o requerido, deve ser considerado como marco a interromper a prescrição
a data do ajuizamento da demanda.

38
EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.527.154 – PR.

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Matheus Zuliani

O art. 202, VI, afirma que interrompe a prescrição por qualquer ato inequívoco, ainda
que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Nesse caso, pouco
importa se o ato é judicial ou extrajudicial, qualquer um deles tem o condão de interromper a
prescrição. Enquanto todos os demais comportamentos elencados no art. 202 são do credor,
nessa hipótese, o comportamento é do devedor, dispensando-se atitude do credor. Pense a
hipótese do devedor que paga a dívida, antes da prescrição, pedindo dilação de prazo para pagar
os juros de mora vencidos. Nesse caso, estamos diante de uma hipótese em que interrompe o
prazo prescricional desse valor.
É importante constar que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado
(CC, art. 203). Assim, o terceiro juridicamente interessado pode praticar ato tendente a
interromper a prescrição. Ademais, qualquer terceiro pode praticar tal ato, não necessitando ser
apenas o terceiro interessado, mas também o terceiro que tem interesse moral ou apenas
econômico.
Afirmamos, linhas acima, que a prescrição é uma exceção pessoal. Dessa forma, o art.
204 do Código Civil assevera que a interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos
outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o codevedor, ou seu herdeiro, não
prejudica aos demais coobrigados.
Todavia, ao contrário do que ocorre com a suspensão, a interrupção por um dos
credores solidários aproveita aos outros, assim como a interrupção efetuada contra o devedor
solidário envolve os demais e seus herdeiros (CC, art. 204, § 1º).
Além disso, existe mais uma regra quando se trata de interrupção e solidariedade. A
interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis. Aqui, a ideia
do § 2º é a mesma do caso da suspensão prevista no art. 201 do Código Civil. Noutro giro, embora
o Código Civil não fale, presume-se que não havendo solidariedade a interrupção não alcança os
demais devedores.
O STJ entendeu que a citação válida contra devedor solidário interrompe-se a
prescrição contra todos (STJ – AgRg no AI 787.029/SP).
Por último, ainda dentro do art. 204, a interrupção produzida contra o principal
devedor prejudica o fiador.

2.13.4. DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS

O Código Civil elenca, nos artigos 205 e 206, todos os prazos prescricionais. Essa
facilitação veio somente com o Código Civil de 2002, em razão do princípio da operabilidade,
uma vez que no Código Civil de 1916 tais prazos estavam esparsos pelo Código. Para saber,
naquela época, se um prazo era prescricional ou decadencial era preciso se socorrer ao critério
de Agnelo Amorim Filho.
Agnelo Amorim Filho criou, durante a vigência do CC/16, um critério para fazer a
correta diferenciação entre os prazos considerados prescricionais e os prazos decadenciais. Pelo
critério desse jurista paraibano, os prazos prescricionais estão diretamente associados com as
ações condenatórias, enquanto os prazos decadenciais estão interligados com as ações
constitutivas, derivadas do direito potestativo. Por fim, para as ações declaratórias, ligadas à
nulidade absoluta, encontram-se os prazos imprescritíveis.
Com a entrada em vigor do Código Civil atual, o art. 205 trouxe o prazo residual
decenal, enquanto o art. 206 trouxe os prazos específicos, podendo ser de um ano, dois anos,
três anos, quatro anos, e por fim, quinquenal.

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Matheus Zuliani

Como se sabe, a prescrição como instituto de direito material conta-se o prazo


incluindo o dia da violação do ato, assim, de determinada dívida não foi paga no dia 10 de
novembro, esse dia entra na conta. Se o prazo é de 10 anos, no dia 10 de 2023 a pretensão foi
fulminada, o último dia é o dia 9.
Ao analisar a literalidade do art. 189 do Código Civil é possível extrair uma
interpretação equivocada de que o termo inicial da contagem do prazo é o primeiro dia logo
após a violação do direito. Essa interpretação é equivocada porque o STJ encampou a teoria da
actio nata.
Trata-se de um princípio do Direito que consiste no nascimento do prazo prescricional
com o conhecimento da violação pelo seu titular, assim como das consequências dessa violação,
prestigiando-se, assim, a boa-fé e a confiança.
O STJ editou a Súmula 278 no sentido de se acolher a teoria da actio nata. Veja: “O
termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve
ciência inequívoca da incapacidade laboral”.
Finalmente, antes de ingressar nos prazos propriamente ditos, é preciso falar um pouco
sobre a questão intemporal.
Tema que gera muitas dificuldades na prova de sentença é a questão do início do prazo
prescricional durante a vigência do CC/16 com interregno no CC/02. Dispõe o art. 2.028 do
Código Civil que: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na
data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na
lei revogada”.
Nessa senda, para que haja a incidência desse dispositivo legal é preciso que haja
conjugação de dois requisitos, o primeiro que o Novo Código Civil tenha reduzido o prazo
prescricional previsto na legislação anterior, e, o segundo que na entrada em vigor do novo
Código Civil já tenha transcorrido mais da metade do prazo previsto no CC/16.
O STJ já decidiu vários casos aplicando o mencionado dispositivo39.
O art. 205 do Código Civil traz o prazo geral. Esse prazo é considerado residual porque
ele somente terá aplicação para os casos não regulamentados de forma específica nos §§ do art.
206. Esse prazo é de dez anos. O art. 206 traz, em seus parágrafos e incisos, prazos específicos
para determinadas relações jurídicas.
No § 1º temos a pretensão para as causas envolvendo seguro. Porém, pode-se dizer
que todas as pretensões envolvendo seguro obedecem ao prazo de 1 ano? Não, o seguro DPVAT
tem o prazo prescricional de 3 anos a contar da data em que o segurado teve ciência inequívoca
da capacidade laboral (Súmula 278 do STJ). Entende-se que o seguro DPVAT tem natureza
indenizatória, e por isso incide no inciso IX do § 3º do art. 206.
Ainda sobre o seguro é importante mencionar a súmula 229 do STJ que diz: “o pedido
do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado
tenha ciência da decisão”.
No § 2º temos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que
se vencerem. Nesse caso não é a pretensão para o reconhecimento do direito aos alimentos,
uma vez que esse direito é imprescritível. O art. 206, § 2º trata da prescrição para cobrar
prestações referentes ao direito a alimentos já reconhecidos.
No § 3º temos a pretensão geral da indenização para a reparação civil e para o
enriquecimento sem causa.

39 REsp 1276316 / RS – Min. Eliana Calmon – julgado em 20/08/2013

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Matheus Zuliani

Questiona-se: a ação de ressarcimento por dano ao erário também obedece ao prazo


de 3 anos?
A jurisprudência do STJ40 e do STF encontra-se pacificada, entendendo que a ação de
ressarcimento por danos ao erário é imprescritível. Já para as demais sanções, contra servidor
público ocupante de cargo efetivo, a contagem da prescrição se dá à luz do art. 23, II da Lei nº
8.429/1992 e do art. 142 da Lei nº 8.112/1990, tendo como termo a quo a data em que o fato
se tornou conhecido da Administração.
Ainda no que se refere à responsabilidade civil e ao prazo prescricional, muitos
entendiam que o § 3º, V, do art. 206 abrangia tanto a responsabilidade civil contratual quanto a
extracontratual. No entanto, o STJ concluiu que: “a partir do exame do Código Civil é possível se
inferir que o termo “reparação civil” empregado no artigo 206, §3º, V, somente se repete no
título 9 do livro 1º do mesmo diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil
extracontratual41”. Diante disso, a prescrição para a responsabilidade contratual obedece ao art.
205 do Código Civil, ou seja, prazo decenal.
No que tange ao prazo para cobrança de seguro DPVAT, o STJ editou a Súmula 405, a
qual expõe que “a ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”.
Temos, no § 5º, a pretensão para a cobrança de honorários de profissionais liberais.
Não se pode dizer que na expressão genérica “profissionais liberais” se encontra os honorários
advocatícios. A prescrição para a pretensão de recebimento de honorários advocatícios encontra
previsão expressa no art. 25 da Lei nº 8.906/94. Ressalta-se que o prazo previsto na lei especial
coincide com o mesmo do Código Civil, ou seja, 5 anos.

2.13.5. DA DECADÊNCIA

A decadência também é conhecida como caducidade.


A decadência é o instituto que fulmina o direito.
Para entender decadência temos que nos lembrar do conceito de direito potestativo.
Inicialmente, vale lembrar que direito potestativo é um simples direito de interferência
ou de sujeição, por meio do qual o seu titular, ao exercê-lo, interfere na esfera jurídica de
terceiro, sem que esta pessoa nada possa fazer. O direito potestativo é aquele que confere ao
titular o direito de interferir na esfera jurídica de outrem sem que haja um dever
correspondente.
Por isso se diz que ele não tem conteúdo prestacional (não se espera prestação da
outra parte). O direito potestativo é simplesmente um dever de interferência. Quando alguém o
exerce, o outro simplesmente se sujeita a ele.
Existem direitos potestativos sem prazo para o seu exercício. É o caso do direito de
divórcio. Quando eu o exerço, o cônjuge apenas sofre a interferência do direito, não podendo
gritar aquela célere frase de que não assina. Também existem direitos potestativos com prazo
para o seu exercício. Nessa linha, concluímos que toda vez que um direito potestativo tiver prazo
para o seu exercício, este será sempre decadencial. Ou seja, o prazo decadencial é o prazo para
o exercício de um direito potestativo.
Assim temos a decadência legal (prazo decadencial previsto na lei) e a decadência
convencional (prazo decadencial previsto contratualmente).

40 STJ - AREsp 1546193 / SP.


41 STJ - EREsp 1.281.594

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Matheus Zuliani

Exemplo de prazo decadencial previsto na lei é o prazo para o exercício do direito de


anular o negócio jurídico (CC, art. 178). O direito de anular é potestativo, pois ao exercê-lo, não
se formula pretensão condenatória contra a parte contrária, isto é, você não espera que a outra
parte cumpra um dever. O pedido de perdas e danos é separado. O direito de anular é que é
potestativo.
Exemplo de prazo decadencial previsto em contrato é o prazo para desistência do
negócio. Se o contrato traz a cláusula “o contratante tem o prazo de 30 dias para desistir do
negócio”. Essa é uma faculdade conferida pelo contrato. Tem natureza de prazo decadencial
convencional.
Em suma, prazo prescricional está sempre na lei, mas o prazo decadencial (que se
refere ao exercício de direito potestativo) pode estar na lei ou nos contratos (legais ou
convencionais).
Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (CC, art. 207). Afirmar que a decadência
nunca se suspende é um erro. Excepcionalmente, poderá haver a suspensão do prazo
decadencial. É o caso do Código de Defesa do Consumidor, no art. 26, § 2º. O prazo decadencial
para exercer o direito de reclamar no âmbito do Direito do Consumidor é de 30 dias para bens
não duráveis e 90 dias para bens duráveis. No Código de Defesa do Consumidor está dito que
algumas situações podem interromper o prazo decadencial. É o caso de ser protocolar uma
reclamação sobre o produto. Enquanto esta não me der uma resposta, o prazo não começa a
correr.
O art. 209 do Código Civil afirma ser nula a renúncia à decadência fixada em lei. A
decadência estipulada em lei é de ordem pública, e por isso não pode haver a disposição pelas
partes. No entanto, quando se trata da decadência prevista contratualmente a renúncia pela
parte mostra-se perfeitamente possível.
Como afirmado, a decadência é matéria de ordem pública (decadência legal). Assim,
deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei. É o que dispõe o art.
210 do Código Civil. O mesmo raciocínio não se aplica ao caso de decadência convencional. Essa
modalidade de decadência o juiz está impedido de reconhecer de ofício, porque as partes podem
dispor.

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Em um caso hipotético, havendo a celebração de um contrato de compra e venda de um


celular, por exemplo, o objeto imediato é a obrigação de dar, ao passo que o objeto mediato é
o celular.

1.5. TEORIA DUALISTA DAS OBRIGAÇÕES (BRINZ)

A partir do elemento imaterial, também chamado de elemento espiritual ou abstrato,


um autor alemão chamado Brinz identificou que a relação obrigacional pode ser dividida em
dois momentos distintos, através do binômio: schuld (débito)e haftung (responsabilidade
patrimonial).
Schuld, portanto, é uma relação estática do direito civil, criada a relação obrigacional
nasce o débito, e quem detém o débito é o devedor. O haftung, por sua vez, constitui uma
relação dinâmica do direito processual civil e, portanto, trata-se da responsabilidade
patrimonial, não cumprida a prestação pactuada (débito ou schuld), nasce a responsabilidade
(haftung) pelo inadimplemento. No campo do processo civil, este se revela através do princípio
da patrimonialidade, pois, em caso de não cumprimento da obrigação pelo devedor, este
responderá com seus bens.

1.5.1. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO DEVEDOR

Nos primórdios do Direito Romano o devedor respondia pessoalmente com seu próprio
corpo por suas dívidas, podendo ser açoitado, escravizado ou até morto como forma de punição
pelo inadimplemento. Hoje impera a responsabilidade patrimonial do devedor, que não irá mais
responder com seu próprio corpo pelo inadimplemento, irá responder com seu próprio
patrimônio.
Podemos dividir a responsabilidade patrimonial de duas maneiras:
• Responsabilidade patrimonial primária (art. 391 do CC e 789 do CPC), que se revela
naquela em que o patrimônio do próprio devedor vai responder pela obrigação
(devedor é detentor do schuld e do haftung).
• Responsabilidade patrimonial secundária, que diz respeito àquela responsabilidade
que recai sobre o patrimônio de pessoa diversa do devedor (terceiro é detentor
somente do haftung). Tal modalidade de responsabilidade encontra-se disciplinada no
art. 790 do CPC.
Cumpre destacar que há um resquício de responsabilidade pessoal do devedor no nosso
ordenamento jurídico. É o caso do permissivo constitucional de prisão civil (leia-se prisão por
dívida) no caso de depositário infiel e devedor inescusável de alimentos (art. 5º LXVII da CRFB).
Lembre-se que apesar da previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel, essa não é
mais possível em razão do controle de convencionalidade exercido em face do Pacto de São José
da Costa Rica, que só permite a prisão civil no caso de devedor inescusável de alimentos (SV. 25
do STF).

1.5.2. OBRIGAÇÕES PERFEITAS E IMPERFEITAS

A partir da teoria dualista das obrigações, podemos classificar as obrigações em


perfeitas e imperfeitas. Obrigações perfeitas seriam aquelas em que débito (schuld) e
responsabilidade (haftung) recaem sobre o mesmo sujeito. Já obrigações imperfeitas seriam
aquelas em que há o débito (schuld), mas não há a responsabilidade (haftung), ou aquelas em
que débito e responsabilidade recaem sobre pessoas distintas.

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Aurélio Bouret

São exemplos de obrigações imperfeitas em que há o débito, mas não há a


responsabilidade pelo inadimplemento, as obrigações naturais, que são inexigíveis, tais como
dívida de jogo e dívida prescrita, em que há o débito presente, mas não há a responsabilidade
pelo inadimplemento.
São exemplos de obrigações imperfeitas em que há a responsabilidade pelo o
adimplemento mesmo sem ter constituído o débito, as obrigações do avalista ou do fiador, que
são responsáveis pelo inadimplemento do devedor principal, sem nunca terem constituído o
débito. O fiador, portanto, tem o haftung, mas não constituiu o schuld. Débito e
responsabilidade recaem sobre pessoas distintas.

2. ATOS UNILATERAIS

2.1. INTRODUÇÃO

Nas declarações unilaterais de vontade, a obrigação nasce de uma simples declaração


de uma única parte. Essa declaração, uma vez emitida, torna plenamente exigível aquilo que foi
declarado. Ao chegar ao conhecimento daquele em que foi direcionada a obrigação, se o sujeito
cumpriu, terá direito ao que foi emitido.
O Código Civil consagra expressamente alguns atos unilaterais:
• promessa de recompensa;
• gestão de negócios;
• pagamento indevido;
• enriquecimento sem causa.

2.2. PROMESSA DE RECOMPENSA

O art. 854 diz que, aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar,
ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai
obrigação de cumprir o prometido.
A pessoa que cumpriu a tarefa, ainda que não tivesse movida pelo interesse da
promessa de recompensa, poderá exigir a recompensa (art. 855).

2.2.1. REVOGAÇÃO DA PROMESSA

O sujeito poderá revogar a promessa de recompensa, mas essa só é possível antes de


prestado o serviço. Ainda, para que a revogação surta efeitos, deverá ser feita com a mesma
publicidade da declaração.
Então, antes de o sujeito prestar o serviço, poderá ser feita a revogação da promessa,
mas deve ser feita com a mesma publicidade da declaração.
No caso de revogação, se algum candidato de boa-fé tiver efetuado despesas para
cumprir o serviço realizado para obter a recompensa, estas despesas deverão ser reembolsadas
por quem havia prometido e revogou.

2.2.2. EXECUÇÃO CONJUNTA E SIMULTÂNEA

Se o ato contemplado na promessa foi praticado por mais de um indivíduo, terá direito
à recompensa quem primeiro executou a tarefa (art. 857).

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Aurélio Bouret

Sendo a execução simultânea, cada um tocará quinhão igual na recompensa.


E se for estipulada como recompensa um bem indivisível?
Nesse caso, não dá para dividir o bem, situação na qual deverá haver um sorteio, e
aquele que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão.

2.2.3. PRAZO E JULGAMENTO

Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é condição


essencial, para valerem, a fixação de um prazo.
A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados. Em falta
de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, entender-se-á que
o promitente se reservou essa função.
Tais obras premiadas, nos concursos mencionados, só ficarão pertencendo ao
promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.

2.3. GESTÃO DE NEGÓCIOS

Na gestão de negócios há uma atuação sem poderes. Ou seja, a parte atua sem receber
a incumbência do sujeito que seria o mandatário.
O gestor de negócios não tem direito à remuneração e deve agir conforme a vontade
presumível da vontade do dono do negócio, pois, do contrário, responderá pelos danos que
causar.
Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, o
gestor irá responder, inclusive por casos fortuitos ou força maior, não provando que teriam
sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.
Em regra, a responsabilidade é subjetiva. No entanto, caso aja contra a vontade do dono
do negócio, responderá objetivamente, inclusive força maior e caso fortuito.
Se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, o dono do negócio pode exigir do
gestor que ele restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença. Ex.: João viajou
e o seu vizinho percebeu que em sua casa estava pegando fogo. Com isso, arrombou a porta
(primeiro dano) e apagou o fogo com o tapete persa de João (segundo dano). No entanto, evitou
um prejuízo enorme, e agiu conforme a vontade presumível do seu dono, João.
Em regra, o gestor só será responsabilizado se tiver agido com culpa, conforme a
responsabilidade subjetiva do art. 866 do CC. Ou seja, o gestor envidará toda sua diligência
habitual na administração do negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer
culpa na gestão.
Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto. Ou seja,
se o gestor eleger alguém para atuar, responderá pelas faltas do seu substituto. Atente-se que
a responsabilidade por fato de terceiro é objetiva e solidária.
Se a gestão for conjunta, prestada por várias pessoas ao mesmo tempo, existe
responsabilidade solidária entre todos os gestores, consagrada no art. 867, parágrafo único.
Quando o dono do negócio retorna, há duas opções:
• concordar e ratificar a gestão, convertendo a atuação do vizinho em mandato,
devendo ressarcir o gestor por todas as despesas necessárias e úteis pela sua
atuação. Essa ratificação retroage ao dia do começa da gestão, tendo efeito ex tunc
(art. 873);

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Aurélio Bouret

• desaprovar a atuação do gestor, situação na qual poderá pleitear perdas e danos,


ainda que se trate de operações arriscadas no caso fortuito ou força maior, mesmo
que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de
interesses seus.
Observa-se que o dono do negócio só pode recusar a ratificar a atuação do gestor se provar que
sua atuação foi contrária aos seus interesses diretos. A lei presume a boa-fé. Se o gestor atuou
com boa-fé, não se pode recusar a ratificação dos atos do gestor, devendo provar que ele não
agiu de acordo com seus interesses diretos.

2.4. PAGAMENTO INDEVIDO

O pagamento indevido é o pagamento sem o débito. Segundo o art. 876, todo aquele
que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. Portanto, o pagamento indevido,
que é um ato unilateral, faz nascer a obrigação de restituir. Pagamento indevido é espécie do
gênero enriquecimento sem causa.
O art. 878 dispõe que aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à
coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto quanto ao possuidor de boa-fé ou de
má-fé, a depender da existência de boa-fé ou má-fé de quem recebeu o pagamento.
Ex.: alguém recebe o imóvel de boa-fé à título de pagamento. Nesse caso, terá direito
aos frutos colhidos na vigência em que ele teve o imóvel consigo. Em razão disso, terá direito de
indenização e direito de retenção quanto às benfeitorias úteis e necessárias. Questiona-se: e se
essa pessoa recebeu o imóvel como pagamento sabendo da inexistência da dívida, ou seja, de
má-fé? Nesse caso, não há direito aos frutos, nem direito de retenção, podendo ser indenizado
apenas quanto às benfeitorias necessárias.
Fica isento de restituir pagamento indevido quem, recebendo como parte de dívida
verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que
asseguravam seu direito (art. 880). Porém, aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra
o verdadeiro devedor e seu fiador.
Atente-se que a regra é a restituição simples do valor pago, não em dobro. No entanto,
a lei consagra hipóteses em que cabe restituição em dobro:
• aquele que demanda por dívida já paga ficará obrigado a pagar em dobro o que
houver cobrado do devedor (art. 940);
• o CDC, no art. 42, p.ú., diz que o consumidor poderá pleitear a restituição do
pagamento indevido em dobro.
O CC afasta a possibilidade de repetição de indébito quando se tratar de obrigação
natural ou quando se tratar de pagamento de obrigação imoral.
Com relação à obrigação natural, não se pode repetir o que se pagou para solver dívida
prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível, pois existe o schuld, apesar de não
existir o haftung.
Em relação à obrigação imoral, quem paga recompensa a alguém por ter matado
outrem, não tem direito a esta restituição. Isto é, não terá direito à repetição aquele que deu
alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei. Neste caso, o que se deu reverterá
em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.
Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para
eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de
indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.

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Aurélio Bouret

2.5. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Segundo o art. 884, aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
São pressupostos para que haja direito à restituição:
• enriquecimento de quem recebe;
• empobrecimento de quem paga (não é pacífico);
• relação de causalidade entre o enriquecimento de um e o empobrecimento do
outro;
• inexistência de causa jurídica que justifique isso;
• inexistência de ação específica.
Não caberá a restituição por enriquecimento sem causa, se a lei conferir ao lesado
outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. Isto é, a ação de enriquecimento sem causa
é subsidiária.
Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a
restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em
que foi exigido.
Portanto, a restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o
enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

3.1. CLASSIFICAÇÃO BÁSICA DAS OBRIGAÇÕES

Quanto à classificação das obrigações, elas podem ser básica ou especial. A classificação
básica é dividida em:
• obrigação positiva - consubstanciada em uma obrigação de dar (coisa certa ou
incerta) e de fazer;
• obrigação negativa - trata-se da obrigação de não fazer.

3.2. CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL DAS OBRIGAÇÕES

A classificação especial possui as seguintes divisões.

3.2.1. QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO (OS SUJEITOS)

a) Fracionárias: pluralidade de devedores ou credores, cada um deles responde apenas


por parte da dívida.
b) Conjuntas: pluralidade de devedores ou credores, impondo-se a todos o pagamento
conjunto de toda a dívida, não se autorizando aos credores exigi-la individualmente.
c) Disjuntivas: devedores se obrigam alternativamente ao pagamento da dívida. Se um
cumpre a obrigação, os demais são exonerados.
d) Solidárias: existe solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre uma
pluralidade de credores, cada um com direito à dívida toda (solidariedade ativa), ou uma
pluralidade de devedores, cada um obrigado à dívida por inteiro (solidariedade passiva).

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3.2.2. QUANTO AO ELEMENTO OBJETIVO (A PRESTAÇÃO)

a) Alternativas: aquelas que têm por objeto duas ou mais prestações, sendo que o
devedor exonera-se cumprindo apenas uma delas.
b) Facultativas: aquelas que têm um único objeto e o devedor tem a faculdade de
substituir a prestação devida por outra de natureza diversa.
c) Cumulativas: aquelas que têm por objeto uma pluralidade de prestações a serem
cumpridas conjuntamente.
d) Divisíveis e indivisíveis: as obrigações divisíveis admitem o cumprimento fracionado
ou parcial da prestação; nas obrigações indivisíveis só podem ser cumpridas por inteiro.
e) Líquidas e ilíquidas: obrigações líquidas são aquelas certas quanto à existência e
determinadas quanto ao objeto; nas ilíquidas não há especificação do quantum para o
seu cumprimento.

3.2.3. QUANTO AO ELEMENTO ACIDENTAL

a) Obrigação condicional: condicionadas a evento futuro e incerto.


b) Obrigação a termo: exigibilidade subordinada a evento futuro e certo.
c) Obrigação modal: possuem um encargo (ônus) imposto a uma das partes, que
experimentará benefício maior.

3.2.4. QUANTO AO CONTEÚDO

a) Obrigações de meio: o devedor se obriga a empreender a atividade sem garantir o


resultado esperado.
b) Obrigações de resultado: o devedor se obriga não apenas a empreender a atividade,
mas, principalmente, produzir o resultado.
c) Obrigações de garantia: eliminar riscos que pesam sobre o credor, reparando suas
consequências.

4. OBRIGAÇÕES DE DAR

4.1. INTRODUÇÃO

É a obrigação que tem por objeto a prestação de COISA. A expressão “dar” se divide em
duas situações: (i) dar na modalidade entregar e; (ii) dar na modalidade restituir. Veja que nas
obrigações de dar, não é simplesmente dar de entregar, mas também como forma de restituição
da coisa.
Dessa forma, o verbo “dar” em direito civil tem o sentido de “entregar” (transferir a
propriedade ou posse) ou de “restituir” (devolução da coisa ao proprietário).
Na obrigação de dar, como na compra e venda de um celular, por exemplo, impõe-se o
dever de entregar o bem ao comprador. Noutro sentido, tem-se a obrigação de restituir, quando
a pessoa empresta o celular para outra, por exemplo, por pequeno período tempo, mas a
propriedade continua sendo do dono e, após o uso, deve-se restituir o celular ao proprietário.
OBS.: O CPC denomina ação de restituição de obrigação reipersecutória.

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A obrigação de dar pode ser dividida: obrigação de dar coisa certa e obrigação de dar
coisa incerta.
• Obrigação de dar coisa certa: envolve uma coisa já qualificada; quantificada;
especificada; individualizada. Por exemplo, “te darei este iphone”.
• Obrigação de dar coisa incerta: é aquela cuja incerteza é temporária, pois logo após,
conseguirei discriminar a coisa. Por exemplo, “vou te dar um iphone”.

4.2. OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA

A regra de ouro inserida no campo do direito das obrigações se encontra prevista no


artigo 313 do CC, que diz que “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe
é devida, ainda que mais valiosa”. É por isso que o credor deve receber exatamente aquilo que
foi pactuado, mas, em razão da autonomia da vontade, o credor poderá consentir em receber
prestação diversa da devida.
Contudo, a entrega de coisa diversa somente poderá ocorrer com o consentimento do
credor, no caso dação em pagamento (credor recebe coisa diversa da devida, por sua própria
vontade). Art. 321 c/c 346 do CC.

4.2.1. PERECIMENTO/DETERIORAÇÃO DA COISA

Acerca do assunto, deve-se identificar se o dar é entregar ou restituir, após, deve-se


definir quem é o dono e quem é o devedor. O perecimento da coisa segue a regra do res perit
domino, ou seja, a coisa perece para o dono.
O dono da coisa na modalidade de entregar é devedor (enquanto a coisa permanece
com o proprietário – antes da tradição –, ele é dono, mas após a relação jurídica, o proprietário
passa a ser devedor, pois cabe a ele a entrega do bem). Na modalidade restituir, o dono da coisa
é o próprio credor (aquele que emprestou o bem, por exemplo, é o dono, e aquele que deve
restituir o bem é devedor).
Dessa forma:
• Coisa se perder COM culpa: incidirá perdas e danos.
• Coisa se perder SEM culpa: a coisa perece para o dono. A obrigação se resolve
sem ônus para as partes.

• Exemplo na obrigação de dar: se em um contrato de compra e venda de um


celular, antes da entrega do bem, a coisa perece nas mãos do proprietário,
sem culpa sua. Quem sofrerá a perda é o dono da coisa, devendo este
devolver o valor que foi pago pelo comprador. Porém, se antes da entrega,
a coisa perecer por culpa do proprietário, a coisa perecerá ao dono +
incidência de indenização por perdas e danos pelo não cumprimento da
obrigação + devolução do equivalente (valor que foi pago).

• Exemplo na obrigação de restituir: se “A” pede emprestado o celular de


“B”. E no momento do uso a coisa vem a se perder sem culpa de “A”, “B”
sofrerá a perda do bem em virtude de ser o dono. Agora, se o perecimento
do celular ocorre por culpa de “A”, muito embora o credor sofra com a
perda, “A” deverá indenizar “B” com perdas e danos em razão do não
cumprimento da obrigação.

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4.2.3. ARTIGOS MAIS COBRADOS EM PROVAS

Art. 237 do CC. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus
melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o
credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os


pendentes.

Veja que o dispositivo acima diz respeito à obrigação de dar na modalidade entregar e,
portanto, o dono é o devedor. Resolver a obrigação no direito civil significa desfazer a
obrigação, é o retorno do status quo ante.
Ex.: se na compra e venda de uma fazenda, por exemplo, mas antes da tradição, tem-se
a ocorrência da avulsão (deslocamento terra e acréscimo na propriedade), fazendo com que a
propriedade fique ainda maior. O vendedor pode exigir aumento no preço, mas se não houver
concordância do comprador, haverá devolução do valor, desfazendo-se o negócio. Isso porque,
os melhoramentos e os acrescidos da coisa autorizam o aumento do preço.
Obs.: frutos pendentes são aqueles que ainda não foram colhidos, pois não estão no
momento de serem retirados da coisa.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se
perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá,
ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Lembre-se, na restituição, o dono é o próprio credor


Ex.: se até o dia da perda da coisa, o devedor pagava ao credor aluguel pelo uso do celular, serão
devidos os alugueis até o dia do perecimento, se ocorreu sem culpa do devedor.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente, mais perdas e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o


credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor,
observar-se-á o disposto no art. 239.

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem
despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou


dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias
realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o


disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Na obrigação de dar na modalidade entregar, os melhoramentos cabem ao devedor,


que pode exigir aumento do preço. Ao passo que quando o melhoramento ocorrer na
restituição é preciso analisar se aquele que deve restituir, ou seja, o devedor trabalhou para
aquele acréscimo ou não. Em caso negativo, este não possui direito a nada, mas se sim, o credor
deverá indenizá-lo. Aplica-se a regra do possuidor de boa-fé ou má-fé (art. 1219 e 1220 do CC).

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não
mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

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Deve-se observar que, na obrigação de dar coisa certa, envolvem-se os acessórios que
sejam frutos, produtos e benfeitorias (constituem partes integrantes do bem). As pertenças que
são bens móveis inseridos nos bens imóveis com caráter de definitividade, a qual assume as
características de imobilidade, não acompanham o principal (Informativo 629 do STJ).

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor,
antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação
para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver
a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

4.3. OBRIGAÇÃO DE DAR COISA INCERTA

A coisa incerta é indicada apenas pelo gênero e pela quantidade, não há uma indicação
da qualidade – são obrigações genéricas. Por exemplo, “vou te dar um (quantidade) iphone
(gênero)”. A coisa é incerta até que seja escolhida, pois se disser “vou te dar este iphone”, a
coisa já foi escolhida e, portanto, a coisa passa a ser certa. Conforme artigo 243 do CC.
Indeterminabilidade é temporária – há momento certo para escolha. No momento em
que a coisa passa a ser certa, aplicam-se as regras para as obrigações de dar coisa certa.
Via de regra, quando estivermos diante de coisa incerta, a escolha cabe ao devedor,
contudo, é possível que as partes convencionem de forma diversa. É o dispõe o artigo 244, do
CC.
No momento da escolha ou concentração da obrigação esta deve ser feita pela média,
não pode ser a pior e nem mesmo a melhor. É a chamada virtude da prestação média, art. 244
parte final do CC.
Via de regra, o gênero nunca perece. A partir disso, dispõe o artigo 246 do CC que “antes
da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força
maior ou caso fortuito”.
Contudo, o professor Pablo Stolze, nesse ponto, faz uma ponderação reflexiva, o qual
afirma que o artigo 246 é falho, pois quando se fala em gênero limitado na natureza, poderá
perecer. Por exemplo, obrigação de entregar determinada espécie em extinção. Caso ocorra a
morte do animal, não é possível fazê-lo substituir, tendo em vista o perecimento do gênero.

5. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

5.1. OBRIGAÇÃO DE FAZER

É a obrigação que tem por objeto a prestação de um fato, podendo ser, personalíssima
(infungível) ou não personalíssima (fungível).Abrange o serviço humano em geral, seja material
ou imaterial. Constitui-se de atos e serviços - qualquer atividade lícita, possível e vantajosa.
Por exemplo, a pessoa contrata um advogado para redigir um contrato; contrata cantor
para cantar na festa de casamento; contrata um pedreiro para construir uma casa, dentre outras
variadas possibilidades de obrigação de fazer.
• Obrigação personalíssima - Também chamada de obrigação infungível, trata-
se de uma obrigação de fazer que deva ser prestada exatamente por aquela
pessoa que foi contratada. Por exemplo, se contratada Ivete Sangalo para tocar
na festa de casamento, a cantora é insubstituível. A obrigação de fazer

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infungível é definida pela pessoa contratada, por suas qualidades ou pela


própria instituição em contrato.
• Obrigação não personalíssima -Também denominada de obrigação fungível, é
a possibilidade de substituição daquele que deve prestar o serviço. Por exemplo,
contrato pedreiro para construir o muro, nada impede que em caso de não
cumprimento da obrigação, ele seja substituído por outro.
Desse modo, em se tratando de uma obrigação infungível e o devedor não cumpre a
obrigação por sua culpa, incidirá perdas e danos. Vejamos:
“Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a
prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível.”
Na mesma linha, o não cumprimento de uma obrigação fungível, sem culpa do devedor,
não incidirá perdas e danos, mas, havendo culpa, incidirá.
“Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-
se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.”
Ademais, caso o devedor em uma obrigação fungível não cumpre a obrigação, o terceiro
pode cumprir em seu lugar. Em caso de urgência, a contratação do terceiro pode ser feita sem
autorização do magistrado.

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo
executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da
indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de


autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Notadamente, as obrigações alhures mencionadas possuem íntima ligação com o direito


processual civil, especialmente, no estudo do processo de execução. Pois, quando se fala em
execução tem-se o cumprimento de uma obrigação (direito subjetivo de crédito).
Assim sendo, o princípio da especialidade é a busca da tutela específica, ou seja, é
conceder aquilo que foi pactuado entre as partes; que é de direito do credor. Diante disso, as
técnicas executivas devem ser suficientes para alcançar ao credor a tutela específica.
As técnicas indiretas executivas de coerção que são utilizadas para fazer cumprir uma
obrigação de fazer podem ser de duas modalidades:
• prisão, utilizada para prisão civil do devedor de alimentos;
• multas, que podem ser:
o multas legais (previstas na lei – obrigação de dar quantia certa) e;
o multa judicial - astreintes (podem ser fixadas pelo juiz na sentença e na
execução, não transitam em julgado, pode ser majorada se insuficiente,
ou reduzida se excessivamente onerosa). Vale mencionar que as
astreintes são fixadas de acordo com o caso concreto e a favor do
credor.
Nesse trilhar, caberá ao credor além da tutela específica, o pagamento da quantia
referente às astreintes, que são fixadas por dia e somente se encerra com a satisfação da
obrigação.

Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título


extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no
cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

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5.1.1. NÃO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER

Primeiramente, deve-se verificar se a obrigação é fungível ou infungível.


• Fungível: terceiro poderá satisfazer a obrigação às custas do devedor OU
converter em perdas e danos (art. 816, do CPC).
• Infungível: são obrigações que somente o devedor pode cumprir, caso em que
o inadimplemento se converte em perdas e danos.

5.2. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER

A obrigação de não fazer tem por objeto uma prestação negativa, um comportamento
omissivo do devedor, e está regulada nos artigos 250 e 251 do CC. É um dever de abstenção de
um fato. Desse modo, a execução da obrigação de não fazer, é um fazer, e o credor requererá o
desfazimento daquilo que não deveria ser sido feito.
Obs.: o artigo 814 do CPC também é aplicado nas obrigações de não fazer.
“Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se
lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.”

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode
exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado
perdas e danos.

Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer,


independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.

5.2.1. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER

Deve-se verificar se a obrigação é permanente/contínua ou instantânea.


• Permanente/contínua: terceiro poderá satisfazer a obrigação às custas do
devedor MAIS perdas e danos.
• Instantânea: são obrigações que não admitem serem desfeitas, em caso de
inadimplemento, converte-se em perdas e danos.

Art. 822 do CPC. Se o executado praticou ato a cuja abstenção estava obrigado por
lei ou por contrato, o exequente requererá ao juiz que assine prazo ao executado
para desfazê-lo.

Art. 823 do CPC. Havendo recusa ou mora do executado, o exequente requererá ao


juiz que mande desfazer o ato à custa daquele, que responderá por perdas e danos.

Parágrafo único. Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em


perdas e danos, caso em que, após a liquidação, se observará o procedimento de
execução por quantia certa.

6. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS E FACULTATIVAS

6.1. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS

Obrigações alternativas são aquelas em que há uma pluralidade de objetos, desde o


início o devedor se compromete a cumprir uma prestação em caráter alternativo, ele só irá se

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desobrigar entregando um objeto ou outro. As obrigações alternativas não envolvem incertezas,


mas envolve a prestação dois objetos ou mais. Por exemplo, “você tem que me entregar o pincel
preto ou o pincel vermelho”.
Em regra, dá-se ao devedor a alternativa de escolha. Contudo, nada impede que seja
estipulado de forma diversa, por exemplo, pactuam que a escolha será do credor; do terceiro;
por sorteio etc. (art. 252 do CC).
Desse modo, se eventualmente o credor interpuser uma ação de execução decorrente
de um título executivo extrajudicial em face do devedor, a qual prevê o cumprimento de uma
obrigação alternativa, deve-se oportunizar ao devedor seu direito de escolha.
As obrigações alternativas encontram-se guarida nos arts. 252 ao 256 do CC.

Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não
se estipulou.

§ 1º Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte
em outra.

Ex.: o devedor deve entregar ao credor 50 computadores ou 50 impressoras e à escolha


cabe ao devedor. O que não pode ser feito neste caso, é o cumprimento da obrigação mediante
entrega de 25 computadores e 25 impressoras. Tal situação encontra respaldo na regra de ouro
disposta no artigo 313, do CC: “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe
é devida, ainda que mais valiosa”. Todavia, caso o devedor consinta em receber prestação
diversa, ter-se-á dação em pagamento.
“Art. 252 § 2º Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção
poderá ser exercida em cada período.”
Prestações periódicas são aquelas que se prolonga no tempo. Se, por exemplo, durante
o lapso temporal de 12 meses e no dia 10 de cada mês o devedor deva entregar ao credor 50
computadores ou 50 impressoras. Optando o devedor no primeiro mês pela entrega de 50
computadores, não significa que nos demais meses ele deverá entregar tão somente os
computadores. Isto é, as escolhas serão renovadas periodicamente.
“Art. 252 § 3º No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre
eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.”
Em uma situação hipotética em que dois são os devedores, a escolha deve ser feita de
forma conjunta. Havendo divergência na escolha do objeto, caberá ao magistrado a escolha.
“Art. 252 § 4º Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder
exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes.”
Competindo a escolha a um terceiro, e esse não puder ou não quiser exercer a escolha,
caberá ao magistrado à escolha. Cuidado! A escolha somente será do credor se o contrato assim
o prever.
“Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada
inexequível, subsistirá o débito quanto à outra.”
Desse modo, se alguma das prestações tornarem inexequível, por exemplo, por
perecimento do objeto, a outra subsistirá.

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações,
não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que
por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.

Havendo perecimento de um dos objetos, a escolha persistirá naquele que se encontra


íntegro (objeto que sobrou). Contudo, havendo perecimento deste último também, por culpa

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do devedor, caberá a este o pagamento do objeto escolhido (aquele objeto que havia sobrado),
mais perdas e danos.

Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se
impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação
subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor,
ambas as prestações se tornarem inexequíveis, poderá o credor reclamar o valor de
qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.

“Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor,


extinguir-se-á a obrigação.”
Inexistindo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, é o retorno do status quo ante.

6.2. OBRIGAÇÕES FACULTATIVAS

As obrigações facultativas não estão previstas em lei, mas são reconhecidas pela
doutrina e jurisprudência. Na obrigação facultativa o devedor se compromete a cumprir uma
prestação, mas reservando-se a faculdade de se desobrigar cumprindo outra prestação.
Ex.: João se compromete a entregar um carro para Maria, podendo também se liberar
entregando uma lancha. Neste caso a faculdade de substituição será sempre do devedor.
Caso o objeto da prestação principal venha a se perder antes do cumprimento da
obrigação, sem culpa do devedor, a obrigação se resolve sem ônus para qualquer das partes.
Não há que se falar em concentração da prestação restante, uma vez que o devedor só se
obrigou ao cumprimento de uma prestação, a outra era facultativa.

7. OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,
diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. Por exemplo, o dinheiro,
saca de café etc. Já os bens indivisíveis são aqueles que não admitem fracionamento, pois, se
houver, perdem sua qualidade. Têm-se como exemplo de bens indivisíveis os animais.
Torna-se relevante o estudo das obrigações divisíveis e indivisíveis quando houver
pluralidade de credores. Desse modo, havendo um credor e um devedor, não há relevância em
sabermos se a obrigação é divisível ou indivisível. A problemática reside na situação em que
houver um credor com vários devedores ou vários credores com apenas um devedor – nessa
situação, é necessário sabermos se a obrigação é divisível ou não.
Desse modo, em uma obrigação divisível, por exemplo, em que três devedores devem
três mil reais ao credor, cada devedor está obrigado ao pagamento de mil reais – fracionam-se
as obrigações em quantos forem os sujeitos.
Por outro norte, se a prestação envolver uma obrigação indivisível, por exemplo, em
que dois devedores devem entregar ao credor um cavalo que custa dois mil reais, cada devedor
estará obrigado pela dívida toda.
No entanto, se a obrigação for cumprida por apenas um dos devedores, este se sub-roga
no direito do credor em relação ao outro devedor. A partir disso, aquele devedor que não
cumpriu a obrigação torna-se devedor daquele que pagou na quantia de mil reais – quota parte
na obrigação (art. 259, parágrafo único do CC).

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7.1. DISPOSITIVOS RELEVANTES

“Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível,


esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou
devedores.”
Em suma, quando a obrigação é divisível cada sujeito terá o direito de pagar ou de
receber, a sua quota parte. Desse modo, se em uma obrigação possui somente um devedor com
vários credores, cada credor poderá exigir do devedor sua referida quota.
“Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um
fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a
razão determinante do negócio jurídico.”
Conforme visto em parte geral, a indivisibilidade da obrigação pode ser determinada
pela vontade das partes. Porém, na maioria das situações, a indivisibilidade é inerente ao
próprio objeto da obrigação.

Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um
será obrigado pela dívida toda.

Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em


relação aos outros coobrigados.

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida
inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:

I - a todos conjuntamente;

II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.

“Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros
assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.”

7.2. REMISSÃO OU PERDÃO

Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com
os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente.

Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação,


compensação ou confusão.

• Transação = acordo.
• Novação = extinção de uma obrigação, para criação de outra.
• Compensação = compensar as dívidas.
• Confusão = quando a pessoa do credor e do devedor se concentrarem na
mesma pessoa.

7.3. PERDA DO OBJETO E FIM DA INDIVISIBILIDADE

“Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e


danos.”
No momento em que o bem deixa de ser indivisível, cessa as regras de indivisibilidade.
Por conta disso, se o devedor está obrigado a entregar um cavalo para dois credores, e o animal

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morre, o devedor deverá pagar a quantia de dois mil reais (valor do bem). Tendo em vista que
dinheiro é divisível, aplicam-se as regras de divisibilidade.
“§ 1º Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores,
responderão todos por partes iguais.”
Seguindo o exemplo apresentado acima, havendo dois devedores obrigados na entrega
de um cavalo no valor de dois mil reais. Se a coisa vier a se perder por culpa dos devedores, cada
um responderá pelo valor de mil reais (equivalente - valor do animal) mais a importância
referente às perdas e danos.
“§ 2º Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas
perdas e danos.”
Havendo culpa apenas de um dos devedores, o valor sobre o equivalente continua sendo
dos dois devedores, mas o culpado na morte do cavalo deverá arcar com as perdas e danos.

8. OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

8.1. INTRODUÇÃO

Obrigações solidárias são aquelas em que concorrem mais de um credor ou mais de um


devedor em uma obrigação – pluralidade de sujeitos. Solidariedade ativa é aquela em que há
uma pluralidade de credores; na solidariedade passiva, tem-se uma pluralidade de devedores.
Regras básicas relacionadas à solidariedade:
“Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor,
ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.”
Na solidariedade ativa, pressupõe vários credores, cada um possui o direito ao
recebimento do todo. Na solidariedade passiva, cada devedor tem obrigação pelo pagamento
do todo. A solidariedade “é um por todos”.
“Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”
Exemplo de solidariedade legal: no contrato de fiança, se os fiadores renunciarem o
benefício de ordem (exigência de que seja executado por primeiro os bens do devedor, para em
seguida atingir os bens dos fiadores), serão considerados devedores solidários juntamente com
o devedor principal.
Atente-se: se uma situação hipotética for cobrada em prova envolvendo solidariedade,
deve-se fazer a seguinte indagação. Essa situação enseja solidariedade legal ou não? Se
considerar que NÃO, somente pode-se considerar que há solidariedade se tiver constando na
situação hipotética que de fato há uma solidariedade. Haja vista que a solidariedade não se
presume.
Nas obrigações solidárias pouco importa se as obrigações são divisíveis ou indivisíveis,
pois o credor ou os credores terão direito ao todo, e o devedor ou os devedores terão a
obrigação pelo todo.
“Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou co-
devedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro.”
Embora tenha pluralidade de sujeitos, têm-se várias relações jurídicas/vínculos jurídicos
de cada credor, em face de cada devedor. Sendo possível, portanto, que em face de um dos
devedores subsista uma condição; em face do outro, o lugar do cumprimento da obrigação é
distinto dos demais; e em relação a outro devedor, o prazo para pagamento é diferenciado etc.
Não é porque existe solidariedade que todas as relações jurídicas serão estritamente
iguais, permite-se que haja peculiaridades diferenciadas dentro das respectivas classes de
devedores e/ou credores.

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8.2. DA SOLIDARIEDADE ATIVA

A solidariedade ativa consiste na pluralidade de credores. Sendo possível que haja


pluralidade de sujeitos em ambos os polos da demanda.
Dispositivos pertinentes:
“Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o
cumprimento da prestação por inteiro.”
Na hipótese de haver quatro credores solidários e um devedor, referente a um
montante de quatro mil reais. Cada co-credor tem direito de receber e cobrar a totalidade da
dívida em face do devedor.
“Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum,
a qualquer daqueles poderá este pagar.”
Nesse caso, enquanto nenhum dos credores ingressa com ação em face do devedor,
este poderá pagar para qualquer deles.
No que diz respeito à divisibilidade e indivisibilidade, a regra é diversa. E no caso de
obrigação divisível, o devedor deverá pagar para cada credor sua quota parte, ao passo que na
obrigação indivisível o bem é entregue a todos os credores de forma conjunta ou ocorre à
entrega para um deles, mediante caução de ratificação dos demais.
Havendo solidariedade ativa em face de uma obrigação indivisível, na entrega de um
cavalo, por exemplo, não é necessária caução de ratificação e nem mesmo a entrega do bem de
forma conjunta. Visto que existe uma prévia autorização imposta pela própria solidariedade
ativa de que qualquer credor pode receber a obrigação na totalidade, seja um bem divisível, seja
bem indivisível.
Além do mais, se apenas um credor ingressa com ação em face do devedor, este deverá
adimplir a obrigação em face daquele que ajuizou a ação, por própria disposição do artigo 268.
Em virtude disso, a demanda fará coisa julgada material, ou seja, atingirão os demais credores,
haja vista que o devedor se desonera da obrigação pagando a qualquer deles.
São modalidades de coisa julgada material:
• Coisa julgada inter partes: é a regra, atinge as partes do processo.
• Coisa julgada ultra partes: é aquela que atinge pessoa que não seja participante
do processo.
• Coisa julgada erga omnes: é aquela presente nos processos abstratos, que
discutem, por exemplo, controle de constitucionalidade. A decisão atinge todos
os jurisdicionados.
A solidariedade ativa e passiva é exemplo de coisa julgada material ultra partes. Isso
porque, a coisa julgada na demanda proposta por um dos credores solidários atingirá os demais.
Ou seja, tem-se uma coisa julgada que atinge quem não é parte - pois todos os credores
poderiam ajuizar ação conjuntamente formando litisconsórcio ativo. Nesse contexto, ter-se-á
um litisconsórcio facultativo unitário, ou seja, a decisão será unânime para todos.
É importante ponderar, ainda, que caso o juiz entenda necessário, poderá determinar a
citação de interessados/credores, é a chamada intervenção iussu iudicis, ou seja, é aquela
provocada pelo juiz a qual determina o ingresso daqueles que poderiam participar do processo
em virtude de um litisconsórcio facultativo, mas como é unitária, a decisão daquele processo
poderá atingir todos.

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“Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o
montante do que foi pago.”

Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes
só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão
hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

Por exemplo, em uma relação obrigacional composta por um devedor e quatro credores,
em virtude de um montante de quatro mil reais. Havendo falecimento do credor 1, deixando
como herdeiro seus dois filhos, estes terão direito de receber a quota parte que era devido ao
falecido. Desse modo, se a dívida era de quatro mil reais, cada credor poderá exigir o valor total
da dívida, mas os herdeiros não poderão exigir o montante integral, pois cada filho do de cujus
receberá a quota do crédito que corresponde seu quinhão hereditário, que no caso seria 500
reais.
Agora, se a obrigação for indivisível, tendo por objeto a entrega de um cavalo, por
exemplo, os filhos do de cujus poderiam exigir o bem – em razão da invisibilidade do objeto.
“Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os
efeitos, a solidariedade.”
Em se tratando de obrigação solidária na entrega do cavalo, havendo morte do animal,
todos os devedores permanecem obrigados pelo valor integral do animal.
“Art. 272. O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos
outros pela parte que lhes caiba.”
Havendo o perdão da dívida por um dos credores solidários, significa que ele está
perdoando a dívida inteira, de modo que o respectivo credor se obriga ao pagamento da quota
parte dos demais.
“Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais
oponíveis aos outros.”
Exceção pessoal é defesa pessoal. O devedor poderá apresentar defesa geral e defesa
pessoal. No entanto, a defesa pessoal fica atrelada ao devedor/demandado e o
credor/demandante. De modo que o devedor/demandado não poderá opor exceção pessoal de
outro co-devedor.

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais,
mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o
devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.

O art. 274 do CC é um típico exemplo de coisa julgada ultra partes.

8.3. DA SOLIDARIEDADE PASSIVA

Solidariedade passiva é aquela que possui pluralidade de devedores, e o credor, por sua
vez, pode exigir de qualquer devedor o cumprimento da obrigação por inteiro, seja o bem
divisível ou indivisível.

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores,
parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os
demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação


pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

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Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes
será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário,
salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um
devedor solidário em relação aos demais devedores.

Em uma relação processual em que há único credor e onze devedores solidários na


quantia de onze mil reais. Havendo o falecimento de um dos devedores, deixando dois herdeiros
– filhos -, o credor somente poderá exigir de cada herdeiro a quota do quinhão hereditário de
cada um (mil reais), salvo se a obrigação for indivisível.
Contudo, será possível ainda, que o credor ajuíze ação em face de um dos filhos do de
cujus cobrando a respectiva quota. Além do mais, tendo em vista que a herança constitui um
todo, o credor poderá cobrar toda a dívida do herdeiro, e este sub-roga nos direitos do credor
para cobrar os demais devedores.
Vale destacar que no momento do falecimento do autor da herança, através do princípio
da saisine, tem-se a transmissão imediata dos ônus e dos bônus. De modo que se o de cujus
tinha crédito a receber, os créditos serão transferidos para os herdeiros; em caso de dívidas,
também haverá responsabilização pelo pagamento até os limites da herança.
“Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida
não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.”
Seguindo o exemplo acima, se um dos devedores solidários paga a quantia de mil reais,
continua existia solidariedade em relação ao restante da obrigação. Bem como, perdoando o
credor um dos devedores, continua existindo solidariedade em relação ao restante da dívida,
que seria dez mil reais.
“Art. 278. Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos
devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros sem consentimento
destes.”
Havendo solidariedade passiva em relação aos onze mil reais. E, realizado acordo entre
credor e um dos devedores, impondo-o outra obrigação, este acordo não vincula/obriga os
demais devedores.
“Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários,
subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o
culpado.”
Suponhamos que os devedores devem entregar um cavalo que corresponde à quantia
de onze mil reais. Se o animal vier a falecer por culpa de um dos devedores, os demais devedores
ficam obrigados pelo pagamento do equivalente (valor do animal). Aquele que agiu com culpa
responderá também pelas perdas e danos.
“Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha
sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação
acrescida.”
Não havendo o cumprimento da obrigação até a data estipulada, todos os devedores
respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um dos
devedores. Todavia, aquele devedor que agiu com culpa e deu causa ao acréscimo, estará
obrigado ao pagamento desse acréscimo.
“Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem
pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.”
É por isso que o devedor que esta sendo demandado em uma ação judicial, não poderá
opor exceção pessoal de outro devedor que foi coagido pelo credor, por exemplo.

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Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de


todos os devedores. (Dispositivo recorrente em provas).

Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores,


subsistirá a dos demais.

Renunciar a solidariedade não significa perdoar a dívida. Desse modo, se o credor


renunciar a solidariedade a um dos devedores, em relação aos demais, a solidariedade
permanece íntegro e o credor cobrará o restante da obrigação de qualquer deles (dez mil reais).

“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos
co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver,
presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores.”
Havendo algum devedor insolvente – aquele que não tem bens para pagamento da
dívida – a quota parte que seria dele, devem ser partilhados entre os demais devedores
solidários para cumprimento da obrigação.
“Art. 284. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os exonerados
da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.”
Quando o credor libera da solidariedade qualquer um dos devedores, a quota do
insolvente também integrará a quota daquele que foi exonerado da solidariedade.
“Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,
responderá este por toda ela para com aquele que pagar.”
Havendo solidariedade entre o locatário e fiador (este somente é devedor em razão da
renúncia ao benefício de ordem da fiança, por exemplo). Se este paga a dívida por inteiro,
cobrará a integralidade da dívida do locatário, visto que a responsabilidade do fiador somente
ocorreu em razão do não cumprimento de uma obrigação que cabia ao locatário.

9. ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

9.1. INTRODUÇÃO

A obrigação nasce para ser adimplida, e existem três formas de adimplemento:


• pagamento direto – quando o devedor satisfaz direta e imediatamente o
interesse do credor;
• pagamento indireto – quando o devedor satisfaz de forma indireta,
mediata, o interesse do credor;
• formas especiais de adimplemento – quando o interesse do credor não é
satisfeito, mas mesmo assim a obrigação é extinta pelo adimplemento.

9.2. PAGAMENTO DIRETO

O pagamento direto representa a satisfação direta e imediata dos interesses do credor


por parte do devedor. Ao estudar o pagamento direto precisamos analisar cinco pontos:
• sujeitos do pagamento;
• objeto do pagamento;
• prova do pagamento;
• lugar do pagamento.
• tempo do pagamento;

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9.2.1. SUJEITOS DO PAGAMENTO

9.2.1.1. SOLVENS

É aquele que irá solver a obrigação, ou seja, é quem vai pagar. Via de regra, o solvens é
o devedor, mas outras pessoas também podem pagar.
O art. 304 do CC diz que qualquer interessado na extinção da dívida pode pagar, usando-
se, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Quem é o terceiro interessado na dívida? É aquela pessoa que tenha interesse
patrimonial na extinção daquela dívida, como o fiador, avalista, herdeiro, etc.
Havendo o pagamento pelo interessado, ele irá se sub-rogar nos direitos do credor. Há
uma sub-rogação legal. O pai que paga a dívida do filho não é terceiro interessado, devendo
haver interesse jurídico.
Cabe ressaltar que o solvens poderá ser o terceiro não interessado. Se o terceiro não
interessado fizer o pagamento em seu próprio nome, terá direito ao reembolso, não se sub-
rogando nas posições do credor. Na verdade, terá direito apenas ao reembolso. Se pagar a dívida
antes do vencimento, só terá direito ao reembolso quando houver o vencimento daquela dívida.
Questiona-se: e se o terceiro não interessado fizer o pagamento em nome do devedor,
e em conta desse devedor? Não existindo oposição do devedor quanto a este pagamento, que
o terceiro não interessado faz em seu nome, este terceiro não interessado não terá direito a
nada. Nesse caso, considera-se como se tivesse feito uma doação, já que fez em nome do
devedor e não houve oposição desse devedor.
Diferente é o art. 306, que diz que realizado o pagamento por terceiro não interessado,
em seu próprio nome (terceiro), sem conhecimento ou havendo oposição do devedor, não
existirá a obrigação de reembolso em relação a este terceiro, se o devedor provar que ele tinha
meios para ilidir a ação do credor. Ex.: disser que a dívida estava prescrita, situação na qual não
poderá cobrar do devedor.
Por outro lado, se o devedor não prova que tinha meio para ilidir a ação do credor, aí é
claro que deverá pagar ao terceiro não interessado, a despeito de ter pagado com a oposição,
visto que o sujeito deveria ter de pagar de alguma forma ao credor. Porém, como o terceiro
pagou, terá esse direito ao reembolso. Isso porque a lei veda o enriquecimento sem causa.
O que obsta o direito ao reembolso é considerar que o devedor poderia dizer que não
pagaria o credor, pois ele era devia ao devedor, razão pela qual seria compensada a dívida, ou a
dívida estava prescrita, ou ainda havia confusão. Se o devedor conseguir provar que não iria
pagar a dívida, o terceiro não interessado não terá direito a reembolso.
O art. 307 estabelece que só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da
propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. Isto é, veda-
se a venda a non domino, ou seja, alienação por quem não é dono.
O parágrafo único diz que, se a parte der em pagamento coisa fungível que pertença a
um terceiro, não será mais possível que este terceiro reclame do credor que recebeu de boa-fé
a coisa fungível e que a consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

9.2.1.2. ACCIPIENS

É quem vai receber o pagamento, ou seja, a quem se deve pagar. Quem recebe
normalmente é o credor, mas o pagamento pode ser feito a um representante do credor, que

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Aurélio Bouret

tenha poderes para receber o pagamento. Caso este representante não tenha poderes, este
pagamento só irá valer após uma ratificação do credor, ou ainda se o devedor provar que houve
a reversão do pagamento em proveito do credor.
O art. 309 do CC é válido o pagamento ao credor putativo, ou seja, aquele que parece
credor, mas que não o é, desde que o credor tenha agido com boa-fé. Este dispositivo aplica a
teoria da aparência.
Vamos pegar um exemplo, Eduardo é locatário de um imóvel e vem fazendo
pagamentos do aluguel na imobiliária X. Após um ano, o locador mudou para imobiliária Y, sem
informar ao locatário. Neste caso, Eduardo continuou depositando em favor da imobiliária X.
Este é credor putativo, pois o devedor fez pagamentos por meio da teoria da aparência.
Segundo o art. 310, não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de dar
quitação, salvo se o devedor provar que houve reversão do valor pago em favor daquele credor
incapaz de dar quitação.
É preciso conferir uma interpretação extensiva para esta incapacidade, não
abrangendo apenas a incapacidade stricto sensu (absoluta e relativa), funcionando também
como tal o credor que não tinha autorização para isso. Neste caso, o pagamento deve acontecer
novamente.
O art. 311 diz que deve ser autorizado para receber o pagamento quem está munido do
documento representativo da quitação. Presume-se autorizado a receber o pagamento quem
detém o recibo nas mãos, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.
Já o art. 312 enuncia que, se o devedor pagar ao credor, apesar de já ter sido intimado
da penhora feita sobre o crédito, ou sobre a impugnação feita sobre aquele crédito por uma
terceira pessoa, não deve ser tido como válido o pagamento perante o terceiro. Na verdade,
será considerado ineficaz, apesar de a lei falar em invalidade. Ex.: João é credor do Samer, tendo
um cheque de 30 mil reais. João está devendo José, o qual promove ação de execução contra
João. O cheque é penhorado, e Samer já tem ciência disso. Samer faz o pagamento da dívida em
favor de João. Este pagamento é inválido, segundo a lei, em face de José.

9.2.2. DO OBJETO DO PAGAMENTO DIRETO

O art. 313 diz que o objeto da prova é a prestação, e o credor poderá se recusar a
receber o que não foi pactuado, ainda que esta coisa seja mais valiosa do que aquilo que foi
pactuado.
Além disso, se não tiver sido acordado o pagamento parceladamente, não se pode
obrigar o credor a receber de forma parcelada, e nem o devedor a pagar parceladamente, salvo
se o contrato tiver previsão nesse sentido.
Todavia, há uma exceção legal, conforme o art. 916, o qual diz que, no prazo para
embargos, reconhecendo o crédito do exequente, e comprovando o depósito de 30% do valor
da execução, acrescido de custas e honorários de advogado, o executado pode requerer que lhe
seja permitido pagar o restante em até 6 parcelas mensais. Trata-se de uma imposição legal de
recebimento parcelado da dívida.
O art. 314 enuncia que, ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não
pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se
ajustou.
Já o art. 315 afirma que, as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em
moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes. Trata-se de

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Aurélio Bouret

aplicação do princípio do nominalismo, o qual sofrerá temperamentos porque poderá se estar


diante de uma hipótese de correção monetária.
Para se evitar os efeitos da inflação, aplicam-se índices de correção monetária, sendo
absolutamente válido, encontrando previsão no art. 316, o qual afirma que é lícito convencionar
o aumento progressivo de prestações sucessivas, e, nesse caso, tem-se uma cláusula de escala
móvel ou escolamento, pois aí consegue vislumbrar a manutenção do poder aquisitivo ou do
valor real da prestação.
O art. 317 estabelece que, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o valor do momento de sua execução, poderá
o juiz corrigir essa desproporção, desde que haja pedido da parte, de modo a assegurar o valor
real da prestação.
Este dispositivo traz a revisão contratual por um fato superveniente diante de uma
imprevisibilidade que resultou em onerosidade excessiva. É a denominada teoria da imprevisão.
O art. 318 diz que são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda
estrangeira, também são nulas as convenções que prevejam a possibilidade de compensar o
valor de uma prestação com a comparação entre a moeda nacional e uma moeda estrangeira.
Existem exceções, casos em que serão ressalvados pela legislação, como é o caso do art. 2 do DL
857/69, que diz serem essas proibições inaplicáveis aos:
• contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;
• contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações
de exportação de bens e serviços vendidos a crédito para o exterior;
• contratos de compra e venda de câmbio em geral;
• empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa
residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de
imóveis situados no território nacional;
• contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção
ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as
partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país.

9.2.3. PROVA DO PAGAMENTO DIRETO

O devedor que paga tem direito a quitação pelo credor, e pode reter o pagamento,
enquanto não lhe seja dada.
Essa quitação deverá ter os seguintes requisitos, previstos no art. 320:
• valor expresso da obrigação;
• dívida que está sendo quitada (especificidade);
• identificação do devedor, ou de quem está pagando em seu lugar;
• tempo e lugar do pagamento;
• assinatura do credor, ou de seu representante.
O parágrafo único do art. 320 diz que, ainda que a quitação não tenha os requisitos
estabelecidos, valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias conseguir se perceber
que a dívida foi paga.
Deve-se obstar o enriquecimento sem causa do credor.

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Existem algumas regras que fazem nascer a presunção de pagamento. Esta presunção
é relativa, admitindo prova em contrário:
• nas obrigações de trato sucessivo, a quitação da última estabelece a presunção
de que foram solvidas as prestações anteriores, salvo se houver ressalva
expressa da quitação;
• se for dada quitação ao capital, sem a reserva dos juros, presume-se que houve
o pagamento dos juros também. Trata-se de aplicação do princípio da
gravitação jurídica;
• a entrega do título ao devedor firma a presunção relativa do pagamento, mas
esta presunção de quitação fica sem efeito se o credor provar em 60 dias que
não houve o pagamento.
Flávio Tartuce diz que tal presunção se dará apenas em relação aos títulos de crédito,
pois se for outro instrumento contratual, será presumido o perdão da dívida.
• Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação.
Isto é, se o contrato não tratar sobre de quem serão as despesas, correrão por
conta do devedor. Agora, se houver um aumento dessas despesas por fato
imputado ao credor, em relação a este acréscimo, quem deverá suportar será o
credor.
• Se houver o pagamento por medida ou por peso, e havendo silêncio das partes,
presume-se que foram adotados os critérios do lugar da execução da obrigação.
Vamos pegar um exemplo, Samer compra 10 alqueires no Estado de SP, e ele mora em
Goiás. Porém, qual seria a metragem do alqueire? Não foi falado. Em São Paulo, 1 alqueire é
24.000m, enquanto no Goiás 1 alqueire é 48.000m. Dessa forma, presume-se que a medida
seguirá o critério do lugar da coisa.

9.2.4. DO LUGAR DO PAGAMENTO DIRETO

Com relação ao lugar do pagamento, a obrigação pode ser classificada em:


• obrigação quesível: é a regra. O devedor fica quieto, não saindo do lugar, pois
o pagamento é feito no seu domicílio. É o credor que vai buscar o pagamento.
Há uma presunção relativa de que as obrigações têm pagamento quesível, salvo
se o instrumento negocial, ou a natureza da própria obrigação, ou mesmo a lei,
impuser uma lei em sentido contrário;
• obrigação portável: o local de cumprimento é o domicílio do credor, ou um
terceiro lugar.
Designados dois ou mais lugares para o pagamento ser feito, quem escolhe entre eles é
o credor. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas à
imóvel, este pagamento será feito no lugar em que se encontra o imóvel (o bem).
O art. 329 estabelece que, se ocorrer um motivo grave para que se não justifique o
pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazer o pagamento em outro lugar, sem
que gere prejuízo para o credor. Motivo grave será dito pelo juiz, como enchente, greve no
serviço público, etc.
O art. 330 estabelece que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz
presumir a renúncia do credor relativamente ao lugar previsto no contrato. Trata-se da
consagração do princípio da boa-fé objetiva, nascendo a surrectio para o devedor e a supressio
para o credor.

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• Supressio: é uma supressão, por uma renúncia tácita de um direito pelo seu não
exercício pelo passar do tempo.
• Surrectio: é o nascimento de um direito para a parte em razão do não exercício
da outra parte.

9.2.5. DO TEMPO DO PAGAMENTO

O devedor deverá pagar quando houver o vencimento da obrigação. O vencimento é o


momento em que a obrigação deverá ser satisfeita.
Lembre-se que, salvo disposição legal em contrário, não se ajustando o tempo do pagamento,
poderá o credor exigir imediatamente.
As obrigações condicionais devem ser cumpridas na data em que ocorrerá a condição,
cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.
A obrigação poderá ser:
• obrigação de execução instantânea: é a obrigação em que é cumprida
imediatamente após a sua constituição. Ex.: compra de pão na padaria;
• obrigação de execução diferida: neste caso, o cumprimento se dá de uma vez
só, mas ocorre no futuro, de forma diferida. Ex.: Samer compra um bem por 10
mil reais, mas ele quer 30 dias para pagar o valor;
• obrigação de execução continuada (ou de trato sucessivo): o cumprimento da
obrigação se dará por subvenções periódicas. Ex.: comprou um bem por 10 mil
reais, mas pagou em 10 meses.
O art. 333 traz um rol de situações em que há o vencimento antecipado da dívida. Se a
dívida deve ser paga no momento do seu vencimento, e se há um rol de vencimento antecipado,
há uma antecipação do pagamento desta dívida.
O vencimento antecipado da dívida poderá ocorrer, situação na qual terá o credor
direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado:
• quando há falência do devedor, ou de concurso de credores;
• quando os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em
execução por outro credor;
• quando se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito,
fidejussórias, ou reais, e o devedor, tendo sido intimado, se negou a reforçar
as garantias.
Nestas situações, haverá o vencimento antecipado da dívida. Porém, e se houver uma
solidariedade passiva, o devedor solidário também sofrerá o vencimento antecipado? Não. Não
irá se reputar antecipado o vencimento com relação aos demais devedores solventes.
Lembrando que o rol acima é meramente exemplificativo.

9.3. DAS FORMAS ESPECIAIS DE PAGAMENTO E DAS FORMAS DE PAGAMENTO INDIRETO

9.3.1. DO PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO

Conceitua-se como um depósito feito pelo devedor da coisa devida, a fim de que o
devedor se libere de uma obrigação, podendo ocorrer na esfera judicial ou na esfera
extrajudicial, neste caso o dinheiro é depositado em estabelecimento bancário oficial.
O pagamento em consignação é um meio indireto de o devedor exonerar-se do liame
obrigacional que vincula o devedor ao credor.

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Aurélio Bouret

Está sempre relacionada a uma obrigação de dar, não podendo estar relacionada a uma
obrigação de fazer ou não fazer, visto que é necessário depositar a coisa.
O art. 335 estabelece um rol de situações em que a consignação poderá acontecer:
• poderá haver consignação em pagamento se o credor não puder, ou, sem justa
causa, recusar receber o pagamento, ou se recusar a dar quitação;
• poderá haver consignação em pagamento se o credor não for, nem mandar
representante para receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos
(obrigação quesível);
• poderá haver consignação em pagamento se o credor for incapaz de receber,
for desconhecido, declarado ausente, ou se o credor residir em lugar incerto
ou de acesso perigoso ou difícil;
• poderá haver consignação em pagamento se ocorrer dúvida sobre quem deva
legitimamente receber o objeto do pagamento;
• poderá haver consignação em pagamento se pender litígio sobre o objeto do
pagamento.
Para que a consignação em pagamento seja válida e eficaz, é necessário que o devedor
observe todos os requisitos do pagamento direto, como pessoas, objeto, modo e tempo do
pagamento e todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.
Promovida a ação de consignação em pagamento, será citado o credor para que apresente
contestação. Na contestação, o credor poderá alegar:
• não houve recusa do pagamento;
• que houve justa recusa;
• que o depósito não foi efetuado no prazo e no lugar do pagamento;
• que o depósito não foi integral, situação na qual deverá indicar o valor.
O art. 546 do NCPC estabelece que, julgado procedente o pedido, o juiz declarará
extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios. É o
princípio da causalidade.
O CC, no art. 339, diz que, julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá
levantar o objeto da consignação, eis que o levantamento da quantia consignada só será possível
se os outros devedores concordarem e os fiadores concordarem. Tanto é que o art. 340 do CC
diz que o credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer no
levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa
consignada, ficando para logo desobrigados os codevedores e fiadores que não tenham
anuído.
Se o credor anuiu, a despeito da concordância dos fiadores, eles “lavaram as mãos”, não
respondendo mais em relação àquela dívida.
O art. 342 diz que, se houver a obrigação de dar coisa incerta, é preciso que se faça a
escolha (concentração). Se esta escolha couber ao credor, será ele citado para promover a
concentração, sob pena de não o fazendo perder o direito de escolha, e ser depositada a coisa
à escolha do devedor.
O devedor de uma obrigação litigiosa se exonerará através de consignação. Supondo
que o devedor pague a um dos pretendidos credores, tendo o conhecimento do litígio. Neste
caso, o devedor de obrigação litigiosa assumirá o risco do pagamento.
Se ele achou que João venceria e João vencer, não há problema. O problema surge se
Pedro pagou a João, mas quem venceu foi José. Então deverá pagar a José, visto que assumiu o
risco, a despeito do litígio que pesava sob o objeto.

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Aurélio Bouret

Se a dívida vencer, pendendo litígio entre os credores, pode qualquer dos credores
requerer a consignação. Veja, via de regra, a consignação é requerida pelo devedor, mas no caso
do art. 345 é o credor que pede a consignação (art. 345).
Se houver prestações sucessivas e houver consignação de uma delas, o devedor pode
continuar depositando as que forem se vencendo no curso do processo, sem maiores
formalidades.
Deverá fazer este depósito no prazo de 5 dias, contados da data do respectivo
vencimento de cada uma das prestações em que forem se vencendo no curso do processo.
O §1º do art. 539 do NCPC estabelece que em se tratando de obrigação em dinheiro, poderá o
valor ser depositado em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do
pagamento, cientificando-se o credor por carta com aviso de recebimento, dando o prazo de
10 (dez) dias para a manifestação de recusa.
Decorrido o prazo de 10 dias, contado do retorno do aviso de recebimento, sem a
manifestação de recusa, será liberado o devedor da obrigação, ficando à disposição do credor a
quantia depositada.
No entanto, se houver recusa, poderá ser proposta, dentro de 1 (um) mês, a ação de
consignação, promovida pelo devedor, instruindo a inicial com o comprovante do depósito e
comprovante da recusa pelo credor. Não propondo a ação, o depósito ficará sem efeito,
podendo o devedor levantar este depósito.

9.3.2. DA IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO

Imputar é apontar para alguém ou para algo. Uma pessoa que está obrigada por dois
ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem a pessoa o direito de indicar a qual
deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos. Ex.: Samer deve a João 50 mil
reais de um cheque, outro de 50 mil reais e mais um de 50 mil reais. Cada um desses cheques
venceu em 3 meses, 2 meses e 1 mês, respectivamente. Samer deposita 50 mil reais.
A imputação é dizer qual é a dívida que está sendo paga. Esta escolha geralmente cabe
ao devedor, sendo possível ao contrato estabelecer que esta escolha caiba ao credor.
Caso o devedor não fazer qualquer declaração, transfere-se o direito de escolha ao
credor.
Caso não haja manifestação do credor, quem fará a imputação é a própria lei.
A ordem de imputação é a seguinte:
• havendo capital e juros, o pagamento será feito primeiro em relação aos
juros;
• havendo duas dívidas, será imputado o pagamento à dívida mais antiga;
• havendo as dívidas com mesmo vencimento, será imputada à dívida mais
onerosa;
• não havendo dívida mais onerosa, a imputação será feita a todas as dívidas,
na mesma proporção, apesar de ausência de previsão legal.
Perceba que há uma ordem legal quando o devedor e o credor não exercem esse direito
que a lei lhes concede. O ato de imputação é um ato unilateral, razão pela qual é consagrado
como uma regra especial de pagamento.

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9.3.3. DO PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

Sub-rogar-se é substituir uma coisa por outra. Coloca-se uma coisa no lugar da coisa
primitiva. E esta nova coisa terá os mesmo ônus e mesmos atributos.
Porém, se fizer uma substituição não de uma coisa, mas de uma pessoa por outra, tendo
esta os mesmos direitos e as mesmas ações daquela pessoa antiga, haverá uma sub-rogação
pessoal.
Na sub-rogação pessoal ativa, troca-se o credor. O que se percebe é que não há extinção
da obrigação, só sendo trocado o credor. Isto é, uma terceira pessoa passa a ser o credor da
relação jurídica obrigacional.
A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
• do credor que paga a dívida do devedor comum;
• do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como
do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre
imóvel;
• do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado,
no todo ou em parte.
O art. 349 afirma que a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias que o credor primitivo tinha, em relação à dívida, contra o devedor
principal e os fiadores.
A sub-rogação poderá ser classificada em:
• sub-rogação legal;
• sub-rogação convencional.

9.3.3.1. SUB-ROGAÇÃO LEGAL

São as hipóteses de pagamento feitas por terceiro interessado, o qual irá se sub-rogar
na posição do credor. Ex.: o credor paga a dívida do devedor comum a outro credor. Samer e
João são credores de José de 100 mil reais. Samer dá 50 mil reais a João, passando a ter o crédito
de 100 mil reais de José. Neste caso, há sub-rogação legal.
Também tem sub-rogação legal o adquirente de um imóvel hipotecado que paga ao
credor hipotecário, situação na qual ficará sub-rogado na posição de credor hipotecário.
Também será possível a sub-rogação do terceiro interessado que paga a dívida pela qual
podia ser responsabilizado.

9.3.3.2. SUB-ROGAÇÃO CONVENCIONAL

O pagamento efetivado por terceiro não interessado, via de regra, não gera sub-
rogação, mas poderá gerar se estiver previsto em contrato. Quando o credor recebe o
pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos, há aqui uma sub-
rogação convencional.
Quando uma terceira pessoa empresta ao devedor uma quantia necessária para que o
devedor solva sua dívida, mas com a condição de que deste que está emprestando (mutuante)
ficar sub-rogado nos direitos do credor satisfeito, também haverá sub-rogação convencional.
Segundo o CC, a sub-rogação é convencional:

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Aurélio Bouret

• quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe


transfere todos os seus direitos;
• quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver
a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos
direitos do credor satisfeito. Nesta hipótese, aplicam-se as regras da cessão
do crédito.
Em relação à sub-rogação legal, o sub-rogado pode exercer todos os direitos do credor
até a soma do que ele tiver desembolsado para desobrigar o devedor. Não há intuito de lucro,
havendo caráter gratuito na sub-rogação legal.
Veja, se o terceiro pagou 100 mil para se sub-rogar no direito de credor, só poderá
cobrar do devedor 100 mil, e não 150 mil, que era a dívida originária, por exemplo.
O que se discute é saber se a sub-rogação legal pode justificar que o sub-rogado cobre
valor a mais, não havendo definição aos entendimentos.
Flávio Tartuce entende que não pode, pois, do contrário, a sub-rogação passaria a ter a
mesma feição da cessão de créditos, a qual tem natureza onerosa. Ele entende que a sub-
rogação só pode ter natureza gratuita.
Existe outra corrente que entenda que possa ter caráter oneroso, com base no princípio
da autonomia privada (Maria Helena Diniz).
Relativamente ao credor originário, que só em parte for reembolsado, somente ele vai
ter preferência em relação ao sub-rogado parcial, na cobrança da dívida restante. Isto se os
bens do devedor não forem suficientes para saldar inteiramente o que dever ao credor
originário e agora dever ao sub-rogado parcial.
É o teor do art. 351, o qual dispõe que o credor originário, só em parte reembolsado,
terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não
chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.
Vamos pensar num exemplo, João é credor de José de 100 mil reais. Samer dá 50 mil
reais a João, e irá se sub-rogar parcialmente. Samer poderá cobrar 50 mil reais de José nas
mesmas condições que João, mas ele é credor originário. No entanto, se José só tiver 50 mil
reais para pagar, ele irá pagar João, visto que ele tem preferência em relação ao sub-rogado.

9.3.4. DA DAÇÃO EM PAGAMENTO

Dação em pagamento é uma forma de pagamento indireto. Trata-se da hipótese em que


o credor consente em receber prestação diversa da que lhe é devida.
Há um acordo privado entre os sujeitos da relação obrigacional, em que pactuam a
substituição do objeto obrigacional por outro. Ex.: João deve 100 mil reais a Pedro. Pedro dá um
lote para João e resta quitada a dívida. Houve aqui uma dação em pagamento.
O art. 358 diz que, se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência
importará em cessão. Ex.: João deve 100 mil reais a Samer, mas ele resolve dar um cheque de
100 mil que era de José. Nesse caso, se a coisa dada é título de crédito, haverá uma cessão.
Não existe identidade entre cessão de crédito e dação em pagamento.
Na cessão de crédito, há uma transmissão de uma posição contratual, ou seja, da
obrigação. Na dação, há o pagamento indireto.
Neste caso, é preciso interpretar o art. 358, no sentido de que serão aplicadas as regras
da cessão de crédito por analogia.

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Aurélio Bouret

Supondo que o terceiro, devedor do título, não tenha sido notificado, é necessário
notificar, visto que é necessário saber quem é o credor do título. Na cessão ele seria notificado,
razão pela qual aqui na dação também o será.
Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, a obrigação primitiva será
restabelecida e ficará sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros de boa-
fé. Ex.: João deve um cavalo a Pedro, mas este aceitou um lote de Pedro. Feita a dação. No
entanto, por conta de uma ação, houve evicção lote, voltando João a dever um cavalo a Pedro.
Ocorre que, no período, o cavalo havia sido vendido para um terceiro de boa-fé. Neste caso,
João deverá para Pedro um valor equivalente ao cavalo.

9.3.5. DA NOVAÇÃO

A dação em pagamento não se confunde com novação real. Na dação não há


substituição de uma obrigação por outra. O que há é a substituição do objeto da prestação.
Na novação, a dívida anterior se extingue e nasce uma nova. A novação também é uma
forma de pagamento indireto, ocorrendo a substituição de uma obrigação por outra obrigação
nova.
O principal efeito da novação é a extinção de uma dívida primitiva, com todos os
acessórios e garantias, com o surgimento de uma dívida nova.
Pode ser que seja ressalvada, mantendo-se os acessórios e as garantias. Porém, nesse
caso, Tartuce afirma que se houver essa previsão, significa que não houve a novação total, mas
parcial, pois parte dela foi mantida.

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não
houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o
penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a
terceiro que não foi parte na novação.

9.3.5.1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA NOVAÇÃO

• existência de obrigação anterior;


• obrigação nova surgir;
• intenção de novar (animus novandi).
Segundo o art. 360, dá-se a novação:
• quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e
substituir a anterior;
• quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
• quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao
antigo, ficando o devedor quite com este.
Segundo o art. 361, o ânimo de novar poderá ser expresso ou tácito, mas deverá ser
inequívoco. Não podem ser validadas por novação obrigações nulas ou obrigações extintas,
visto que não se pode novar o que não existe, e a obrigação já extinta inexiste. Também não se
pode novar obrigação que não produz efeitos jurídicos, e, portanto, obrigação nula.
Por outro lado, a obrigação anulável, que produz efeitos, poderá ser confirmada pela
novação, sendo, portanto, uma forma de convalidação.

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Se a obrigação é nula, a novação é nula. Supondo que a obrigação anterior era válida, e
aí veio a novação, a qual seria nula. Nesse caso, se a novação é nula, vai prevalecer a obrigação
antiga, visto que deverá retroagir.

9.3.5.2. ESPÉCIES DE NOVAÇÃO

• Novação objetiva (real): o devedor vai contrair com o credor uma nova dívida, mas o
credor e devedor são os mesmos.
• Novação subjetiva (pessoal): há alteração dos sujeitos da relação, podendo ser
classificada em:
o Novação subjetiva ativa: há substituição do credor. Para isso, a lei traz alguns
requisitos: i) consentimento do devedor perante o novo credor; ii) consinta o
antigo credor; iii) consinta do novo credor. Todos precisam consentir.
o Novação subjetiva passiva: há a extinção da dívida anterior por uma nova, mas
com a substituição do devedor. Aqui também há uma subclassificação:
▪ novação subjetiva passiva por expromissão: em que o terceiro assume
a dívida do devedor originário, substituindo o devedor originário, mas
sem consentimento do devedor originário. E por isso expromissão.
▪ novação subjetiva passiva por delegação: nesse caso, é feita com
consentimento do devedor originário, concordando em ser substituído.
▪ novação subjetiva mista: há alteração do objeto e a alteração dos
sujeitos da relação jurídica. Ex.: Samer devia um cavalo a José. Agora,
quem deve é João, e não mais um cavalo, e sim um boi. Houve uma
novação subjetiva e objetiva.
No caso da novação subjetiva passiva: altera-se o devedor. A obrigação anterior está
extinta e se altera a obrigação com um novo devedor. Caso este novo devedor seja insolvente,
o credor não terá direito de regresso contra o antigo devedor, visto que a dívida anterior está
extinta. Isto, salvo se o credor demonstrar que o devedor originário obteve esta novação passiva
por má-fé.
Em outras palavras, se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou,
ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição (art. 363).
Se não houver o consentimento do fiador, e for feita uma novação, estará ele exonerado, visto
que da nova ele não participou.
O art. 365 vai dizer que ocorrendo a novação entre o credor e um dos devedores
solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação vão subsistir as
preferências e garantias do crédito novado. Isto é, os outros devedores solidários ficam, por esse
fato, exonerados.
Isto é, se os devedores solidários da obrigação primitiva estão exonerados, visto que
aquela dívida se extinguiu.
Cabe ressaltar que o STJ tem analisado o instituto da novação com as lentes do princípio
da função social do contrato. Esta forma de enxergar a novação fica evidenciada pela Súmula
286 do STJ, que diz que a negociação do contrato bancário, ou a confissão da dívida, não
impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.

9.3.6. DA COMPENSAÇÃO

Compensação ocorre quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor
uma da outra, situação na qual as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

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O art. 369 estabelece que compensação efetua-se quando houver:


• dívidas líquidas;
• dívidas vencidas; e
• coisas fungíveis.
O art. 370 diz que, embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, elas não
poderão ser compensadas, se for verificado que elas diferem na qualidade, quando a qualidade
estiver especificada no contrato.
Por exemplo, se apesar de serem sacas de café, um ser de tipo exportação e o outro
não, haverá uma diferença de qualidade, razão pela qual não se poderá fazer compensação
legal.
O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever. Todavia, o
fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado. Está dizendo que o fiador
pode, quando cobrado pelo credor, dizer que o credor deve 10 mil reais ao afiançado, devendo
haver a compensação primeiramente.
Os prazos de favor (prazos graciosamente concedidos pelo credor), embora consagrados
pelo uso geral, não obstam a compensação. Isto é, se o devedor souber que o credor está deve
10 mil, mas está devendo a ele 20 mil, mas o devedor apenas quer cobrar os 10 mil, sem que
seja compensado dos 20 mil. Nesse caso, o devedor pede prazo de favor, período no qual
cobrará os 10 mil do credor. Quando o credor for dizer que o devedor ainda deve 10 para ele,
não poderá alegar que o prazo de favor prolongou o vencimento, situação na qual ocorreria a
prorrogação.
Em outras palavras, prazos de favor não obstam a compensação.
A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, porém existem algumas
exceções a esta regra:
• não haverá compensação se a dívida provier de esbulho, furto ou roubo
não será possível a compensação;
• não haverá compensação se a dívida se originar de comodato, depósito
ou alimentos;
• não haverá compensação se a dívida for de coisa não suscetível de
penhora.
Portanto, a dívida impenhorável também é incompensável. O art. 375 traz a
possibilidade de cláusula excludente de compensação. Isto é, diante da autonomia privada e
liberdade contratual, permite-se que as partes consagrem a cláusula de exclusão à
compensação. Dessa forma, não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a
excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas. Veja, então, que também se admite a
renúncia à compensação.
O art. 376 diz que, obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa
dívida com a que o credor dele lhe dever.
O devedor que, notificado, nada opuser à cessão que o credor faz a terceiros dos seus
direitos, este devedor não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria
podido opor ao cedente.
A lei diz que, quando é feita a cessão, o cessionário receberá o crédito, passando a ser
credor do cedido. Depois de cedido, e não tendo se oposto, não poderá alegar que teria à época
crédito contra o cedente, pois não havia se manifestado em tempo.
Cabe ressaltar que se a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário
compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.

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O art. 379 diz que, se a mesma pessoa for obrigada por várias dívidas compensáveis,
serão observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do
pagamento. Isto é, se há várias dívidas compensáveis, o devedor vai dizer qual é a dívida que
está compensando. Caso não o faça, quem irá dizer será o próprio credor.
Caso ninguém se valha dessa faculdade, quem vai decidir será a lei:
• havendo capital e juros, o pagamento será feito primeiro em relação aos
juros;
• havendo duas dívidas, será imputado o pagamento à dívida mais antiga;
• havendo as dívidas com mesmo vencimento, será imputada à dívida
mais onerosa;
• não havendo dívida mais onerosa, a imputação será feita a todas as
dívidas, na mesma proporção, apesar de ausência de previsão legal.
Por fim, não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor
que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao
exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia.

9.3.7. DA CONFUSÃO

Confusão está presente quando há, na mesma pessoa, credor e devedor. Isso pode
ocorrer tanto por ato inter vivos como por ato causa mortis.
A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação
até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a
solidariedade.
Confusão ocorre quando o credor e o devedor são a mesma pessoa, situação na qual
extinguiu a obrigação.
No caso de causa mortis, a confusão poderá ocorrer quando o filho deve ao pai, mas,
tendo aquele morrido, o filho recebeu a herança, extinguindo a dívida.
No caso do credor solidário, João deve com outros 3 indivíduos 100 mil reais ao pai. João
era o único herdeiro. Em relação a ele, houve a confusão. Portanto, 25 mil reais houve confusão,
faltando 75 mil reais, situação na qual persistirá a solidariedade, passando João ser o credor do
crédito.
Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, a
obrigação anterior.

9.3.8. DA REMISSÃO DAS DÍVIDAS

A remissão é o perdão, é o direito exclusivo do credor de exonerar o devedor. O art. 385


estabelece que a remissão da dívida é um negócio jurídico bilateral, ou seja, o perdão deverá
ser aceito pelo devedor, situação na qual, se aceita, extinguirá a obrigação, mas sem prejuízo
de terceiro.
A remissão só poderá ocorrer se não houver prejuízo a terceiros.
A remissão concedida a um dos codevedores extingue a dívida na parte a ele
correspondente, mas não atinge a solidariedade em relação aos demais, de modo que não possa
cobrar o débito sem dedução da parte remitida. Ex.: João é credor de Pedro e mais 4, no valor
de 100 mil reais. João perdoa Pedro, mas ainda será credor de 80 mil reais, mantendo a
solidariedade em relação aos demais.

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A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova


desoneração do devedor e seus coobrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor capaz
de adquirir.
O perdão poderá ser expresso ou tácito.
Atente-se que, se houver a entrega do negócio empenhado, não haverá o perdão da
dívida, mas tão somente a exoneração da garantia que existia em relação àquela dívida. Ou seja,
a restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a
extinção da dívida.
Não confundir renúncia com remissão, pois renúncia é gênero e remissão é espécie. Na
renúncia, é possível recair sobre diversos direitos pessoais, inclusive é um ato unilateral. A
remissão é perdão, ou seja, é ato bilateral, só podendo se dar em relação a direitos creditórios.

10. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

10.1. INTRODUÇÃO

Transmitir é passar para frente. Quando há uma transmissão há uma cessão. E com isso
é possível extrair um conceito importante de que é o conceito de cessão.
Cessão é a transferência, a título oneroso ou gratuito, de uma posição na relação jurídica
obrigacional.
O direito brasileiro admite três formas de cessão:
• cessão do crédito;
• cessão do débito;
• cessão do contrato.

10.2. CESSÃO DE CRÉDITO

A cessão de crédito pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral, gratuito
ou oneroso, através do qual o credor transfere a outrem, totalmente ou parcialmente, a sua
posição na relação obrigacional.
Isto é, o credor passa para outra pessoa a posição de credor.
Há um credor primitivo que cede este crédito, denominado de cedente, bem como uma
pessoa que passa a ser credora, denominada cessionário. Há, ainda, o devedor, que é
denominado de cedido.
Com a cessão, são transferidos todos os elementos da obrigação, tanto os acessórios
como as garantias, visto que a obrigação é a mesma, pois há mudança dos sujeitos que
compõem a obrigação. No entanto, os acessórios poderão não ser abrangidos, caso haja
disposição em contrário.
Cabe ressaltar que o cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar
a cessão no registro do imóvel.
A verdade é que a cessão de crédito independe da anuência do devedor, mas ele deve
ficar sabendo que houve esta cessão.
O art. 286 vai dizer: o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza
da obrigação, a lei, ou se não houver vedação no contrato (convenção) com o devedor.

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Essa cláusula proibitiva da cessão, que poderá estar prevista no contrato, não será
oponível ao cessionário de boa-fé, se ela não estiver escrita no contrato (instrumento da
obrigação).
Em regra, a cessão tem eficácia inter partes, e não exige sequer que seja escrita, ou
seja, poderá ser verbal.
Porém, para ter eficácia perante terceiros, será necessário que seja formulada por um
instrumento escrito, já que a cessão é negócio jurídico bilateral. Ou seja, é ineficaz, em relação
a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou
instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.
Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os
atos conservatórios do direito cedido (art. 293).
Para a cessão ser válida, é desnecessária a anuência do devedor. Porém, o art. 290
dispõe que a cessão não tem eficácia em relação ao devedor se ele não for notificado. Todavia,
considera-se notificado o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da
cessão feita.
O devedor pode opor ao cessionário (que passou a ter a condição de credor) as
exceções que ele tinha em face do antigo credor ao novo credor, bem como as exceções que,
no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. Isso significa
que quando o cedido for notificado da cessão, poderá alegar uma cessão em face do cedente.
A cessão de crédito pode ser onerosa (pode envolver lucro), situação na qual o cedente
ficará responsável pela existência do crédito ao tempo que cedeu (pro soluto).
Sendo a título gratuito, o cedente também terá responsabilidade, caso tenha procedido de
má-fé.
Ex.: contrato de faturização (factoring) é exemplo de cessão de crédito onerosa. Há um
cheque para receber 10 mil reais daqui a 30 dias, mas o sujeito busca a factoring para obter 9
mil reais hoje. Aqui houve uma cessão de crédito onerosa. O cedente só responderá pela
existência do crédito e não pela solvência. O credor originário não responde pela solvência, mas
apenas pela existência.
A cessão de crédito, em regra, é pro soluto, e não pro solvendo. Todavia, é possível
existir esta previsão contratual, no sentido de que a cessão é pro solvendo, ou seja, o cedente
terá responsabilidade pelo pagamento do crédito. Nesse caso, a cessão será pro solvendo.
Nessa hipótese, o cedente não responderá por mais do que recebeu com os seus
respectivos juros, mas tem de ressarcir as despesas da cessão e as que o cessionário houver
feito com a cobrança.
Ex.: supondo que no contrato com a factoring, Samer tenha recebido 9 mil reais pela
cessão do crédito de 10 mil reais. Daqui a 30 dias, se a factoring não receber os 10 mil reais,
Samer deverá pagar os 9 mil, mais os respectivos juros durante este intervalo de tempo à
factoring. Trata-se de cessão pro solvendo.
O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver
conhecimento da penhora. Todavia, o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica
exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro.
Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor
primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe
apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura
pública, prevalecerá a prioridade da notificação.

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Aurélio Bouret

Segundo o art. 291, ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se
completar com a tradição do título do crédito cedido.

10.3. CESSÃO DE DÉBITO (ASSUNÇÃO DE DÍVIDA)

Na cessão de débito, haverá um novo devedor. Trata-se de um negócio jurídico bilateral


pelo qual um devedor, com anuência do credor, transfere a um terceiro a posição de sujeito
passivo da relação obrigacional.
O art. 299 estabelece que é facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, desde
que haja o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo
se, ao tempo da assunção, o devedor derivado fosse insolvente e o credor o ignorava. Veja, se
ficar demonstrado que, ao tempo da assunção, o devedor que ingressava já era insolvente, e o
credor desconhecia esta situação.
Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que se manifeste, consentindo
na assunção da dívida, situação na qual será interpretado o silencia como recusa. Ou seja, quem
cala não consente. É preciso que o credor concorde com a assunção da dívida.
Na assunção de dívida, há o antigo devedor (cedente), o novo devedor (cessionário) e
o credor (cedido).
A cessão de débito pode ser classificada de duas formas:
• Assunção por expromissão: uma terceira pessoa assume espontaneamente
o débito da outra, e o devedor principal nem toma parte dessa situação. O
devedor originário não anui. Essa assunção de dívida pode ser sub-
classificada em liberatória e cumulativa:
o assunção por expromissão liberatória: o devedor primitivo se
exonera, ingressando um novo devedor, liberando o devedor
antigo;
o assunção por expromissão cumulativa: o expromitente entra como
um novo devedor, mas ao lado do devedor primitivo. O devedor
primitivo não é exonerado nessa circunstância.
• Assunção de delegação: o devedor originário participa dessa relação,
transferindo débito para terceiro, com a anuência do credor. Esta é a mais
comum de ocorrer.
O art. 300 consagra como regra geral que devem ser consideradas extintas todas as
garantias especiais dadas ao credor originário, salvo com consentimento expresso do devedor
primitivo.
Isso significa que as garantias especiais dada pelo credor primitivo, serão consideradas
extintas, pois ele está exonerado. O novo devedor passará a responder, salvo se houver
consentimento expresso do devedor primitivo, no sentido de que as garantias por ele prestadas
continuam valendo.
Sendo anulada a assunção de dívida, restaura-se o débito. Sendo ele restaurado, serão
restauradas também as suas garantias, salvo garantias prestadas a terceiros, com exceção do
caso em que terceiros conheciam o vício da assunção (art. 301).
Ou seja, a assunção de dívida é negócio jurídico, podendo ser anulado. Se for anulado,
terá efeitos retroativos, motivo pelo qual o devedor primitivo, que outrora estava exonerado,
não mais está. Há o retorno ao status anterior, devendo voltar tudo ao normal, inclusive às
garantias especiais.

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Aurélio Bouret

No que toca ao terceiro, esta garantia que tinha prestado não volta, salvo se o terceiro
tivesse conhecimento desse vício anteriormente, situação na qual também voltará como
garantidor.
Na assunção de dívida, não poderá o novo devedor opor ao credor as exceções pessoais
que competiam ao devedor primitivo. Ou seja, o novo devedor não poderá opor exceções
pessoais pertencentes ao devedor primitivo.
Ademias, o adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do
crédito garantido. Se o credor, notificado, não impugnar em 30 dias a transferência do débito,
entender-se-á dado o assentimento.

10.4. CESSÃO DE CONTRATOS

A cessão contratual não está regulamentada em lei, mas ainda assim é válida. Trata-se
de um negócio jurídico atípico.
É a transferência da inteira posição ativa ou passiva na relação contratual. O que há é a
cessão da posição contratual.
Na maioria das vezes, nos contratos, as partes são mutuamente credores e devedores
de obrigações. Trata-se de uma relação complexa, já que se trata de uma cessão de um
complexo de direitos e obrigações.
Para que haja a cessão contratual, é indispensável que haja o consentimento do outro
contratante.
Isso porque o contrato faz lei entre as partes, obrigando as partes que contrataram. O
princípio que orienta os contratos é o princípio da relatividade.
Ex.: no mandato, o sujeito faz um substabelecimento, situação na qual cede a posição
de mandatário. Isto é, há uma cessão contratual.

11. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

11.1. INTRODUÇÃO

Tem-se como inadimplemento o não cumprimento da obrigação, ou seja, devedor que


não cumpriu; credor que não foi buscar; não faz o que deveria ter sido feito; fazer o que não era
pra ser feito; não entregar o que era pra ser entregue; não restituir o que era pra ser restituído;
inadimplemento por culpa ou sem culpa etc.
O inadimplemento deveria ser uma exceção na relação obrigacional. E esse não
cumprimento da obrigação pode se dar:
• por ato culposo do devedor: a expressão “culpa” é aplicada em sentido lato,
abrangendo tanto a culpa stricto sensu - imprudência, negligência e imperícia - como o
dolo;
• por fato não imputável ao devedor: quando o inadimplemento da obrigação ocorrer
sem culpa do devedor, ou seja, ocorrência de fato invencível, fortuito ou de força maior.

11.2. INADIMPLEMENTO POR ATO CULPOSO DO DEVEDOR (ARTIGO 389 DO CC)

O inadimplemento por ato culposo do devedor pode ser absoluto ou relativo.

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Aurélio Bouret

11.2.1. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO

Quando ocorre o total descumprimento da obrigação, de modo que a obrigação não


possa ser mais cumprida ou não for mais útil ao credor - artigo 389 e 402 do CC.
Ex.: “A” se compromete a entregar a “B” um carro no dia de amanhã, mas hoje, “A”
sofre acidente acarretando em perda total do veículo. Não há como efetivar a entregar o veículo
à “B” por impropriedade do bem e consequente inadimplemento absoluto da obrigação.
Ex.: Noiva contrata “A” para confeccionar seu vestido de noiva. Na data estipulada para
a realização do casamento, a profissional não entrega/não faz a vestimenta. Embora possa ser
entregue após o casamento, o cumprimento a posteriori não é interessante à credora, por
inutilidade do bem.
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.”
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas
ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de
lucrar.”

11.2.2. INADIMPLEMENTO RELATIVO

Ocorre quando há o atraso, somente, ou seja, a obrigação não é cumprida no


tempo/vencimento que deveria. Porém é possível seu cumprimento posterior, como forma de
minimizar os impactos do atraso.
Inadimplemento relativo é também chamado de instituto da mora, que ocorrerá
quando o pagamento não é feito no tempo, lugar e forma convencionados.
O inadimplemento decorrente de ato culposo do devedor enseja ao credor o direito de
acionar o mecanismo sancionatório do direito privado para pleitear o cumprimento forçado da
obrigação ou, na impossibilidade deste se realizar, a indenização cabível – sempre que houver
culpa no não cumprimento da obrigação haverá fixação de indenização. Somente
quando o não cumprimento resulta de fato que lhe seja imputável se pode dizer, corretamente,
que o devedor falta ao cumprimento. Ou seja, quando o devedor não cumpre a obrigação deve-
se analisar o motivo pelo qual não houve esse cumprimento, pois, via de regra, o devedor não
responde pelo extraordinário, visto se tratar de acontecimentos que não decorrem da vontade
humana.
Por exemplo, não entrega o bem na data estipulada, tendo em vista a ocorrência de
enchente que ocasionou a deterioração da coisa.
Qualquer que seja a prestação prometida (dar, fazer ou não fazer), o devedor está
obrigado a cumpri-la, e tem o credor o direito de receber exatamente o bem, serviço ou valor
estipulado na convenção, não sendo obrigado a receber coisa diversa, ainda que mais valiosa
(art. 313, do CC).
Como explanado, no inadimplemento relativo temos o fenômeno da mora em razão do
atraso no cumprimento da obrigação. Portanto, a mora pode ser tanto do devedor quanto do
credor, vejamos:

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Aurélio Bouret

11.2.2.1. MORA DO DEVEDOR

Também chamado de mora debendi; mora solvendi; mora debitoris – configura-se mora
do devedor quando ocorre o descumprimento ou cumprimento imperfeito da obrigação por
parte deste, por causa a ele imputável.
Veja que somente haverá responsabilidade do devedor pela mora, quando houver culpa
deste em relação ao não cumprimento da obrigação.
É preciso dívida líquida e certa; dívida exigível e, vale lembrar que, se a obrigação tem
vencimento certo, a regra é de que a mora seja ex re, é preciso viabilidade do cumprimento
tardio da obrigação.
Sobre viabilidade, não é justo analisar se é viável mediante arbítrio do devedor, mas
deve partir de uma análise objetiva. O enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil adverte que
a análise da viabilidade ou não do cumprimento tardio da obrigação deve ser feita
objetivamente e de acordo com a boa-fé. É o que preceitua o parágrafo único, do artigo 395 do
CC.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.

Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este


poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

A mora pode ser de duas espécies:


• mora ex re (em razão de fato previsto na lei): configura-se quando o devedor nela
incorre automaticamente, sem necessidade de qualquer ação por parte do credor, o
que sucede:
o quando a prestação deve realizar-se em um termo prefixado e se trata de dívida
portável. O devedor incorrerá em mora ipso iure desde o momento do
vencimento dies interpellat pro homine – o dia interpela pelo homem;
o nos débitos derivados de um ato ilícito extracontratual, em que a mora começa
no exato momento da prática do ato;
o quando o devedor houver declarado por escrito que não pretende cumprir a
prestação.
• mora ex persona: dá-se a mora ex persona em todos os demais casos. Será, então,
necessária uma interpelação ou notificação por escrito para a constituição em mora.
o Ex.: em um contrato de empréstimo em que “A” empresta veículo a “B”, sem
que houvesse estipulação da data de devolução. Para que haja exigência da
devolução do veículo, é necessário que “A” constitui “B” em mora, e assim o faz
através de interpelação ou notificação.
A mora do devedor gera dois efeitos básicos:
• A responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao credor (art. 395, do CC).
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros de
mora, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.”

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Aurélio Bouret

• Durante a mora, o devedor é responsável pela integridade da coisa devida,


ainda que o dano resulte de caso fortuito ou força maior (inadimplemento
objetivamente imputável – perpetuatio obligationis – art. 399).

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora


essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem
durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda
quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Em suma, o devedor não responde pelo extraordinário, via de regra. No entanto, se o


devedor não cumpre a obrigação de forma voluntária por culpa ou dolo, tem-se configurado o
inadimplemento absoluto ou a incidência de mora, ou seja, é o que chamamos de
inadimplemento subjetivamente imputável.
Por outro lado, o devedor responderá pela impossibilidade da prestação, quando
ocorrer o que chamamos de inadimplemento objetivamente imputável, ou seja, quando no
momento em que ocorreu o caso fortuito ou força maior o devedor estava inadimplente perante
o credor, salvo se provar que o extraordinário teria acontecido de qualquer forma, ou seja,
estando o bem em suas mãos ou não.

11.2.2.2. MORA DO CREDOR

Também chamada de mora cedendi, mora accipiendi ou mora creditoris – professor


Silvio Rodrigues diz que a mora do credor existe e a análise da culpa do credor é desnecessária
– ou seja, mesmo que a culpa não esteja presente haverá responsabilidade do credor.
Dessa forma, em uma obrigação quérable, por exemplo, em que o credor deve ir até o
devedor para buscar um cavalo e não o faz na data estipulada. Quem responde pelo
inadimplemento é o credor.
Segundo o jurista Washington de Barros Monteiro,

configura-se a mora do credor quando ele se recusa a receber o pagamento no


tempo e lugar indicados no título constitutivo da obrigação, exigindo-o por forma
diferente ou pretendendo que a obrigação se cumpra de modo diverso. Decorre ela,
pois, de sua falta de cooperação com o devedor para que o adimplemento possa ser
feito do modo como a lei ou a convenção estabelecer (art. 395, do CC).

Constituem efeitos da mora do credor:

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela
conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em
conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o
seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

• 1ª parte: se o credor não recebe a coisa, durante o tempo que o devedor


ficar com a coisa não responde pela conservação, salvo se agir com dolo.
• 2ª parte: se o devedor tiver despesa para conservar a coisa, o credor deve
indenizar o devedor.
• 3ª parte: se houver uma obrigação a ser cumprida em determinada data,
considera-se o valor do dia. Caso o pagamento não tenha sido feito no dia
por culpa do credor, será considerado o valor mais benéfico ao devedor
entre estas datas.

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Aurélio Bouret

disso, é possível que as partes, de antemão, - As arras podem ser confirmatórias ou


consignem no contrato a possibilidade de penitenciais:
cláusula penal em caso de não cumprimento
a) Confirmatórias: reforçam a
da obrigação.
obrigatoriedade contratual; cumulável com
- A cláusula penal embutida no contrato não perdas e danos ou execução parcial da
pode ultrapassar o valor da obrigação obrigação.
principal.
Nessa modalidade de arras, a parte dá o
- Segundo entendimento recente no STJ no sinal, mas deve ser devolvido no momento
informativo n° 627, é possível a redução de em que o negócio jurídico é efetivado ou
cláusula penal de ofício pelo juiz, quando compensado.
excessiva.
b) Penitenciais: viabiliza eventual
- Têm-se duas modalidades de cláusula arrependimento; não admite cumulação
penal: com perdas e danos. Servem como forma de
indenização em caso de desistência da
a) Moratória: é fixada para o caso de
celebração do negócio jurídico.
inadimplemento relativo e admite
cumulação com pedido indenizatório
(cláusula penal + indenização);
b) Compensatória: é fixada para o caso de
inadimplemento absoluto; é uma forma de
antecipação das perdas e danos, mas não
admite cumulação com indenização.

Constatado o caráter manifestamente excessivo da cláusula penal contratada, o


magistrado deverá, independentemente de requerimento do devedor, proceder à
sua redução. Fundamento: CC/Art. 413. A penalidade deve ser reduzida
equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou
se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a
natureza e a finalidade do negócio. STJ. 4ª Turma. REsp 1.447.247-SP, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 19/04/2018 (Info 627).

Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras


com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in
idem.Ex: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma
incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-
se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início
do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia
uma cláusula penal compensatória prevendo que, em caso de inadimplemento por
parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das prestações que foram pagas
por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos que, após pagar 30
parcelas, João tenha parado de pagar as prestações. Neste caso, João perderá
apenas as arras, mas não será obrigado a pagar também a cláusula penal
compensatória. Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da
cláusula penal compensatória. Logo, decretada a rescisão do contrato, fica a
incorporadora autorizada a apenas reter o valor das arras, sem direito à cláusula
penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
26/09/2017 (Info 613).

Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado evidenciar


que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode declarar a perda

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Aurélio Bouret

integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias fosse, sendo legítima a
redução equitativa do valor a ser retido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.513.259-MS, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/2/2016 (Info 577).

QUESTÕES

1- (FCC – Juiz Substituto – MS/2020) O pagamento


a) feito de boa-fé ao credor putativo é válido, salvo se provado depois que ele não era credor.
b) deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de
por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.
c) não vale quando cientemente feito ao credor incapaz de quitar, em nenhuma hipótese.
d) autoriza-se a recebê-lo o portador da quitação, fato que origina presunção absoluta.
e) feito pelo devedor ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da
impugnação a ele oposta por terceiros, não valerá contra estes, que poderão constranger o
devedor a pagar de novo, prejudicado o direito de regresso contra o credor.
2- (FCC – Juiz Substituto – MS/2020) Quanto à mora e às perdas e danos, é correto afirmar:
a) A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da
coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la e sujeita-o a
recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia
estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.
b) Havendo fato ou omissão imputável ao devedor, este não incorre em mora.
c) Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora a partir do
ajuizamento da ação indenizatória correspondente.
d) O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, salvo, em qualquer caso,
se essa impossibilidade resultar de caso fortuito ou força maior.
e) Salvo se a inexecução resultar de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos
efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na
lei processual.
3- (VUNESP – Juiz Substituto – RJ/2019) Uma dívida prescrita, o penhor oferecido por terceiro,
uma dívida de jogo e a fiança representam, respectivamente, obrigação:
a) com Schuld sem Haftung, com Haftung sem Schuld próprio, com Schuld sem Haftung e com
Haftung sem Schuld atual.
b) sem Schuld e sem Haftung, com Haftung sem Schuld próprio, com Schuld sem Haftung e com
Haftung sem Schuld atual.
c) com Schuld sem Haftung, com Haftung sem Schuld próprio, sem Schulde sem Haftung e com
Haftung sem Schuld atual.
d) com Haftung sem Schuld, com Haftung sem Schuld atual, com Schuld sem Haftung e com
Haftung sem Schuld próprio.
e) com Haftung sem Schuld, com Schuld sem Haftung, com Haftung sem Schuld atual, e com
Haftung sem Schuld próprio.
4- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RO/2019) Tício cedeu onerosamente um crédito que
tinha contra Mélvio para Caio, constante de um instrumento particular de confissão de

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Aurélio Bouret

dívida. No instrumento de cessão, constou que o cedente não se responsabiliza pela


solvência do devedor, mas era omisso acerca da responsabilidade pela existência do crédito.
Apesar de notificado da cessão do crédito, Mélvio não se manifestou. No dia do vencimento
da dívida, entretanto, Mélvio alegou que o crédito foi obtido mediante coação realizada por
Tício. A suposta coação ocorreu há exatamente três anos e um dia. Acerca do caso
hipotético, pode-se corretamente afirmar que
a) caso provada a coação, não responderá Tício a Caio pelo valor devido, tendo em vista que
somente se responsabilizaria se houvesse previsão expressa no termo de cessão.
b) caso provada a coação, responderá Tício a Caio pelo valor devido, mesmo não havendo
previsão expressa no termo de cessão.
c) somente seria oponível a Caio a alegação de coação se este soubesse ou devesse saber
acerca da existência do vício do consentimento.
d) a alegação da ocorrência de coação não é oponível a Caio, tendo em vista que Mélvio deveria
ter, imediatamente após tomar conhecimento da cessão do crédito, alegado a existência do
vício de consentimento.
e) decorreu o prazo decadencial para que Mélvio pudesse pleitear a desconstituição do crédito
em razão do vício de consentimento.
5- (FCC – Juiz Substituto – AL/2019) Acerca das preferências e privilégios creditórios, segundo
o Código Civil, considere as seguintes proposições:
I. O credor por benfeitorias necessárias tem privilégio geral sobre a coisa beneficiada.
II. O crédito real prefere ao crédito pessoal privilegiado.
III. O crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor goza de privilégio especial.
IV. Os credores hipotecários conservam seu direito sobre o valor da indenização mesmo se a
coisa hipotecada for desapropriada.
V. Direitos reais não são títulos legais de preferência, embora confiram prioridade sobre o
produto da alienação.
É correto o que se afirma APENAS em
a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) III e V.
e) IV e V.
6- (FCC – Juiz Substituto – AL/2019) Por conta de mútuo oneroso, João devia a Teresa a
importância de cem mil reais. No intuito de ajudar o amigo em dificuldade, Leopoldo assumiu
para si a obrigação de João, para o que houve expressa anuência de Teresa. Nesse caso,
a) João ficará exonerado da dívida, salvo se Leopoldo, ao tempo da assunção, fosse insolvente e
Teresa ignorasse essa sua condição.
b) Leopoldo poderá opor a Teresa as exceções pessoais que competiam a João.
c) se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito de João, sem nenhuma
garantia, independentemente de quem a tenha prestado.
d) preservam-se as garantias especiais originariamente dadas a Teresa por João,
independentemente do assentimento dele.

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Aurélio Bouret

e) João responderá apenas pela metade da dívida, ainda que Leopoldo não cumpra a obrigação
assumida perante Teresa.
7- (FCC– Promotor de Justiça Substituto– MT/2019) No tocante ao pagamento,
a) não é lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas, pela insegurança
patrimonial causada ao devedor.
b) o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, salvo se mais
valiosa, pois nesse caso faltará interesse econômico à rejeição.
c) quando feito de boa-fé ao credor putativo é válido, salvo se provado depois que não era
credor.
d) em qualquer hipótese considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da
quitação, pela presunção legal absoluta daí decorrente.
e) o terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a
reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor; se pagar antes de
vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento.
8- (FCC – Promotor de Justiça Substituto – MT/2019) Em relação às obrigações de dar coisa
certa, é correto afirmar que,
a) como regra geral, a obrigação de dar coisa certa não abrange os acessórios, salvo se o
contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.
b) se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da
tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos
até o dia da perda.
c) sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado
em que se acha, nesses casos sem direito a reclamar perdas e danos.
d) até a tradição, pertence a coisa ao credor, com seus acréscimos, pelos quais poderá exigir
aumento do preço, com ou sem anuência do devedor.
e) deteriorada a coisa, sem culpa do devedor, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar
a coisa, nesse caso sem abatimento do preço pela referida ausência de culpa do devedor.
9- (MPE/SP – Promotor de Justiça Substituto – SP/2019) Gabriel Vieira, Paulo Martins, Carlos
Andrade e Marcelo Pereira emprestaram de Jorge Manuel a quantia de R$ 400.000,00
(quatrocentos mil reais) para a compra de um carro esportivo. As partes estabeleceram que
o referido valor seria dividido em quatro parcelas iguais e sucessivas bem como que todos
os devedores ficariam obrigados pelo valor integral da dívida.
Diante dessa situação, assinale a alternativa correta.
a) O pagamento parcial feito por Carlos e a remissão dele obtida pelo credor Jorge Manuel não
aproveitam aos outros devedores, senão até a concorrência da quantia paga ou relevada.
b) Se houver atraso injustificado no cumprimento da obrigação por culpa de Paulo, somente
este responderá perante Jorge Manuel pelos juros da mora decorrentes do atraso.
c) Se Gabriel falecer deixando herdeiros, o credor Jorge Manuel poderá cobrar de qualquer um
dos herdeiros a integralidade da dívida.
d) A propositura de ação pelo credor Jorge Manuel contra Paulo e Carlos importará na renúncia
da solidariedade em relação a Gabriel e Marcelo.

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146
Aurélio Bouret

e) Sendo Paulo demandado judicialmente pelo total da dívida, pode ele opor ao credor Jorge
Manuel as exceções que lhe forem pessoais, as comuns a todos, além das exceções pessoais
dos demais codevedores, por se tratar de obrigação solidária.
10- (MPE/SC – Promotor de Justiça – Matutina – SC/2019) Nos termos do Código Civil, quanto
ao lugar do pagamento, efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes
convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou
das circunstâncias. Designados dois ou mais lugares, cabe ao devedor escolher entre eles.
( ) Certo
( ) Errado
11- (CESPE – Defensor Público – DF/2019) Tendo como referência as disposições do Código Civil
a respeito de sucessão provisória, perdas e danos e venda com reserva de domínio, julgue o item
subsecutivo.
As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, devem compreender as custas e
os honorários advocatícios e, além da atualização monetária, os juros de mora a partir do
descumprimento contratual.
( ) Certo
( ) Errado
12- (CESPE – Juiz Substituto – SC/2019) A multa estipulada em contrato que tenha por objeto
evitar o inadimplemento da obrigação principal é denominada
a) multa penitencial.
b) cláusula penal.
c) perdas e danos.
d) arras penitenciais.
e) multa pura e simples.
13- (CESPE – Juiz Substituto – PR/2019) De acordo com o Código Civil, nas consignações em
pagamento, o ato de depósito efetuado pelo devedor faz cessar
a) os riscos, mas os juros da dívida continuam a correr até a declaração de aceitação do credor.
b) os riscos e os juros da dívida, podendo o devedor requerer o levantamento do depósito
mesmo após a aceitação do credor.
c) os juros da dívida e impede o levantamento do valor depositado pelo devedor até que seja
aceito ou impugnado pelo credor.
d) os riscos e os juros da dívida; uma vez declarada a aceitação pelo credor, o depósito não
mais pode ser levantado pelo devedor.
14- (CESPE – Promotor de Justiça Substituto – PI/2019) Acerca do conceito, das formas e de
consequências das obrigações, é correto afirmar que
a) a lei é uma fonte de obrigações, porque estabelece o dever de cada indivíduo em função de
seu comportamento, o que não é viável pela vontade humana ou manifestação volitiva.
b) a responsabilidade objetiva cria obrigações que são verificadas independentemente da
configuração da ilicitude ou licitude da conduta do agente, bastando, para isso, verificar o
nexo causal entre a ação do ofensor e o dano.

144

147
Aurélio Bouret

c) o credor, em caso de obrigações por coisa certa, na impossibilidade de cumprimento do


acordado, poderá ser compelido a receber outra coisa desde que mais valiosa que a
inicialmente pactuada.
d) a obrigação que tenha por objeto prestação divisível poderá ser cumprida de forma parcial,
ainda que não tenha sido assim convencionado anteriormente pelas partes.
e) o comportamento desejado, em situação de obrigações de fazer, deverá ser desempenhado
pelo próprio devedor, sendo vedada a substituição do ato por terceiros, mesmo que isso
não gere nenhum prejuízo ao credor.
15- (MPE-PR – Promotor Substituto – PR/2019) Sobre pagamento, assinale a alternativa
correta:
a) O terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome se sub-roga nos direitos
do credor.
b) O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é sempre inválido.
c) A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.
d) O credor é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, se ela for mais valiosa.
e) É ilícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.
16- (FCC – Defensor Público – MA/2018) Lucas e Bruno realizaram um contrato de trato
sucessivo em que se estampava uma obrigação portável. Entretanto, reiteradamente, o
pagamento era feito de forma diversa da que fora pactuada, sem que os envolvidos
apresentassem objeção. Neste caso, os pagamentos realizados são:
a) inválidos, porque realizado de forma diversa daquela constante do instrumento da avença,
e o credor poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma constante do
instrumento da avença, uma vez que não há fundamento para se presumir a renúncia ao
previsto no contrato nessas circunstâncias.
b) válidos, e o credor não poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma
constante do instrumento da avença, uma vez que se presume que o credor renunciou ao
previsto no contrato.
c) inválidos, porque realizado de forma diversa daquela constante do instrumento da avença,
mas o credor não poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma constante
do instrumento da avença, uma vez que se presume que o credor renunciou ao previsto no
contrato.
d) válidos, mas o credor poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma
constante do instrumento da avença, uma vez que não há fundamento para se presumir a
renúncia ao previsto no contrato nessas circunstâncias.
e) válidos, e o credor não poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma
constante do instrumento da avença, uma vez que, apesar de não existir fundamento para
a renúncia, é caso de duty to mitigate the loss.
17- (FCC – Defensor Público – MA/2018) No direito das obrigações, a novação
a) exige a inequívoca intenção de novar, mas ela pode ser expressa ou tácita.
b) somente se configura caso se refira a todos os elementos da obrigação anterior, pois inexiste
novação parcial.
c) é presumida diante da modificação unilateral da forma de cumprimento da obrigação
originalmente estatuída.

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Aurélio Bouret

d) pode ser utilizada licitamente como meio de validar obrigações nulas ou extintas.
e) da obrigação principal não tem reflexos sobre as obrigações acessórias, tal como a fiança.
18- (VUNESP – Juiz Substituto – SP/2018) A solidariedade pode ser ativa ou passiva, mas não
se identifica com a indivisibilidade, pois,
a) nesta, a fim de que os devedores se exonerem para com todos os credores, exige-se o
pagamento conjunto ou mediante caução, enquanto naquela não se exige tal cautela; a
obrigação indivisível, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a
obrigação solidária conserva sua natureza; a remissão de dívida não extingue a obrigação
indivisível para com os outros credores, entretanto, extingue-a a solidariedade até o
montante do que foi pago, e pode a obrigação ser solidária e divisível ou indivisível e não
solidária.
b) nesta, a fim de que os devedores se exonerem para com todos os credores, exige-se o
pagamento conjunto ou mediante caução, enquanto naquela não se exige tal cautela; a
obrigação indivisível, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a
obrigação solidária conserva sua natureza; a remissão de dívida não extingue a obrigação
indivisível para com os outros credores, entretanto, extingue-a a solidariedade, até o
montante do que foi pago, não podendo, porém, a obrigação ser solidária e divisível ou
indivisível e não solidária.
c) naquela, para que os devedores se exonerem com todos os credores, exige-se o pagamento
conjunto ou mediante caução, enquanto nesta não se exige tal cautela; a obrigação
solidária, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a obrigação
indivisível conservará sua natureza; a remissão de dívida não extingue a obrigação solidária
para com os outros credores, entretanto, extingue-a a obrigação indivisível, não podendo a
obrigação ser solidária e divisível ou não solidária e indivisível.
d) naquela, para que os devedores se exonerem com todos os credores, exige-se o pagamento
conjunto ou mediante caução, enquanto nesta não se exige tal cautela; a obrigação
solidária, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a obrigação
indivisível conservará sua natureza; a remissão de dívida não extingue a obrigação solidária
para com os outros credores, entretanto, extingue-a a obrigação indivisível, e pode a
obrigação ser indivisível e não solidária ou divisível e solidária.
19- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RS/2018) João emprestou a José, Joaquim e Manuel
o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); foi previsto no instrumento contratual a
solidariedade passiva. Manuel faleceu, deixando dois herdeiros, Paulo e André. É possível
afirmar que João poderá
a) cobrar de Paulo e André, reunidos, somente até o valor da parte relativa a Manuel, ou seja,
R$ 100.000,00 (cem mil reais), tendo em vista que o falecimento de um dos devedores
extingue a solidariedade em relação aos herdeiros do falecido.
b) cobrar a totalidade da dívida somente se acionar conjuntamente todos os devedores, tendo
em vista que o falecimento de um dos devedores solidários ocasiona a extinção da
solidariedade em relação a toda a obrigação.
c) cobrar de Paulo e André a totalidade da dívida, tendo em vista que ambos, reunidos, são
considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores; porém,
isoladamente, somente podem ser demandados pelo valor correspondente ao seu quinhão
hereditário.
d) cobrar o valor da totalidade da dívida de José, Joaquim, Paulo ou André, isolada ou
conjuntamente, tendo em vista que, após o falecimento de Manuel, resultou numa
obrigação solidária passiva com 4 (quatro) devedores.

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Aurélio Bouret

e) cobrar de Paulo ou André, isoladamente, a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais)


tendo em vista que o quinhão hereditário de Manuel é uma prestação indivisível em relação
aos herdeiros.
20- (MPE/MS – Promotor de Justiça Substituto – MS/2018) Considere como Verdadeiras (V) ou
Falsas (F) as proposições a seguir:
I. Quanto aos bens reciprocamente considerados, podemos afirmar que a pertença é um
acessório sobre o qual não incide o princípio da gravitação jurídica.
II. Na hipótese da inexecução de contrato, não é possível a cumulação da perda das arras com a
imposição da cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem.
III. É imprescritível a ação de investigação de paternidade e a de petição de herança, por abordar
direito fundamental, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.
IV. Os juros moratórios fluem do evento danoso tão somente nos casos de responsabilidade
aquiliana.
V. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide a partir da citação válida.
Assinale a alternativa correta da sequência:
a) V, V, F, F, V
b) V, F, V, V, V.
c) F, V, F, F, F.
d) F, F, V, V, V.
e) V, V, F, V, F.
21- (FCC – Defensor Público – Reaplicação – AM/2018) No tocante ao adimplemento e extinção
das obrigações, considere as afirmações a seguir:
I. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá o devedor
exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido. II. A sub-
rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo,
em relação à dívida, contra o devedor principal, mas não contra os fiadores, por se tratar a fiança
de contrato acessório e benéfico. III. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á
primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor
passar a quitação por conta do capital; essa regra não se aplica às hipóteses de compensação
tributária. IV. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas ou não, mas desde que
fungíveis entre si. V. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de
novação obrigações nulas ou extintas.
Está correto o que se afirma APENAS em
a) II, III, IV e V.
b) I, II, III e IV.
c) III, IV e V.
d) I, III e V.
e) I, II e IV.

GABARITO

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Aurélio Bouret

1. B
2. A
3. A
4. B
5. C
6. A
7. E
8. B
9. A
10. Errado
11. Errado
12. B
13. D
14. B
15. C
16. B
17. A
18. A
19. C
20. E
21. D

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Aurélio Bouret

CAPÍTULO 4 — DIREITO DOS CONTRATOS: TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

1. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

1.1. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS CONTRATOS

Previsto a partir do artigo 421, do Código Civil, contratos é a mais comum e mais
importante fonte de obrigação ao lado das declarações unilaterais de vontade (testamento) e
os atos ilícitos (responsabilidade civil).
O contrato constitui uma das principais formas de movimentação da economia, sendo,
portanto, o responsável pela circulação de riquezas. Tudo que fazemos gira em torno de relações
contratuais, por exemplo, se você compra um livro da editora “X”, tem-se um contrato; se você
recebe sinal de TV a cabo, há uma relação contratual. Há quem diga, ainda, que na seara do
direito de família, o casamento é espécie contratual.
Notadamente, nesta oportunidade, estudaremos sobre um ato jurídico lícito, ou seja, a
vontade humana prevista na elaboração do contrato está direcionada para as consequências do
ato. Por exemplo, se “A” celebra contrato de compra e venda de um celular com “B”, o contrato
é assinado por ambas às partes. Contudo, faz-se necessário a seguinte indagação: a vontade de
vender o celular é exteriorizada por meio da assinatura do contrato? Não, a vontade de “A” está
voltada para as consequências, ou seja, a entrega do celular e o recebimento do dinheiro.
Dessa forma, tem-se como contrato, espécie de negócio jurídico, que depende, para
sua formação, da participação de pelo menos duas vontades, sendo, portanto, negócios jurídicos
bilaterais (manifestação de duas vontades) ou plurilaterais (manifestação de mais de duas
vontades).
Logo, levando-se em consideração a classificação de negócio jurídico, todos os
contratos são negócios jurídicos bilaterais, porém, admite-se negócio jurídico unilateral.
Negócio jurídico bilateral é aquele que está direcionado a produção de vantagens, como
no contrato de doação pura, que é unilateral no que diz respeito à vantagem, mas com relação
à manifestação de vontade, é bilateral. Isso porque o doador manifesta-se a vontade de doar e
o donatário a vontade de receber, com a prevalência do silêncio em algumas situações (art. 539
do CC).
Em resumo: Quando se fala em contrato, tem-se um negócio jurídico bilateral ou
plurilateral, não existe contrato formalizado com uma única manifestação de vontade, pois,
neste caso, estaremos diante de ato unilateral. Diante disso, sempre que na classificação de
contratos houver unilateralidade, estará relacionada à produção de vantagens.
Segundos os ensinamentos do professor Clóvis Beviláqua: “contrato é acordo de
vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir relações jurídicas”.
A autonomia da vontade é um princípio clássico do direito contratual, tendo em vista
que a elaboração do contrato ocorre por meio da manifestação de vontade dos contratantes.
Consequentemente, o contrato de aperfeiçoa, pura e simplesmente, pela manifestação de
vontade, não há maiores formalidades.
Salienta-se ainda que, anteriormente, tínhamos a autonomia da vontade como um
princípio absoluto, o que não ocorre nos dias atuais. O anterior Código Civil (1.916) era um
sistema extremamente preocupado com questões patrimoniais, ou seja, buscava proteger tão
somente o patrimônio dos sujeitos. Havia figuras específicas neste código, por exemplo:

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152
Aurélio Bouret

(i) o homem que tomava as decisões nas relações familiares - o homem fixava domicílio
conjugal; ele que autoriza a esposa a trabalhar; o salário da esposa era regido pelo homem, bem
como, poderia ser retido por ele; o homem detinha o pátrio poder sob os filhos;
(ii) o testador nas relações sucessórias, poderia dispor livremente e da forma que
quisesse os seus bens;
(iii) os contratantes poderiam contratar da forma que melhor lhe convier; sobre o objeto
que quisesse; estipulavam as cláusulas contratuais; total ausência de aplicação da teoria da
imprevisão e aplicação do princípio pacta sunt servanda – o contrato faz lei entre as partes;
(iv) os proprietários poderiam utilizar a propriedade da maneira que pretendia.

1.2. FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS

Nesta seara, verificam-se alguns princípios basilares que regem o direito civil
contemporâneo, também chamado de “pedras de toque” do direito civil moderno, como:
princípio da socialidade, princípio da eticidade e princípio da operabilidade, concretude ou
simplicidade.
O princípio da função social dos contratos decorre do princípio da socialidade. Isto é,
continua-se presente a autonomia da vontade, mas, limitado pela “ética, boa-fé, probidade”. É
importante ponderar, que as expressões alhures mencionadas, encontra-se positivado no
Código Civil, em seu artigo 422, que diz: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Ademais, informa o princípio da operabilidade, concreto ou simplicidade que o direito
deve ser concretizado. Assim, para não engessar o direito, o legislador insere no ordenamento
jurídico cláusulas/normas gerais, conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem
interpretados no caso concreto.
Tem-se, portanto, como função social dos contratos, transmitir um sentido social. Em
outras palavras, “é a retirada do sentido egoísta enraizado desde o CC/16, para algo
extremamente preocupado com a coletividade”. Ou seja, o princípio da socialidade coloca as
avenças em um plano transindividual.
Nesse sentido, dispõe o artigo 421, do CC:
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato.”
A expressão “função social” é vaga, ou seja, trata-se de um conceito aberto, desse modo,
deve-se realizar uma interpretação do que venha a ser função social no caso concreto. É por isso
que é vedada a utilização do contrato como forma de “esmagamento social”. Por exemplo, não
é permitido em contrato de financiamento com instituição bancária, cláusulas que transcendem
os limites do egoísmo, ou seja, que rompe a função social do contrato e as bases do diploma
civilista, com utilização autoritária e exacerbada para satisfação da vontade das partes.
Com o advento do CC/2002 e segundo os ensinamentos de Judith Martins, atualmente,
vive-se a era da autonomia da vontade solidária, ou seja, os contratantes continuam tendo
autonomia da vontade, de modo que podem contratar com quem quiser; o objeto do contrato
é escolhido pelas partes; contratam quando querem e da forma que desejam, contudo, deve-se
observância a função social dos contratos.
Há uma grande probabilidade de ser cobrada em provas subjetivas a seguinte
indagação: Discorra acerca da função social do contrato e a autonomia da vontade contratual
Conclui-se, portanto, que a autonomia da vontade sempre esteve presente do campo
do direito civil, ao passo que se o sujeito não pode manifestar sua vontade, considera-se incapaz.

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Aurélio Bouret

Com efeito, enquanto a autonomia da vontade perante o sistema civilista revogado era absoluta,
hoje, continua-se coexistindo essa autonomia, mas com algumas limitações, o que não
descaracteriza o regime privado, mas aproxima-se com a preocupação com o coletivo, inerente
ao direito público.
Notadamente, nós tínhamos uma relação entre o direito público e direito privado
marcada por uma verdadeira dicotomia, ou seja, um não tinha relação com o outro. O direito
público era pensado para reger as relações de direito público, ou seja, do Estado. Por sua vez, o
direito privado, para reger as relações privadas, dos particulares. Tal dicotomia refere-se à
chamada summa divisio, e podemos citar como exemplo, a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais nas relações privadas.
Em decorrência da função social do contrato, importante se faz algumas ponderações:
• o contrato deve ser concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o
interesse público;
• o contrato não pode ser usado como instrumento de atividades abusivas, causando
dano à parte contrária ou terceiros;
• complementa a aplicação da boa-fé, pois, caso contrário, não se fala em preocupação
com o coletivo;
• questão de ordem pública, ou seja, verificando o magistrado que houve violação a
função social do contrato, ele poderá reconhecê-las de ofício. Tem-se como exemplo, a
boa-fé, função social do contrato, interpretação de cláusulas gerais, etc.;
• consoante às lições do professor Caio Mario: “A autonomia da vontade, à luz da função
social, somente sofrerá restrição quando em confronto com interesses sociais. Assim, é
fonte de equilíbrio social”.

2. PRINCIPIOLOGIA CONTRATUAL

São princípios clássicos dos contratos: autonomia da vontade, relatividade dos


contratos, obrigatoriedade dos contratos dentre outros. Nessa linha, tem-se, ainda, uma
principiologia contemporânea, consubstanciada a luz do direito civil constitucionalizado, de
modo que a interpretação do direito privado deva ser realizada conforme regras e ditames da
Constituição Federal.

2.1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

O princípio da autonomia da vontade nos conduz a uma liberdade contratual, de modo


que a pessoa é livre para contratar; estipular cláusulas contratuais; escolher com quem irá
contratar; a escolha do objeto contratual.
Hodiernamente, tem-se uma autonomia da vontade que não é absoluta, ou seja,
comporta algumas limitações, e estas, por sua vez, podem ser visualizadas por meio da função
social dos contratos e de cláusulas gerais, como é o caso da boa-fé objetiva.
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato.”

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Aurélio Bouret

2.1.1. ENUNCIADOS DA JORNADA DE DIREITO CIVIL

Enunciado 21: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação
a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.”
• Tem-se como exemplo de terceiro atuando na relação contratual, na estipulação em
favor de terceiro.
Enunciado 22: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e
justas.”
• Dessa forma, sempre que houver a possibilidade de desfazimento do contrato, pela
aplicabilidade da teoria da imprevisão, por exemplo, deve-se verificar a possibilidade
de conservação do contrato antes do seu desfazimento. A conservação do contrato
ocorre justamente em razão da função social do contrato.

Enunciado 23: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código
Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o
alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Enunciado 166: “A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a
impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito
brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil.”

Enunciado 167: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação
principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que
respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma
nova teoria geral dos contratos.

• Teoria geral dos contratos assentada na boa-fé objetiva.


Enunciado 360: “O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna
entre as partes contratantes.”
• Muito embora a função social do contrato seja vista com uma preocupação com a
coletividade, a função social em sentido stricto sensu, está intimamente ligada à
própria essência contratual do que temos atualmente. Ex.: ser ético no contrato, ter
boa-fé – ou seja, a função social é aplicada no que diz respeito à intimidade dos
contratantes.
Enunciado 361: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de
modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva,
balizando a aplicação do art. 475.”
O entendimento sumular 302 do STJ prevê uma forma de descumprimento da função
social do contrato e limita a autonomia da vontade, in verbis: “É abusiva a cláusula contratual
de plano de saúde que limita o tempo de internação hospitalar do segurado."

2.2. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA

A liberdade de contratar pode gerar desequilíbrio e exploração econômica dos mais


fracos, principalmente, em setores mais sensíveis, onde há uma fiscalização do estado nos

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Aurélio Bouret

contratos privados que tenham uma atuação maior no direito público – coletividade - do que no
direito privado, é o que chamamos de dirigismo contratual. Por exemplo, os contratos de
telecomunicações, de seguros, de sistema financeiro, etc.
Acerca do seguro de vida, entendeu o STJ quando da edição do Informativo 594:

Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de seguro de


automóvel quando o causador do sinistro – preposto da empresa segurada – estiver
em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio
ocorreria independentemente dessa circunstância. STJ. 3ª Turma. REsp 1.485.717-
SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016 (Info 594).

Nesse trilhar, prevê o artigo 2035, parágrafo único, do Código Civil.

Artigo 2035, parágrafo único: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar


preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para
assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

O dispositivo acima assinalado é bastante estudado quando falamos em LINDB, haja


vista que uma lei nova, quando entra no ordenamento jurídico, é aplicada imediatamente,
inclusive em casos pendentes. Porquanto, com a vigência do CC/2002, houve a aplicação
imediata das novas regras civis assentados sobre os novos princípios, aos contratos que se
encontravam em andamento, ou seja, aqueles de trato sucessivo.
Dessa forma, o dirigismo contratual decorre justamente da preocupação com a função
social do contrato e a dignidade da pessoa humana no âmbito contratual.
Embora no dirigismo contratual tenha a atuação firme e efetiva do estado na fiscalização
de contratos privados, alguns doutrinadores, sobretudo, defendem que o dirigismo contratual
é o mesmo que publicização do direito privado, o que é equivocado. Pois, em verdade, dirigismo
contratual trata-se do princípio da supremacia da ordem pública no âmbito dos contratos e, por
outro lado, publicização do direito civil estaria intrinsecamente ligado a uma
constitucionalização do diploma civilista, o que é muito mais amplo.

2.3. PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO

Pelo princípio do consensualismo, os contratos se formam pela manifestação da


vontade e, via de regra, a forma é livre, conforme mencionado quando do estudo dos elementos
de existência do negócio jurídico – agente, vontade, objeto e forma.
Forma, portanto, é a exteriorização da vontade, e a lei não impõe forma específica, no
entanto, quando a lei exigir forma ou solenidade específica, deve ser compulsoriamente
observada, pois, caso contrário, o contrato será nulo - conforme alusão ao artigo 166, do Código
Civil.
Tem-se como exemplo do princípio em comento: quando “A” pergunta a “B” se este
deseja comprar um celular, e este diz que sim, o contrato está formado e pode-se exigir o
adimplemento contratual. Mesmo que o bem ainda esteja com “A”, isso porque, nesse contrato,
a lei não impõe a tradição (entrega do bem).
Ademais, como mencionado, para formar um contrato não se faz necessário a tradição.
Porém, o direito real só se transmite com a observância dos artigos 1226 e 1227 do CC, ou seja,
se o bem for móvel, será com a tradição (entrega), sendo o bem imóvel, a transmissão se dará
com o registro ou tradição solene.

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Aurélio Bouret

Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo


objeto é um bem móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo
que foi pactuado, em nenhum momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e transfere
esse mesmo bem a um terceiro, o bem será do terceiro, porque houve a tradição.
Nesse contexto, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, NÃO
poderá pleitear ação reivindicatória, tendo em vista que este nunca foi proprietário. Todavia,
ante a formalização do contrato que não foi adimplido, o sujeito terá duas opções: (i) exigir o
adimplemento contratual, se a obrigação for incerta ou; (ii) desfazimento do contrato
(devolução do montante + perdas e danos).
Importante: não confundir contratos que estabelecem obrigações com direitos reais.
Via de regra, os contratos são consensuais. Excepcionalmente, tem-se os contratos
reais, que se formam por meio da entrega da coisa, por exemplo, no contrato de comodato
(empréstimo de uso) e no contrato de depósito (cuidado com a coisa).

2.4. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS

Em regra, o contrato só produz efeitos em relação às pessoas que dele participam e que
manifestaram suas vontades. Todavia, de forma excepcional, pode atingir terceiro. Portanto,
trata-se de um princípio não absoluto.
O atingimento do terceiro ocorrerá, quando houver estipulação em favor de terceiro.
Exemplo disso ocorre no contrato de seguro de vida, em que os beneficiários do de cujus
poderão exigir o pagamento referente ao seguro.

2.5. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS

O princípio da obrigatoriedade dos contratos refere-se à intangibilidade dos contratos,


ou seja, força vinculante dos contratos. Dessa forma, uma vez contratado, as partes estão
obrigadas.
Pontos básicos: segurança jurídica + pacta sunt servanda - o contrato faz lei entre as
partes.
Atualmente, vive-se uma relativização da obrigatoriedade. A doutrina, por sua vez,
estabelece uma limitação clássica (existente desde o CC/16) e uma limitação moderna (criada
através do CC/02).
Logo, o inadimplemento da parte, ocorrerá em duas situações:
• Imputável: quando as consequências são atribuídas ao devedor. Podendo ser
inadimplemento subjetivamente imputável, quando o devedor agiu com culpa ou
inadimplemento objetivamente imputável quando a inexecução tenha decorrido de
fato alheio e não imputável ao devedor, como o fortuito e a força maior, mas ao tempo
do evento já estava em mora.
• Inimputável: é o inadimplemento cujas consequências não podem ser atribuídas ao
devedor, por ausência de culpa (Essa é a limitação clássica – artigo 393, parágrafo único,
CC).

2.6. PRINCÍPIO DA REVISÃO DOS CONTRATOS OU DA ONEROSIDADE EXCESSIVA

A teoria da imprevisão é uma mitigação moderna à obrigatoriedade dos contratos


(ausência no CC/16) – artigo 478 e 479, do CC.

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Aurélio Bouret

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma


das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor
pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à
data da citação.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta


entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.

Aplica-se a teoria da imprevisão: (i) nos contratos de execução continuada ou diferida;


(ii) quando houver desequilíbrio nas prestações; (iii) em contrato comutativo (aquele em que as
prestações estão previamente definidas).
Trata-se de circunstâncias não contemporâneas à formação do contrato. Os
contratantes, por sua vez, recorrem ao judiciário a fim de alterar o convencionado entre as
partes, no que tange as prestações futuras.
A teoria da imprevisão, também conhecida como cláusula rebus sic stantibus, é aquela
em que, ainda que não prevista no contrato primitivo, é inerente aos contratos de execução
continuada ou diferida. Logo, como se trata de cláusula implícita, gera revisão ou resolução do
contrato, mantendo-se o negócio íntegro, mas objetivando o equilíbrio entre os contratantes –
conservação do negócio jurídico e função social do contrato.
Pressupostos de incidência da teoria da imprevisão:
• Imprevisibilidade: é objetiva, ou seja, não há como ninguém prever;
o Atenção: a análise subjetiva está relacionada a imprevistos, e estes são não
aplicados na teoria da imprevisão.
• Excepcionalidade do fato;
• Desequilíbrio entre as prestações mesmo sem demonstrar o “efeito gangorra”: esse
efeito é aquele em que uma das partes detém vantagem e a outra não;
• Não se aplica aos contratos aleatórios.
Com a aplicação a teoria da imprevisão, deve-se observar a tentativa de manutenção da
conservação do contrato, mas caso não seja possível, faz-se necessário à resolução contratual.
É o que prevê o artigo 479, do CC.
Por derradeiro, calha mencionar, que o STJ reconhece a aplicação da teoria da
imprevisão aos contratos consumeristas, entendendo que é possível contabilizar imprevistos
para revisão de contratos dessa natureza, na qual chamamos de teoria da quebra da base.
Ademais, importante ponderar, que a teoria da imprevisão é inaplicável aos contratos
aleatórios, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO


CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE SOJA. ENTREGA FUTURA.

RESCISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. TEORIA DA IMPREVISÃO.

INAPLICABILIDADE.

1. Reconhecidas no acórdão de origem as bases fáticas em que se fundamenta o


mérito, não configura reexame de fatos e provas sua mera valoração.

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Aurélio Bouret

2. Nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é inerente ao


negócio. Nele não se cogita a imprevisão.

3. Agravo não provido.

(AgRg no REsp 1210389/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,


julgado em 24/09/2013, DJe 27/09/2013).

Contratos aleatórios, por sua vez, são aqueles que possuem a álea – risco - e envolvem
sorte ou azar aos contratantes. São modalidades de contrato aleatório: emptio spei – compra da
esperança – e emptio rei speratae – compra da coisa esperada.
Geralmente, no próprio contrato aleatório há a incidência de fatos imprevisíveis, desse
modo, se uma das partes propõe a outra, a entrega de sementes de tomates para plantio,
comprometendo-se a comprar todos os tomates que nascerem dessa safra, pelo valor de R$ 1,00
cada, na qual costumeiramente perfaz a produção de mil tomates. Independentemente da
quantidade de tomates que nascerem nesta safra, aquele que se obrigou, deve pagar pelo que
compactuou.
Obs.: se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea, é
possível a aplicação da teoria da imprevisão, tendo em vista que esta teoria é implícita nos
contratos aleatórios.
Tem-se como exemplo, o preço. Desse modo, se a parte se compromete a pagar um
dólar por tomate, e a moeda esteja valendo R$ 3,15. Havendo modificação na economia e
passando o dólar a valer R$ 1,00, haverá prejuízo a uma das partes.

2.7. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E PROBIDADE

Sob a perspectiva do Código Civil de 2002, especialmente no artigo 422, encontra-se


presente o princípio da probidade e da boa-fé, tendo como princípio básico, a eticidade.
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante
as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato.
O juiz presume a boa-fé, devendo a má-fé ser provado por quem alega. O previsto no
artigo 422, do CC, trata-se de uma cláusula geral, devendo ser interpretada no caso concreto.
A boa-fé se divide em:
• boa-fé subjetiva ou aspecto psicológico da boa-fé: trata-se da boa-fé interiorizada na
mente do sujeito; nas crenças internas de cada indivíduo;
• boa-fé objetiva ou aspecto ético da boa-fé: trata-se de um padrão comportamental
ético, pautada na confiança adjetivada – eticização da conduta social – na qual não oscila
de sujeito para sujeito. A boa-fé principiológica que estudamos é a objetiva.

2.7.1. TEORIA DO ABUSO DE DIREITO

No novo CC, a matéria do abuso de direito tem real destaque; é o novo regime dos atos
ilícitos.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes.

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Aurélio Bouret

Quando violada a boa-fé objetiva, ocorre à quebra da confiança, que tem como reflexo,
o cometimento do ato ilícito.
São vertentes da boa-fé objetiva em relação aos contratantes: dever de informação;
dever de proteção; dever de cooperação e dever de lealdade.
Atente-se, o inadimplemento não ocorre tão somente com o inadimplemento da
obrigação, mas também, com o adimplemento ruim da obrigação e, consequentemente, há
quebra da confiança, o que enseja o pagamento pelas perdas e danos. Convém mencionar ainda,
que a responsabilidade em decorrência de ato ilícito pelo abuso de direito, é objetiva, de forma
que o sujeito responderá independentemente de ter agido com culpa.
O dispositivo dispensa o “sentimento mau” e introduz o sistema da culpa social
residente no comportamento excessivo.
São figuras comuns que retratam o rompimento da confiança: venire contra factum
proprium; suppressio, surrectio, tu quoque, duty to mitigate the loss.

2.7.1.1. VENIRE CONTRA FACTUMPROPIUM

Pune o exercício do direito subjetivo quando se caracterizar abuso da posição jurídica,


ou seja, trata-se do aproveitamento da própria torpeza. Funda-se na proteção da confiança –
teoria dos atos próprios.
Requisitos:
• conduta inicial (factumproprium);
• confiança da parte contrária;
• comportamento contrário à conduta inicial (violador da legítima confiança);
• dano ou potencial dano a partir da contradição.
Constitui exemplo de venire contra factumproprium, a Súmula 370 do STJ, que diz: que
“caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”. Ex.: João realiza
compras na loja de José, e aquele, pergunta a José se ele aceita que o pagamento seja feito
mediante entrega de cheque pré-datado, José diz que sim (conduta inicial). João entrega o
cheque (confiança), mas no mesmo instante, José deposita o cheque (comportamento contrário
à conduta inicial). A responsabilidade civil de José, neste caso, é objetiva.
Resta caracterizado, portanto, abuso do direito, pois, muito embora José tenha o direito
de depositar o cheque, age com abuso de direito, ante a violação do dever de confiança.

2.7.1.2. SUPRESSIO E SURRECTIO

O supressio, expressão alemã verwirkun, é, a priori, a perda de um direito pelo seu não
exercício no tempo; um protelamento desleal do exercício de um direito.
Requisitos para caracterização da supressio:
• omissão no exercício de um direito;
• transcurso de um período de tempo;
• objetiva deslealdade;
• intolerabilidade do posterior exercício.

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Aurélio Bouret

Na surrectio, por sua vez, o raciocínio é o inverso; este configura o surgimento do direito
pelo costume ou comportamento de uma das partes; constituição de novo direitos.
São três os requisitos que caracterizam a surrectio:
• certo lapso de tempo;
• conjunção de fatores que apontem a criação deste novo direito;
• ausência de condições que impeçam a surrectio.
Verifica-se, portanto, que supressio e surrectio possuem o mesmo enfoque, onde tem
uma, tem-se presente a outra.
Ex.1: na convenção condominial de um prédio, ficou convencionado entre os
proprietários, que tais imóveis seriam utilizados para moradia, ou seja, imóveis residenciais –
quitinetes. Contudo, alguns proprietários passaram a alugar os referidos imóveis com o objetivo
de, ali, instalarem salas comerciais. Por longos anos, o condomínio era composto por salas
comercias e residenciais. Todavia, um ocupante das salas comerciais, passou a realizar
atividades com bastantes ruídos/barulhos, causando incomodo nos demais usuários. O
condomínio, por sua vez, ajuíza ação requerendo o cumprimento da convenção condominial, ou
seja, que tais imóveis fossem utilizados para fins de moradia, somente. O Tribunal entendeu que
já havia se passado muito tempo, para, só agora, requererem o cumprimento da convenção
condominial. De modo que, com o passar dos anos, a atividade comercial foi sendo tolerada
pelos condôminos, perdendo-se, portanto, o direito de exigir o disposto na convenção.
Ex. 2: em um contrato de locação ficou consignado que o locatário deveria realizar o
pagamento dos alugueres na imobiliária, no dia 10 de cada mês. Após a assinatura do contrato,
ficou estabelecido, verbalmente, que determinado funcionário da imobiliária passaria na
residência do locatário para recebimento dos alugueres, durante todos os meses de vigência do
contrato. Durante o primeiro ano, realizou-se dessa forma. Contudo, no 13º mês, o funcionário
não passou para receber o aluguel. Em contato com o locador, este alega ao locatário, que ele
deveria ir até a imobiliária realizar o pagamento, tendo em vista que haviam pactuado uma
dívida portável. Porém, veja que, consoante o disposto no artigo 330, do CC: “o pagamento
reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto
no contrato”. Dessa forma, não pode locatário cobrar multa em razão da mora.
Verifica-se, portanto, que o locador tem o direito de cobrar o aluguel, mas assim o faz,
com abuso do direito. Pois, para o locador ocorreu a supressio – perda do direito de exigir uma
dívida portável – e para o locatário, ocorreu a surrectio – direito de ter uma dívida quérable.

2.7.1.3. TU QUOQUE

A expressão tu quoque tem origem na frase dita pelo governante romano Júlio Cesar, a
seu filho adotivo Marcus Brutus: “Tu quoque, Brute, fili mi?”.
O fenômeno da tu quoque se encontra estampado no artigo 476 do CC, o qual se refere
à doutrina do exceptio non adimplente contractus, ou seja, exceção (defesa) do contrato não
cumprido.
Por exemplo, as partes convencionam que o veículo somente será entregue após o
pagamento de trinta mil reais. Porém, mesmo não efetuando o pagamento da obrigação, o
devedor ajuíza ação em face do credor, requerendo o adimplemento do contrato. O credor, por
sua vez, apresentará defesa alegando a tese da exceptio non adimplente contractus.
Dispõe o artigo 476 do CC:

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Aurélio Bouret

“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”
Igualmente, no âmbito dos contratos, pode ser consignado, ainda, a chamada cláusula
solve et repete, que trata-se da renúncia à exceção do contrato não cumprido. Ou seja, as partes
pactuam que, mesmo havendo o não cumprimento da obrigação por uma delas, à outra se
submete ao cumprimento da obrigação que lhe cabe.
Ademais, temos ainda, a exceção ao contrato não cumprido em relação ao modo de
cumprimento da obrigação, que ocorrerá quando a parte cumpre a obrigação que lhe compete,
mas o faz de maneira diversa. Isto é, viola o meio pelo qual deva ser cumprida a obrigação
pactuada. (Tema já cobrado em prova subjetiva)
Prevê o artigo 477 do CC:

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes
diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a
prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe
incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.

O dispositivo acima mencionado assegura o inadimplemento da obrigação de forma


antecipada, ou seja, a parte visualiza que a outra não conseguirá cumprir com o pactuado e, por
essa razão, também não cumpre o que lhe cabe.
Em outras palavras, a teoria da exceptio non adimpletii contractus assegura que, aquele
que descumpriu norma legal ou contratual, atingindo com isso determinada posição jurídica,
não pode exigir do outro o cumprimento do preceito que ele próprio já descumprira (não faça
aquilo que não quer que lhe façam) – espécie da teoria dos atos próprios.
Acerca do tema, disporá a Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de
proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima
inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

2.7.1.4. DUTY TO MITIGATE THE LOSS

Este instituto tem origem no direito norte-americano e tem seu reconhecimento


perante o STJ e na doutrina civilista. Trata-se, portanto, do dever de mitigar as próprias perdas.
Logo, tal instituto, é uma vertente da confiança e da boa-fé objetiva. Dessa forma,
embora o sujeito tenha o direito de exigir do devedor o adimplemento da obrigação, se o credor
não mitigar suas perdas, ou seja, reduzir as perdas, acaba por prejudicar o devedor. Além de
gerar desconforto sob a égide da função social do contrato, descumprem-se, também, as regras
de boa-fé objetiva por abuso de direito, sendo, o violador, responsabilizado civilmente,
independentemente de culpa.
É confirmado pelo enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal, que prevê:
“Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do
próprio prejuízo”.
Reflete a exigência imposta ao credor de atuar para minimizar os próprios danos, os
quais serão reparados posteriormente pelo devedor (autor do fato que gerou o dano), na
medida do possível.
Caso o credor não observe a incumbência imposta pelo ordenamento, deverá suportar
consequências de natureza econômica. Ou seja, deverá haver uma redução proporcional do
valor a ser pago como indenização, isto em razão do ato ilícito também praticado pelo credor

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Aurélio Bouret

(vítima do dano). Trata-se de parcial inadimplemento contratual (dever anexo de reduzir o dano)
que gera uma compensação.
Exemplos:
1ª hipótese: João verifica algumas faíscas de fogo saindo do motor de seu veículo, muito
embora o automóvel tenha seguro, João tenta conter o incêndio (mesmo que tenha danificado
parte do veículo).
2ª hipótese: por outro lado, se João, deixar que o fogo se espalhe, nada fazendo para
minimizar os prejuízos. Mesmo que João tenha direito de acionar a seguradora, também possui
o dever de reduzir as próprias perdas.
Sendo devidamente comprovada esta última situação, João age com abuso do direito,
tendo em vista que o mesmo não procurou evitar um prejuízo maior - com inobservância da
boa-fé objetiva no caso concreto.

3. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS

3.1. INTRODUÇÃO

De antemão, é importante memorar, que o princípio do consensualismo ganha


destaque, quando do estudado de contratos, isso porque, via de regra, os contratos são
formados pela manifestação de vontade. Todo contrato, é negócio jurídico bilateral ou
plurilateral, ou seja, deve ter, ao menos, duas manifestações de vontade.
Atente-se, o contrato também pode ser visualizado na doação pura, pois o doador
manifesta-se a vontade de doar e o donatário a vontade de receber.
Calhar mencionar que, excepcionalmente, temos os contratos reais, que se formam por
meio da entrega da coisa (tradição), como ocorre no contrato de comodato (empréstimo de uso)
e no contrato de depósito (cuidado com a coisa).
Ademais, em algumas situações, a lei exige certas formalidades/solenidades para a
formação dos contratos, trata-se da chamada ad solemnitatem, exemplo disso, é o que prevê o
artigo 108, do CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no
País”.

3.2. FASES PARA A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS

a) Negociações preliminares ou fase de puntuação: envolve as conversas prévias, ou


seja, é o momento em que as partes pontuam o que será contratado. No entanto, as
negociações preliminares não fazem parte do direito contratual (ou seja, não há vinculação
contratual) e, portanto, a responsabilidade civil nessa fase é aquilina, ou seja, trata-se de
responsabilidade civil extracontratual.
É importante ponderar que a responsabilidade civil decorrente das relações jurídicas
contratuais é uma responsabilidade civil contratual.
b) Fase de proposta ou policitação: tem-se o início da formação do contrato, que é feita
pela declaração/proposta do proponetente/policitante, e a aceitação, é feita pelo
aceitante/oblato. A proposta, por sua vez, trata-se de declaração receptícia de vontade,
devendo ser séria, concreta, pautada na boa-fé objetiva.
• Proponente ou policitante = denominação conferida àquele que faz a proposta.

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Aurélio Bouret

• Aceitante ou oblato = denominação conferida àquele que aceita a oferta.


"Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”
Atente-se: a proposta é vinculante – vincula o proponente. Dessa forma, a mera
proposta e aceitação da mesma, inicia a formação de um contrato, não necessitando da efetiva
entrega da coisa – tendo em vista que o contrato de compra e venda não se trata de contrato
real.
Somente os contratos reais se formam com a tradição. Diante disso, a propriedade de
bem móvel se transmite com a tradição, e de bem imóvel, através da tradição solene, ou seja,
com o registro, ou ainda, quando a lei exigir tal solenidade.
Cuidado! Sendo realizada a proposta, tem-se um contrato, e este, por sua vez, é fonte
de obrigação. Neste contexto, muito embora o objeto do contrato envolva um direito real que
é a propriedade do bem, não se pode confundir direitos reais com direitos obrigacionais. Haja
vista que o direito real é daquele que o credor entregou o bem, ainda que a entrega não seja
realizada para o efetivo comprador.
Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo
objeto é um bem móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo
que foi pactuado, em nenhum momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e transfere
esse mesmo bem a um terceiro, o bem será do terceiro, porque houve a tradição.
Ademais, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, NÃO poderá
pleitear ação reivindicatória, tendo em vista que este nunca foi proprietário.
Como dito, a proposta obriga o proponente, salvo no que tange as excepcionalidades
consignadas no artigo 427 do CC.
“Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos delaA, da natureza do negócioB, ou das circunstâncias do casoC.”
a) A oferta não obriga o proponente se contiver cláusula expressa a respeito. É quando o
próprio proponente declara que não é definitiva e reserva o direito de retirá-la. Muitas
vezes a aludida cláusula contém dizeres: “proposta sujeita a confirmação” ou “não vale
como proposta”. Isso faz com que o oblato (aceitante) tenha conhecimento de que o
proponente não se vincula.
• Nessa situação, tem-se a vontade do ofertante em não vincular-se.
b) A proposta não obriga o proponente em razão da natureza do negócio. É o caso, por
exemplo, das chamadas propostas abertas ao público que se consideram limitadas ao
estoque existente (artigo 429 do CC). Isto é, não há potestatividade do aceitante, pois,
pode-se ter algo alheio a vontade do ofertante na qual limita o nascimento do contrato
e obrigatoriedade da proposta;
• Nessa situação, em razão da própria da natureza do negócio, extrapola a
vontade do ofertante em se vincular do caso.
c) Em razão das circunstâncias do caso: não são quaisquer circunstâncias, mas as
mencionadas no artigo 428 do CC.
Dessa forma, disporá o artigo 428 do Código Civil:
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi
imediatamente aceita. Considera-se também presente a

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164
Aurélio Bouret

pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação


semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo
suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do
proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
Proposta feita entre Presentes (ou seja,
- - Sem prazo: deve ser imediatamente aceita,
pessoa presente, com comunicação sob pena de perder a eficácia (art. 428, I); é o
imediata, instantânea,como por exemplo, caso do “pegar ou largar”, se o oblato não
proposta feita por telefone). aceita de imediato, o policitante está
desobrigado.
- Com prazo: é obrigatória durante o prazo
assinado.

Proposta feita entre Ausentes (ou seja, sem


- - Sem prazo: perde a validade se a resposta
comunicação imediata ou instantânea, não chegar ao proponente em prazo
como por exemplo, proposta realizada por razoável - “prazo moral” - (art. 428, II). Tem-
carta, por e-mail). se como prazo razoável, uma cláusula geral,
que deve ser interpretada no caso concreto.
- Com prazo: é obrigatória durante o prazo,
não se formando o contrato se a aceitação
for expedida depois de vencido. Ou seja, a
aceitação deve ser exteriorizada/expedida
antes de escoado o prazo, ainda que chegue
ao conhecimento do proponente fora desse
prazo.

Obs.: as declarações que visem simplesmente à aproximação e o “convite a fazer oferta” não
configuram oferta.
Obs.: a oferta pode ser feita a pessoa indeterminada (oferta ao público), valendo, nesse caso,
como proposta e não como “convite a fazer oferta” (art. 429 do CC). Ex.: proposta realizada em
outdoor.

4. FORMAS CONTRATUAIS

4.1. CONTRATO PRELIMINAR

Dispõe o artigo 462 do CC:


“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos
essenciais ao contrato a ser celebrado.”
O contrato preliminar é um pré-contrato, ou seja, um contrato de promessa, que tem
por objeto a celebração de outro contrato no futuro.

165
Aurélio Bouret

Por exemplo, João se desloca até uma construtora e relata sua intenção em adquirir um
apartamento alocado no décimo andar de determinado prédio que mesma construirá. João
celebra contrato preliminar com a construtora, por meio de um contrato de promessa de
compra e venda.
Não se trata de um contrato de compra e venda, pois, quando se trata de bem imóvel
cujo valor excede a trinta salários mínimos, faz-se necessário a escritura pública. Contudo, para
haver escritura pública, é preciso ter o bem, mas o imóvel ainda não foi construído (não existe).
Dessa forma, com intenção de criar vínculo entre as partes, o que pode ser feito no
momento, é um contrato de promessa de compra e venda – ou seja, promete-se que será
realizado um contrato definitivo posteriormente.

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo


antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer
das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra
para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

“Art. 464. Esgotado o prazo (para que efetive o contrato definitivo), poderá o juiz, a
pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao
contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.”
“Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra
parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.”
“Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma
sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for
razoavelmente assinado pelo devedor.”
O contrato preliminar, também conhecido como pactum de contrahendo ou contrato
promessa, é aquele que tem por objetivo garantir a realização de um contrato definitivo.
Tal contrato possui caráter provisório, interino e apenas é celebrado quando as partes
se comprometem a convencionar, posteriormente, um contrato definitivo.
Normalmente é utilizado nos casos em que as partes têm interesse recíproco no negócio
jurídico, porém, por algum inconveniente momentâneo, a contratação definitiva é efetivada em
circunstância oportuna subsequente.
Não se confunde com acordos provisórios – minutas, esboços ou cartas de intenção e
negociações preliminares.
Notadamente, os contratos preliminares possuem as mesmas regras e requisitos do
contrato definitivo, exceto quanto à forma.
Entendimento sumular e enunciado acerca do tema:
Súmula 84 do STJ: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de
posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do
registro.”
Súmula 308 do STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou
posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes
do imóvel.”
Súmula 413 do STF: “O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados,
dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais.”
Enunciado 30 da Jornada de Direito Civil: “A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo
Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.”

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Aurélio Bouret

4.2. ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIROS – ARTIGOS 436 A 438 DO CC

Consigna o princípio da relativização dos contratos que, via de regra, os contratos


produzem efeitos entre as partes, ou seja, entre contratante e contratado. Todavia,
excepcionalmente, o contrato pode atingir terceiros.
Dessa forma, o instituto em comento, trata-se de uma hipótese de atingimento de
terceiro no contrato.
Exemplo disso é o seguro de vida, em que o sujeito celebra contrato com instituição
bancária, e neste caso, tem-se a estipulação de um beneficiário (terceiro). Contudo, o terceiro
somente atuará neste contrato, quando este produzir seus efeitos, que ocorrerá por meio da
morte do estipulante. Atente-se, a morte é termo no contrato de seguro de vida.
Consoante os ensinamentos do doutrinador Orlando Gomes: “A estipulação em favor
de terceiro é o contrato por via do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem patrimonial
gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual”.
Na estipulação em favor de terceiro, tem-se as seguintes figuras:
• estipulante (estipula a vantagem a terceiro);
• promitente (promete a cumprir algo relacionado ao terceiro) e;
• beneficiário (próprio terceiro)
Esse contrato se forma com o consentimento do estipulante e do promitente, sendo
necessário apenas que o terceiro (beneficiário) seja determinável (inclusive pessoa futura). É
importante ponderar que a estipulação em favor de terceiro é muito utilizada nos contratos de
seguro em geral, especialmente, nos seguros de vida e de veículo etc.
Regras:
• o terceiro torna-se credor do promitente. Podendo aquele, ajuizar ações em face do
promitente para assegurar seu direito, mesmo não sendo parte na relação contratual;
• o direito subjetivo do terceiro nasce com o contrato;
• o terceiro pode recusar-se a receber;
• se o estipulante falece antes de indicar o beneficiário: negócio jurídico é inexistente;
• se o beneficiário falece antes de tomar ciência: aplicam-se as regras de sucessão causa
mortis;
• se o beneficiário não detém legitimidade: negócio jurídico é nulo (art. 104 do CC/2002).
• o estipulante pode exigir o cumprimento da obrigação;
• o estipulante pode trocar o beneficiário por ato inter vivos ou causa mortis –
testamento.

4.3. PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO – ARTIGOS 439 E 440 DO CC

Prescreve o artigo 439 do Código Civil:


“Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos,
quando este o não executar.”
A promessa de fato de terceiro trata-se de contrato por outrem, ou seja, promete-se um
fato que o terceiro irá cumprir.

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Aurélio Bouret

O único vinculado é o que promete, assumindo obrigação de fazer que, não sendo
executada, resolve-se em perdas e danos. Dessa forma, ninguém pode vincular o terceiro a uma
obrigação. As obrigações têm como fonte somente a própria manifestação da vontade do
devedor, da lei ou eventual ato ilícito por ele praticado.
Inovação: art. 439, parágrafo único: “Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for
o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo
regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens”.
Por exemplo, quando um dos cônjuges – casado sob o regime da comunhão um
universal de bens – se compromete a ser fiador em determinado imóvel e, garante ao
estipulante, que seu cônjuge também assinará o contrato na qualidade de fiador. Porém, ao
final, este último se recusa a assinar o contrato. Diante dessas situações, a regra é que aquele
que prometeu fato de terceiro responderá por perdas e danos, contudo, no caso apresentado,
tendo em vista que em decorrência dessa responsabilização, os bens do terceiro, que é cônjuge
do promitente, poderão ser atingidos na hipótese de eventual inadimplemento do contrato, não
haverá qualquer tipo de responsabilização em face do promitente.
Assim sendo, a proteção de um dos cônjuges contra desatinos do outro, negando
eficácia à promessa de fato de terceiro quando este for cônjuge do promitente, o ato a ser por
ele praticado depender da sua anuência e, em virtude do regime de casamento, os bens do casal
venham a responder pelo descumprimento da promessa.

4.4. CONTRATO ALEATÓRIO – ARTIGOS 458 A 461 DO CC

Os contratos aleatórios são aqueles que possuem a álea – risco - e envolvem sorte ou
azar aos contratantes. Se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea,
é possível a aplicação da teoria da imprevisão.
Em outras palavras, trata-se de contratos onerosos em que a prestação de uma ou mais
partes contém elementos de incerteza quanto à sua existência, verificação, quantidade ou
qualidade, ficando sua plena definição na dependência de fato futuro.
Nessa seara, importante se faz a distinção entre contratos comutativos e contratos
aleatórios. No contrato comutativo, sabe-se exatamente qual é o objeto do contrato – ou seja,
tem ciência do que vai receber e do que será pago. Noutro sentido, os contratos aleatórios
pressupõem incerteza, e podem ser divididos em naturalmente aleatórios e acidentalmente
aleatórios, vejamos:
• naturalmente aleatórios: contrato de seguro (o sujeito sabe quanto deverá pagar pelo
seguro, mas a seguradora não sabe quando irá indenizá-lo, em virtude de um sinistro,
por exemplo), jogo e aposta;
• acidentalmente aleatórios: trata-se de contratos naturalmente comutativos, mas em
razão de circunstâncias ou cláusula, tornou-se aleatório – contrato de compra e venda.
Obs.: o contrato pode ser aleatório para ambas as partes ou para apenas uma delas.
Obs.: o disposto no artigo 458, diz respeito tão somente dos contratos acidentalmente
aleatórios. Tendo em vista que os contratos naturalmente aleatórios serão estudados no campo
dos “contratos em espécie”. Ou seja, o contrato de seguro, por exemplo, encontra-se previsão
nos artigos 757 e seguintes; jogo e a aposta, nos artigos 814 e seguintes.
Assim sendo, os contratos acidentalmente aleatórios, podem ser de duas espécies:
1. Compra e venda de coisa futura:
a) Emptio spei - compra da esperança: assume o risco da coisa existir ou não (risco total).

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Aurélio Bouret

Por exemplo, João propõe a José que este pesque e pegue a quantia de mil peixes
(objeto do contrato), na qual pagará um real por peixe, totalizando o montante de mil reais
(valor do contrato). Naquele dia, José pescou dez mil peixes, em razão deste contrato, João deve
pagar a José a quantia mil reais. Por outro lado, se José tivesse pescado novecentos peixes, por
exemplo, ainda assim, João teria que lhe pagar a quantia pactuada, ou seja, mil reais. Outro
exemplo, é a compra de safra futura.
Tal modalidade de contrato encontra-se previsão no artigo 458 do CC.
b) Emptio rei speratae - compra da coisa esperada: não assume o risco da inexistência,
mas da quantidade (risco parcial).
Por exemplo, João quer mil peixes na qual pagará a quantia de mil reais. José lhe traz
dez mil peixes, João deve pagar a quantia de mil reais; se José trouxer dois mil peixes, João deve
pagar mil reais; se José não trouxer peixe, João não terá que pagar nenhuma quantia, pois, no
caso em comento, assume-se tão somente o risco da quantidade e não da existência.
Com efeito, a teoria da imprevisão poderá ser aplicada nessas modalidades de contrato,
mas desde que NÃO seja em relação ao emptio spei em razão da existência da coisa e no emptio
rei speratae, no que tange a quantidade da coisa. Dessa forma, se no contrato aleatório, o fato
imprevisível não estiver inerente à álea, como no caso do preço, por exemplo, é possível a
aplicação da teoria da imprevisão.
A parte somente não ficará obrigada pelo que pactuou se ficar definido que houve
desídia da parte contrária pelo não cumprimento do contrato.
2. Coisas existentes expostas a risco: coisa existe, mas está exposta a risco;
Assunção do risco pelo adquirente, ainda que a coisa não mais exista,
no todo em parte, no dia do contrato. Anulação caso o alienante tivesse conhecimento da
consumação do risco.
“Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a
risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que
a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.”
Por exemplo, o adquirente faz compra pela internet de coisa sujeita a risco de
deterioração. O adquirente assume o risco do transporte. O alienante, nessa situação, não será
responsabilizado, caso o objeto, no destino, esteja danificado/deteriorado.
“Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada
como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a consumação
do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.”

5. VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO

5.1. DEFINIÇÃO DE VÍCIOS REDIBITÓRIOS

O vício redibitório é uma garantia implícita imposta nos contratos comutativos e ao


alienante. Uma vez que, aquele que aliena o bem, deve ser responsável pela integridade, fruição
e funcionamento da coisa.

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por
vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe
diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

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Aurélio Bouret

É possível que os contratos tenham, basicamente, três tipos de garantias: (i) garantias
materiais: que são os vícios redibitórios; (ii) garantias jurídicas: consiste na evicção e; (iii)
garantias atípicas: impostas/criadas pelas partes.
O vício redibitório trata-se de um defeito material da coisa (garantia material implícita)
existente nos contratos onerosos e comutativos ou, na doação onerosa (trata-se de doação com
encargo, por exemplo, “lhe dou este carro para você promova o transporte das crianças”). O
vício redibitório nunca pode ser aplicado nos contratos aleatórios ou gratuitos.
Este vício é um defeito grave que torna uma coisa inadequada a certos fins ou funções
a que se propõe - princípios de probidade e boa-fé. Dessa forma, aquele que aliena o bem de
forma onerosa, deve garantir a fruição da coisa, pois se houver algum vício sobre o bem objeto
da alienação, estamos diante de um vício redibitório, vício oculto, interiorizado na coisa.
Dessa forma, mesmo que no contrato não haja garantia do vício redibitório, ainda assim,
persistirá.
Paira mencionar que, nas relações consumeristas, a análise desses vícios difere do
campo civilista, porque naquele, tem-se os denominados vícios aparentes e não aparentes.
Redibir significa anular judicialmente uma venda ou outro contrato comutativo em que
a coisa negociada foi entregue com vícios ou defeitos ocultos, que impossibilitam o uso ao qual
se destina ou que lhe diminuem o valor.
São defeitos ocultos em coisa recebida – descobertos: ocorrerá a redibição da coisa, ou
seja, torna-se sem efeito o contrato, acarretando-lhe a resolução, com a restituição da coisa
defeituosa ao seu antigo dono ou sendo concedido um abatimento no preço, se preferir o
adquirente.

5.1.1. AÇÕES EDILÍCIAS

Constatando a presença de vício redibitório, cabe ao sujeito a escolha de um dos meios


de reclamação:
• AÇÃO REDIBITÓRIA: objeto da demanda é o desfazimento do contrato – redibir o
negócio (uso impossível).
A natureza jurídica do pedido de desfazimento do contrato e, consequentemente, da
sentença proferida neste processo, será desconstitutiva ou constitutiva negativa
(Natureza jurídica do mérito da ação é a mesma natureza jurídica da sentença).
• AÇÃO QUANTI MINORIS OU ESTIMATÓRIA: objeto da demanda será o abatimento do
preço e manutenção do negócio.
A natureza jurídica do pedido e da sentença será condenatória.
Atente-se: não é porque o bem possa ser utilizado ainda, que o adquirente terá o dever
de exigir tão somente o abatimento do preço. Isso porque, ainda que a coisa esteja funcionando,
pode-se requerer o desfazimento do contrato, tendo em vista que o adquirente não é obrigado
a permanecer com um bem na qual acreditava que funcionaria.
Indaga-se: responde pelo vício redibitório em caso de boa fé, não ciência do defeito?
R: Sim, tendo em vista que no vício redibitório não exige má-fé do alienante. Dessa forma, se de
boa-fé o alienante, haverá a resolução do contrato; se de má-fé, além da resolução do contrato,
incumbe ao alienante à condenação por perdas e danos (inclusive dano moral).
Assertiva de prova:

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Aurélio Bouret

Para configuração do vício redibitório é importante à caracterização da culpa do alienante →


Incorreta, pois no vício redibitório a analise é objetiva, ou seja, independe de culpa.

5.1.1.1. PRAZOS PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO REDIBITÓRIA E AÇÃO QUANTI MINORIS

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço


no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da
entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à
metade.

Vamos fazer uma ponderação reflexiva: Nas ações quanti minoris – estimatória – não
se aplica o dispositivo acima mencionado, tendo em vista que a sentença é condenatória e a
relação entre credor e devedor é de direito subjetivo. Os direitos subjetivos, por sua vez, estão
sujeitos a prazos prescricionais, enquanto os prazos decadenciais estão ligados a direitos
potestativos.
Dessa forma:
• redibir o contrato → direito potestativo;
• cobrar o abatimento do preço → direito subjetivo.
Desta maneira, para a ação quanti minoris, aplicam-se as regras de prazo prescricional
– 03 anos -; e para ação redibitória, aplica-se o prazo decadencial previsto no artigo 445 do CC.
Nesse contexto, quando da leitura do artigo 445, deve-se excluir a expressão
“abatimento no preço”. Todavia, se em prova objetiva for cobrada a literalidade do dispositivo,
deve-se assinalar como correta.
Possibilidade de burlar o prazo: Se as partes num contrato de compra e venda de um
bem móvel, por exemplo, realizam a entrega desse bem na data de hoje, mas somente
formalizam o contrato de compra e venda no dia de amanhã. Tendo em vista que no momento
da formalização do contrato o adquirente já estava na posse do bem, o prazo para o ajuizamento
de redibitória cai para 15 dias. Essa redução é realizada, independentemente de quanto tempo
faz que o adquirente se encontre na posse do bem.

5.2. EVICÇÃO – GARANTIA IMPLÍCITA IMPOSTA AO ALIENANTE

O instituto da evicção trata-se de uma garantia jurídica, pois o vício/defeito encontra-se


na relação jurídica e não na coisa, como ocorre no vício redibitório. Podem ocorrer nos
contratos onerosos e comutativos ou, na doação onerosa.
A evicção ocorre quando quem vendeu não poderia ter vendido e quem comprou perde
o bem para o verdadeiro proprietário. Em outras palavras, evicção é a perda ou desapossamento
de um bem, judicial ou, excepcionalmente administrativa, em razão de um defeito jurídico
anterior à alienação. Tem-se como exemplo de evicção administrativa, a apreensão de veículo
por falsificação de documento realizado pelo antigo dono.
A má-fé na evicção é latente.
Cabe ao alienante a obrigação da evicção. Trata-se de uma obrigação de fazer - garantir
a propriedade ou vir a indenizar pela impossibilidade da manutenção de tal benefício em favor
do adquirente.
Possui íntima conexidade com o princípio da boa-fé objetiva.
São figuras inerentes a evicção:

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Aurélio Bouret

• evicto (quem perde o bem);


• evictor (quem retoma o bem);
• alienante.
O evicto, ao exercer o seu direito, resultante da evicção, formulará, em face do
alienante, uma pretensão tipicamente indenizatória. Inclusive, a prática de atos conservatórios
em casos de cláusulas condicionais.
O evicto poderá pleitear, pois, salvo estipulação em contrário, a restituição integral do
preço ou das quantias que pagou (art. 450 do CC):
a) a indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
b) a indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente
resultarem da evicção;
c) as custas judiciais e os honorários do advogado por ele constituído.
Obs.: dispõe o artigo 457 do CC: “Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a
coisa era alheia ou litigiosa”. Típico exemplo de grilagem de terra. Que ocorrerá quando o
indivíduo invade área pública para vendê-la e, aquele que compra sabendo de tal situação, não
poderá, posteriormente, demandar evicção.
Obs.: ação edilícia deve ser observado o prazo prescricional de 3 (três) anos, na forma do art.
206, § 3º, inciso V, CC.
Os prazos de evicção são prescricionais de 03 anos - evicção possui a mesma natureza
da ação quanti minoris.
Aquele que perde o bem (adquirente) tem duas opções: (i) proprietário ajuíza ação
contra ele e, após, ajuíza-se ação em face do alienante ou; (ii) o verdadeiro proprietário ajuíza
ação em face do adquirente, e este denuncia a lide ao alienante.
É importante ponderar que a denunciação da lide é uma opção do adquirente.

Art. 125 do CPC. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das
partes:

I - ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao


denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

“Art. 448 do CC. Podem as parte, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade pela evicção.”

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Aurélio Bouret

CAPÍTULO 5 – DIREITO DOS CONTRATOS: CONTRATOS EM ESPÉCIE

1. COMPRE E VENDA

1.1. CONCEITO

O art. 481 conceitua compra e venda, pois estabelece que, pelo contrato de compra e
venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-
lhe certo preço em dinheiro.
Trata-se de um contrato translativo, mas o contrato de compra e venda por si só não
transmite a propriedade, pois a propriedade móvel se transfere através da tradição, e a
transferência da propriedade imóvel se dá por meio do registro no cartório de registro
imobiliário.
O contrato de compra e venda só traz o compromisso do vendedor de transmitir essa
propriedade e promover a tradição ou o registro.

1.2. NATUREZA JURÍDICA

A respeito da natureza jurídica da compra e venda, esta possui algumas características:


• Contrato bilateral.
• Contrato sinalagmático: as duas partes prestam e sabem, como regra, o que estão
prestando.
• Contrato oneroso: há sacrifício patrimonial para ambas as partes.
• Contrato comutativo: sabe de antemão quais são as prestações. Poderá assumir a
forma de contrato aleatório, como é o caso de compra da esperança (ex.: compra
da colheita futura).
• Contrato consensual: reputa-se celebrado o contrato a partir do momento em que
há encontro das vontades. O art. 482 diz que, a compra e venda, quando pura,
considera-se obrigatória e perfeita, desde que as partes acordem quanto ao objeto
e quanto ao preço.

1.3. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

São elementos constitutivos da compra e venda:


• Partes: as partes devem ser capazes.
• Coisa: a coisa deve ser lícita, determinada ou determinável. A coisa deve ser de
propriedade do vendedor, pois se estiver vendendo coisa que não é dele, será
denominado de venda a non domino. Nesse caso, a lei nos faz concluir que a venda
a non domino é caso de ineficácia perante o seu real proprietário.
• Preço: deve ser certo e determinado, em moeda nacional corrente, e por um valor
nominal, com base no princípio do nominalismo.
• Categorias especiais de preço - existem algumas categorias especiais de preço:
• preço por cotação: admitido no art. 487 do CC. Nos casos de compra e venda
em que o preço está fixado com base num índice, há um preço por cotação.
Este índice permite uma objetiva determinação, pois não há arbitrariedade de
uma das partes. Poderá o preço ser fixados com base na taxa de mercado, na
bolsa de valores, etc.;

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Aurélio Bouret

• preço por avaliação: o art. 485 permite que o preço seja arbitrado pelas partes
ou por um terceiro de sua confiança. Ex.: venda de um imóvel, mas chamarão
três imobiliárias para fazerem a avaliação;
• preço tabelado ou preço médio: não são a mesma coisa. O art. 488 do CC diz
que, convencionada a venda sem fixação do preço ou sem a fixação de
critérios para fixação do preço, senão houver tabelamento oficial (preço fixado
pelo Estado), entende-se que as partes se sujeitaram ao preço médio ou
corrente, nas vendas habituais do vendedor.
o O parágrafo único vai dizer que, não havendo acordo sobre o preço, vai
prevalecer o preço médio. Isto é, na falta de acordo sobre o preço, não
se presume que está concluída a compra e venda. O parágrafo único do
art. 488 somente se aplica se houver uma diversidade de preços
habitualmente praticado pelo vendedor. Se o vendedor possui diversos
preços praticados, vai valer o termo médio;
• preço unilateral: o art. 489 consagra a nulidade da compra e venda se a fixação
do preço for deixada ao livre arbítrio de uma das partes. No entanto, o preço
unilateral é o preço fixado por uma das partes unilateralmente, mas sem que
haja a arbitrariedade, sem a liberdade de arbítrio. O que o comando legal veda
é o preço manipulado por cartéis.

1.4. ESTRUTURA SINALAGMÁTICA E OS EFEITOS DA COMPRA E VENDA

O conceito de sinalagma tem uma relação íntima com o equilíbrio contratual. O direito
do comprador é de receber a coisa, mas o devedor tem o direito de receber o preço.
Dessa estrutura sinalagmática é possível extrair que os riscos relacionados à coisa, ao
preço, ao transporte da coisa, ao registro, vão correr ora por parte do comprador ora por parte
do vendedor.
• Risco em relação a coisa correm por conta do vendedor: é o vendedor que tem a
obrigação de entregar a coisa ao comprador. Enquanto não ocorre essa tradição, a
coisa é do vendedor. É a tradição que transmite a propriedade (res perit domino).
• Risco do preço corre por conta do comprador: isso porque ainda não houve a
tradição.
• Despesas com transporte da coisa: via de regra correm por conta do vendedor,
salvo se estipularem de forma diferente.
• Despesas com escritura e despesas com o registro: são pagas pelo comprador.
O art. 491 do CC diz que não sendo a venda à crédito ou à prazo, o vendedor não é
obrigado entregar a coisa antes de receber o preço.
O art. 492 traz a regra que diz que, até o momento da tradição, os riscos correm por
conta do vendedor, e os riscos do preço peço comprador.
Os casos fortuitos que ocorrerem no ato de contar, marcar ou de assinalar as coisas (ex.:
gado marcado e pesado), se elas já estiverem à disposição do comprador, os riscos correrão
pelo comprador. Ex.: o vendedor já levou os gados para a fazenda do comprador, situação em
que ele já está marcando o gado. Se naquele momento ocorrer um caso fortuito e o gado vier a
se perder, os riscos do gado correrão por conta do comprador, visto que a coisa já estava à
disposição do comprador.
Também correrão os riscos por conta do comprador, se este estiver em mora de
receber as coisas, desde que estejam à sua disposição no tempo em que foi ajustado, no modo
e da forma ajustada.

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Aurélio Bouret

Em relação à tradição da coisa vendida, se não houver estipulação entre as partes, a


tradição irá ocorrer no lugar onde se encontrava a coisa ao tempo em que foi celebrada a
venda. As despesas com a tradição via de regra correm pelo vendedor, mas a coisa deverá ser
entregue no lugar onde estava quando foi pactuado o contrato, salvo se houver disposição
diversa.
É possível que as partes negociem a expedição da coisa por parte do vendedor. Isso é
comum nas vendas realizadas fora do estabelecimento comercial.
Nesses casos, se a coisa é expedida para um lugar diverso, por ordem e por conta do
comprador, correrão os riscos por conta dele, salvo se o vendedor não seguir as instruções do
comprador.
O art. 495 do CC diz que, não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da
tradição o comprador cair em insolvência civil, poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa
até que o comprador lhe dê garantias, seja real ou fidejussória, de que vai pagar o preço por
aquela coisa. H, aqui, exceptio non adimpleti contractus, um inadimplemento antes da entrega
da coisa.

1.5. RESTRIÇÕES À AUTONOMIA PRIVADA NA COMPRA E VENDA

1.5.1. VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE

O art. 496 do CC diz que é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os


outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
O parágrafo único desse dispositivo dispensa o consentimento do cônjuge se o regime
for de separação obrigatória de bens.
Este dispositivo é uma norma restritiva de direitos, não admitindo interpretação
extensiva e nem analogia aos casos de união estável.
O prazo para anular essa venda de ascendente para descendente é um prazo
decadencial de 2 anos, contado da celebração do negócio.
O Enunciado 545 do CJF diz que o prazo para anular esse contrato de 2 anos é contado
da ciência do ato, e que esta ciência se presume absolutamente quando houver um registro
dessa transferência.
A jurisprudência do STJ tem entendido que a anulação da venda de ascendente para
descendente só será admissível se houver prova do prejuízo para a parte que levantou essa
anulabilidade.

1.5.2. VENDA ENTRE CÔNJUGES

Há outra espécie de restrição à autonomia privada.


Cônjuge pode comprar do outro cônjuge bens, mas não qualquer bem.
O art. 499 possibilita a compra e venda entre cônjuges, desde que o contrato de compra
e venda seja compatível com o regime de bens adotado pelo casal. Isso porque só é possível
compra e venda de bens excluídos da comunhão. Se o bem estiver dentre aqueles constantes
da comunhão, a compra e venda será nula, visto que há a impossibilidade do objeto (art. 166,
II).

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Aurélio Bouret

É possível que haja a compra e venda de bens entre cônjuges mesmo que se trate de
comunhão universal, pois existem bens excluídos do regime da comunhão universal, como são
os bens de uso pessoal e utensílios de trabalho dos cônjuges.
• Regime de comunhão parcial: a compra e venda poderá se dar desde que seja de
bens particulares.
• Regime de comunhão universal: a compra e venda poderá se dar desde que seja de
bens incomunicáveis.
• Regime de participação final nos aquestos: a compra e venda poderá se dar em
relação ao bens que não entram na participação.
• Regime de separação legal ou convencional: a compra e venda poderá se dar, desde
que não haja fraude ou ilicitude. Lembre-se que a má-fé não se presume. Não é
porque o indivíduo é casado sob o regime de separação que não poderá vender bens
ao seu cônjuge.

1.5.3. VENDA DE BENS SOB ADMINISTRAÇÃO

O art. 497 diz que não podem ser comprados, ainda que estejam em hasta pública,
pelos tutores, curadores, testamenteiros, administradores, os bens confiados à sua guarda ou
administração.
Neste caso, haveria um conflito de interesses. Ademais, é vedada a compra pelos
servidores públicos em geral dos bens e dos direitos da pessoa jurídica a que estes servidores
servirem ou dos bens que estiverem sob a sua administração direta ou indireta.
A lei está buscando impedir a ocorrência de situações nas quais a atividade funcional da
pessoa possa influir no negócio que será firmado, e o agente ser beneficiado pela influência que
sustenta.
É ainda vedada a compra pelos juízes e serventuários em geral dos bens a que se litigar
no tribunal em que servirem, tanto o juiz quanto os serventuários da justiça.
Também não poderá comprar os bens o leiloeiro ou seus pressupostos quanto aos bens
cuja venda esteja encarregado.
Perceba que há uma vedação de cunho moral.
Mais uma vez o STJ faz uma interpretação no sentido de que o juiz não pode comprar
um bem que esteja no seu tribunal, mas poderá comprar em outro tribunal, assim como os
servidores. Isso porque se não há risco da influência não há prejuízo e nem ilegalidade.

1.5.4. VENDA DE BENS EM CONDOMÍNIO

O art. 504 do CC diz que um condômino não pode, em relação ao condomínio de coisa
indivisível, vender a sua parte a estranhos se outro condômino quiser tanto por tanto, ou seja,
em igualdade de condições.
Há uma espécie de preempção legal. O condômino, se não tiver o conhecimento da
venda, poderá simplesmente depositar o preço, e haver para si a coisa vendida para um terceiro
ou estranho, desde que o faça em 180 dias. Este prazo é decadencial.
Contudo, o STJ julgou recentemente um caso em que, ao conceder o direito de
preferência aos demais condôminos, o que o legislador procurou foi conciliar objetivos
particulares do vendedor com o intuito da comunidade dos coproprietários. É a ideia de que a
função social recomenda que é mais cômodo manter a propriedade entre os seus titulares,

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Aurélio Bouret

evitando que haja desentendimentos naquele condomínio pela entrada de um estranho. É uma
hipótese de preferência legal.
O STJ entende que, se o imóvel se encontra em estado de indivisão, apesar de este
imóvel ser divisível, ainda assim há de se reconhecer o direito de preferência do condômino
que pretenda adquirir o quinhão do comunheiro. Há uma restrição da autonomia privada. Ou
seja, se o vendedor condômino quiser vender por 100 mil reais o imóvel a um terceiro, mas o
condômino oferecer 100 mil reais, deverá vender a este.
Parte da doutrina entende que, sendo preterido o condômino, deverá propor a ação
anulatória da compra e venda feita.
Porém, encontra-se um entendimento no sentido de que deve ser proposta uma ação
de adjudicação, pois o principal efeito da ação é constituir positivamente a venda para o
condômino que foi preterido.
Portanto, estaríamos diante de uma ação de adjudicação e não anulatória.
Questiona-se: o prazo de 180 dias é contado de quando?
A lei não diz. Maria Helena Diniz diz que esse prazo de 180 dias é contado da data da
alienação do bem. Sílvio Venosa diz que o prazo começa a correr da data em que o condômino
tomar ciência do negócio, ou do registro imobiliário, no caso de imóvel.
Sendo muitos os condôminos, como se saber qual tem a preferência?
A lei traz uma ordem que deve ser respeitada:
1. quem tiver benfeitoria de maior valor;
2. quem tiver o maior quinhão;
3. quem depositar judicialmente o preço.

1.6. REGRAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA

1.6.1. VENDA POR AMOSTRA (POR PROTÓTIPO OU POR MODELO)

É uma compra e venda que funciona como condição suspensiva.


Isso é comum no caso dos mascates que passavam nas casas com amostras de tecidos.
Caso a pessoa se interessasse por aquele pedaço de tecido, faria um pedido de 5, 10, 20, 40
metros, e o vendedor pediria para a fábrica fazer. Havia ali uma promessa de entrega das peças
ou do tecido, conforme o mostruário.
A venda por amostra tem a eficácia suspensiva, de forma que não ocorre o
aperfeiçoamento do negócio até que haja a tradição com a qualidade esperada do bem que foi
adquirido.
Se os bens não foram entregues conforme o que foi contratado, o contratante poderá
simplesmente não aceitar. O contrato de compra e venda será desfeito, por uma condição
resolutiva, visto que o produto não tem a qualidade da amostra do produto apresentado.
O parágrafo único do art. 484 do CC diz que vai prevalecer a amostra, se houver uma
contradição ou ao modo de descrição da coisa no contrato. O dispositivo está dizendo que se
o sujeito apareceu na loja e disse que era egípcio e depois constar no contrato de que o fio era
chinês, a amostra irá prevalecer, por uma questão de boa-fé.

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Aurélio Bouret

1.6.2. VENDA A CONTENTO OU SUJEITA À PROVA

A venda a contento ou sujeita à prova são tratadas como cláusulas especiais no contrato
de compra e venda.
Muitas vezes serão presumidas em alguns contratos, não precisando de previsão
expressa algumas vezes. Ex.: no caso dos vinhos, o garçom coloca um pouco para que o cliente
verifique a qualidade do vinho. No momento em que concorda, a pessoa concorda com a venda,
estando implementada a condição suspensiva.
A venda não se aperfeiçoa enquanto o comprador não se declara satisfeito com o bem
que está sendo adquirido. Há uma condição suspensiva. Na venda a contento, a tradição não
transfere a propriedade, mas apenas da posse. Há a posse direta, pois, enquanto o comprador
não manifestar a vontade, as obrigações que ele teria é de simples comodatário.
A rejeição funcionará como uma condição resolutiva do contrato.
No caso de venda a contento, o prazo para manifestação do comprador, quando não for
de imediato (como no vinho), o vendedor tem o direito de intimar esse comprador, judicial ou
extrajudicialmente, para que se manifeste sobre a venda (art. 582).
Quando é intimado, surge para o comprador o dever de pagar até a restituição da coisa
um aluguel que será arbitrado pelo comodante a título de pena, e será cabível eventual
reintegração de posse.
Foi promovida uma venda a contento, mas o sujeito não se manifestou. O vendedor
interpelou o comprador para que ele se manifestasse em 2 dias, para que este se manifestasse
ou para que este pagasse a coisa. Se ele não paga e nem devolve, passados os 2 dias, considera-
se como se houve uma locação, havendo a necessidade de pagar um aluguel cabível, bem como
ação de reintegração de posse.
Qual a diferença entre venda a contento e a venda sujeita a prova?
Na venda a contento, o comprador não conhece o bem, sendo necessário provar e
manifestar a vontade de celebrar o contrato.
Na venda sujeita à prova, a coisa já é conhecida, mas o comprador somente necessita
da prova de que o bem é o mesmo que ele já conhece, tendo todas as qualidades assegurada ao
vendedor.

1.6.3. VENDA POR MEDIDA

A venda por medida, também denominada de venda ad mensuram. Nesse caso, as


partes podem estipular um preço por medida de extensão. Nessa situação, a medida passa a ser
uma condição essencial do contrato.
Na venda ad mensuram, a área do imóvel não é apenas enunciativa, sendo
simplesmente enunciativa no caso da venda ad corpus, situação em que se vende um corpo
certo (ex.: rancho, chácara, etc.). Na venda ad mensuram, o comprador está comprando com
base na metragem,caso em que a compra e venda terá a área como essencial, como é o caso
de compra e venda de imóvel por metro quadrado.
No caso de venda por extensão, admite-se que haja uma variação de até 5% (ou seja,
até um vigésimo da área). Existe uma presunção relativa de que essa variação de 5% a mais ou
a menos é tolerável pelo comprador.
No entanto, se houver uma variação superior ao tolerável, então haverá um vício.
Neste caso, o comprador poderá exigir:

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Aurélio Bouret

• complementação da área;
• abatimento do preço (ação quanti minoris);
• resolução do contrato.
Nesse caso, se ficar evidenciada a má-fé do vendedor, vem cumulada com perdas e
danos, com uma indenização em razão do comportamento.
O prazo decadencial é de 1 ano, contado do registro do título, conforme art. 501 do CC.
O prazo não corre enquanto o interessado não for imitido na posse.
Se a venda for realizada ad corpus, ou seja, imóvel vendido como coisa certa, não
caberão os pedidos de complementação, abatimento do preço ou resolução do contrato.

1.6.4. VENDA DE COISAS CONJUNTAS

Não se confunde com a venda casada, que é vedado. A prática do contrato de venda
permite a venda de coisas conjuntas permite. Ex.: compra de um rebanho bovino. Há uma
universalidade de fato.
Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma coisa não autoriza a
rejeição de todas. Se for comprado um rebanho bovino e somente uma vaca apresentar vício,
impede-se a rejeição de todos os bovinos.
O art. 503, que se refere a vendas conjuntas, não pode ser aplicado a casos em que a
venda seja coletiva, que é diferente daquelas.
No caso de venda coletiva, as coisas vendidas formam um todo só. Por exemplo, se a
compra de um par de sapatos, um deles apresentar problema, poderá devolver os dois para
adquirir novos, pois a venda é coletiva.

1.7. CLÁUSULAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA

Há aqui previsões que alteram os efeitos da compra e venda, dando a ela uma feição
diferenciada.
O CC consagra:
• cláusula de retrovenda;
• cláusula de venda a contento ou venda sujeita à prova;
• cláusula de preempção convencional;
• cláusula de venda com reserva de domínio;
• cláusula de venda de documentos.
As cláusulas especiais, para que tenham eficácia e validade, devem estar
expressamente previstas no instrumento. Este é um ponto em que se diferenciam das regras
especiais.
Nas regras especiais não é necessário que conste expressamente esta previsão.

1.7.1. CLÁUSULA DE RETROVENDA

Cláusula de retrovenda é um pacto inserido no contrato pelo qual o vendedor reserva-


se o direito de reaver o imóvel dentro de um certo prazo.
Nesse caso, restitui o preço e as despesas feitas pelo comprador, mas reaverá o imóvel.
O prazo máximo que decorre o direito à retrovenda é de 3 anos.

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Aurélio Bouret

Cláusula de retrovenda só é admitida nos contratos de compra e venda de bens imóveis.


Essa cláusula torna a propriedade resolúvel, e portanto tem-se aqui uma cláusula resolutiva
expressa.
Se o comprador se recusa as quantias a que ele faz jus, o vendedor deverá depositar
judicialmente esse valor, propondo uma ação de resgate (art. 506).
O direito de resgate poderá ser exercido pelo vendedor e também pelos herdeiros e
legatários, isso em relação ao terceiro adquirente, já que consta cláusula expressa registrada.
Perceba-se que há uma transmissão causa mortis da cláusula de retrovenda, discutindo
a doutrina se seria possível a transmissão inter vivos da cláusula de retrovenda, inclusive de
forma onerosa.
A lei diz que é transmissível da cláusula de retrovenda do vendedor para os herdeiros e
legatários.
No caso de transmissão onerosa da cláusula de retrovenda, a professora Maria Helena
Diniz diz não ser possível, pois traria um direito personalíssimo do vendedor.
Paulo Lôbo diz ser possível em virtude de que não há qualquer proibição nesse sentido
pelo Código Civil.
O art. 508 do CC trata da retrovenda feita por condôminos, quando duas ou mais
pessoas têm o direito de retrato, mas apenas uma delas o exerce, o comprador poderá intimar
a outra ou as outras para acordarem com essa retrovenda.
Mesmo nesse caso, prevalecerá o pacto em favor de quem tenha depositado o valor
pago pela coisa e pelas despesas do comprador, desde que esse valor seja integral.

1.7.2. CLÁUSULA DE PREEMPÇÃO

A cláusula de preempção é a cláusula pela qual o comprador de um bem móvel ou


imóvel tem a obrigação de oferecer este bem àquele que o vendeu, podendo essa intimação
ser judicial ou extrajudicial, a fim de que o vendedor use o seu direito de prelação, em igualdade
de condições com o terceiro. Isso se o comprador decidir vender a coisa.
Essa cláusula poderá estar prevista no contrato.
O art. 513, parágrafo único, diz que a preferência abrangerá o prazo de 180 dias se for
bem móvel, ou de até 2 anos se for bem imóvel. Tais prazos devem ser contados da data da
realização da venda.
Após o decurso desses prazos, é finda a preferência. Portanto, é possível a venda do
bem a outrem, sem direito de preferência.
Se, dentro do período de preferência, o comprador decidir vender o bem, o vendedor
deverá ser notificado judicial ou extrajudicialmente.
O direito de preferência caducará se a coisa for móvel, se não exercer esse direito de
preferência em 3 dias.
Sendo a coisa imóvel, terá o prazo de 60 dias para exercer o direito de preferência, a
contar da data em que o vendedor foi notificado pelo comprador para exercer o direito de
preferência.
O Código Civil diz que, aquele que exerce a preferência tem a obrigação de pagar o
preço ajustado ou encontrado em igualdade de condições com terceiro, sob pena de perder o
direito de preferência.

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Aurélio Bouret

O vendedor que tenha sido preterido no seu direito de preferência, caso seja a
preempção convencional, o vendedor não poderá anular a venda. Se fosse uma prelação legal
(ex.: condômino), poderá fazer a adjudicação do bem.
No entanto, no caso de preempção convencional, se o vendedor for preterido, caberá
apenas o direito de ação visando a reparação de danos, mesmo que o adquirente tenha
adquirido o bem por má-fé (art. 518).
O art. 519 diz que, se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, não tiver o destinado para que se desapropriou, ou não for utilizada em
obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado o direito de preferência pelo preço atual da
coisa. Este dispositivo consagra o direito de retrocessão.
Indaga-se: esse direito de preferência terá natureza real ou natureza pessoal?
O STJ já entendeu que os efeitos são de natureza meramente pessoais, cabendo
portanto ao expropriado o direito de pleitear perdas e danos no caso de tredestinação.
Por outro lado, também há decisões do STJ reconhecendo eficácia real do direito de
retrocessão. Tartuce concorda que esse direito de retrocessão tem natureza real.
O art. 520 diz que o direito de preferência não se pode ceder, e também não passa aos
herdeiros. É, aqui, reconhecida a intransmissibilidade do direito de preferência, seja mortis
causa, seja inter vivos. A preferência convencional não se transmite aos herdeiros.

1.7.3. CLÁUSULA DE VENDA SOBRE DOCUMENTOS

Pela cláusula de venda sobre documentos, que tem por objeto bens móveis, a tradição
será substituída pela entrega de um documento correspondente à propriedade (título
representativo do domínio), conforme art. 529 do CC.
Se estiver prevista essa cláusula de venda sobre documentos, e essa documentação
estiver em ordem, o comprador não pode recusar pagamento, alegando que há um defeito na
qualidade da cosia ou no estado da coisa, salvo se o defeito estiver efetivamente comprovado.
Veja, o parágrafo único do art. 529 diz que, achando-se a documentação em ordem, não
pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da
coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado. Isso porque o comprador ainda
nem sequer tem a coisa consigo.
Com essa transferência do documento que transfere a propriedade, o pagamento
deverá ocorrer na data e no lugar em que ocorrer essa entrega do documento. Quando o
documento é entregue, o preço deverá ser pago.
O art. 532 diz que, estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento
bancário, caberá ao banco efetuar esse pagamento com a entrega dos documentos, não tendo
o banco a obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde.
O parágrafo único diz que, nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento
bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador.

1.7.4. CLÁUSULA DE VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO

Ocorre a cláusula de venda com reserva de domínio quando o vendedor vende a coisa,
mas continua tendo o domínio.
Por meio dessa cláusula, inserida no contrato de coisa móvel infungível, o vendedor
mantém o domínio da coisa, mas até que haja o pagamento integral pelo comprador.

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O comprador receberá a posse direta da coisa, mas a propriedade continua sendo do


vendedor, sendo esta resolúvel, visto que, uma vez pagando o comprador, a propriedade passa
a ser dele.
Pelos riscos da coisa, responderá o comprador (res perit emptoris), ou seja, é uma
exceção à res perit domino, sendo uma forma de viabilizar a cláusula com reserva de domínio.
O art. 522 consagra como formalidade para a cláusula de venda com reserva de domínio
que sua estipulação se dê por escrito e haja registro no cartório de títulos e documentos do
domicílio do comprador. Segundo o CC, esta é uma condição de validade perante terceiros de
boa-fé. Em verdade não é uma condição de validade, mas sim de eficácia, pois não levando a
registro não deixará de ser válida, e sim ineficaz perante terceiros.
E se houver mora ou inadimplemento absoluto?
O vendedor poderá promover uma ação de cobrança das parcelas vencidas e que não
foram efetivamente pagas. Essa é uma opção.
A segunda é o vendedor recuperar a posse da coisa, já que ele é o proprietário da coisa.
No entanto, como é que o vendedor vai recuperar a posse da coisa?
Flávio Tartuce entende que será por meio da reintegração de posse. Daniel Assunção
entende que será o procedimento comum com tutela de urgência, mas não se sabe como a
jurisprudência vai se posicionar.
O art. 525 diz que o vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de
domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação
judicial.
Vale ressaltar que a teoria do adimplemento substancial também vai promover
mudanças e mitigações na chamada cláusula de reserva de domínio. Ex.: sujeito pagou 90% das
parcelas, não poderá o contrato simplesmente ser desfeito, devendo preservá-lo e promover a
ação de cobrança, a fim de que cobre as parcelas vencidas e as vincendas.
É preciso diferenciar da cláusula de venda de reserva com domínio de contrato de
alienação fiduciária e do leasing (arrendamento mercantil):
• cláusula de venda com reserva com domínio: há uma cláusula especial de compra
e venda. Implica que o domínio permaneça nas mãos do devedor;
• alienação fiduciária: há um direito real de garantia. O devedor é o fiduciante que
compra o bem de um terceiro, mas não podendo pagar, pegará o dinheiro com a
instituição financeira, e para garantir o pagamento a esta instituição financeira,
transferirá a propriedade a esse credor fiduciário. Há aqui também uma propriedade
resolúvel, mas esta é de terceiro, e não do próprio vendedor;
• leasing (arrendamento mercantil): há um contrato. Há um contrato de locação com
opção de compra. A opção de compra se dá com o pagamento do valor residual
garantido (VRG).

1.8. TERRENOS DA MARINHA

Terrenos de marinha são todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e
lagoas navegáveis, vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha do
preamar médio, medida em 1831.
Os terrenos de marinha são bens da União. Isso se justifica por se tratar de uma região
estratégica em termos de defesa e de segurança nacional.

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Segundo José dos Santos, em algumas regiões, a União permitiu que particulares
utilizassem, de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas
pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse (aforamento). A
enfiteuse funciona da seguinte forma, a União (senhorio direto) transfere ao particular
(enfiteuta) o domínio útil, este particular passa a ter a obrigação de pagar anualmente uma
importância a título de foro ou pensão.
O particular (enfiteuta) pode transferir para outras pessoas o domínio útil que exerce
sobre o bem. Todavia, a pessoa que transferir o domínio útil do imóvel deverá pagar 5% do valor
do domínio útil à União. Esse valor é chamado de laudêmio e seu pagamento está previsto no
art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87.
O STJ entende que será nulo o contrato o contrato firmado entre particulares de compra
e venda de imóvel de propriedade da União quando ausente o prévio recolhimento do
laudêmio e a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ainda que o pacto tenha
sido registrado no Cartório competente.
Vale ressaltar que a prévia autorização da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) não
é mera formalidade, pois, segundo entende o STJ, a comunicação do negócio jurídico
formalizado entre o ocupante e terceiro à SPU não se reveste de ato de mera formalidade, mas
se constitui em medida de essencial importância e que produz efeitos jurídicos relevantes, uma
vez que a União é a proprietária do terreno de marinha e, nessa qualidade, deverá estar sempre
a par e consentir com a utilização de bem que lhe pertence.
Tais bens públicos são da espécie “bens dominicais”, os quais, apesar de não estarem
sendo utilizados para a realização de uma finalidade pública, o regime jurídico dos bens
dominicais é híbrido, aplicando-se as normas de direito público e de direito privado. O contrato
de compra e venda de um bem dominical deve respeitar formalidades legais mais rígidas do que
se fosse um bem de um particular.
O tabelião de notas poderia ter lavrado a escritura de compra e venda e o oficial do
Registro de Imóveis não pode registrar o título sem a prova do pagamento do laudêmio. É dever
dos tabeliães e registradores, antes de lavrar ou registrar a escritura, exigir a certidão da SPU,
na qual estará declarado que houve o pagamento do laudêmio e cumprimento das demais
formalidades.

2. TROCA OU PERMUTA

2.1. CONCEITO

Troca ou permuta é conceituado como sendo um contrato através do qual as partes se


obrigam a dar uma coisa para receber outra coisa, não podendo esta coisa ser dinheiro, pois do
contrário haveria compra e venda.
Há aqui um contrato bilateral, oneroso (as duas partes realizam sacrifício patrimonial),
comutativo (as duas partes conhecem as prestações a que se submetem), translativo da
propriedade (cada uma das partes assume essa propriedade), contrato consensual (o contrato
se aperfeiçoa com o simples encontro das vontades).
A permuta vai gerar para cada contratante a obrigação de transferir ao outro
contratante o domínio da coisa, que é o objeto da prestação.
Em relação às despesas com a tradição, o art. 533, I, vai consagrar, via de regra, a divisão
em igualdade, mas o contrato poderá dispor de forma diferente.
Aplicam-se, residualmente, à troca as disposições referentes à compra e venda.

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Ressalte-se a distinção de que, na compra e venda, o vendedor, após a entrega da coisa


vendida, não poderá pedir a devolução da coisa pelo fato de não ter recebido o preço.
Na troca, o tradente (permutante) tem o direito de pedir de volta o que deu se a outra
parte não lhe entregar o objeto permutado, ou seja, não cumprir a sua obrigação.

2.2. TROCA ENTRE ASCENDENTES E DESCENDENTES

O art. 533, II, diz que é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e
descendentes, se não houver o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do
alienante.
Veja que o art. 533 fala de trocas desiguais. Ou seja, se estiver diante de troca s coisas
iguais, não é necessário o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante.
O raciocínio é o mesmo para o caso em que o descendente der coisa mais valiosa ao
ascendente e este dá a ele uma coisa menos valiosa, sendo desnecessário o consentimento
dos demais descendentes e do cônjuge.

3. CONTRATO ESTIMÁTORIO

3.1. CONCEITO

O contrato estimatório é também denominado de venda em consignação.


Nesse contrato, o consignante vai transferir ao consignatário bem móveis, a fim de que
o consignatário venda esses bens por um preço estimado.
Ou o consignatário vende esses bens, pagando um preço estimado, ou terminado o
contrato sem venda, devolverá esses bens no prazo ajustado (art. 534).
Há aqui um contrato bilateral, oneroso, real (pois se aperfeiçoa com a entrega da cosia
consignada) e comutativo.
Parcela da doutrina vai dizer que, na verdade, esse contrato não seria bilateral, pois
quando ele nasce apenas uma das partes tem a obrigação. Antes de nascer, o consignante
entrega a coisa, mas quando termina de entregar a coisa é que nasce o contrato estimatório,
passando a apenas o consignatário a ter a obrigação de pagar ou de devolver. Portanto, seria
um contrato unilateral, mas oneroso.

3.2. NATUREZA JURÍDICA

Há um grande debate sobre a natureza jurídica da obrigação assumida pelo


consignatário.
• 1ª Corrente: Alguns autores vão entender que essa obrigação assumida por ele é
alternativa. Isso se dá pelo fato de poder escolher se ele devolve a coisa ou se ele paga
o preço. Caio Mário, Tartuce, Lôbo e Samer.
• 2ª Corrente: Outros dizem que a obrigação é facultativa, devendo ele pagar, mas caso
não queira poderá devolver. Maria Helena Diniz, Simão e Venosa entendem dessa
forma.
O consignatário poderá devolver a coisa ou pagar. Isso é majoritário.
O consignante mantém a condição de proprietário da coisa. O art. 536 diz que a coisa
consignada não pode ser objeto de penhora ou sequestro pelos credores do consignatário,
enquanto não pagar integralmente o preço. Isso porque a coisa não é dele.

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O art. 537 diz que o consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída
ou de lhe ser comunicada a restituição. Isso quer dizer que há exigência de um comportamento
de boa-fé, dentro do esperado pelo consignante.
Findo o prazo do contrato, o consignante tem duas opções: cobrar o preço de estima ou
promover a ação de reintegração da posse, a fim de reaver o bem cedido. Lógico que isto se
considerarmos a obrigação alternativa.
Caso seja considerada obrigação facultativa, o único dever que o consignatário tem é de
pagar a coisa. Findo o prazo, o credor poderia apenas propor a ação de cobrança e não poderia
propor a ação de reintegração de posse.
Daí a importância de se definir se a obrigação é alternativa ou facultativa.

3.3. RESPONSABILIDADE PELA PERDA DA COISA CONSIGNADA

O art. 535 diz que o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a
restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não
imputável.
Percebe-se que deverá ter de pagar a coisa, já que não consegue devolver. Isso porque
passa a ser de sua responsabilidade.

4. DOAÇÃO

4.1. INTRODUÇÃO

Doação é um contrato benéfico, unilateral e gratuito. Por essa razão só será admitida
interpretação restritiva, conforme art. 114.
Em relação à doação com encargo (modal), entende-se que continua diante de um
contrato unilateral, mas unilateral imperfeito. Isso porque existe o encargo, mas este não
constitui uma contraprestação. O encargo é um ônus, mas que não tem o peso de uma
contraprestação. Existe entendimento em sentido diverso, mas este é o que prevalece.
A controvérsia existe em relação à aceitação do donatário. A aceitação do donatário é
requisito essencial do contrato de doação?
Maria Helena Diniz diz que a doação não se aperfeiçoa enquanto o donatário não
manifestar a sua aceitação.
Paulo Luiz Netto Lôbo vai dizer que a aceitação é simplesmente um elemento
complementar, ligado à eficácia da doação, não sendo elemento essencial da doação. Flávio
Tartuce concorda com esse entendimento, dizendo que a aceitação se encontra no plano da
eficácia e não da validade.
O art. 539 diz que o doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou
não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não se manifeste dentro dele a
declaração, entende-se que a aceitou, desde que a doação seja pura, ou seja, não seja sujeita a
encargo (modal).
Eventual silencio do doador traz uma presunção relativa de aceitação.
Inclusive, dispensa-se a aceitação expressa quando se tratar de doação pura, feita em
favor de absolutamente incapaz. É o que diz no art. 543.
A aceitação ainda pode ser tácita, na hipótese de doação feita em contemplação a
casamento futuro. Quando os nubentes se casam, há uma aceitação tácita. Pode ser feita de um

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nubente para eles, de um terceiro em favor dos nubentes, aos filhos que no futuro casamento
advierem, etc. Havendo casamento, há uma aceitação tácita.
O art. 546 diz que, nessa situação, a celebração do casamento gera uma presunção de
aceitação.
São características do contrato de doação o fato de ser um contrato consensual
(aperfeiçoa com o encontro de vontades), contrato formal (pode ser solene, escrito, e
eventualmente até pode ser verbal).
A doação solene ocorrerá nos casos de doação de imóvel com valor superior a 30 salários
mínimos. A doação será formal e não solene, nos casos envolvendo casos de imóvel inferior ou
igual a 30 salários mínimos e nos bens móveis.
O art. 541, parágrafo único, diz que a doação de bens móveis e de pequeno valor poderá
ser verbal seguida da tradição.

4.2. MODALIDADES DE DOAÇÃO

4.2.1. DOAÇÃO REMUNERATÓRIA

A doação remuneratória é uma doação em forma de remuneração.


Tem como característica a retribuição de um serviço prestado pelo donatário. Todavia,
vale lembrar que esse serviço originariamente não seria cobrado pelo donatário.
Ex.: doação de um automóvel feita ao médico que salvou a vida do doador. Neste caso,
o carro vale 40 mil e a cirurgia feita pelo médico vale 30 mil, ainda que tenha sido gratuita.
Porém, em relação aos 10 mil é que haverá a liberalidade. A lei diz que só há liberalidade na
parte que excede o valor do serviço prestado.
A análise da doação remuneratória é interessante por três razões principais:
• cabe alegação de vício redibitório em relação ao bem doado, já que a doação é
remuneratória;
• mesmo nos casos de ingratidão, as doações remuneratórias não podem ser
revogadas;
• as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente não estão sujeitas à
colação, não devendo ser trazidas ao inventário.

4.2.2. DOAÇÃO CONTEMPLATIVA

A doação contemplativa (ou meritória) é baseada na condição pessoal do indivíduo,


baseada no merecimento do donatário.
O art. 540 diz que a doação contemplativa é aquela feita em contemplação a um
merecimento do donatário, de modo que esta não perde o caráter de liberalidade.
O doador declara expressamente quais os motivos da sua doação. Normalmente o
doador leva em consideração uma característica pessoal do donatário. Ex.: doam-se os livros ao
professor, pois é um excelente leitor e estudioso.

4.2.3. DOAÇÃO AO NASCITURO

O art. 542 diz que a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu
representante legal.

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Será o representante legal que aceita a doação ao nascituro.


Na doação ao nascituro, o contrato está válido, mas a eficácia da doação depende do
nascimento com vida do donatário, estando em uma condição suspensiva. Portanto, se está
diante de uma doação condicional.
Entende-se possível a doação a uma prole eventual, nem ter sido concebida ainda. Este
entendimento é confirmado pelo art. 1.800, §4º, que diz que se, decorridos 2 anos após a
abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo
disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.
O doador morreu, mas antes de morrer doou o bem a uma prole eventual. Se depois da
morte, passados 2 anos, a prole eventual não foi concebida, passa-se os bens aos herdeiros,
objeto da doação.

4.2.4. DOAÇÃO SOB FORMA DE SUBVENÇÃO PERIÓDICA

Subvenção periódica é dar a alguém algo periodicamente. Há aqui uma doação de trato
sucessivo, situação na qual o doador vai estipular rendas a favor do donatário (art. 545).
Em regra, terá como causa extintiva a doação sob forma de subvenção periódica a morte
do doador ou do donatário. Quem morrer primeiro extinguirá a doação.
Atente-se que a doação sob forma de subvenção periódica poderá ultrapassar a vida do
doador, se houver previsão contratual nesse sentido. Nunca vai ultrapassar a vida do donatário,
tendo como característica intuito personae.

4.2.5. DOAÇÃO EM CONTEMPLAÇÃO DE CASAMENTO FUTURO

A doação em contemplação de casamento futuro é aquela em que o sujeito diz que se


João casar com Maria, eles receberão um imóvel. É a denominada doação propter nuptias.
Essa doação é feita a pessoa certa e determinada, e, portanto, é uma doação
condicional.
Essa doação pode ser feita entre os nubentes, por um terceiro que faça a um deles ou a
ambos, ou a favor dos filhos que nascerem àquele casamento.

4.2.6. DOAÇÃO PODERÁ SER DE ASCENDENTES A DESCENDENTES E DOAÇÃO ENTRE CÔNJUGES

A doação poderá ser de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges.


O art. 544 diz que as doações de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges
importam em adiantamento do que lhes cabe por herança. Há uma preocupação com a legítima.
Há uma presunção de que aquilo que foi recebido antes será adiantamento da herança.
Então, quando for aberto o inventário deverá ser trazido o bem ao processo.
No caso de doação de ascendentes a descendentes, os bens deverão ser colacionados
ao processo de inventário pelo descendente que recebeu o bem, sob pena de ser considerado
sonegado, perdendo o direito que tem sobre a coisa.
É possível que o doador dispense essa colação, caso em que o donatário não precisará
trazer o bem ao inventário.
A doação entre cônjuges é plenamente válida e possível, desde que o bem doado não
seja integrante de patrimônio comum do casal, como é o bem particular. O que não se admite
é a doação de bem comum do casal.

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Aurélio Bouret

4.2.7. DOAÇÃO COM CLÁUSULA DE REVERSÃO

A doação com cláusula de reversão é aquela em que o doador estipula que os bens
doados voltem ao patrimônio do doador, caso ele sobreviva ao donatário.
O que há aqui é uma condição resolutiva expressa (art. 547).
Atente-se que não se pode estipular que, se o donatário morrer, os bens serão
destinados a João, pois estaria havendo pacta corvina, discutindo herança de pessoa viva.
Se o doador morrer antes do donatário, esta condição jamais ocorrerá, incorporando-se
os bens definitivamente ao patrimônio do donatário, pois a condição resolutiva não se
implementará.
A cláusula de reversão não torna o bem inalienável, podendo o donatário alienar o bem.
Porém, se alienar o bem e vier a falecer antes do doador, essa alienação é sem efeito perante
o doador. Torna-se com a implementação da condição resolutiva, conforme art. 1.359.

4.2.8. DOAÇÃO CONJUNTIVA

A doação conjuntiva é aquela que conta com a presença de 2 ou mais donatários,


havendo uma obrigação divisível, e que será doado o bem para 2, 3 ou 4 donatários.
Há uma presunção relativa de divisão igualitária da coisa entre os donatários.
Em regra, não existe direito de acrescer entre os donatários. Isto é, foi doado um bem a
4 pessoas, mas um dos donatários morreu, agora a parte dele vai para os herdeiros, não havendo
direito de acrescer aos demais.
Isso é a regra, tendo em vista que o direito de acrescer poderá estar previsto no
contrato, ou mesmo em lei, conforme o art. 551, parágrafo único.
O art. 551, parágrafo único, traz o direito de acrescer legal quando os donatários forem
marido e mulher, caso em que, caso a mulher morra, passa tudo para o marido.

4.2.9. DOAÇÃO MANUAL

A doação manual é a doação com a mão, situação em que há uma tradição imediata,
tratando-se da doação que se dá com a tradição.
Lembre-se que é o caso da doação verbal que se consuma com a tradição, sendo certo
que se trata de coisa de pequeno valor (art. 541, parágrafo único).

4.2.10. DOAÇÃO INOFICIOSA

A doação inoficiosa é aquela prevista no art. 549, a qual estabelece que é nula a doação
quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia
dispor em testamento.
É a doação que prejudica a legítima.
Não é toda doação que é considerada nula, atingindo somente a parte que exceder à
legítima.
Ex.: João tem um patrimônio de 1 milhão de reais, tendo 79 anos e dois filhos. Arrumou
uma namorada de 18 anos, decidindo doar a ela 700 mil reais. João não poderia doar 700 mil,

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pois 50% do seu patrimônio integra a legítima. Portanto se doou 700 mil, considera-se 200 mil
nulos, angariando 500 mil.
Segundo o STJ, aplicam-se às pretensões declaratória de nulidade de doações
inoficiosas o prazo prescricional de 10 anos para o ajuizamento dessa ação.
A ação só pode ser proposta por quem é interessado na declaração de nulidade, ou seja,
pelos herdeiros do doador.

4.2.11. DOAÇÃO UNIVERSAL

A doação universal é a doação do universo de bens.


O art. 548 diz que é nula a doação de todos os bens sem a reserva do mínimo para a
sobrevivência do doador.
Portanto a doação universal é vedada, caso não haja reserva para sobrevivência do
doador.
Há a consagração do estatuto do patrimônio mínimo do Ministro Luiz Edson Fachin.
É preciso fazer uma leitura adequada do art. 548, chegando à conclusão de que poderá
a pessoa doar todo o seu patrimônio, desde que faça reserva de usufruto ou de rendas a seu
favor.
Ex.: sujeito doa o seu único apartamento com a cláusula de usufruto de que os valores
do aluguel serão dele.

4.2.12. DOAÇÃO DO CÔNJUGE ADÚLTERO AO SEU CÚMPLICE

O art. 550 diz que a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice na traição é anulável,
desde que proposta a ação anulatória pelo outro cônjuge ou pelos herdeiros necessários, até 2
anos após a dissolução da sociedade conjugal. Essa dissolução vem com a separação judicial ou
divórcio.
Esse dispositivo não pode ser aplicado quando o doador vive em união estável com o
donatário. Isto ocorre quando o doador está separado de fato do cônjuge.

4.2.13. DOAÇÃO A ENTIDADE FUTURA

Doação a entidade futura ocorre quando a entidade irá existir.


A doação feita por uma pessoa a uma pessoa jurídica que ainda não existe,
condicionando a eficácia da doação à regular constituição dessa sociedade é a doação a entidade
futura.
Caso a entidade não seja constituída no prazo de 2 anos, a contar da doação, caducará
a doação.

4.3. PROMESSA DE DOAÇÃO

Existe uma discussão se é possível um contrato preliminar de doação, o qual será


unilateral sobre uma liberalidade futura.
Uma das partes compromete-se a celebrar um contrato de doação no futuro.

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Aurélio Bouret

Tartuce entende que é possível. Admitida a validade e eficácia do negócio, o futuro


beneficiário, que tem um contrato preliminar a seu favor, terá o direito de exigir o cumprimento
dessa promessa.

4.4. REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO

A revogação da doação é uma forma de resilição unilateral, por conta da perda da


confiança.
É reconhecido esse instituto como um direito potestativo em favor do doador.
A revogação poderá se dar por dois motivos:
• ingratidão do donatário;
O art. 556 proíbe que exista a renúncia prévia do doador ao direito de revogar a
doação por ingratidão. Isso não impede que, tendo ocorrido o ato de ingratidão,
ainda assim não revogue. O que não pode é renunciar previamente.
O art. 557 traz um rol exemplificativo de casos que podem motivar a revogação por
ingratidão:
• donatário atentou contra a vida do doador: se conseguir consumar a morte do
doador, quem terá legitimidade será os seus herdeiros;
• donatário atentou fisicamente contra o doador;
• donatário injuriou gravemente o doador ou se caluniou;
• se, podendo ministrar alimentos ao doador, o donatário tenha se recusado a
prestar;
• quando o donatário causar uma das hipóteses acima em face do cônjuge,
ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.
O art. 561 diz que, no caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus
herdeiros, exceto se aquele houver perdoado. A única opção de perdoar o donatário no caso de
ter sido morto pelo donatário, é o caso em que tenha sido vítima da tentativa de homicídio e ter
sido internado no hospital, momento em que, em sã consciência, perdoou o donatário, e
posteriormente viesse a morrer. Neste caso, obviamente não caberia a revogação da doação.
A revogação por ingratidão não vai prejudicar direitos adquiridos por terceiros, e nem
vai obrigar o donatário a restituir frutos que percebeu antes da citação válida da ação que
intenta a revogação da doação. Antes da citação ele é possuidor de boa-fé, então o adquirente
terceiro de boa-fé e os frutos percebidos não devem ser restituídos. Se o donatário já alienou o
bem terá o direito do valor da coisa alienada.
Existem casos em que não se admite a revogação por ingratidão, como é o caso de:
• doação puramente remuneratória: somente admite-se a revogação naquilo
que exceder a prestação do serviço, ou seja, na parte da liberalidade;
• doação com encargo quando já cumprido o encargo: também não podem ser
revogadas as doações com encargo quando já cumprido o encargo;
• doação relacionada com o cumprimento de uma obrigação natural: apesar de
não existir responsabilidade, existe débito, não cabendo a revogação;
• doação propter nuptias: não caberá a revogação de doação no caso de doação
em contemplação de casamento futuro.
O prazo para revogação da doação, segundo o art. 559, deverá ser pleiteada no prazo
de 1 ano, a contar de quando chegue o conhecimento do doador o fato que autoriza ao doador
o fato que autoriza a revogação da doação, e chegue ao seu conhecimento de que o autor
daquele fato é o donatário, começando a contar esse prazo de 1 ano. Como a ação de revogação
é constitutiva negativa, esse prazo é decadencial.
• inexecução do encargo ou modo para executar.

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Aurélio Bouret

No caso de revogação da doação por inexecução do encargo, apesar de existir uma certa
controvérsia, é majoritário o entendimento de que o prazo para revogação da doação por
descumprimento de encargo é prescricional de 10 anos, pois teria ocorrido a violação ao direito
subjetivo do doador de ver cumprido o encargo.
O art. 560 diz que o direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do
doador e nem prejudica os herdeiros do donatário.
A verdade é que o direito de revogar a doação se transmite aos herdeiros do doador se
a ação já foi iniciada. O direito de revogar não foi transmitido ao herdeiros do doador, mas sim
a possibilidade de prosseguir a ação que foi iniciada pelo doador visando a revogação da doação.
Portanto, eles poderão continuar contra o donatário, inclusive continuar contra os herdeiros do
donatário, caso ele venha a falecer depois do ajuizamento do pleito revogatório.
A respeito da revogação da doação onerosa, por inexecução do encargo, não se pode
confundir o legitimado da revogação da doação com os legitimados para exigir a execução do
encargo, que pode ser o doador, terceiro ou até o Ministério Público, caso o encargo tenha
interesse geral.
Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar o donatário
judicialmente para que dentro de um prazo razoável cumpra a obrigação (art. 562). Após o
decurso do prazo, poderá começar o prazo para doação.

5. LOCAÇÃO DE COISAS NO CÓDIGO CIVIL

5.1. INTRODUÇÃO

O contrato de locação é um contrato por meio do qual uma das partes se obriga a ceder
a outra parte por um tempo o uso e gozo de uma coisa infungível, por meio de uma certa
remuneração que é denominado aluguel.
A primeira característica é que é um contrato bilateral, contrato oneroso (existe
remuneração, ou seja, o sacrifício por ambas), contrato comutativo (as partes já sabem as suas
prestações), contrato consensual (aperfeiçoa-se com o encontro das vontades), contrato
informal (não depende de forma escrita e nem escritura pública) e é um contrato de execução
continuada ou de trato sucessivo.
O Código Civil trata da locação de bens móveis e bens imóveis.
Em relação aos bens imóveis, o CC tratará das locações que não estejam sujeitas à Lei
nº 8.245/91, a qual trata da locação de imóveis urbanos, levando em consideração a destinação
desse imóvel. Se o imóvel for destinado à residência, indústria, comércio e para prestação de
serviços, será regido pela Lei nº 8.245/91.
Se for destinado para outros fins, será regido para outros fins, como agricultura,
pecuária, extrativismo, etc., incidindo o Estatuto da Terra ou o Código Civil.
Além disso, o art. 1º da Lei de Locações excluiu alguns imóveis do âmbito de aplicação,
como imóveis públicos (Lei nº 8.666), vagas autônomas de garagem, espaços publicitários,
locação de espaços de apart-hotel, flats, equiparados (CC e CDC), arrendamento mercantil e
leasing (resoluções do BACEN).
O que se percebe é que o Código Civil tem uma aplicação reduzida em relação aos
imóveis.

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5.2. DEVERES DAS PARTES NUMA LOCAÇÃO

O locador é obrigado a:
• entregar ao locatário a coisa com todas as suas pertenças e condições de ser
utilizadas;
• manter o bem no estado de utilização pacífica pelo locatário;
• se ocorrer a deterioração da coisa no prazo da locação e não sendo essa
deterioração culpa do locatário, poderá ele propor a redução do aluguel, ou até
mesmo resolver o contrato, pois a coisa não lhe serve mais (art. 567);
• resguardar o locatário contra turbações e esbulhos cometidos por terceiros. Tanto
o locador quanto o locatário serão legitimados para ações possessórias.
O locatário é obrigado a (art. 569):
• servir-se da coisa alugada para seus usos convencionados ou presumidos conforme
a natureza da coisa;
• pagar pontualmente o aluguel;
• levar ao conhecimento do locador as turbações feitas por terceiros ;
• restituir a coisa no estado em que há recebeu, salvo as deteriorações naturais da
coisa.

O art. 571 diz que se a locação for estipulada com prazo fixo, antes do vencimento prazo
não poderá ser reavida pelo locador, salvo se o locador indenizar o locatário pelas perdas e
danos resultantes da quebra contratual. Neste caso, o locatário terá o direito de retenção do
bem até que haja o seu pagamento.
Da mesma forma, o locatário somente pode devolver a coisa antes do pactuado pagando
a multa prevista no contrato, proporcionalmente ao tempo que restar para o término daquele
contrato.
O art. 572 vai dizer que a multa ou a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que restar
do contrato, se ela constituir uma obrigação excessiva, poderá o juiz reduzi-la em bases
razoáveis.

5.3. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Se a locação é por prazo determinado, cessará de pleno direito com o esgotamento do


prazo.
Findo o prazo da locação, se o locatário continuar na posse da coisa alugada e o locador
não se opor. Neste caso, presume-se que a locação tenha sido prorrogada pelo tempo
indeterminado e com o mesmo valor de aluguel (art. 574).
Nessas circunstâncias, a qualquer tempo, poderá o locador notificar o locatário para que
ele restitua ao locador o bem. É a denominada denúncia vazia, resilição unilateral.
Se a coisa, objeto de locação, foi alienada pelo locador, havendo um novo proprietário,
este não é obrigado a respeitar o contrato, pois o contrato só vale entre as partes.
Todavia, se o contrato, estando em sua vigência, por prazo determinado, tenha uma
cláusula de vigência no caso de alienação, e esta cláusula conste no registro de imóveis ou no
cartório de títulos e documentos, situação na qual terá eficácia perante terceiros.
Nos casos envolvendo imóvel, caso o novo locador não esteja obrigado a respeitar o
contrato, não poderá simplesmente despejar o locatário, devendo observar o prazo de 90 dias

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para o locatário desocupar o bem, situação na qual começará a contar o prazo de notificação,
visando a desocupação do imóvel.
Em relação às benfeitorias, o locatário tem direito de retenção quanto às benfeitorias
necessárias, até ser indenizado por ela.
Em relação às benfeitorias úteis, terá direito de retenção se a implementação delas
tenha sido autorizada pelo locador.
O STJ vai trazer a Súmula 335 que vai dizer que nos contratos de locação é válida a
cláusula de renúncia às benfeitorias e ao direito de retenção.

6. EMPRÉSTIMO: COMODATO E MÚTUO

6.1. INTRODUÇÃO

O contrato de empréstimo é um negócio jurídico pelo qual uma pessoa entrega uma
coisa a outra pessoa e de forma gratuita, situação na qual essa pessoa se obriga a devolver a
coisa emprestada ao final do contrato.
Se esta coisa for consumível, esta coisa deverá ser restituída na mesma espécie e na
mesma quantidade.
Há duas espécies de contrato de empréstimo:
• comodato: empréstimo de bem infungível;
• mútuo: empréstimo de bem fungível.
Os dois contratos de empréstimos, além de serem gratuitos e unilaterais, ou seja,
benéficos, como regra, também são comutativos e informais, e reais, percebendo a
características de unilateralidade.

6.1.2. COMODATO

O comodato, que é o empréstimo de bem infungível, pode ter por objeto tanto bens
móveis como imóveis.
A parte que empresta é o comodante e a parte que recebe é o comodatário.
O contrato é baseado na confiança. Por isso o contrato é intuito personae.
A doutrina aponta a possibilidade de comodato de bens fungíveis, desde que esses bens
sejam utilizados para enfeites ou para ornamentação. Trata-se do comodato ad pompam vel ad
ostentationem. Quer dizer que, por convenção das partes, um bem que, por sua natureza é
fungível, acaba se tornando infungível.
O art. 580 diz que tutores, curadores e administradores de bens alheios em geral não
podem dar em comodato, sem autorização especial, dos bens que estão sob sua guarda.
O contrato de comodato é temporário, pois do contrário seria doação. Esse prazo pode
ser determinado ou indeterminado.
Caso seja indeterminado, presume-se que o prazo é aquele para o uso a que se destinou
o empréstimo. Nesse caso, não pode o comodante, salvo necessidade urgente e imprevista,
assim reconhecida pelo juiz, suspender o uso ou gozo da coisa emprestada antes do
cumprimento do fim a que se propôs.
Essa regra também vale para o comodato com prazo determinado, visto que, antes do
prazo, o comodante não pode reaver a coisa, salvo necessidade e urgência imprevistas.

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Aurélio Bouret

A parte final do art. 582 do CC diz que o comodatário constituído em mora, além de por
ela responder, irá pagar até restituí-la o aluguel da coisa, que será aquele arbitrado pelo
comodante. É um aluguel-pena.
O STJ entende que esse aluguel é uma verdadeira pena privada e não será tido como
indenização pela ocupação. O objetivo aqui coagir o comodatário a fim de que ele restitua o
mais rapidamente possível a coisa emprestada.
Se houver um arbitramento exagerado, poderá ser objeto de controle judicial. Segundo
o STJ, o aluguel-pena não pode ser superior ao dobro do valor do aluguel cobrado em média
pelo mercado.
A primeira parte do art. 582 diz que o comodatário é obrigado a conservar, como se sua
fosse sua, não podendo usar a coisa emprestada em desacordo com o que prevê o contrato de
comodato ou da própria natureza da coisa. Se assim o fizer, responderá poder perdas e danos.
O art. 583 diz que, se caindo em risco a coisa emprestada, o comodatário deixar de salvar
essa coisa para salvar coisa própria, responderá pelo dano ocorrido na coisa objeto do
comodato, ainda que este dano seja fruto de caso fortuito ou força maior.
O comodatário não pode recobrar do comodante despesas que ele teve para usar e
gozar da coisa emprestada (art. 584).
Havendo pluralidade de comodatários, haverá responsabilidade solidária entre eles (art.
585). É um caso de solidariedade passiva legal.

6.1.3. MÚTUO

O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, havendo de um lado o mutuante (cede a


coisa) e do outro o mutuário (recebe a coisa).
Em regra, é um contrato unilateral, real (aperfeiçoa-se com a entrega da coisa), gratuito
(exceção ao mútuo feneratício), comutativo, temporário e informal.
Exemplo é o empréstimo de dinheiro.
O mútuo somente pode ter por objeto bens móveis, pois só recai sobre bens fungíveis,
e todos os bens imóveis são infungíveis.
Como a coisa é transferida para outrem e este outrem a consome, devolvendo uma nova
coisa com o mesmo gênero, mesma qualidade e com a mesma quantidade, é forçoso convir que
este contrato é translativo da propriedade, pois transfere o domínio da coisa empresada ao
mutuário. Portanto, por conta do mutuário correrão todos os riscos da coisa, desde o momento
da tradição.
O art. 590 diz que o mutuante pode exigir do mutuário uma garantia real ou fidejussória,
se antes do vencimento do contrato o mutuário sofrer uma notória mutação na sua situação
econômica.
Caso o mutuário não atenda essa solicitação do mutante para constituir uma garantia
real ou fidejussória, haverá neste caso o vencimento antecipado da dívida.
Em regra, o mútuo, quando feito a um menor de idade, a lei vai dizer que se for feito a
um menor sem autorização do seu representante, não poderá ser reavido do mutuário, e nem
mesmo dos seus fiadores, pois o mútuo foi feito a um menor sem autorização do representante
(art. 588).
Essa regra comporta exceções. O art. 589 diz que não se aplica a regra do art. 588
quando:

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Aurélio Bouret

• a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o


ratificar posteriormente;
• o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para
os seus alimentos habituais;
• se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Porém, em tal caso, a execução
do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;
• se o empréstimo reverteu em benefício do menor;
• se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

6.1.3.1. MÚTUO ONEROSO (MÚTUO FENERATÍCIO)

O mútuo poderá ser oneroso, tratado no art. 591.


Segundo esse artigo, destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos
juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.
Isto é, o mútuo feneratício está limitado a 1% ao mês.
No entanto, a jurisprudência superior entende pacificamente que entidades bancárias
não estão sujeitas a esse limite, pois não se sujeitam à Lei de Usura.
Há inclusive a edição de três súmulas sobre o tema:
• Súmula 382: a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si
só, não indica abusividade.
• Súmula 379: nos contratos bancários, não regidos por legislações específicas, os
juros moratórios podem ser convencionados até o limite de 1% ao mês, mas são os
contratos bancários não regidos por legislação específica. Essa súmula atinge as
empresas de factoring.
• Súmula 530: nos contratos bancários, na impossibilidade de se comprovar a taxa de
juros efetivamente contratada, por não ter sido juntado o instrumento de pactuação
aos autos, será aplicada a média de mercado divulgada pelo BACEN, salvo se a taxa
cobrada pelo banco for mais vantajosa para o consumidor.
O art. 592 do CC traz os prazos do contrato, caso não haja previsão no instrumento do
mútuo. No caso de mútuo de produtos agrícolas, tanto para consumo quanto para semeadura,
presume-se o prazo até a próxima colheita.
No caso de empréstimo de dinheiro, o prazo é de 30 dias, contados da sua celebração,
caso não haja previsão.
Nos demais casos, coisa fungível presume-se o prazo que declarar o mutuante de
qualquer forma. Esse prazo será fixado por aquele que emprestou a coisa por meio de
interpelação judicial feita ao mandatário, o que não obsta que o magistrado venha a aumentar
esse prazo efetivamente, a depender das circunstâncias evidenciadas.

7. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

7.1. INTRODUÇÃO

É um negócio jurídico através do qual alguém (prestador) se compromete a realizar uma


determinada atividade, a qual é exercida no interesse de uma outra pessoa (tomador).
No entanto, essa pessoa que se compromete por meio de outrem é denominado
remuneração.

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Há, aqui, um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal. Bilateral,


pois há pessoas que vão prestar de ambos os lados. Consensual, pois se aperfeiçoa com acordo
de vontades. Comutativo, pois ambas as partes prestam alguma coisa. Informal, pois pode ser
oral, escrito, ou seja, não depende de forma escrita.

7.2. REGRAS DA PRESTAÇÃO E SERVIÇO NO CC/02

O art. 594 diz que toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial,
pode ser contratado mediante remuneração.
Percebe-se que a prestação de serviço deve ser de um serviço lícito. A licitude deve ser
analisado em sentido amplo, bastando que haja uma contrariedade à função social do contrato,
à boa-fé, função econômica, etc. Dessa forma, o contrato, pelo menos em alguma parte, será
nulo.
Se a remuneração não estiver sido estipulada ou não tiver acordo entre as partes, a
fixação dessa remuneração será feita por arbitramento, levando em conta os costumes do local,
tempo de serviço e qualidade do serviço executado, e impedindo o enriquecimento sem causa
das partes.
O art. 597 diz que a retribuição será paga depois de prestado o serviço, se não houver
uma convenção ou costume que disponha de forma diversa, ou seja, que o pagamento será
adiantado ou que o pagamento será em prestações.
O art. 598 diz que prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de 4 anos.
É um teto, pois não poderá ter caráter perpétuo.
Se houver um contrato em que o prazo da prestação de serviço é fixada em um período
superior a 4 anos, o contrato deverá ser reputado extinto em relação ao excesso. Preserva-se o
contrato, mas naquilo que ultrapassar 4 anos, será considerado extinto.
O CJF trouxe um enunciado estabelecendo que, nos contratos de prestação de serviço,
nos quais haja de um lado e de outro empresários, e sendo a função econômica relacionada à
exploração de uma atividade empresarial, as partes podem convencionar um prazo superior ao
prazo de 4 anos. Este prazo de 4 anos não será aplicado quando houver um contrato firmado
entre duas pessoas jurídicas no exercício de atividade empresarial. Flavio Tartuce discorda.

7.3. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

O art. 599 diz que, sendo o negócio da prestação de serviço celebrado sem prazo, não
podendo o elemento temporal ser retirado de sua natureza ou do costume do lugar, pode
qualquer uma das partes, mediante aviso prévio, resolver o contrato.
O parágrafo único do art. 599 vai consagrar prazos para essa denúncia do contrato:
• aviso com antecedência de 8 dias, se o salário se houver fixado por tempo de um
mês, ou mais;
• aviso com antecipação de 4 dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou
quinzena;
• aviso de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias.
Decorrem esses prazos da boa-fé objetiva e do direito de informação.
O prestador de serviço contratado por um tempo certo ou contratado por uma obra
determinada deverá cumprir esse prazo, não podendo se ausentar ou se despedir sem justa
causa.

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Do contrário, apesar de ter direito à retribuição daquilo que prestou, deverá pagar
perdas e danos ao tomador (art. 602).
Isso vai se valer na hipótese de o prestador ter sido demitido por justa causa, visto que
neste caso está sendo despedido por uma falha dele. Terá direito à retribuição, mas deverá
pagar uma indenização ao tomador.
Por outro lado, se o prestador de serviço for demitido sem justa causa, o tomador deverá
pagar, além da retribuição vencida, a metade dos valores que teria direito até o termo final do
contrato.
O art. 605 do CC vai dizer que o tomador não pode transferir para outra pessoa o direito
aos serviços ajustados. E o prestador não pode, sem a concordância com tomador, se substituir
por outra pessoa. Há aqui a consagração de que a prestação de serviço tem o caráter intuito
personae.
A prestação de serviço é um negócio personalíssimo, motivo pelo qual, se uma das
partes morre, o contrato também será extinto. Também se extingue o contrato de prestação
de serviços pelo escoamento do prazo, se tiver prazo determinado; pela finalização da obra, se
for uma obra certa; pela rescisão do contrato, se tiver aviso prévio; por inadimplemento de
uma das partes; pela impossibilidade de continuidade do contrato por motivo de força maior.

7.4. TUTELA EXTERNA DO CONTRATO

O art. 608 consagra a denominada tutela externa do crédito, estabelecendo que aquela
pessoa que aliciar outra pessoa que estava obrigada em contrato escrito a prestar serviço a
outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito,
houvesse de caber durante 2 anos.
Quem chega para aliciar a pessoa que está contratada por outrem para prestar o serviço
vai pagar a outra pessoa o valor que esse prestador teria direito durante 2 anos em face dessa
outra pessoa. Há uma fixação de uma indenização contra um terceiro que interfere numa
relação contratual que não celebrou.
Por isso, tutela externa do contrato, pois há responsabilização do terceiro que
desrespeitou o contrato. Há uma exceção muito clara ao princípio da relatividade.

7.5. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO AGRÍCOLA

O art. 609 estabelece que a alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos serviços
se opera, não importa a rescisão do contrato, ressalvando-se ao prestador opção entre
continuar esse contrato com o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante.
A pessoa que comprou a propriedade agrícola deverá continuar com o sujeito que está
prestando o serviço até o término do serviço. Há aqui uma obrigação que assume uma eficácia
real perante o adquirente do prédio agrícola, pois terá de perceber esse contrato em relação à
pessoa que nem participou.
Trata-se de uma exceção ao princípio da relatividade.

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Aurélio Bouret

8. CONTRATO DE EMPREITADA

8.1. INTRODUÇÃO

A empreitada é o contrato por meio do qual uma das partes (empreiteiro) vai se obrigar
a fazer ou mandar fazer determinada obra mediante remuneração. Esta obra será feita em favor
de outra pessoa, que é denominado de tomador ou dono da obra.
A doutrina diz que são três as modalidades de empreitada, conforma art. 610:
• empreitada sob administração: o empreiteiro apenas administra as pessoas que
foram contratadas pelo dono da obra;
• empreitada sob mão de obra: o empreiteiro fornece a mão de obra, sendo o
material fornecido pelo dono da obra. Nesse caso, o empreiteiro não apenas
gerencia, mas contrata as pessoas;
• empreitada mista ou de lavor e materiais: o empreiteiro fornece a mão de obra e
também os materiais, se comprometendo a executar a obra inteira. Há aqui uma
obrigação de resultado. Por isso, é o empreiteiro que contrata o pessoal e fornece
os materiais.
Há, aqui, um contrato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e informal.

8.2. REGRAS DA EMPREITADA NO CC/02

O art. 611 diz que na hipótese de o empreiteiro fornecer os materiais (empreitada


mista), correrão por conta do empreiteiro os riscos até o momento de entrega da obra. Se o
dono da obra estiver em mora para receber a obra, os riscos serão por conta do dono da obra.
O art. 612 diz que se o empreiteiro só forneceu a mão de obra, todos os riscos pelos
quais ele não tenha culpa correrão por conta do dono da obra. Quando a empiteirada é de mão
de obra apenas, a obrigação do empreiteiro passa a ser uma obrigação de meio, e não de
resultado, ao contrário da empreitada de lavor e materiais.
Sendo a empreitada de mão de obra, se a coisa perece antes de ser entregue e não há
mora do dono ou culpa do empreiteiro, ele não responderá, mas também não terá direito à
retribuição, pois não houve culpa do prestador e do tomador.
Todavia, se o empreiteiro comprovar que a coisa pereceu por conta dos defeitos dos
materiais fornecidos pelo dono da obra, e que ele reclamou tempestivamente contra aquela
quantidade de materiais ou contra aquela qualidade de materiais. Nesse caso, o código diz que
há direito sim a retribuição.
O art. 618 diz que, nos contratos de empreitada de edifício, ou de outras construções
consideráveis, o empreiteiro de materiais e de lavor responderá pelo prazo irredutível de 5 anos
pela solidez e pela segurança do trabalho. Isso em razão dos materiais ou do solo, por exemplo.
Aqui há um prazo de garantia legal.
Haverá decadência do direito do dono da obra se não propuser a ação contra o
empreiteiro, nos 180 seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
Em relação ao prazo para pleitear indenização por descumprimento de contrato, e tendo
isso causado prejuízo (responsabilidade civil contratual), o STJ entende que há um prazo de 10
anos.
Concluída a obra, de acordo com o ajustado, o dono da obra é obrigado a receber essa
obra.

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Aurélio Bouret

Poderá o dono da obra rejeitar quando o empreiteiro tiver se afastado das suas
instruções, ou de seus planos dados a ele, ou se tiver se afastado das regras técnicas para
construção.
Eventualmente, poderá o dono da obra requerer que haja o abatimento proporcional
do preço contratado. Isso se o serviço não tiver sido prestado a contento, evitando um
enriquecimento sem causa de quem prestou o serviço (art. 616).
Em relação ao pagamento da remuneração, o art. 614 vai dizer que se a obra constar de
partes distintas (ex.: 10 salas de um prédio comercial, e ele vai reformar as 10), ou for obra em
que se determina por medidas, o empreiteiro tem direito de receber ou de exigir o pagamento
na proporção em que a obra foi executada.
O preço da empreitada pode ser estipulado pela obra inteira, denominando-se preço
global.
O art. 614, §1º, cria uma presunção relativa, dizendo que tudo o que foi pago presume-
se verificado.
No §2º, o CC estabelece que o que se mediu presume-se verificado se, em 30 dias, a
contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem
estiver incumbido da sua fiscalização. Essa presunção exige dois comportamentos: comissivo
(medir a obra) e omissivo (ausência de denúncia da obra no prazo de 30 dias, situação na qual
caso não seja denunciado haverá presunção de que foi verificado e que está de acordo com o
projeto).
O art. 619 trata da denominada empreitada com preço fixo. Essa empreitada pode ser
por preço fixado absoluto ou por preço fixo relativo.
O empreiteiro que se compromete a executar uma obra inteira, conforme o plano que
foi aceito, terá ele direito de receber a prestação que ele convencionou, mas não terá direito de
acréscimo do preço, pois houve uma empreitada com preço fixo absoluto.
Agora, se forem introduzidas modificações no projeto, a não ser que resultem de
instruções escritas pelo dono da obra, haverá a possibilidade de ser acrescido um valor ao
preço fixo originariamente fixado.
Eventualmente, ainda que não exista autorização escrita do dono da obra, será este
obrigado a pagar o empreiteiro todos os aumentos, se o dono da obra estiver sempre presente
na obra, e ele não podia ignorar o que estava sendo feito no local, não tendo jamais protestado
com o que estava ocorrendo.
Neste caso, ainda que não tenha dado instruções escritas, o parágrafo único do art. 619
diz que deverá o dono da obra pagar. Trata-se de aplicação da boa-fé. Haveria uma autorização
tácita.
Se houver uma diminuição do preço do material ou mesmo da mão de obra, que seja
superior a 10% do preço global convencionado, poderá o valor do preço global ser revisto, se
houver pedido do dono da obra nesse sentido.

8.3. SUB-EMPREITADA

A execução da obra poderá ser transferida a um terceiro. Quando o código autoriza a


empreitada de mão de obra, que há uma sub-empreitada, há uma exceção. Ao contrário da
prestação de serviços, que tem caráter personalíssimo, a empreitada pode ser cedida a outrem.
Essa sub-empreitada pode ser total ou parcial.

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Aurélio Bouret

Mesmo depois de iniciada a construção, o dono da obra pode suspender essa


construção. Isso desde que pague ao empreiteiro as despesas que o empreiteiro teve, o lucro
que o dono da obra já experimentou pelo serviço já feito e ainda uma indenização razoável por
suspensão da obra.
O art. 625 autoriza a suspensão da obra, situação na qual será autorizada a suspensão
da obra nas seguintes hipóteses:
• suspensão da obra por culpa do dono;
• suspensão da obra por motivo de força maior;
• suspensão da obra quando, no decorrer dos serviços, forem manifestadas
dificuldades imprevisíveis de execução do serviço, resultantes de causas geológicas
ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada
excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente
ao projeto por ele elaborado, observados os preços;
• suspensão da obra se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e
natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se
disponha a arcar com o acréscimo de preço.
Como dito, o contrato de empreitada não é personalíssimo, tanto que o art. 626 afirma
que o contrato de empreitada não se extingue pela morte de qualquer das partes, salvo se
ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.

9. CONTRATO DE DEPÓSITO

9.1. INTRODUÇÃO

O contrato de depósito traz um depositário, que recebe um objeto móvel e corpóreo


para guarda, até que o depositante reclame desse objeto.
O objeto pode ser classificado como:
• depósito voluntário: há o depósito por vontade do depositante;
• depósito necessário: há o depósito por imposição.
• depósito necessário legal: decorre da lei;
• depósito necessário miserável: decorre de uma calamidade pública.
Em relação ao objeto do depósito, poderá ser classificado em:
• depósito regular: o objeto é uma coisa infungível;
• depósito irregular: o objeto é uma coisa fungível.
O contrato de depósito, em regra, é unilateral e gratuito. No entanto, é possível que
seja bilateral e oneroso.
Percebe-se que há depósito oneroso em guarda de cofre de banco. Nesse caso, este
depósito é remunerado, apesar de que, via de regra, o contrato ser gratuito.
O contrato de depósito é comutativo e é personalíssimo, pois se confia na pessoa que
guarda a coisa.
O contrato de depósito é real, aperfeiçoando-se com a entrega da coisa.
O art. 646 diz que o depósito voluntário se prova por escrito. Não quer dizer que o
contrato seja formal, mas sim formal, pois para sua celebração não necessita da forma escrita.
Para o depósito ser provado, deverá ele estar escrito. O dispositivo trata da prova da existência
do contrato de depósito, e não da sua existência em si. Para sua eficácia perante terceiros, talvez
seja necessário a prova escrita para provar a sua existência.

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Aurélio Bouret

O contrato de depósito não se confunde com o comodato, apesar de ambos, via de


regra, serem gratuitos. A diferença é que o comodatário goza e utiliza da coisa, enquanto o
depositário apenas guarda a coisa.

9.2. REGRAS QUANTO AO DEPÓSITO VOLUNTÁRIO

O depósito é voluntário porque as partes acordaram nesse sentido. No caso do depósito


voluntário, o depositário é obrigado a ter a guarda do bem. Além disso, é obrigado a ter em
relação à coisa o mesmo cuidado que teria com uma coisa que lhe pertence.
Ainda, o depositário tem o dever de restituir a coisa com todos os frutos e acrescidos
que ela experimentou (art. 629). Isso porque o depositário não goza da coisa, motivo pelo qual
deverá devolver a coisa com os frutos gerados durante o período.
Se a coisa tiver sido depositada em benefício de um terceiro, sendo notificado o
depositário disso, não poderá o depositário se exonerar restituindo a coisa a este, sem
consentimento do terceiro.
Ainda que o contrato fixe um prazo para restituição, o depositário ainda assim deverá
entregar a coisa logo que ela for exigida pelo depositante.
Porém, o art. 636 também excepciona a regra, estabelecendo que o depositário não é
obrigado a devolver a coisa quando:
• tiver direito de retenção por conta das despesas para conservação da coisa em razão
dos prejuízos que experimentou em razão do depósito;
• o objeto foi judicialmente embargado;
• sobre objeto pendeu uma execução notificada ao depositário;
• houver uma suspeita fundada de que a coisa foi dolosamente obtida, requerendo o
depositário que a coisa seja depositada em depósito público.
O contrato de depósito é personalíssimo, pois se baseia na confiança. Dessa forma,
conclui-se que a morte do depositário ou do depositante implica extinção do contrato.
O CC reconhece a possibilidade de o depósito voluntário ser feito de forma conjunta,
tendo dois ou mais depositantes. Se for divisível a coisa depositada, quando for o momento de
devolução da coisa, o depositário irá entregar a cada um dos depositantes a sua respectiva parte,
salvo se houver entre os depositantes solidariedade. Neste caso, o depositário poderá entregar
a coisa toda a um dos depositantes.
O contrato de depósito não traz a possibilidade de uso da coisa. Se houver o uso da
coisa, haverá motivo suficiente para resolução do contrato, já que o depositário serviu-se da
coisa ou alienou a coisa sem expressa autorização do depositante.
A exceção existe quando o depositante autoriza o uso da coisa, ou quando permita
que uma terceira pessoa use a coisa. Nesse caso, o depositário será responsável se houver
prejuízo pela utilização da coisa pelo terceiro que o depositário escolheu, visto que a lei presume
que tenha havido culpa na escolha do terceiro (art. 640, parágrafo único).
O depositário não responde por caso fortuito ou força maior. A sua responsabilidade é
subjetiva, mesmo sendo o contrato gratuito.
O depositário tem a obrigação de restituir a coisa assim que o depositante reivindicar.
Por outro lado, o depositante também tem obrigações no contrato de depósito, mesmo
que gratuito, sendo obrigado a pagar ao depositário as despesas para conservação da coisa e os
prejuízos que o depositário experimentou com o depósito, visto que não se permite

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Aurélio Bouret

enriquecimento sem causa. Neste caso, poderá haver direito de retenção do depositário caso
não seja ressarcido.

9.3. DEPÓSITO NECESSÁRIO

Maria Helena Diniz diz que são três as espécies de depósito necessário:
• depósito legal: decorre da lei;
• depósito miserável: decorre de calamidade;
• depósito do hospedeiro: o hospedeiro é o depositário das bagagens dos hóspedes,
de forma que os hospedeiros respondem como depositários se houver a perda da
bagagem dentro do hotel.
Em regra, o depósito necessário não se presume gratuito, diferentemente do
voluntário.
Não se admite que haja a prisão civil do depositário infiel, pois o Pacto de San José da
Costa Rica tem eficácia supralegal e não admite essa prisão.

10. MANDATO

10.1. INTRODUÇÃO

O mandato é o contrato pelo qual o mandante vai transferir poderes a outrem,


denominado mandatário, e esse poder é transferido para que o mandante exerça determinados
atos ou que administres interesses do mandante.
O art. 654 diz que todas as pessoas capazes são aptas a dar procuração por instrumento
particular, tendo validade, desde que haja assinatura do mandante.
Mandato é o contrato e procuração é o instrumento através do qual o mandato se
materializa. O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a
qualificação do outorgante e do outorgado, a data da outorga e o objetivo da outorga com a
designação e a extensão dos poderes conferidos ao outorgado.
O mandado é um contrato unilateral, pois é o mandatário que assumirá as obrigações,
via de regra.
A vontade das partes ou a natureza profissional do outorgado poderá converter o
mandato em contrato bilateral imperfeito, que ocorre quando o mandatário tiver direito a
remuneração.
Presume-se que o mandato é gratuito quando se está diante de um mandato civil, mas
quando se estiver diante de um contrato empresarial, esta representação será onerosa.
Em relação ao mandato oneroso, há a regra de que o mandatário deve retribuir a
remuneração acordada pelas partes ou a remuneração prevista em lei. Se a lei e o contrato
forem omissos, o valor da remuneração do mandatário será determinado pelos usos do lugar.
Caso ainda assim não chegue ao valor, será arbitrada pelo juiz de forma razoável.
O mandato é consensual, aperfeiçoando-se pela vontade das partes. É o mandato um
contrato informal.
Mesmo que o mandato seja outorgado por instrumento público, poderá haver
substabelecimento do mandato por instrumento particular. Porém, não sempre. Isso porque o
art. 657 vai dizer que a outorga do mandato está sujeito à forma exigida em lei para o ato a ser
praticado.

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Aurélio Bouret

O mandato verbal não pode ser admitido em casos em que a celebração do contrato
para qual o mandato foi celebrado exija a forma escrita. Ex.: mandato para alguém celebrar
um contrato de fiança em meu nome. Nesse caso, o mandato deverá ter forma escrita. Para
comprar um imóvel, deverá se dar por instrumento público.
Feita a nomeação do mandatário, será necessário que ele aceite este encargo. Essa
aceitação poderá ser tácita ou expressa. A aceitação tácita resultará do início do cumprimento
do contrato celebrado.
O contrato de mandato é personalíssimo, pois se baseia na confiança.

10.2. PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DO MANDATO

Em relação à origem, o mandato pode ser:


• mandato legal: o mandato decorre da lei. Ex.: pai administra o bem do filho incapaz;
• mandato judicial: o mandato é conferido por uma ação judicial. Ex.: inventariante
representa o espólio;
• mandato convencional: o mandato decorre de contratos e convenção das partes.
• mandato ad judicia: representação da pessoa no campo judicial;
• mandato ad negotia: para administração em geral do interesse do mandante
na esfera extrajudicial.
Em relação à pessoa do mandatário:
• mandato singular: quando só há um mandatário;
• mandato plural: quando há vários mandatários, podendo assumir as seguintes
formas:
• mandato plural conjunto ou simultâneo: nenhum dos mandatários podem agir
de forma separados, devendo agir de forma conjunta;
• mandato plural solidário: qualquer dos mandatários ou dos procuradores
podem agir de forma isolada. Em regra, quando há mandato plural, presume-se
que o mandato é solidário;
• mandato plural fracionário: a ação que compete a cada mandatário é
discriminada no instrumento;
• mandato plural sucessivo ou substitutivo: o mandatário só pode agir na falta
do mandatário principal, havendo uma ordem prevista no instrumento.

10.3. PRINCIPAIS REGRAS DO MANDATO NO CC/02

Primeiramente, atos praticados por quem não tem mandato ou por quem tenha e não
tenha poderes suficientes para a prática do ato, serão atos ineficazes em relação ao suposto
mandante.
Não vinculam o mandante, salvo se ele ratificar os atos praticados, conforme art. 662
do CC, caso em que esta ratificação retroagirá à data do ato. Portanto, essa ratificação terá
efeitos ex tunc.
Sempre que o mandatário realizar negócios expressamente em nome do mandante,
será o responsável o mandante, já que o mandatário não pratica o ato em seu nome.
Como o mandatário é um possuidor de boa-fé, poderá reter o objeto da operação que
firmou até o recebimento do pagamento de que lhe é devido por conta do mandato, desde que
seja oneroso.

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Aurélio Bouret

O mandatário que excede os poderes outorgados pelo mandante ou procede contra os


poderes outorgados pelo mandante, será considerado gestor de negócios. Neste caso, enquanto
o mandante não ratificar ou confirmar o ato, será considerado gestão de negócios. Após a
ratificação será considerado mandato retroativo.
O menor relativamente incapaz poderá ser mandante ou mandatário. Se ele é o
mandante, os poderes que outorga deverão ser feitos por instrumento público, caso tenha por
objeto a prática de atos da vida civil.
Se a procuração tiver por objeto a atuação em juízo, nesse caso, o menor poderá
outorgar por simples instrumento particular, desde que assistido pelo seu representante legal.
Se o relativamente incapaz for mandatário, se for mandato extrajudicial, o mandante
não terá ação contra o menor púbere, já que assumiu o risco.

10.4. OBRIGAÇÕES DO MANDATÁRIO

São obrigações do mandatário:


• aplicar toda sua diligência na execução do mandato;
• prestar contas da sua gerência;
• não pode compensar prejuízos a que tenha dado causa com proveitos que tenha
gerado ao mandante;
• pelas somas que o mandatário deveria ter entregado ao mandante, mas inclusive
tomou para si essas somas, deverá pagar ao mandante juros, desde o momento em
que houve abuso da sua representação.
• se o mandatário comprar em nome próprio algo que deveria comprar ao mandante,
poderá o mandante ingressar com a ação reivindicatória para obter a coisa
comprada pelo mandante em seu nome.
• se o mandatário, conhecendo da morte, da interdição ou da mudança de estado do
mandante, estiver diante de um negócio que já tenha se iniciado e deve ser
concluído se não houver perigo, o mandatário deve concluir o negócio.

10.5. OBRIGAÇÕES DO MANDANTE

São obrigações do mandante:


• deve satisfazer as obrigações contraídas pelo mandatário;
• deve adiantar as importâncias necessárias para execução do mandato;
• deve pagar ao mandatário a remuneração ajustada;
• deve ressarcir ao mandatário as perdas sofridas pela execução do mandato, desde
que não resultem de culpa do mandatário;
• ainda que o mandatário contrarie instruções do mandante, se não se exceder aos
limites do mandato, o mandante estará obrigado perante a parte que celebrou
negócio com o procurador do mandante. A única coisa é que o mandante tem é o
direito de regresso ao mandatário para pleitear perdas e danos;
• sendo o mandato outorgado por duas ou mais pessoas, cada uma ficará
solidariamente responsável perante o mandatário.

10.6. SUBSTABELECIMENTO

Substabelecimento é uma cessão parcial de um contrato. O mandatário transferirá


partes dos poderes a uma pessoa.

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Aurélio Bouret

Havendo proibição de substabelecer, e o mandatário ainda assim o fizer, responderá o


mandatário pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto (substabelecido), ainda que
esses prejuízos se dêem por caso fortuito ou força maior, salvo se comprovar que teriam
ocorrido mesmo que estivesse sob sua gerência.
Se houver poderes de substabelecer, ao mandatário só serão imputados os danos que o
substabelecido causar se tiver agido com culpa na escolha do substabelecido ou nas instruções
passadas ao substabelecido.
Se a proibição de substabelecer constar expressamente na procuração, o mandante não
se obriga pelas obrigações firmadas pelo substabelecido.
Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o mandatário irá responder
se o substabelecido proceder culposamente. Trata-se de uma responsabilidade objetiva
indireta, visto que, para responsabilizar o mandatário, será necessário demonstrar que houve
culpa do substabelecido.
Em relação à extensão do substabelecimento, poderá ser:
• substabelecimento sem reserva de poderes: o sujeito que substabelece transfere
ao substabelecido de forma definitiva, renunciando o mandato;
• substabelecimento com reserva de poderes: o substabelecente outorgará poderes
ao substabelecido, mas não irá outorgar poderes.

10.7. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE MANDATO

O contrato de mandato se extinguirá quando há revogação pelo mandante ou quando


há revogação pelo mandatário.
A morte ou interdição de qualquer das partes implica fim do mandato.
Além disso, também se encerra o mandato pelo escoamento do prazo ou pela conclusão
do negócio que justificou o mandato.
O CC ainda autoriza a chamada cláusula de irrevogabilidade. Esta cláusula afasta o
direito potestativo do mandante de resilir unilateralmente o contrato.
Ocorrendo a revogação do mandato pelo mandante, e a notificação somente do
mandatário, essa resilição não irá gerar efeitos em relação a terceiros de boa-fé, reputando-se
como celebrado o contrato, tendo o mandante direito de regresso contra o mandatário (art.
686).
A revogação pode ser expressa ou também poderá ser tácita. A revogação tácita do
mandato ocorre quando se comunica ao mandatário a nomeação de outro
procurador/mandatário.
No caso de morte de uma das partes, apesar de haver a extinção do mandato, serão
válidos, em relação aos contratantes de boa-fé, os atos que foram ajustados com esses
contratantes de boa-fé em nome do mandante pelo mandatário, enquanto o mandatário ignorar
que houve a morte do mandante ou a revogação por qualquer outra causa.

11. CONTRATO DE COMISSÃO; AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO; CORRETAGEM

11.1. CONTRATO DE COMISSÃO

O contrato de comissão é um contrato pelo qual o comissário vai realizar a aquisição ou


a venda de um bem em seu próprio nome à conta do comitente.

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Aurélio Bouret

A diferença entre comissão e contrato é de que na comissão o comissário age em seu


próprio nome, e não em nome do comitente.
O contrato de comissão é bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal.
O contrato de comissão é realizado com base na confiança do comissário, constituindo-
se caráter intuito personae.
O comissário fica obrigado diretamente com a pessoa que ele contratar, não havendo
ação dessa pessoa contra o comitente e nem deste contra aquela.

11.1.1. ESPÉCIES DE COMISSÃO

São espécies de comissão:


• comissão imperativa: não há margem de manobra para o comissário;
• comissão indicativa: há uma margem de atuação do comissário, devendo
comunicar ao comitente para saber se este concorda ou não com essa atuação;
• comissão facultativa: o comitente vai transferir ao comissário as razões do seu
interesse nos negócios, mas não há restrição ou observação especial do comissário.
A obrigação do comissário é uma obrigação de meio. Portanto, a responsabilidade dele
é subjetiva, tanto é que a lei diz que responderá ele por prejuízo, salvo por motivo de força
maior.
O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem ele tratar, a não ser
que haja culpa dele.
Todavia, no contrato de comissão, é possível que se estabeleça a chamada cláusula del
credere. Nesse caso, quando há cláusula del credere, o comissário responde solidariamente com
a pessoa com quem ele tiver tratado.
Essa cláusula não é sempre permitida, pois no contrato de representação comercial
autônomo, a Lei nº 4.886/65, em seu art. 43, vai vedar expressamente esta cláusula del
credere.
Em regra, presume-se que o comissário poderá conceder a dilação do prazo para
pagamento pelo terceiro, em conformidade com os usos do lugar e não tiver instruções diversas
dadas pelo comitente.
Havendo morte do comissário ou se por motivo de força maior o comissário não puder
concluir o contrato de comissão, o comitente deverá pagar uma remuneração proporcional ao
comissário. Porém, obviamente o contrato irá se encerrar, pois o contrato é personalíssimo.
Mesmo que o comissário tenha motivado o fim do contrato, terá direito de ser
remunerado pelos serviços que já prestou e que se mostrem úteis ao comitente. No caso de
dispensa por causa decorrente de culpa do comissário, o comitente terá o direito de exigir do
comissário os prejuízos experimentado (art. 703).
O art. 709 diz que no contrato de comissão devem ser aplicadas as regras previstas para
o contrato de mandato, pois são contratos muito próximos.
Segundo o STJ, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a
obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda
de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente
informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da
comissão de corretagem. Todavia, é abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço
de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de
promessa de compra e venda de imóvel.

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Aurélio Bouret

No mesmo julgado acima, ficou decidido de que a incorporadora tem legitimidade


passiva ad causam, na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que
é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de
corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática abusiva na
transferência desses encargos ao consumidor.
Essa ação prescreve em 3 anos para restituição dos valores pagos a título de comissão
de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere
(art. 206, § 3º, IV, CC).

11.2. CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO

No contrato de agência, uma pessoa vai assumir, em caráter perene e não eventual, a
obrigação de promover à conta de outra pessoa, mediante retribuição, a realização de certos
negócios.
Ou seja, dentro de uma zona determinada, alguém vai promover negócios à conta e em
nome de outra pessoa e será remunerado por isso.
Distribuição haverá quando o agente tiver à disposição a coisa que vai ser negociada.
Quando se está diante de contrato de agência, há um contrato bilateral, consensual,
comutativo, personalíssimo e informal.
É ainda uma característica do contrato de agência o fato de ser um contrato de trato
sucessivo, pois as obrigações vão sendo cumpridas periodicamente.
O contrato de distribuição terá as mesmas características do contrato de agência, sendo
consensual, comutativo, personalíssimo e informal, além de ser de trato sucessivo.
O contrato de agência e de distribuição são contratos de exclusividade. Tanto é que o
art. 711 diz que, salvo ajuste em contrário, o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo,
mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência. Além disso, não pode o agente
assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes.
O agente deve agir com toda a diligência possível e deve observar as instruções do
representado (proponente), sob pena de haver um descumprimento do contrato.
O agente e o distribuidor têm direito à remuneração pelos negócios concluídos dentro
da sua de exclusividade. Ainda que não tenha interferido naquele negócio, mas que tenha sido
celebrado na sua zona, terá ele direito à participação. A isso se dá o nome de comissão.
A remuneração é devida também ao agente quando o negócio deixa de ser realizada por
conta do representado (proponente). Ou seja, o agente ou distribuidor fez tudo e era para o
negócio ser celebrado, mas não foi, terá o proponente direito de receber a sua comissão.
Se o proponente sem justa causa cessa o atendimento das propostas ou reduz o
atendimento, começando a agir de forma antieconômica a continuação do contrato, o agente
ou distribuidor terá direito à indenização. Isso porque houve a quebra da boa-fé.
No tocante ao descumprimento do contrato, destacam-se duas regras:
• mesmo quando dispensado por justa causa, o agente tem direito de ser remunerado
pelos serviços úteis que prestou;
• se a dispensa se der sem culpa do agente, neste caso terá direito à remuneração
devida, mas terá direito dos negócios pendentes, pois trabalhou até o momento,
havendo a sua dispensa sem ter dado causa.
O art. 720 vai dizer que se o contrato for celebrado por tempo indeterminado, qualquer
das partes poderá resolver o contrato, desde que tenha aviso prévio de 90 dias de antecedência

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Aurélio Bouret

e que tenha havido prazo compatível com o investimento ou com a natureza do contrato
celebrado, ou com o investimento feito pelo agente.
Por fim, deve ser aplicado ao contrato de agência ou distribuição, naquilo que forem
compatíveis as regras do mandato ou da comissão que estejam no Código Civil ou regras de
representação previstas em lei especial.

11.3. CORRETAGEM

Corretagem é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa (corretor) se obriga a obter para
outra pessoa (comitente) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas pelo
comitente.
O corretor receberá uma remuneração chamada de comissão.
O contrato, portanto, é um contrato bilateral, oneroso, informal e consensual.
Trata-se de um contrato acessório, pois visa a celebração de outro contrato,
dependendo dessa celebração para surtir efeitos.
É um contrato aleatório, pois o corretor de imóveis só irá receber a comissão se o
negócio for firmado. Há sujeição do risco.
A comissão pode ser variável, fixa ou mista.
A obrigação de pagar a comissão de corretagem, segundo o STJ, é de quem contrata o
corretor. Se é o vendedor que contrata o corretor para vender o imóvel, quem paga é o
vendedor.
O art. 725 diz que a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha o corretor
conseguido o resultado previsto no contrato de corretagem, ainda que esse contrato não se
efetue em razão de arrependimento das partes.
O STJ entende que o corretor tem direito à remuneração mesmo tendo sido realizado
um negócio que ele intermediou posteriormente ao prazo do contrato de corretagem.
Ademais, o STJ entende que a remuneração é devida mesmo havendo inadimplemento
por qualquer das partes posteriormente. O que é fundamental é que o contrato de corretagem
tenha gerado um resultado útil.
O STJ também entende que, ainda que o negócio jurídico de compra e venda não se
concretize por inadimplemento do comprador, é devida a comissão de corretagem no caso em
que o corretor tenha intermediado esse negócio. As partes firmaram um contrato de promessa
de compra e venda, e um dos contratantes lançou um sinal, caso em que o corretor fará jus à
remuneração, pois realizada a intermediação.
O art. 726 diz que sendo iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes,
sem atuação do correto, não terá o corretor direito a nenhuma remuneração, mas se por escrito
tiver sido ajustado um contrato de corretagem de exclusividade, por meio de instrumento
chamado de opção, terá direito o corretor à remuneração, ainda que o negócio tenha sido
realizado sem a sua mediação.
Essa remuneração não será devida quando se estiver diante de uma comprovada inércia,
ociosidade ou descumprimento do contrato de corretagem pelo corretor.
Se houver corretagem conjunta, ou seja, por mais de um corretor, a remuneração será
paga a todos em partes iguais, salvo se o ajuste tiver sido feito de forma contrária.

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12. CONTRATO DE TRANSPORTE

12.1. INTRODUÇÃO

O contrato de transporte é aquele em que alguém (transportador) se obriga a


transportar alguém ou alguma coisa a algum lugar, mediante remuneração.
Essa obrigação é de resultado. Aqui há uma cláusula de incolumidade, entregando a
coisa ou a pessoa incólume ao seu destino.
Trata-se de um contrato bilateral, pois o transportado é devedor da passagem e credor
do transporte, e há o transportador que é o devedor do transporte e credor da passagem. É
comutativo, oneroso e informal, não dependendo de forma escrita ou de escritura pública.

12.2. REGRAS GERAIS PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL

O art. 731 do CC diz que o contrato de transporte exercido em virtude de autorização,


permissão ou concessão será regido pelas normas regulamentares, sem prejuízo do disposto
neste Código.
Percebe-se que se há um contrato de transporte com base numa autorização, permissão
ou concessão haverá normas de direito administrativo, visto que há uma relação contratual
firmada com o Estado, mas sem prejuízo da aplicação das normas de direito civil.

12.2.1. TRANSPORTE AÉREO

O art. 732 diz que vão ser aplicadas as normas previstas em leis especiais e tratados e
convenções internacionais ao contrato de transporte, desde que essas normas não contrariem
aquilo disposto no Código Civil.
Há discussões sobre qual regra será aplicada quando há tratado regulamentando
transporte específico. Isso é importante em razão da Convenção de Varsóvia e em razão da
Convenção de Montreal. Essas duas convenções vão se relacionar a limitações de indenização
em caso de perda de voo ou de extravio de bagagens em viagens internacionais, relacionadas a
transporte aéreo.
A pergunta que se faz é: num contrato de transporte aéreo internacional haverá essa
limitação ou não para o estabelecimento de uma indenização? A reparação será proporcional
ao dano ou conforme prevê a convenção?
No presente caso, temos um conflito entre dois diplomas legais:
• o CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação integral do dano;
• as Convenções de Varsóvia e de Montreal, que determinam a indenização tarifada
em caso de transporte internacional.
Assim, a antinomia ocorre entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço
o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite
máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação.
Questiona-se: qual dos dois diplomas irá prevalecer? Em caso de extravio de bagagem
ocorrido em transporte internacional envolvendo consumidor, aplica-se o CDC ou a indenização
tarifada prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal? As Convenções internacionais.

Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados


internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de

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passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm


prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. STF. Plenário. RE
636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgados em 25/05/2017 (repercussão geral) (Info 866).

As convenções prevalecem porque a Constituição Federal de 1988 determinou que, em


matéria de transporte internacional, deveriam ser aplicadas as normas previstas em tratados
internacionais. Veja:
“Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre,
devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela
União, atendido o princípio da reciprocidade.”
Assim, em virtude dessa previsão expressa quanto ao transporte internacional, deve-se
afastar o Código de Defesa do Consumidor e aplicar o regramento do tratado internacional.
A Convenção de Varsóvia, enquanto tratado internacional comum, possui natureza de
lei ordinária e, portanto, está no mesmo nível hierárquico que o CDC. Logo, não há diferença de
hierarquia entre os diplomas normativos. Diante disso, a solução do conflito envolve a análise
dos critérios cronológico e da especialidade.
Em relação ao critério cronológico, os acordos internacionais referidos são mais
recentes que o CDC. Isso porque, apesar de o Decreto 20.704 ter sido publicado em 1931, ele
sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC.
Além disso, a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a
modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial
de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros.

12.2.1.1. OBSERVAÇÕES SOBRE CONTRATOS DE TRANSPORTES AÉREOS

• As Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte


internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC.
• A limitação indenizatória prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal
abrange apenas a reparação por danos materiais, não se aplicando para
indenizações por danos morais.
• As Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na
hipótese de extravio de bagagem, mas também em outras questões envolvendo o
transporte aéreo internacional.

12.2.2. TRANSPORTE CUMULATIVO

O art. 733 do CC trata do transporte cumulativo. É o transporte em que há vários


transportadores que se obrigam por determinado percurso. Ex.: uma parte do trecho será
rodoviário e outra parte é aquático. Aqui há transportes cumulativos, já que em cada percurso
há transporte diferente.
O art. 756 diz que no transporte cumulativo, todos os transportadores responderão
solidariamente. Uma empresa, no entanto, terá direito de regresso contra a outra.
Havendo dano resultante do atraso ou da interrupção da viagem vai ser determinado
em razão da totalidade do percurso. Essa ressalva do §1º do art. 733 é interessante, pois se foi
contratado uma companhia para levar alguém de Brasília a São Paulo em 12 horas. Quando
chega em Goiânia o ônibus quebra. A companhia, após 2 horas, decide pagar o transporte aéreo.
O sujeito que chegaria às 6 horas da manhã de ônibus, chegou às 6 horas da manhã de avião.
Não houve atraso.

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Nesse caso, será considerado o trajeto como um todo para verificar se houve o
cumprimento tempestivo da obrigação de resultado ou não.

12.2.3. TRANSPORTE DE PESSOAS

No caso de transporte de pessoas, há de um lado o transportador e de outro o


passageiro. O passageiro é transportado por meio do pagamento de uma passagem.
A obrigação assumida é uma obrigação de resultado, não respondendo o transportador
apenas em casos de força maior (inclusive caso fortuito).
O art. 734 não admite como excludente a cláusula de não indenizar. É inadmissível no
contrato de transporte, ainda que não se trate de contrato de consumo.
O parágrafo único do art. 734 diz que é lícito ao transportador exigir a declaração do
valor que contém a bagagem entregue a ele, a fim de fixar o valor máximo da indenização.
O art. 735 diz que a responsabilidade contratual do transportador por acidente com
passageiro não é elidida por culpa de terceiro, pois em relação ao terceiro terá direito de ação
de regresso.
Perceba que há casos em que o Código Civil se mostra mais favorável ao consumidor do
que o próprio CDC, visto que a responsabilidade no CDC pode ser elidida por culpa de terceiro,
enquanto o art. 735 afirma que, no caso de contrato de transporte, não se admite a culpa do
terceiro para excluir a responsabilidade.
Portanto, há aqui a necessidade do diálogo das fontes, conforme Cláudia Lima Marques.
O transporte ainda pode ser feito de forma gratuita (carona), hipótese em que não se
subordina às normas do contrato de transporte, conforme súmula 145 do STJ. A referida súmula
afirma que, no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será
civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa
grave.
Não se considera gratuito quando há um interesse indireto, ou seja, mesmo que seja
sem remuneração, se trouxer remuneração indireta, haverá responsabilização do
transportador. Ex.: passageiro paga gasolina ou pedágio, não sendo considerado isso como
carona.
O art. 738 diz que a pessoa transportada deve se sujeitar às normas estabelecidas pelo
transportador, fixada em bilhetes ou à vista do transportado, abstendo-se de quaisquer atos
que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou
impeçam a execução normal do serviço.
Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas
e instruções regulamentares pelo próprio passageiro, o juiz reduzirá equitativamente a
indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. Há a
concorrência da vítima para o dano. E quando isso ocorre, haverá a redução da indenização,
visto que era dever legal da vítima observar as normas de segurança e instituídas pelo
transportador.
O transportador não pode recusar passageiros por qualquer motivo, salvo nos casos
previstos em regulamento ou quando as condições de higiene ou de saúde do interessado
justificarem essa recusa.
O art. 740 trata da chamada resilição unilateral do contrato de transporte. É a resilição
feita pelo passageiro, sendo essa possível antes da viagem, e desde que seja feita a comunicação
da resilição ao transportador em tempo para que a passagem seja vendida a outra pessoa.

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Caso a viagem já tenha sido iniciada e o passageiro desista da viagem no meio do


percurso, poderá receber de volta o valor proporcional ao percurso, desde que fique
comprovado que outra pessoa foi transportada em seu lugar. Do contrário, não terá direito a
receber nada de volta.
O art. 742 consagra em favor do transportador o direito de retenção da bagagem, como
garantia do valor da passagem. Para Tartuce e Venosa, não há nesse caso penhor legal da
bagagem, e sim um direito pessoal, colocado à disposição do transportador.
Para o Samer, seria uma hipótese de penhor legal, pois pode a empresa ficar com a
bagagem para garantir a passagem.

12.2.4. TRANSPORTE DE COISAS

No transporte de coisas não há passageiros, mas sim um expedidor, o qual irá entregar
um bem corpóreo ao transportador para que ele leve esse bem a um destinatário, que poderá
ser o próprio expedidor, recebendo uma remuneração denominado frete.
O art. 744 diz que ao receber a coisa, o transportador irá emitir o conhecimento, com a
menção dos dados que identificam aquela coisa recebida. Esse conhecimento é um título de
crédito, sendo este atípico.
O art. 745 diz que, no caso de informação inexata ou falsa descrição no documento que
o transportador emitiu com base nas informações prestadas pelo transportado, o transportador
indenizado pelo prejuízo que sofrer. Essa ação respectiva deve ser ajuizada no prazo de 120 dias,
a contar daquele ato, sob pena de decadência.
A doutrina afirma que neste caso o prazo seria prescricional, já que haveria a violação
de um direito que gera um prejuízo, situação em que o autor irá buscar a pretensão à
indenização.
Veja, se o expedidor informar que o transportador está expedindo tijolos, mas na
verdade se trata de maconha, o expedidor deverá arcar com o dano, tendo o transportador ter
o prazo de 120 dias para propositura dessa ação, a contar do momento em que a informação
falsa foi prestada.
O art. 750 vai dizer que a responsabilidade do transportador irá se limitar ao valor
constante do conhecimento, já que teria o dever de informar. Essa responsabilidade iniciará do
momento em que recebe a mercadoria e somente vai se encerrar no momento em que entregar
ao destinatário. Caso não encontre o destinatário, será depositada a mercadoria em juízo.
O art. 752 afirma que, desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado
a avisar o destinatário que desembarcou as mercadorias, salvo se houver convenção nesse
sentido. Ademais, devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de
entrega a domicílio.
Cabe mencionar que há uma crítica da doutrina com relação à possível violação da boa-
fé objetiva, em virtude de não haver a observância do direito de informação.
Ao final do percurso, as mercadorias serão entregues ao destinatário ou quem
apresente o documento de frete endossado. Essa pessoa deverá conferir as mercadorias,
hipótese em que, se não estiverem elas de acordo, deverá apresentar imediatamente a
reclamação, sob pena de decadência.
Se o vício da coisa não for perceptível icto oculi no momento de recebimento da
mercadoria. Nesse caso, o parágrafo único do art. 754 afirma que, se houver avaria ou perda
parcial não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o

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transportador, desde que denuncie o dano em 10 dias a contar da entrega da mercadoria, sob
pena de decadência.
O art. 753 diz que, se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o
transportador solicitará instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou
deterioração responderá, salvo força maior. Veja que a coisa estará sob responsabilidade do
transportador.
Se perdurar o impedimento, mas não sendo este imputável ao transportador e se não
houver manifestação do remetente, poderá o transportador fazer o depósito judicial da coisa
ou vender a coisa transportada, desde que sejam observados os preceitos legais e
regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor em juízo ou em favor do expedidor.
Por outro lado, caso o impedimento se dê por responsabilidade do transportador,
poderá este depositar a coisa judicialmente, mas por sua conta e risco. Só será possível vender
a coisa transportada, quando o impedimento ser de sua responsabilidade, caso a coisa seja
perecível.
Seja qual for o caso, o transportador deve informar o remetente da efetivação do
depósito ou da venda.
Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará
a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela
custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em
cada sistema de transporte.
Caso haja dúvida sobre quem seja o destinatário, o transportador deve fazer o depósito
judicial da coisa, caso não seja possível obter instruções do remetente. Se a demora puder
ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vender a coisa, depositando o saldo
em juízo.

13. CONTRATO DE SEGURO

13.1. INTRODUÇÃO

Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a


garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados (Art. 757 do CC).
Em outras palavras, no contrato de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de
segurada) paga uma quantia denominada de prêmio para que uma pessoa jurídica (seguradora)
assuma determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de sinistro), a
seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente estipulada (indenização).
Então, há um segurador que recebe um prêmio, situação na qual garante determinados
bens ou pessoas contra riscos predeterminados.
Há um contrato bilateral, oneroso, consensual, mas é aleatório, pois o risco é um fator
determinante.
Apesar de parte da doutrina afirmar que o contrato de seguro é comutativo, por conta
de cálculos e estatísticas utilizadas pela seguradora. No entanto, ainda prevalece que se trata
de um contrato aleatório.
Essa comutação ocorrerá entre o prêmio que o segurado paga é a garantia, que é a
contraprestação que o segurador dá. Portanto, o segurador recebe o prêmio dando ao segurado
uma garantia.

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Apesar desse entendimento doutrinário, Tartuce entende que o contrato é aleatório.

13.2. REGRAS GERAIS DO SEGURO NO CÓDIGO CIVIL

Somente pode ser segurador uma entidade legalmente autorizada para esta finalidade
(art. 757). Ou seja, somente sociedades anônimas, grupos de seguro ou cooperativas. Para ser
seguradora é indispensável que haja autorização do governo federal.
Ressalta-se que as cooperativas para seguro terão por objeto apenas seguros agrícolas.
Segundo a lei, a prova do contrato de seguro se dá por meio da apólice ou bilhete de
seguro. Na falta, poderá ser comprovado por qualquer documento que comprove o pagamento
do prêmio.
Veja que a forma é livre, não sendo um contrato formal, pois a lei diz que irá prová-lo
por meio da apólice ou bilhete de seguro. Ou seja, se irá prová-lo é porque ele existe.
Isso mostra que o contrato de seguro é consensual, pois ele está aperfeiçoado desde o
momento em que o acordo de vontades ocorre.
A apólice é o instrumento do contrato de seguro. Ela irá conter as regras gerais do
negócio, e a sua emissão deverá ser precedida, segundo a lei, por uma proposta escrita com a
declaração dos elementos essenciais dos interesses e dos riscos a ser garantidos.
O bilhete do seguro é o instrumento mais simplificado do negócio, por meio do qual se
pode contratar o seguro.
Tanto a apólice quanto o bilhete de seguro podem ser nominativo, à ordem ou ao
portador, mencionando em relação a cada um deles os riscos assumidos, início e fim do seguro,
limite da garantia e prêmio devido.
• Apólice ou bilhete de seguro nominativo: menciona o nome do segurador e do
segurado. Neste caso, é transferido por meio de cessão civil.
• Apólice ou bilhete de seguro à ordem: será transmitido em endosso em preto,
dizendo quem é que irá receber.
• Apólice ou bilhete de seguro ao portador: quem portar é o segurado. Serão
transmissíveis por simples tradição.
O art. 761 vai tratar do denominado cosseguro. No cosseguro, há os riscos de um seguro
direto que são assumidos por várias segurados, sendo corresponsáveis pelo risco.
Nesse caso, a apólice vai indicar qual é a seguradora líder, dentre as corresponsáveis,
que irá administrar o contrato.
Não se pode confundir cosseguro com resseguro. Nessa hipótese, há uma seguradora
que faz um seguro, mas contrata outra seguradora, temendo os riscos desse contrato anterior.
O art. 762 diz que é nulo o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso
do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.
O art. 763 irá dizer que, não tem direito à indenização o segurado que estiver em mora
no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação. Flávio Tartuce afirma
que este dispositivo deve ser interpretado conforme o adimplemento substancial. Como
exemplo, é o caso em que o indivíduo paga o seguro há 10 anos, mas no mês de atraso não paga
e a seguradora recusa a garantia. Nesse caso, deverá a seguradora garantir.
O fato de se não ter verificado o risco em previsão do qual se faz o seguro não exime o
segurado de pagar o prêmio, salvo disposição especial.

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O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do


contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias
e declarações a ele concernentes.
O art. 766 diz que, se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações
inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do
prêmio, este segurado perderá o direito à garantia, e também ficará obrigado ao prêmio
vencido.
Portanto, se quebrou a boa-fé objetiva, perderá a garantir e ficará obrigado ao prêmio
que não pagou.
O parágrafo único diz que se a inexatidão ou omissão nas declarações do segurado não
resultar de má-fé, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou poderá cobrar, mesmo após
o sinistro, a diferença do prêmio.
No chamado seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado
quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de
conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio. Há no art. 767 uma exceção ao princípio
da relatividade.
Ex.: se o pai fez um seguro em favor do filho, poderá o segurador opor ao filho exceções
que teria contra o pai. Ainda que se trate de terceiro, o art. 767 é exceção ao princípio da
relatividade.
O art. 768 diz que o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente
o risco objeto do contrato. No entanto, deverá este agravamento se dar de maneira intencional.
Por isso ganha discussão na doutrina e na jurisprudência se a embriaguez do segurado
em acidentes de trânsito afasta ou não o dever da seguradora de pagar a indenização.
No STJ há entendimentos para os dois sentidos. Flávio Tartuce entende que a
embriaguez, por si só, não consiste em agravamento intencional do risco, não afastando o dever
de indenizar.
Todavia, o STJ entendeu que não é devida a indenização securitária decorrente de
contrato de seguro de automóvel quando o causador do sinistro (preposto da empresa
segurada) estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio
ocorreria independentemente dessa circunstância (Inf. 594).
Em outras palavras, será devido o pagamento da indenização se a empresa segurada
conseguir provar que o acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado.
O art. 769 do CC diz que o segurado é obrigado a comunicar o segurador, logo que saiba,
todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de, se não
informar o segurador, perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. Há um dever
de informar, resultante da boa-fé.
Caso não comunique e fique comprovado que silenciou de má-fé, nesta hipótese
perderá o direito de indenização.
O segurador, desde que o faça nos 15 dias seguintes ao recebimento do aviso da
agravação do risco sem culpa do segurado, poderá cientificar, por escrito, de sua decisão de
resolver o contrato.
Essa resolução, que deve ser comunicada no prazo de 15 dias, só terá eficácia após 30
dias da notificação do segurado, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.
O art. 771 determina que o segurado deverá comunicar imediatamente à seguradora
quando ocorrer algum sinistro envolvendo o veículo, já que isso possibilita que esta tome

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Aurélio Bouret

medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação.
Se não houver esta comunicação imediata, o segurado perderá o direito à indenização.
Todavia, o STJ decidiu que, para a perda do direito à indenização, é necessário que fique
demonstrada a omissão dolosa do segurado, que beire a má-fé, ou culpa grave, prejudicando,
de forma desproporcional, a atuação da seguradora. Ex.: se o segurado demorou 3 dias para
comunicar à seguradora sobre o roubo do veículo em razão de ameaças do criminoso, não
perderá a indenização, pois não poderia ser dele exigido comportamento diverso.
Em regra, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio
estipulado. Porém, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do
prêmio, ou a resolução do contrato.
Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado deve informar o sinistro ao
segurador, logo que souber. E ainda o segurado deverá tomar as providências imediatas para
minorar a ocorrência do sinistro. Isso é a consagração do dever de mitigar as perdas (duty to
mitigate the loss).
O art. 773 do CC vai dizer que o segurador, que ao tempo do contrato sabia que o risco
estava superado, mas não obstante expediu a apólice irá pagar em dobro o prêmio estipulado.
Isso porque se não há risco, não há porque celebrar contrato de seguro. Por conta disso, a
doutrina afirma que o contrato é aleatório, pois o risco é elemento essencial do contrato de
seguro.
É possível que o contrato de seguro traga a cláusula de recondução tácita do contrato
pelo mesmo prazo. Se ficarem caladas as partes, o contrato será prorrogado no tempo pelo
mesmo prazo.
O prolongamento do contrato nas mesmas condições contratadas pelo mesmo prazo.
Tal cláusula é válida, mas não pode ocorrer por mais de uma vez (art. 774).
Ocorrendo o pagamento pela seguradora, é possível a ação regressiva em face do
culpado pelo evento danoso. A seguradora irá pagar o sujeito que está garantido, mas terá
direito de ressarcimento ou de regresso em face de quem efetivamente causou o dano.
Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os
atos relativos aos contratos que agenciarem.
O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido,
salvo se convencionada a reposição da coisa.

13.3. SEGURO DE DANO

No seguro de dano, a garantia não pode ultrapassar o valor da coisa garantida, ou seja,
do valor do interesse segurado. Se o valor segurado for superior ao bem garantido, estará
havendo enriquecimento sem causa.
Portanto, se o valor segurado for superior ao valor coisa, o segurado vai perder a
garantia e pagar o prêmio por quebra da boa-fé e enriquecimento sem causa (art. 778).
Em relação à indenização a ser recebida pelo segurado, o art. 781 diz que não poderá
ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro. Em hipótese alguma o limite
máximo da garantia fixada na apólice. Ex.: foi feito um seguro de um carro de 50 mil reais. Este
é o valor do seguro. Após um ano, o sujeito trocou o carro. Quando for avaliar, o segurador
pagou 40 mil reais, com base na tabela FIPE.
É possível a cumulação de seguros, no caso de seguro de dano, inclusive o seguro duplo.
Porém, o valor do seguro não poderá ser superior ao interesse segurado.

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O art. 783 autoriza o seguro parcial, assegurando o interesse por menos do que ele vale.
Se ocorrer um sinistro parcial, a indenização também será reduzida proporcionalmente.
Ex.: segura-se 50% do bem, ou seja, se fica segurado 10 mil, receberá 5 mil reais da seguradora.
É a denominada cláusula de rateio.
Em relação à garantia, esta não inclui o sinistro provocado por vício intrínseco à coisa
segurada. Portanto, se o segurado não declarou do vício quando da celebração do contrato, será
um vício não segurado. Dessa forma, o vício não é algo que aconteceu, mas sim por algo
intrínseco à coisa. A responsabilidade neste caso será do fornecedor.
Em regra, o contrato de seguro de dano não é personalíssimo, podendo transferir a
terceiro a condição de segurado do bem. Todavia, é possível que o contrato preveja a cláusula
proibitiva de cessão.
O STF entende que, sendo paga a indenização, o segurador vai se sub-rogar nos limites
do valor respectivo, nos direitos e ações que competem ao segurado, contra o autor do dano.
Essa regra não se aplica ao seguro de pessoas, pois o art. 800 do CC é explícito, estabelecendo
que, nos seguros de pessoa, o segurador não pode se sub-rogar nos direitos e ações do segurado
ou do beneficiado, contra quem causou o sinistro. Há aqui apenas a vedação legal à sub-rogação
para o seguro de pessoa.
O Código Civil prevê que a seguradora que paga a indenização sub-roga-se nos direitos
do segurado. Ou seja, o art. 786 estabelece que, paga a indenização, o segurador sub-roga-se,
nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o
autor do dano. Este inclusive já era o teor da Súmula 188 do STF, a qual diz que o segurador tem
ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto
no contrato de seguro.
Segundo o §2º do art. 786, é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga,
em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo. Tal dispositivo previu, de forma
expressa e inequívoca, a ineficácia, perante o segurador, de atos de disposição praticados pelo
segurado juntamente ao autor do dano.
Desse modo, eventual termo de renúncia ou quitação outorgado pelo segurado ao
terceiro causador do dano não impede o exercício do direito de regresso pelo segurador. O
legislador buscou proteger o direito do segurador de ser ressarcido da quantia que gastou para
indenizar o segurado.
Assim, se o segurado optou por acionar o seguro, cobrando a garantia contratada, não
lhe cabe firmar com o causador do dano qualquer tipo de transação que possa importar na
extinção ou diminuição do direito de regresso do segurador. Se o fizer, o ato será absolutamente
ineficaz em relação ao segurador. Por exemplo, o acordo celebrado entre o causador do dano e
o segurado, em que este “fica com pena” da motorista e pede para que ela pague apenas a
franquia do seu seguro, é válido e eficaz entre eles (contratantes).
No entanto, não se pode admitir que os efeitos dessa avença sejam estendidos ao
segurador que, além de não ter participado do ajuste, possui, por força de lei, o direito de ser
reembolsado de todos os valores gastos com o reparo do bem sinistrado. Portanto, mesmo que
o segurado tenha outorgado termo de quitação ou renúncia ao causador do sinistro, o
segurador terá direito de ser ressarcido, em ação regressiva contra o autor do dano, pelas
despesas que efetuou com o reparo ou substituição do bem sinistrado.
Tudo que foi dito acima é a regra. Haverá exceção no caso de má-fé do segurado e boa-
fé do autor do dano. Ex.: Pedro, negligente, bateu no carro de João, que não revela que tem
seguro. Pedro paga o conserto a João e este assina a quitação integral. No entanto, João, de má-

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Aurélio Bouret

fé, aciona o seguro pedindo o conserto do carro, o que é feito. Após, a seguradora ajuíza ação
regressiva contra Pedro cobrando a quantia do conserto do carro segurado.
Nessa hipótese específica e excepcional, o STJ entende que o terceiro (Pedro), ao ser
demandado na ação regressiva, poderá se eximir do ressarcimento das despesas com o bem
sinistrado, bastando que, nos termos do art. 373, II do CPC, prove que já realizou a reparação
completa dos prejuízos causados, apresentando o recibo assinado pelo segurado ou eventuais
documentos que comprovem o custeio das despesas. Neste caso, o juiz deverá julgar
improcedente o pedido regressivo formulado, restando à seguradora a alternativa de
demandar contra o próprio segurado, por locupletamento ilícito, tendo em vista que, em
evidente ato de má-fé contratual, requereu, indevidamente, a cobertura securitária mesmo já
tendo sido indenizado diretamente pelo autor do dano.
Também merece destaque o art. 786, §1º, o qual estabelece que, salvo dolo, a sub-
rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, ascendente ou
descendente, seja consanguíneo ou afim. Esse dispositivo fala que o segurador irá se sub-rogar
no direito do segurado e vai propor a ação contra o causador do dano. Porém, se o causador do
dano for a mulher, filho ou pai da pessoa, não haverá sub-rogação. A exceção é em relação ao
dolo.
O seguro de responsabilidade civil é uma modalidade de seguro de dano. No seguro de
responsabilidade civil, a seguradora se compromete a cobrir danos causados por atos ilícitos
cometidos pelo segurado ao terceiro.
O Código Civil é expresso ao proibir o segurado de reconhecer a sua responsabilidade
ou confessar a ação, ou mesmo transigir com o terceiro indenizado ou mesmo de indenizá-lo,
sem que haja a anuência expressa do segurador nos casos de seguro de responsabilidade civil.
No caso de seguro de responsabilidade civil, se foi intentado uma ação contra o
segurado, o segurado deverá dar ciência ao segurador a respeito da lide. Essa ciência será dada
através da denunciação da lide. Não havendo, poderá posteriormente em acionar o segurador.
O STJ, na súmula 537, estabelece que, em ação de reparação de danos, a seguradora
denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada,
direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima,
nos limites contratados na apólice.
É bom lembrar que o fato de poder ser condenada diretamente e solidariamente não
autoriza que ela seja acionada unicamente e exclusivamente pelo terceiro. Tanto é que a súmula
529 estabelece que no seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de
ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado
causador do dano.
Há seguros de responsabilidade civil que são obrigatórios, como é o caso do DPVAT.
Nesses seguros, a indenização pelo sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro
prejudicado (art. 788).
Vale mencionar a Súmula 246 do STJ, a qual diz que o valor do seguro obrigatório deve
ser deduzido da indenização judicialmente fixada.

13.3.1. SEGURO DPVAT

O DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestres) é um


seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou
por sua carga, a pessoas, transportadas ou não.

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Aurélio Bouret

Qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por
sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os
motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros.
Para receber indenização, não importa quem foi o culpado.
O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais,
somente danos pessoais.
O STJ já se manifestou no sentido de que o DPVAT não cobre os danos de acidente
ocasionado por trem.
Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na lei?
• no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima);
• no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima);
• no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como
reembolso a cada vítima.
A incidência de atualização monetária nas indenizações por morte ou invalidez do
seguro DPVAT opera-se desde a data do evento danoso, conforme súmula 580 do STJ.
Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a
indenização?
• No caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não
fossem separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a
ordem da vocação hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão
beneficiários os que provarem que a morte da vítima os privou dos meios
necessários à subsistência. Segundo o STJ, é válido o pagamento de indenização
aos pais do de cujus no caso em que os genitores, os quais se apresentaram como
únicos herdeiros, diante da apresentação da certidão de óbito que afirmava que o
falecido era solteiro e não tinha filhos. Nada impede, porém, que o filho exerça seu
direito de ingressar com ação cobrando a quantia dos pais do falecido que
receberam a indenização de forma indevida.
• No caso de invalidez permanente: a própria vítima.
• No caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima.
O STJ decidiu que, se uma gestante envolve-se em acidente de carro e, em virtude
disso, sofre um aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos
termos do art. 3º, I da Lei nº 6.194/74. Segundo o Ministro Relator, “o ordenamento jurídico
como um todo se alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação
jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina
contemporânea” (Inf. 547).
A ação de cobrança do DPVAT prescreve em 3 anos, iniciando o prazo da data em que
teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez ou da morte. O prazo prescricional
começa no dia que foi realizado o pagamento administrativo que o beneficiário considera que
tenha sido menor que o devido.
A súmula 573 do STJ estabelece que, nas ações de indenização decorrente de seguro
DPVAT, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez, para fins de contagem do prazo
prescricional, depende de laudo médico, exceto nos casos de invalidez permanente notória ou
naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução.
Para obter a indenização, a pessoa deverá procurar uma das empresas seguradoras que
seja consorciada ao DPVAT e apresentar a documentação necessária. Para requerer o seguro
DPVAT não é necessário advogado, despachante ou qualquer outra ajuda de terceiros. Segundo
o STJ, o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos

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Aurélio Bouret

individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse social qualificado
presente na tutela dos referidos direitos subjetivos.
Na ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre:
• foro do domicílio do autor;
• foro do local do acidente; ou
• foro do domicílio do réu.
Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o
valor pago pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário, por meio de uma ação
de cobrança contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT.
Consoante o entendimento do STJ, em ação de cobrança de seguro DPVAT, a intimação
da parte para o comparecimento à perícia médica deve ser pessoal, e não por intermédio de
advogado (Info 589).
Segundo o STJ, o espólio, ainda que representado pelo inventariante, não possui
legitimidade ativa para ajuizar ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) em caso de
morte da vítima no acidente de trânsito.
Segundo a Lei do DPVAT, o valor indenizatório deve ser pago metade ao cônjuge não
separado judicialmente e o restante aos herdeiros da vítima, segundo a ordem de vocação
hereditária (art. 4º da Lei nº 6.194/1974). O valor oriundo do DPVAT não integra o patrimônio
da vítima de acidente de trânsito. Em outras palavras, o valor da indenização não é um crédito
da vítima falecida. Não integra o patrimônio deixado pelo morto. O valor da indenização do
DPVAT, em caso de morte, passa diretamente para os beneficiários (cônjuge supérstite e
demais herdeiros).

13.4. SEGURO DE PESSOA

O contrato de seguro de pessoa visa assegurar a pessoa humana, protegendo ela contra
riscos de morte, comprometimento de saúde, incapacidades em geral, etc.
O art. 789 diz que nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado
pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o
mesmo ou diversos seguradores.
A primeira diferença entre o seguro de dano e o seguro de pessoa é de que este não
tem limites, pois a vida humana não é quantificável.
Se a pessoa quiser fazer 10 seguros de vida, será possível.
No seguro de vida e no seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a
declarar, sob pena de falsidade, o interesse de assegurar a vida do outro. Deve declarar qual é
o interesse para assegurar.
Presume-se esse interesse quando o segurado for ascendente, descendente ou cônjuge
do proponente, pois do contrário deverá explicar a razão de fazer o seguro.
O contrato de seguro de pessoas pode instituir um terceiro beneficiário, o qual receberá
a indenização em caso da morte do segurado. Na falta de indicação do terceiro, o capital será
pago metade ao cônjuge e a outra metade aos herdeiros do segurado.
Se não for casado e não tiver herdeiros necessários, vão ser beneficiados aqueles que
provaram que com a morte do segurado ficaram privados dos meios necessários à subsistência
(art. 792, parágrafo único).

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Aurélio Bouret

Também é válida na instituição do seguro como beneficiário o companheiro, desde que,


ao tempo do contrato, o beneficiário estivesse separado judicialmente ou mesmo separado de
fato (art. 793).
Nos casos de seguro de vida ou acidentes pessoais geradores de morte, o capital
estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, pois não é herança.
Ainda a respeito do seguro de vida, o STJ tem uma decisão no sentido de que, na
hipótese em que o contrato de seguro de vida é renovado ano a ano, não pode a seguradora
modificar subitamente as condições da avença, e nem deixar de renová-la em razão da idade
do segurado.
No seguro de vida por causa de morte, é lícito estipular um prazo de carência. Durante
o período de carência, o segurador não responderá pela ocorrência do sinistro (art. 797). Nessas
hipóteses, ocorrendo o sinistro, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante
da reserva técnica. A reserva técnica é aquilo que já foi pago.
Em relação ao beneficiário do seguro, este não tem direito ao capital estipulado quando
o segurado comete suicídio nos 2 primeiros anos da vigência do contrato ou nos 2 primeiros
anos da recondução de um contrato que estava suspenso. A pessoa receberá a reserva técnica,
mas o capital não irá receber (art. 798).
Não interessa mais se o suicídio foi premeditado ou não.
Ressalvada essa hipótese, é nula cláusula contratual que exclua pagamento de capital
por causa de suicídio do segurado. Passados estes 2 anos, tem total direito de receber.
Esse seguro de pessoas pode ser estipulado por uma pessoa natural ou por pessoa
jurídica, em proveito de um grupo que essa pessoa jurídica de qualquer modo se vincule. É o
denominado seguro de vida em grupo. Nesse caso, o estipulante é o único responsável para
com o segurador.
Se houver modificação do valor da apólice, será necessária a anuência expressa dos
segurados que correspondam a 3/4 dos integrantes do grupo (art. 801).

14. CONSTITUIÇÃO DE RENDA E JOGO E APOSTA

14.1. CONSTITUIÇÃO DE RENDA

Por meio da constituição de renda uma pessoa (instituidor) entregará uma determinada
quantia em dinheiro, bem móvel ou imóvel, a outra pessoa (rendeiro).
O rendeiro fica obrigado a pagar ao instituidor, temporariamente, certa renda, a qual
poderá ser estipulada em favor do próprio rendeiro.
Perceba que, em regra, essa transmissão ocorre de forma gratuita, por meio de
atividade benevolente. Não há qualquer contraprestação por parte do rendeiro, pois ele seria o
beneficiário.
Em regra, o contrato é unilateral, gratuito, comutativo, real, temporário e solene.
Veja, o contrato de constituição de renda deve se dar por escritura pública.
A constituição de renda pode ser instituída por ato inter vivos ou por ato causa mortis
(testamento). Nesse caso, o testamento deve ser público, conforme a doutrina.
A constituição da renda pode se dar por meio de sentença judicial, como quando há o
pagamento de alimentos indenizatórios.

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Aurélio Bouret

A constituição de renda é feita por prazo certo, mas pode ser feito inclusive por vida,
ou seja, até que se ultime a vida do devedor (rendeiro), situação na qual que, ocorrendo,
retornará o bem ao instituidor.
Não pode a constituição de renda ser pela vida do instituidor, pois se este morrer, a
família daquele que necessitava dos alimentos ou da renda não poderá ficar sem nada.
Se o rendeiro deixar de cumprir uma obrigação estipulada, o credor (instituidor) poderá
acioná-lo. Esse credor também poderá ser terceiro, em benefício do qual a renda foi instituída.
Esse credor também poderá acioná-lo para que ele pague o que deve, ou para que apresente
garantias de que vai pagar o que deve, ou que deverá a partir daquele momento, sob pena de
rescindir o contrato de constituição de renda (art. 810).
Via de regra, não existe direito de acrescer entre os beneficiários da renda. Se falece o
rendeiro, o outro continuará recebendo a mesma coisa que recebida, sendo extinto o benefício
contra aquele que faleceu.
A exceção está na chamada constituição de renda gratuita em que há o direito de
acrescer entre os cônjuges. É o caso da constituição de renda legal, em que, morrendo um dos
cônjuges, o outro passar a receber a renda do outro.
Além desse direito de acrescer legal, é possível o direito de acrescer convencional, em
que haja previsão nesse sentido.

14.2. JOGO E APOSTA

Apesar de o Código tratar de forma conjunta, não se confundem os contratos.


O contrato de jogo ocorre quando duas ou mais pessoas prometem entre si que vão
pagar certa soma àquela pessoa que conseguir um resultado favorável de um acontecimento
incerto.
A aposta está presente quando duas ou mais pessoas têm opiniões discordantes entre
qualquer assunto, e elas prometem entre si que vão pagar certa quantia ou entregar
determinado bem à pessoa cuja opinião prevalecer, por conta de um evento incerto.
Em ambos os casos há contratos bilaterais, onerosos, consensual, informal, mas é
essencialmente aleatório, visto que a aposto e o jogo decorrem de um risco.
Em regra, as dívidas de jogo e aposta constituem obrigações naturais, pois há o schuld
sem haftung, ou seja, há débito, mas não há responsabilidade.
Essa regra vai se estender para qualquer contrato que encubra a dívida do jogo ou da
aposta, mesmo que seja um reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.
Essa regra tem aplicação ainda que o jogo não seja proibido. Mesmo assim a obrigação
será natural.
A única exceção é se houver um jogo ou aposta legalmente permitidos, tais como as
loterias oficiais: mega-sena, lotomania, etc. Nesses casos, a dívida poderá ser cobrada
judicialmente.
Ainda há uma exceção aos denominados prêmios oferecidos para o vencedor de uma
competição de natureza desportiva, artística ou intelectual. Em verdade, o que se tem aqui é
uma promessa de recompensa, sendo um ato unilateral que constitui uma fonte de obrigação.

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Aurélio Bouret

15. CONTRATO DE FIANÇA

15.1. INTRODUÇÃO

Fiança é um contrato pelo qual o fiador garante que vai satisfazer ao credor uma
obrigação que é assumida pelo devedor, caso este não cumpra a obrigação.
Perceba que a fiança é um contrato acessório, firmado entre fiador e credor. Por isso,
em regra, há o benefício de ordem do fiador.
O contrato de fiança traz duas relações jurídicas: uma que é interna do próprio contrato,
que é a relação entre o fiador e o credor do devedor, mas também há uma relação externa, que
é a relação entre o fiador e o devedor.
O art. 820 diz que a fiança pode ser estipulada, ainda que sem o consentimento do
devedor, e mesmo contra a sua vontade, visto que é um contrato diferente do contrato firmado
entre credor e devedor.
Na fiança, há um contrato unilateral, pois quem tem obrigação é apenas o fiador. Em
regra, é um contrato gratuito, salvo quando as instituições financeiras são as fiadoras, situação
em que serão remuneradas e o contrato passará a ser oneroso. A fiança será formal, pois exige
a forma escrita.
O art. 819 diz que a fiança não admite interpretação extensiva, pois se está diante de
um contrato benéfico.
O STJ, na Súmula 214, diz que o fiador na locação não responde por obrigações
resultantes de aditamento ao qual não anuiu. Há aplicação do princípio da relatividade do
contrato.
Segundo o STJ, a fiança limitada decorre da lei e do contrato, de modo que o fiador não
pode ser compelido a pagar valor superior ao que foi avençado, devendo responder tão somente
até o limite da garantia por ele assumida, o que afasta sua responsabilização em relação aos
acessórios da dívida principal e aos honorários advocatícios, que deverão ser cobrados apenas
do devedor afiançado.
Por se tratar de contrato benéfico, as disposições relativas à fiança devem ser
interpretadas de forma restritiva (art. 819 do CC), razão pela qual, nos casos em que ela é
limitada (art. 822), a responsabilidade do fiador não pode superar os limites nela indicados.
Ex: indivíduo outorgou fiança limitada a R$ 30 mil; significa que ele não terá obrigação de pagar
o que superar esta quantia, mesmo que esse valor a maior seja decorrente das custas
processuais e dos honorários advocatícios (Inf. 595).
Atente-se ao caso da fiança que garante a locação urbana (Lei de Locações). Salvo
disposição em contrário, qualquer das garantias da locação vai se estender até que o imóvel seja
devolvido, ainda que essa prorrogação tenha se dado por prazo indeterminado. Então a fiança
será prorrogada, conforme seja prorrogada automaticamente a fiança.
Por isso a lei diz que, passando a fiança a ter prazo indeterminado, o fiador poderá se
exonerar por uma notificação dirigida ao locador. Nesse caso, ficará garantida a dívida ainda por
mais 120 dias após a notificação.
Em julho de 2015 o STJ entendeu que essa tese da prorrogação da fiança se estenderá
também para fianças prestadas em contratos bancários. Nesse caso, o fiador poderá se exonerar
para não mais afiançar o débito.
Se o contrato principal for nulo, a fiança será nula, pois se trata de contrato acessório,
mas o contrário não ocorrerá da mesma forma.

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Aurélio Bouret

15.2. EFEITOS E REGRAS DA FIANÇA NO CÓDIGO CIVIL

A fiança pode ser total ou parcial, podendo afiançar parte da dívida ou a dívida toda. O
que não se pode fazer é afiançar um valor superior ao valor do débito principal.
Em regra, a fiança será total, garantindo a dívida com todos os seus acessórios, juros,
multa, despesas judiciais com citação do fiador, etc., tendo ele direito de regresso contra o
afiançado.
Tornando-se insolvente ou incapaz o fiador, o credor pode exigir a sua substituição. Se
esta substituição do fiador não ocorrer, haverá o vencimento antecipado da dívida.
Lembre-se que o fiador não é devedor solidário e sim subsidiário, tendo benefício de
ordem. Regulamentando o benefício de ordem, o art. 827 diz que o fiador demandado pelo
pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro
executados os bens do devedor.
O fiador que alega o benefício de ordem deve indicar os bens do devedor principal que
bastem para a satisfação da dívida. Porém, ele irá nomear bens livre e desembaraçados
localizados no mesmo município em que haja a cobrança da dívida. Tartuce entende que essa
redação literal do dispositivo deve sofrer ponderações.
O art. 828 consagra hipóteses em que o fiador não pode alegar benefício de ordem:
• fiador renunciou expressamente ao benefício de ordem;
• fiador se obrigou como principal pagador ou como devedor solidário;
• devedor estiver insolvente ou devedor falido.
A renúncia ao benefício de ordem será nula quando estiver inserida em contrato de
adesão, conforme o Enunciado 364 do CJF.
O art. 829 diz que a fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma
pessoa importa em solidariedade entre os fiadores, se não reservarem o benefício da divisão.
A exceção a esta regra consta do fato em que se houver no contrato de fiança uma
distribuição de quanto cada um deles ficará responsável.
O art. 834 diz que, quando o credor sem justa causa deixar de dar andamento à
execução feita contra o devedor, o fiador poderá fazê-lo, pois caso não pague o devedor, o
fiador deverá pagar.
Tanto é que o art. 835 diz que o fiador poderá se exonerar da fiança que tenha celebrado
sem limitação de tempo sempre que lhe convier. Este dispositivo está dizendo que o fiador, se
foi prestada por prazo indeterminado, poderá se exonerar quando quiser.
Neste caso, ficará o fiador obrigado a todos os efeitos da fiança 60 dias após a
notificação do credor.
Atente-se que o fiador ficará por 120 dias obrigado quando se tratar de locação urbana.
No caso de contratos em geral, ficará o fiador obrigado por mais 60 dias a contar da
comunicação.
O art. 836 diz que a obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da
fiança será limitada ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças
da herança.
O contrato de fiança depende da confiança, sendo personalíssimo, de forma que a
morte implica fim ao contrato de fiança.
O art. 837 diz que o fiador pode opor ao credor as exceções e defesas pessoais do
próprio fiador, que geram a extinção do contrato, mas também poderá alegar defesas extintivas
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Aurélio Bouret

da obrigação que competem ao devedor principal. Ex.: fiador não paga sob alegação da
prescrição, pagamento direto ou indireto, etc.
O fiador, mesmo que solidário, fica desobrigado se, sem o seu consentimento, o credor
conceder moratória ao devedor. O STJ entende que moratória ou transação entre devedor e o
credor exoneram o fiador, ainda que ele tivesse assumido a obrigação em caráter solidário, já
que não participou dessa nova celebração.
A fiança será extinta se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos direitos e
preferências do credor pelo fiador. Ex.: o credor é credor de garantia real (hipoteca) e garantia
fidejussória (existe um fiador), mas o credor renuncia a sua preferência sobre a coisa,
executando o fiador.
Neste caso, a fiança estará extinta por fato atribuível ao credor, visto que estará o fiador
impossibilitado de se sub-rogar aos direitos e preferências que ele tinha.
Ademais, a fiança será extinta se o credor, em pagamento da dívida, aceitar
amigavelmente do devedor, um conteúdo diverso da dívida obrigada. Isto é, a fiança está
extinta se houver dação em pagamento, mesmo que depois o credor venha a perder esse bem
em razão da evicção.
O art. 839 diz que se for invocado o benefício de ordem e o devedor, retardando-se a
execução, cair em insolvência, também ficará o fiador exonerado. Isso quer dizer que, quando
for executar o fiador, e ele indicar vários bens do devedor, alegando benefício de ordem, mas o
credor nada o fez.

15.3. CLASSIFICAÇÃO DA FIANÇA QUANTO A SUA EXTENSÃO

Quanto à sua extensão da fiança, ela poderá ser classificada em:


• fiança ilimitada: quando a garantia concedida pelo fiador abrange a integralidade
da obrigação, incluindo as parcelas acessórias da dívida principal. Ex.: multa
contratual, juros de mora e atualização monetária;
• fiança limitada: quando o fiador manifesta, de forma expressa, que só está se
responsabilizando por determinada parcela da obrigação. Na fiança limitada, o
fiador poderá dizer que está se responsabilizando apenas pela obrigação principal e
que não pagará despesas acessórias. Ex.: fiador se compromete a pagar apenas os
aluguéis que o inquilino não quitar, mas não arcará com multa ou quaisquer outras
verbas acessórias. Existe também a possibilidade de a fiança limitada abranger até
mesmo apenas uma parte da obrigação principal. Ex.: fiador se comprometo a pagar
até o máximo de 70% da dívida principal, caso o devedor não cumpra sua parte.
A regra é que a fiança seja ilimitada (total, universal). Assim, se o fiador quiser se
responsabilizar apenas por parte da obrigação, isso deverá ser expressamente consignado no
contrato. Em caso de silêncio por parte do fiador (ou seja, se o contrato não falar nada),
entende-se que a fiança foi concedida de forma ilimitada.
Por essa razão, o art. 822 diz que, não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os
acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.
Já o art. 823 afirma que a fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e
contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais
onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.

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16. TRANSAÇÃO E COMPROMISSO

16.1. TRANSAÇÃO

Transação é uma espécie de concessão recíproca. Transação é um contrato por meio do


qual as partes vão pactuar a extinção de uma obrigação por meio de concessões recíprocas.
A transação pode ser preventiva, sendo antes de ser instaurado qualquer processo
judicial.
É um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo, e deve ter como objeto
direitos obrigacionais de cunho patrimonial e de caráter privado. Se não for dispositivo, não há
como transacionar.
O art. 842 diz que a transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei
o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos
contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos
transigentes e homologado pelo juiz
A transação é um contrato formal, mas não é solene, salvo quando o ato exigir escritura
pública. Há pelo menos a exigência de forma escrita.

16.1.1. ESPÉCIES

A transação poder ser:


• transação judicial (ou extintiva): ocorre quando a transação é feita perante o juiz.
Essa transação deverá ser feita por escritura pública ou por termo nos autos,
assinado pelas partes e homologado pelo juiz, fazendo coisa julgada material;
• transação extrajudicial (ou preventiva): é feita preventivamente, antes de ser
instaurado o litígio judicial. Exige-se apenas a forma escrita.
A transação deve ser interpretada de forma restritiva, já que há concessões mútuas.
Diante de natureza contratual da transação, via de regra, produz efeitos inter partes (p.
relatividade). No entanto, pode admitir algumas exceções, como o caso da transação entre o
credor e o devedor, sem o conhecimento do fiador, implica desobrigação do fiador. Portanto,
produziu efeitos perante um terceiro que nem participou da transação.
A transação entre um credor solidário e um devedor vai extinguir a obrigação desse
devedor em relação a todos os credores solidários que não participaram da transação.
Se a transação for entre um dos devedores solidários e seu credor, vai se extinguir a
dívida para todos os devedores solidários.
Portanto, há uma exceção ao princípio da relatividade do contrato.
Ocorrendo a evicção da coisa renunciada pelo outro transigente, ou seja, o transigente
forneceu ao outro uma coisa a que depois gerou evicção.
A consequência é o reavivamento da obrigação extinta pela transação? Não.
Diferentemente da dação em pagamento, que é modo de pagamento indireto, aqui há um
contrato. O fato de experimentar a evicção não implica o retorno do status a quo anterior à
celebração da transação. O evicto terá direito a perdas e danos (art. 845).
Em decorrência do princípio da indivisibilidade, que é adotado pelo art. 848 do CC,
chegamos à conclusão de que é nula a transação quando é nula qualquer de suas cláusulas. Por
isso o princípio da indivisibilidade.

223

226
Aurélio Bouret

Nula a cláusula da transação, nula é a transação. Em se tratando da transação, haverá


mitigação do princípio da preservação do contrato.
Ressalte-se o parágrafo único do art. 848 que diz que, quando a transação versar sobre
diversos direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um
não prejudicará os demais, já que os demais são independentes.
Isto é, se a transação estiver tratando de diferentes objetos e direitos, os quais são
independentes entre si, o fato de ter sido maculado um direito não atinge os demais.
O art. 850 diz que é nula a transação a respeito do litígio de uma sentença transitada em
julgado, se dessa sentença não tinha conhecimento algum dos transatores. Ainda, é nula uma
transação por título posteriormente descoberto se verificar que nenhum deles tinha direito
sobre o objeto da transação. É nula a transação a non domino.

16.2. COMPROMISSO

Compromisso é um acordo de vontades por meio do qual as partes decidem que não
vão submeter o litígio a uma decisão judicial, conferindo a solução de uma desavença a um
árbitro ou árbitros. Diante desse conflito de interesses de natureza disponível será feita por um
árbitro.
A arbitragem se restringe a direitos patrimoniais disponíveis, decidindo as próprias
partes a tarefa de retirar do judiciário e submete a um árbitro a decisão do fato em apreço.
O compromisso arbitral não se confunde com cláusula compromissória. A cláusula é
prevista em contrato para que a arbitragem seja solucionada. No compromisso arbitral ocorre
após o surgimento do conflito, situação em que as partes acordam em submeter o litígio ao
árbitro.
O compromisso é bilateral, oneroso, consensual e comutativo.

16.2.1. ESPÉCIES

O art. 851 vai admitir duas formas de compromisso arbitral:


• compromisso arbitral judicial: é celebrado na pendência da lide (endoprocessual).
É feito por termo nos autos;
• compromisso arbitral extrajudicial: ocorre antes do ajuizamento da ação. Portanto,
pode ser celebrado por escritura pública ou particular.
O art. 853 traz a cláusula compromissória, que é uma convenção, através da qual as
partes comprometem-se a submeter à arbitragem litígios que possam vir a surgir, relativamente
ao contrato.
Recentemente, o STJ entendeu que o Poder Judiciário não pode decretar a nulidade de
cláusula arbitral (compromissória) sem que essa questão tenha sido apreciada anteriormente
pelo próprio árbitro. Isso porque, segundo o art. 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem (Lei
nº 9.307/96), antes de judicializar a questão, a parte que deseja arguir a nulidade da cláusula
arbitral deve formular esse pedido ao próprio árbitro (Info 591).
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, a kompetenz-kompetenz (competência-
competência) é um dos princípios basilares da arbitragem, que confere ao árbitro o poder de
decidir sobre a sua própria competência, sendo condenável qualquer tentativa, das partes ou
do juiz estatal, no sentido de alterar essa realidade. Em outras palavras, no embate com as
autoridades judiciais, deterá o árbitro preferência na análise da questão, sendo dele o benefício
da dúvida

224

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Aurélio Bouret

Vale ressaltar que essa questão da nulidade poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário
em momento posterior. Isso porque, para fazer cumprir a sentença arbitral, o credor terá que
ajuizar uma execução judicial. Nesse momento, o devedor poderá se defender por meio de
embargos à execução alegando a nulidade da cláusula arbitral e, consequentemente, da
sentença arbitral.
Excepcionalmente, é possível que o Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é
identificado um compromisso arbitral "patológico", isto é, claramente ilegal, declare a nulidade
dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.
Outro julgado importante do STJ foi o de que a franquia, ainda que não seja contrato de
consumo, é um contrato de adesão. Segundo o art. 4º, § 2º da Lei nº 9.307/96, nos contratos
de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente:
• tomar a iniciativa de instituir a arbitragem; ou
• concordar, expressamente, com a sua instituição, por escrito, em documento anexo
ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de
consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º da Lei nº
9.307/96. Assim, é possível a instituição de cláusula compromissória em contrato de franquia,
desde que observados os requisitos do art. 4º, § 2º da Lei nº 9.307/96.

QUESTÕES

1- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RO/2019) Uma loja de eletrodomésticos assinou


um contrato, mediante instrumento particular, com um posto de combustível para que
este fornecesse, todo mês, por prazo indeterminado, uma quantidade mínima de 50
litros de combustível para abastecer os veículos de entrega de mercadorias. Em razão
do aumento do preço dos combustíveis, a loja de eletrodomésticos contratou
entregadores de bicicleta para as entregas de menor porte e começou a diminuir as
compras de combustível do posto. Por mais de dois anos, o fornecimento de
combustível se deu em quantidades menores que as mínimas estabelecidas no contrato,
sem qualquer ressalva ou reclamação por parte do posto de combustível. Então, o
representante da loja de eletrodomésticos procurou o representante do posto de
combustível e eles, verbalmente, declararam que o contrato estaria desfeito.
Entretanto, um ano após o distrato verbal, o posto de combustível ajuizou uma
demanda contra a loja de eletrodomésticos, exigindo-lhe o ressarcimento dos valores
proporcionais ao não cumprimento de metas mínimas de aquisição de combustível,
bem como do período após o distrato verbal, sob o argumento de que o desfazimento
do contrato somente poderia ser realizado por escrito. Acerca do caso hipotético, pode-
se corretamente afirmar que
a) como o contrato foi celebrado por escrito, somente poderia ser alterado ou desfeito
pela mesma forma, razão pela qual seriam devidos todos os valores, tendo em vista o
descumprimento do contrato por parte da loja de eletrodomésticos.
b) somente são devidos os valores posteriores ao distrato verbal que não é válido por não
atender à mesma forma do contrato; em relação ao período em que houve
fornecimento de combustível abaixo do previsto no contrato, configurou-se o
denominado tu quoque.
c) não há que se falar na aplicação da supressio em razão da incidência do princípio do
pacta sunt servanta. Entretanto, aplicável no caso a surrectio.

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Aurélio Bouret

d) somente são devidos os valores do período de aquisição abaixo dos mínimos previstos
no contrato, mas não os posteriores ao distrato verbal.
e) nenhum valor é devido, tendo em vista que incidiu a supressio em razão da concordância
tácita do posto em fornecer combustível em valores abaixo dos contratualmente
previstos, bem como ocorreu um distrato verbal válido.
2- (FCC – Juiz Substituto – AL/2019) Renato emprestou seu automóvel a Paulo. Quinze dias
depois, ainda na posse do veículo, Paulo o comprou de Renato, que realizou a venda
sem revelar que o automóvel possuía grave defeito mecânico, vício oculto que só foi
constatado por Paulo na própria data da alienação. Nesse caso, de acordo com o Código
Civil, Paulo tem direito de obter a redibição do contrato de compra e venda, que se
sujeita a prazo
a) prescricional, de trinta dias, contado da data em que recebeu o automóvel.
b) prescricional, de quinze dias, contado da data da alienação.
c) decadencial, de trinta dias, contado da data em que recebeu o automóvel.
d) decadencial, de quinze dias, contado da data da alienação.
e) decadencial, de noventa dias, contado da data em que recebeu o automóvel.
3- (FCC – Defensor Público – MA/2018) O vício redibitório e o erro substancial
a) geram a nulidade do negócio jurídico e, consequentemente, impõem a declaração de
nulidade e a indenização pelos danos causados.
b) constituem espécies de vício da vontade, uma vez que o negócio não teria sido realizado
se não se verificasse o vício ou erro.
c) são distintos uma vez que no primeiro o vício oculto pertence ao objeto adquirido, ao
passo que no segundo, o vício é da manifestação da vontade.
d) dizem respeito somente ao âmbito da eficácia do negócio jurídico e apresentam como
consequência o abatimento do valor pago.
e) constituem vício do objeto do negócio jurídico contraído, pois o objeto adquirido possui
algum vício que torna a coisa inútil para o fim a que se destina.
4- (VUNESP – Juiz Substituto – MT/2018) João e José são irmãos. José, em razão de um
acidente, necessitou de cuidados e de acompanhamento constante. João deixa seu
emprego, onde tinha uma remuneração de R$ 1.000,00 (mil reais) mensais, para se
dedicar totalmente aos cuidados de seu irmão José. Após dois anos, José se recuperou
e doou para João um apartamento de sua propriedade, avaliado em R$ 800.000,00
(oitocentos mil reais), como forma de retribuir a dedicação do irmão. Constou
expressamente da doação que ela se destinava a compensar João pelos serviços
prestados, equivalentes aos valores salariais que deixou de receber, por ter abandonado
o seu emprego para cuidar do doador. Após o recebimento da doação, João perdeu o
apartamento em razão de uma ação reivindicatória ajuizada por terceiro. É correto
afirmar que João
a) tem direito a ser indenizado pela evicção até o limite do valor dos serviços prestados.
b) não tem direito a ser indenizado pela evicção por ter recebido o bem por doação, tendo
em vista a inexistência do direito à evicção em negócios jurídicos gratuitos.
c) somente terá direito à indenização se provar que José sabia que iria perder a
propriedade.
d) poderá pleitear de José a indenização pela totalidade do valor do bem em até 180 dias.

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Aurélio Bouret

e) poderá pleitear de José a indenização pela totalidade do valor do bem em até um ano.
5- (CONSULPLAN – Juiz de Direito Substituto – MG/2018) Quanto aos contratos, segundo
o Código Civil, analise as afirmativas a seguir.
I. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
II. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este
o não executar, exceto se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua
anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de
algum modo, venha a recair sobre os seus bens. III. É anulável a venda de ascendente a
descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante, independente do
regime de bens, expressamente houverem consentido. IV. O vendedor pode executar a
cláusula de reserva de domínio em razão do não pagamento integral do valor devido,
independente de constituir o comprador em mora pelo protesto do título ou interpelação
judicial.
Estão corretas as afirmativas
a) I, II, III e IV.
b) I e II, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
6- (CESPE – Juiz Substituto – CE/2018) Contrato de prestações certas e determinadas no
qual as partes possam antever as vantagens e os encargos, que geralmente se equivalem
porque não envolvem maiores riscos aos pactuantes, é classificado como
a) benéfico.
b) aleatório.
c) bilateral imperfeito.
d) derivado.
e) comutativo.
7- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RS/2018) Sobre os vícios redibitórios, assinale a
alternativa correta.
a) O adquirente que já estava na posse do bem decai do direito de obter a redibição ou
abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for
imóvel.
b) No caso de bens móveis, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais
tarde, se ele aparecer em até 180 dias, terá o comprador mais 30 dias para requerer a
redibição ou abatimento no preço.
c) Somente existe o direito de obter a redibição se a coisa foi adquirida em razão de
contrato comutativo, não se aplicando aos casos em que a aquisição decorreu de
doação, mesmo onerosa.
d) O prazo para postular a redibição ou abatimento no preço, quando o vício, por sua
natureza, só puder ser conhecido mais tarde, somente começa a correr a partir do
aparecimento do vício, o que pode ocorrer a qualquer tempo.
e) No caso de bens imóveis, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais
tarde, o prazo é de um ano para que o vício apareça, tendo o comprador, a partir disso,
mais 180 dias para postular a redibição ou abatimento no preço.

227

230
Aurélio Bouret

8- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RS/2018) André devia a quantia de R$ 50.000,00


(cinquenta mil reais) em dinheiro a Mateus. Maria era fiadora de André. Mateus aceitou
receber em pagamento pela dívida um imóvel urbano de propriedade de André,
avaliado em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) com área de 200 m2 e deu regular
quitação. Entretanto, o imóvel estava ocupado por Pedro, que o habitava há mais de
cinco anos, nele estabelecendo sua moradia. Pedro ajuizou ação de usucapião para
obter a declaração de propriedade do imóvel que foi julgada procedente. Na época em
que se evenceu, o imóvel foi avaliado em R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais). A
respeito dos efeitos da evicção sobre a obrigação originária, é possível afirmar que a
obrigação originária
a) foi extinta com a dação em pagamento. André será responsável perante Mateus pelo
valor correspondente ao bem imóvel perdido, na época em que se evenceu. Maria está
liberada da fiança anteriormente prestada.
b) foi extinta com a dação em pagamento. André será responsável perante Mateus pelo
valor correspondente ao bem imóvel perdido, na época em que houve a dação em
pagamento. Maria está liberada da fiança anteriormente prestada.
c) é restabelecida, mas não contará mais com a garantia pessoal prestada por Maria. Em
razão da evicção, a obrigação repristinada terá por objeto o valor equivalente ao bem
na época em que se evenceu.
d) é restabelecida, pelo seu valor original, em razão da evicção da coisa dada em
pagamento, mas sem a garantia pessoal prestada por Maria, tendo em vista que o
credor aceitou receber objeto diverso do constante na obrigação originária.
e) é restabelecida, em razão da evicção da coisa dada em pagamento, inclusive com a
garantia pessoal prestada por Maria. Contudo, em razão da evicção, a obrigação
repristinada terá por objeto o valor equivalente ao bem na época em que se evenceu.
9- (MPE-MS – Promotor de Justiça Substituto – MS/2018) Em relação aos contratos em
geral, assinale a alternativa correta.
a) Na revisão judicial de disposições contratuais de execução continuada, em razão de
excessiva onerosidade da prestação, com extrema vantagem para a outra parte, em face
de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução
do contrato, retroagindo os efeitos da sentença à data da celebração do negócio
jurídico.
b) A aplicação dos institutos da supressio e da surrectio constituem figuras concomitantes,
podendo ser comparadas como verso e reverso da mesma moeda.
c) A doação pura feita ao nascituro e ao absolutamente incapaz valerá sendo aceita pelo
seu representante legal, com presunção jure et jure.
d) O direito de demandar pela evicção supõe, necessariamente, a perda da coisa adquirida
em contrato oneroso, por força de decisão judicial.
e) O Código Civil de 2002 adotou a teoria da base objetiva do negócio jurídico, inspirado
na doutrina alemã desenvolvida por Karl Larenz.
10- (FCC – Defensor Público – AM/2018) No Código Civil, para que se dê a resolução
contratual por onerosidade excessiva, será preciso o preenchimento dos requisitos
seguintes:
a) os contratos devem ser de parcelas sucessivas, ou diferidos no tempo, exigindo-se a
onerosidade excessiva à parte prejudicada e vantagem extrema à outra, mas não a
imprevisibilidade dos acontecimentos.

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231
Aurélio Bouret

b) a natureza dos contratos é irrelevante, bem como a vantagem a uma das partes,
bastando a onerosidade excessiva à parte prejudicada e os acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis.
c) os contratos devem ser bilaterais e as prestações sucessivas, bastando a onerosidade
excessiva a uma das partes, sem se cogitar de vantagem à outra parte mas exigindo-se
a imprevisibilidade dos acontecimentos.
d) na atual sistemática civil, basta a onerosidade excessiva, não se cogitando seja de
vantagem à outra parte, seja da imprevisibilidade dos eventos.
e) os contratos devem ser de execução continuada ou diferida; e à onerosidade excessiva
a uma das partes deve corresponder a extrema vantagem à outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
11- (CESPE – Defensor Público – AL/2017) Jonatas adquiriu de Carlos, mediante contrato de
compra e venda, um veículo usado de alto valor, cujos acessórios eram de valor
insignificante. Seis meses após a aquisição do bem, Jonatas perdeu a propriedade do
veículo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, em processo movido por
José contra Carlos. No que se refere a essa situação hipotética, assinale a opção correta.
a) A perda da propriedade somente dos acessórios do veículo abre a possibilidade de
Jonatas optar pela rescisão do contrato entabulado com Carlos.
b) Jonatas poderá demandar Carlos pela perda do veículo, requerer a restituição do valor
pago pelo bem e dos honorários do seu advogado, ainda que fique comprovado que,
desde a assinatura do contrato, ele sabia que o veículo era objeto de disputa judicial.
c) Carlos deverá responder, em favor de Jonatas, pela perda da propriedade do veículo, já
que essa responsabilidade somente não subsistiria se Jonatas tivesse adquirido o veículo
em hasta pública.
d) Jonatas, sem conhecer o risco da perda, terá o direito de receber o valor que pagou pelo
veículo, ainda que haja cláusula expressa no contrato que exclua qualquer
responsabilização pela perda.
e) Caso um meliante desconhecido pratique furto das quatro rodas do veículo no dia
anterior à entrega do carro a José, Jonatas não terá o direito de receber o valor integral
que pagou pelo carro.
12- (CESPE – Defensor Público – AC/2017) Em uma relação de consumo, foi estabelecido
que o pagamento deveria ser realizado de determinada maneira. No entanto, após certo
tempo, o pagamento passou a ser feito, reiteradamente, de outro modo, sem que o
credor se opusesse à mudança. Nessa situação, considerando-se a boa-fé objetiva, para
o credor ocorreu o que se denomina
a) venire contra factum proprium.
b) tu quoque.
c) surrectio.
d) supressio.
e) exceptio doli.
13- (CESPE – Defensor Público – AC/2017) Entre outros aspectos, é motivo capaz de ensejar
revisão ou rescisão contratual, com base na teoria da imprevisão,
a) o dolo do contratante que obtém vantagem excessivamente onerosa.
b) a onerosidade do contrato de natureza continuada ou diferida.

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232
Aurélio Bouret

c) a dificuldade financeira do devedor, proveniente de desempregado involuntário.


d) o fato de o contrato ser de execução instantânea.
e) a previsibilidade de acontecimentos futuros.
14- (VUNESP – Juiz Substituto – SP/2017) No caso da celebração de um contrato de
prestação de serviços vinculados à saúde, a obtenção do consentimento informado do
paciente, destinatário final do atendimento, é
a) subordinada às condições e cláusulas do contrato celebrado, a serem apreciadas em
cada caso concreto.
b) obrigatória, tratando-se de obrigação vinculada ao princípio da boa-fé.
c) facultativa e sujeita à aferição de necessidade, a ser feita pelo profissional de saúde.
d) obrigatória, tratando-se da obrigação principal do contrato celebrado.
15- (CESPE – Promotor de Justiça Substituto – RR/2017) Se, em cumprimento a cláusula
de uma relação contratual, uma das partes adota determinado comportamento e,
tempos depois, ainda sob a vigência da referida relação, passa a adotar comportamento
contraditório relativamente àquele inicialmente adotado, tem-se, nesse caso, um
exemplo do que a doutrina civilista denomina
a) exceptio doli.
b) supressio.
c) surrectio.
d) venire contra factum proprium.
16- (FCC – Defensor Público – BA/2016) A boa-fé, como cláusula geral contemplada pelo
Código Civil de 2002, apresenta
a) indeterminação em sua fattispecie a fim de permitir ao intérprete a incidência da
hipótese normativa a diversos comportamentos do mundo do ser que não poderiam ser
exauridos taxativamente no texto legal.
b) como sua antítese a má-fé, sendo que esta tem a aptidão de macular o ato no plano de
sua validade em razão da ilicitude de seu objeto.
c) alto teor de densidade normativa, estreitando o campo hermenêutico de sua aplicação
à hipótese de sua aplicação à hipótese expressamente contemplada pelo texto
normativo, em consonância com as exigências de legalidade estrita.
d) necessidade de aferição do elemento volitivo do agente, consistente na crença de agir
em conformidade com o ordenamento jurídico.
e) duas vertentes, isto é, a boa-fé subjetiva, que depende da análise da consciência
subjetiva do agente, e a boa-fé objetiva, como standard de comportamento.
17- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – SP/2016) A empresa Alegria Ltda., visando
parceria comercial com a empresa Felicidade Ltda. na comercialização de produtos para
festas, iniciou tratativas pré-contratuais, exigindo da segunda que comprasse
equipamento para a produção desses produtos. O negócio não foi concluído, razão pela
qual a empresa Felicidade Ltda., entendendo ter sofrido prejuízo, ingressou com ação
de reparação de danos morais, materiais e lucros cessantes, assim como na obrigação
de contratar, ante a expectativa criada pela empresa Alegria Ltda. Diante deste caso
hipotético, assinale a alternativa correta.

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233
Aurélio Bouret

a) Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve proceder segundo as
regras da boa-fé, sob pena de responder apenas pelos danos que dolosamente causar à
outra parte.
b) A boa-fé a ser observada na responsabilidade pré-contratual é a objetiva, haja vista que
esta diz respeito ao dever de conduta que as partes possuem, podendo a empresa
desistente arcar com a reparação dos danos, se comprovados, sem qualquer obrigação
de contratar.
c) É assegurado o direito à contratação, em razão da boa-fé objetiva, e deverá a empresa
que pretendia desistir arcar com os danos comprovados, mas em razão da contratação,
estes poderão ser mitigados, principalmente quanto aos lucros cessantes.
d) Em razão de conveniência e oportunidade, podem as contratantes desistir do negócio,
por qualquer razão, considerando o princípio da liberdade contratual, o qual assegura
às partes a desistência, motivo pelo qual não há que se falar em indenização.
e) Não existe no direito brasileiro uma cláusula geral que discipline a responsabilidade pré-
contratual, de modo que não há que se falar em quebra de expectativa, vigorando o
princípio da livre contratação.
18- (FAURGS – Juiz de Direito Substituto – RS/2016) Sobre os efeitos da boa-fé objetiva, é
INCORRETO afirmar que
a) servem de limite ao exercício de direitos subjetivos.
b) resultam na proibição do comportamento contraditório.
c) qualificam a posse, protegendo o possuidor em relação aos frutos já percebidos.
d) servem como critério para interpretação dos negócios jurídicos.
e) reforçam o dever de informar das partes na relação obrigacional.
19- (FAURGS – Juiz de Direito Substituto – RS/2016) Sobre a extinção do contrato, assinale
a alternativa correta.
a) Implica, necessariamente, o fim de todos os efeitos decorrentes da relação obrigacional.
b) Será eficaz a partir da sentença que a declara, quando decorra do exercício do direito
de resolução por onerosidade excessiva, por meio da ação respectiva.
c) Pode ser impedida pela oposição de exceção de contrato não cumprido, que é meio de
autodefesa do devedor.
d) Será eficaz, em qualquer caso, a partir da notificação do outro contratante, quando
decorrente de denúncia unilateral.
e) Poderá decorrer do implemento de condição resolutiva, desde que esta não seja
impossível, caso em que deverá ser reconhecida a invalidade do negócio jurídico.
20- (VUNESP – Juiz Substituto – RJ/2016) Assinale a alternativa correta sobre o direito
contratual e os princípios que regem a matéria.
a) Em contrato que versa sobre coisa futura, é nula a disposição contratual pela qual o
alienante terá direito à integralidade do preço mesmo que o objeto da alienação venha
a existir em quantidade inferior à esperada.
b) É vedada na legislação brasileira a estipulação de cláusula limitativa do dever de
indenizar, por violação ao princípio da reparação integral.
c) A prolongada omissão de um dos contratantes em exigir da parte contrária o
cumprimento de determinada cláusula contratual, que não vinha sendo cumprida ou

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Aurélio Bouret

respeitada, pode configurar motivo idôneo para tornar a cláusula juridicamente


inexigível.
d) Na relação cível empresarial, é vedado ao Estado intervir nos negócios jurídicos
celebrados entre particulares, disciplinando e/ou limitando a liberdade contratual e as
consequências de determinadas previsões contratuais.
e) Em caso de revisão judicial de disposições contratuais, em razão de onerosidade
excessiva decorrente de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a eficácia da
decisão será ex tunc, retroagindo à data da celebração do negócio jurídico.

GABARITO

1. E
2. D
3. C
4. A
5. B
6. E
7. B
8. D
9. B
10. E
11. D
12. D
13. B
14. B
15. D
16. A
17. B
18. C
19. C
20. C

232

235
Aurélio Bouret

233

236
Paulo Batista

CAPÍTULO 6 — DIREITO DAS COISAS

1. INTRODUÇÃO

O Direito das Coisas, como já se pode antever, é o ramo do Direito Civil que regula as
relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas, determinadas ou determináveis.
Coisa é tudo aquilo que não é pessoa, física ou jurídica, nem entes despersonalizados
(condomínio edilício, espólio, massa falida). Contudo, coisa precisa ser considerado um bem
material. Toda coisa é bem, mas nem todo bem é coisa. Honra, liberdade, vida são bens, mas
não são coisas.
Assim, haverá uma relação material exercida pelo sujeito ativo em face da coisa. Esse
sujeito ativo poderá ser pessoa física, jurídica ou mesmo entes despersonalizados, como massa
falida e condomínio edilício.
No direito das coisas, o sujeito passivo é indeterminado, podendo ser determinável, e
sua eficácia se dá em face de toda a coletividade, podendo ser operada erga omnes, se atendidos
os requisitos legais para cada categoria de direito.
Contudo, Direito das Coisas não é sinônimo de Direitos Reais. O primeiro é mais
abrangente.
O Direito das Coisas é o Livro III do Código Civil, como dito, sendo mais abrangente, por
envolver também a posse. Assim, posse não é Direito Real, tanto que, no CC, não está no mesmo
Título dos Direitos Reais, no Livro III. A posse é uma relação fática de sujeição entre o possuidor
e a coisa móvel ou imóvel. Sendo assim, posse não é propriamente um direito real, mas sim um
fato que gera outros direitos.
Em relação aos Direitos Reais, há duas teorias que justificam a sua natureza:
• teoria personalista: o Direito Real é uma relação jurídica estabelecida entre
pessoas, mas intermediada por coisas, ainda que as pessoas sejam indeterminadas.
Essa teoria nega a realidade metodológica dos direitos reais ou das coisas;
• teoria realista: é também conhecida como teoria clássica. Nela, os Direitos Reais
constituem um poder imediato que a pessoa exerce sobre a coisa, e com eficácia
erga omnes. Para esta teoria, o Direito Real é imediato da pessoa sobre a coisa. Esta
é a teoria adotada pelo nosso CC.
Quanto aos Direitos Reais, eles incidem sobre a própria coisa ou sobre coisa alheia
(direito de gozo, de garantia, etc.). O mais amplo de todos os direitos reais é a propriedade,
possibilitando o uso, o gozo (extrair benefícios), reivindicação e disposição (esse último, só a
propriedade tem, pois possibilita alienar, gravar e alterar a substância).Decorrem dos Direitos
Reais as ações reais, as quais, se disseram respeito a imóveis, também têm natureza real
imobiliária.

1.1. DIREITOS REAIS X DIREITOS PESSOAIS (OBRIGACIONAIS)

• Os direitos reais têm oponibilidade erga omnes. No direito patrimonial, em regra,


há efeitos apenas inter partes, sem vincular terceiros que não integrem a relação
jurídica.
• Nos direitos reais há direito de sequela, ou seja, o direito de reivindicar o bem
aonde quer que ele esteja. Tal direito segue a coisa, onde quer que ela esteja
(móvel) ou na posse de quem estiver (imóvel). No direito obrigacional, há a
responsabilidade patrimonial, convertida em perdas e danos.
• No direito real há direito de preferência, tendo caráter taxativo na lei (tipicidade).
No caso de direitos pessoais de caráter patrimonial, há contratos típicos e atípicos,
inominados, não sendo o havendo um rol exaustivo de todas as espécies de
direitos reais.

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Paulo Batista

O rol dos direitos reais está no art. 1225 do CC. Segundo esse dispositivo, são direitos
reais:
• a propriedade;
• a superfície;
• as servidões;
• o usufruto;
• o uso;
• a habitação;
• o direito do promitente comprador do imóvel;
• o penhor;
• a hipoteca;
• a anticrese;
• a concessão de uso especial para fins de moradia;
• a concessão de direito real de uso;
• a laje.
Assim, os direitos reais estão descritos no art. 1.225 do Código Civil. Contudo, leis
extravagantes podem criar novos direitos reais, como ocorreu na Lei nº 11.977/2009, que
dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, criando a legitimação da posse como direito
real (art. 59). Muito embora a doutrina majoritariamente lecione que os direitos reais precisam
estar previstos em lei, o STJ já entendeu que a multipropriedade imobiliária (time-
sharing)possuía natureza jurídica de direito real,embora naquela época não houvesse previsão
em lei. Contudo, posteriormente, a Lei nº 13.465/2017 introduziu esse instituto no Código Civil,
a partir do art. 1.358-B.
Para provas objetivas, deve ser adotada a concepção de taxatividade dos direitos reais,
ou seja, eles só existem se houver lei os prevendo.

1.2. DEMAIS DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS REAIS E OS DIREITOS PESSOAIS PATRIMONIAIS

1.2.1. DIREITOS REAIS

• Relação estabelecidas entre pessoas e coisas (relação imediata).


• Incidência forte do princípio da publicidade.
• Direito real tem eficácia erga omnes. O registro do direito, em regra, possui
natureza constitutiva (mas a usucapião, por exemplo, é exceção, pois o registro
é declaratório).
• O rol é taxativo, mas a lei pode criar novos direitos reais.
• O direito é permanente.
• Direitos reais podem ser objeto de usucapião.

1.2.2. DIREITOS PESSOAIS

• Relação jurídica entre pessoas (inter partes). O objeto imediato é uma


prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer.
• Característica mais relevante é a autonomia privada.
• O rol legal é exemplificativo.
• O direito tem caráter transitório, como regra.
• Não se adquirem por usucapião.
Quanto à eficácia inter partes do direito obrigacional, vale dizer que isso tem sido
relativizado,como a tutela externa do crédito, quando a eficácia do contrato e sua função social

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Paulo Batista

gera efeitos e devem ser respeitados por quem não participou da relação jurídica material,
havendo uma mitigação da relatividade dos contratos.
Ainda, não se deve confundir direitos reais com obrigações propter rem. Essas têm
caráter pessoal, mas perseguem a coisa. Ex.: se não foi pago o rateio do condomínio edilício pelo
locador, o locatário deverá pagá-lo. A taxa condominial, apesar de não ser um direito real, é uma
obrigação que persegue a coisa.
O abuso de direito no exercício da propriedade (ato emulativo) também é um conceito
híbrido, pois, quando há abuso no seu exercício, há uma repercussão dos direitos pessoais de
caráter patrimonial, gerando o dever de indenizar.

2. DA POSSE

2.1. NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

Não é um tema pacífico.


São duas correntes, uma vendo a posse como fato, outra a vendo como direito.
Como visto acima, definitivamente ela não é direito real, pois não está elencada no rol
do art. 1.225 do CC. Para parte da doutrina, ela é direito real de natureza especial. Especial
porque a posse é a exteriorização da propriedade, o domínio fático que a pessoa exerce sobre
uma coisa. Se direito é fato, valor e norma, a posse é o componente jurídico do direito. A posse
nasce de um fato que é valorado e encontra respaldo normativo. Por isso teria a natureza
especial, por conta desse nascedouro fático.
Atualmente a tendência maior é entender a posse como um fato jurídico, gerador de
um estado de aparência, que repercute em diversas esferas de direitos e obrigações.
Há, ainda, duas correntes que procuram justificar a posse como categoria jurídica.
1ª Teoria Subjetivista (Savigny): dá relevância ao aspecto subjetivo da posse. Aqui, a
posse possui dois elementos:
• Corpus: é o elemento objetivo, material, que é a disponibilidade sobre a coisa.
• Animus: é o elemento subjetivo, que é a intenção de ter a coisa para si.
Se adotada essa teoria, não seriam possuidores o locatário, comodatário, depositário,
etc., pois não haveria animus.
2ª Teoria Objetiva (Ihering): para constituição da posse, basta que o sujeito disponha
fisicamente da coisa. Na verdade, para o Ihering, o corpus é formado pela atitude externa do
possuidor em relação à coisa. O possuidor passa a agir, em relação à coisa, com intuito de
explorá-la, inclusive economicamente. Essa teoria foi a adotada no Código Civil (art.1.196), o
qual diz que se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade.
Portanto, para o CC, posse é quem exerce sobre a coisa algum, ou alguns, dos poderes
inerentes à propriedade.
A posse pode ser desdobrada em direta e indireta. O locador é possuidor indireto, pois
exerce um dos poderes inerentes à propriedade (colher frutos). O locatário usa a coisa (sem
alterar sua substância), ou seja, exerce um dos atributos da propriedade, sendo possuidor
direto.

2.2. DIFERENÇAS ENTRE POSSE E DETENÇÃO

• Posse: é exercida em nome próprio.


• Detenção (ou fâmulo da posse): é exercida em nome alheio.
O art. 1.198 do CC diz que se considera detentor aquele que, achando-se em relação
de dependência para com outro, conserva a posse em nome desta outra pessoa e em
cumprimento de ordens ou instruções suas. O parágrafo único do mesmo artigo afirma que,

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aquele que começou a se comportar do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem
e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.
Exemplo do fâmulo da posse é o caseiro. Outro exemplo é o manobrista, conservando
a posse em nome de outra pessoa. Veja, o manobrista exerce detenção em relação à empresa;
esta é que é a possuidora, em razão de um contrato de depósito do carro no momento da
condução.
Outro exemplo ainda é o caso da ocupação irregular de área pública. O STJ entende que
a ocupação irregular de área pública não induz posse e sim mera detenção, quando houver litígio
entre o particular e o Poder Público. Contudo, mesmo se tratando de terras públicas, o STJ tem
entendido que é possível a discussão da posse,se isso ocorrer entre particulares.
É possível a conversão da detenção em posse, quando há a quebra do vínculo de
subordinação (Enunciado 301 do CJF).

2.3. PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DA POSSE

2.3.1. QUANTO AO DESDOBRAMENTO

Quanto ao desdobramento, a posse se classifica em:


• Posse direta: exercida por quem tem o poder físico sobre a coisa (ex.: locatário).
• Posse indireta: exercido por meio de outra pessoa (ex.: locador).
O Enunciado 76 do CJF diz que o possuidor direto tem direito de defender sua posse
contra o possuidor indireto, e vice-versa.

2.3.2. QUANTO AOS VÍCIOS OBJETIVOS

Quanto à presença de vícios objetivos:


• Posse justa: é a posse não violenta, não clandestina e não precária.
• Posse injusta: é a posse violenta, clandestina ou precária.
A posse violenta é aquela obtida por meio de esbulho, violência física ou moral, como a
ameaça. Contudo, a violência tem que ser exercida contra a pessoa, não contra coisas.
A posse clandestina é aquela obtida às escuras, às escondidas, sem publicidade.
A posse precária é aquela obtida com abuso de confiança ou abuso de direito. Ocorre
quando, havendo obrigação de restituição, o possuidor não o faz, passando a sua posse a ser
precária. Ex.: o locatária não paga o aluguel e não devolve o imóvel. Às vezes, a precariedade
demanda notificação pessoal do possuidor, para que restitua. Outras vezes, o simples
esgotamento do prazo sem a restituição já torna a posse precária.
A posse, mesmo injusta, é posse. Isso significa que é possível defender essa posse
injusta em face de terceiros, inclusive se valer de ações possessórias em caso de esbulho e
turbação. Isso porque o vício da posse pode ser relativo, somente dizendo respeito a
determinadas pessoas.
O art. 1.208 do CC, segunda parte, dispõe que a posse injusta por meio de violência ou
clandestinidade pode ser convalidada. No entanto, a posse precárias não pode ser
convalidada. Segundo o dispositivo, não induzem posse os atos de mera permissão ou
tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Portanto, uma posse que nasce violenta ou clandestina poderá ser convalidada caso
cesse a violência ou a clandestinidade. Este é o entendimento que prevalece na doutrina.
Após 1 ano e 1 dia do ato de violência ou da clandestinidade, a posse é convalidada,
deixando de ser injusta e passa a ser justa. A posse precária, no entanto, continuará sendo
injusta.

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2.3.3. QUANTO À BOA-FÉ

• Posse de boa-fé: é a posse que ignora a existência de um vício que impede a


aquisição da coisa.
• Posse de má-fé: é a posse em que há conhecimento do vício que acomete a coisa.
Por isso, ele é considerada subjetiva, ou seja, é de conhecimento inequívoco do
possuidor.
Questiona-se: é possível falar em posse de boa-fé injusta?
SIM. Nada impede que alguém tenha uma posse injusta e de boa-fé. Basta pensar
naquele que adquire a posse de outrem sem saber que aquela posse é injusta. Houve a violência,
e na semana seguinte, houve a transferência da posse, pois não ultrapassado o ano e dia, a fim
de se tornar justa.
É possível haver posse justa e de má-fé?
SIM. A posse pode não ser violenta, clandestina e precária, mas pode conter algum vício.
Nesse caso, haverá uma posse justa e de má-fé.

2.3.4. QUANTO À PRESENÇA DE UM TÍTULO

A posse poderá ser:


• Posse com título: há uma causa representativa da transmissão da posse.Há
documento escrito.
• Posse sem título: não há essa causa representativa da posse, não há documento
escrito.
No caso do achado de tesouro, a doutrina fala em ato-fato jurídico, pois o indivíduo não
teria a vontade juridicamente relevante para que o ato jurídico produza efeitos.
concorda-se que há a posse daquela pessoa, mas uma posse sem título.
Com base nessa ideia, surgem as expressões:
• Ius possidendi: é o direito à posse que decorre da propriedade. Há uma posse com
título, pois decorre da propriedade, do direito explicitado.
• Ius possessionis: é o direito que decorre exclusivamente da posse. Há uma posse
sem título, que decorre de um exercício fático.
Alguns autores falam da posse natural, que é a posse sem título (ius possessionis), e
posse civil ou jurídica, que é o ius possidendi (posse com título).
Quando há justo título, presume-se a boa-fé.

2.3.5. QUANTO AO TEMPO

A posse pode ser classificada em:


• Posse nova: a posse que conta com até 1 ano, ou seja, com menos de 1 ano e 1 dia.
• Posse velha: a posse que conta com mais de 1 ano e 1 dia.
Tais prazos vão influenciar no cabimento de liminares em ações possessórias, como
veremos mais adiante.

2.3.6. QUANTO AOS EFEITOS

A posse se classifica em:


• Posse ad interdicta: a posse pode ser defendida por meio das ações possessórias
diretas. Essa posse não conduz à usucapião. É a posse fundada em contrato de
locação, comodato, depósito, etc.

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• Posse adusucapio nem: há admissão da aquisição da propriedade por meio da


usucapião. Deve ser mansa, pacífica, duradoura, ininterrupta e deve ter a intenção
de ser dono.
Perceba que, quando se fala em posse ad usucapio nem, adota-se a teoria de Savigny,
levando em conta que a posse seria um exercício fático com animus domini.

2.4. EFEITOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA POSSE

2.4.1. EFEITOS QUANTO AOS FRUTOS

O art. 1.214do CC diz que o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela, aos frutos
percebidos.
O parágrafo único do mesmo artigo diz os frutos pendentes ao tempo em que cessar a
boa-fé devem ser restituídos, mas apenas depois de serem deduzidas as despesas da produção
e custeio daquele fruto. Devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação, pois
não deveriam ser percebidos.
Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos logo que são
separados. No entanto, os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia (juros).
Lembre-se que os frutos não implicam a mudança de substância da coisa. Já o produto
gera essa alteração.
O art. 1.216 do CC trata do possuidor de má-fé, estabelecendo que ele responde por
todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos frutos que, por culpa sua, deixou de
perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé. O possuidor de má-fé tem direito
às despesas da produção e custeio.
Já o possuidor de boa-fé só responde pelos frutos pendentes, pois aqueles já colhidos e
já percebidos integraram seu patrimônio.
Em relação ao produto, que implica diminuição da substância da coisa, há um dever de
restituição, ainda que o possuidor seja de boa-fé. Isso porque, quando se retira um produto, a
substância da coisa é modificada.

2.4.2. EFEITOS DA POSSE EM RELAÇÃO ÀS BENFEITORIAS

O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis.


Quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, terá ele o direito de levantá-las, quando o
puder sem detrimento da coisa principal, e terá o possuidor de boa-fé o direito de retenção
pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Em relação à locação de imóvel urbano, há uma regulamentação específica a respeito
do possuidor de boa-fé e de má-fé quanto às benfeitorias. A Lei nº 8.245/1991 diz que, salvo
disposição contratual em sentido diverso, as benfeitorias necessárias, introduzidas pelo
locatário, mesmo que não tenham sido autorizadas pelo locador, vão gerar direito de
indenização ao locatário. As benfeitorias úteis, desde que autorizadas pelo locador, também
deverão ser indenizadas. Nestes casos, a lei garante ao locatário o direito de retenção. Em
relação às voluptuárias, elas poderão ser levantadas, desde que não gerem dano à coisa.
Veja, as partes de um contrato paritário de locação poderão dispor de modo diferente,
como é o caso em que não há qualquer direito de indenização por benfeitorias necessárias, úteis
ou voluptuárias.
No caso de posse de má-fé, o art. 1.220 do CC dispõe que o possuidor será ressarcido
somente das benfeitorias necessárias, não tendo o direito de retenção pela importância destas,
nem o direito de levantar as voluptuárias.
É uma das formas em que o Código Civil diferencia a posse de má-fé daquela de boa-fé.

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2.5. POSSE E RESPONSABILIDADE

O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não
der causa. Veja, trata-se de dispositivo prevendo que o possuidor de boa-fé tem
responsabilidade subjetiva.
Já o art. 1.218 do CC diz que o possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração
da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela
na posse do reivindicante. Em outras palavras, a responsabilidade do possuidor de má-fé é
objetiva. Ele só vai se eximir se comprovado que a deterioração da coisa ocorreria de qualquer
modo.
O art. 1.221 do CC prevê uma hipótese de compensação legal, ao dizer que as
benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento, se, ao tempo da
evicção, ainda existirem.

2.6. POSSE E PROCESSO CIVIL

Três são as situações que possibilitam o manejo de ações possessórias (não confundir
com reivindicatórias, que discutem a propriedade):
• Ameaça à posse: promove-se ação de interdito proibitório.
• Turbação da posse: promove-se ação de manutenção de posse.
• Esbulho da posse: promove-se ação de reintegração de posse.
Assim, segundo o art. 1.210 do CC, o possuidor tem direito a ser mantido na posse no
caso de turbação, de ser restituído na posse no caso de esbulho e de ser segurado na posse no
caso de uma violência iminente. O possuidor esbulhado ainda pode utilizar do desforço
imediato (uso moderado da força).
Há no art. 554 do NCPC a consagração total do princípio da fungibilidade das ações
possessórias. Segundo este dispositivo, a propositura de uma ação possessória, no lugar de
outra, não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente
àquela cujos pressupostos estejam provados.
Se a ofensa à posse contar com menos de 1 ano e 1 dia, caberá uma ação de força nova,
cabendo a medida liminar para tutela imediata da posse.
Por outro lado, se houver uma ameaça, turbação ou esbulho com mais de 1 ano e 1 dia,
haverá uma ação de força velha, observando-se o procedimento comum.
Há precedente do STJ entendendo que particulares podem ajuizar ação possessória
para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo).
Ex: determinada empresa construiu uma indústria e invadiu a via de acesso (rua) que liga a
avenida a uma comunidade de moradores locais. Os moradores têm legitimidade para ajuizar
ação de reintegração de posse contra a empresa, alegando que a rua que está sendo invadida.
Atente-se que o ordenamento jurídico não permite a proteção possessória em caso de
particular que ocupe bens públicos dominicais, sendo esta situação caracterizada como mera
detenção. No entanto, como dito acima, é possível que particulares exerçam proteção
possessória para garantir seu direito de utilizar bens de uso comum do povo, como é o caso,
por exemplo, da tutela possessória para assegurar o direito de uso de uma via pública.

2.6.1. PRINCIPAIS ASPECTOS PROCESSUAIS

Deve ser examinado o art. 555 do NCPC.


Segundo este dispositivo, é lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:
• condenação em perdas e danos;
• indenização dos frutos.
Isso é possível sem que haja a desnaturação do rito possessório.

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O parágrafo único diz que pode o autor requerer, ainda, imposição de medida necessária
e adequada para:
• evitar nova turbação ou esbulho;
• cumprir-se a tutela provisória ou final.
O que este dispositivo autoriza é que, além de condenação em perdas e danos e
indenização dos frutos, é possível fixar multa inibitória para que o réu não pratique nova ofensa
à posse.
Lembre-se que a ação possessória tem caráter dúplice, sendo possível que o réu, na
contestação, alegue que ele é o ofendido, devendo ele ser indenizado pelo autor. Trata-se do
pedido contraposto, espécie de pleito comum à ação dúplice (art. 556 do CPC). Assim, o réu
não precisa apresentar reconvenção, salvo se se tratar de pedido totalmente distinto do caráter
dúplice, o que será submetido ao crivo judicial.
Já o art. 557 do CPC afirma que, na pendência de ação possessória,é vedado, tanto ao
autor, quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a ação de
reconhecimento de domínio for deduzida em face de terceira pessoa.
O parágrafo único do mesmo artigo prevê que não obsta à manutenção ou à
reintegração de posse a alegação de propriedade, ou de outro direito real sobre a coisa.
Se o réu provar que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece
de idoneidade financeira para, caso perca, responder por perdas e danos, o juiz fixará o prazo
de 5 dias para que seja depositada caução, podendo ser real ou fidejussória. Essa caução pode
ser dispensada quando se está lidando com partes economicamente hipossuficientes, havendo
uma interpretação voltada para a função social e dignidade da pessoa humana.
Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a
expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração da posse. Caso não esteja
devidamente instruída, determinará que o autor justifique previamente o alegado, antes da
expedição do mandado de manutenção ou reintegração da posse, citando-se o réu para
comparecer à audiência que for designada.
Contra pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou a
reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.
Há um regramento todo especial para litígios coletivos no novo CPC. Segundo o art. 565,
no litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação do imóvel tiver
ocorrido há mais de 1 ano e 1 dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida
liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 dias. Vale lembrar que,
na mediação, o mediador não propõe a solução às partes, mas a fomenta para que as partes
cheguem até ela.
Passado 1 ano e 1 dia, em regra, a lei não permite a liminar, pois a ação voltaria para o
procedimento comum. Todavia, o próprio NCPC traz uma exceção, por conta da necessidade de
audiência de mediação no prazo de 30 dias.
No caso de litígio coletivo pela posse de imóvel, caso tenha sido concedida a liminar, e
se essa não for executada no prazo de 1 ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz
designar audiência de mediação. Por seu caráter coletivo, o Ministério Público será intimado
para comparecer à audiência, assim como a Defensoria Pública, sempre que houver parte
beneficiária de gratuidade da justiça. O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando
sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.
Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado
ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados
para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência
de possibilidade de solução para o conflito possessório. Aplica-se o disposto neste artigo ao
litígio sobre propriedade de imóvel.
Segundo o art. 1.211 do CC, quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-
se-á provisoriamente aquele que estiver na posse da coisa, se não for manifesto o vício. Esse

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Paulo Batista

dispositivo trata do chamado possuidor aparente. É uma das várias aplicações de um princípio
jurídico geral: o Princípio da Aparência.
O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro que
recebeu a coisa esbulhada tendo ciência do vício que a contaminava, ou seja, o terceiro de má-
fé.

2.7. A LEGÍTIMA DEFESA DA POSSE E O DESFORÇO IMEDIATO

O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se da posse, por sua


própria força, contanto que o faça logo. Portanto, os atos devem ser imediatos. E além disso,
os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse.
Como dito acima, o Código traz uma previsão de autotutela, sendo requisitos que:
• a defesa seja imediata;
• o possuidor tome o cuidado para que as medidas não possam ir além do
indispensável para a recuperação da posse, sob pena de abuso do direito.
A legítima defesa é antes do esbulho, ocorrendo na turbação da posse.
O desforço imediato ocorre após o esbulho, pois já foi perdida a posse.

2.8. FORMA DE AQUISIÇÃO, TRANSMISSÃO E PERDA DA POSSE

O art. 1.204 do CC afirma que a posse é adquirida desde o momento em que se torna
possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Vê-
se que a posse direta deve ser exteriorizada, um poder fático sobre a coisa que possa ser
constatado por terceiros (não pode ser clandestina).
A posse se transmite aos herdeiros ou legatários com os mesmos caracteres. O
sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor. Já ao sucessor singular é
facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Sucessor universal é o caso de herança legítima. Sucessor singular é o caso de legado.
A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele
estiverem, de forma que, havendo a transmissão da posse do imóvel, haverá também
transmissão da posse dos bens móveis que guarnecem o bem imóvel. Há aplicação do princípio
da gravitação jurídica.
Já a posse será perdida quando ela cessa, embora contra a vontade do possuidor. Será
considerada cessada a posse quando o possuidor perder o poder fático sobre o bem.
Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo
notícia dele, abstém-se de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente
repelido.

2.9. COMPOSSE

Composse é posse conjunta. Uma situação na qual duas ou mais pessoas exercerão
poderes possessórios sobre a mesma coisa.
Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela
atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
É possível ação possessória do compossuidor contra o outro compossuidor.
A composse pode ser classificada em:
• Composse pro indiviso (indivisível): há compossuidores, com fração ideal das
posses, mas não se consegue determinar, no plano fático, qual é a parte de cada
um. Ex.: dois irmãos com a posse de uma fazenda, que plantam soja conjuntamente.

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• Composse pro diviso (divisível): cada compossuidor sabe qual é a sua parte, pois é
determinável no plano fático e real. Ex.: os dois irmãos têm um terreno, mas há uma
cerca dividindo metade do local.

3. PROPRIEDADE

3.1. CONCEITO

Propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder


de quem quer que injustamente a possua ou detenha. É o domínio de um sujeito ativo sobre
determinada coisa.
Direito de propriedade é consagrado como direito fundamental (art. 5º, XXII, CF). A
propriedade não é direito absoluto, motivo pelo qual deve haver o cumprimento sua da função
social.
A propriedade está relacionada a 4 atributos (art. 1.228 do CC):
• Faculdade de usar: corresponde à faculdade de se pôr o bem a serviço do
proprietário. O Código Civil e várias leis extravagantes, como o Estatuto da Cidade,
colocam limitação ao direito de usar a coisa.
• Faculdade de gozar(fruir):é a faculdade de retirar os frutos da coisa.
• Faculdade de dispor: poder de consumir o bem, de aliená-lo ou gravá-lo, ou de
submetê-lo ao serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo. Pode se dar por ato
inter vivos ou mortis causa (testamento).
• Faculdade de reivindicar (reaver): é exercido por meio de uma ação petitória,
fundada no direito de propriedade. Isso se dá pela chamada ação reivindicatória.
Havendo os quatro atributos de forma cumulativa, então haverá propriedade plena. Do
contrário, a propriedade será limitada.
Quando limitada ou restrita, a propriedade pode se dividir em:
• Nua propriedade: é a titularidade do domínio, sem os atributos de uso e fruição. A
pessoa é o nu-proprietário, senhorio direto.
• Domínio útil: corresponde aos atributos de usar, gozar e fruir da coisa. É a utilização
efetiva do bem.
A depender dos seus atributos, o titular que detenha o direito de propriedade recebe
uma denominação diferente, por exemplo, superficiário, usufrutuário, usuário, habitante,
promitente comprador etc.

3.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE

São características do direito de propriedade:


• Direito absoluto: tem caráter erga omnes, oponível contra todos. Entretanto, tendo
em vista o aspecto constitucional do Direito Civil atual, há muitas limitações ao
direito de propriedade.
• Direito exclusivo: via de regra, a coisa não pode pertencer a mais de uma pessoa.
Uma exceção é o caso do condomínio.
• Direito perpétuo: o direito não se perde, como regra, pelo seu não exercício.
• Direito elástico: Orlando Gomes diz que a propriedade pode ser distendida ou
contraída, de acordo com o seu exercício.

3.3. FUNÇÃO SOCIAL E SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

O §1º do art. 1.228 do CC afirma que o direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados,

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de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o


equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, além de aspectos urbanísticos.
Esse dispositivo confere uma finalidade ao exercício do direito de propriedade. É
necessário que a propriedade cumpra essa função.
A função social e socioambiental da propriedade também está prevista no art. 225 da
CF, dispositivo que protege o meio ambiente como um bem difuso e que visa à sadia qualidade
de vida das pessoas e futuras gerações (assegura direitos intergeracionais).
A função social da propriedade tem uma dupla intervenção:
• Faceta limitadora: veda a degradação do meio ambiente.
• Faceta impulsionadora: fomenta a exploração da propriedade.
A CF traz vários preceitos que seguem a linha da faceta impulsionadora da função social
da propriedade. O art. 186 da CF impõe que haverá função social da propriedade quando se
der o seu aproveitamento racional e adequado. É preciso aproveitar a propriedade para que se
exerça a função social.
Tratando-se de imóvel urbano, as definições quanto à correta ocupação do solo
competirá prioritariamente ao Município, conforme a CF, sem prejuízo de atuação de regras
gerais dos estados e da União.
O STJ tem decidido que o novo proprietário de um imóvel é obrigado a fazer a
reparação ambiental, mesmo que não tenha sido ele o causador do dano.
É imperioso anotar que o art. 2º, §2º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) diz que as
obrigações lá previstas têm natureza real e são transmitidas ao sucessor a qualquer título, no
caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.
São proibidos os atos que não tragam ao proprietário qualquer comodidade ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. Na verdade, o que há aqui é
a vedação do exercício abusivo do direito de propriedade. É outro exemplo de vedação ao ato
emulativo. Faz-se, assim, a leitura sistemática do art. 1.228, §2º, e do art. 187, ambos do CC,
que trata do abuso do direito.
O Enunciado 49 do CJF diz que a regra do art. 1.228, §2º do CC deve ser interpretada
restritivamente, prevalecendo o art. 187 da Lei Civil. Para efeitos de ato emulativo, é preciso
lembrar que tal responsabilidade, como regra, tem caráter objetivo, e não subjetivo.
Quanto às limitações à propriedade, ainda existe o §3º do art. 1.228 do CC, que trata da
desapropriação por necessidade ou por utilidade pública, e da desapropriação por interesse
social, além de tratar do ato de requisição em caso de perigo público iminente.
Quanto à sua abrangência, a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo
correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário
se opor a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais que
não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Esse dispositivo trata da extensão vertical da
propriedade.
A propriedade do solo não abrange a das jazidas, minas e demais recursos minerais, os
potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por
leis especiais. Isso se dá porque a Constituição estipula que tais bens pertencem à União. O que
fica garantido ao concessionário é o produto da lavra.
Contudo, o proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de
emprego imediato na construção civil, desde que eles não sejam submetidos a transformação
industrial (como a areia, por exemplo).
O art. 1.231 do CC diz que a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em
contrário.

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Paulo Batista

3.4. DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL PRIVADA POR POSSE-TRABALHO

Segundo o §4º do art. 1.228 do CC, o proprietário também pode ser privado da coisa se
o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de
5 anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou
separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
Essa é a denominada desapropriação judicial privada por posse-trabalho.
Assim, esse dispositivo diz que o proprietário poderá perder a área:
• se se tratar de uma área extensa;
• se várias pessoas estiverem morando lá;
• se essas pessoas estão de boa-fé e lá estão há mais de 5 anos ininterruptamente;
• se elas estão exercendo trabalho e moradia naquela área;
• se elas realizaram serviços e obras considerados relevantes pelo juiz, como de
interesse social e econômico.
Nesse caso, o juiz irá fixar uma justa indenização ao proprietário, pagando-se o preço
a ele, situação na qual a sentença poderá ser registrada no Registro de Imóveis,em nome
daqueles que se encontram na área.
Atente-se que isto não se trata de usucapião, que é forma originária de aquisição da
propriedade e sem pagamento de indenização. Neste caso da desapropriação judicial privada
por posse-trabalho, há esse pagamento, sendo então uma forma de desapropriação.
Há quatro diferenças básicas entre a desapropriação judicial privada por posse-trabalho
e a usucapião coletiva do Estatuto da Cidade:
• Na usucapião coletiva urbana, os ocupantes devem ser de baixa renda. Na
desapropriação judicial privada por posse-trabalho não há essa exigência.
• Na usucapião coletiva urbana, a área deve ter no mínimo 250m², enquanto na
desapropriação judicial privada por posse-trabalho se exige apenas uma extensa
área.
• A usucapião coletiva só se aplica a imóveis urbanos, enquanto a desapropriação
judicial privada por posse-trabalho pode ter por objeto imóveis urbanos ou rurais.
• Na usucapião coletiva urbana, não há indenização, enquanto na desapropriação
judicial privada por posse-trabalho há justa indenização.
Esse instituto representa a efetivação da função social da propriedade, pois a posse que
está sendo exercida sobre a área, somada ao desempenho da atividade positiva sobre o imóvel,
faz com que nasça o direito à propriedade, desde que paga uma justa indenização.
A boa-fé em matéria de posse, como acima afirmado, é subjetiva, estando relacionada
à conduta dos envolvidos.
A desapropriação judicial privada por posse-trabalho pode ser alegada, inclusive, como
matéria de defesa, bem como por ação autônoma.

3.5. DIFERENÇA ENTRE PROPRIEDADE RESOLÚVEL E PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

3.5.1. PROPRIEDADE RESOLÚVEL

A propriedade resolúvel é aquela que pode ser extinta pelo advento de uma condição
ou de um termo, ou mesmo por uma causa superveniente, que venha a desconstituir a relação
jurídica. Exemplo disso é a chamada compra e venda com cláusula de retrovenda, quando,
durante o período de até 3 anos (prazo decadencial), a propriedade do comprador é resolúvel,
podendo ser extinta se implementada uma condição ou termo.

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Paulo Batista

Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo


(causa anterior), entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua
pendência (retornando ao status a quo), quando o proprietário, em cujo favor se opera a
resolução, poderá reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.
Contudo, se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor que
a tiver adquirido por título anterior à sua resolução será considerado proprietário pleno,
restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução,ação contra aquele cuja propriedade se
resolveu, podendo reivindicar a própria coisa ou o seu valor.
Exemplo de causa superveniente é a ingratidão do donatário, que pode gerar
revogação da doação e resolução da propriedade.

3.5.2. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

O CC trata do aspecto geral da propriedade fidúcia. Porém, há leis específicas regrando


a alienação fiduciária em garantia para bens móveis e imóveis, como será visto mais à frente.
O art. 1.361 do CC considera fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível
que o devedor tenha, com escopo de garantia, transferido ao credor.
Basicamente, na propriedade fiduciária há este movimento: o devedor transfere a
propriedade fiduciária ao credor, ficando o devedor com a posse direta do bem, podendo usá-
lo. O credor figura como o proprietário da coisa, em condição resolutiva e com posse indireta.
Quitada a dívida, a propriedade do credor se resolve e o devedor assume a propriedade plena.
Sendo assim, a alienação fiduciária em garantia é sempre um contrato acessório a um contrato
principal (em regra, mútuo), mas pode garantir qualquer tipo de obrigação. Isso será visto com
mais detalhes nos próximos capítulos.

3.6. FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

O Brasil adotou o sistema de aquisição de direitos reais, como regra, com a sua
inscrição junto à matrícula do imóvel no Cartório de Registro Imobiliário. Assim, o estudo dos
direitos reais imobiliários precisa ser feito com o devido exame dos Registros Públicos, tendo
em vista essa natureza constitutiva de direitos.
São formas de aquisição:
• Aquisição originária: independe que qualquer relação antecedente entre alienante
e adquirente, pois não existe propriamente uma transmissão de propriedade.
Ocorre, por exemplo, na acessão, na usucapião e na desapropriação. Acessões são
consideradas as ilhas, aluvião, avulsão, álveo abandonado, plantações, construções.
• Aquisição derivada: existe a transferência de propriedade, numa relação
antecedente entre alienante e adquirente, como a compra e venda, doação,
sucessão hereditária (saisine) etc.

3.6.1. FORMAS ORIGINÁRIAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

O que há aqui é uma propriedade que inicia do zero, sem que haja transferência de
direitos e obrigações, ou mesmo vícios anteriores, como regra geral.

3.6.1.1. ACESSÕES NATURAIS

O art. 1.248 do CC diz que as acessões constituem um modo de aquisição originário da


propriedade, através do qual passa a pertencer ao proprietário tudo aquilo que foi incorporado
natural ou artificialmente na sua propriedade.
São acessões naturais a formação de ilhas, aluvião, avulsão ou abandono de álveo.

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São acessões artificiais as plantações ou construções.


Formação de ilhas
A ilha é um acúmulo paulatino de areia, cascalho, materiais que vão sendo levados pela
correnteza, até que ultrapasse o limite da água. Pode ser também rebaixamento da água,
descobrindo uma parte de terra.
O que interessa ao direito civil são as ilhas formadas em rios não navegáveis, ou seja,
particulares, pois, do contrário, serão ilhas públicas. O código estipula que, no caso das ilhas
particulares, elas irão pertencer aos proprietários ribeirinhos que fazem fronteiras ali
(fronteiros).
As regras são as seguintes:
• as ilhas que se formarem no meio do rio: consideram-se acréscimos sobrevindos
aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas
testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;
• as ilhas que se formarem entre a referida linha e uma das margens: consideram-se
acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado;
• as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam
a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram: se a
ilha é produto de um braço do rio que se abriu sobre o terreno de alguém, a ilha
será desse proprietário.
Aluvião
Aluvião é a forma de aquisição da propriedade imóvel em que os acréscimos formados,
sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das
correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem
indenização.
É um processo lentoque se forma em frente de prédios de proprietários diferentes.
Perceba-se que há dois tipos de aluvião:
• Aluvião própria: é o acréscimo natural que vai sendo levado pelas águas do rio, até
que surja a terra.
• Aluvião imprópria: se dá quando as águas se afastam, formando um terreno
descoberto e acréscimo de terra.
Avulsão
Segundo o art. 1.251 do CC, a avulsão se dá quando, por força natural violenta, uma
porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro. Assim, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em 1 ano,
ninguém houver reclamado (prazo decadencial).
Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção
de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.
Álveo abandonado
Álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural.
Álveo abandonado é a parte que secou do rio. É o rio que seca, que desaparece.
Conforme o art. 1.252 do CC, o álveo abandonado de corrente pertence aos
proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos
terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se
estendem até o meio do álveo.

3.6.1.2. ACESSÕES ARTIFICIAIS

Toda construção ou plantação existente em um terreno se presume feita pelo


proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.
Existem seis regras específicas em relação ao tema (arts. 1.254 – 1.259 do CC):

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• Quem semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou


materiais alheios, adquire a propriedade destes materiais, sementes ou plantas,
porém fica obrigado a pagar o valor desses materiais, além de responder por
perdas e danos, se agiu de má-fé.
• Quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do
proprietário, as sementes, plantas e construções. Se procedeu de boa-fé, terá
direito a indenização. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente
o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a
propriedade do solo (exceção ao princípio da gravitação jurídica), mediante
pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo. É o que a
doutrina chama de acessão inversa ou invertida.
• Se de ambas as partes houve má-fé, o proprietário adquirirá as sementes, plantas
e construções, devendo ressarcir o valor das acessões. Aqui, uma das partes tem
ciência que está plantando em terreno que não é seu, e o proprietário sabe que
alguém está plantando no seu terreno irregularmente. Em relação ao proprietário,
presume-se a má-fé quando o trabalho de construção, ou lavoura, fez-se em sua
presença e sem impugnação.
• Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em
proporção não superior à vigésima parte deste, o construtor adquire de boa-fé a
propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa
parte invadida, e responde por indenização que cubra o valor da área perdida e a
desvalorização da área remanescente. Essa indenização deve corresponder ao valor
de 5% do terreno, mas também ao valor da desvalorização da área remanescente.
• Pagando em 10 vezes as perdas e danos, o construtor de má-fé adquire a
propriedade da parte do solo que invadiu,se em proporção à vigésima parte deste
e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder
demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção. Aqui é o invasor
de má-fé. Isso se dá se não puder ser demolida a parte invasora sem grave prejuízo
à construção como um todo.
• Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio for superior a 5%
(vigésima parte) deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e
responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à
construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente.
Por outro lado, estando de má-fé, será obrigado a demolir o que nele construiu,
pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.
O STJ decidiu no sentido de que o construtor, dono dos materiais, poderá cobrar do
proprietário do solo a indenização devida pela construção, quando não puder havê-la do
contratante. Ex: a Empresa "A" contratou uma construtora (Empresa “C”) para fazer um centro
comercial no terreno pertencente à empresa "B". A empresa "B", mesmo não tendo participado
do contrato, poderá ser responsabilizada subsidiariamente, caso a construção seja realizada e a
construtora (Empresa “C”) não seja paga. Aplica-se, ao caso, o parágrafo único do art. 1.257 do
CC: "O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a
indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor (Inf. 593 do STJ).

3.6.1.3. USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS

A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade ou de outro direito


real (como usufruto), através de uma posse prolongada e qualificada.
Veja-se que se trata da posse mais nobre que possa existir, pois, além de longeva,
precisa ser qualificada, ou seja, ad usucapionem.
As principais características da posse ad usucapionem são:

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Paulo Batista

• seja exercida com a intenção de dono (animus domini);


• seja mansa e pacífica;
• seja contínua e duradoura, com determinado lapso temporal a ser cumprida. A
exceção é o art. 1.243 do CC, que admite a soma de posses sucessivas;
• seja justa, ou seja, não violenta, não clandestina e não precária;
• caso a posse seja de boa-fé e com justo título, haverá a usucapião ordinária. A
usucapião extraordinária não depende de boa-fé e nem de justo título.
O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a dos
seus antecessores, contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, com justo título e de boa-
fé.
Estende-se ao possuidor as causas que obstam, suspendem ou interrompem a
prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. Por isso, a usucapião é considerada uma
prescrição aquisitiva.
São hipóteses impeditivas ou suspensivas da prescrição:
• não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
• não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o poder
familiar;
• não corre a prescrição entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores,
durante a tutela ou curatela;
• não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes(menores de 16 anos);
• não corre a prescrição contra os ausentes do país em serviço público;
• não corre a prescrição contra os que se acharem servindo nas forças armadas, em
tempo de guerra;
• não corre a prescrição pendendo condição suspensiva;
• não corre a prescrição não estando vencido o prazo;
• não corre a prescrição pendendo ação de evicção;
• não corre a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, quando a ação se
originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal.
O art. 201 do CC diz que, suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários,
esta suspensão só aproveita aos demais se ela for indivisível.
A interrupção da prescrição somente ocorrerá uma única vez, sendo as hipóteses:
• interrompe a prescrição o despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a
citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
• interrompe a prescrição o protesto judicial ou o protesto cambial;
• interrompe a prescrição a apresentação do título de crédito em juízo de inventário
ou em concurso de credores;
• interrompe a prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
• interrompe a prescrição qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que
importe reconhecimento do direito pelo devedor.
A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do
último ato do processo para a interromper.
São modalidades de usucapião de bens imóveis:
• usucapião ordinária;
• usucapião extraordinária;
• usucapião constitucional (especial rural);
• usucapião constitucional (especial urbana);
• usucapião especial urbana por abandono do lar;
• usucapião especial urbana coletiva;
• usucapião especial indígena.
Usucapião ordinária (art. 1.242 do CC)

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Paulo Batista

Adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo


título e boa-fé, o possuir por 10 anos.
Portanto, são requisitos:
• posse contínua e duradoura, mansa e pacífica;
• justo título e boa-fé;
• lapso temporal de 10 anos.
O parágrafo único reduz esse prazo para de5 anos, se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.Essa é a chamada usucapião tabular.
Usucapião extraordinária (art. 1.238)
Segundo o art. 1.238, aquele que, por 15 anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé,
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o
registro no Cartório de Registro de Imóveis. Esse registro não é constitutivo, pois a usucapião é
forma originária de propriedade, como dito. Trata-se de registro declaratório para que haja
eficácia erga omnes.
O prazo será reduzido para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua
moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Usucapião constitucional ou usucapião especial rural (art. 191 da CF)


É uma usucapião pro labore, gerada pelo trabalho.
Segundo o art. 191 da CF, aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como seu, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo
nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Tal dispositivo foi reproduzido pelo art. 1.239
do CC. Não há exigência de justo título e boa-fé.
O Enunciado 594 do CJF diz que é possível adquirir uma propriedade de menor
extensão do que ao do módulo rural estabelecida para a região, por meio da usucapião
especial rural.
Usucapião constitucional ou usucapião especial urbana ou usucapião pro misero (art.
183 da CF)
O art. 183 da CF dispõe que o possuidor com área urbana de até 250m²,por 5 anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-
lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O direito à usucapião especial urbana não é reconhecido ao mesmo possuidor por mais
de uma vez. Essa vedação não se vislumbra da usucapião especial rural.
Destaque-se que o herdeiro legítimo continua de pleno direito à posse de seu sucessor,
desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
A usucapião especial urbana não exige justo título ou boa-fé.

Usucapião especial urbana por abandono do lar (art. 183 da CF)


A Lei nº 12.424/2011 incluiu a usucapião especial urbana por abandono do lar. Segundo
essa forma, aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse
direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m²cuja propriedade dividia com ex-
cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.
O direito da usucapião especial urbana por abandono do lar não é conhecida por mais
de uma vez.
Ressalta-se o entendimento no Enunciado 595 do CJF, estabelecendo que o requisito
do abandono do lar deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como um

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Paulo Batista

abandono voluntário da posse do imóvel, somada à ausência da tutela da família. Não importa
a culpa do fim do casamento ou da união estável.
O imóvel tem que estar em condomínio comum (civil) com o cônjuge ou companheiro,
mas não precisa ser na fração de 50% para cada um. O cônjuge abandonado vai requerer a
usucapião da fração ideal daquele que abandou o bem.

Usucapião especial urbana coletiva


O art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2007) diz que as áreas urbanas com mais
de 250m², ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 anos,
ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por
cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
A usucapião especial coletiva de imóvel urbano é declarada por sentença, a qual servirá
de título para registro no cartório de registro de imóveis, com natureza, como dito, declaratória.
Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo
escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
A usucapião especial urbana coletiva estabelece um condomínio especial entre os
usucapientes, o qual será indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação
favorável tomada por, no mínimo, 2/3 dos condôminos, no caso de execução de urbanização
posterior à constituição do condomínio.
As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por
maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou
ausentes.
Usucapião especial indígena
Está prevista no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973).
Segundo o art. 33 do Estatuto, o índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por
10 anos consecutivos, trecho de terra inferior a 50 hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.
Esse artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às
áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.
Observações:
Usucapião administrativa
Além das modalidades judiciais, a Lei Minha Casa Minha Vida (Lei 11.977/2009) instituiu
a modalidade de usucapião administrativa, efetivada pelo Cartório de Registro de Imóveis, a
fim de que o poder público legitime a posse, sejam eles públicos ou particulares, a qual será
concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que esses não sejam
concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, e desde que não
sejam beneficiários de uma legitimação de posse concedida anteriormente.
O detentor do título de legitimação de posse, depois de 5 anos, poderá requerer ao
oficial de registro de imóveis que seja convertida a legitimação de posse em registro de
propriedade., desde que se trate de imóvel particular, pois bem público não estará submetido a
esta conversão.
Usucapião extrajudicial
O novo CPC incluiu a modalidade de usucapião extrajudicial na Lei de Registros Públicos
(lei 6.015/73, em seu art. 216-A), em que se permite o reconhecimento da usucapião na esfera
extrajudicial, que correrá integralmente fora do Poder Judiciário, começando no Tabelião de
Notas (com a confecção da ata notarial) e depois no Registro de Imóveis. Somente em eventuais
impugnações, o processo será remetido ao juiz corregedor do cartório. Trata-se de
procedimento facultativo, pois o interessado terá sempre a liberdade de optar pela via judicial.

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3.6.1.4. USUCAPIÃO IMOBILIÁRIA E A QUESTÃO INTERTEMPORAL

O art. 2.029 do CC diz que, até dois 2 após a entrada em vigor do Novo Código Civil, os
prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242, que
tratam da usucapião ordinária e extraordinária, serão acrescidos de 2 anos, qualquer que seja
o tempo transcorrido na vigência do antigo CC de 1916.
É uma regra de transição, apenas para as mencionadas espécies de usucapião.
Para os demais casos, valerá a regra do art. 2.028, o qual estabelece que serão os da lei
anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já
houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

3.6.2. FORMAS DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE

3.6.2.1. REGISTRO PÚBLICO

O registro do título aquisitivo é a principal maneira derivada de aquisição da


propriedade imóvel. É o registro que implica transferência da propriedade, possuindo, portanto,
natureza constitutiva de direitos. Por isso é muito importante o estudo de Registros Públicos,
em especial a Lei nº 6.015/73, além de vários diplomas normativos que regulam aspectos
extrajudiciais.
O art. 108 diz que os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre
imóveis devem ser feitos por escritura pública, se o valor do imóvel for superior a 30 salários
mínimos. Do contrário, basta que seja um contrato particular. Ou seja, quando a lei fala
“instrumento público” está se referindo a escritura pública, lavrada perante um Tabelião de
Notas.
A escritura pública, por si só, não transfere a propriedade. Ela é o instrumento do
contrato celebrado (doação, permuta, compra e venda etc.). Para que o contrato produza
efeitos, é preciso que haja o registro imobiliário dessa escritura. É o registro no cartório de
registro de imóveis que levará à transferência do domínio.
O art. 1.245 do CC afirma que a propriedade se transfere entre vivos através do registro.
Ou seja, é forma derivada de aquisição.
Segundo o art. 1.246, o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título
ao oficial do registro, e este o prenota no protocolo. A partir desse momento, o registro é eficaz,
ou seja, consagra-se o princípio da prioridade, tendo ela quem primeiro protocolou o título
junto ao registrador.
Se o teor do registro for falso, o interessado poderá requerer que ele seja retificado ou
anulado (art. 1.247). Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel,
independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

3.6.2.2. SUCESSÃO HEREDITÁRIA DE BENS IMÓVEIS

Na sucessão hereditária de bens imóveis, a propriedade se transfere no momento


exato do óbito. É uma forma de aquisição derivada da propriedade.
Segundo o art. 1.784, aberta a sucessão, a herança se transmite, desde logo, aos
herdeiros legítimos e testamentários. Esse é o princípio da saisine. Contudo, feita a partilha, o
seu formal precisa ser levado a registro para que haja eficácia contra todos e continuidade no
registro público.

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3.7. FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

A forma mais comum de transferência da propriedade móvel é a tradição, conforme


veremos mais abaixo. Antes, vamos analisar outras espécies de aquisição

3.7.1. OCUPAÇÃO E ACHADO DO TESOURO E ESTUDO DA DESCOBERTA

3.7.1.1. OCUPAÇÃO

O art. 1.263 diz que aquele que se assenhorear de coisa sem dono desde logo lhe adquire
a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
A ocupação é uma forma de aquisição originária da propriedade (res nullius – coisa de
ninguém).
Pode ser objeto de ocupação inclusive a coisa abandonada por outrem (res derelicta).

3.7.1.2. ACHADO DO TESOURO

O art. 1.264, em sua primeira parte, conceitua o tesouro como sendo o depósito antigo
de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória.
Três são as regras que merecem destaque:
• o tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o
tesouro casualmente, desde que tenha agido de boa-fé;
• o tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele,
ou em pesquisa que o proprietário ordenou, ou se quem encontrou o tesouro foi
terceiro não autorizado (agiu de má-fé);
• sendo o tesouro encontrado em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual
entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo
seja o descobridor.

3.7.1.3. DESCOBERTA

Quem quer que ache coisa alheia perdida deve restituí-la ao dono ou legítimo possuidor.
Assim, a coisa perdida não é coisa sem dono.
Se o descobridor da coisa não conhecer o dono, deverá tomar todas as medidas
necessárias para encontrá-lo. Caso não o encontre, deverá entregar à autoridade competente.
A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e
outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar.
Após 60 dias da divulgação, caso o dono não se apresente, a coisa será vendida em hasta
pública, deduzidas as despesas, a recompensa do descobridor (que não pode ser inferior a 5%)
e o restante pertencerá ao município. Se o valor da coisa for diminuto, o município poderá
abandonar em favor de quem a achou. A recompensa é denominada achádego.
O art. 1.235 diz que o descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou
possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo. Não responderá por prejuízos que tenha
causado com culpa.

3.7.2. USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS

É forma originária de aquisição da propriedade.


Há aqui duas formas:
• usucapião ordinária;

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• usucapião extraordinária.

3.7.2.1. USUCAPIÃO ORDINÁRIA

Quem possui a coisa móvel como sua, de forma contínua e pacífica, durante 3 anos,
desde que tenha justo título e boa-fé, vai adquirir a propriedade.

3.7.2.2. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA

Neste caso, se a posse da coisa se prolongar por 5 anos, haverá usucapião, sendo
dispensável a boa-fé e o justo título.

3.7.3. ESPECIFICAÇÃO

A especificação é uma forma derivada de aquisição da propriedade móvel.


Especificar consiste na transformação de uma coisa numa nova espécie, através do
trabalho de alguém (especificador).
São regras da especificação:
• A espécie nova (escultura) será de propriedade do especificador, se não for possível
o retorno ao status anterior. Por exemplo, se o dono de uma pedra era terceiro,
deverá o especificador indenizar o dono da coisa anterior. No entanto, o produto da
especificação passa a ser do especificador.
• Se toda a matéria for alheia, e não se puder retornar à forma anterior, e o
especificador tiver agido de boa-fé, a espécie nova será dele.
• Se for possível a redução ao estado anterior, ou quando for impraticável, mas a
espécie nova foi obtida de má-fé, ela pertencerá ao dono da matéria-prima. O art.
1.271 do CC diz que o especificador de má-fé não tem direito sequer a indenização
pelo trabalho.
• Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura, escritura e
outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie nova será do
especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima.
A regra é a de que a coisa especificada pertença ao especificador. Excepciona-se o caso
de má-fé, em que a coisa retornará ao dono da matéria-prima, sem direito à indenização ao
especificador.
Ainda que o especificador tenha agido de má-fé, se a coisa especificada tiver valor
consideravelmente superior ao valor da matéria-prima, continuará a coisa como sendo dele.

3.7.4. CONFUSÃO, COMISTÃO E ADJUNÇÃO

Essas três categorias são formas derivadas de aquisição da propriedade móvel.


Ocorre quando coisas pertencentes a diversas pessoas diferentes se misturam, de forma
que é impossível o retorno ao status anterior, ou seja, é impossível separá-las.
• Confusão há mistura de coisas líquidas ou mesmo entre gases. Ex.: mistura de álcool
com vinho; álcool com gasolina.
• Comistão é a mistura de coisas sólidas e secas, não sendo mais possível separar. Ex.:
mistura de areia com cimento.
• Adjunção é a justaposição, ou seja, é a sobreposição de uma coisa sobre a outra
coisa, não havendo mais como separá-las. Ex.: tinta na parede não dá mais para
separar.
São regras fundamentais:

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• Se a coisa pertencer a diversos donos, e sendo elas confundidas, misturadas ou


adjuntadas sem o consentimento deles, continuam pertencendo a esses donos
diversos, desde que seja possível separá-las sem deterioração.
• Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, fica
mantido indivisível o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao
valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado. Se uma das coisas puder
considerar-se principal, será o dono do principal o dono do todo, indenizando os
demais.
• Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá
escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida
a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que
será indenizado. Essa decisão entre comprar o que falta ou vender o que tem será
tomada pelo condômino de boa-fé, e o de má-fé fica sujeita à decisão do condômino
de boa-fé.
• Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à confusão,
comissão ou adjunção aplicam-se as normas da especificação.
O Código fala em comissão, mas a doutrina aponta que o correto seria comistão.

3.7.5. TRADIÇÃO

A tradição é a forma mais comum de transmissão de propriedade de coisas móveis.


Traduz a entrega da coisa móvel ao adquirente, com a intenção de transmissão de propriedade.
A intenção das partes é sempre imprescindível para caracterizar o negócio jurídico, pois, a
simples entrega de uma caneta a alguém pode significar uma compra e venda, uma doação ou
um comodato, por exemplo.
O art. 1.267 do CC diz que a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios
jurídicos antes da tradição. Portanto, para transferir a propriedade, é necessário haver a
tradição do bem móvel.
A tradição pode ser real, simbólica ou ficta.
• Tradição real: é a efetiva entrega da coisa a quem adquiriu a coisa.
• Tradição ficta: o parágrafo único afirma que há tradição quando o transmitente
continua a possuir a coisa, utilizando-se do instituto do constituto possessório. Ex.:
A era o dono, mas vendeu a coisa para B, e, em seguida, celebra contrato de aluguel,
para que ele permanecesse na posse da coisa pediu para que a coisa fosse alugada
para ele. João aceitou alugar a coisa a Samer, continuando com a coisa consigo,
sendo possuidor. Não houve a entrega efetiva, mas houve uma tradição ficta, pelo
constituto possessório. Também haverá tradição ficta quando o adquirente já está
na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico, passando a ser o dono da coisa.
A isso se dá o nome de traditio brevi manu.
• Tradição simbólica: por outro lado, quando o adquirente cede o direito à restituição
da coisa, que se encontra em poder de terceiro, há uma tradição simbólica, sendo
denominada de traditio longa manus.
O art. 1.268 do CC trata da alienação a non domino, ou seja, alienação por quem não
era o dono. Nessas situações, a tradição não implicará transferência da propriedade, exceto se
a coisa oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em
circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, poderia crer que o
alienante se afiguraria dono da coisa. Mais uma vez, a aplicação do Princípio da Aparência.
Se o adquirente estiver de boa-fé, e o alienante adquirir posteriormente a propriedade,
considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.
O §2º do mesmo artigo diz que não transfere a propriedade a tradição quando houver
por título um negócio jurídico nulo.

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3.7.6. SUCESSÃO HEREDITÁRIA DE BENS MÓVEIS

É a aplicação do princípio da saisine, que se dá com a abertura da sucessão. Contudo,


vale lembrar que a sucessão hereditária, até a partilha, tem natureza real imobiliária, ainda que
formada apenas por bens móveis. É uma ficção jurídica, que considera a sucessão hereditária
indivisível e com natureza imobiliária, até que ocorrida a partilha.

3.7.7. PERDA DA PROPRIEDADE IMÓVEL E MÓVEL

O art. 1.275 do CC elenca outras hipóteses de perda da propriedade:


• perda da propriedade por alienação;
• perda da propriedade pela renúncia;
• perda da propriedade por abandono;
• perda da propriedade por perecimento da coisa;
• perda da propriedade por desapropriação.
O imóvel urbano abandonado pelo proprietário, com a intenção de não mais o
conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outra pessoa, poderá ser
arrecadado, como bem vago. Passados 3 anos, será incorporado à propriedade do respectivo
Município ou do Distrito Federal.
O imóvel rural que tenha sido abandonado, todavia, poderá ser arrecadado como bem
vago, também em 3 anos, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
O §2º do art. 1.275 do CC cria uma presunção, muito criticada pela doutrina, afirmando
que se presume de modo absoluto a intenção, quando, cessados os atos de posse, deixar o
proprietário de satisfazer os ônus fiscais. A jurisprudência também tempera e modera este
dispositivo.

4. DIREITO DE VIZINHANÇA

4.1. CONCEITO

O direito de vizinhança são limitações impostas aos titulares de direitos reais, para que
exista uma boa convivência social. É um conjunto de normas de convivência entre titulares de
direitos ou possuidores que estejam fisicamente próximos uns aos outros.
As normas relativas aos direitos de vizinhança são claras limitações ao exercício da
propriedade, existindo pelo simples fato de uma propriedade ser vizinha de outra. Essas
obrigações estão vinculadas à coisa, perseguindo-a, ou seja, são obrigações propter rem
(ambulatoriais).

4.2. USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

O problema da vizinhança ocorre quando há um uso anormal da propriedade. O


proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam o prédio, provocadas pela
utilização de propriedade vizinha. Existe para cessar interferências prejudiciais à segurança, ao
sossego e à saúde, evitando-se o abuso do direito.
O parágrafo único do art. 1.277 do CC diz que são proibidas as interferências externas,
considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio. Além disso, é necessário que
sejam atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de
tolerância dos moradores da vizinhança.
Para verificar se há abuso ao direito de propriedade, é preciso verificar os limites
ordinários comuns de tolerância dos moradores de vizinhança.

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O direito de alegar o uso anormal da propriedade não prevalece quando as


interferências forem justificadas por interesse público. Nesse caso, o proprietário ou o
possuidor vizinho, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal. Atente-se que não
haverá ilicitude, e sim o uso normal da propriedade. Pode ainda o vizinho exigir a sua redução,
ou eliminação, quando esta redução ou eliminação se tornarem possíveis.
O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a
demolição, ou a reparação do prédio, quando ele estiver ameaçado de ruína, bem como poderá
exigir que seja prestada caução pelo perigo de dano iminente.
O proprietário ou o possuidor de um prédio em que alguém tenha direito de fazer obras
pode, no caso de dano iminente, exigir do autor as necessárias garantias contra o prejuízo
eventual.
São possíveis várias demandas judiciais fundadas no exercício anormal da propriedade,
como ação de obrigação de fazer, de não fazer, ação de reparar o dano, ação demolitória, ação
de nunciação de obra nova, visando embargar a obra (todas de procedimento comum) bem
como dano infecto, exigindo do vizinho que preste uma caução, havendo risco iminente dano.

4.3. ÁRVORES LIMÍTROFES

A árvore limítrofe é aquela cujo tronco esteja na linha divisória, caso em que será
presumida, de forma relativa,que ela pertence em comum aos donos dos prédios confinantes.
Há uma presunção de condomínio.
As raízes e os ramos de árvore que ultrapassarem a estrema do prédio poderão ser
cortados (raiz ou galhos), até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido
(Art. 1.283 do CC). O direito de fazer a poda não pode comprometer a vida da árvore, já que a
propriedade também deve observar a sua função socioambiental.
Os frutos caídos da árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram,
se este for de propriedade particular.

4.4. PASSAGEM FORÇADA E DA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES

4.4.1. PASSAGEM FORÇADA

O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou a porte, poderá,
mediante pagamento de indenização, constranger o vizinho para que ele dê acesso à passagem.
Tal acesso à via pública pelo imóvel encravado, mediante passagem forçada, se for feito
amigavelmente, será judicialmente fixado.
O imóvel que não tem acesso é o imóvel encravado.
Será constrangido o vizinho que tenha o imóvel que mais natural e facilmente se preste
a esta passagem, conforme o §1º do art. 1.285 do CC.
Se ocorrer a alienação parcial do imóvel serviente, ou seja, uma delas também perde
acesso à via pública e à nascente, o proprietário da outra parte também deverá tolerar essa
passagem. O acesso à via é a única forma de o imóvel efetivamente cumprir sua função social.
Não se deve confundir passagem forçada com servidão, em especial com a chamada
servidão de passagem.
• Passagem forçada: é um instituto de direito de vizinhança, sendo obrigatória. Aqui
há o pagamento de uma indenização, já que se está constrangendo o imóvel vizinho.
• Servidão de passagem: é um direito real de gozo, de fruição, não sendo, em regra,
obrigatória, ressalvadas algumas exceções, como as servidões administrativas.

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4.4.2. CABOS E TUBULAÇÕES

Além da imposição da passagem forçada, o Código trata de forma semelhante a


passagem de cabos e tubulações.
Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área
remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem através de seu imóvel, de cabos,
tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de
proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
Aqui é a ideia de função social da propriedade somado ao interesse público indireto.
O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos
gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do
imóvel.
Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio
onerado exigir a realização de obras de segurança.

4.5. ÁGUAS

O dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que corram


naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. A condição
natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou
possuidor do prédio superior. Até porque a passagem do prédio superior ao inferior deve se dar
da forma menos gravosa possível.
Em relação aos escoamentos artificiais da água, de um prédio superior ao inferior,
poderá o proprietário do prédio inferior reclamar que se desvie ou que seja indenizado pelos
prejuízos que experimentar. Dessa indenização será deduzido o benefício que recebeu.
O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as
necessidades de seu consumo, não pode impedir, e nem desviar o curso natural das águas
remanescentes pelos prédios inferiores.
O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras
necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. As demais, que não se mostrem
indispensáveis, se as poluir, deverá recuperá-las, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se
não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas.
O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para
represamento de água em seu prédio. Se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o
seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido (art. 1.292
do CC).
O art. 1.293 do CC prevê algumas regras importantes:
• É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários
prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a
que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que
não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o
escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.
• Ao proprietário prejudicado nesse caso, também assiste direito a ressarcimento
pelos danos que experimentou ou de que, no futuro, venha a experimentar, em
decorrência da infiltração ou irrupção das águas.
• Ao proprietário prejudicado terá direito à indenização por conta da deterioração das
obras destinadas a canalizar essas águas.
• O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea essa canalização que
atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.

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• O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos


proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem
também as despesas de conservação.
Com relação ao aqueduto, não haverá o impedimento de que os proprietários cerquem
os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e conservação.Além disso,
os proprietários dos imóveis poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras
necessidades da vida.
Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, mediante
pagamento de indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de
importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas
até o ponto de derivação.
Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto.
Nesse sentido, o STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem direito de construir
aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para
receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem
de águas para a sua propriedade e haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho
prejudicado.

4.6. DIREITO DE TAPAGEM E LIMITES ENTRE PRÉDIOS

É o direito que o proprietário tem de cercar, murar, valar ou tapar, de qualquer modo,o
seu prédio urbano ou rural.
A norma consagra o direito de constranger o confinante a proceder com ele a
demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos
ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as despesas para essa
tapagem.
Cria-se, assim, um condomínio necessário, entre os proprietários confinantes,
relativamente ao muro que deverão construir. Ou seja, os intervalos, muros, cercas e os
tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas,
presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo
estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes
iguais, para as despesas de sua construção e conservação.
Atente-se que as sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco
divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários.
É possível a construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de
pequeno porte, ou para outro fim. Nesse caso, a construção pode ser exigida de quem
provocou a necessidade, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas.
Por fim, sendo confusos os limites entre as propriedades, se não houver outro meio,
serão determinadas conforme a posse justa. Não se achando posse justa provada, o terreno
contestado dividir-se-á por partes iguais, ou, não sendo possível a divisão cômoda, adjudicar-
se-á a um deles, mediante indenização ao outro.

4.7. DIREITO DE CONSTRUIR

O art. 1.299 do CC diz que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções
que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. São várias as
limitações que podem incidir sobre imóveis, muitas delas previstas em leis municipais, como
planos diretores, e outras no próprio registro de loteamentos e condomínios edilícios.
O proprietário construirá de forma a não permitir que o prédio despeje águas,
diretamente, sobre o prédio vizinho, pois, do contrário, haveria o uso abusivo da propriedade.

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O que ganha relevância é o direito de privacidade entre os vizinhos. Por isso, é proibido
abrir janelas, fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de 1.5 m do terreno vizinho.Na zona
rural, não será permitido levantar edificações a menos de 3 metros do terreno vizinho.
Desrespeitando essas regras, o proprietário prejudicado poderá propor ação
demolitória, sem prejuízo de reparação civil.
Em relação aos imóveis urbanos, as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória,
bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de 0.75 centímetros.
Existe uma distinção quanto às aberturas de luz ou aberturas de ventilação.
As vedações de construção de 1.5 m, 3 m ou 0.75 cm não se aplicam quando as aberturas
não sejam maiores do que 0.10 cm de largura, 0.20 cm de cumprimento e estejam construídas
a mais de 2 metros de altura de cada piso.
Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono
de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ela
suportar a nova construção.Nesse caso, o proprietário terá de embolsar ao vizinho metade do
valor da parede e do chão correspondentes explorados. Há o direto de travejamento ou direito
de madeiramento, que é o direito de colocar uma madeira ou viga no prédio vizinho para utilizar
da melhor forma possível o prédio.
O direito de travejamento ou madeiramento está previsto também no art. 1.305 do CC,
que estabelece que o confinante que primeiro construir o muro pode assentar a parede
divisória, até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio
valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do
alicerce.
Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não houver capacidade para ser
travejada pelo outro, não poderá o outro fazer um alicerce ao pé dessa parede sem prestar
caução, pelo risco a que expõe a construção anterior.
O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, desde que não
ponha em risco a segurança ou a separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro
condômino das obras que ali tenciona fazer.
O art. 1.307 do CC introduz o direito de alteamento, que serve para deixar o muro mais
alto, tendo o direito de aumentá-lo. Neste caso, o código estabelece que qualquer dos
confinantes pode altear a parede divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o
alteamento, caso em que o dono da obra arcará com todas as despesas, inclusive de
conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação também na parte aumentada.
Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos
ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho.
Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente
de outrem a água indispensável às suas necessidades normais.
O CC veda a realização de obras ou de serviços que sejam suscetíveis de provocar
desmoronamento ou deslocamento de terra, ou que comprometa a segurança do prédio
vizinho. Só poderá ser realizada esse tipo de obra após forem efetivadas obras acautelatórias
(art. 1.311 do CC). O proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos
que sofrer, ainda que tenham sido realizadas as obras acautelatórias.
O art. 1.313 do CC reconhece que o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a
tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, em algumas hipóteses, tais como:
• Quando dele temporariamente usar, quando for indispensável à reparação,
construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
• Quando for necessário se apoderar de coisas suas, inclusive animais que aí se
encontrem casualmente.
Estas regras se aplicam aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras,
aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.
Na hipótese de o vizinho se apoderar de coisas suas, uma vez entregues, poderá ser
impedida a entrada do vizinho no imóvel.

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5. DO CONDOMÍNIO

5.1. CONCEITO

Condomínio ocorre quando a propriedade é exercida por mais de uma pessoa.


O condomínio pode ser classificado de algumas formas:
Quanto à origem, o condomínio é classificado como:
• Condomínio voluntário ou convencional: aqui, um acordo de vontades criou o
condomínio.
• Condomínio incidente ou eventual: motivos estranhos à vontade dos condôminos
criaram o condomínio.
• Condomínio necessário ou legal: é o condomínio imposto pela lei (ex.: muro que
divide duas propriedades).
Quanto ao objeto do condomínio, poderá ser:
• Condomínio universal: compreenderá a totalidade dos bens. É a regra.
• Condomínio particular: compreenderá determinadas coisas ou determinados
efeitos. Isso será possível quando estiver previsto no ato de instituição do
condomínio.
Quanto à forma do condomínio:
• Condomínio pro diviso: determina no plano fático, concreto e corpóreo, quanto é o
direito de propriedade de cada condômino.
• Condomínio pro indiviso: não é possível determinar de modo corpóreo qual é o
direito que cada um dos condôminos têm.

5.2. CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO OU CONVENCIONAL

O tratamento do código civil a respeito do condomínio voluntário exclui o condomínio


em edificações (condomínio edilício), o qual terá o tratamento separado.
O art. 1.314 do CC diz que, cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação,
e pode exercer sobre essa coisa todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de
terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
O que não se pode é impedir que o outro condômino também se valha ou se utilize da
coisa, ressalvadas hipóteses legais.
Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem poderá dar
posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.
O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de
conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita. A CC presume como
sendo iguais as partes ideais dos condôminos.
Pode o condômino se eximir do pagamento das despesas e dívidas, desde que renuncie
à sua parte ideal (art. 1.316 do CC).Se os demais condôminos assumirem as despesas e as
dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção
dos pagamentos que fizerem. Todavia, se não há condômino que faça os pagamentos, a coisa
comum será dividida.
Quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a
parte de cada um na obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se
obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum(Art. 1.317 do CC).
As dívidas contraídas por um dos condôminos em proveito da comunhão, e durante ela,
obrigam o contratante; mas terá este ação regressiva contra os demais.
Cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano
que a causou, sempre descontada a sua fração.

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A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo
o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão. Veja-se que o CC estimula a
divisão do condomínio civil (não do edilício!), por já ser comum a tradição de que tal instituto é
a causa de inúmeras disputas entre os coproprietários. Se essa divisão não for amigável, deverá
ser proposta ação de divisão
Sendo o bem indiviso, caberá a alienação judicial da coisa, dividindo-se o valor
correspondente na proporção de cada quinhão.
Os condôminos podem acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior
de 5 anos, suscetível de prorrogação.
Atente-se que não poderá exceder de 5 anos a indivisão estabelecida pelo doador ou
pelo testador. Ou seja, não se permite a prorrogação.
Se houver o requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem,
pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo de indivisão.
Se a coisa for indivisível, e os condôminos não quiserem adjudicá-la a um só dos
condôminos, esta coisa deverá ser vendida. Uma vez vendida, será repartido o apurado,
preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os
condôminos, aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, se não houver tais
benfeitorias (mais valiosas), o condômino que tiver o quinhão maior.
Se nenhum dos condôminos tiver benfeitorias na coisa comum e participam todos do
condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação especial.
Antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, a licitação será procedida
entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço,
preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

5.2.1. ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO

O art. 1.323 do CC dispõe sobre a administração da coisa comum, de forma que o


administrador possa ser um condômino, ou ainda um estranho ao condomínio.
Em relação à administração e às decisões do condomínio, será calculado a maioria com
base nos quinhões de cada condômino, as quais têm força vinculativa e são tomadas por maioria
absoluta. Não sendo possível alcançar maioria absoluta, decidirá o juiz, a requerimento de
qualquer condômino, ouvidos os outros.
Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o
administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em
condições iguais, o condômino ao que não o é.
Os frutos da coisa comum, não havendo em contrário estipulação ou disposição de
última vontade, serão partilhados na proporção dos quinhões.

5.3. CONDOMÍNIO NECESSÁRIO

As situações típicas de condomínio necessário são as de direito de vizinhança.


O proprietário tem direito de estremar o imóvel com parede, muro, cerca ou vala, tendo
o mesmo direito de adquirir a meação da parede, muro, cerca ou vala que o vizinho já fez,
embolsando metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado.

5.4. CONDOMÍNIO EDILÍCIO

O condomínio edilício possui extrema relevância no ramo do direito de propriedade, do


direito obrigacional, ambiental e urbanístico, e precisa ser estudado com atenção, face à
complexidade do instituto. Aqui também haverá uma forte atuação do Direito Registral, uma

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Paulo Batista

vez que a instituição do condomínio ocorre com o seu registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
Se houver oferta de unidades autônomas à venda durante das obras (chamados de
“venda de imóveis na planta”), não haverá ainda condomínio edilício, mas sim a chamada
incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/1964). Com o fim das obras, concedido o habite-se, o
condomínio pode ser registrado, passando a existir juridicamente. Em resumo, enquanto
houver obras, temos a incorporação imobiliária; após as obras, institui-se o condomínio
edilício. Ambos os procedimentos tramitam no Cartório de Registro de Imóveis, que fará exame
minucioso quanto à saúde financeira do incorporador e o atendimento de todas as regras legais
e administrativas destes institutos.
Segundo o art. 1.331 do CC, no condomínio edilício haverá duas modalidades de áreas:
• Áreas privativas: são unidades autônomas, como apartamentos, salas comerciais,
lotes no condomínio de lotes, etc. Essas partes podem ser alienadas, gravadas
livremente pelo seu proprietário, não havendo direito de preferência dessas áreas
exclusivas dentro do condomínio edilício.
• Áreas comuns: são as partes de propriedade comuns dos condôminos, como vigas,
estrutura do prédio, telhado, rede de distribuição de água, esgoto, quadras de
esportes, áreas de lazer, acesso até a rua, etc. Essas partes não podem ser objeto de
usucapião, ressalvadas, em algumas hipóteses, as vagas de garagem.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que não há relação jurídica consumerista entre
condômino e condomínio.
Para a estruturação do condomínio edilício, são essenciais dois atos:
• instituição do condomínio edilício;
• constituição do condomínio edilício.
O art. 1.332 do CC diz que a instituição do condomínio edilício por ato entre vivos ou
testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
Da instituição de condomínio devem constar:
• discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,
estremadas uma das outras e das partes comuns;
• determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno
e partes comuns;
• finalidade para que as unidades se destinam.
Em relação à convenção de condomínio, que constitui o estatuto coletivo que regula
os interesses dos condôminos, ela deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 das
frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades,
ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Para ela ser obrigatória perante terceiros (erga omnes) deverá ser registrada no Cartório
de Registro de Imóveis.
A convenção é regida pela força obrigatória da convenção (pacta sunt servanda), mas
esta convenção encontra limitações em preceitos sociais e normas de ordem pública.
A convenção de condomínio deve determinar basicamente o que está previsto no art.
1.334 do CC:
• determinará a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos
condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
• determinará sua forma de administração;
• determinará a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum
exigido para as deliberações;
• determinará as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
• determinará o regimento interno.
A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.

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Paulo Batista

O condomínio edilício é ente despersonalizado, apesar de algumas divergências na


doutrina, possuindo apenas a personalidade judiciária, podendo ser parte em processo. O STJ
recentemente decidiu que condomínio não pode sofrer dano moral.

5.4.1. DIREITOS E DEVERES DOS CONDÔMINOS

Segundo o art. 1.335 do CC, são direitos do condômino:


• usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
• usar das partes comuns, conforme a sua destinação, desde que não exclua a
utilização dos demais coproprietários;
• votar nas deliberações da assembleia e delas participar, desde que esteja quite com
as obrigações do condomínio. Caso não esteja com pagamentos em dia, poderá
presenciar a assembleia, mas sem direito a voto.
O art. 1.336 do CC diz que são deveres do condômino:
• contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais,
salvo disposição em contrário na convenção;
• não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
• não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
• dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de
maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos
bons costumes.

5.4.2. PENALIDADES A QUE ESTÁ SUJEITO O CONDÔMINO

O §1º do art. 1.336 do CC diz que o condômino que não pagar o seu rateio ficará sujeito
aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de1% ao mês e multa de até
2% sobre o débito.
Essa norma é de ordem pública.
O §2odiz que 2/3 dos condôminos podem deliberar pela imposição de uma multa, no
montante de até 5 vezes o valor do rateio condominial, para o condômino que tenha realizado
obra que comprometeu a segurança da edificação, que tenha alterado a forma ou a cor da
fachada, tenha dado uma destinação diferente à sua fração ideal, ou, ainda, que tenha utilizado
a sua parte de forma indevida.
Se o condômino não observar os seus deveres, 2/3 dos condôminos poderão impor
multa cujo valor pode chegar a até 5 vezes o valor da cota condominial, além das perdas e danos
que se apurarem.
O condômino, ou possuidor, que não cumprir reiteradamente com os seus deveres
perante o condomínio poderá, por deliberação de 3/4 dos condôminos restantes, ser
constrangido a pagar multa de até ao 5 vezes do valor atribuído à contribuição para as
despesas condominiais, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Ainda, o condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial,
gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá
ser constrangido a pagar multa correspondente ao10 vezes do condomínio, até ulterior
deliberação da assembleia.
A jurisprudência diverge, mas há entendimento no sentido de que, a depender da
incompatibilidade, poderia a assembleia deliberar pela expulsão do indivíduo, o que não é
pacífico na doutrina. Sem embargo, toda e qualquer infração, assim como a sua respectiva
punição, devem constar previamente da convenção do condomínio e ser precedida de ampla
defesa e contraditório.
Segundo o STJ, o condômino não pode, sem a anuência de todos os condôminos, alterar
a cor das esquadrias externas de seu apartamento para padrão distinto do empregado no

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restante da fachada do edifício, ainda que a modificação esteja posicionada em recuo, não
acarrete prejuízo direto ao valor dos demais imóveis e não possa ser vista do térreo, mas apenas
de andares correspondentes de prédios vizinhos.
O STJ também já entendeu que, ainda que tenha sido estipulado na convenção original
de condomínio ser irrevogável e irretratável cláusula que prevê a divisão das despesas do
condomínio em partes iguais, admite-se ulterior alteração da forma de rateio, mediante
aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos, para que as expensas sejam suportadas na
proporção das frações ideais.
Também decidiu que, em assembleia condominial, o condômino proprietário de
diversas unidades autônomas, ainda que inadimplente em relação a uma ou algumas destas,
terá direito de participação e de voto relativamente às suas unidades que estejam em dia com
as taxas do condomínio.
O condômino que tenha sido demandado pelo condomínio em ação de cobrança deve
participar do rateio das despesas do litígio contra si proposto.
Por fim, o condomínio, em regra, só responde por atos ilícitos praticados por terceiros
em seu interior (furtos, danos, roubos) se houver previsão expressa na convenção autorizando
essa responsabilização.

5.4.3. DIREITO DE PREFERÊNCIA. ALIENAÇÃO DE PARTES ACESSÓRIAS E COMUNS

O art. 1.338 do CC estabelece que, resolvendo o condômino alugar área no abrigo para
veículos, haverá preferência, em condições iguais, de qualquer dos condôminos a estranhos, e
entre todos os possuidores.
O que há aqui é a garantia do direito de preferência entre os condôminos.
É preciso que haja na convenção do condomínio autorização expressa para que a vaga
de garagem possa ser alegada para um terceiro, nos termos do art. 1.331 do CC. Para alienação
da vaga de garagem para um terceiro, é preciso autorização da convenção e inexistência de
contrariedade pela assembleia-geral.

5.4.4. DESPESAS CONDOMINIAIS

As despesas (rateio) condominiais são obrigações propter rem. Isso quer dizer que o
adquirente responderá pelos débitos de quem alienou a unidade, inclusive com multas e com
juros, conforme o art. 1.345 do CC.
É obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição,
total ou parcial. Trata-se de uma norma de ordem pública.

5.4.5. ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO

A administração do condomínio é feita por pessoas e órgão relacionados ao condomínio:


• síndico;
• assembleia;
• conselho fiscal.
O conselho fiscal é facultativo.

5.4.5.1. SÍNDICO

O síndico é o administrador geral do condomínio, podendo ou não ser um condômino.


O prazo de sua gestão não poderá ser superior a 2 anos.
Segundo o art. 1.348 do CC, compete ao síndico:
• convocar a assembleia dos condôminos;

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• representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele,


os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
• dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou
administrativo, de interesse do condomínio;
• cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da
assembleia;
• diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos
serviços que interessem aos possuidores;
• elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
• cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas
devidas;
• prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
• realizar o seguro da edificação.
O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação
ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em
contrário da convenção.
Em casos excepcionais, o síndico poderá ser destituído pela assembleia, com voto da
maioria absoluta, desde que tenha praticado irregularidades, não prestado contas, ou não
administrado convenientemente o condomínio, garantido o contraditório e ampla defesa.

5.4.5.2. ASSEMBLEIA

No condomínio edilício há assembleia geral ordinária e extraordinária.


• assembleia-geral ordinária: é convocada pelo síndico anualmente, a qual irá
aprovar o orçamento, a prestação de contas e eleger outro síndico ou alteração do
regimento interno.Se o síndico não convocar a referida assembleia, 1/4 dos
condôminos poderá fazer essa convocação. Se a assembleia não se reunir, haverá
decisão judicial, por iniciativa de qualquer condômino.
• assembleia-geral extraordinária: pode ser convocada para tratar de temas
relevantes ou de temas urgentes, podendo ser convocada pelo síndico ou por 1/4
dos condôminos.
Segundo o STJ, a alteração de regimento interno de condomínio edilício depende de
votação com observância do quórum estipulado na convenção condominial. Com a Lei nº
10.931/2004, foi ampliada a autonomia privada dos condôminos, os quais passaram a ter maior
liberdade para definir o número mínimo de votos necessários para a alteração do regimento
interno.
Em relação ao quórum das votações, são regras:
• alteração da convenção: depende da aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos
a alteração da convenção;
• mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária (deixar de ser
residencial para ser comercial): depende da aprovação pela unanimidade dos
condôminos;
• realização de obras no condomínio:
• obras voluptuárias: depende de aprovação de 2/3 dos condôminos;
• obras úteis: voto da maioria dos condôminos;
• obras necessárias: não precisão de autorização, pois servem para manter o
funcionamento e as condições do condomínio;
• construção de outro pavimento ou outro edifício com novas unidades:
dependerá da aprovação da unanimidade dos condôminos.
Salvo quando houver quórum especial, as deliberações serão tomadas, em 1ª
convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes,que representem pelo menos

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metade das frações ideais.Em 2ª convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos
presentes, salvo quando exigido quórum especial.

5.4.5.3. CONSELHO FISCAL

O conselho fiscal pode ser criado ou não. É um órgão consultivo financeiro, composto
por 3 membros, dando parecer às contas do síndico. Os membros serão eleitos pelo prazo não
superior a dois anos.

5.4.6. EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO

A extinção do condomínio pode se dar quando:


• edificação for total ou consideravelmente destruída;
• edificação ameaçar ruína, e os condôminos deliberarem pela demolição;
• desapropriação do imóvel, passando a pertencer ao poder público.
Se for deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das
despesas respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação
judicial.
Se for realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o
condômino ao estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao
valor das suas unidades imobiliárias.
Havendo desapropriação, a indenização será repartida na proporção das unidades
imobiliárias.

5.4.7. CONDOMÍNIO EM MULTIPROPRIEDADE

Tal modalidade de condomínio foi criada pela Lei nº 13.777/2018 e está prevista a partir
do art. 1.358-B do Código Civil. Voltemos a lembrar que a lei pode criar novos direitos reais,
como ocorreu nesse caso.
A multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um
mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo,
com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma
alternada. Veja-se, assim, que há um condomínio civil (frações ideias da área) e uma divisão
também de tempo (frações de tempo). É muito comum aos contratos de temporada. Essas
disposições vão regular as relações jurídicas entre os condôminos.
Constitui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no
competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos
períodos correspondentes a cada fração de tempo.
Sendo assim, para a criação ou alienação da multipropriedade, valem as regras gerais
quanto ao instrumento, que precisará ser público, salvo as exceções legais.
Cada fração de tempo é considerada indivisível e o período correspondente a cada
fração de tempo será de, no mínimo, 7 (sete) dias, seguidos ou intercalados.
Já a transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante
terceiros dar-se-ão na forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos
demais multiproprietários. Nem sempre haverá direito de preferência na alienação de fração de
tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em
multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do condomínio em
multipropriedade.
A administração do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário será de
responsabilidade da pessoa indicada no instrumento de instituição ou na convenção de

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condomínio em multipropriedade, ou, na falta de indicação, de pessoa escolhida em assembleia


geral dos condôminos.
A extinção da multipropriedade ocorrerá nas mesmas situações em que extinto o
condomínio.

5.4.8. CONDOMÍNIO DE LOTES

Modalidade criada pela Lei nº 13.465/2017.


Sempre houve muita divergência sobre a possibilidade de os municípios e do DF
regulamentarem os condomínios de lotes não edificados. Contudo, com o advento da lei, essa
discussão está superada.
Consiste em haver, em terrenos, partes designadas de lotes (unidades autônomas), que
são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. Funcionam
como se fossem condomínios edilícios, mas sem construção das áreas exclusivas, apenas das
partes comuns.
Não se deve confundir condomínio de lotes com loteamento urbano.
Basicamente, os loteamentos urbanos são regidos pela Lei nº 6.766/1979 e se dividem
em áreas públicas (ruas, equipamentos, áreas verdes, áreas institucionais) e lotes (unidades
imobiliárias). Já no condomínio de lotes, toda a área é privada, dividida em áreas privativas e
comuns. São institutos juridicamente distintos em absoluto, mas tal distinção somente é
constatada ao examinar os atos de sua criação no Cartório de Registro de Imóveis. Olhando
ambos apenas pelo seu aspecto físico, não será possível saber se se trata de loteamento ou de
condomínio de lotes.

6. DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR

O compromisso de compra e venda é uma espécie de contrato preliminar. Pode ser


utilizado para a futura compra de lotes (em loteamentos urbanos), futura compra de unidades
autônomas de condomínio edilício (em incorporações imobiliárias) ou para outros futuros
negócios de natureza estritamente civil (uma futura compra e venda comum).
A razão do grande sucesso do compromisso de compra e venda se dá pelo fato de ele
ser menos oneroso, pois não se exige o pagamento de instrumento público.
Para que haja a instituição do direito real de aquisição do promitente comprador, é
preciso que o compromisso de compra e venda do imóvel esteja registrado na sua matrícula,
com cláusula de irretratabilidade, pois senão só haverá efeitos inter partes. Uma vez registrado,
o imóvel deverá ser transmitida pelo promitente comprador, uma vez quitado o preço. Caso não
transmitido, caberá ação de adjudicação compulsória seja em face do promitente vendedor ou
de terceiros.
Segundo o STJ, o promitente comprador, amparado em compromisso de compra e
venda de imóvel cujo preço já tenha sido integralmente pago, tem o direito de requerer
judicialmente, a qualquer tempo, a adjudicação compulsória do imóvel. Segundo a súmula 239
daquela Corte, a adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso, mas
esse registro ainda é preciso para que haja efeito erga omnes.
Essa é a redação do art. 1.417 do CC, dizendo que, mediante promessa de compra e
venda, em que não se pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou
particular, e registrada no cartório de registro de imóveis, o promitente comprador adquire
direito real à aquisição do imóvel.
Se houver inadimplemento do compromissário comprador, o promitente vendedor
poderá pleitear ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse, exigindo-se
que o devedor seja notificado, a fim de constituí-lo em mora absoluta (que é esgotamento da
oportunidade de pagar o valor devido e purgar a mora), ainda que haja cláusula resolutiva
expressa.

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Assim, vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido se, 30
dias após ser constituído em mora o devedor, ele não purgar a mora.
A Súmula 543 do STJ, estabelecendo que, na hipótese de resolução de contrato de
promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deverá
ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador– integralmente,
em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha
sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
O STJ entende que é nula cláusula contratual que preveja a perda de todas as parcelas
pagas pelo compromissário comprador.
Merece atenção também a súmula 308 do STJ, a qual diz que, no caso de
construção/incorporação, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, seja
anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes dos imóveis.
Como decorrência da súmula, a jurisprudência do STJ admite que a ação proposta pelo
compromissário comprador seja em face do agente financeiro e do promitente vendedor, em
litisconsórcio passivo necessário, para a outorga da inscrição definitiva e liberação da hipoteca.

7. DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIÇÃO

7.1. INTRODUÇÃO

Os direitos reais de gozo ou fruição são aqueles em que há uma divisão dos atributos
da propriedade, quando haverá uma transmissão a uma outra pessoa do direito de usar, gozar
ou fruir da coisa.
Assim, são direitos reais de gozo ou fruição:
• superfície;
• servidão;
• usufruto;
• uso;
• habitação;
• concessão de direito real de uso;
• concessão de uso especial para fins de moradia.

7.2. SUPERFÍCIE

A superfície é um direito real autônomo, podendo ser gratuito ou oneroso, temporário


ou vitalício. Nele, o proprietário concede a uma outra pessoa o direito de construir ou de plantar
em seu terreno. Esse direito recai sempre sobre bens imóveis, através de instrumento público,
devidamente registrado.
Na superfície há, de um lado, o proprietário (fundieiro), e do outro há o superficiário,
que é quem recebe o imóvel.
O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da
concessão, mas as partes podem pactuar de forma distinta.
A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais, seja de
gozo ou de garantia (hipoteca). No caso da garantia, não se pode exceder a duração da
concessão da superfície.
É possível adquirir por usucapião o direito de superfície, apesar de extremamente raro.
Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão.
Se a superfície for concedida onerosamente, essa remuneração, que pode ser parcelada
ou de uma só vez, é chamada de solarium ou cânon superficiário.

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O superficiário deve responder pelos encargos e tributos que incidem sobre o bem,
conforme art. 1.371 do CC.
Pode haver ainda a transferência da superfície para terceiros, inclusive para os
herdeiros, caso o superficiário venha a morrer. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a
nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.
Se ocorrer a alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o
proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.
O Enunciado 510 do CJF diz que, ao superficiário que não tenha sido previamente
notificado pelo proprietário para exercer o seu direito de preferência, é assegurado, no prazo
de 6 meses (decadencial), contados do registro da alienação, adjudicar para si o bem, mediante
o depósito do preço.
Essa mesma ideia vale para o fundieiro, se for vendido o direito de superfície, tendo o
prazo de 6 meses para adjudicar a coisa para si, em igualdade de condições.
Existem correntes em sentido diverso, que discordem desse enunciado.
A superfície poderá se extinguir antes do termo final previsto no contrato. Isso ocorrerá
se o superficiário der ao terreno uma destinação diversa da pactuada, daquela que motivou a
concessão do direito de superfície (art. 1.374 do CC).
Com a extinção da superfície, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o
terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não
houverem estipulado o contrário.
Atente-se à diferença entre a superfície do Código Civil e a superfície do Estatuto da
Cidade.
• Superfície do Código Civil: poderá recair sobre imóvel urbano ou rural. Além disso,
poderá ter exploração para construções ou plantações. Em regra, não existe
autorização para utilização do subsolo ou do espaço aéreo. Aqui, há uma cessão que
se dá por prazo determinado, como regra.
• Superfície prevista no Estatuto da Cidade: poderá recair sobre imóvel urbano. Não
traz restrição sobre exploração para construções ou plantações, podendo ser
qualquer utilização compatível com a política urbana. Não proíbe a utilização para o
subsolo ou espaço aéreo. Aqui, a cessão poderá ser por prazo determinado ou
indeterminado, a depender do contrato.
No caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação, a
indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de
cada um.

7.3. SERVIDÕES

Por meio da servidão, um prédio proporciona a utilidade para outro prédio, sendo este
último gravado. Trata-se de um prédio (serviente) servindo a outro prédio (dominante).
Segundo o art. 1.378, a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava
o prédio serviente, que pertence a dono diverso, e constitui-se mediante declaração expressa
dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
A servidão não se presume, tendo uma origem clara, sendo este um negócio jurídico
inter vivos (contrato) ou negócio mortis causa (testamento), ou ainda usucapião. Isso porque é
possível a usucapião de servidão aparente, que, segundo o CC, ainda pode durar 20 anos
(extraordinária).
Há uma crítica da doutrina quanto a isso, pois, se em 15 anos o sujeito já adquire a
propriedade por meio da usucapião extraordinária não faria sentido adquirir a servidão em 20
anos. Porém, é isso que diz a lei.

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Além disso, servidão poderá ser instituída por meio de sentença judicial, no caso de
reconhecimento de servidão que está sendo discutido.
Em síntese, são formas de constituição da servidão:
• declaração expressa do proprietário;
• testamento;
• destinação do proprietário;
• sentença judicial.
Não se pode esquecer que a servidão não se confunde com passagem forçada, como
dito acima.

7.3.1. CLASSIFICAÇÃO DAS SERVIDÕES

Quanto à natureza dos prédios envolvidos:


• servidão rústica: quando os prédios estão em zona rural;
• servidão urbana: quando os prédios estão em área urbana.
Em relação à conduta das partes:
• servidão positiva: exercida por meio de um ato positivo, comissivo. Ex.: servidão de
passagem é um fazer;
• servidão negativa: exercida por meio de um ato negativo, omissivo. Ex.: servidão de
não construir.
Quanto ao modo de exercício:
• servidão contínua: a servidão que independe do ato humano. Ex.: servidão de
passagem de água;
• servidão descontínua: precisa de uma atuação humana, como é a servidão de
passagem de pessoas.
Quanto à forma de exteriorização:
• servidão aparente: evidenciada no plano concreto e fático. Ex.: na servidão de
passagem, é possível ver pessoas caminhando;
• servidão não aparente: não é revelada no plano exterior, fático ou concreto. Ex.:
servidão de não construir.

7.3.2. OBRAS NA SERVIDÃO

O art. 1.380 do CC diz que o dono de uma servidão pode fazer todas as obras
necessárias à sua conservação e ao seu uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio,
serão as despesas rateadas entre os respectivos donos.
Essas obras devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não
dispuser expressamente o título.
A servidão pode ser removida, de um local para outro, podendo ser feita:
• pelo dono do prédio serviente à sua custa, desde que não diminua as vantagens do
prédio dominante;
• pelo dono do prédio dominante à sua custa, se houver considerável incremento
para sua utilidade e não prejudicar o prédio serviente.

7.3.3. FINALIDADE DA SERVIDÃO

A servidão é regida pelo princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente e se


restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-se agravar o encargo ao prédio
serviente.

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Por isso, constituída para um certo fim a servidão, não poderá ela se ampliar para outro
fim. Ex.: servidão para passagem de gado não poderá ser ampliada para cultura agrícola.
Nas servidões de trânsito, a servidão maior inclui a servidão de menor ônus, e a servidão
menor exclui a servidão mais onerosa. Ex.: Se a servidão é de passagem de carro, inclui a
passagem de pessoas, pois esta é menos onerosa do que aquela. Porém, se a servidão é para
passagem de pessoas, não incluirá a passagem de carro, que é mais onerosa.
Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem àquela
servidão uma maior largueza, ou seja, se mostrando necessárias, o dono do serviente é obrigado
a se submeter, mas deverá ser indenizado pelo excesso.

7.3.4. INDIVISIBILIDADE DA SERVIDÃO

O exercício da servidão é regido pelo princípio da indivisibilidade. Conforme o art. 1.386


do CC, as servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em
benefício de cada uma das porções do prédio dominante, continuando a gravar cada uma das
do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou
de outro.

7.3.5. EXTINÇÃO DAS SERVIDÕES

O dono do prédio serviente tem direito ao cancelamento da servidão quando:


• houver renúncia do seu titular;
• tiver cessado a utilidade ou a comodidade da servidão para o prédio dominante;
• dono do prédio serviente resgatar a servidão.
Resgate da servidão é feito por escritura pública, escrita tanto pelo proprietário do
prédio dominante quanto pelo proprietário do prédio serviente, em que se declara a sua
quitação e que há a previsão de autorização para que se proceda ao cancelamento do assento
da servidão.
A servidão também se extingue pela desapropriação.
O art. 1.389 do CC ainda diz que também se extingue a servidão, ficando ao dono do
prédio serviente a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova:
• da reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa (confusão real);
• da supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título
expresso;
• do não uso durante 10 anos contínuos.

7.4. USUFRUTO

O usufruto é o direito real de gozo ou fruição por excelência.


De um lado, há o usufrutuário, que tem o direito de usar e fruir a coisa, tendo o seu
domínio útil. Do outro lado, há o nu-proprietário, que tem o direito de reaver e dispor da coisa.
O usufruto pode recair sobre um ou mais bens, móveis ou imóveis, ou sobre um
patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.
O usufruto de bens imóveis vai ser constituído através de registro no Cartório de
Registro de Imóveis, quando não resultar de usucapião. Veja, é possível a usucapião de
usufruto, apesar de raro.

7.4.1. CLASSIFICAÇÃO DO USUFRUTO

• Usufruto legal: quando decorre da lei. Não precisa ser registrado nesse caso. Ex.:
usufruto do pai em relação ao bem do filho menor.

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• Usufruto voluntário: é feito pela convenção das partes. Pode ter origem em
testamento ou em contrato. Ex.: doação de um bem pelo pai ao filho, mas reserva
o usufruto para si.
• Usufruto misto: é o que decorre da usucapião, pois há o efeito da lei e o efeito da
vontade do usucapiente.
Havendo justo título e boa-fé, o prazo para a usucapião de usufruto é de 10 anos. Se não
houver, o prazo é de 15 anos.
Quanto ao seu objeto, o usufruto poderá ser:
• Usufruto próprio: recai sobre bens infungíveis e inconsumíveis. Ao final do usufruto,
o usufrutuário vai restituir o bem ao nu-proprietário.
• Usufruto impróprio: recai sobre bens fungíveis ou consumíveis. O usufrutuário se
torna proprietário da coisa. Ao final do usufruto, irá restituir o equivalente, já que a
coisa era consumível. Se o equivalente não existir, será restituído em dinheiro.
Em relação à duração:
• Usufruto temporário: há um certo prazo de duração estabelecido. Sendo pessoa
jurídica, o prazo máximo do usufruto é de 30 anos.
• Usufruto vitalício: há usufruto enquanto o usufrutuário viver. Caso seja para uma
pessoa natural, e não existindo prazo para o término, o usufruto é vitalício. A morte
do nu-proprietário não é causa de extinção do usufruto, e sim a morte do
usufrutuário. Os herdeiros do nu-proprietário continuarão com a propriedade
limitada (direito de reaver e de dispor), mas o usufruto continuará com o
usufrutuário.
O art. 1.393 do CC diz que não se pode transferir o usufruto por alienação. O que pode
fazer é ceder o seu exercício, seja a título gratuito ou oneroso. Assim, o usufruto em si é
inalienável.
Sendo inalienável o direito real de usufruto, há que se considerar que o usufruto
também é impenhorável, mas não se confundirá a impossibilidade de se penhorar o usufruto,
com a possibilidade de se penhorar os frutos que decorrem o usufruto.
Veja, não pode penhorar o direito de usufruir, mas o produto desse seu direito pode
ser penhorado.

7.4.2. DIREITOS DO USUFRUTUÁRIO

O usufrutuário tem direito de posse, uso, administração e percepção dos frutos.


Ainda, o usufrutuário tem direito aos frutos naturais pendentes ao iniciar o usufruto,
sem encargo de pagar as despesas de produção.
Todavia, ao tempo que se cessar o usufruto, os frutos que estiverem pendentes também
pertencerão ao nu-proprietário, sem compensação das despesas.
O usufrutuário poderá usufruir do prédio, mas não poderá mudar a sua destinação
econômica, sem que o nu-proprietário expressamente o autorize.
Quando o usufruto recair sobre títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber
os frutos e a cobrar as respectivas dívidas. Cobradas as dívidas, o usufrutuário aplicará, de
imediato, a importância em títulos da mesma natureza, ou em títulos da dívida pública federal,
com cláusula de atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos.
Segundo o art. 1.397 do CC, as crias dos animais pertencem ao usufrutuário, deduzidas
quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto.
Os frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao
usufrutuário os vencidos na data em que cessa o usufruto.

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7.4.3. DEVERES DO USUFRUTUÁRIO

Antes de receber o usufruto, o usufrutuário deverá inventariar os bens que está


recebendo, dizendo seu estado e prestando caução, real ou fidejussória, caso ela seja exigida
pelo dono da coisa.
Não será obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada.
O usufrutuário que não quiser ou não puder prestar a caução, perderá o direito de
administrar o objeto do usufruto, caso em que a administração ficará a cargo do proprietário,
que está obrigado a entregar ao usufrutuário o rendimento do bem, deduzidas as despesas da
administração e a sua remuneração na condição de administrador.
O usufrutuário não é obrigado a pagar pelas deteriorações do uso regular do usufruto.
Contudo, terá que indenizar, caso haja culpa de sua parte, havendo responsabilidade subjetiva
do usufrutuário.
Incumbe ao usufrutuário as despesas ordinárias para conservação do bem.
Ao nu-proprietário, incumbe a reparação extraordinária da coisa. Além disso, as partes
deverão assumir as reparações ordinárias não módicas, ou seja, quando a despesa for superior
a 2/3 do rendimento líquido daquele ano.
Se a coisa, objeto de usufruto for desapropriada, a indenização ficará sub-rogada no
ônus do usufruto, no lugar do prédio.

7.4.4. EXTINÇÃO DO USUFRUTO

O usufruto se extingue com o cancelamento do registro no Cartório de Registro de


Imóveis:
• pela renúncia;
• pela morte do usufrutuário;
• pelo termo de sua duração;
• pela extinção da pessoa jurídica em favor de quem o usufruto foi constituído, ou
pelo decurso de 30 anos da data em que se começou a exercer;
• pela cessação do motivo de que se origina (ex.: filho virou maior de idade, cessando
para o pai);
• pela destruição da coisa;
• pela consolidação (usufrutuário passa a ser o proprietário da coisa);
• por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não
lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de
crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único
do art. 1.395 do CC;
• pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399
do CC).
Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas (usufruto simultâneo ou em
conjunto), será extinta a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se houver uma
estipulação expressa sobre o direito de acrescer, estabelecendo que o quinhão desses couber
ao sobrevivente. Em regra, a morte do usufrutuário implica fim de 50% do usufruto.
É necessária disposição expressa do direito de acrescer.

7.5. USO

É direito personalíssimo de uso do bem, não sendo possível a sua fruição. O art. 1.412
do CC diz que o usuário apenas usará a coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as
necessidades suas e de sua família.

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Serão avaliadas as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o


lugar onde viver. Atente-se que as necessidades da família do usuário compreendem as de seu
cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.
O art. 1.413 do CC estabelece que são aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua
natureza, as disposições relativas ao usufruto.

7.6. HABITAÇÃO

Aqui o titular do direito só poderá habitar o bem. Trata-se do mais restrito dos direitos
reais sobre coisas alheias.
De um lado, há o proprietário, do outro, o habitante.
Esse direito real pode ser legal ou convencional.
O caráter gratuito da habitação é claro, conforme o art. 1.414 do CC, que estabelece
que, quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente coisa alheia, o titular deste
direito não poderá alugá-la, nem emprestá-la, mas simplesmente ocupá-la com sua família.
Há um caráter personalíssimo ao direito real de habitação, não sendo viável que o
habitante institua um benefício semelhante em favor de terceiro.
É proibido o direito real de habitação de 2º grau, tendo em vista seu caráter
personalíssimo.
Se houver um direito real de habitação simultâneo, qualquer uma das partes pode
habitar, podendo haver uma convivência compulsória.
São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições
relativas ao usufruto.

7.7. CONCESSÕES ESPECIAIS PARA USO E MORADIA

Esses direitos reais se referem a áreas públicas, normalmente invadidas e tomadas por
favelas, a fim de regularizar juridicamente essa situação. Estão previstos nos arts. 7º e 8º do DL
271/67, atualizado pela Lei nº 11.481/07.
Segundo o art. 7o, é instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares,
remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para
fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização,
edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das
comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse
social em áreas urbanas.
A concessão do direito de uso para fins de moradia consta da MP 2.220/01, que continua
em vigor.
O seu art. 1º afirma que, aquele que ocupou como seu, por 5 anos ininterruptamente, e
sem oposição, imóvel urbano de até 250m², utilizando-o como moradia, terá direito à concessão
de uso especial para fins de moradia, desde que não seja proprietário ou concessionário, seja
urbano ou rural.

8. DIREITOS REAIS DE GARANTIA

8.1. INTRODUÇÃO

Existem direitos reais de garantia sobre coisa própria e sobre coisa alheia.
As características básicas dos direitos reais de garantia são:
• Preferência: o credor hipotecário e o pignoratício têm preferência no pagamento
em relação aos outros credores, em razão da coisa reservada como garantia.
Contudo, a lei cria outras categorias de credores preferenciais.

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• Indivisibilidade: o pagamento de uma prestação não importa exoneração parcial da


garantia, ainda que se compreendam vários bens. Via de regra, a garantia é
indivisível.
• Sequela: se um bem é garantido, mesmo na alienação, o direito real permanece,
acompanhando-o, esteja ele sob a titularidade de qualquer terceiro.
• Excussão: o credor, hipotecário ou pignoratício, tem direito de excutir a coisa
hipotecada ou empenhada. Isso quer dizer que o credor pode promover a sua
execução e alienação forçada.
Atente-se que é nula cláusula que autoriza o credor hipotecário, pignoratício e
anticrético a ficar com o bem objeto da garantia. É a nulidade do pacto comissório real.
Somente aquele que pode alienar o bem é que pode dar o bem em garantia Da mesma
forma, somente os bens que possam ser alienados é que podem ser dados em garantia.
Assim, são requisitos para que seja dado um bem em garantia real:
• Requisito subjetivo: o requisito subjetivo é que o sujeito seja proprietário e, sendo
casado, é necessária a outorga conjugal.
O §1º do art. 1.420 do CC diz que a propriedade superveniente torna eficaz, desde
o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono. Ou seja, o
requisito subjetivo é o fato de ser dono. Se ainda não era dono, mas se tornou de
forma superveniente, a garantia se convalesce.
A coisa comum não pode ser dada em garantia real em sua totalidade sem o
consentimento de todos os condôminos. Todavia, o coproprietário poderá dar
individualmente em garantia real a parte que tiver.
• Requisito objetivo: o bem deve ser alienável, pois, do contrário, não poderá ser
dado em penhor, hipoteca ou anticrese.
São requisitos do contrato que constitui o penhor, anticrese ou hipoteca, sob pena de
não terem eficácia:
• estar previsto o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;
• estar previsto o prazo fixado para pagamento;
• estar prevista a taxa dos juros, se houver;
• estar previsto o bem dado em garantia com as suas especificações.
A dívida será considerada vencida quando:
• o bem dado em garantia se deteriorar ou se depreciar, e o devedor, intimado, não
a reforçar ou substituir;
• quando o devedor cair em insolvência ou falir;
• quando não forem pagas pontualmente as prestações, toda vez que deste modo
se achar estipulado o pagamento. neste caso, o recebimento posterior da prestação
atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata;
• quando houver o perecimento do bem dado em garantia, e não for substituído;
• quando for desapropriado o bem dado em garantia, situação em que será
depositado o preço que for necessária para o pagamento integral do credor.
Nos casos de perecimento do bem dado em garantia, haverá sub-rogação na
indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá
sobre ela preferência até sua completa satisfação.
É possível que terceiro preste garantia real por dívida alheia, mas não ficará obrigado a
substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, perca-se, deteriore-se, ou se desvalorize (art.
1.427 do CC).
Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para
pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo
restante.

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8.2. PENHOR

O penhor é um direito real de garantia, em regra, sobre coisa alheia móvel (mas há
exceções para imóveis, como será visto) ou sobre direitos.
Nunca se deve confundir “penhorar” com “empenhar”. Penhorar é um termo
processual, em execução ou cumprimento de sentença, quando um bem do devedor, móvel ou
imóvel, sofre uma constrição judicial para garantir o pagamento. Já empenhar, isso sim, é dar a
coisa em garantia de alguma obrigação, nada tendo a ver com a existência de uma ação judicial.

8.2.1. CONSTITUIÇÃO DO PENHOR

O penhora é constituído, em regra, sobre bens móveis, podendo ser constituído sob
bens de acessão intelectual. Ocorre também, em regra, a transferência da posse de bem. A
exceção está no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, quando a coisa empenhada
continua na posse do devedor.
As partes do penhor são:
• Credor pignoratício: pode ser o credor da obrigação ou o terceiro.
• Devedor pignoratício: é o devedor da obrigação.
A instituição do penhor pode se dar por instrumento público ou particular, a ser levado
a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
O registro é elemento essencial para que o penhor tenha eficácia real e erga omnes. Se
não for levado a registro, o negócio tomará uma feição contratual, gerando apenas efeito inter
partes.

8.2.2. DIREITOS DO CREDOR PIGNORATÍCIO

O credor pignoratício terá, via de regra:


• direito à posse da coisa empenhada;
• direito à retenção da coisa, até que o indenizem das despesas devidamente
justificadas que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua;
• direito ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa
empenhada;
• direito a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir
expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração;
• direito a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontrar em seu
poder;
• direito a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial,
sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore,
devendo o preço ser depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a venda
antecipada, substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea.
O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela,
antes de ser integralmente pago o valor garantido, podendo o juiz, a requerimento do
proprietário, determinar que seja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada,
suficiente para o pagamento do credor.

8.2.3. DEVERES DO CREDOR PIGNORATÍCIO

Segundo o art. 1.435 do CC, o credor pignoratício:

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• tem o dever de custodiar a coisa, como depositário, e a ressarcir ao dono a perda


ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a
concorrente quantia, a importância da responsabilidade;
• tem o dever de defender a posse da coisa empenhada e a dar ciência, ao dono dela,
das circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória;
• tem o dever de imputar o valor dos frutos de que se apropriar (art. 1.433, inciso V,
do CC) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação
garantida, sucessivamente;
• tem o dever de restituir o bem empenhado,com os respectivos frutos e acessões,
uma vez paga a dívida;
• tem o dever de entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga.

8.2.4. MODALIDADES DE PENHOR

São as modalidades de penhor:


• penhor legal;
• penhor convencional;

8.2.4.1. PENHOR LEGAL

Penhor legal é o penhor que decorre da lei, sendo os credores pignoratícios:


• hospedeiros e fornecedores de alimentos sobre as bagagens, móveis, joias,
dinheiro de seus fregueses que tiveram consigo, pelas despesas que tiverem
ocasionado no hotel ou no restaurante;
• dono do prédio locado (locador) é credor pignoratício sobre os bens móveis que o
inquilino tiver guarnecendo no local, pelo valor dos aluguéis, condomínio, etc.;
• artista e do técnico de espetáculo: o art. 31 da Lei nº 6.533/1978 consagra o penhor
legal em favor do artista e do técnico de espetáculo, sobre o equipamento e todo o
material de propriedade do empregador, utilizado na realização de programa,
espetáculo ou produção, pelo valor das obrigações não cumpridas pelo empregador.

8.2.4.2. PENHOR CONVENCIONAL

O penhor convencional decorre da vontade das partes.


O penhor convencional comum é uma forma ordinária de penhor, cujo objeto é um bem
móvel com a transmissão da posse ao credor. Ex.: joia na Caixa Econômica Federal.
Por outro lado, o penhor convencional pode assumir um caráter especial. Portanto, há
penhor convencional especial:
• penhor rural (agrícola e pecuário);
• penhor industrial e mercantil;
• penhor de títulos de crédito.
Penhor rural
O penhor rural é especial, pois se constitui sobre imóveis. Há o registro do penhor no
Cartório de Registro de Imóveis da CIRCUNSCRIÇÃO em que estiverem situadas as coisas
empenhadas, realizado por meio de instrumento público ou particular.
O devedor emite, em favor do credor, cédula rural pignoratícia. A cédula, portanto, é o
instrumento da garantia.
Nesta modalidade não há entrega do bem ao credor. O bem continua na posse direta
do devedor.
Existem duas modalidades de penhor rural:

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• penhor agrícola;
• penhor pecuário.
O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos
superiores aos das obrigações garantidas. Embora vencidos os prazos, permanece a garantia,
enquanto subsistirem os bens que a constituem.
A prorrogação do penhor deve ser averbada à margem do registro respectivo,
mediante requerimento do credor e do devedor.
Se o prédio estiver hipotecado, o penhor rural poderá constituir-se independentemente
da anuência do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de preferência, nem restringe
a extensão da hipoteca, ao ser executada. O art. 1.441 do CC diz que tem o credor direito a
verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde se acharem.
Penhor agrícola
O penhor agrícola poderá ter como objeto:
• máquinas e instrumentos de agricultura;
• colheitas pendentes, ou em via de formação;
• frutos acondicionados ou armazenados;
• lenha cortada e carvão vegetal;
• animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.
Esses bens são considerados imóveis por acessão física industrial ou por acessão física
intelectual.
Consoante o art. 1.443 do CC, o penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou
em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser
insuficiente a que se deu em garantia.
Se o credor não financiar a nova safra, o devedor poderá constituir com outrem um novo
penhor, em quantia máxima equivalente à do primeiro. O segundo penhor terá preferência
sobre o primeiro, abrangendo este apenas o excesso apurado na colheita seguinte.
Penhor pecuário
Segundo o art. 1.444do CC, podem ser objeto de penhor animais que integram a
atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios.
Esses animais serão considerados imóveis por acessão intelectual.
O devedor pignoratício não poderá alienar os animais empenhados sem prévio
consentimento, por escrito, do credor.
Quando o devedor pretender alienar o gado empenhado ou, por negligência, ameace
prejudicar o credor, este poderá requerer que se depositem os animais sob a guarda de
terceiro, ou exigir o pagamento imediato da dívida.
Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos, ficam sub-rogados
no penhor.
Presume-se a substituição, mas não terá eficácia contra terceiros, se não constar de
menção adicional ao respectivo contrato, a qual deverá ser averbada.
Penhor industrial e mercantil
Esse penhor terá por objeto:
• máquinas, aparelhos, materiais, instrumentos instalados e em funcionamento, com
os acessórios ou sem eles;
• animais utilizados na indústria;
• sal e bens destinados à exploração das salinas;
• produtos de suinocultura, animais destinados à industrialização de carnes e
derivados;
• matérias-primas e produtos industrializados.
Os bens aqui serão considerados imóveis por acessão intelectual e permanecerão na
posse do devedor.

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O penhor industrial e mercantil é constituído mediante instrumento público ou


particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição onde estiverem
situadas as coisas empenhadas.
O devedor poderá emitir em favor do credor um instrumento representativo do
respectivo crédito, sendo denominada de cédula de crédito industrial ou cédula de crédito
mercantil.
O devedor não pode, sem o consentimento por escrito do credor, alterar as coisas
empenhadas ou mudar-lhes a situação, nem delas dispor. O devedor que, anuindo o credor,
alienar as coisas empenhadas, deverá repor outros bens da mesma natureza, que ficarão sub-
rogados no penhor.
Tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde
se acharem, por si ou por pessoa que credenciar.
Penhor de títulos de crédito (ou penhor de direito)
O penhor de direito é constituído através de instrumento público ou particular,
registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Podem ser objeto de penhor direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis.
O titular de direito empenhado deverá entregar ao credor pignoratício os documentos
comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimo em conservá-los.
O penhor de crédito só tem eficácia quando notificado o devedor do crédito. Por
notificado, tem-se o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da
existência do penhor. Veja-se, portanto, que essa notificação não se trata de requisito de
validade, mas de eficácia em relação ao devedor.
Se a garantia recair sobre valor pecuniário, a importância recebida será depositada, de
acordo com o devedor pignoratício, ou onde o juiz assim determinar. Se consistir na entrega da
coisa, nesta sub-rogar-se-á o penhor.
Estando vencido o crédito pignoratício, o credor tem direito a reter da quantia recebida
o que lhe é devido, restituindo o restante ao devedor; ou a excutir a coisa a ele entregue
O credor pignoratício deve praticar os atos necessários à conservação e defesa do direito
empenhado e cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidos na garantia.
O titular do crédito empenhado só pode receber o pagamento com a anuência, por
escrito, do credor pignoratício, caso em que o penhor será extinto.
Segundo o art. 1.458 do CC, o penhor que recai sobre título de crédito constitui-se
mediante instrumento público ou particular ou endosso pignoratício, com a tradição do título
ao credor.
Ao credor, em penhor de título de crédito, compete o direito de:
• conservar a posse do título e recuperá-la de quem quer que a detenha;
• usar dos meios judiciais convenientes para assegurar os seus direitos, e os do credor
do título empenhado;
• notificar o devedor, para que não pague ao seu credor, enquanto durar o penhor;
• receber a importância consubstanciada no título e os respectivos juros, se exigíveis,
restituindo-o ao devedor, quando este solver a obrigação.
O devedor do título empenhado que receber a intimação, ou se der por ciente do
penhor, não poderá pagar ao seu credor. Se o fizer, responderá solidariamente com este, por
perdas e danos, perante o credor pignoratício.
Se o credor der quitação ao devedor do título empenhado, deverá saldar imediatamente
a dívida, em cuja garantia se constituiu o penhor.
Penhor de veículos
É também constituído por instrumento, público ou particular, registrado no Cartório de
Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor e anotado no certificado de
propriedade.
O devedor pignoratício não entrega o veículo ao credor, mantendo a sua posse.

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O penhor de veículos não é efetivado sem que eles sejam previamente segurados contra
furtos, avarias, perecimentos, ou danos causados por terceiros.
Se houver a alienação ou a mudança de titularidade do veículo, sem prévia comunicação
ao credor pignoratício, haverá o vencimento antecipado da dívida.
O prazo máximo do penhor de veículos é de 2 anos, prorrogável por igual tempo.

8.2.5. EXTINÇÃO DO PENHOR

Extingue-se o penhor:
• pela extinção da obrigação;
• pelo perecimento da coisa;
• pela renúncia do credor;
• pela confusão da mesma pessoa como credor e dono da coisa;
• pela a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo
credor ou por ele autorizada.
Há uma presunção de renúncia do credor quando:
• consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço;
• restituir a sua posse ao devedor; ou
• anuir à sua substituição por outra garantia.
Exemplo de confusão é o caso em que alguém recebe o bem empenhado como herança.
Nesse caso, o devedor pignoratício é herdeiro do credor pignoratício, havendo confusão.

8.3. HIPOTECA

A hipoteca também é direito real de garantia sobre coisa alheia, caso em que, via de
regra, vai recair sobre bens imóveis. Não há a transferência da posse da coisa imóvel entre as
partes. A coisa imóvel continua na posse do devedor.
A hipoteca se constitui pelo seu registro na matrícula do imóvel no cartório de registro
de imóveis.
Os registros e as averbações seguirão a ordem em que forem requeridas, conforme o
princípio da anterioridade registral ou da prioridade. Assim, o título que for protocolado
primeiro no registro de imóveis terá preferência sobre todos os demais títulos contraditórios.
O registro terá validade e eficácia enquanto a obrigação principal perdurar. Após isso,
não haverá falar mais em hipoteca.
A especialização da hipoteca deve ser renovada a cada 20 anos.
A hipoteca legal não terá prazo máximo, perdurando enquanto vigorar a situação
descrita na lei.
Por outro lado, a hipoteca convencional terá o prazo máximo de 30 anos.
O art. 1.473 do CC diz o que pode ser objeto do direito real de garantia hipotecária:
• os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles;
• o domínio direto;
• o domínio útil (direito do usufrutuário);
• as estradas de ferro;
• os recursos naturais a que se refere o art. 1.230 do CC, independentemente do solo
onde se acham;
• os navios;
• as aeronaves.
• o direito de uso especial para fins de moradia;
• o direito real de uso;
• a propriedade superficiária;

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Paulo Batista

• propriedade fiduciária;
• direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando esta é concedida ao poder
público.
A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel.
Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo
imóvel.
O art. 1.475 do CC diz que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel
hipotecado. Portanto, o imóvel hipotecado não se torna bem fora do comércio e pode ser
vendido ou doado, mas a hipoteca irá acompanhá-lo, sendo um direito de sequela.
É possível que as partes convencionem que, sendo alienado o bem, haverá o vencimento
antecipado do crédito hipotecário. Assim, embora seja proibido vedar a alienação, é possível
constar que, se ela ocorrer, haverá o vencimento antecipado da dívida.
O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo
título, em favor do mesmo ou de outro credor. Ou seja, é possível a chamada hipoteca de
segundo grau (art. 1.476 do CC). Assim, é possível mais de uma hipoteca sobre o mesmo
imóvel, mas a primeira terá preferência. O titular da segunda hipoteca, quando vencida a sua
dívida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a dívida da primeira hipoteca.

8.3.1. REMIÇÃO OU RESGATE DA HIPOTECA

São duas as hipóteses especiais de remição ou resgate da hipoteca merecem destaque:


• Remição da hipoteca pelo adquirente de imóvel: o sujeito adquire o imóvel
hipotecado, decidindo realizar a remição da hipoteca.
Segundo o art. 1.481 do CC, dentro do prazo decadencial de 30 dias, contados do
registro do título aquisitivo, o adquirente do imóvel hipotecado tem o direito de
remi-lo, citando os credores hipotecários e propondo importância não inferior ao
preço por que o adquiriu o imóvel.
Se o adquirente deixar de remir o imóvel, ficará sujeito à execução da hipoteca,
ficando também obrigado a ressarcir os credores hipotecários por uma
desvalorização que tenha permitido que o imóvel sofresse em razão de sua culpa.
Se o credor hipotecário impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida,
realizar-se-á licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço,
assegurada preferência ao adquirente do imóvel.
Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo
adquirente, haver-se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que
ficará livre de hipoteca, uma vez pago ou depositado o preço.
• Remição da hipoteca no caso de falência ou insolvência do devedor hipotecário:
Foi tratada pelo NCPC no seu art. 877, segundo o qual, transcorrido o prazo de 5
(cinco) dias, contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz
ordenará a lavratura do auto de adjudicação do bem penhorado (lembre-se que
“penhorado” não é o mesmo que “empenhado”).
Considera-se perfeita e acabada a adjudicação com a lavratura e a assinatura do
auto pelo juiz, pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, se estiver
presente, pelo executado, expedindo-se a carta de adjudicação e o mandado de
imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel. Sendo bem móvel, haverá
apenas a ordem de entrega ao adjudicatário.
No caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remir o bem até a
assinatura do auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não
tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido, se houve licitantes.

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Paulo Batista

Na hipótese de falência ou de insolvência do devedor hipotecário, o direito de


remição será deferido à massa ou aos credores em concurso, não podendo o
exequente recusar o preço da avaliação do imóvel.

8.3.2. PEREMPÇÃO DA HIPOTECA CONVENCIONAL

O art. 1.485 do CC diz que há a extinção da hipoteca pelo decurso do prazo máximo de
30 anos, a contar da constituição do negócio.
Hipoteca legal não tem prazo máximo, apenas a hipoteca convencional.
Admite-se a instituição convencional da hipoteca para dívida futura ou dívida
condicional, que dependa de evento futuro e incerto. No entanto, isso só será possível se for
determinado o valor máximo do crédito no ato de instituição.
A execução da hipoteca, neste caso, vai depender de uma prévia concordância do
devedor quanto à verificação da condição do evento futuro e incerto, ou ainda haver uma prévia
concordância do dever quanto ao montante da dívida.
Havendo divergência entre o credor e o devedor quanto à ocorrência do fato ou do
montante da dívida, o credor deverá provar o seu crédito, o qual, provando, terá a garantia do
bem.
O art. 1.488 do CC inovou por meio da possibilidade de fracionamento da hipoteca, o
que é uma exceção à regra da indivisibilidade do direito real de garantia.
O fracionamento da hipoteca será possível se o imóvel, dado em garantia hipotecária,
vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, quando poderá ser dividido o
ônus, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o credor, o devedor ou os interessados
assim requererem ao juiz o credor, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o
crédito.
O credor só poderá ser contrário ao pedido de desmembramento do ônus se provar que
isso ocasionará diminuição de sua garantia.

8.3.3. CLASSIFICAÇÃO DA HIPOTECA

8.3.3.1. QUANTO À SUA ORIGEM

• Hipoteca convencional: decorre da vontade das partes.


• Hipoteca legal: decorre da lei, sendo aquela previstas no art. 1.489 do CC, além de
eventuais outras hipóteses legais:
• hipoteca legal conferida às pessoas de direito público interno sobre os imóveis
pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos
respectivos fundos e rendas;
• hipoteca legal conferida aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que
passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior;
• hipoteca legal conferida ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis
do delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das
despesas judiciais;
• hipoteca legal conferida ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna
da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente (obrigado a repor
ao monte o que recebeu em excesso à parte disponível do doador ou testado);
• hipoteca legal conferida ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do
pagamento do restante do preço da arrematação.
A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal
ou estadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente, ou ainda
por outra garantia, a critério do juiz, a requerimento do devedor.

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A hipoteca legal, de qualquer natureza deverá ser registrada e especializada, a fim


de que os terceiros tomem conhecimento (art. 1.497 do CC). O registro e a
especialização incumbem a quem está obrigado a prestar essa garantia. Não existe
prazo máximo para a hipoteca legal, mas exige-se que a especialização da hipoteca
seja renovada a cada 20 anos.
• Hipoteca cedular (art. 1.486 do CC): segundo este dispositivo, o credor e o devedor
podem, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a emissão de uma cédula
hipotecária, especializando-se os bens dados em garantia, com o registro da cédula
no cartório de registro imobiliário. Então, o registro é constitutivo da garantia.
• Hipoteca judicial: está regulamentada do NCPC, conforme seu art. 495, segundo o
qual a decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em
dinheiro, e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de
dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca
judiciária.
A decisão vai produzir a hipoteca judiciária:
• ainda que a condenação seja genérica; ou
• ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou
esteja pendente arresto sobre bem do devedor;
• mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo.
A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da
sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem
judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência.

8.3.4. EXTINÇÃO DA HIPOTECA

Segundo o art. 1.499, a hipoteca se extingue:


• pela extinção da obrigação principal;
• pelo perecimento da coisa;
• pela resolução da propriedade;
• pela renúncia do credor;
• pela remição;
• pela arrematação ou adjudicação.
Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação do cancelamento do registro no Registro
de Imóveis, à vista da respectiva prova.
Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem
que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem
de qualquer modo partes na execução.

8.4. ANTICRESE

A anticrese é muito pouco utilizada no Brasil.


Na anticrese há um direito real de garantia, em que a posse do imóvel é transmitida ao
credor, para retirada de frutos para pagamento da dívida. O imóvel continua a ser do devedor,
mas o credor passa a receber, por exemplo, os aluguéis a ele relativos.
O imóvel dado em anticrese pode ser hipotecado, assim como o hipotecado pode ser
dado em anticrese. É possível ainda a remição ou resgate da anticrese pelo adquirente do imóvel
dado em garantia (imóvel anticrético).

8.5. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

A alienação fiduciária é um direito real de garantia, mas sobre coisa própria.

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Possui regulamentação:
• no Código Civil (art. 1361 e seg.), que dispõe sobre a propriedade fiduciária de bens
móveis infungíveis;
• no DL 911/1969, que trata dos bens móveis, dados em alienação fiduciária;
• na Lei nº 9.514/1997, que trata da alienação fiduciária em garantia sobre bens
imóveis.

8.5.1. CONCEITO

A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o


escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel
de coisa.
A garantia, então, transfere ao credor o domínio, mas este é resolúvel. O alienante
passa a ser o depositário do bem. Assim, na alienação fiduciária, é imprescindível que a posse
direta do bem, móvel ou imóvel, continue com o devedor fiduciante. O proprietário, ou seja, o
credor fiduciário terá a sua posse indireta.
Com o pagamento de todos os valores devidos pelo devedor fiduciante, a propriedade
do credor se resolve e o então devedor passa a ter o domínio pleno. Por outro lado, caso o
devedor não pague a dívida, será o credor que passará a ter a consolidação da propriedade
plena, podendo reivindicar o bem que estiver na posse do devedor.
Assim, uma das grandes vantagens da alienação fiduciária é que o credor não vai precisar
disputar a garantia com qualquer outro crédito (trabalhista, hipotecário etc.) porque o bem, na
verdade, é de sua propriedade. Basta reivindicá-lo. Ele apenas perderia a propriedade se
houvesse a implementação da condição resolutiva, qual seja, a quitação da dívida.

8.5.2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS MÓVEIS

Está regulamentada no Código Civil e no DL 911/1969.


O §1º do art. 1.361 do CC diz que a propriedade fiduciária se constitui com o registro
do contrato, motivo pelo qual haverá um direito real de garantia, desde que seja celebrado por
instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos
do domicílio do devedor.
Em se tratando de veículos, o registro deverá ser feito na repartição competente para
o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. Assim, não é requisito de
validade ou existência da alienação fiduciária de veículos o seu registro em cartório.
O art. 1.362 do CC diz que o contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, deverá
observar alguns requisitos, tais como:
• Previsão do valor total da dívida, ou sua estimativa;
• Previsão do prazo, ou a época do pagamento;
• Previsão da taxa de juros, se houver;
• Previsão da descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos
indispensáveis à sua identificação.
Antes de vencida a dívida, o devedor fiduciante vai usar e gozar da coisa, ficando em sua
posse, pois será o seu depositário. O devedor fiduciante é obrigado a manter a diligência e
cuidado compatíveis com a natureza da coisa, além de ser obrigado a entregá-la ao credor se a
dívida não for paga no seu vencimento.
Portanto, havendo inadimplemento por parte do devedor, o credor poderá reaver a
coisa, tendo a obrigação de vendê-la, seja em leilão judicial ou extrajudicial.
Feita a venda, o preço será aplicado no pagamento do crédito, e se houver saldo, este
será entregue ao devedor, havendo a quitação.

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Paulo Batista

Considera-se existente a mora do devedor fiduciante quando houver o simples


vencimento do prazo, sendo uma mora ex re. Contudo, a mora precisa ser considerada
consolidada (consolidação da mora) com a devida notificação ao devedor, seja por carta
registrada com aviso de recebimento, seja por notificação extrajudicial no Cartório de Títulos e
Documentos.
A mora e o inadimplemento das obrigações contratuais garantidas por alienação
fiduciária tornem, desde aquele momento, vencidas todas as obrigações contratuais.
Segundo a jurisprudência pátria, o inadimplemento absoluto será provado com a
notificação e o decurso do prazo para a quitação da dívida. Nessa situação, é possível a busca e
apreensão liminar do bem.
A ação de busca e apreensão na alienação fiduciária em garantia de bens móveis,
encontra regulamentação no art. 3º do DL 911/69.
Este dispositivo estabelece que o proprietário fiduciário ou credor pode, desde que
comprovada a mora, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e
apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser
apreciada em plantão judiciário.
Após 5 dias a execução da liminar, consolidam-se a propriedade e a posse plena e
exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes,
quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou
de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.
No prazo 5 dias, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente,
segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe
será restituído livre do ônus.
O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de 15 dias da execução da liminar.
Essa resposta pode ser apresentada mesmo que o devedor tenha se utilizado da faculdade de
pagar a dívida para ter o bem em sua propriedade, eis que poderá considerar que o pagamento
foi feito a maior, desejando agora a restituição que entende cabível.
Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.
Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz
condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa,em favor do devedor fiduciante, a qual
será equivalente a 50% do valor originalmente financiado atualizado,se o bem tiver sido
alienado.
Essa multa não exclui responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.
A parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi
localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca
distinta daquela da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da
petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e
apreensão do veículo.
A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará o credor
para a sua retirada do local depositado no prazo máximo de48 (quarenta e oito) horas.
Veja-se que, caso o devedor queira permanecer com o bem, terá que pagar a
integralidade da dívida pendente, e não apenas as parcelas em atraso.
Ainda, o STJ tem aplicado à alienação fiduciária a teoria do adimplemento substancial,
casos em que será afastada a busca e apreensão, no caso de a mora ser insignificante. O credor
poderá cobrar o remanescente de outra forma, mas diversa da busca e apreensão.
O art. 1.365 do CC diz que é nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar
com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Ou seja, é vedado
o pacto comissório real.
Todavia, pode o devedor, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em
pagamento da dívida, após o vencimento desta. Ou seja, vencida a dívida, poderá dar o bem em
dação em pagamento.
A Lei nº 13.043/14 incluiu o art. 1.368-B no Código Civil.

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Paulo Batista

Este dispositivo diz que a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel
confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário do fiduciante ou sucessor do
fiduciante.
Isso fez com que a alienação fiduciária se tornasse de natureza mista, sendo direito real
de garantia sobre coisa própria, mas também é direito real de aquisição.
O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da
garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual
lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos
sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos,
tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser
imitido na posse direta do bem.

8.5.3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS

Está prevista na Lei nº 9.514/1997 e atualmente a execução da garantia pode ser feita
integralmente no Cartório de Registro de Imóveis. Ela pode ser contratada por uma pessoa física
ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no sistema financeiro imobiliário.
É um contrato de garantia que sempre será vinculado a um contrato principal. Não há
contrato de alienação fiduciária sem que haja algum outro contrato principal.
Não é obrigatório que o contrato principal seja de mútuo. Ela pode garantir qualquer
obrigação principal.
Assim, poderá ser objeto de alienação fiduciária em garantia:
• bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se
houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;
• direito de uso especial para fins de moradia;
• direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
• propriedade superficiária.
Esses bens podem ser alienados fiduciariamente em garantia de bem imóvel.
A propriedade fiduciária de coisa imóvel se constitui mediante registro no competente
Registro de Imóveis do contrato que lhe serve de título.
Com a constituição da propriedade fiduciária dar-se-á o desdobramento da posse,
tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
São requisitos do instrumento (que nada mais é que o contrato) a ser registrado:
• constar o valor do principal da dívida;
• constar o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do
fiduciário;
• constar a taxa de juros e os encargos incidentes;
• constar a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do
imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
• constar a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre
utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;
• constar a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos
critérios para a respectiva revisão;
• constar a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27 da
referida lei (execução extrajudicial da dívida).
Ocorrendo o pagamento, no prazo de 30 dias, a contar da data de liquidação da dívida,
o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor
deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.
À vista do termo de quitação, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o
cancelamento do registro da propriedade fiduciária, por ato de averbação.

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Paulo Batista

O art. 26 da lei diz que,vencida e não paga, no todo ou em parte a dívida, e constituído
em mora o fiduciante, a propriedade vai se consolidar em nome do credor fiduciário.
O devedor fiduciante, ou seu representante legal, será intimado, a requerimento do
fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de 15 dias, a
prestação vencida.
Segundo o STJ, é nula a intimação do devedor para oportunizar a purgação de mora
realizada por meio de carta com aviso de recebimento quando esta for recebida por pessoa
desconhecida e alheia à relação jurídica (Inf. 580).
Portanto, no caso de bens imóveis, a purgação da mora é feita no Registro de Imóveis.
O oficial, nos 3 dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias
recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.
Se passados os 15 dias, e o devedor não fez a purgação da mora, então o oficial de
registro de imóveis irá promover a averbação na matrícula do imóvel da consolidação da
propriedade plena em nome do credor fiduciário.
Consolidada a propriedade em nome do fiduciário, no prazo de 30 dias, contados da
data da averbação, ele promoverá público leilão para a alienação do imóvel, já que é vedado o
pacto comissório real, não sendo permitido ao credor fiduciário ficar com a propriedade do
imóvel.
No primeiro público leilão, o maior lance oferecido deve ser pelo menos superior ao
valor contratual do bem. Todavia, sendo inferior ao valor do imóvel, será realizado o segundo
leilão, nos 15 dias seguintes.
No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao
valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos,
e das contribuições condominiais.
Nos 5 dias seguintes à venda do imóvel, o credor fiduciário vai entregar ao devedor
fiduciante aquilo que sobrar. Esse fato vai importar em recíproca quitação.
Se no segundo leilão não for igual ou superior ao valor da dívida e dos encargos, será
considerada a dívida extinta. Ou seja, frustrados os dois leilões, o devedor estará exonerado da
dívida.

9. DA LAJE

A laje é direito real criado pela Lei nº 13.465/2017, que a incluiu no CC.
Ela é uma unidade imobiliária autônoma, com registro e matrícula própria no Cartório
de Imóveis, mas vinculada ao terreno onde se localiza a construção-base. Ela será sobreposta
ou subterrânea a esta construção-base. Assim, embora vinculadas, a laje e o terreno são imóveis
juridicamente diversos. O proprietário da laje terá direito real autônomo ao proprietário do
terreno (e da construção-base).
O proprietário do terreno e da construção-base poderá ceder a superfície superior ou
inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela
originalmente construída sobre o solo.
Tal direito foi criado para regularizar situações urbanas, dando autonomia urbanística e
econômica às lajes já consolidadas e a serem construídas, mas também pode ser usada como
soluções para incorporações em áreas antes impossibilitadas de aproveitamento econômico.
A laje não se confunde com condomínio edilício, pois não consiste em áreas comuns e
áreas privativas, possuindo natureza jurídica distinta.
Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma, poderão dela usar, gozar e dispor, mas
deverá haver regras de convivência, direitos e obrigações entre o dono do terreno e o da laje.
QUESTÕES
1 – Quanto às características dos Direitos Reais, assinale a alternativa INCORRETA

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Paulo Batista

a) Direitos Reais têm oponibilidade erga omnes, o que significa que, em regra, não
haverá efeitos apenas entre as partes da relação jurídica material.
b) Como regra geral, todos os Direitos Reais, para que tenham eficácia erga omnes,
precisam estar inscritos no serviço extrajudicial de registro de imóveis.
c) Nos direitos reais há direito de sequela, ou seja, o direito de reivindicar o bem aonde
quer que ele esteja. Tal direito segue a coisa, onde quer que ela esteja (móvel) ou na
posse de quem estiver (imóvel).
d) No direito real há direito de preferência, tendo caráter taxativo na lei (tipicidade).

2 – Quanto aos Direitos Reais previsto no art. 1225 do CC, assinale aquele que NÃO se
enquadra no rol do referido artigo:
a) os direitos propter rem.
b) o penhor.
c) a propriedade.
d) a concessão de uso especial para fins de moradia.

3 – Quanto à teoria da Posse, podemos dizer:


a) a Teoria Subjetivista foi defendida por Ihering, dando relevância ao aspecto subjetivo
da posse. Aqui a posse possui dois elementos: (i) o corpus: é o elemento objetivo,
material, que é a disponibilidade sobre a coisa; (ii) o animus: é o elemento subjetivo,
que é a intenção de ter a coisa para si.
b) A Teoria Objetiva foi defendida por Savigny, segundo a qual, para constituição da
posse, basta que o sujeito disponha fisicamente da coisa. Na verdade, para o Savigny, o
corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa. O possuidor
passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive economicamente.
c) A Teoria Objetiva foi defendida por Ihering, segundo a qual, para constituição da
posse, basta que o sujeito disponha fisicamente da coisa. Na verdade, para o Ihering, o
corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa. O possuidor
passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive economicamente.
d) O Código Civil Brasileiro adotou a Teoria Subjetivista.

4 – Assinale a alternativa INCORRETA:


a) Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com
outro, conserva a posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de ordens ou
instruções suas.
b) O detentor é também chamado de fâmulo da posse.
c) É possível a conversão da detenção em posse, quando há a quebra do vínculo de
subordinação.

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292
Paulo Batista

d) Aquele que se comporta em relação de dependência para com outro, conservando a


posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de ordens ou instruções suas,
presume-se possuidor, até que prove o contrário.

5- Assinale a alternativa CORRETA:


a) Tanto na posse de boa-fé como na posse de má-fé, o possuidor ignora a existência de
um vício que impede a aquisição da coisa, o que as difere é apenas os efeitos disso em
relação a terceiros.
b) Não é possível falar em posse de boa-fé injusta.
c) É possível haver posse justa e de má-fé.
d) Quando há justo título, presume-se a posse de boa-fé apenas se tal documento estiver
registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

6- Quanto ao Direito de Propriedade, assinale a alternativa CORRETA:


a) A propriedade está relacionada a atributos de usar, corresponde à faculdade de se
pôr o bem a serviço do proprietário, de gozar (fruir), que é a faculdade de retirar os
frutos da coisa, de dispor, que significa poder de consumir o bem, de aliená-lo ou gravá-
lo, ou de submetê-lo ao serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo, e de reivindicar
(reaver), por meio de uma ação petitória, fundada no direito de propriedade. Isso se dá
pela chamada ação reivindicatória.
b) Havendo os quatro atributos de forma cumulativa, conforme a assertiva anterior,
então haverá a chamada propriedade resolúvel, que está amplamente assegurada, salvo
se ocorrer fato relevante superveniente.
c) O Direito de Propriedade, dentro do possível, deve ser exercido em consonância com
as suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,
o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, além de aspectos urbanísticos.
Contudo, por se tratar de Cláusula Pétrea, o Direito de Propriedade só pode ser limitado
nos casos expressamente previstos na Constituição Federal, nunca por leis ordinárias.
d) A propriedade do solo abrange consequentemente a das jazidas, minas e demais
recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e
outros bens referidos por leis especiais, de modo que estes bens pertencem ao
proprietário da área onde localizados os recursos minerais.

7- A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade ou de outro direito


real, através de uma posse prolongada e qualificada. Quanto a esta forma de aquisição
de propriedade, é INCORRETO dizer que:
a) A posse para fins de usucapião, além de longeva, precisa ser qualificada, ou seja, ad
usucapionem, o que significa dizer ser exercida com a intenção de dono (animus domini),
de forma mansa, pacífica e justa, ou seja, não violenta, não clandestina e não precária.

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Paulo Batista

b) Estende-se ao possuidor as causas que obstam, suspendem ou interrompem a


prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. Por isso, a usucapião é considerada
uma prescrição aquisitiva.
c) Na usucapião ordinária, mesmo que o imóvel tenha sido adquirido, onerosamente,
com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, ainda
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos
de interesse social e econômico, o prazo geral é mantido, ou seja, de 10 anos.
d) A usucapião constitucional ou especial rural será adquirida por aquele que, não sendo
proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por 5 anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva
por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. Neste caso, não há exigência
de justo título e boa-fé.

8- Os Direitos Reais imobiliários, como regra geral, são constituídos pelo seu ingresso
no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição na qual o bem está
territorialmente localizado. Sobre o registro de imóveis, é INCORRETO afirmar:
a) O registro do título aquisitivo é a principal maneira derivada e originária de aquisição
da propriedade imóvel. É o registro que implica transferência da propriedade,
possuindo, portanto, natureza constitutiva de direitos. Por isso é muito importante o
estudo de Registros Públicos, em especial a Lei 6.015/73, além de vários diplomas
normativos que regulam aspectos extrajudiciais.
b) Os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis devem ser
feitos por escritura pública, se o valor do imóvel for superior a 30 salários mínimos. Do
contrário, basta que seja um contrato particular. Ou seja, quando a lei fala “instrumento
público” está se referindo a escritura pública, lavrada perante um Tabelião de Notas.
c) Pelo sistema adotado no Brasil, a escritura pública, por si só, não transfere a
propriedade. Ela é o instrumento do contrato celebrado.
d) O Código Civil afirma que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar
o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo. A partir desse momento,
o registro é eficaz, ou seja, consagra-se o princípio da prioridade, tendo ela quem
primeiro protocolou o título junto ao registrador.

9- Sobre o achado de tesouro, e nos termos do Código Civil, é CORRETO afirmar:


a) O tesouro é depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja
memória.
b) O tesouro será dividido entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro
casualmente, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, desde que este tenha agido
de boa-fé.
c) O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou
em pesquisa que o proprietário ordenou, ou se quem encontrou o tesouro foi terceiro,
independentemente de boa-fé.

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Paulo Batista

d) Sendo o tesouro encontrado em terreno aforado, o tesouro será dividido entre o


descobridor e o enfiteuta na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, ou será deste
por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor.

10- O direito de vizinhança são limitações impostas aos titulares de direitos reais, para
que exista uma boa convivência social. É um conjunto de normas de convivência entre
titulares de direitos ou possuidores que estejam fisicamente próximos uns aos outros.
A seu respeito, é INCORRETO afirmar que:
a) As normas relativas aos direitos de vizinhança são claras limitações ao exercício da
propriedade, existindo pelo simples fato de uma propriedade ser vizinha de outra. Essas
obrigações estão vinculadas à coisa, perseguindo-a, ou seja, são obrigações propter rem
(ambulatoriais).
b) O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam o
prédio, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Existe para cessar
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, evitando-se o abuso do
direito.
c) São proibidas as interferências externas, considerando-se a natureza da utilização, a
localização do prédio. Além disso, é necessário que sejam atendidas as normas que
distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores
da vizinhança.
d) O proprietário tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a
reparação do prédio, quando ele estiver ameaçado de ruína, bem como poderá exigir
que seja prestada caução pelo perigo de dano iminente. Contudo, tal direito não se
estende aquele que seja apenas o possuidor sob ameaça de ruína do prédio vizinho.

11- O condomínio edilício possui extrema relevância no ramo do direito de


propriedade, do direito obrigacional, ambiental e urbanístico, e precisa ser estudado
com atenção, face à complexidade do instituto. Há uma forte atuação do Direito
Registral, uma vez que a instituição do condomínio ocorre com o seu registro no
Cartório de Registro de Imóveis. Sobre o condomínio edilício é CORRETO afirmar que:
a) Se houver oferta de unidades autônomas à venda durante das obras (chamada de
“venda de imóveis na planta”), o condomínio edilício surgirá desde este primeiro
momento. Com o fim das obras, concedido o habite-se, o registro do condomínio será
realizado apenas para fins tributários junto ao Poder Executivo local, com a possibilidade
de cobrança do IPTU e das respectivas taxas. Já incorporação imobiliária (Lei
4.591/1964) somente ocorrerá quando não houver oferta pública de futuras unidades
autônomas.
b) Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, haverá preferência, em
condições iguais, de qualquer dos condôminos a estranhos, e entre todos os
possuidores.
c) A jurisprudência é pacífica no sentido de que há relação jurídica consumerista entre
condômino e condomínio.

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Paulo Batista

d) A administração do condomínio é feita por pessoas e órgão relacionadas ao


condomínio e será exercida pelo síndico, pela assembleia e pelo conselho fiscal, todos
eles obrigatórios em qualquer condomínio.

12- A respeito das novas figuras de Direitos Reais introduzidas por leis extravagantes
nos últimos anos, é INCORRETO afirmar que:
a) O Condomínio em multipropriedade foi criado pela Lei 13.777/2018, sendo regime de
condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma
fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da
totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. Veja-se,
assim, que há um condomínio civil (frações ideias da área) e uma divisão também de
tempo (frações de tempo).
b) O condomínio de lotes, modalidade criada pela Lei 13.465/2017, consiste em haver,
em terrenos, partes designadas de lotes (unidades autônomas), que são propriedade
exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. Funcionam como se
fossem condomínios edilícios, mas sem a obrigatoriedade de construção das áreas
exclusivas, apenas das partes comuns.
c) Constitui-se a multipropriedade imobiliária por ato entre vivos ou testamento,
registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato
a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo. Já a transferência
deste direito e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-se-ão na forma da lei civil
e não dependerão da anuência ou cientificação dos demais multiproprietários. Nem
sempre haverá direito de preferência na alienação de fração de tempo, salvo se
estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em
multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do
condomínio em multipropriedade.
d) O condomínio de lotes assemelha-se aos loteamentos urbanos, regidos pela Lei
6.766/1979, em apenas alguns pontos, dentre eles, o fato de que ambos se dividem em
áreas públicas (ruas, equipamentos, áreas verdes, áreas institucionais) e lotes (unidades
imobiliárias).

13. A respeito das servidões e do usufruto, é CORRETO afirmar:


a) A servidão é presumida, de acordo com usos e costumes do local onde instituído o
negócio jurídico, seja inter vivos (contrato) ou negócio mortis causa (testamento).
b) São formas de constituição da servidão: (i) declaração expressa do proprietário; (ii)
testamento; (iii) sentença judicial; (iv) pelo direito de vizinhança.
c) A servidão é regida pelo princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente e se
restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-se agravar o encargo ao
prédio serviente.
d) O usufruto de bens imóveis vai ser constituído através de registro no Cartório de
Registro de Imóveis, quando não resultar de usucapião, não sendo possível transferir o

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Paulo Batista

usufruto por alienação. O que pode fazer é ceder o seu exercício, seja a título gratuito
ou oneroso. Assim, o usufruto em si é inalienável.

14- A respeito da hipoteca, é INCORRETO afirmar que:


a) A hipoteca se constitui pelo seu registro na matrícula do imóvel no cartório de registro
de imóveis, de modo que os registros e as averbações seguirão a ordem em que forem
requeridas, conforme o princípio da anterioridade registral ou da prioridade. Assim, o
título que for protocolado primeiro no registro de imóveis terá preferência sobre todos
os demais títulos contraditórios.
b) A especialização da hipoteca deve ser renovada a cada 20 anos, muito embora a
hipoteca legal não tenha prazo máximo, perdurando enquanto vigorar a situação
descrita na lei. Por outro lado, a hipoteca convencional terá o prazo máximo de 30 anos.
c) A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel.
Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o
mesmo imóvel.
d) É válida a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado, de modo a
tornar o bem hipotecado como fora do comércio.

15- A alienação fiduciária de bens imóveis é atualmente um instrumento


imprescindível para a economia brasileira, por todas as vantagens existentes em
relação à já em desuso hipoteca. A respeito da alienação fiduciária de bens imóveis, é
INCORRETO afirmar:
a) A alienação fiduciária imobiliária é um contrato de garantia que sempre será
vinculado a um contrato principal, inexistindo contrato de alienação fiduciária sem que
haja algum outro contrato principal. Ela pode ser contratada por uma pessoa física ou
jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no sistema financeiro
imobiliário. Atualmente a execução da garantia pode ser feita parcialmente no Cartório
de Registro de Imóveis, mas o título executivo precisa ser homologado judicialmente.
b) Ela pode garantir qualquer obrigação principal, não apenas contratos de mútuo.
c) São requisitos do instrumento de alienação fiduciária em garantia a ser registrado: (i)
constar o valor do principal da dívida; (ii) o prazo e as condições de reposição do
empréstimo ou do crédito do fiduciário; (iii) a taxa de juros e os encargos incidentes; (iv)
cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da
alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; (v) cláusula assegurando
ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel
objeto da alienação fiduciária; (vi) a indicação, para efeito de venda em público leilão,
do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; (vii) cláusula dispondo sobre
os procedimentos de execução extrajudicial da dívida).
d) Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida, e constituído em mora o
fiduciante, o devedor fiduciante, ou seu representante legal, será intimado, a
requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer,
no prazo de 15 dias, a prestação vencida. Se passado o referido prazo, e o devedor não

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Paulo Batista

realizar a purgação da mora, então o oficial de registro de imóveis irá promover a


averbação na matrícula do imóvel da consolidação da propriedade plena em nome do
credor fiduciário. Consolidada a propriedade em nome do fiduciário, no prazo de 30
dias, contados da data da averbação, ele promoverá público leilão para a alienação do
imóvel, já que é vedado o pacto comissório real, não sendo permitido ao credor
fiduciário ficar com a propriedade do imóvel.

COMENTÁRIOS
1 - Gabarito: B
É preciso lembrar que, ao tratar de Direitos Reais, podemos estar falando sobre coisas
móveis e imóveis. Existe uma tendência a se imaginar que apenas imóveis são objeto de
Direitos Reais. Assim, a alternativa está errada porque a regra de necessidade de registro
na serventia imobiliária se aplica a imóveis, mas direitos reais sobre coisas móveis não
se sujeitam a esta regra.

2 - Gabarito: A
Os direitos decorrentes de obrigações propter rem possuem natureza obrigacional,
pessoal. Assim, muito embora estejam vinculados a uma coisa, eles não possuem
natureza real.

3 - Gabarito: C
A Teoria Objetiva foi defendida por Ihering, não por Savigny, e foi ela a adotada pelo CC,
no seu art. 1.196.

4- Gabarito: D

Aquele que se comporta em relação de dependência para com outro, conservando a


posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de ordens ou instruções suas,
presume-se detentor, até que prove o contrário, na forma do parágrafo único do art.
1.198 do CC.

5- Gabarito: C

É possível haver posse justa e de má-fé. A posse pode não ser violenta, clandestina e
precária, mas pode conter algum vício. Nesse caso, haverá uma posse justa e de má-fé.

6- Gabarito: A

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Paulo Batista

A propriedade está relacionada a atributos de usar, corresponde à faculdade de se pôr


o bem a serviço do proprietário, de gozar (fruir), que é a faculdade de retirar os frutos
da coisa, de dispor, que significa poder de consumir o bem, de aliená-lo ou gravá-lo, ou
de submetê-lo ao serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo, e de reivindicar (reaver),
por meio de uma ação petitória, fundada no direito de propriedade. Isso se dá pela
chamada ação reivindicatória, na forma do art. 1.228 do CC.
7- Gabarito: C

Na forma do parágrafo único do art. 1.242 do CC, na usucapião ordinária, o prazo é


reduzido para de 5 anos, se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base
no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os
possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de
interesse social e econômico. Essa é a chamada usucapião tabular.

8-Gabarito: A

O registro do título aquisitivo é a principal maneira apenas derivada de aquisição da


propriedade imóvel. Quanto à aquisição originária, como a usucapião, ela dá-se de pleno
direito, com o simples implemento de seus requisitos. Neste caso, o registro imobiliário
é condição apenas de eficácia erga omnes e de disponibilidade do bem, mas não é forma
de sua aquisição.

9- Gabarito: A

O item está expressamente previsto no art. 1.264 do CC.

10- Gabarito: D

Tanto o proprietário, como também o possuidor, podem exigir do dono do prédio


vizinho a demolição, ou a reparação do prédio, quando ele estiver ameaçado de ruína,
bem como poderá exigir que seja prestada caução pelo perigo de dano iminente.

11- Gabarito: B

Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, haverá preferência, em


condições iguais, de qualquer dos condôminos a estranhos, e entre todos os
possuidores. Esta é a exata redação do art. 1.338 do CC.

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Paulo Batista

12 - Gabarito: D
Não se deve confundir condomínio de lotes com loteamento urbano.
Basicamente, os loteamentos urbanos são regidos pela Lei 6.766/1979 e se dividem em
áreas públicas (ruas, equipamentos, áreas verdes, áreas institucionais) e lotes (unidades
imobiliárias). Já no condomínio de lotes, toda a área é privada, dividida em áreas
privativas e comuns. São institutos juridicamente distintos em absoluto, mas tal
distinção somente é constatada ao examinar os atos de sua criação no Cartório de
Registro de Imóveis. Olhando ambos apenas pelo seu aspecto físico, não será possível
saber se se trata de loteamento ou de condomínio de lotes.

13- Gabarito: C.

De fato, vale quanto à servidão o princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente e


se restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-se agravar o encargo ao
prédio serviente. Assim, presume-se sempre menos onerosa a servidão, interpretando-
se restritivamente os seus limites.

14- Gabarito: D
O art. 1.475 do CC é expresso ao dizer que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar
imóvel hipotecado. Portanto, o imóvel hipotecado não se torna bem fora do comércio e pode
ser vendido ou doado, mas a hipoteca irá acompanha-lo, sendo um direito de sequela.

15- Gabarito: A
Está prevista na Lei 9.514/1997 e atualmente a execução da garantia pode ser feita
integralmente no Cartório de Registro de Imóveis.

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Matheus Zuliani

CAPÍTULO 7 — RESPONSABILIDADE CIVIL

1. DISPOSIÇÕES GERAIS E CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra responsabilidade advém da expressão latina spondeo, em que se criava um


elo entre o devedor e os contratos verbais do direito romano.
Há diversas acepções da palavra responsabilidade. Para o direito civil, a
responsabilidade é consequência do descumprimento de um dever, seja ele contratual ou de
não lesar outrem (extracontratual).
Ao lado da responsabilidade existe o dever de indenizar. Eles vão estar juntos, sendo
muitas vezes utilizados como sinônimos. Isso porque ao se afirmar a responsabilidade civil da
pessoa, inerente a ela será o dever de indenizar. A indenização é a consequência do
reconhecimento da responsabilidade civil. Se não há responsabilidade não há indenização.
Ênio Santarelli Zuliani, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
tece considerações sobre a tutela indenizatória42:

Não custa enfatizar que o modo de se obter justiça foi aperfeiçoado, para melhor,
com as novas técnicas processuais, graças aos tipos de tutelas que são possíveis de
serem emitidas para garantir o resultado prático protegido pelo direito. Todavia, e
quando, apesar de tudo, o dano se evidencia com a sua força perturbadora,
remanesce ao lesado a oportunidade de alcançar a indenização que reconstrua o
patrimônio deficitário ou que compense a dor moral em caso de ofensa a direitos da
personalidade. A tutela indenizatória é instituída pela sentença condenatória, o que
anima escrever ser fruto de uma reprovação da conduta. O juiz condena porque
reconhece como devida a obrigação de ressarcimento, e isso, invariavelmente,
decorre de valoração da antijuridicidade, quer no aspecto subjetivo (culpa) ou
objetivo (fato e serviços que pressupõem responsabilidade).

A regra, na responsabilidade civil, é a de que o causador do dano responde pelo ilícito


praticado com seu patrimônio. A responsabilidade civil é patrimonial. Não há prisão civil por
dívida, salvo dívidas de alimentos (art. 5º, LXVII, Constituição Federal). O STF declarou (RE
349.703 e 466.343) a ilegalidade da prisão do depositário pela infidelidade do depósito e
preserva esse entendimento (HC 92.817-RS), o que conduziu o STJ a estender a ilegalidade da
prisão em caso de depositário infiel em depósito judicial (HC 138457 SP, DJ de 27.10.2009 e HC
123281 SP).
Só que essa regra evoluiu e muito até chegar aos dias contemporâneos. No direito
romano, o devedor respondia pelo próprio corpo pela dívida contraída e não paga (legis actio
per manus injectione) - “visto não me haveres pago a dívida eu lanço a mão sobre ti”. (Lei das XII
Tábuas). A execução sobre a pessoa do devedor foi abolida a partir da Lex Poetelia Papiria, ano
428 de Roma ou 326 antes de Cristo43.
Com isso, verifica-se que a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual. A
responsabilidade civil contratual é aquela que surge em razão do inadimplemento de uma
obrigação contratual. O ilícito extracontratual, também conhecido como responsabilidade

42
ZULIANI, Ênio Santarelli – Tutelas e prescrição in Responsabilidade Civil na Área da Saúde – Série GV
law Editora Sairava.
43A lex Poetelia Papiria foi consequência de uma revolta da plebe, uma insurreição contra os maus-tratos infligidos a

um jovem, Lúcio Paírio, que estava em estado de nexus (quase escravidão], devido a um empréstimo que seu pai
contraíra e não pagara, porque este, no exercício da pátria potestas, o entregara ao credor” Obrigações no direito
romano. Texto de ALFREDO BUZAID (do concurso de credores no processo de execução, Saraiva, 1952, p. 43]

298

301
Matheus Zuliani

aquiliana44, é a ofensa a um dever jurídico de não lesar outrem (princípio alterum non
laedere ou neminem laedere). Encontra previsão no art. 186 do Código Civil que diz: “Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Essa classificação retrata o modelo
dual ou binário, e sua tendência é não mais existir, passando a unificação, uma vez que princípios
e regramentos básicos são os mesmos, a exemplo do que já faz o Código de Defesa do
Consumidor.
Além da responsabilidade contratual e extracontratual, existe também a
responsabilidade subjetiva e a responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil subjetiva
é a regra do nosso ordenamento jurídico, enquanto a responsabilidade civil objetiva é a exceção.
Veremos, mais adiante, os pressupostos da responsabilidade civil. Em resumo, são quatro: a ação
ou omissão, dolosa ou culposa, o nexo de causalidade e o dano. Na responsabilidade civil
subjetiva é preciso que esses quatro elementos estejam presentes. No que tange a
responsabilidade civil objetiva, o Código Civil, no art. 927, parágrafo único, dispõe que ela terá
vez quando a lei dispuser, ou então, quando envolver atividade de risco. Para que haja a
responsabilidade objetiva se faz necessário apenas três dos pressupostos da responsabilidade
civil, dispensando-se a comprovação da culpa, uma vez que, nessa modalidade, ela é presumida.
No que tange a responsabilidade civil objetiva, é preciso que se façam algumas
observações.
O parágrafo único do art. 927 do Código Civil diz que haverá obrigação de reparar o
dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem.
Perceba aqui que a responsabilidade poderá independer de culpa, e ser objetiva,
quando a lei disser que ela é objetiva, ou então, quando a atividade for de risco. O que é uma
atividade perigosa? Trata-se de uma cláusula geral, em que o seu conceito será preenchido pelo
juiz diante do conceito social da época em que ocorrer o fato. Trata-se da aplicação da teoria das
janelas abertas ou das cláusulas abertas.
Risco é uma iminência de dano ou de prejuízo. Trata-se de uma situação acima da
normalidade. O risco está acima de uma situação de normalidade, mas está abaixo de uma
situação de perigo. Veja que a lei não exige o perigo, mas tão somente o risco. Se houver perigo,
certamente há risco.
Sobre a teoria do risco, é possível se falar em risco administrativo, risco criado, risco do
proveito, risco integral.

2. DOS ELEMENTOS OU PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Embora pareça não existir unanimidade na doutrina no que tange aos elementos que
estruturam a responsabilidade civil, o que prevalece é que são eles a ação ou omissão, a culpa
ou dolo do agente (culpa em sentido amplo), o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo.

44“Por volta do final do século III a.C., um Tribuno da Plebe de nome Aquilius, dirigiu uma proposta de lei aos Conselhos

da Plebe, com vistas a regulamentar a responsabilidade por atos intrinsecamente ilícitos. Foi votada a proposta e
aprovada, tornando-se conhecida pelo nome de Lex Aquilia. A Lex Aquilia era na verdade plebiscito, por ter origem
nos Conselhos da Plebe. É lei de circunstância, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegiam contra os
prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas terras. Antes da Lei Aquília imperava o regime da Lei das
XII Tábuas (450 a.C.), que continha regras isoladas” (César Fiuza in Por uma nova teoria do ilícito civil].

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Matheus Zuliani

3. DA CONDUTA HUMANA

Para que se possa falar em responsabilização, mesmo que na esfera civil, é preciso que
haja uma conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva. Dessa afirmação se extrai que não
se admite a responsabilização civil por conduta de animais.
Esse comportamento humano precisa ter uma carga de consciência. Sem que a pessoa
esteja consciente, não há como existir o dever de indenizar. Nesse sentido, o ato praticado pelo
sonâmbulo é desprovido de consciência, e, por isso, não gera o dever de indenizar.
Da mesma forma, além da consciência, é preciso que haja voluntariedade. Muitos
doutrinadores citam o exemplo do doutrinador Italiano Giuseppe Bettiol, que escreveu sobre o
direito penal:

Pessoa está no museu apreciando uma obra de arte. Naquele momento um vaso em
seu nariz se rompe e essa pessoa, instintivamente, espirra no quadro o sangue,
causando dano. Isso não é uma conduta humana. Não há voluntariedade na resposta
que o organismo deu ao nariz do agente.

Nesse ponto é importante mencionar que o elemento da responsabilidade civil é a


conduta humana. Não se fala em conduta ilícita, nesse primeiro momento. A razão é porque a
ilicitude é vista no enfoque geral, e não apenas na conduta. Outro ponto é que,
excepcionalmente, é possível que uma conduta lícita gere o dever de indenizar, como o estado
de necessidade agressivo (CC, art. 188, II).

4. DA CULPA EM SENTIDO AMPLO

A culpa lato sensu, também conhecida como culpa em sentido amplo ou genérica,
engloba tanto dolo quanto a culpa em sentido estrito.
Dolo é a violação intencional, ou seja, é a vontade e consciência de praticar uma
conduta. No direito civil, o dolo tem o mesmo tratamento da culpa grave, respondendo o
indivíduo pelos danos que causou em sua totalidade.
A culpa em sentido estrito, apesar de existir o desrespeito a uma norma, não há a
violação intencional desse dever. Portanto, na culpa há uma conduta voluntária, mas se chega a
um resultado involuntário. Todavia, o resultado era previsível, razão pela qual houve uma
violação aos deveres objetivos de cuidado.
A doutrina fala em graus de culpa, divisão essa que nasceu diante da redação do art.
944 do Código Civil, permitindo-se, diante da gravidade, a redução equitativa da indenização.

Tradicionalmente, divide-se a culpa, quanto à sua intensidade ou gravidade, em três


graus: grave, leve e levíssima. Na culpa grave, afirma-se, o autor, embora não tenha
agido com a intenção de causar o dano, comportou-se como se o tivesse querido, daí
equiparar-se ao dolo. A culpa leve, por sua vez, corresponderia à falta de diligência
média, que um homem normal empregaria em sua conduta. E a culpa levíssima, por
fim, diria com a conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentíssimo
pater familias, especialmente cuidadoso, observaria 45.

Também existe a divisão em modalidades de culpa. Desta feita, podemos dizer que a
culpa em sentido estrito se traduz nos conceitos de negligência, imprudência e imperícia.

45BANDEIRA, Paula Greco in A evolução do Conceito de Culpa e o artigo 944 do Código Civil - Revista da EMERJ, v. 11,
nº 42, 2008.

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Matheus Zuliani

A negligência é a falta de cuidado pela omissão. É o sujeito que causa dano, porque o
carro derrapa na pista, batendo no carro estacionado, eis que os pneus estavam carecas, ainda
que estivesse em baixa velocidade. A imprudência é falta de cuidado somado a uma ação. É o
agir sem tomar as cautelas necessárias. É o sujeito que emprega velocidade acima do permitido.
Por fim, a imperícia é falta de habilidade, própria dos profissionais liberais. Ex.: médico que faz
cirurgia sem ter habilitação para fazer cirurgia. A presença de uma dessas modalidades não
exclui a outra. É possível que haja na mesma situação negligência e imprudência, como é o caso
em que o sujeito corre a 200 km/h na avenida, chovendo e com pneus carecas.
Pergunta-se: porque o art. 186 do Código Civil não fala explicitamente sobre a
imperícia?
A imperícia é a imprudência técnica, diante disso, o fato de o artigo não a ter
mencionado não faz falta para fins de responsabilização.
O Código Civil de 2002 aboliu a característica subjetivista que tinha o Código de
Beviláqua. É claro que a responsabilidade baseada na culpa ainda existe, sendo ela a regra,
inclusive. No entanto, a objetividade ganhou espaço. O Código Civil trouxe a responsabilidade
por atos de terceiros, que será estudada em tópico próprio. No Código Civil de 1916, esse tipo
de responsabilidade era baseada na culpa in eligendo, in vigilando e in custodiano. A culpa in
eligendo era a culpa ao eleger, ou seja, a culpa do empregador em relação à conduta do
empregado. A culpa in vigilando era a culpa daquele que tinha o dever de vigiar, como a conduta
dos pais em relação aos filhos, do tutor e curador em relação aos pupilos e curatelados. Por fim,
a culpa in custodiano se caracterizava pela ausência de atenção e cuidado em relação a coisa ou
animal que se encontrasse sob a guarda do agente.
Por último, ainda tratando do tema da culpa, existe a questão da compensação de
culpa. Essa compensação de culpas é avaliada na fixação da indenização. O art. 945 do Código
Civil dispõe que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do
autor do dano”.
O juiz aplica muito a compensação de culpa em casos de acidente de trânsito, onde há
culpa de ambos os condutores.

5. DO NEXO DE CAUSALIDADE

O nexo de causalidade é um elemento imaterial da responsabilidade civil (Aguiar Dias).


É a relação de causa e efeito, entre a conduta culposa e o dano suportado. A professora Giselda
Hironaka diz que o nexo de causalidade é como um fio com duas tomadas, uma em cada ponta.
Uma liga à conduta e outra ao dano.
A responsabilidade civil, ainda que objetiva, não existe se não houver relação de
causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
Acerca do nexo de causalidade existem várias teorias para defini-lo. Dentre elas, as
mais relevantes para o direito civil são a teoria das equivalências das condições, a teoria da
causalidade adequada, e por fim, a teoria do dano direito e imediato.
Pela teoria das equivalências das condições todos os fatos diretos ou indiretos geram
a responsabilidade civil. É a teoria sine qua non. Assim, o fabricante da arma responde pelo
homicídio que foi praticada com ela, e assim, por diante, até ao infinito. Essa teoria não foi
adotada pelo sistema civil, pois amplia muito o nexo de causalidade.
Pela teoria da causalidade adequada o fato relevante ao evento é o que gera a
responsabilidade civil. Isto é, existe nexo de causalidade quando há fato relevante para causação
do dano. Estaria prevista nos arts. 944 e 945 do Código Civil. Somente o fato relevante para o

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Matheus Zuliani

evento danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser fixada de acordo com a
contribuição causal. Essa teoria foi desenvolvida por um jurista alemão chamado Von Kries.
Existe um enunciado da Jornada de Direito Civil que não exclui a aplicação de tal
teoria46.
No que tange a teoria do dano direito e imediato, somente devem ser reparados os
danos que decorrem dos efeitos necessários da conduta do agente. Os efeitos necessários
decorrentes daquela conduta são os que podem ser imputados àquele sujeito. É a ideia do art.
403 do Código Civil. Alguns doutrinadores entendem que é essa a teoria que se aplica.
Agostinho Alvim, jurista responsável pelo livro do direito das obrigações, explica sobre
a teoria:
Dessa forma, para Agostinho Alvim, mesmo que remota, indireta ou mediata, uma
condição é considerada causa necessária se o dano “a ela se filia necessariamente”, ou seja, se a
condição for “causa única” do dano, se “opera(r) por si, dispensadas outras causas”. Em outras
palavras, causa necessária é a que explica o dano: “Assim, é indenizável todo o dano que se filia
a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra
que explique o mesmo dano” (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas
consequências, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 372).

6. DAS EXCLUDENTES DO NEXO DE CAUSALIDADE

As excludentes do nexo de causalidade são fatores que ceifam a ocorrência do nexo de


causalidade, não deixando o elo entre a conduta culposa (em sentido amplo) e o dano se
materializar. São eles a culpa exclusiva da vítima. A culpa exclusiva de terceiro e o caso fortuito
e a força maior.
Nos casos de culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, responsabilidade
subjetiva recai inteiramente sobre a vítima ou sobre o terceiro, de forma que causou o dano não
será responsabilizado. Nessa senda, a vítima é a única e exclusivamente responsável pela
ocorrência do dano. O mesmo raciocínio se aplica ao terceiro.
Sobre a culpa de terceiro, mister se faz ressaltar um caso específico em que essa
excludente não tem incidência. Trata-se do contrato de transporte de pessoas. O art. 735 do
Código Civil diz que “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o
passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”.
A respeito do caso fortuito ou da força maior, não há unanimidade sobre o conceito de
caso fortuito ou força maior. Flávio Tartuce diferencia, estabelecendo que caso fortuito é um
evento totalmente imprevisível, decorrente de ato humano ou evento natural, enquanto a força
maior é um evento previsível, mas inevitável. Ex.: furacão. Sabe-se que virá, mas é inevitável.
Pontes de Miranda entendia que os conceitos são sinônimos e querem dizer um evento
não previsto pelas partes.
Dispõe o art. 393 do Código Civil que:

Art. 393: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,


cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

46Enunciado 47 da I Jornada de Direito Civil: “O art. 945 do novo Código Civil, que não encontra correspondente no
Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada”.

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Matheus Zuliani

Essas excludentes do nexo de causalidade devem ser analisadas caso a caso. É preciso
verificar se naquele evento se está diante de um caso fortuito ou força maior, ou se decorre do
risco do empreendimento, o chamado risco proveito, ou seja, se não há relação com a atividade
do suposto causador do dano. Nessa hipótese não há exclusão do nexo de causalidade. Também
são denominados de eventos internos (fortuito interno).
Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 479, que dispõe: “As instituições financeiras
respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos
praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Já o fortuito externo é aquele que não tem qualquer relação com a atividade
desenvolvida ou risco do empreendimento. Dessa forma, podem ser consideradas com
excludentes da responsabilidade (do nexo de causalidade).
Esse tema de fortuito interno e fortuito externo gera muita polemica na jurisprudência.
Nesse sentido, é importante acompanhar o que o STJ tem entendido a respeito do rompimento
do nexo de causalidade, e por consequência, a quebra do dever de indenizar.
Roubo a ônibus: havia divergência entre a 3ª e a 4ª turmas do STJ. Alguns diziam que a
empresa podia evitar. Porém, como a empresa poderia fazê-lo? Colocando detector de metais?
O STJ passou a entender, e consolidou o entendimento, de que o assalto a ônibus é um evento
externo e se enquadra nos casos de caso fortuito e força maior, caso em que a empresa não
responde (STJ - REsp 783.743/RJ).
Roubo a banco: o Roubo no interior da instituição financeira se encaixa no risco do
empreendimento. O banco tem um ambiente de risco, assim é seu dever oferecer segurança aos
consumidores. Assalto a banco é evento interno, entra no risco do empreendimento, portanto,
o banco tem responsabilidade STJ - REsp. 694.153/PE).
Roubo em Shopping: o roubo dentro de shopping center é um caso bem divergente na
jurisprudência. O cidadão que é vítima de roubo dentro do shopping deve ser indenizado, uma
vez que a empresa deve providenciar segurança aos clientes, afinal, é esse o diferencial que eles
vendem no cotejo com o comércio aberto. Segundo jurisprudência do STJ, o assalto a shopping
é evento interno, portanto, a empresa responde (STJ - REsp. 582.047/RS).
Ainda dentro do tema, existem questões que atenuam o nexo de causalidade, sem,
contudo, excluí-lo. Nesse caso, há responsabilidade civil, contudo, com redução do quantum
indenizatório.
O principal fator atenuante é a culpa ou fato concorrente da vítima. Dispõe o art. 944
do Código Civil que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. O parágrafo único
complementa dizendo que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.
Por fim, o art. 945 do Código Civil explica que “se a vítima tiver concorrido
culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a
gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.

7. DO DANO OU PREJUÍZO

O dano ou prejuízo é a lesão causada ao patrimônio da pessoa. A lesão que


mencionamos pode ser uma lesão material ou imaterial.
O dano assume um papel fundamental em matéria de responsabilidade civil.
O dano indenizável precisa ser certo, não podendo ser abstrato ou simplesmente
hipotético. O “aborrecimento” não se indeniza. Isso porque ele caracterizaria um dano

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Matheus Zuliani

hipotético. A fronteira entre o aborrecimento e o dano é tênue, mas o aborrecimento não se


indeniza.
Antigamente somente se cogitava em danos materiais e danos morais. Com o passar
do tempo e a evolução da sociedade, exigindo que o direito a acompanhe, foram surgindo outras
modalidades de dano.

8. DO DANO MATERIAL

O dano material é a lesão ao patrimônio material da vítima. Não somente, lesão ao


bem corpóreo que ele possui. Nessa modalidade de dano, a regra é a necessidade de
comprovação do dano, não se admitindo que o dano material seja presumido.
Excepcionalmente, a jurisprudência tem permitido a presunção de dano material nos
casos de compromisso de compra e venda de bem imóvel em construção. Quando o construtor
atrasa a entrega das chaves para além do prazo de prorrogação de 180 dias, nasce para o
promitente comprador, o direito de ser indenizado pelo dano material experimentado.
Geralmente esse dano material é a compensação pelo fato de que a pessoa poderia ter alugado
ou deixado o aluguel. Nesse caso, a jurisprudência entende que o dano material é presumido,
ou seja, não precisa o promitente comprador demonstrar que tinha proposta de alugar o bem,
ou então, que pagava aluguel durante a construção.
O dano patrimonial pode ser classificado em danos emergentes (danos positivos) e
lucros cessantes. O primeiro é o que efetivamente se perdeu com o dano. Ex.: houve um
homicídio, situação na qual a família gastou com hospital, funeral, etc. A família tem o direito de
ser reembolsado por estas despesas. Lucros cessantes (danos negativos), por sua vez, é aquilo
que efetivamente se deixou de ganhar. Ex.: no caso do homicídio, é a prestação de alimentos
indenizatórios, ou seja, é o valor que o sujeito estaria contribuindo para a sua família, mas que
agora não pode mais. Existem lucros e rendas cessantes.
O taxista, quando fica na oficina por conta de um dano experimentado, ficará sem
trabalhar. Se o valor da reparação do carro foi 3 mil reais, isto será dano emergente. Todavia,
durante o período que o sujeito ficou sem trabalhar ele não ganhou, devendo receber os danos
negativos, ou seja, os lucros cessantes por aquilo que não recebeu durante o período.
O pensionamento, nome que recebe a indenização de dano material que sofre a família
ou a própria vítima, em razão da perda do trabalho, também se indeniza. Para se chegar ao valor
da indenização, primeiro se chega à expectativa de vida da vítima. Para se chegar a esse dado,
utiliza-se a informação do IBGE. Após isso, o STJ entende que a indenização deve levar em conta
somente a fração de 2/3 do salário da vítima. Isso porque se presume que 1/3 ela gasta com ela
mesma. Portanto, 2/3 irão para os dependentes da vítima, mais FGTS, décimo terceiro, férias,
horas extras eventuais, até o limite da idade de expectativa de vida provável da vítima.
Supondo que o acidente tenha atingido uma vítima que já tinha ultrapassado este
limite de idade de vida provável, trazido pelo IBGE. Ex.: atropelaram o senhor de 80 anos na faixa
de pedestre. Nesse caso, faz-se um cálculo de sobrevida, de acordo com as condições gerais
daquele sujeito. Não somente, esse cálculo poderá variar de 2 a 5 anos, ou até maior.
Questiona-se: e se a vítima era autônomo e não tinha meios de comprovar os ganhos?
Nesse caso o STJ entende que deve ser presumido o ganho de um salário mínimo vigente.
Em alguns casos, o STJ tem quebrado esta regra de que a indenização deverá ser fixada
com base na vida provável da vítima falecida. Exemplo disso ocorre nos casos em que a vítima é
o filho da família. Ex.: filho teria 17 anos quando faleceu. Nesse caso, ele contribuiria para família
até certa idade. Nos casos em que falece o pai da família, o qual tinha 54 anos e o filho tinha 17

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Matheus Zuliani

anos. Nesse caso, o filho não vai ficar recebendo do pai até o fim da vida provável, mas apenas
até os 24 ou 25 anos, que é o limite da relação de dependência.
Existe, ainda, a hipótese em que o falecimento é de filho menor impúbere. Neste caso,
a Súmula 491 do STF estabelece que é indenizável o acidente que cause a morte de filho menor,
ainda que não exerça trabalho remunerado47.
O cálculo dessa indenização é feito com base num salário mínimo, contabilizando 2/3
no período em que o menor teria entre 14 a 24 anos, supondo que ajudaria a família.
No entanto, existem julgados que defendem alimentos indenizatórios aos pais,
inclusive após este período. Nessa situação, em que o indivíduo atinge 24 ou 25 anos, presume-
se que ele teria casado, hipótese que passará a contribuir com 1/3 de seus rendimentos.
Flávio Tartuce critica essa visão do STJ, alertando que isto não é a realidade brasileira.
Para ele, a pessoa com 25 anos, como regra geral, não contribui com mais nada para sua família.
Segundo o STJ, na responsabilidade civil extracontratual, se houver a fixação de
pensionamento mensal, os juros moratórios deverão ser contabilizados a partir do vencimento
de cada prestação, e não da data do evento danoso ou da citação.
Não se aplica ao caso a Súmula 54 do STJ, que somente tem incidência para
condenações que são fixadas em uma única parcela. Se a condenação for por responsabilidade
extracontratual, mas o juiz fixar pensão mensal, neste caso, sobre as parcelas já vencidas
incidirão juros de mora a contar da data em que venceu cada prestação. Sobre as parcelas
vincendas, em princípio não haverá juros de mora, a não ser que o devedor atrase o pagamento,
situação na qual os juros irão incidir sobre a data do respectivo vencimento. Esse tema foi objeto
do informativo 580 do STJ.
O dano moral é a lesão ao direito de personalidade da pessoa.
A angústia, o sofrimento ou a dor são efeitos do dano moral. Esses eram os requisitos
imprescindíveis para a existência do dano moral. No entanto, a jurisprudência foi banalizando o
dano moral, permitindo-se que situações em que não houve angustia, sofrimento ou dor
gerassem indenização. Isso porque o dano moral é configurado a lesão de direitos da
personalidade. Tanto é que a indenização por danos morais, quando começou a ser aplicada no
Brasil, tinha a finalidade de amenizar a dor sofrida com a pecúnia recebida, sabendo que o
dinheiro nunca iria fazer a dor passar, mas sim, ajudar a esquecê-la, proporcionando momentos
de prazer.
Se estiver presente o sentimento negativo, poderá ou não gerar dano moral.
Demonstrada a ocorrência da ofensa, não é preciso comprovar que essa ofensa gerou
dor, angústia ou sofrimento para configuração do dano moral. Diante disso, em algumas
situações entende-se que o dano moral é presumido. Esse dano moral presumido recebe o nome
de dano moral in re ipsa.
No dano moral não existe uma finalidade de acréscimo patrimonial, tanto é que não
incide imposto de renda sobre esta indenização. Esse entendimento, inclusive, é sumulado pelo
STJ.48
Alguns doutrinadores defendem o dano moral e dano moral direto e indireto. No dano
moral direto a lesão atinge a própria pessoal, diretamente. O sujeito inscreveu o nome do lesado
nos cadastros de inadimplentes. Noutro giro, no dano moral indireto há um dano em ricochete,
atingindo, também, uma terceira pessoa. Isto é, o dano moral que atinge a pessoa de forma

47 Súmula 491 do STF: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho

remunerado”.
48 Súmula 498 do STJ: “Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”.

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Matheus Zuliani

reflexa. Por exemplo, por conta da atitude imprudente alguém é morto. Há um dano moral à
família do lesado. Veja, um terceiro experimentou o dano moral por um fato ocasionado a outra
pessoa. Ex.: uso indevido da imagem do morto ou lesão à honra do morto.
É preciso tecer comentários acerca do arbitramento do dano moral. Nota-se que não
há, no nosso ordenamento jurídico, o tabelamento do dano moral. Se a indenização por dano
moral fosse tabelada isso facilitaria o ofensor a prever a sua conduta e colocar na balança os pós
e os contras da prática de um ilícito. Nesse contexto, ficou a cargo do Magistrado arbitrar a
indenização quando ocorrer ofensa ao direito de personalidade.
Acerca da fixação da indenização o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo Ênio Santarelli Zuliani, pai do autor que vos escreve, ensina:

O arbitramento é um ato de consciência jurídica e o juiz deve mentalizar, em primeiro


lugar, a situação da vítima (a extensão do dano e sua repercussão na esfera íntima
do indivíduo e no aspecto social). Esse é um exercício que se cumpre examinando as
condições pessoais do lesado, sua capacidade de autodeterminação diante da
gravidade do fato e do trauma que um ser humano dotado de personalidade
mediana (entre o fraco e o forte) suporta, bem como a perspectiva de superação com
o poder do dinheiro a ser pago (ZULIANI, Ênio Santarelli in Direitos in Particularidades
do Arbitramento do Dano Moral Na Responsabilidade Civil do Estado –
Responsabilidade Civil do Estado, Desafios Contemporâneos – Editora QuartierLatin).

O STJ49 também adotou um critério bifásico de arbitramento do dano moral. Na


primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o
interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram
casos semelhantes. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para
fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento
equitativo pelo juiz.
Sobre a natureza jurídica da indenização por danos morais, existem três correntes que
tentam defini-la.
A primeira corrente entende que a indenização de danos morais tem a natureza
meramente reparatória. Está superada. A segunda, por sua vez, defende que a indenização por
danos morais tem caráter punitivo ou disciplinador (punitive damages). A ideia é punir alguém
pelo fato de ter violado um direito da personalidade. Essa teoria não foi adotada, embora
existam alguns julgados que a mencionem. Veja, os EUA adotam essa teoria. Em um caso de
1990 (BMW vs Gore) a BMW foi condenada, em última instância, ao pagamento de uma
indenização por 2 milhões de Dólares pelo fato de vender veículos zero quilômetros com uma
repintagem parcial50. No Brasil, o TJSP reduziu a indenização por danos morais e materiais contra

49
STJ - REsp nº 1152541 / RS e REsp nº 710879 / MG.
50“Em 1.990, Gore comprou um automóvel novo numa Concessionária BMW, na cidade de Montgomery, Alabama.
Nove meses após a compra, detectou que o veículo passara por uma repintagem parcial antes de ser vendido como
novo. Revoltado com a descoberta Gore demandou judicialmente contra a BMW, alegando falha no dever de
informação. A montadora BMW admitiu tal prática em 1.000 (um mil) veículos para revenda nas concessionárias da
marca sem informações aos distribuidores. Na sua demanda, Gore conseguiu provar uma desvalorização inicial do
veículo em US$ 4.000 dólares com a repintura e foi recompensado nesse montante pela não informação da BMW. E,
a montadora alegou o dano presumido que fora causado por chuva ácida durante o transporte do veículo da
Alemanha para os Estados Unidos. Mas, a demanda de Gore incluía um pedido de indenização punitiva de US$ 4
milhões de dólares (valor da desvalorização unitária multiplicado pelo número de veículos repintados), que foi
acolhido pelo júri do Tribunal de Birmingham, restando na condenação da BMW nesse valor, a título de punitive
damages pela política de não informação e omissão fraudulenta. Inconformada, a BMW apelou perante a Suprema
Corte do Estado do Alabama, pleiteando a modificação da decisão quanto à imposição da indenização punitiva. Esta
corte reduziu a condenação para US$ 2 milhões, por entender que caberia deliberar somente pelos veículos vendidos
no Estado de Alabama. Novo recurso interposto na Suprema Corte dos Estados Unidos, que para resolver a questão
e ratificar entendimento a ser aplicado a futuros casos de punitive damages estabeleceu três parâmetros gerais

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a BMW pela morte do Cantor João Paulo (aquele que fazia dupla com Daniel), para R$ 300 mil
reais, por um suposto defeito na roda. O STJ ainda não analisou o caso, embora o TJSP tenha
reconhecido uma culpa parcial do cantor na condução do veículo. Veja a gravidade dos fatos e
o valor da indenização. Conclui-se que o Brasil não adota essa teoria.
Por fim, a terceira defende que a indenização por danos morais tem caráter
compensatório, caráter reparatório, mas também tem um caráter pedagógico, disciplinador,
visando coibir novas condutas. Não pode ser ínfima a indenização a fim de fomentar a prática
ilícita pelo ofensor. Esta é a corrente que prevalece.
Por fim, para concluir a indenização por danos morais, segue alguns casos que o STJ
tem enfrentado.
A presença de corpo estranho dentro de embalagens gera o dever de indenizar?
A presença de corpos estranhos encontrados dentro das embalagens de alimentos
gera ao consumidor o direito à indenização. A concessão de danos materiais é pacífica na
doutrina e na jurisprudência, tendo o consumidor o direito de ser reparado pelo valor pago no
produto viciado. A questão ganha certa controvérsia no que concerne à concessão de danos
morais. A jurisprudência majoritária tem concedido indenização por danos morais quando o
consumidor se depara com corpos totalmente estranhos ao alimento que ali deveria constar. O
Colendo Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização por danos morais à consumidora
que encontrou um preservativo masculino dento do frasco de molho de tomate51. Em outro caso
a mesma corte superior concedeu indenização ao consumidor que se deparou com uma barata
dentro da lata de leite condensado52. O STJ tinha posição de que a indenização por danos morais
apenas tinha sentido se o alimento era ingerido pelo consumidor. Agora, o STJ fez a revisão de
sua posição, adotando a posição que já era firmada pela Ministra Nancy Andrighi, ou seja, de
que a compra de produto alimentício que contenha corpo estranho no interior na embalagem,
ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, expõe a saúde do consumidor a risco e, como
consequência, dá direito à compensação por dano moral, em virtude da ofensa ao direito
fundamental à alimentação adequada, resultante do princípio da dignidade da pessoa
humana53.
Questiona-se: a espera na fila do banco gera indenização por dano moral?
O ordenamento jurídico vigente autoriza que se legisle acerca do tempo máximo
permitido ao consumidor para aguardar em fila de atendimento de instituição financeira, sob
pena de ultrapassado esse tempo o banco indenizar o consumidor lesado. Entretanto, a
jurisprudência, de forma acertada, concluiu que não basta apenas ultrapassar o tempo máximo
de limite imposto pela legislação. Deve-se, todavia, existir algum fato atrelado à demora no
atendimento que possa causar ao consumidor lesão ao seu direito de personalidade, como
colocar em risco à saúde do consumidor. Apenas a espera por atendimento bancário, por tempo
superior ao previsto na legislação municipal ou estadual, não gera indenização por dano moral,

(incorporados na Due Process Clause of the Fourteenth Amendment to the United States Consitutition) para aferição
do quantum indenizatório: o grau de repreensão da conduta, a relação entre os danos compensatórios e os punitivos
e, por fim, a magnitude de sanções civis e criminais por condutas similares (que na época eram de US$ 2 mil dólares).
Ao final, a condenação reformada ficou em US$ 50 mil dólares, correspondente ao valor de um novo veículo. Tal
decisão confirmou um “enorme exagero” (gross excessiveness) na condenação e pacificou entendimento sobre a
matéria, constituindo um relevante precedente judicial, ao admitir a limitação do valor das punitive damages a bases
constitucionais. (Moraes, op. Cit., p. 240-245)”. SAMPAIO, Carla A. B. Aplicação da Teoria dos Punitive Damages às
Relações Trabalhistas. Monografia de Graduação em Direito. Faculdade Baiana de Direito, Salvador/BA, 2016.
51 STJ - REsp 1.317.611/RS – Relatora. Ministra. Nancy Andrighi – julgado em 12/6/2012 – informativo n. 499.
52 STJ – REsp 1.239.060/MG – Relatora Ministra - Nancy Andrighi - publicado no DJe de 10/5/2011.
53 STJ – REsp 1768009 – julgado em maio de 2019 – Ministra Nancy Andrghi.

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Matheus Zuliani

figurando, apenas, um desconforto54. No entendimento do STJ, a longa espera em fila de banco


é irregularidade administrativa.

8.1 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

A doutrina, há alguns anos, vem defendendo a possibilidade de responsabilidade civil


pela perda injusta e intolerável do tempo útil. A decisão na Teoria do Desvio Produtivo do
Consumidor, que

se evidencia quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento,


precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade
necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo
fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável 55.

A pessoa jurídica sofre dano moral?


O tema está pacificado na jurisprudência e no código civil caminha neste sentido ao
estipular, no art. 52, que se aplica à pessoa jurídica, no que couber, os direitos da personalidade.
Portanto, o Código Civil vai reconhecer a existência de direitos da personalidade em
favor da pessoa jurídica.
Se ela tem direitos da personalidade, e se o dano moral é violação aos direitos da
personalidade, quer dizer que, se a pessoa jurídica sofrer violação em um de seus direitos da
personalidade, haverá sofrido dano moral, cabível indenização neste sentido.
Normalmente atinge a honra objetiva da pessoa jurídica. Ex.: inscrição indevida em
cadastro de inadimplentes da pessoa jurídica.
São alguns direitos da personalidade da pessoa jurídica: direito ao nome, direito à
honra objetiva, direito à imagem, etc.
Inclusive, o STJ editou a súmula 227 que diz “A pessoa jurídica pode sofrer dano
moral”.
O STJ também decidiu a respeito do cabimento ou não de indenização por danos
morais em benefício de pessoa jurídica de direito público. Ocorre que o STJ entendeu que não
são cabíveis. O fundamento é a origem do instituto do cabimento da indenização por danos
morais. Como se sabe, o dano moral busca proteger os direitos fundamentais. E a origem dos
danos fundamentais está ligada à necessidade de se proteger o cidadão do Estado. Por isso,
tanto a doutrina como a jurisprudência somente irão reconhecer às pessoas jurídicas de direito
público direitos fundamentais de caráter processual ou que assegurem a ela a sua autonomia.
Veja, são direitos fundamentais que asseguram proteção ao Estado contra o próprio
Estado. Para o STJ, não cabe ao Estado alegar que um indivíduo violou direito da personalidade
do Estado e, portanto, deve indenizá-lo moralmente, pela violação da imagem.

9. DANO ESTÉTICO

O dano estético não é o mesmo que dano moral.


Hoje, doutrina e jurisprudência separam dano estético de dano moral, mas ambos são
danos de caráter extrapatrimonial. O C. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 387,

54 STJ - REsp 1.647.452.


55 STJ REsp 1737412/SE - Min. Nancy Andrighi.

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admitindo a cumulação dos pedidos de indenização por danos morais e por danos estéticos, in
verbis: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
O dano estético consiste na lesão direcionada a parte física do corpo humano,
transformando a parte bela em algo repugnante, repulsivo.
Para Teresa Ancona Lopes, professora da USP, quando se fala em dano estético
“estamos querendo significar a lesão à beleza física, ou seja, á harmonia das formas externas de
alguém”. (LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético – São Paulo: RT, 1980).
Estes danos estão presentes quando a pessoa tem uma ferida, uma cicatriz, um corte
na pele, quando sofre uma lesão ou a perda de um órgão, podendo ser inclusive interno, desde
que seja visível. A imputação também pode ser dano estético.
O dano estético é presumido, pois está exteriorizada a lesão (in re ipsa). Portanto, cabe
ao Magistrado analisar a lesão. Uma vez constatada o dano moral é presumido.

10. DANO MORAL COLETIVO

Dano moral coletivo é o dano que atinge ao mesmo tempo vários direitos da
personalidade de pessoas uma determinada categoria jurídica. Os danos morais coletivos não
têm caráter difuso.
O dano moral coletivo tem previsão no Art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor
e art. 1º, IV, Lei nº 7.347/85, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,


coletivos e difusos;

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações
de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(...)

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Há uma diferença entre interesse difuso e coletivo. Difuso é o que é de todos e não é
de ninguém, ou seja, que pertence a coletividade. Coletivo, por sua vez, é aquilo que pertence
a uma determinada categoria jurídica.
O dano moral é in rei psa, ou seja, presumido. No entanto, assim atestou o STJ:

O dano moral coletivo se dá in rei psa, contudo, sua configuração somente ocorrerá
quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses
coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão, para que o
instituto não seja tratado de forma trivial, notadamente em decorrência da sua
repercussão social56.

Nesse mesmo julgado acima, o STJ reconheceu o dano moral coletivo por abuso do
direito em razão de ter a emissora de televisão exibido filme fora do horário recomendado pelo

56
STJ - REsp 1840463 / SP – julgado em 19/11/2019.

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312
Matheus Zuliani

órgão competente, já que verificada a conduta que afronte gravemente os valores e interesses
coletivos fundamentais (Informativo de jurisprudência n. 663 de fevereiro de 2020).
O dano moral difuso ou coletivo só pode ser pleiteado por meio de ação civil pública.
Esse é o mecanismo para pleitear dano moral difuso e coletivo.
Por fim, o valor da condenação a título de dano moral coletivo vai para um Fundo
previsto no art. 13 da LACP. É um fundo para recompor o bem jurídico lesado.

11. DANOS SOCIAIS

Antônio Junqueira, professor da USP, propõe uma nova modalidade de dano,


denominado dano social.
Danos sociais são lesões à sociedade, que atingem à qualidade de vida da sociedade,
tanto por conta do seu rebaixamento patrimônio moral, principalmente no tocante à segurança,
quanto por diminuição da qualidade de vida. Esse rebaixamento pode ter repercussão material
e também repercussão moral.
O dano social decorre de uma conduta socialmente reprovável. São danos difusos,
envolvendo direitos difusos, sendo as vítimas indeterminadas e indetermináveis. Por conta
disso, a indenização por danos sociais também está prevista no art. 6º, VI do Código de Defesa
do Consumidor.

12. DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da perda de uma chance ocorre quando a pessoa vê frustrada uma expectativa
que ela tinha e que, dentro da lógica do razoável, ela teria, caso as coisas tivessem seguido o
seu curso normal. É a perda da chance séria e real que justifica a indenização. Essa chance de
vitória deve ser séria e real.
Essa teoria foi importada da França (perte d’une chance).
O caso mais emblemático de aplicação a teoria da perda de uma chance foi no
julgamento de um caso envolvendo o programa famoso de uma emissora de televisão
denominado de “Show do Milhão” (REsp. 788.459, BA). Não obstante esse caso, essa mesma
teoria tem muita incidência em casos de responsabilidade civil por erro médico e do advogado.
Nesse tema de responsabilidade civil do advogado escreveu o Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ênio Santarelli Zuliani:

Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação do
dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde
prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a
oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação integral ou
completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF). Não perdeu uma causa certa; perdeu
um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso.
Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo
profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu
a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória,
ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.
Resulta que, em se confirmando que a ação não examinada (por erro do advogado)
era fadada ao insucesso, se fosse conhecida e julgada, o advogado, mesmo errando
no antecedente, não responde pela consequência. Isso porque equivale a afirmar
que a obrigação, mesmo mal desempenhada, terminou produzindo, por vias
oblíquas, o único resultado que dela se esperava, ou seja, absolutamente nada. No
entanto, concorrendo um mínimo de probabilidade de êxito (jurisprudência
favorável ao direito do cliente, embora não uniformizada), o juiz deverá considerar

310

313
Matheus Zuliani

essa possibilidade, dentro de critério jurídico razoável, e, com isso, fixar o quantum
(art. 944, do CC)57.

Sobre a teoria da perda de uma chance, nos termos da doutrina mais conceituada, sua
natureza é de direito material especial, estando entre o dano emergente e o lucro cessante.
Nesse sentido é a posição do STJ quando do julgamento do REsp Nº 1.757.936 – SP, que acolheu
o pedido de indenização pela perda de uma chance de um participante do programa Amazônia
– reality show, exibido pela TV Record em 2012.
Não existe critério determinado na lei para o arbitramento dessa indenização. No
entanto, sabe-se que o valor da indenização será sempre inferior ao da vantagem perdida, pois
caso fosse, estar-se-ia indenizando o próprio dano, que não é o propósito da indenização.

13. DANO BUMERANGUE

Consiste no dano bumerangue aquele causado pela própria vítima em resposta à


ofensa que sofreu. Alguém ofende a minha honra e, em troca, eu também ofendo a dela. Nesse
caso, pode haver compensação de culpas e pode o juiz determinar que ninguém irá indenizar
ninguém (CC, art. 945).

14. DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE TERCEIRO

A responsabilidade civil por ato de terceiro está prevista nos artigos 932 e 933, ambos
do Código Civil.
É importante mencionar que as pessoas que são responsáveis respondem
objetivamente, desde que comprovada a culpa das pessoas por quem eles respondem (CC, art.
933).
Por isso que Álvaro Villaça de Azevedo fala em responsabilidade objetiva impura.
No inciso I do art. 932 temos a responsabilidade civil dos os pais, pelos filhos menores
que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Verifica-se pela redação do Código Civil
que o filho menor deve estar sob a autoridade de um dos pais e em sua companhia.
Os pais têm responsabilidade objetiva pelo ato culposo do filho. Assim, não precisa
provar a culpa dos primeiros, mas precisa demonstrar a dos segundos.
No inciso II art. 932 há a responsabilidade do tutor e do curador, pelos pupilos e
curatelados, que se acharem nas mesmas condições. Quando diz “nas mesmas condições”,
refere-se ao “sob sua autoridade e em sua companhia” do inciso antecedente. Nesse caso
também há responsabilidade objetiva impura, ou seja, comprovada a culpa do tutelado ou do
curatelado, tem a responsabilidade objetiva do tutor e do curador.
O inciso III, por sua vez, elenca a responsabilidade do empregador ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão
dele. Sobre essa responsabilidade, entende-se que não há necessidade de relação de emprego,
bastando a relação de pressuposição, baseada na confiança. Desta forma, a jurisprudência tem
dado uma interpretação ampliativa a essa relação de confiança. Pense na hipótese do sujeito
que empresta seu carro a outrem. Nota-se que essa conduta configura um contrato de
comodato. Se o comodatário atropelar alguém de forma culposa, o comodante será
responsabilizado com fundamento nesse inciso do art. 932 do Código Civil.

57ZULIANI, Ênio Santarelli in Responsabilidade Civil do Advogado apud James Eduardo de Oliveira – Código Civil
Comentado e Anotado – Doutrina e Jurisprudência – 2ª Edição – Editora Forense

311

314
Matheus Zuliani

Outro caso é o da responsabilidade objetiva do hospital pelo ato culposo praticado


pelo médico integrante do seu corpo clínico. Comprovada a culpa do médico, o hospital
responde. Existe, inclusive, um enunciado da Jornada de Direito Civil nesse sentido58. A uma
jurisprudência do STJ que entende que no caso de erro médico, para se apurar a
responsabilidade do hospital, sempre haverá a necessidade de discutir culpa, sob pena de
transferir uma indevida responsabilidade objetiva para a hipótese de erro médico, o que não se
admite.
O inciso IV diz que responde os donos de hotéis, hospedarias, casas ou
estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus
hóspedes, moradores e educandos. São os donos de hotéis e afins, bem como estabelecimentos
de ensino.
Desta forma, se o filho menor não estiver na companhia dos pais, mas sob os cuidados
da escola, tendo ocorrido a culpa do menor em um evento que gere a responsabilidade civil, não
serão os pais que responderão, mas sim, a escola, com fundamento nesse inciso.
A responsabilidade por bullying tem previsão nesse inciso. O bullying é o ato de
valentia praticado em ambiente escolar para causar situação vexatória em outro aluno.
Se o bullying for praticado na escola, aplica-se o art. 932, IV, Código Civil, respondendo
o estabelecimento de ensino, se for privado, com a necessidade de prova da culpa do aluno
bolinador. Também é possível a incidência do Código de Defesa do Consumidor em evidente
diálogo das fontes. Se for escola pública responde o Estado com base no art. 37, § 6º,
Constituição Federal. Porém, se o bullying for praticado fora da escola (no caminho, por
exemplo), quem responde são os pais, pelo art. 932, I, Código Civil.
Nesse sentido é a jurisprudência desse e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Confira:

A omissão de estabelecimento de ensino em adotar medidas cabíveis para fiscalizar,


apurar e coibir conduta reiterada de ofensas e agressões a aluno caracteriza falha na
prestação do serviço e enseja dano moral indenizável em razão dos consequentes
transtornos físicos e psíquicos ocasionados à vítima (TJDFT - Acórdão n. 946381,
Relatora Designada Desª. FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento:
1º/6/2016, Publicado no DJe: 10/6/2016).

Por fim, o inciso V diz que são responsáveis os que gratuitamente houverem
participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. O dispositivo diz uma regra clara,
se houve proveito do crime, certamente haverá a responsabilização até a quantia recebida.
Conjugado com o tema da responsabilidade civil por ato de terceiro, existe a questão
do direito de regresso. Nesse sentido, dispõe o art. 934 do Código Civil que diz: “Aquele que
ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou,
salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”. A exceção
é a ausência do regresso do ascendente contra o descendente incapaz.
Todavia, poderá providenciar o que se chama de adiantamento de legítima, como se
nota do art. 2.010 do Código Civil. O adiantamento da legítima é a possibilidade de ser
descontado na herança um gasto extraordinário que o pai teve com o filho, por meio da colação.
Por fim, o Código Civil trata da responsabilidade solidária dos causadores do dano na
hipótese geral e também na hipótese da responsabilidade por ato de terceiro. Dispõe o 942 que
“os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação

58Enunciado 191 da III Jornada de Direito Civil: “A instituição hospitalar privada responde, na forma do art. 932, III,
do Código Civil, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico”.

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Matheus Zuliani

do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação”. Complementa o parágrafo único que são solidariamente responsáveis com os
autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932 do Código Civil.

15. DA RESPONSABILIDADE DO INCAPAZ

O Código Civil, no art. 928, trata da responsabilidade civil do incapaz. O incapaz


responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação
de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. A indenização, nesse caso, deverá ser
equitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
Assim, a doutrina diz que a responsabilidade do menor é subsidiária e mitigada.
Subsidiária porque ele só vai responder seu os pais não puderem responder. E mitigada por que
será fixada de forma equitativa, não respondendo ao princípio da reparação integral do dano.
Isso porque deverá respeitar, com isso, a tutela do patrimônio mínimo do incapaz.

16. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO DONO OU DETENTOR DE ANIMAIS

Dispõe o art. 936 do Código Civil que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano
por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Não havendo culpa exclusiva da vítima ou força maior, haverá uma causa excludente
do nexo de causalidade.
Na verdade, a responsabilidade civil do dono ou detentor do animal é objetiva.
Não se fala mais em culpa in custodiendo.
A lei não prevê mais a excludente do “máximo cuidado na guarda”, que trazia a ideia
de culpa presumida (Sérgio Cavalhieri Filho). Pelo CC/16, se o dono do animal provasse que
tivesse tomado o máximo cuidado na guarda, ele não respondia. Se provar hoje que teve esse
máximo cuidado na guarda, ele responde. Hoje, para não responder, deve-se provar culpa
exclusiva da vítima ou força maior.
A jurisprudência tem aplicado esse dispositivo ao lado do Código de Defesa do
Consumidor, em diálogo das fontes. O STJ, no caso do menor que foi morto por leões durante
espetáculo de circo instalado na área contígua a shopping center, decidiu aplicar tanto o Código
Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor59.
É possível reconhecer culpa concorrente da vítima para atenuar a responsabilidade do
dono ou detentor do animal. Isso seria uma calibração do nexo de causalidade.

17. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DONO DO PRÉDIO OU CONSTRUÇÃO POR SUA RUÍNA

O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína,
se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. É o que dispõe o art. 937
do Código Civil.
Essa é uma primeira hipótese de responsabilidade civil pelo fato da coisa.
Neste caso, o dono da construção responde objetivamente por dois motivos. O
primeiro é pelo risco criado ou pelo risco proveito. A segunda é pela aplicação do Código de
Defesa do Consumidor, quando for o caso.
Essas situações, na imensa maioria dos casos, estarão inseridas dentro da
responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque o morador do prédio

59
REsp 1.100.571-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/4/2011 - Informativo de jurisprudência n. 468

313

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Matheus Zuliani

será considerado como consumidor direto (quem comprou o apartamento) e a vítima do evento
serão consideradas consumidores por equiparação (bystander).
Perceba que não é defenestração, ou seja, não se trata de coisas jogadas da janela.
Aqui é o prédio em ruínas. O Código exige que essa necessidade de reparos seja manifesta.
Por falar em objetos que caem da janela, dispõe o art. 938 que “aquele que habitar
prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem
lançadas em lugar indevido”.
Fenestra é janela. Defenestrar é jogar pela janela.
Trata-se de mais um caso de responsabilidade civil objetiva em razão da coisa.
Fala-se também em responsabilidade civil por effusis et dejectis (effusis é líquido e
dejectis é sólido).
O responsável pela conduta é aquele que habitar o prédio. Nesse sentido, ainda que o
imóvel esteja alugado, a responsabilidade é do locatário.
A responsabilidade é objetiva diante de um risco criado.
E se a coisa for lançada de um condomínio edilício, quem responde caso não se consiga
identificar o responsável?
O entendimento majoritário é no sentido de que responderá todo o condomínio,
assegurado o direito de regresso contra o culpado. Nesse sentido, REsp. 64682/RJ. Venosa
chama isso de “pulverização de responsabilidade” (responde todo o condomínio).

18. DA CLÁUSULA DE NÃO DE INDENIZAR

A cláusula de não indenizar é uma prática muito comum aposta em contratos de


adesão, ou então, fixadas em locais de prestação de serviços no qual o contrato é verbal (placa
dentro do estacionamento que diz que não se responsabiliza por objetos deixados dentro do
veículo).
A cláusula de não indenizar é uma previsão que exclui totalmente a responsabilidade
da parte.
Essa cláusula é conhecida como cláusula de irresponsabilidade. A aplicação dessa
cláusula de não indenizar é uma aplicação muito comedida e restrita.
A cláusula de não indenizar só vale para os casos de responsabilidade contratual, não
havendo falar em casos de responsabilidade extracontratual.
A cláusula de não indenizar não incide nos casos em que houver conduta dolosa, ou
criminosa, da parte. Ex.: diante de um contrato que tem cláusula de não indenizar e a outra
parte atua dolosa, ou criminosamente, para causar o dano. Neste caso, a cláusula de não
indenizar não será válida.
É nula a cláusula de não indenizar quando inserida em contrato de consumo. É nula a
cláusula de não indenizar nos contratos de adesão. É nula a cláusula de não indenizar nos
contratos de transporte. Também não tem validade e nem eficácia a cláusula de não indenizar
nos contratos de guarda. Ex.: contratos de estacionamento. É possível que haja causa excludente
do nexo de causalidade nos casos de contrato de guarda. Ex.: roubo dentro do estacionamento.
Nesse caso, a empresa de estacionamento não responde por assalto a mão armada ocorrida
dentro do estacionamento.

314

317
CAPÍTULO 8 – DIREITO DAS FAMÍLIAS

1. DIREITO DE FAMÍLIA

1.1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA

A família, ao longo da história, teve diferentes formatos e interpretações. É um instituto


em constante evolução e isso decorre da própria evolução da sociedade. Compreender a família
impõe compreender o próprio contexto histórico em que inserida. Assim é que o estudo do
Direito de Família exige atualidade. Esse estudo abrange conteúdos como: casamento, união
estável, relações de parentesco, filiação, alimentos, bens de família, tutela, curatela e guarda.
É um ramo do Direito Civil que está em constante evolução e isso ocorre em razão das
rápidas mudanças sociais, relacionadas ao modo de agir e de pensar das pessoas, que muito
interferem particularmente nesse campo do direito, de modo que, não raras vezes, a legislação
não consegue acompanhá-las, tornando necessária a solução dos casos concretos a partir da
aplicação de princípios e de outras formas de interpretação e integração do ordenamento
jurídico. Daí o necessário estudo, não só da legislação pertinente, como também da
jurisprudência atualizada e dos princípios pertinentes, que devem ser previamente
compreendidos para o aprofundamento do Direito de Família.

1.2. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Para quem atua da área de Direito de Família, ou mesmo para preparação para
concursos públicos, a exata compreensão dos princípios que a seguir serão expostos ajudará na
solução de questões para as quais, numa análise inicial, parece não haver regra aplicável.
Conhecê-los e, sobretudo, compreendê-los fará a diferença na hora da prova e na prática
jurídica, para solução de casos concretos.
É importante, então, traçar as diferenças entre princípios e regras, o que, ao final,
evidenciará a importância dos princípios até para correta compreensão e aplicação da regra.
Sobre o tema, Maria Berenice Dias explica que

o ordenamento jurídico positivo compõe-se de princípios e regras cuja diferença não


é apenas de grau de importância. Acima das regras legais, existem princípios que
incorporam as exigências de justiça e de valores éticos que constituem o suporte
axiológico, conferindo coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema
jurídico.

A autora continua, acrescentando que

os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras, não só porque têm
alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização.
Possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais
nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam. Devem ter conteúdo de
validade universal. Consagram valores generalizantes e servem para balizar todas as
regras, as quais não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios (DIAS, 2020,
p. 58).

Como se extrai das palavras de Maria Berenice, os princípios têm esse grau
generalizante, de modo que sua violação é mais ampla e, por conseguinte, mais grave que a
violação de uma regra. As regras, por sua vez, e como também ensina Maria Berenice,

315

318
são normas que incidem sob a forma “tudo ou nada”, o que não sucede com os
princípios. Quando, aparentemente, duas regras incidem sobre o mesmo fato, é
aplicada uma ou outra, segundo critérios hierárquico, cronológico ou de
especialidade. Aplica-se uma regra e considera-se a outra inválida. As regras podem
ser cumpridas ou não, contêm determinações de âmbito fático e jurídico com baixa
densidade de generalização. Quando são admitidas exceções, não se está frente a
um princípio, mas de uma regra concorrente ou subordinada à outra que lhe é
incompatível ou contrária (DIAS, 2020, p. 59).

Vê-se, a partir desses ensinamentos, o caráter conformador dos princípios e a sua


evidente importância na exata compreensão e aplicação, em especial, do Direito de Família.
Destaque-se, preliminarmente, que o estudo dos princípios que a seguir serão expostos
deve sempre se guiar pela consideração do princípio da dignidade da pessoa humana,
consagrado como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III, da CF), que,
assim, fundamenta todas as relações entre pessoas, em especial daquelas que integram uma
entidade familiar.
a) Princípio da solidariedade familiar: no âmbito do direito de família, a solidariedade
é compreendida com a ideia de que todos os membros de uma entidade familiar e cada um
deles, considerados individualmente, respondem por todos os demais e por cada um, de forma
recíproca. Esse princípio não se limita ao aspecto material, devendo ser concebido num sentido
amplo, tendo um caráter afetivo, social, moral, patrimonial e espiritual.
É um princípio de grande relevância, porquanto aplicável para diferentes questões
relacionadas ao direito de família, a saber: na responsabilidade civil dos pais em relação aos
filhos (arts. 932, I e 933); na comunhão de vida instituída pela família, com a cooperação entre
seus membros (art.1.513); na mútua assistência moral e material entre os cônjuges (art. 1.566)
e entre companheiros (art. 1.724); na colaboração dos cônjuges na direção da família (art.
1.567); na obrigação dos cônjuges a concorrerem, na proporção de seus bens e dos rendimentos
para o sustento da família (art. 1.568); na adoção (art. 1.618); no poder familiar (art. 1.630); no
regime matrimonial de bens legal e o regime legal de bens da união estável é o da comunhão
dos adquiridos após o início da união (comunhão parcial), sem necessidade de se provar a
participação do outro cônjuge ou companheiro na aquisição (arts. 1.640 e 1.725); no dever de
prestar alimentos, devido aos parentes, aos cônjuges ou companheiros que poderão pedir uns
aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (art. 1.694); no direito real de
habitação, presente no art. 1.831, da lei civil, que tem como essência a proteção do direito de
moradia do cônjuge supérstite.
Em decorrência da aplicação desse princípio, é interessante lembrar que, quando do
rompimento do vínculo matrimonial ou da união estável, mesmo se reconhecida a culpa de um
dos cônjuges/companheiro pela separação, ele ainda assim poderá fazer jus aos alimentos, que,
como se verá oportunamente, serão só aqueles imprescindíveis à sobrevivência e desde que não
haja outros obrigados ao pagamento. Esses alimentos devidos pelo cônjuge/companheiro
inocente ao culpado decorrem do princípio da solidariedade, que prevalece mesmo diante da
ocorrência da culpa.
b) Princípio da igualdade entre filhos: está insculpido no art. 227, §6º da CF, que
estabelece que os filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, tem os mesmos direitos
e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias, relativas à filiação.
Em razão desse princípio, não pode haver qualquer diferenciação no tratamento dos
filhos em razão da origem da concepção ou mesmo por outras causas.

316

319
Entretanto, a igualdade dos filhos, protegida pela Constituição, não impede que haja,
por exemplo, diferenciação de valores na fixação dos alimentos. É que a igualdade deve ser
compreendida a partir da consideração das eventuais desigualdades existentes, sob pena de
amparar tratamentos desiguais. Este foi, inclusive, o entendimento do STJ, no voto conduzido
pela Ministra Nancy Andrighi (Recurso Especial nº 1.624.050/MG, 18/06/2018), que muito bem
ponderou que o princípio da igualdade não tem natureza inflexível e que, a depender do caso
concreto, a fixação do mesmo valor a proles distintas, sem uma análise criteriosa, acabaria, em
essência, por dar tratamento desigual.
c) Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros: o artigo 226, § 5º, da
Constituição Federal, ao demonstrar a preocupação quanto à igualdade entre os cônjuges e
companheiros de uma entidade familiar, estabelece a isonomia substancial entre eles, de modo
que, por exemplo, havendo divergência na condução da família, nenhuma das vontades
prevalecerá sobre a outra, devendo a questão ser, então, resolvida pelo poder judiciário. Isso
porque, diferentemente do que ocorria na legislação de 1916, atualmente a condução do lar é
exercida de forma igualitária.
Em decorrência dessa igualdade, a escolha do domicílio compete a ambos os
cônjuges/companheiros; um cônjuge pode adotar o sobrenome do outro; há reciprocidade do
direito aos alimentos entre os cônjuges e companheiros e ambos os genitores exercem de forma
igualitária o poder familiar.
d) Princípio da não intervenção na família: também conhecido como princípio da
liberdade, encontra fundamento no artigo 226, caput, CF, que estabelece que a família é a base
da sociedade, tendo especial proteção do Estado e nela não podendo haver intervenção. Na
mesma linha, o art. 1.513 do CC diz que é proibido a qualquer pessoa de direito público ou
privado interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Ainda relacionado ao princípio da não intervenção, temos que o § 7º da CF, seguido do
art. 1.565, §2º, estabelecem que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo
vedada qualquer tipo de coerção. Essa vedação, entretanto, não impede que o Estado incentive
o controle de natalidade, planejamento familiar ou eduque as famílias por meio de políticas
públicas. Porém, a decisão final deve ser sempre do casal. O dispositivo constitucional que trata
do planejamento familiar foi regulamentado pela Lei nº 9.623/1996.
e) Princípio do maior interesse da criança e do adolescente: é clara a opção
constitucional pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes em todos os níveis de
convivência; ou seja, tanto no espaço familiar como no meio social, de forma a garantir que se
buscará sempre aplicar o que for melhor para a criança e para o adolescente.
Assim é que a ideia do princípio do maior interesse da criança e do adolescente vem
consagrada no art. 227, caput da CF. A Constituição diz que é dever da família, da sociedade e
do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem (entre 15 e 29 anos), com absoluta
prioridade, o direito à vida, saúde, alimentos, educação, lazer, profissionalização, cultura,
dignidade, direito ao respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Veja que a proteção é conferida não só à criança e ao adolescente, como também ao
jovem em geral, sendo de se destacar que é possível ser adolescente e jovem ao mesmo tempo.
Dos 12 aos 16, o enquadramento é como adolescente e, de 15 a 29 anos, o indivíduo é tido como
jovem. Em sendo assim, um menor com, por exemplo, 15 anos, é considerado adolescente e
jovem.
A extensão, ao jovem, da proteção conferida à criança e ao adolescente é claramente
exposta no caput do artigo 227 da CF, que diz:

317

320
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Relativamente à criança e ao adolescente, esse é um princípio de ampla aplicação no


que diz respeito ao estabelecimento da guarda. No que se refere, por exemplo, à guarda
compartilhada, a leitura dos dispositivos legais, que serão mais bem analisados quando do
estudo dessa matéria, revelam que a guarda compartilhada tem prioridade em detrimento da
unilateral e isso ocorre porque aquela se revela, em termos gerais, mais benéfica à criança ou
ao adolescente.
e) Princípio da afetividade: pode-se dizer que a afetividade é um desdobramento da
própria dignidade da pessoa humana, na medida em que ganha destaque como forma de
promoção da dignidade de cada um dos integrantes da entidade familiar. Isto porque a
afetividade é importante para que cada um dos membros da família sinta-se encorajados no
desenvolvimento e concretização de suas próprias personalidades. Assim é que o afeto, na
atualidade, pode ser apontado como principal fundamento das relações familiares. Se não há
afeto, não há família. Nesse particular, Daniel Carnacchioni esclarece que “não basta o afeto
para a consolidação de uma família, mas sem afeto ela inexiste. O afeto é elemento fundamental
de qualquer núcleo familiar, associado à dignidade da pessoa humana.” (CARNACCHIONI, 2018,
p. 1460).
Sobre o princípio da afetividade, importa considerá-lo particularmente sob o aspecto da
possibilidade ou não de imposição desse sentimento pelo Estado. Em outras palavras, importa
perquirir se o Estado pode ou não impor aos indivíduos a afetividade nas relações familiares.
Nesse particular, Carnacchioni deixa claro que essa exigência importaria violação da liberdade
do ser humano, que pode ou não amar, ter afeto ou não ter afeto. Logo, para o autor, não há
como o sentimento ser imposto (CARNACCHIONI, 2018, p. 1460).
Essa consideração é importante para análise das consequências do afeto (ou da sua
falta). É que, a se concluir que o afeto não pode ser imposto pelo Estado, temos como
consequência que: “caracterizado o afeto, dele é possível extrair consequências jurídicas, mas
não se pode exigir que um pai tenha afeto por um filho apenas porque há entre eles vínculo
biológico” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1460).
Essa matéria está diretamente relacionada à questão do denominado “abandono
afetivo”. Para os que sustentam que o afeto não pode ser imposto, seria equivocado o
estabelecimento de consequências pelo que se chama abandono afetivo. Essa linha de
pensamento parte da ideia de que somente se podem extrair consequências jurídicas do afeto
quando ele efetivamente existe. Em outras palavras, o afeto faz surgir relações (por exemplo, a
paternidade socioafetiva) e quando isso ocorre, devem ser tuteladas pelo Estado. Todavia, não
havendo afeto, não poderia o Estado impô-lo, sob pena de violação a direitos fundamentais
como o da liberdade e da dignidade da pessoa humana (CARNACCHIONI, 2018).
Podemos estabelecer algumas consequências do princípio da afetividade. Assim é que
se pode dizer que decorrem do princípio da afetividade, dentre outros:
a) a igualdade entre todos os filhos, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º,
CF);
b) a adoção, como escolha afetiva, com plena igualdade de direitos em termos de
filiação (art. 227, §§ 5º e 6º, CF);
c) reconhecimento dos mais variados tipos de família, inclusive as famílias homoafetivas,
eudemonistas (cujo conceito será melhor trabalhado oportunamente) e a comunidade formada

318

321
por qualquer dos pais e seus descendentes, dentre outras, consideradas todas no amplo
conceito de família constitucionalmente protegida (art. 226,CF);
d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente
(art. 227, CF).
f) Princípio da função social da família: é extraído do art. 226 da CF, que estabelece que
a família é a base da sociedade, recebendo uma especial proteção do Estado. Em assim sendo,
as relações familiares serão analisadas dentro do contexto social, dentro daquilo que a
sociedade hoje apresenta ao Estado. Se a sociedade muda, é preciso que a concepção de família
também seja alterada, para, assim, atender ao ideal de realização de todos os integrantes da
entidade familiar. Em assim fazendo, estará atendendo a essa função social da família.
O princípio da função social da família é, por assim dizer, um reflexo do movimento de
mudança do paradigma liberal-individualista, apoiado fortemente na teoria positivista, para o
paradigma social-personalista, representado por teorias pós-positivistas que colocam a pessoa
humana no centro das atenções.
A pessoa passa a ocupar o lugar que outrora foi destacado ao patrimônio, de forma que
são incorporados valores éticos e sociais para a interpretação e aplicação do Direito.
Temos, então, que a família é a base da sociedade e que, além disso, tem uma função
social que deve ser considerada nas mais diversas interpretações que se façam sobre esse
instituto.
g) Princípio da paternidade responsável: impõe a observância quanto à obrigação dos
pais de respeitarem, educarem, criarem e auxiliarem material e imaterialmente os filhos,
podendo decorrer, da sua ausência, responsabilização cível e criminal.
Como reforço a esse princípio, o Estado, embora não possa impor o planejamento
familiar, confere instrumentos de educação e preparação para esse planejamento, a fim de que
pais e mães tenham consciência de que o exercício da maternidade e da paternidade deve
ocorrer de forma responsável, com vistas ao respeito à dignidade da pessoa do(a) filho(a).

1.3. CONCEPÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA E OS TIPOS DE FAMÍLIAS

A Constituição Federal de 1988 trouxe profundas alterações na forma de conceber e


interpretar o direito de família, de modo que, a partir da nova carta constitucional, a legislação
então vigente (Código Civil de 1916) sofreu grandes alterações em termos de intepretação. É
possível dizer que, mesmo o Código de 2002, já entrou em vigor ultrapassado, na medida em
que alguns de seus dispositivos, na forma com que literalmente interpretados, já não se
adequavam à sociedade em constante evolução no modo de agir e pensar, reforçando a ideia
de sua necessária adequação a partir de uma leitura conforme a Constituição de 88.
Com a Constituição de 1988, houve o que a doutrina chamou de “constitucionalização
do direito civil”, exigindo-se uma nova forma de interpretação para todos os institutos de direito
civil, em conformidade com o novo texto constitucional, sobrepondo-se princípios como o da
dignidade da pessoa humana, função social da família e outros, em detrimento dos interesses
particulares, que tão claramente se destacavam na legislação de 1916.
Particularmente em relação ao Direito de Família, essa constitucionalização ocorrida a
partir de 1988 trouxe importantes consequências, reforçadas com a legislação de 2002,
porquanto deixou claro que toda interpretação dos institutos deve pautar-se nos princípios
maiores da Constituição Federal.
Nesse sentido, Lôbo assevera que

319

322
significa dizer que suas normas (do Código Civil) hão de ser interpretadas em
conformidade com os princípios e regras que a Constituição estabeleceu para a
família no ordenamento jurídico nacional, animados de valores inteiramente
diferentes dos que predominavam na sociedade brasileira, na época em que se deu
a redação do capítulo relativo ao pátrio poder do Código de 1916, que, em grande
medida, manteve-se no capítulo destinado ao poder familiar para a família do século
XXI. As palavras utilizadas pelo legislador de 1916, reaproveitadas pelo legislador do
novo Código, são 70 apenas signos, cujos conteúdos deverão ser hauridos dos
princípios e regras estabelecidos pela Constituição (LÔBO, 2004, p. 182).

A constitucionalização do Direito de Família importou num alargamento do próprio


conceito de família, considerando aspectos como a afetividade, não tratada na legislação
anterior. Assim é que, a partir dessa leitura constitucional, reconhece-se uma pluralidade de
famílias, que não mais se constituem apenas pelo matrimônio. Interpretando-se o art. 226 da
CF, pode-se dizer que a família decorre de alguns institutos, tais como: casamento civil, união
estável, que pode ser formada entre pessoas de mesmo sexo e/ou de sexos distintos e a
chamada família monoparental (um dos pais e os filhos).
Esse rol constitucional é um rol exemplificativo, passando admitir outras manifestações
familiares, como, por exemplo, a família anaparental, ou seja, que é aquela formada sem a figura
do pai e da mãe. Irmãs ou irmãos que vivam juntos, sem a figura dos pais, constituem uma
família anaparental.
Quanto às famílias decorrentes de uniões e casamentos homoafetivos, temos que os
importantes julgados ADI 4.277 e ADPF 132, do STF, deram nova interpretação, conforme a CF,
ao disposto no artigo 226 da CF, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do CC que
impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pela
resolução n. 175, o CNJ estabeleceu as orientações gerais para a celebração dos casamentos de
pessoas do mesmo sexo. Perceba-se que não houve alteração da legislação infraconstitucional,
mas tão somente determinação quanto à forma de interpretação que deve se realizar conforme
a Constituição.
Na classificação, para fins didáticos, fala-se, também, em famílias mosaico, que seriam
aquelas famílias reconstituídas. Como exemplo, pode-se citar a hipótese em que uma pessoa,
casada e com dois filhos, divorcie-se e depois se case novamente com outra pessoa que também
é divorciada e tem outros três filhos. Na hipótese, a nova família constituída, com membros de
origens diversas, é classificada como família mosaico ou família reconstituída.
Uma nova classificação, decorrente das alterações sociais, é a que considera a família
para fins únicos de geração e criação de filhos. Com efeito, a família por design seria, então,
aquela em que as pessoas se unem no intuito único de ter uma relação que gere filhos, seja de
forma natural ou reprodução assistida e, posteriormente criarão a prole comum, em conjunto,
mas sem formarem um casal afetivo.
Com base nesse novo olhar sobre a família, que agora é interpretada em termos amplos
e conforme a Constituição, podemos elencar, para fins didáticos, alguns tipos tratados pela
doutrina e jurisprudência, lembrando-se que se trata de rol meramente exemplificativo, já que,
conforme visto, as constantes mudanças sociais exigem um olhar cuidadoso sobre essa entidade
que tem uma função na sociedade.
Nesse particular, vale a advertência de Maria Berenice, para quem se faz necessário ter
uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se
buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos
os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independente de sua
conformação (DIAS, 2015, p.41).

320

323
Vejamos, então, os tipos de famílias:
a) Família matrimonial: é aquela oriunda do casamento. O casamento, conforme
estudaremos mais a frente, pode ser classificado em avuncular, nuncupativo, por procuração,
consular, civil e religioso com efeitos civis. Qualquer que seja a forma adotada, o casamento dá
origem à denominada família matrimonial.
b) Família convivencial ou informal/união estável: é aquela decorrente da união
de pessoas com objetivo de constituição de família. Como visto, a partir dos importantes
julgados ADI 4.277 e ADPF 132, do STF, se caracterizam pela união pública e notória entre
pessoas do mesmo sexo ou de sexos diversos, com o objetivo de constituírem família. A união
estável, no tópico próprio, será objeto de estudo mais aprofundado, tendo em vista a sua
complexidade e o número considerável de questões dos últimos certames que abordam essa
temática.
c) Família homoafetiva (ADPF n° 132/RJ, ADI n° 4.277/DF e REsp. 1183378/RS):
essa conceituação se aplica tanto à união estável quanto ao casamento entre pessoas do mesmo
sexo. A partir da leitura conforme a Constituição Federal dos dispositivos que versam sobre
esses institutos, houve um alargamento do conceito de família, para atender ao princípio da
dignidade da pessoa humana. Conforme será mais bem analisado em tópico próprio, as uniões
de pessoas do mesmo sexo eram tratadas como sociedades de fato e analisadas pelo Estado,
quando promovidas ações judiciais para tanto, apenas no aspecto material, desconsiderando-
se todo o afeto existente a sua própria função social. Os julgados mencionados constituem,
assim, um marco na evolução do conceito de família e a realização do princípio da dignidade da
pessoa humana.
d) Família monoparental: é a entidade familiar constituída por qualquer um dos
genitores com sua respectiva prole. A Constituição Federal, de forma expressa, em seu artigo
226, § 4º, faz referência a esse tipo de família para fins de proteção do Estado.
e) Família anaparental: é a família caracterizada pela ausência dos genitores. Um
exemplo que pode ser citado é a entidade familiar constituída dos netos e avós, sem a presença
dos pais. Ainda podemos citar irmãs ou irmãos que vivam juntos sem os pais, dentre outros.
f) Família mosaico ou reconstituída: é uma conceituação que decorre da
constatação da existência de famílias que são reconstituídas, sendo formadas a partir de entes
oriundos de outras famílias que foram desfeitas pelos mais variados motivos. Pode-se, aqui, usar
a expressão que diz: “os meus, os seus e os nossos”, indicando que essas famílias formam-se,
portanto, quando pais ou mães solteiros/viúvos contraem novas relações, levando seus
respectivos filhos para a nova entidade familiar. Tem-se uma “mistura” de vínculos e relações
anteriores. Venosa trata dessa modalidade de família, esclarecendo que “a proteção do Estado
deve ser dirigida às famílias reconstituídas, que com frequência abrangem filhos de duas
estirpes, padrastos e madrastas, depois de uma nova união dos cônjuges. O Código Civil não
traçou um desenho claro dessas famílias, cujas questões ficam a cargo dos tribunais que sempre
devem ter em mira a afetividade e a dignidade da pessoa humana” (VENOSA, 2016, p. 24).
g) Família unipessoal, solitária, single ou celibatária: essa é uma classificação nem
sempre aceita, na medida em que para grande parte da doutrina, a família envolve pelo menos
duas pessoas. O professor Conrado Paulino, em sua obra “Direito de Família Contemporâneo”,
assevera que apesar de não haver uma uniformidade na jurisprudência quanto ao tema, não
podemos esquecer o papel da família unipessoal. O jurista cita, como exemplo, o entendimento
sumular do STJ que estabelece proteção para o bem de família da pessoa solteira, viúva e
divorciada (Súmula 364/STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”) Para alguns autores, a
exemplo de Paulo Lôbo (LÔBO, 2018, p. 1),

a inclusão da pessoa sozinha no conceito de entidade familiar é relativa, ou seja,


apenas para fins de impenhorabilidade do bem de família. Isso porque essa entidade
sofre algumas críticas, dentre elas o fato de que, por ser uma só pessoa, não estaria

321

324
preenchido o requisito da afetividade para caracterização como entidade familiar
não expressa na Constituição, pois a afetividade somente pode ser concebida em
relação ao outro.

h) Família solidária – irmandade: é uma classificação que se funda na ideia de


afetividade e solidariedade. Tratam-se daquelas situações em que pessoas idosas ou jovens se
juntam com outras pessoas para morarem em determinado local, com objetivo de solidariedade
recíproca. Há, portanto, uma estrutura familiar, apesar de não haver certos efeitos como a
partilha e alimentos.
i) Família laboral: é a família que se forma no ambiente de trabalho.
j) Família paralela ou simultânea: essa classificação precisa ser analisada com
cautela, na medida em que, pela análise do entendimento jurisprudencial majoritário (STJ e STF),
há uma resistência muito grande a respeito do reconhecimento do que se denomina família
paralela, ou seja, formada paralelamente a uma outra família reconhecida. Iremos analisar com
mais profundidade essa temática, mas aqui importa colocar que a família simultânea seria
aquela que, por exemplo, se constituiria paralelamente a um casamento ou a uma outra união
estável. Exemplificando, uma pessoa casada e que mantenha a família matrimonial passa a se
relacionar de forma contínua, pública e notória com outra pessoa, com o objetivo também de
constituir família. A pergunta que se faz é se, nesse caso, essa família paralela poderia ser
reconhecida. Como veremos, em regra, não há possibilidade de reconhecimento desse tipo de
união. No entanto, situações especiais recebem tratamento diferenciado, como no caso da
união estável putativa, que será mais bem explanada no tópico próprio.
k) Família poliafetiva ou poliamor: é a família com multiplicidade de membros,
fundada no que se denomina “não monogamia responsável”, que permite, a partir do exercício
da autonomia privada, a manutenção de relações plurais. No ano de 2012, começaram a surgir
escrituras públicas de união estável poliafetiva. Em razão dessas escrituras, ampliou-se o debate
sobre a proteção, pelo ordenamento jurídico pátrio, desse tipo de entidade familiar. A questão
foi levada ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, por meio de um pedido de providências, que
objetivava proibir os cartórios de lavrarem essas escrituras públicas, ante a ausência de amparo
normativo. Essa controvérsia foi solucionada no ano de 2018, quando o CNJ, no julgamento do
pedido de providências n. 1459-08.2016.2.00.0000 concluiu pela proibição da lavratura dessas
escrituras.
l) Família multiespécie: é aquela constituída pelos seres humanos e seus animais
de estimação. É outra modalidade de família, cuja constituição e reconhecimento ainda sofrem
divergência. O indicativo de seu reconhecimento pelos tribunais pátrios começou a ser
delineado a partir de julgados que estabelecem o direito de visita dos animais, tratando-os não
mais apenas sob o ponto de vista material. Nesse sentido, é importante lembrar o julgado do
STJ, de 2018, que decidiu sobre o direito de visita e custódia física dos animais de estimação de
um casal em processo de dissolução da união estável (REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018).
m) Família eudemonista: o termo família eudemonista refere-se à primazia do
afeto na realidade das novas configurações das entidades familiares constituídas. A família
eudemonista é caracterizada por uma função específica, qual seja, a concretização da dignidade
de seus integrantes, a serem tutelados e protegidos para que possam vivenciar a realização
pessoal e existencial, e sentir, ao menos utopicamente, que o núcleo familiar retrata e permite
o alcance da felicidade plena (CARNACCIONI, 2018, p. 1459). É um conceito que se refere, assim,
ao deslocamento da proteção jurídica da instituição para o sujeito. A partir dessa conceituação
eudemonista de família, a análise da entidade familiar é feita a partir de modelos que permitam
a realização individual de seus membros, não estando, por conseguinte, presa a tipos
previamente estabelecidos. Tratando do tema, Maria Berenice diz que “surgiu um novo nome
para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: família

322

325
eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus
membros” (DIAS, 2015, p. 52).

1.4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

1.4.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Relação homoafetiva e entidade familiar – 1: A norma


constante do art. 1.723 do Código Civil — CC (“É reconhecida como entidade familiar
a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) não
obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade
familiar apta a merecer proteção estatal. Essa a conclusão do Plenário ao julgar
procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade
ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador
do Estado do Rio de Janeiro. Preliminarmente, conheceu-se de arguição de preceito
fundamental — ADPF, proposta pelo segundo requerente, como ação direta, tendo
em vista a convergência de objetos entre ambas as ações, de forma que as
postulações deduzidas naquela estariam inseridas nesta, a qual possui regime
jurídico mais amplo. Ademais, na ADPF existiria pleito subsidiário nesse sentido. Em
seguida, declarou-se o prejuízo de pretensão originariamente formulada na ADPF
consistente no uso da técnica da interpretação conforme a Constituição
relativamente aos artigos 19, II e V, e 33 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da
aludida unidade federativa (Decreto-lei 220/75). Consignou-se que, desde 2007, a
legislação fluminense (Lei nº 5.034/2007, art. 1º) conferira aos companheiros
homoafetivos o reconhecimento jurídico de sua união. Rejeitaram-se, ainda, as
preliminares suscitadas. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277)
(INF. 625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 2: No mérito, prevaleceu o voto proferido


pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a Constituição ao
art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento
da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Asseverou que
esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas
consequências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que a
Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da
natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores
acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não
se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco
de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à
possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva,
haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher:
a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-
fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas
situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do
mesmo sexo, ou não. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-
4277)ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF. 625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 3: Em passo seguinte, assinalou que, no


tocante ao tema do emprego da sexualidade humana, haveria liberdade do mais
largo espectro ante silêncio intencional da Constituição. Apontou que essa total
ausência de previsão normativo-constitucional referente à fruição da preferência
sexual, em primeiro lugar, possibilitaria a incidência da regra de que “tudo aquilo
que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”.
Em segundo lugar, o emprego da sexualidade humana diria respeito à intimidade e

323

326
à vida privada, as quais seriam direito da personalidade e, por último, dever-se-ia
considerar a âncora normativa do § 1º do art. 5º da CF. Destacou, outrossim, que
essa liberdade para dispor da própria sexualidade inserir-se-ia no rol dos direitos
fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da dignidade da
pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito de exploração
dos potenciais da própria sexualidade seria exercitável tanto no plano da intimidade
(absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacidade (intercurso sexual).
Asseverou, de outro lado, que o século XXI já se marcaria pela preponderância da
afetividade sobre a biologicidade. Ao levar em conta todos esses aspectos, indagou
se a Constituição sonegaria aos parceiros homoafetivos, em estado de prolongada
ou estabilizada união — realidade há muito constatada empiricamente no plano dos
fatos —, o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heteroafetivos em
idêntica situação.
ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277)ADPF 132/RJ, rel. Min.
Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF. 625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 4: Após mencionar que a família deveria


servir de norte interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união
estável, do planejamento familiar e da adoção, o relator registrou que a diretriz da
formação dessa instituição seria o não-atrelamento a casais heteroafetivos ou a
qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Realçou que
família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa,
parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das
mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole
privada, o que a credenciaria como base da sociedade (CF, art. 226, caput). Desse
modo, anotou que se deveria extrair do sistema a proposição de que a isonomia
entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitude de
sentido se desembocasse no igual direito subjetivo à formação de uma
autonomizada família, constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da
visibilidade, continuidade e durabilidade (CF, art. 226, § 3º: “Para efeito da proteção
do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”). Mencionou, ainda,
as espécies de família constitucionalmente previstas (art. 226, §§ 1º a 4º), a saber, a
constituída pelo casamento e pela união estável, bem como a monoparental.
Arrematou que a solução apresentada daria concreção aos princípios da dignidade
da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias, da não-
discriminação e outros. O Min. Celso de Mello destacou que a consequência mais
expressiva deste julgamento seria a atribuição de efeito vinculante à obrigatoriedade
de reconhecimento como entidade familiar da união entre pessoas do mesmo sexo.
ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min.
Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF. 625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 5: Por sua vez, os Ministros Ricardo


Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, embora reputando as
pretensões procedentes, assentavam a existência de lacuna normativa sobre a
questão. O primeiro enfatizou que a relação homoafetiva não configuraria união
estável — que impõe gêneros diferentes —, mas forma distinta de entidade familiar,
não prevista no rol exemplificativo do art. 226 da CF. Assim, considerou cabível o
mecanismo da integração analógica para que sejam aplicadas às uniões
homoafetivas as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais,
excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que o
Congresso Nacional lhe dê tratamento legislativo. O segundo se limitou a reconhecer
a existência dessa união por aplicação analógica ou, na falta de outra possibilidade,
por interpretação extensiva da cláusula constante do texto constitucional (CF, art.
226, § 3º), sem se pronunciar sobre outros desdobramentos. Ao salientar que a ideia
de opção sexual estaria contemplada no exercício do direito de liberdade
(autodesenvolvimento da personalidade), acenou que a ausência de modelo

324

327
institucional que permitisse a proteção dos direitos fundamentais em apreço
contribuiria para a discriminação. No ponto, ressaltou que a omissão da Corte
poderia representar agravamento no quadro de desproteção das minorias, as quais
estariam tendo seus direitos lesionados. O Presidente aludiu que a aplicação da
analogia decorreria da similitude factual entre a união estável e a homoafetiva,
contudo, não incidiriam todas as normas concernentes àquela entidade, porque não
se trataria de equiparação. Evidenciou, ainda, que a presente decisão concitaria a
manifestação do Poder Legislativo. Por fim, o Plenário autorizou que os Ministros
decidam monocraticamente os casos idênticos ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4
e 5.5.2011. (ADI-4277)ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132)
(INF. 625/2011).

1.4.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ADOÇÃO PÓSTUMA. FAMÍLIA ANAPARENTAL.Para as


adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de
cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais
sejam, o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa
condição. Ademais, o § 6º do art. 42 do ECA (incluído pela Lei n. 12.010/2009) abriga
a possibilidade de adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante no curso do
respectivo procedimento, com a constatação de que ele manifestou, em vida, de
forma inequívoca, seu desejo de adotar. In casu, segundo as instâncias ordinárias,
verificou-se a ocorrência de inequívoca manifestação de vontade de adotar, por
força de laço socioafetivo preexistente entre adotante e adotando, construído desde
quando o infante (portador de necessidade especial) tinha quatro anos de idade.
Consignou-se, ademais, que, na chamada família anaparental - sem a presença de
um ascendente -, quando constatados os vínculos subjetivos que remetem à família,
merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art.
42, § 2º, do ECA. Esses elementos subjetivos são extraídos da existência de laços
afetivos - de quaisquer gêneros -, da congruência de interesses, do
compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica, social e financeira
e de outros fatores que, somados, demonstram o animus de viver como família e
dão condições para se associar ao grupo assim construído a estabilidade reclamada
pelo texto da lei. Dessa forma, os fins colimados pela norma são a existência de
núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que pode gerar para
o adotando. Nesse tocante, o que informa e define um núcleo familiar estável são os
elementos subjetivos, que podem ou não existir, independentemente do estado civil
das partes. Sob esse prisma, ressaltou-se que o conceito de núcleo familiar estável
não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser
ampliado para abarcar a noção plena apreendida nas suas bases sociológicas. Na
espécie, embora os adotantes fossem dois irmãos de sexos opostos, o fim
expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em família
estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto
até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si como para o
infante, e naquele grupo familiar o adotando se deparou com relações de afeto,
construiu - nos limites de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas
horas de necessidade físicas e emocionais, encontrando naqueles que o adotaram a
referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que
hoje faz parte. Dessarte, enfatizou-se que, se a lei tem como linha motivadora o
princípio do melhor interesse do adotando, nada mais justo que a sua interpretação
também se revista desse viés. (REsp 1.217.415-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 19/6/2012). (INF. 500)

325

328
2. CASAMENTO

2.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O casamento pode ser conceituado pela união de duas pessoas, de forma reconhecida
e regulamentada pelo Estado, em que se objetiva estabelecer uma família, baseada no vínculo
de afeto, estabelecendo comunhão plena de vida entre os cônjuges. Para estabelecimento da
família, por meio do casamento, há certa formalidade em obediência às disposições legais, que
se enquadram como normas de ordem pública.
Como dito anteriormente, o direito de família é um ramo com marcante evolução de
interpretação em razão da própria evolução da sociedade. Quando analisamos o conceito de
casamento, percebemos bem essa evolução na interpretação, já que, ao se analisar os manuais
de Direito Civil mais antigos, constataremos que a conceituação passa pelo reconhecimento da
união entre um homem e uma mulher. Esse era, inclusive, um dos requisitos de existência do
casamento, ou seja, a diversidade de sexos.
Com as já mencionadas decisões do STF, que deram nova interpretação ao conceito de
união estável, houve ampla discussão acerca da ampliação, nos mesmos termos, da
interpretação do conceito de família matrimonial. Assim é que o STJ, enfrentando a matéria,
decidiu que o requisito da diversidade de sexos deveria ser afastado, para se reconhecer a
possibilidade de casamento homoafetivo. No referido julgado, entendeu-se que

(...) as famílias formadas por pessoas homoafetivas não são menos dignas de
proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas
por casais heteroafetivos (...) o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ quanto
pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união
estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais
porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável em casamento
(art. 226, § 3º) (STJ, REsp 1.183.378-RS, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25-10-
2011).

Assim, na conceituação do casamento, é preciso sempre ter em consideração o contexto


histórico e a função social que este exerce. Nesse sentido é que, com a aplicação da
interpretação conforme a Constituição, temos que o conceito de casamento, na atualidade,
passa pela consideração de uniões formais que criam a família matrimonial e que se constituem
por pessoas com igualdade ou não de sexos.
Quanto à sua natureza jurídica, não já unanimidade entre os doutrinadores, podendo-
se elencar os seguintes posicionamentos:
a) Concepção clássica ou teoria contratualista: os adeptos desta
concepção entendem que o casamento é um acordo de vontades e, por isso, deve ser
classificado como um contrato. Explicando a origem dessa classificação, o
desembargador Carlos Alberto Gonçalves explica que

a concepção clássica, também chamada individualista ou contratualista, acolhida


pelo Código de Napoleão e que floresceu no século XIX, considerava o casamento
civil, indiscutivelmente, um contrato, cuja validade e eficácia decorreriam
exclusivamente da vontade das partes. Tal concepção representava uma reação à
ideia de caráter religioso que vislumbrava no casamento um sacramento. Segundo
os seus adeptos, aplicavam-se aos casamentos as regras comuns a todos os contratos
(GONÇALVES, 2017, p. 46).

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b) Concepção institucionalista ou teoria da instituição: como o próprio
nome diz, para os adeptos dessa teoria, o casamento seria uma instituição, já que, não
obstante a manifestação inicial de vontade, todos os seus efeitos decorrem da lei e não
propriamente da vontade dos nubentes. Como bem explica Carlos Alberto Gonçalves,
“para essa corrente o casamento é uma ‘instituição social’, no sentido de que reflete
uma situação jurídica cujos parâmetros se acham preestabelecidos pelo legislador”
(GONÇAVES, 2017, p. 46).
c) Concepção mista ou eclética ou teoria mista: nascida da divergência
das teorias anteriores, essa corrente mescla o entendimento das teorias contratualista
e institucionalista, entendendo, então, que o casamento é um contrato quando
analisado na sua formação (acordo de vontade) e uma instituição quanto à análise de
seus efeitos, já que decorrentes da lei e não da vontade dos contraentes. Sobre essa
natureza mista, Caio Mário esclarece que “considerado como ato gerador de uma
situação jurídica (casamento-fonte), é inegável a sua natureza contratual; mas, como
complexo de normas que governam os cônjuges durante a união conjugal (casamento-
estado), predomina o caráter institucional” (PEREIRA, 2018, p. 59).

2.2. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS APLICÁVEIS AO CASAMENTO

O casamento, independentemente da natureza jurídica que se adote para sua


conceituação, tem regras próprias de constituição, além de princípios específicos. Assim é que
se faz importante entender quais os princípios aplicáveis a esse instituto e que muito auxiliam
na interpretação da legislação pertinente. São eles:
a) Princípio da monogamia: Segundo o princípio da monogamia, só é possível
se casar com uma única pessoa. Por esse princípio, afasta-se, então, a
possibilidade do poliamor para a celebração de casamento de mais de duas
pessoas. Esse princípio é extraído do art. 1.521, que estabelece que as
pessoas já casadas não podem casar enquanto mantiverem essa condição de
casadas.
b) Princípio da liberdade de escolha: Segundo este princípio, é possível casar
com quem quiser, desde que essa pessoa também queira e desde que não
haja impedimento, previamente estabelecido em lei, conforme veremos em
tópico próprio. Como exercício da autonomia privada, prevalece, então e de
forma geral, o princípio da liberdade de escolha.
c) Princípio da comunhão plena de vida: O casamento estabelece comunhão
plena de vida entre os cônjuges. É o que estatui de forma expressa o artigo
1511 do Código Civil.

2.3. CAPACIDADE PARA O CASAMENTO

Preliminarmente, é importante diferenciar a incapacidade para o casamento dos


impedimentos para o casamento.
A incapacidade para o casamento é geral, impedindo qualquer pessoa de se casar com
qualquer outra pessoa. Já o impedimento para o casamento refere-se a determinadas pessoas
em situações específicas, conforme estudaremos no próximo tópico. Relevante, ainda,
considerar que não há exata coincidência entre a capacidade para o casamento e a capacidade
para os atos da vida civil, em geral. Como bem explica Caio Mário,

a aptidão específica para o casamento se vincula à dupla ordem de ideias: de um


lado, a consideração de que as regras aplicáveis ao Direito de Família, e em especial
em matéria de casamento, não são as mesmas que regem a prática dos demais atos;

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330
de outro lado, argui-se o leitmotiv da verificação das condições matrimoniais
(PEREIRA, 2018, p. 96).

Quando nos referimos à capacidade para o casamento, tratamos de averiguar se o


pretenso nubente encontra-se em idade núbil, que, conforme artigo 1.517, do Código Civil, é,
na atualidade, 16 anos.
É importante destacar, nesse particular, a alteração legislativa referente ao artigo
1.520/CC. A previsão deste artigo era de que, excepcionalmente, poderia ser autorizado o
casamento de pessoa menor de 16 anos para impedir a imposição ou cumprimento de uma pena
criminal ou quando fosse o caso de gravidez.
A primeira parte desse artigo já havia perdido força em razão da alteração no Código
Penal que excluiu a hipótese de extinção da punibilidade. Agora, nova alteração legislativa, desta
feita no próprio artigo 1.520 do Código Civil, afasta qualquer possibilidade de casamento de
menores de 16 anos. A nova redação do artigo mencionado estabelece, então, que não será
permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil (alteração
decorrente da Lei nº 13.811, de 2019).
Assim, são incapazes para o casamento os menores de 16 anos. Essa incapacidade, como
se viu, é geral e decorre da lei.
É importante destacar que muito embora o menor com 16 anos completos já tenha
capacidade para o casamento, certo é que, em se tratando de pessoa relativamente capaz, ele
necessitará do consentimento dos genitores (artigo 1.517/CC, parte final). Caso os genitores,
sem justo motivo, não autorizem o casamento, poderá o interessado buscar o suprimento
judicial de autorização, previsto no artigo 1.519/CC.
Ao mencionar a necessidade de autorização dos genitores ou responsáveis para o
casamento do menor de 18 anos, o art. 1.517/CC não abarca a hipótese dos emancipados, pois
estes já possuem plena capacidade e, por conseguinte, não necessitam de qualquer autorização
para fins de casamento.
O art. 1.518/CC estabelece que até o momento da celebração do casamento, os pais ou
tutores podem revogar a autorização dada, mas, com a efetiva celebração, não há mais que se
falar em revogação.
Para concluir o estudo da capacidade para o casamento, é importante esclarecer que,
com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), houve
importante modificação quanto a esta capacidade neste tópico estudada, pois o art. 6º daquele
diploma legal estabeleceu que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,
inclusive para casar-se e para constituir união estável. Assim, a pessoa com deficiência tem
capacidade para o casamento.

2.4. IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS E CAUSAS SUSPENSIVAS

O Código Civil de 2002, ao tratar dos impedimentos para o casamento, estabelece


regramento diferente da legislação anterior (CC/1916), tornando mais fácil a compreensão da
temática. Agora, o Código prevê os “impedimentos propriamente ditos” (art. 1.521), antigos
“impedimentos dirimentes públicos” (art. 183, I a VIII) e as “causas suspensivas” (art. 1.523), as
quais, no Código de 1916, eram conhecidas como “impedimentos impedientes” (art. 183, XIII a
XVI). Os “impedimentos dirimentes privados”, assim denominados pela legislação de 1916,
foram incluídos entre as “causas da anulação do casamento” previstas no art. 1.550 do Código
Civil de 2002. Dessa forma, temos na legislação atual: impedimentos, causas suspensivas e
causas de anulação do casamento.

328

331
A menção à classificação da legislação revogada é feita aqui em razão de alguns
concursos ainda usarem essa nomenclatura antiga quando da cobrança dessa temática. Então,
deve ficar claro que na legislação de 1916, tínhamos a seguinte previsão: impedimentos
dirimentes públicos; os impedimentos dirimentes privados e os impedimentos impedientes. Na
legislação vigente, os impedimentos dirimentes públicos correspondem aos impedimentos,
previstos no artigo 1.521 do CC; os impedimentos dirimentes privados foram incluídos entre as
causas de anulação do casamento, previstas no artigo 1.550, CC, e os impedimentos impedientes
correspondem às causas suspensivas, previstas no artigo 1.523 do CC.
Como dito, os impedimentos referem-se a situações específicas dos nubentes, de forma
que uma pessoa pode ter capacidade para o casamento, por já ter alcançado a idade núbil, mas
estar impedido para o casamento com determinado pretendente (por exemplo, não pode se
casar com o padrasto).
Passemos, então, ao estudo da teoria dos impedimentos matrimoniais, considerando a
legislação vigente. O Código Civil traz a seguinte classificação:
a) Impedimentos matrimoniais: previstos no artigo 1.521 do CC. O rol das pessoas que
não podem casar é taxativo, tratando-se de matéria de ordem pública. Caio Mário esclarece a
razão de ser desses impedimentos, ensinando que

na primeira ordem dos impedimentos vêm aqueles que, por motivos de moralidade
social, a ordem jurídica inscreve como portadores de maior gravidade, envolvem
causas que condizem com a instituição da família e a estabilidade social. Por isto
mesmo, pode sua existência ser acusada por qualquer pessoa e pelo órgão do
Ministério Público na sua qualidade de representante da sociedade. É nulo o
matrimônio celebrado com a sua infração (PEREIRA, 2018, p. 105).

Assim, o artigo 1.521 do CC traz um rol taxativo dos que não podem se casar,
considerando, para tanto:

• impedimentos resultantes do parentesco (nos incisos I a V);


• impedimento resultante de casamento anterior ( inciso VI);
• impedimento decorrente de crime (inciso VII).
Nos termos da letra literal da lei (artigo 1.521, CC), não poderão casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau


inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte.

Relativamente ao impedimento previsto no inciso IV, que diz respeito à impossibilidade


de realização do casamento entre tio(a) com sobrinho(a), Caio Mario lembra que

329

332
no Brasil, esse impedimento tem sofrido variações: no direito pré-codificado
compreendia apenas o segundo grau, sendo frequentes as uniões conjugais entre tio
e sobrinha; o Código Civil de 1916 levou-o ao terceiro, com aplausos da doutrina,
mas o Decreto-Lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941, admitiu possa levantá-lo o juiz e
autorizar o casamento, à vista de laudo proferido por dois médicos por ele
designados, que examinem os nubentes e atestem a inexistência de motivos que o
desaconselhem (PEREIRA, 2018, p. 107).

Assim, o Decreto-Lei 3.200 autorizou o casamento entre tios e sobrinhos, desde que
houvesse o laudo atestando a inexistência de motivos que desaconselhassem o enlace. O
mencionado Decreto-Lei é anterior a 2002 e sua redação não foi reproduzida no vigente Código
Civil, de modo que houve discussão sobre a permanência de sua aplicação com a entrada em
vigor do novo Código Civil.
Com efeito, a discussão passava pela consideração de que se o legislador do Código de
2002 quisesse autorizar o casamento dessas pessoas, teria feito a ressalva expressa, o que não
ocorreu, de modo que, para alguns juristas, não teria ocorrido a recepção do Decreto-Lei 3.200.
Sobre esse tema, na obra de Caio Mário, verificamos a seleção de posicionamentos de
diferentes juristas. Para tanto, há citação de juristas: “Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo
Pianovski Ruzik esclarecem: “não altera, portanto, o novo Código Civil o regime de casamento
entre tios e sobrinhos; haverá vedação legal, somente, se comprovada a inconveniência das
núpcias no que tange à saúde da prole” (PEREIRA, 2018, p.107).
Assim, esse tem sido um entendimento adotado, no sentido de que o atual Código Civil
Brasileiro não revogou o Decreto-Lei de 1941, ou seja, o Decreto de 1941 ainda está em vigor.
Ainda sobre esse tema, o enunciado aprovado pelo Conselho da Justiça Federal diz que
o inciso IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei n.
3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau (En. 98, I
Jornada de Direito Civil).
Permite-se, então, o denominado casamento avuncular, desde que observado o
disposto no Decreto-Lei 3.200/41.
De forma geral, em relação aos efeitos, a existência de impedimentos matrimoniais
impossibilita que o casamento seja celebrado. A oposição dos impedimentos pode ocorrer até
o momento da celebração e por qualquer pessoa capaz (art. 1.522/CC).
Caso o oficial do registro tenha conhecimento da existência de algum impedimento,
deve reconhecê-lo de ofício.
A consequência do casamento eventualmente realizado com algum impedimento é a
nulidade absoluta.
b) Causas suspensivas do casamento: em algumas situações específicas, previstas no
artigo 1.523, do CC, o legislador não proíbe o casamento das pessoas ali elencadas, de modo
que, se realizado o matrimônio, não estará sujeito à nulidade absoluta e nem relativa.
Entretanto, em decorrência das situações excepcionais ali previstas, o casamento estará sujeito
à consequência específica, diretamente relacionada ao regime de bens. Estabelece o artigo
1.641, I, CC, que passa a ser obrigatório o regime da separação de bens para o casamento
celebrado com inobservância das causas suspensivas.
As causas suspensivas são, assim, previstas no artigo 1.523/CC, que estabelece que não
devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário
dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

330

333
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado,
até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos
bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou


sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

A leitura das causas suspensivas, previstas no artigo 1.523/CC, bem demonstra que o
que se objetiva é evitar a confusão patrimonial dos(as) viúvos(as) que ainda não fizeram o
inventário dos bens do casal, bem como dos divorciados(as) que ainda não resolveram a partilha
do casamento anterior, e, ainda, evitar a confusão de sangue na hipótese de viuvez ou
desfazimento anterior da sociedade conjugal. Busca, ainda, evitar que o(a) tutor(a) se case com
a(o) tutelado(a) e adote um regime de bens que possa comprometer as contas relativas ao
período de tutela.
Em todas essas hipóteses mencionadas, o parágrafo único do artigo 1.523/CC prevê que
a causa suspensiva desaparece se for provada a ausência de prejuízo aos envolvidos.
É importante ressalvar que há limitação das pessoas que podem arguir a presença de
uma causa suspensiva. Somente poderá ser feita essa arguição até o momento da celebração
do casamento por parentes em linha reta de um dos cônjuges e pelos colaterais até o 2º grau
(irmão ou ascendente – pais, avós, sogros, irmãos e cunhados) (art. 1.525, CC).
Ademais, as causas suspensivas não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz ou oficial
do registro civil, pois têm natureza privada.
Ainda no que tange à oportunidade da oposição, deve ser feita no processo de
habilitação: anunciadas as núpcias pela publicação dos proclamas, abre-se o prazo de 15 dias,
dentro do qual os interessados podem objetar contra o casamento. Decorrido in albis o lapso, e
passada a certidão de habilitação, é ainda lícita a apresentação da causa suspensiva, até o
momento da cerimônia. Com uma diferença, todavia: enquanto não certificada a habilitação, o
interessado dirige-se ao escrivão; depois dela, ao juiz. Formulada a oposição, suspende-se a
cerimônia (PEREIRA, 2018, p. 113).
O casamento celebrado com causa suspensiva, como se viu, tem, por imposição, o
regime da separação obrigatória de bens. Todavia, uma vez cessada a causa suspensiva, os
cônjuges poderão requerer a mudança de regime, cujo pedido será processado na forma do
artigo 1.639, § 2º do Código Civil.

2.5. PROCESSO DE HABILITAÇÃO E CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

O casamento é ato solene com marcante presença do Estado na regulação de sua


formação. Os requisitos de ordem pública são, assim, acompanhados durante uma fase prévia,
em que terceiros têm oportunidade de indicar os eventuais impedimentos para a celebração.
Assim é que, antes do casamento, há uma fase denominada processo de habilitação, pela qual
os nubentes têm condição de evidenciar que estão aptos ao casamento, não havendo qualquer
impedimento para tanto.
Caio Mário, a esse respeito, explica que “o processo de habilitação tem por finalidade
proporcionar aos nubentes evidenciar a sua aptidão para o casamento” (PEREIRA, 2018, p. 19).
Assim, quando os nubentes pretendem se casar devem, então, iniciar esse processo de
habilitação perante o Oficial do Registro Civil, assinando, conjuntamente, o requerimento, de

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forma pessoal ou por meio de procurador. O requerimento deverá estar instruído com os
documentos arrolados na lei.
O processo de habilitação para o casamento desenvolve-se em quatro fases:
documentação, proclamas, certidão e registro.
a) Fase de documentação: estabelece o artigo 1.525/CC que o requerimento de
habilitação do casamento é firmado por ambos os cônjuges de próprio punho ou
por procurador e deve ser instruído com: certidão de nascimento ou documento
equivalente de ambos os pretensos cônjuges; autorização por escrito, se for o caso
em cuja dependência legal estiverem ou ato judicial que supra essa autorização;
declaração de duas testemunhas que atestem e conhecem os pretensos cônjuges, e
que não existam impedimentos entre eles; declaração de estado civil; declaração de
domicílio; declaração de residência atual dos pais dos contraentes; declaração de
residência atual dos próprios contraentes; se for o caso, juntar certidão de óbito do
cônjuge falecido ou da sentença que declarou a nulidade ou a anulação do
casamento anterior, transitada em julgado ou do registro da sentença de divórcio.
O art. 1.526/CC estabelece que essa habilitação será feita perante o Oficial de
registro civil, com audiência do MP. Já o parágrafo único do mesmo artigo, diz que
se houver impugnação do oficial ou do MP, ou de uma terceira pessoa, essa
habilitação será submetida ao juiz. Ou seja, se não houver a oposição ou essa
impugnação, não será necessária a submissão do processo de habilitação ao juiz,
prevalecendo, aqui, a ideia de desjudicialização da habilitação.
b) Fase de proclamas: conforme estabelece o artigo 1.527/CC, estando em ordem a
documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante 15 (quinze) dias nas
circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes e publicará na imprensa local
se houver. São os denominados proclamas do casamento. Esse edital deverá conter
um resumo do intento matrimonial dos nubentes, com seus nomes e dados, e
convocará terceiros a apontarem eventual impedimento de que tiverem
conhecimento. Para a confecção desse edital, o Oficial do Registro irá analisar
apenas a regularidade da documentação apresentada. Como se verá, existem
situações específicas em que a lei dispensa os proclamas, como, por exemplo, ocorre
no denominado casamento nuncupativo. Nessa fase dos proclamas, o artigo 1.528
estabelece que é dever do oficial do registro “esclarecer os nubentes a respeito dos
fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos
regimes de bens”. Nessa fase, poderão ser opostos os impedimentos e causas
suspensivas, que, conforme artigo 1.529/CC, deverão ser apresentados em
declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado ou com a
indicação do lugar onde possam ser obtidas. Se houver oposição de impedimentos,
cumpre ao Oficial do Registro dar aos nubentes ou seus representantes nota da
oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu (art.
1.530/CC). Com isso, cumprirá aos nubentes fazer prova contrária à arguição. Será
ouvido o Ministério Público e, ao final, a decisão caberá ao juiz.
c) Fase de certidão: findo o prazo dos proclamas, inexistindo oposição, ou sendo ela
julgada improcedente, e cumpridas as demais formalidades presentes em lei, será
extraída a certidão de habilitação, que é um certificado que habilita os nubentes ao
casamento, com prazo de 90 (noventa) dias. Nesse prazo, o casamento deverá ser
celebrado. O art. 1.532/CC indica que a certidão de habilitação tem validade por
noventa dias a contar o prazo da data em que foi extraído o certificado. Neste
período de tempo, os nubentes podem casar-se sem renovação do processo.
Escoado que seja, a sua revalidação depende de novo requerimento, podendo-se,
contudo, aproveitar a mesma prova apresentada no anterior (PEREIRA, 2018, p.

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335
125). Se a habilitação for indeferida, por qualquer motivo, caberá aos interessados
recorrer à via judicial, observando a Lei de Organização Judiciária local.
d) Fase de registro: com a celebração do casamento, que observará as disposições
previstas no artigo 1.533 e seguintes do CC, lavrar-se-á o assento no livro de registro.
Diz o artigo 1.536/CC que o assento será assinado pelo presidente do ato, pelos
cônjuges, as testemunhas e o oficial do registro. Esse assento destina-se a dar
publicidade ao casamento e servir de prova de sua realização e do regime de bens.
A celebração do casamento segue o regramento previsto no artigo 1.533 e seguintes do
Código Civil.
Conforme previsão legislativa, o casamento ocorrerá no dia e lugar previamente
designados pela autoridade que presidirá o ato.
O art. 98, II, da CF diz que a União, Estados, DF e territórios vão criar a Justiça de Paz, a
qual é remunerada, composta por cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, que
terão mandato de 4 anos, tendo competência para, dentre outras, celebrar casamentos. A Lei
de Organização Judiciária de cada Estado é que designa a referida autoridade. Em alguns
Estados, chama-se juiz de paz; em outros, o próprio juiz de direito é incumbido desse mister.
O ato solene do casamento será, em regra, realizado na sede do cartório com as portas
abertas, presentes pelo menos 2 testemunhas (art. 1.534, CC). O casamento poderá, entretanto,
ser realizado fora do cartório, com a concordância da autoridade, hipótese em que o edifício
escolhido para a celebração deverá permanecer com as portas abertas durante o ato. Neste
caso, sendo celebrado fora do cartório, o número de testemunhas que deverão estar presentes
será de no mínimo 4 testemunhas (art. 1.534, §2º, CC).
Também serão necessárias 4 testemunhas se algum dos contraentes for analfabeto, não
souber ou não puder escrever (art. 1.534, §2º, parte final).
As testemunhas, em qualquer dos casos, não são meramente instrumentárias, mas
participam do ato como representantes da sociedade, sem qualquer suspeição pelo fato de
serem parentes dos nubentes, uma vez que têm interesse, mais até que qualquer outra pessoa,
em que o enlace matrimonial se realize validamente (GONÇALVES, 2017, pg. 124).
Os nubentes deverão manifestar, de forma inequívoca, a vontade de se casarem, sendo
que, ocorrendo uma das hipóteses previstas no artigo 1.538/CC, a cerimônia será suspensa, não
sendo admitida retratação no mesmo dia. Assim é que se, brincando, um dos nubentes disser
que não quer se casar, não poderá se retratar no mesmo dia e a cerimônia será suspensa, só
podendo ser realizada em outra data. É o que estabelece o parágrafo único do artigo 1.538/CC.
Se esse não for o caso, o Oficial do Registro, após ouvir dos nubentes sobre a pretensão
do casamento por livre e espontânea vontade, vai declará-los casados, nos seguintes termos:
“De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por
marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados” (arts. 1.514 e 1.535 do CC).
A discussão que se trava em relação a essa declaração do Oficial de Registro diz respeito
à sua natureza, ou seja, se seria declaratória ou constitutiva. Em outras palavras, a discussão gira
em torno de se saber qual o momento em que se considera aperfeiçoado o casamento: no
momento da manifestação de vontade dos nubentes (hipótese em que a declaração do Oficial
deve ser considerada apenas declaratória da vontade dos nubentes) ou somente após a
manifestação do Oficial de Registro (caso em que essa declaração seria constitutiva do
casamento).
A importância da discussão se refere à situação, por exemplo, de os nubentes
manifestarem inequivocamente a vontade de se casarem e um deles morrer antes da declaração

333

336
do Oficial do Registro. Pergunta-se, nessa hipótese, se pode-se considerar celebrado ou não o
casamento?
Sobre o tema, Caio Mário explica que

já o Romano dizia que nuptias consensus facit: o que faz o matrimônio é o consenso.
O celebrante ouve a manifestação dos contraentes, e os declara casados. Como
representante do Estado, pronuncia a declaração de estarem unidos em matrimônio
aqueles que emitiram a manifestação de suas vontades neste sentido. A presença do
juiz é fundamental, mas sua declaração, sem embargo de boas opiniões em contrário
não é indispensável à validade do casamento (PEREIRA, 2018, pag. 130).

Em posição divergente, Carlos Roberto Gonçalves sustenta que

na verdade, a declaração do celebrante é essencial, como expressão do interesse do


Estado na constituição da família, bem como do ponto de vista formal, destinada a
assegurar a legitimidade da formação do vínculo matrimonial e conferir-lhe certeza.
Sem ela, o casamento perante o nosso direito é inexistente. Pode-se afirmar, pois,
que o ato só se tem por concluído com a solene declaração do celebrante. Basta
lembrar que a retratação superveniente de um dos nubentes, quando “manifestar-
se arrependido” (CC, art. 1.538, III) após o consentimento e antes da referida
declaração, acarreta a suspensão da solenidade. Tal fato demonstra que o
casamento ainda não estava aperfeiçoado e que a manifestação de vontade dos
nubentes só seria irretratável a partir da declaração do celebrante (GONÇALVES,
2017, pg. 128).

Em nossa opinião, a leitura dos artigos 1.514 e 1.535 do CC indica que o nosso Código
Civil considerou que é a vontade dos nubentes que determina o momento do casamento, sendo
que a manifestação do celebrante se revela como meramente declaratória.

2.6. ESPÉCIES DE CASAMENTOS

A presente classificação é adotada para fins didáticos, com o objetivo de chamar a


atenção para certas peculiaridades na forma de celebração de determinados casamentos ou em
razão da situação particular dos nubentes.
a) Casamento putativo (art. 1.561/CC): ocorre quando presente uma causa de
invalidação (nulidade ou anulabilidade) que não era conhecida dos nubentes quando da
celebração. Assim, se os nubentes encontravam-se, por exemplo, impedidos para o casamento,
mas desconheciam essa situação e a celebração efetivamente ocorre, o casamento, não
obstante nulo, será considerado putativo e produzirá efeitos para aqueles que estavam de boa-
fé quando da celebração. Exemplificando, se duas pessoas, desconhecendo a condição de
irmãos (suponhamos que um deles não tinha a declaração do nome do pai em sua certidão de
nascimento), se casam, esse casamento é nulo, posto que o artigo 1.521/CC prevê esse
impedimento. Assim, se após a celebração, descobrem a condição de irmãos, o casamento será
declarado nulo, mas haverá produção de efeitos, em especial quanto ao regime de bens. Porém,
essa produção de efeitos só favorecerá o cônjuge que estava de boa-fé no momento da
celebração. Essa observação tem importância porque se um dos cônjuges conhecia o
impedimento e, ainda assim, contraiu o casamento, a ele não valerá a regra da putatividade,
não podendo se beneficiar do regime de bens. Nesse caso, imaginemos que o casamento tenha
sido celebrado com o regime de comunhão parcial de bens e o casal tenha adquirido um imóvel
que se encontra registrado apenas no nome de um deles. Na hipótese, para que o cônjuge de
má-fé tenha direito a alguma parcela desse bem, deverá mostrar sua participação na aquisição,
porquanto, repita-se, não se beneficia do regime patrimonial de bens. Diferente seria a mesma
situação se estivesse de boa-fé, pois ainda que o imóvel estivesse no nome do outro cônjuge, a

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337
putatividade implicaria na prevalência do regime de bens e, consequentemente, haveria a
partilha do imóvel, na proporção de 50% para cada (comunhão parcial de bens).
O casamento putativo configura, assim, uma exceção à teoria das nulidades, conferindo
produção de efeitos mesmo na hipótese de nulidade. Configura uma indulgência com o cônjuge
de boa-fé, permitindo, mesmo com a declaração de invalidade, a produção de efeitos, até a
sentença, para o cônjuge de boa-fé, lembrando que, para a prole, o casamento mesmo
invalidado, sempre produzirá efeitos.
A apuração da boa-fé, como foi visto, ocorre no momento da celebração do casamento.
A boa-fé conceitual do matrimônio putativo é a ignorância da causa de sua nulidade,
não se exigindo a análise sobre a escusabilidade ou não do erro.
b) Casamento em caso de moléstia grave (art. 1.539/CC): estabelece a legislação que,
se um dos nubentes estiver acometido por uma moléstia grave, o presidente do ato, oficial de
registro, vai celebrar o casamento onde estiver a pessoa, podendo, inclusive, ser celebrado à
noite, se houver urgência.
O casamento é celebrado perante 2 testemunhas, e a urgência pode dispensar o
processo prévio de habilitação.
Prevê, ainda, a legislação que na falta ou impedimento da autoridade competente do
local, essa falta ou impedimento será suprida por qualquer dos substitutos legais do juiz de paz.
Se a falta for do oficial de registro, ela será suprida por um oficial ad hoc, nomeado pelo
juiz de paz para aquele ato.
c) Casamento nuncupativo ou extremis vitae momentis ou in articulo mortis (art.
1.540/CC): seria o casamento realizado na situação extrema, ou, como popularmente se diz, “à
beira da morte”.
O art. 1.540/CC diz que quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida,
não obtendo a presença da autoridade, a qual incumbiria presidir o ato, este casamento poderá
ser celebrado na presença de 6 testemunhas, que não tenham parentesco em linha reta ou
colateral com os nubentes.
Realizado o casamento nessa situação, as 6 testemunhas deverão comparecer perante
a autoridade judicial no prazo de 10 dias, pedindo que essa autoridade judicial tome por termo
suas declarações. Elas irão dizer, então, que foram convocadas por parte do enfermo. E que o
enfermo estava realmente em perigo de vida, mas estava em seu juízo, sabendo o que estava
fazendo, além de que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente
receber-se por marido e mulher.
O pedido será autuado e, após a tomada das declarações das testemunhas, o juiz
procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado.
Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, ele será tido como válido.
Essas formalidades todas serão dispensadas se o enfermo convalescer e puder ratificar
o casamento na presença do juiz e da autoridade competente (juiz de paz eventualmente, e o
oficial de registro).
d) Casamento por procuração (art. 1.542/CC): o casamento pode ser celebrado por
procuração, sendo esta por instrumento público, com poderes especiais. A eficácia desse
mandato não pode ultrapassar 90 dias. Inclusive, os dois nubentes podem se fazer representar
por procuradores na cerimônia de casamento. A pergunta que se coloca é: podem os dois
nubentes ter o mesmo procurador?

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Sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves explica que “Se ambos não puderem
comparecer, deverão nomear procuradores diversos. Como a procuração é outorgada para o
mandatário receber, em nome do outorgante, o outro contraente, deduz-se que ambos não
podem nomear o mesmo procurador, até porque há a obrigação legal de cada procurador atuar
em prol dos interesses de seu constituinte, e pode surgir algum conflito de interesses”
(GONÇALVES, 2017, p. 133).
Outorgada procuração para o casamento, posterior revogação do mandato deve ser por
instrumento público. No caso de se realizar a cerimônia, sem a ciência do mandatário e do outro
contraente acerca da revogação feita, o Código considera o casamento anulável (art. 1.550, V).
Neste caso, responde o mandante por perdas e danos.
e) Casamento avuncular: como já esclarecido em tópico próprio, o casamento de tio(a)
com sobrinho(a) é permitido desde que haja atendimento ao disposto no Decreto-Lei 3.200/41.
O casamento entre esses colaterais de terceiro grau é denominado avuncular.
f) Casamento religioso com efeitos civis: o art. 226, §2º da CF, diz que o casamento
religioso tem efeitos civis nos termos da lei. Essa matéria é regulamentada pelo art. 1.515/CC,
que estabelece que o casamento religioso, que atender às exigências da lei para validade do
casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos
a partir da data da sua celebração.
Portanto, esse registro terá efeitos retroativos à data da celebração do casamento
religioso.
Duas são as situações possíveis do casamento religioso com efeitos civis:
- 1ª situação: o casamento religioso foi precedido de habilitação, hipótese em que
deverá ser registrado no prazo decadencial de 90 dias, sob pena de nova habilitação.
- 2ª situação: o casamento religioso ocorreu sem prévia habilitação. Nessa hipótese, o
registro poderá ser feito a qualquer momento, desde que haja prévia habilitação, nos
termos já estudado.
Em qualquer hipótese, o registro do casamento retroagirá seus efeitos à data da
celebração do casamento.

2.7. INVALIDAÇÃO DO CASAMENTO

No estudo da invalidação do casamento, é preciso compreender os três planos pelos


quais passa a análise do casamento, que seriam: plano da existência, da validade e da eficácia
(teoria ponteana).
Assim é que o estudo abrange os requisitos para a existência do casamento (plano da
existência), a análise das situações de nulidade e anulabilidade (plano da validade) e os efeitos
decorrentes do casamento válido (plano da eficácia).
Não há sentido analisar a validade do casamento se antes não se verifica se ele
efetivamente existe. Da mesma forma, só se analisa a eficácia de um casamento válido. Assim é
que, num primeiro momento, é preciso verificar os requisitos de existência, para só então
passar-se à análise da validade e eficácia.
a) Casamento inexistente: o casamento inexistente é aquele em que não estão
presentes os requisitos de existência, que são: o consentimento e a presença da autoridade
competente.
O consentimento, aqui analisado, é aquele que fora emitido sem coação física.

336

339
Além disso, é preciso que haja uma autoridade absolutamente competente, em razão
da matéria, para celebração do ato.
Nesse sentido, a partir desses dois requisitos, temos duas hipóteses de casamento
inexistente, a saber:
- casamento em que não há manifestação de vontade dos nubentes (ou vontade
decorrente de coação física); e
- casamento celebrado por autoridade absolutamente incompetente em razão da
matéria (pessoa que não era juiz de paz, por exemplo).
É importante destacar que antes da mudança de entendimento acerca do casamento
homoafetivo, constituía hipótese de inexistência do casamento a identidade de sexos dos
nubentes, porquanto se entendia que um dos requisitos de existência era exatamente a
diversidade de sexos. Como foi visto, essa hipótese perdeu a razão de ser em decorrência das
decisões do STF que trataram da união homoafetiva, reconhecendo-a como entidade familiar
com proteção do Estado. Após as decisões do STF, o CNJ, por meio da Res. 175/13, veda às
autoridades competentes de todo o Brasil a recusa à habilitação, celebração ou conversão de
união estável em casamento das pessoas do mesmo sexo.
b) Casamento nulo: o casamento nulo é aquele celebrado com infringência a
impedimento matrimonial, ou seja, a uma das hipóteses previstas no artigo 1.521/CC. Assim
sendo, qualquer casamento celebrado com violação aos impedimentos previstos no artigo
1.521/CC será nulo, ressalvando-se apenas a hipótese do casamento entre colaterais de terceiro
grau que, como visto, pode ser realizado, com observância ao disposto no Decreto-Lei 3.200/41.
A nulidade, aqui analisada, diferencia-se da anulabilidade porque não admite
convalidação, de modo que o casamento nulo não será aproveitado, devendo ser declarada a
nulidade, que retroage à data da celebração. A sentença, na hipótese, é declaratória, com
efeitos ex tunc.
São efeitos e características da competente ação cabível para declaração de nulidade do
casamento:
• imprescritível: a nulidade não vai se convalescer com o decurso do tempo;
• promovida por ação direta: pode ser proposta por qualquer interessado, e como se
trata de ordem pública, pode ser proposta pelo MP. Além disso, o próprio juiz, de
ofício, pode declarar a nulidade em questão;
• sentença que declara a nulidade tem efeitos retroativos à data de celebração do
casamento:não poderá prejudicar terceiros de boa-fé, tampouco aquisição de
direitos onerosos resultantes de sentença transitada em julgado. Deve-se, ainda,
observar o que foi dito acerca do casamento putativo, no qual, em razão da boa-fé
dos nubentes, haverá reconhecimento de direitos patrimoniais, mesmo com a
nulidade do casamento.
c) Casamento anulável: o casamento anulável é aquele sujeito à convalidação. As
hipóteses de anulabilidade estão previstas no artigo 1.550/CC e são elas:
- casamento de quem não completou a idade mínima para casar;
- casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante
legal;
- casamento por vício da vontade;
- casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o
consentimento;

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- casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da
revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
- casamento por incompetência da autoridade celebrante.
c.1) Casamento de quem não completou a idade mínima para casar: como vimos, após
a mudança legislativa que alterou a redação do artigo 1.520/CC, a idade mínima para casar
passou a ser 16 anos. Entretanto, se eventualmente o menor com idade inferior a 16 anos
conseguir se casar, esse casamento será anulável e não nulo.
O prazo decadencial para ação de anulação é de 180 dias (artigo 1.560, §1º, CC) e deve
observar que:
- se proposta pelo próprio menor, começa a contar da data em que completar 16 anos;
- se proposta pelos demais legitimados, começa a contar da data do casamento.
A ação anulatória, no caso, pode ser proposta (art. 1.552/CC):
- pelo próprio cônjuge menor;
- pelos seus ascendentes.
c.2) Casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu
representante legal: o casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu(s)
representante(s) legal(is), também é um casamento anulável.
O prazo para propositura da ação anulatória é de 180 dias (art. 1.555/CC) e deve
observar que:
- se proposta pelo menor, começa a contar da data em que cessar a incapacidade;
- se proposta pelo representante legal, começa a contar a partir da data da celebração
do casamento;
- se, por fim, proposta por um herdeiro necessário, começa a contar da data do óbito do
menor.
O transcurso do prazo decadencial, sem que haja anulação, importará em sua
convalidação para todos os efeitos.
É importante destacar o disposto no §2º do artigo 1.555/CC, que estabelece que não se
anulará o casamento quando à sua celebração houverem assistido os representantes legais do
incapaz ou tiverem, por qualquer motivo, manifestado sua aprovação.
c.3) Casamento com coação moral: a lei prevê também que o casamento realizado com
coação moral será anulável. A coação moral, conforme artigo 1.558/CC, ocorre quando o
consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor
de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.
Nessa situação, o prazo decadencial para a ação anulatória será de 4 anos, contados da
celebração do casamento (art. 1.560,IV/CC).
A ação, no caso da coação moral, é personalíssima, somente podendo ser proposta pelo
coagido (art. 1.559/CC).
O artigo 1.559/CC prevê, ainda, que na hipótese de coação, a coabitação, havendo
ciência do vício, valida o ato. É mais uma hipótese de convalidação.
c.4) Casamento com erro essencial: o vício de vontade consistente no erro essencial
também é hipótese de anulação do casamento. É importante destacar que para anulação do
casamento nessa hipótese de erro, é preciso que estejam reunidos os seguintes requisitos de

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341
forma cumulativa: erro essencial anterior ao casamento (hipóteses previstas no artigo 1.557/CC)
+ descoberta após o casamento + a descoberta torna a vida em comum insuportável.
Consoante artigo 1.557/CC, considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro
cônjuge:
i) O erro que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal
que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. A
doutrina costuma citar, como exemplos de erro sobre a pessoa: casamento com um dos gêmeos
quando se pretendia com o outro; atividades de prostituição do homem ou da mulher;
perversão do instinto sexual; homossexualidade desconhecida;
ii) A ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne
insuportável a vida conjugal: um exemplo dessa hipótese seria o caso de a mulher descobrir,
após o casamento, que o marido era traficante de drogas;
iii) A ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não
caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz
de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência: a doutrina cita, como
exemplo, a hipóteses de hermafroditismo. Cabe destacar que o defeito físico, citado nesse
inciso, que enseja a anulação do casamento é o defeito que impede o ato sexual, ou seja, a
incapacidade denominada coeundi ou incapacidade instrumental. Isso significa que a chamada
incapacidade generandi ou incapacidade de fecundação (incapacidade para ter filhos) não é
hipótese de anulação do casamento
O prazo decadencial para anular o casamento por erro in persona é de 3 anos, contados
da celebração do casamento (art. 1.560, III/CC). Essa ação também é personalíssima (art.
1.559/CC).
A coabitação posterior, sabendo do vício, convalida o casamento, salvo nas hipóteses de
defeito físico irremediável ou a moléstia grave (art. 1.559/CC).
c.5) Casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o
consentimento: o casamento do incapaz de consentir ou de manifestar a sua vontade de modo
inequívoco pode ser anulado. Essa situação engloba o casamento dos ébrios habituais,
alcoólatras, viciados em tóxicos e daquelas que por causa transitória não puderem exprimir a
sua vontade. Nestes casos, o casamento será considerado anulável.
Dessa forma, percebe-se que o inciso IV do artigo 1.550 não foi revogado pelo Estatuto
do Deficiente, o qual acrescentou o § 2º ao mesmo artigo, segundo o qual “a pessoa com
deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua
vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”.
Nesses casos, o prazo decadencial para anulação do casamento também é de 180 dias,
contados da celebração do casamento (art. 1560, I/CC).
c.6) Casamento realizado por procuração com revogação antes da celebração, mas
sem conhecimento do mandatário e do outro cônjuge: pode acontecer de a revogação
outorgada para o casamento ser revogada sem que o mandatário e o outro cônjuge tomem
conhecimento da revogação. Nessa hipótese, realizada a celebração, o casamento será anulável.
O prazo da ação anulatória será decadencial de 180 dias, contados do momento em que
o mandante toma o conhecimento de que o casamento, a despeito da revogação do mandato,
foi celebrado (art. 1.560, §2º/CC).
A legitimidade para a ação de anulação, nessa hipótese, é apenas do mandante, em
caráter personalíssimo, sendo o ato convalidado pela coabitação (art. 1.550, V, parte final/CC).

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342
c.7) Casamento realizado por autoridade relativamente incompetente: foi visto,
quando da análise do plano da existência do casamento, que a celebração feita por autoridade
absolutamente incompetente importa em inexistência do casamento. Já a celebração realizada
por autoridade relativamente incompetente ensejará a anulabilidade do ato.
A incompetência relativa do celebrante está relacionada à região em que pode celebrar
casamentos. Assim, um juiz de paz é investido pelo Estado dos poderes para celebração de
casamentos, tornando-se autoridade absolutamente competente para o ato. Porém, sua
competência tem limitação territorial, que, uma vez não observada, enseja a anulabilidade do
casamento.
O prazo será decadencial de 2 anos, contados da data da celebração do casamento (art.
1.560,II/CC).
Sobre a incompetência da autoridade celebrante, é importante destacar o disposto no
art. 1.554/CC que trata da denominada teoria da aparência, aplicável ao celebrante. Diz o
referido artigo que subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência
exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver
registrado o ato no Registro Civil.
d) Casamento eficaz: vimos que os três primeiros planos de análise do casamento são
os planos da existência e da validade. Isso significa que antes de analisarmos a eficácia do
casamento, é preciso verificar se ele existe e se é válido. Em outras palavras, é preciso antes
verificar se houve consentimento livre de coação física e se o celebrante era absolutamente
competente para a celebração. Preenchidos esses requisitos, o casamento será existente e
poder-se-á analisar sua validade, com a verificação de há hipótese de nulidade (violação aos
impedimentos) ou anulabilidade (art. 1.550/CC). Não sendo o caso de nulidade ou anulabilidade,
a análise será, então, quanto a eficácia do casamento.
A eficácia de qualquer fato jurídico em sentido amplo refere-se à produção dos efeitos.
No caso do casamento, superados os planos da existência e da validade, o casamento
está apto a produzir todos os efeitos previstos em lei.

2.8. EFEITOS DO CASAMENTO

O casamento válido produz, então, vários efeitos, tanto no plano pessoal, quanto no
social e patrimonial.
Podemos resumir os efeitos no seguinte esquema:

2.8.1. EFEITOS SOCIAIS DO CASAMENTO

- cria a família matrimonial;


- estabelece o vínculo de afinidade;
- acarreta a emancipação.

2.8.2. EFEITOS PESSOAIS

- fidelidade mútua;
- coabitação;
- mútua assistência e respeito e consideração mútuos;
- igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges;

340

343
- sustento, guarda e criação dos filhos.

2.8.3. EFEITOS PATRIMONIAIS

- cria a sociedade conjugal;


- estabelece direito sucessório;
- dever de alimentar o outro cônjuge;
- institui o bem de família;
- estabelece o regime de bens entre o casal.

2.9. PROVAS DO CASAMENTO

A forma regular de prova do casamento é a apresentação da certidão extraída a partir


do registro do casamento. Todavia, como bem alerta Caio Mário,

pode faltar, contudo, este meio probatório, pela perda ou perecimento do livro, pela
destruição do próprio cartório, ou mesmo se o oficial não tiver lavrado o termo por
desleixo ou má-fé. Nestes casos, é admissível outro meio qualquer, como seja o título
eleitoral, o registro em repartição pública, mediante justificação requerida ao juiz
competente. Alguns fazem, todavia, uma distinção: quando o interessado pretende
provar o casamento, reclamando em proveito próprio os seus efeitos, deve dar prova
cabal do ato; mas se se trata de prová-lo para qualquer outro fim, aceitam-se todos
os meios ordinários de prova, a exemplo do registro em repartição pública. O Código
Civil, no parágrafo único do art. 1.543, determina que, além da certidão do registro,
admita-se outra espécie de prova na falta ou perda do registro civil. A justificação
poderá ser “tomada por termo” e deverá ser apreciada pela autoridade judicial
(PEREIRA, 2018, pg. 13).

Existem, assim, três formas de comprovação do casamento:


- certidão de registro do casamento;
- prova indireta, fundada na posse do estado de casado: para isso, são necessários 3
requisitos para sua comprovação: nomen (um cônjuge tem que utilizar o nome de outro
cônjuge); tractatus (é o tratamento dado entre as partes, como se casados fossem) e a fama ou
reputatio (a sociedade reconhece as partes como pessoas casadas);
- prova direta supletória: Supondo que o sujeito tenha se casado e se registrado, sendo
extraído uma certidão a qual foi perdida. Nesse caso, far-se-á prova direta complementar ou
supletória. Justificada a perda do registro civil, é admitida qualquer outra prova, como o
passaporte ou outros documentos que tragam a informação da condição de casado.

2.10. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

2.10. 1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CASAMENTO. PESSOAS. IGUALDADE. SEXO. In casu, duas


mulheres alegavam que mantinham relacionamento estável há três anos e
requereram habilitação para o casamento junto a dois cartórios de registro civil, mas
o pedido foi negado pelos respectivos titulares. Posteriormente ajuizaram pleito de
habilitação para o casamento perante a vara de registros públicos e de ações
especiais sob o argumento de que não haveria, no ordenamento jurídico pátrio,
óbice para o casamento de pessoas do mesmo sexo. Foi-lhes negado o pedido nas

341

344
instâncias ordinárias. O Min. Relator aduziu que, nos dias de hoje, diferentemente
das constituições pretéritas, a concepção constitucional do casamento deve ser
plural, porque plurais são as famílias; ademais, não é o casamento o destinatário
final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior,
qual seja, a proteção da pessoa humana em sua dignidade. Assim sendo, as famílias
formadas por pessoas homoafetivas não são menos dignas de proteção do Estado se
comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.
O que se deve levar em consideração é como aquele arranjo familiar deve ser levado
em conta e, evidentemente, o vínculo que mais segurança jurídica confere às famílias
é o casamento civil. Assim, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor
protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela
CF/1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar,
independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias
constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos
daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das
pessoas e o afeto. Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ
quanto pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da
união estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil,
ademais porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável
em casamento (art. 226, § 3º). Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por
maioria, deu provimento ao recurso para afastar o óbice relativo à igualdade de
sexos e determinou o prosseguimento do processo de habilitação
do casamento, salvo se, por outro motivo, as recorrentes estiverem impedidas de
contrair matrimônio. REsp 1.183.378-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
25/10/2011. (INF. 486).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CASAMENTO. ANULAÇÃO. DOMICÍLIO. EXTERIOR. Descabe


a homologação de sentença estrangeira de ação de anulação
de casamento realizado no Brasil - art. 7º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil
- independentemente de os cônjuges serem domiciliados fora do país. No caso,
pretendia anular-se o casamento no Japão devido aos impedimentos de
bigamia. SEC 1.303-EX, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgada em 5/12/2007. (INF.
341).

3. REGIME DE BENS

3.1. DISPOSIÇÕES GERAIS

O regime de bens é um dos efeitos patrimoniais do casamento. É um conjunto de regras


de ordem privada, relacionadas com interesses patrimoniais resultantes da entidade familiar.
Como bem esclarece Caio Mário, os regimes de bens “constituem, pois, os princípios jurídicos
que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges, na constância do matrimônio”
(PEREIRA, 2018, pg. 186).
O estudo dos regimes requer a análise prévia dos princípios que os regem, a saber:
• Princípio da autonomia privada: as partes poderão, como regra geral, escolher um
regime diferente do regime legal (exceção é o artigo 1.641/CC), inclusive adaptando
os regimes, desde que não viole norma de ordem pública. O art. 1.639 diz que é
lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus
bens, o que lhes aprouver. O exercício dessa autonomia privada se dá através de um
contrato ou pacto. Como esse pacto se dá antes da celebração do casamento (antes
das núpcias), esse pacto é chamado de pacto antenupcial, e terá eficácia a partir do
casamento.

342

345
• Princípio da indivisibilidade do regime de bens: o regime de bens é indivisível em
relação aos cônjuges, não podendo ser um regime de bens para um dos cônjuges e
outro regime para o outro cônjuge.
• Princípio da variedade do regime de bens: a legislação prevê, de forma expressa,
quatro regimes de bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação total e
participação final nos aquestos. Além de poder, em regra, escolher qualquer um
desses regimes, é possível aos nubentes mesclá-los para criar um regime novo,
desde que não viole norma de ordem pública.
• Princípio da mutabilidade justificada: o Código Civil possibilita a alteração
justificada do regime de bens, desde que haja autorização judicial nesse sentido. O
juiz apreciará as razões de justificação de alteração do regime de bens, ficando
ressalvados os direitos de terceiros, os quais não experimentarão o regime de bens
inicialmente fixado (art. 1.639,§2º/CC). O NCPC, no art. 734, trata das possibilidades
e procedimentos especiais quanto à alteração de regime de bens. Para promover a
alteração de regime de bens, é preciso que a petição inicial seja proposta por ambos
os nubentes, sendo uma hipótese de jurisdição voluntária. O §1º do art. 734 diz que,
ao receber a petição inicial, o juiz vai determinar a intimação do MP e a publicação
de edital em que se divulgue essa pretendida modificação do regime de bens. Após
30 dias da publicação do edital, o juiz poderá decidir sobre a modificação do regime
de bens. Os efeitos da alteração do regime de bens são ex nunc, não retroagindo,
portanto, tendo efeito a partir do trânsito em julgado da decisão que alterou o
regime de bens. Note-se que o Código anterior não permitia a alteração do regime
de bens. Entretanto, ainda que o casamento tenha sido celebrado na vigência da
legislação anterior, poderá haver a alteração, porquanto o regime de bens, como se
viu, está no plano da eficácia do casamento e, conforme art. 2.035/CC, em relação
à eficácia, aplicam-se as normas da atualidade.

3.2. REGRAS GERAIS QUANTO AO REGIME DE BENS

O regime legal de bens é o da comunhão parcial. Isso significa que, na falta de pacto
antenupcial ou sendo este nulo ou ineficaz, prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens
(art. 1.640/CC).
O art. 1.640, parágrafo único, do CC, diz que poderão os nubentes, no processo de
habilitação, optar por qualquer dos regimes que o código regula. Quanto à forma, será reduzido
a termo a opção pela comunhão parcial, sendo que, se a opção for por outro regime de bens,
será necessário fazer o pacto antenupcial por escritura pública.
Veja que a lei exige escritura pública para a realização do pacto antenupcial (ato solene),
que nada mais é do que um contrato bilateral que trata do regime de bens escolhido pelo casal.
Temos, então, que não havendo convenção, o regime legal é o da comunhão parcial.
Pretendendo, entretanto, outro regime, os nubentes terão que se valer do pacto antenupcial,
observando sua forma solene.
Entretanto, em algumas hipóteses, a lei impõe o regime da separação obrigatória de
bens. Estas hipóteses estão previstas no art. 1.641/CC, que impõe, assim, o regime de separação
obrigatória de bens para:
- pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do
casamento;
- pessoa maior de 70 (setenta) anos;

343

346
- todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Há uma forte discussão quanto à constitucionalidade da imposição do regime da
separação obrigatória para os maiores de 70 anos. Parte da doutrina alega que essa imposição
discrimina o idoso. Entretanto, não houve declaração de inconstitucionalidade do dispositivo,
de modo que prevalece a imposição.
Os artigos 1.642 e 1.643/CC consagram atos que podem ser praticados por qualquer dos
cônjuges, sem a necessidade de autorização do outro, independentemente do regime de bens
adotado pelos consortes.
Assim é que um dos cônjuges poderá fazer sem autorização do outro:
• praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho
de sua profissão;
• administrar os bens próprios;
• desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o
seu consentimento ou sem suprimento judicial;
• demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval,
realizados pelo outro cônjuge;
• reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro
cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo
esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de 5 anos;
• praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente;
• comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;
• obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.
O art. 1.647 diz que alguns atos e negócios jurídicos vão exigir a outorga conjugal. Se for
da esposa, essa é denominada outorga uxória. Sendo do marido, chama-se outorga marital.
A outorga é dispensada na hipótese de casamento celebrado com o regime da separação
absoluta de bens (art. 1647, caput, 1ª parte/CC).
Em relação à separação absoluta de bens, a doutrina diz que é possível a alienação de
bens, imóveis e móveis, sem a necessidade de outorga do outro cônjuge.
No entanto, em relação à separação obrigatória, é preciso ficar atento ao que dispõe a
súmula 377 do STF, que estabelece que, no regime de separação legal de bens, comunicam-se
os bens adquiridos na constância do casamento. A redação dessa súmula aproxima o regime da
separação legal de bens do regime de comunhão parcial de bens.
No caso do regime da separação obrigatória de bens, que decorre da lei, prevalece o
entendimento de que é necessária a outorga do outro cônjuge para alienar bens, já que há bens
passíveis de partilha.
A Súmula 377 do STF é anterior ao Código Civil de 2002 e a pergunta que se faz é se ela,
com a nova legislação, ainda deve ser aplicada. Essa pergunta decorre do fato de o legislador de
2002, tendo podido incluir de forma expressa sua redação no Código Civil, não o fez, o que
ensejou o entendimento de que, se assim não ocorreu, é porque não queria adotar seu
entendimento. Com isso, a súmula estaria superada.
Entretanto, conforme jurisprudência atualizada do STJ, esse entendimento não
prevaleceu, tendo aquela Corte entendido que o artigo 1.641/CC deve ser interpretado em
conjunto com a Súmula 377/STF, em especial porque ao se ler a redação original do artigo
164/CC, verificamos que o caput continha a expressa menção a “sem comunhão de aquestos”.
Ou seja, a redação original afastava de forma expressa a aplicação da súmula 377/STF. Com a
retirada da expressão, pode-se entender que o legislador quis permitir a comunicação.

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347
Assim, sendo aplicável a súmula 377/STF, temos que possível a comunicação dos
denominados aquestos e, por conseguinte, torna-se necessária a outorga do outro cônjuges nas
hipóteses previstas no artigo 1.647/CC.
O referido artigo estabelece a necessidade de outorga nas seguintes hipóteses:
- para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis
- para pleitear, como autor ou réu, os direitos que recaem sobre bens imóveis;
- para prestar fiança ou aval;
- para fazer uma doação, desde que não seja remuneratória.
São consideradas válidas as doações núpcias feitas aos filhos, quando estes se casarem,
ou então quando os filhos estabelecerem uma economia separada.
Para as demais, será necessária a outorga conjugal ou marital.
A falta de outorga conjugal pode ser suprida pelo juiz, podendo se dar quando (art.
1.648/CC):
- o cônjuge não puder conceder essa outorga;
- o cônjuge denega essa outorga de forma injusta.
A ausência de outorga conjugal, se não houver suprimento pelo juiz, gera anulação do
negócio jurídico, sendo uma nulidade relativa. Para anular o negócio jurídico, será necessário
propor ação anulatória, que terá prazo decadencial de 2 anos, contados da dissolução da
sociedade conjugal.
Essa ação poderá ser proposta tanto pelo cônjuge preterido como pelos herdeiros.
Em relação à administração dos bens do casamento, ambos os cônjuges administrarão
conjuntamente. Todavia, é possível que apenas um deles exerça essa administração, quando um
deles não puder exercê-lo. Nesse caso, cabe ao cônjuge que exerce a administração dos bens
sozinho gerir os bens comuns e os bens do consorte (art. 1.651/CC).
Caberá a este consorte administrar os bens comuns, podendo alienar os bens imóveis
comuns, e, quanto aos bens móveis ou imóveis do consorte, dependerá de autorização judicial.

3.3. PACTO ANTENUPCIAL

Pacto antenupcial é um contrato celebrado antes das núpcias, ou seja, antes que o
casamento seja celebrado. O pacto antenupcial é um contrato formal e solene (escritura
pública), pelo qual as partes irão regulamentar as questões patrimoniais relativas ao casamento.
Deve ser feito por escritura pública, sendo considerado nulo quando não é observada essa
formalidade legal (art. 1.653/CC).
Ressalte-se que o pacto celebrado de forma regular, sem que haja posterior casamento,
é considerado válido, porém ineficaz. Isso significa que a ausência de casamento não torna nulo
o pacto antenupcial, mas tão somente ineficaz.
A nulidade do pacto antenupcial não contamina o casamento. Assim, se o pacto
antenupcial for considerado nulo, persiste a validade do casamento. Porém, o regime de
casamento será o da comunhão parcial de bens. É o que dispõe o artigo 1.640, caput/CC.
O art. 1.655/CC diz que é nula a convenção ou cláusula do pacto antenupcial que conflite
com norma de ordem pública. Um exemplo de nulidade de convenção é a previsão de cláusula
que exclui o direito à sucessão no regime de comunhão parcial de bens ou a cláusula que
consagra que a administração dos bens será exercida exclusivamente pelo marido.

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Diante de uma nulidade de apenas uma cláusula do pacto antenupcial, não haverá a
nulidade do pacto por inteiro, por conta do princípio da conservação dos negócios jurídicos.
Para que o pacto antenupcial tenha efeitos erga omnes, deverá ser averbado no livro
especial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.

3.4. REGIME DE BENS EM ESPÉCIE

O Código Civil prevê, de forma expressa, quatro regimes de bens, sem prejuízo da
possibilidade de criação de um outro modelo, desde que não haja violação à norma de ordem
pública.
Os regimes regulamentados e previstos pelo Código Civil são:
• regime da comunhão parcial de bens;
• regime da comunhão universal de bens;
• regime de participação final dos aquestos;
• regime da separação de bens.
Como dito, esse rol não é taxativo, mas meramente exemplificativo.

3.4.1. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

O regime da comunhão parcial de bens é o regime legal, que prevalece na falta de pacto
antenupcial ou na hipótese de nulidade ou ineficácia dessa convenção (art. 1.640/CC).
A regra básica do regime de comunhão parcial de bens é a de que se comunicam os bens
havidos, a título oneroso, na constância do casamento. Os bens comunicáveis formam os
denominados aquestos. Em relação a estes aquestos, o outro cônjuge terá direito à metade
(meação), independentemente de qualquer tipo de contribuição para a aquisição.
Existem bens que, entretanto, não se comunicam (incomunicáveis), estando excluídos,
portanto, da comunhão, conforme o art. 1.659/CC. São eles:
• bens que cada cônjuge já possuía ao se casar e os bens havidos por doação ou
sucessão, bem como os sub-rogados em seu lugar não se comunicam;
• bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em
sub-rogação dos bens particulares;
• obrigações anteriores ao casamento;
• obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
• bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
• proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
• Pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Como se percebe, prevalece a regra de que os bens adquiridos, a partir do casamento e
a título oneroso, entrarão na comunhão. Em razão disso é que os bens recebidos, por apenas
um dos cônjuges, por doação ou sucessão, não entrarão na comunhão, já que recebidos a título
gratuito e, por conseguinte, fora da regra geral da onerosidade. Assim é que, caso o doador
queira beneficiar os dois cônjuges, casados pelo regime da comunhão parcial de bens, deverá
fazer a doação ao casal.
Pela mesma razão da regra geral, os bens sub-rogados no lugar dos particulares
conservam a natureza de bens particulares e por isso não entram na comunhão. Se uma pessoa
possui um apartamento antes de se casar e adota o regime da comunhão parcial de bens, esse
imóvel será bem particular daquele que o detinha antes do casamento. Caso venda o
apartamento e compre uma casa pelo mesmo valor, o bem adquirido conservará a natureza de

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bem particular. O que vale ressaltar aqui é o ônus da prova quanto à sub-rogação, já que numa
eventual separação/divórcio, a se considerar a data da aquisição do bem (durante o casamento),
o outro cônjuge poderá formular pedido de partilha, competindo então ao proprietário do bem
particular provar que, não obstante adquirido na constância do casamento, trata-se de bem sub-
rogado no lugar de um imóvel adquirido antes do casamento.
Além da previsão do artigo 1.659/CC, a lei considera incomunicáveis os bens cuja
aquisição tenha por título uma causa anterior ao casamento (art. 1.661/CC). Ou seja, não irá se
comunicar um bem aquele que tenha por motivo uma causa anterior ao casamento.
Dessa forma, se uma pessoa, solteira, vende um terreno e parcela a venda em, por
exemplo 10 prestações. Caso venha a se casar durante o período do parcelamento, essa quantia
recebida pela alienação de bem particular não entrará na comunhão, pois se trata de um bem
que tem por título uma causa anterior à celebração do casamento.
O art. 1.660/CC traz um rol de bens comunicáveis, que são:
• bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em
nome de um;
• dos cônjuges;
• bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa
anterior;
• bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
• benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
• frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Vê-se que no inciso I, o legislador expõe a regra geral do regime de comunhão parcial,
pela qual todos os bens adquiridos a título oneroso, na constância da união, são comunicáveis.
O inciso II trata da hipótese do fato eventual, cujo exemplo mais comum seria o prêmio
de loteria. Assim, ainda que apenas um tenha comprado o bilhete premiado, o prêmio entra na
comunhão.
Já no inciso III, temos o reforço à regra geral de que somente os bens adquiridos a título
oneroso entram na comunhão. Assim é que, para que bens recebidos a título gratuito
comuniquem-se entre os cônjuges, é preciso que a doação seja feita ao casal. A mesma regra
vale para a herança e o legado.
No inciso IV, encontramos a previsão de comunhão das benfeitorias feitas no bem
particular. Se é certo que os bens adquiridos antes do casamento não se comunicam, certo
também que se houver alguma benfeitoria nesses bens durante a união, quanto a essas, haverá
comunicação.
Por fim, o inciso V trata dos frutos dos bens comuns e dos particulares. Relativamente
aos bens comuns, nenhuma dúvida há quanto à comunhão porquanto o bem que os gera já
pertence ao casal. Maior atenção deve ser dada à questão dos bens particulares. Não obstante
pertencentes a apenas um dos cônjuges, caso esses bens produzam frutos, quanto a estes
haverá comunhão. O exemplo mais comum é o do aluguel. Se um dos cônjuges possuir um
imóvel alugado, os valores decorrentes da locação, recebidos durante o casamento, são
comunicáveis.
É possível acrescentar ao rol de bens comunicáveis as verbas trabalhistas cujo fato
gerador tenha ocorrido durante o casamento. Assim, se, por exemplo, uma pessoa casada em
regime da comunhão parcial de bens, durante o casamento faz horas extras e não recebe por
elas, promovendo, por conseguinte, uma ação trabalhista, caso a ação seja finalmente julgada

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350
quando já divorciado, ainda assim o outro cônjuge fará jus à meação dos valores daí decorrentes.
Isso porque o fato gerador ocorreu durante o casamento.
Relativamente aos bens móveis, o Código Civil consagra uma presunção relativa de que
estes bens foram adquiridos na constância da sociedade conjugal (art. 1.662/CC), motivo pelo
qual deve haver a comunicação desses bens, salvo prova de que adquirido antes do casamento.
Conforme estabelece o artigo 1.663/CC, a administração do patrimônio comum do casal
compete a qualquer um dos cônjuges (princípio da igualdade).
Os bens da comunhão respondem por obrigações contraídas pelo marido ou pela
mulher, desde que tenham sido contraídas para atender aos encargos da família.
As dívidas contraídas no exercício dessa administração vão obrigar os bens comuns do
casal, como também os bens particulares do cônjuge que está administrando os bens comuns.
Além disso, conforme estabelece o artigo 1.663, §1º do Código Civil, obrigarão também os bens
do outro cônjuge, que não está na administração dos bens, na medida do proveito auferido.
Por outro lado, vale a advertência do artigo 1.666/CC no sentido de que as dívidas
contraídas por qualquer dos cônjuges, na administração de seus bens particulares e em
benefício destes, não obrigam os bens comuns.
É que a administração desses bens particulares fica a cargo do proprietário, salvo
previsão expressa em sentido contrário que poderá constar do pacto antenupcial.
No regime da comunhão parcial, a anuência de ambos os cônjuges é necessária para que
determinados atos tenham efeitos e sejam válidos. É o que dispõe o artigo 1.663, §2º, CC, que
estabelece essa necessidade para os atos a título gratuito que importem na cessão do uso ou
gozo dos bens comuns.
Esse artigo deve ser lido em conjunto com o artigo 1.647/CC, que estabelece a
necessidade de autorização do outro cônjuge para as seguintes hipóteses:
• para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
• para pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
• para prestar fiança ou aval;
• para fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos possam
integrar futura meação.
É interessante perceber que no inciso I do artigo 1.647/CC, o legislador não faz ressalva
de que a outorga será necessária apenas quanto aos bens comuns. Assim é que, mesmo em se
tratando de bem particular, para que haja alienação dele na constância do casamento em
regime de comunhão parcial, é preciso também a autorização do outro cônjuge. É certo que, em
havendo discordância injustificada, o proprietário do bem particular poderá valer-se do disposto
no artigo 1.648/CC.

3.4.2. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

No regime da comunhão universal, há plena comunhão de bens, comunicando-se os


bens anteriores, presentes e posteriores à celebração do casamento.
Ressalte-se que entram na comunhão, não apenas os bens, mas também algumas
dívidas.
A comunhão é plena, mas não é absoluta, havendo bens incomunicáveis.
O artigo 1.668/CC elenca os bens que são excluídos da comunhão universal, a saber:

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• bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados
em seu lugar;
• bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de
realizada a condição suspensiva;
• dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus
aprestos, ou reverterem em proveito comum;
• doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de
incomunicabilidade;
• bens de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão, proventos de cada dos
cônjuges, pensões, etc.
• em relação aos frutos, assim como a comunhão parcial, aplica-se a regra da
comunhão parcial, mesmo que retirados de bens incomunicáveis.
Embora omissa a lei, Carlos Roberto Gonçalves adverte que também não se comunicam
os bens doados com a cláusula de reversão (CC, art. 547), ou seja, com a condição de, morto o
donatário antes do doador, o bem doado voltar ao patrimônio deste, não se comunicando ao
cônjuge do falecido (GONÇALVES, 2017, p. 631).
Quanto à primeira hipótese prevista no artigo 1.668/CC, como se vê, caso o doador
queira fazer a doação a apenas um dos cônjuges casado em regime de comunhão universal de
bens, deverá incluir a cláusula de incomunicabilidade, pois, caso não o faça, ainda que a doação
seja a apenas um dos cônjuges, haverá a comunhão.
A segunda hipótese prevista de incomunicabilidade é o fideicomisso. Conforme previsão
do artigo 1.951/CC, o fideicomisso ocorre quando o testador institui herdeiros ou legatários,
estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário,
resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de
outrem, que se qualifica de fideicomissário.
O fideicomisso é, assim, uma forma de substituição testamentária, prevendo um
primeiro herdeiro, denominado fiduciário, o qual será substituído por outro herdeiro, que é o
fideicomissário. Quando o bem estiver com o herdeiro fiduciário, haverá uma
incomunicabilidade deste bem, pois a propriedade, nesse caso, é uma propriedade resolúvel. A
finalidade é, então, proteger o direito do fideicomissário.
O fideicomissário possui um direito eventual, de forma que a aquisição do domínio
depende da morte do fiduciário, do decurso do tempo fixado pelo testador ou do implemento
da condição resolutiva por ele imposta. O seu direito também não se comunica, por razões de
segurança, nas relações sociais. Se falecer antes do fiduciário, caduca o fideicomisso,
consolidando-se a propriedade em mãos deste último (GONÇALVES, 2017, pg. 631).
O inciso III refere-se à hipótese de dívidas anteriores ao casamento, pelas quais, em
regra, só responde o cônjuge que as contraiu. Todavia, a própria lei abre exceções: 1ª)
comunicam-se as dívidas contraídas com os aprestos ou preparativos do casamento, como
enxoval, aquisição de móveis etc.; 2ª) comunicam-se as dívidas que reverterem em proveito
comum. O exemplo dessa última hipótese seria o da aquisição de um imóvel para residência do
casal.
O inciso IV trata da incomunicabilidade decorrente da cláusula expressa feita quando da
doação antenupcial de um para o outro cônjuge.
No inciso V, o legislador se reporta aos incisos V a VII do artigo que trata da comunhão
parcial de bens. Assim é que, também na comunhão universal, não se comunicam os proventos
do trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões, meios soldos, montepios e outras rendas
semelhantes.

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Quanto aos frutos dos bens incomunicáveis, é importante destacar que, conforme bem
adverte Carlos Roberto Gonçalves,

os frutos dos bens incomunicáveis, quando se percebam ou vençam durante o


casamento, comunicam-se. Dispõe a propósito o art. 1.669 do Código Civil: “A
incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos
frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento”. Assim, embora
certos bens sejam incomunicáveis (art. 1.668), os seus rendimentos se comunicam.
A disposição está em harmonia com o princípio de que, no regime da comunhão
universal, a comunicabilidade é a regra (GONÇALVES, 2017, pg. 636).

No regime da comunhão universal prevalece, igualmente, a regra de que a


administração dos bens compete ao casal.

3.4.3. REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

Passados quase 20 anos desde a vigência do Código Civil de 2002, é possível dizer que o
regime da participação final nos aquestos ainda tem pouquíssima aplicação.
Nesse regime, a regra é de que, durante o casamento, há uma espécie de separação
convencional de bens. E quando o casamento se encerra, há algo próximo à comunhão parcial
de bens. Ou seja, é um regime que mistura regras da separação convencional e da comunhão
parcial de bens.
É o que se extrai do art. 1.672 do Código Civil, que diz que

no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio


próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da
sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título
oneroso, na constância do casamento.

Pode-se dizer, então, que é um regime híbrido e que, durante a sociedade conjugal, vige
a regra geral aplicável ao regime da separação convencional de bens, aplicando-se, entretanto,
quando da dissolução do casamento, as regras da comunhão parcial.
Sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves ensina que

é, na realidade, um regime de separação de bens, enquanto durar a sociedade


conjugal, tendo cada cônjuge a exclusiva administração de seu patrimônio pessoal,
integrado pelos que possuía ao casar e pelos que adquirir a qualquer título na
constância do casamento, podendo livremente dispor dos móveis e dependendo da
autorização do outro para os imóveis (CC, art. 1.673, parágrafo único). Somente após
a dissolução da sociedade conjugal serão apurados os bens de cada cônjuge,
cabendo a cada um deles – ou a seus herdeiros, em caso de morte, como dispõe o
art. 1.685 – a metade dos adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do
casamento (GONÇALVES, 2017, pg. 638).

Vê-se, então, que a característica fundamental do regime de participação final nos


aquestos consiste em que, na constância do casamento, os cônjuges vivem sob o império da
separação de bens, cada um deles com o seu patrimônio separado. Ocorrendo a dissolução da
sociedade conjugal (pela morte de um dos cônjuges, pela separação judicial ou pelo divórcio),
reconstitui-se contabilmente uma comunhão de aquestos. Nessa reconstituição nominal (não in
natura), levanta-se o acréscimo patrimonial de cada um dos cônjuges no período de vigência do
casamento. Efetua-se uma espécie de balanço, e aquele que se houver enriquecido menos terá
direito à metade do saldo encontrado. O novo regime se configura como um misto de comunhão

350

353
e de separação. A comunhão de bens não se verifica na constância do casamento, mas terá
efeito meramente contábil diferido para o momento da dissolução (PEREIRA, 2018, pg. 223).
Nesse regime, os bens anteriores ao casamento e os adquiridos em sua constância
integram os patrimônios particulares e ficam sob a administração do respectivo cônjuge que o
adquiriu, mas, como regra geral, sem autonomia para alienação de imóveis.
Nesse particular, é importante destacar o disposto no artigo 1.673 do Código Civil,
segundo o qual a liberdade de alienação dos bens sem autorização do outro cônjuge ocorre em
relação aos bens móveis. Quanto aos imóveis, a regra é a necessidade de autorização do outro
cônjuge. Todavia, é importante ressalvar o disposto no artigo 1.656/CC, que estabelece que no
pacto antenupcial, que adotar o regime da participação final nos aquestos, poder-se-á
convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
Quando da dissolução do casamento, partilham-se os bens adquiridos, a título oneroso
e por ambos os cônjuges, na constância do casamento (aquestos).
Na constância do casamento, cada cônjuge conserva, como no regime da separação, a
propriedade e a gestão de seus bens.
O artigo 1.674/CC dispõe que, sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal (art.
1.571), apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:
“I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II – os que
sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas aos bens.”
Com a dissolução do casamento, far-se-á um balanço contábil, na forma do artigo 1.674
que dá as linhas gerais do como fazer o cálculo para efeito de partilha.
Citando Zeno Veloso, a obra de Caio Mário adverte que “Zeno Veloso considera que no
novo regime não se forma uma massa a ser partilhada; o que ocorre é um crédito em favor de
um dos cônjuges, contra o outro, para igualar os acréscimos, os ganhos obtidos durante o
casamento” (PEREIRA, 2018, pg. 224).
Com isso, diferentemente do que ocorre, por exemplo, no regime de comunhão parcial
de bens, a partilha de bens imóveis não importará, aqui, em estabelecimento de condomínio
entre os ex-cônjuges, porquanto não se formará massa a ser partilhada. O que se fará é um
balanço contábil para apuração de eventual crédito em favor de um dos cônjuges.
Carlos Roberto Gonçalves destaca as vantagens desse regime, afirmando que ele
apresenta a vantagem de permitir a conservação da independência patrimonial de cada cônjuge,
até mesmo no tocante à elevação ocorrida durante o casamento, proporcionando, ao mesmo
tempo, por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, proteção econômica àquele que
acompanhou tal evolução na condição de parceiro, sem ter, no entanto, bens em seu nome
(GONÇALVES, 2017, pg. 642).
Para se entender como se faz a apuração contábil nesse tipo de regime, Sílvio Rodrigues,
citado por Carlos Roberto Gonçalves, ensina que

superadas as questões próprias da dissolução do casamento, a apuração da


participação se faz em etapas: 1ª) com a verificação do acréscimo patrimonial de
cada um dos cônjuges; 2ª) a apuração do respectivo valor para a compensação e
identificação do saldo em favor de um ou de outro; e, por fim, 3ª) a execução do
crédito. Este caminho pode ser tortuoso diante da morosidade da Justiça,
considerando, também, a expressiva quantidade de incidentes e recursos que
podem surgir nas três fases distintas. Daí por que o regime da participação final nos
aquestos, embora simpático na sua essência, acaba por vir a ser uma opção
problemática (GONÇALVES, 2017, pg. 643).

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354
O art. 1.682 diz que o direito da meação no regime de participação final dos aquestos é
irrenunciável, incessível e impenhorável.

3.4.4. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS

O regime da separação de bens poderá ser convencional ou obrigatório (legal). Será


convencional quando estipulado no pacto antenupcial e obrigatório quando determinado por
lei.
No regime da separação de bens, temos uma distinção dos patrimônios dos cônjuges,
que ficam destacados, tanto em relação à propriedade, quanto a posse e administração.
A regra básica é, dessa forma, a de que não haverá comunicação de qualquer bem, seja
ele posterior ou anterior à união.
Como consequência, cabe a administração de cada bem ao seu proprietário exclusivo,
que, no caso da separação convencional, poderá aliená-lo ou gravá-lo com ônus real,
independentemente da outorga do outro cônjuge.
Relativamente ao regime da separação obrigatória, prevalece o entendimento de ser
necessária a autorização do outro cônjuge para venda dos bens imóveis, como também para
gravá-los de ônus real. Isto porque a súmula 377 do STF estabelece que “no regime de separação
legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”. Se há essa comunicação
de bens, tem-se como necessária a outorga do outro cônjuge.
Ainda em relação à sumula 377 do STF, a discussão que tem sido travada diz respeito à
necessidade ou não de prova do esforço comum para a partilha dos bens adquiridos na
constância do casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens.
Essa discussão tem toda importância, pois de acordo com o entendimento adotado,
teremos diferente distribuição do ônus da prova. Exemplificando, suponhamos que duas
pessoas se casem sob o regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641/CC). Durante o
casamento, o varão adquire um imóvel que é registrado em seu nome. Quando de eventual
separação ou divórcio, teremos a aplicação da súmula 377/STF que permite a partilha dos
aquestos na hipótese do regime da separação obrigatória.
Nesse caso, se entendermos que há uma presunção de esforço comum, caberá ao varão
provar que o outro cônjuge em nada contribuiu para a aquisição do bem, afastando assim a
partilha. Se o varão não conseguir efetivar essa prova, o bem será partilhado na proporção de
50% para cada.
Se, entretanto, entendermos que não há essa presunção, o ônus da prova passa a ser
do cônjuge virago, que deverá provar a sua contribuição para aquisição do bem, para, só assim,
ter direito à partilha. E, nesse caso, terá direito apenas à proporção da sua contribuição
efetivamente provada.
A matéria foi apreciada pelo STJ, que tem entendido, de forma majoritária, que na
hipótese do regime de separação obrigatória de bens, é aplicável o disposto na súmula 377/STF,
mas o esforço para aquisição do patrimônio deve ser comprovado, para que assim o outro
cônjuge faça jus à partilha.
Nesse sentido, confira-se AgInt no REsp 1637695/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 24/10/2019.

352

355
3.5. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

3.5.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA


VINCULADA AO FGTS ANTES DA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL SOB O
REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o
regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação
dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores
à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel
pelo casal durante a vigência da relação conjugal. Diverso é o entendimento em
relação aos valores depositados em conta vinculada ao FGTS na constância do
casamento sob o regime da comunhão parcial, os quais, ainda que não sejam
sacados imediatamente à separação do casal, integram o patrimônio comum do
casal, devendo a CEF ser comunicada para que providencie a reserva do montante
referente à meação, a fim de que, num momento futuro, quando da realização de
qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário pelo
ex-cônjuge. Preliminarmente, frise-se que a cada doutrina pesquisada no campo do
Direito do Trabalho, um conceito e uma natureza diferentes são atribuídos ao Fundo,
não sendo raro alguns estudiosos que o analisam a partir de suas diversas facetas: a
do empregador, quando, então sua natureza seria de obrigação; a do empregado,
para quem o direito à contribuição seria um salário; e a da sociedade, cujo caráter
seria de fundo social. Nesse contexto, entende-se o FGTS como o "conjunto de
valores canalizados compulsoriamente para as instituições de Segurança Social,
através de contribuições pagas pelas Empresas, pelo Estado, ou por ambos e que
tem como destino final o patrimônio do empregado, que o recebe sem dar qualquer
participação especial de sua parte, seja em trabalho, seja em dinheiro". No que diz
respeito à jurisprudência, o Tribunal Pleno do STF (ARE 709.212-DF, DJe 19/2/2015,
com repercussão geral reconhecida), ao debater a natureza jurídica
do FGTS, afirmou que, desde que o art. 7º, III, da CF expressamente arrolou
o FGTS como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, "tornaram-se
desarrazoadas as teses anteriormente sustentadas, segundo as quais o FGTS teria
natureza híbrida, tributária, previdenciária, de salário diferido, de indenização, etc.",
tratando-se, "em verdade, de direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos
empregados, portanto), consubstanciado na criação de um 'pecúlio permanente',
que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente
definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1990)". Nesse mesmo julgado, ratificando
entendimento doutrinário, afirmou-se, quanto à natureza do FGTS, que "não se trata
mais, como em sua gênese, de uma alternativa à estabilidade (para essa finalidade,
foi criado o seguro-desemprego), mas de um direito autônomo". A Terceira Turma
do STJ, por sua vez, já sustentou que "o FGTS integra o patrimônio jurídico do
empregado desde o 1º mês em que é recolhido pelo empregador, ficando apenas o
momento do saque condicionado ao que determina a lei" (REsp 758.548-MG, DJ
13/11/2006) e, em outro julgado, estabeleceu que esse mesmo Fundo, que é "direito
social dos trabalhadores urbanos e rurais", constitui "fruto civil do trabalho" (REsp
848.660-RS, DJe 13/5/2011). No tocante à doutrina civilista, parte dela considera os
valores recebidos a título de FGTS como ganhos do trabalho e pondera que, "no
rastro do inciso VI do artigo 1.659 e do inciso V do artigo 1.668 do Código Civil, estão
igualmente outras rubricas provenientes de verbas rescisórias trabalhistas, como
o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), pois como se referem à pessoa
do trabalhador devem ser tratadas como valores do provento do trabalho de cada
cônjuge". Aduz-se, ainda, o "entendimento de que as verbas decorrentes do FGTS se
incluem na rubrica proventos". Nesse contexto, deve-se concluir que o depósito
do FGTS representa "reserva personalíssima, derivada da relação de emprego,
compreendida na expressão legal 'proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge'
(CC, art. 1559, VI)". De fato, pela regulamentação realizada pelo aludido art. 1.659,

353

356
VI, do CC/2002 - segundo o qual "Excluem-se da comunhão: (...) "os proventos do
trabalho pessoal de cada cônjuge" -, os proventos de cada um dos cônjuges não se
comunicam no regime da comunhão parcial de bens. No entanto, apesar da
determinação expressa do CC no sentido da incomunicabilidade, realçou-se, no
julgamento do referido REsp 848.660-RS, que "o entendimento atual do Superior
Tribunal de Justiça, reconhece que não se deve excluir da comunhão os proventos
do trabalho recebidos ou pleiteados na constância do casamento, sob pena de se
desvirtuar a própria natureza do regime", visto que a "comunhão parcial de bens,
como é cediço, funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a
vigência do casamento, com separação, grosso modo, apenas dos bens adquiridos
ou originados anteriormente". Ademais, entendimento doutrinário salienta que
"Não há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho
pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI) (...) sob pena de aniquilar-se o regime
patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também
vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725)", destacando-se ser
"Flagrantemente injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária,
mas não converte suas economias em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas
consideradas crédito pessoal e incomunicável". Ante o exposto, tem-se que o
dispositivo legal que prevê a incomunicabilidade dos proventos (isto é, o art. 1.659,
VI, do CC/2002) aceita apenas uma interpretação, qual seja, o reconhecimento da
incomunicabilidade daquela rubrica apenas quando percebidos os valores em
momento anterior ou posterior ao casamento. Portanto, os proventos recebidos na
constância do casamento (e o que deles advier) reforçam o patrimônio comum,
devendo ser divididos em eventual partilha de bens. Nessa linha de ideias, o marco
temporal a ser observado deve ser a vigência da relação conjugal. Ou seja, os
proventos recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento compõem
o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a
formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges,
independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do
outro. Dessa forma, deve-se considerar o momento em que o titular adquiriu o
direito à recepção dos proventos: se adquiridos durante o casamento, comunicam-
se as verbas recebidas; se adquiridos anteriormente ao matrimônio ou após o
desfazimento do vínculo, os valores pertencerão ao patrimônio particular de quem
tem o direito a seu recebimento. Aliás, foi esse o raciocínio desenvolvido no
julgamento do REsp 421.801-RS (Quarta Turma, DJ 15/12/2003): "Não me parece de
maior relevo o fato de o pagamento da indenização e das diferenças salariais ter
acontecido depois da separação, uma vez que o período aquisitivo de tais direitos
transcorreu durante a vigência do matrimônio, constituindo-se crédito que integrava
o patrimônio do casal quando da separação. Portanto, deveria integrar a partilha".
Na mesma linha, a Terceira Turma do STJ afirmou que, "No regime
de comunhão universal de bens, admite-se a comunicação das verbas trabalhistas
nascidas e pleiteadas na constância do matrimônio e percebidos após a ruptura da
vida conjugal" (REsp 355.581-PR, DJ 23/6/2003). No mais, as verbas oriundas do
trabalho referentes ao FGTS têm como fato gerador a contratação desse trabalho,
regido pela legislação trabalhista. O crédito advindo da realização do fato gerador se
efetiva mês a mês, juntamente com o pagamento dos salários, devendo os depósitos
serem feitos pelo empregador até o dia 7 de cada mês em contas abertas na CEF
vinculadas ao contrato de trabalho, conforme dispõe o art. 15 da Lei n. 8.036/1990.
Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos
durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja
realizado imediatamente à separação do casal. A fim de viabilizar a realização
daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada
para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que, num
momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque,
seja possível a retirada do numerário. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016, DJe
22/4/2016. (INF. 581).

354

357
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Dissolução de união estável. Partilha de bens.
Companheiro sexagenário. Súmula 377 do STF. Bens adquiridos na constância da
união estável. Partilha igualitária. Demonstração do esforço comum dos
companheiros para legitimar a divisão. Necessidade. Prêmio de loteria. Fato
eventual ocorrido na constância da união estável. Necessidade de meação. O
propósito recursal consiste em definir se, numa dissolução de união estável de
companheiro sexagenário, é necessário, para fins de partilha, a prova do esforço
comum, bem como se o prêmio de loteria, ganho no período da relação conjugal, é
comunicável ao parceiro. No caso em exame, a lide ganha especial relevo por
envolver sexagenário ao qual, por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do
Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil
de 2002), era imposto o regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a
Lei n. 12.344/2010 alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade
protetiva de 60 para 70 anos). Nos ditames da súmula 377 do STF, aplicada ao caso
em concreto, "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos
na constância do casamento" e, por conseguinte, apenas os bens adquiridos na
constância da união estável devem ser amealhados pela companheira. A partir de
uma interpretação autêntica, percebe-se que o Pretório Excelso também
estabeleceu que somente mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso,
companheiros) é que se defere a comunicação dos bens, seja para o caso de regime
legal ou convencional (RTJ 47/614). Dessa forma, a ex-companheira fará jus à
meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado o
esforço comum. No entanto, em relação ao prêmio lotérico, por se tratar de bem
comum, em regra, ocorre sua comunicabilidade em favor do casal, sendo que tal
benesse não se confunde com as aquisições a título gratuito, por doação, herança
ou legado, que integram o patrimônio pessoal do donatário (CC, art. 1.659). A loteria
ingressa na comunhão sob a rubrica de "bens adquiridos por fato eventual, com ou
sem o concurso de trabalho ou despesa anterior" (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art.
1.660, II). Com isso, no caso em que o prêmio de loteria foi recebido por sexagenário
durante relação de união estável, é de se observar que este deve ser objeto de
partilha com a ex-companheira pelas seguintes razões: a) é bem comum que ingressa
no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada um,
pouco importando se houve ou não despesa do accipiens; b) o próprio legislador
quem estabeleceu a referida comunicabilidade; c) a comunicabilidade é a regra, que
admite exceções, a depender do regime de bens, sendo que aquele de separação
legal do sexagenário é diverso do regime de separação convencional; d) a partilha
dos referidos ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio
foi ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por
interesse ou em união meramente especulativa. REsp 1.689.152-SC, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017. (INF.
616).

4. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO VÍNCULO MATRIMONIAL

4.1. DISPOSIÇÕES GERAIS

Para o estudo da dissolução da sociedade conjugal e do casamento, é preciso, antes de


mais nada, entender o que é a sociedade conjugal e diferenciá-la do vínculo matrimonial. Como
vimos, um dos efeitos do casamento é o estabelecimento da sociedade conjugal, o que indica
que o casamento (vínculo matrimonial) é algo mais abrangente que a sociedade conjugal,
estando esta contida naquele. Pela sociedade conjugal, temos um conjunto de direitos e
obrigações que ligam os cônjuges, sendo certo que o vínculo matrimonial é muito mais
abrangente.
Em razão disso, pode ocorrer a extinção da sociedade conjugal com permanência do
vínculo matrimonial, situação em que os direitos e obrigações cessam (inclusive quanto ao

355

358
regime de bens) mas persiste a proibição de novo casamento, porquanto ainda existente o
vínculo do matrimônio.
Nesse sentido, temos que o vínculo matrimonial só se dissolve, ou seja, o efetivo fim do
casamento somente ocorre nas seguintes hipóteses: morte de um dos cônjuges; anulação do
casamento e divórcio.
Assim, a separação judicial põe fim à sociedade conjugal, mas não põe fim ao vínculo
matrimonial.
É importante dizer que, no Brasil, até o ano de 1977, o casamento era considerado
indissolúvel, tendo essa situação mudado a partir da Emenda Constitucional n. 9, de 28 de julho
de 1977, que alterou a Constituição Federal então vigente (CF de 1969), abrindo espaço para o
divórcio, ao ser alterado o § 1º do art. 175, que passou a permitir a dissolução do matrimônio
nos casos previstos em lei.
Na sequência, a denominada Lei do Divórcio (Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977)
representou um marco importante no Direito de Família ao admitir, de forma expressa, o
divórcio como forma de dissolução do vínculo matrimonial.
Entretanto, era marcante a exigência de lapso temporal de separação para que o
referido divórcio pudesse ocorrer. A lei dispunha, inicialmente, que o divórcio poderia ser
deferido desde que houvesse separação judicial por mais de três anos.
Essa situação persistiu com a Constituição Federal, que somente diminuiu o prazo de
separação de fato ou de separação judicial, mas manteve a exigência de lapso temporal mínimo
de separação (fática ou judicial) para deferimento do divórcio.
Nessa análise da evolução histórica do divórcio, teve muita importância a Emenda
Constitucional n. 66, de 2010, que alterou o art. 226 da CF/88, permitindo o divórcio,
independentemente de qualquer lapso temporal.
Assim, na atualidade o vínculo matrimonial pode ser dissolvido pelo divórcio, não se
exigindo qualquer lapso temporal de separação de fato ou judicial para tanto. Não se exige,
igualmente, tempo mínimo de casamento para que o divórcio possa ser deferido.

4.2. DO FIM DA SOCIEDADE CONJUGAL

Como abordado no tópico anterior, a EC 66 alterou o artigo 226 da CF, excluindo a


exigência de comprovação de lapso temporal de separação de fato ou judicial para o
deferimento do divórcio.
Com essa importante emenda, passou-se a discutir se ela teria revogado os artigos do
Código Civil que versam sobre separação judicial.
Vários doutrinadores se manifestaram sobre o tema e, para aqueles que entendem que
houve revogação dos dispositivos que versam sobre a separação judicial, um dos argumentos é
no sentido de faltar interesse às partes para separação quando é possível a dissolução imediata
do vínculo matrimonial pelo divórcio, independentemente de qualquer lapso temporal de
casamento e de separação de fato ou judicial.
A atualizadora da obra de Caio Mário, adepta à corrente que sustenta a revogação da
separação, explica que

a nova redação introduzida pelo parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal


apenas admite a dissolução do vínculo conjugal pelo Divórcio. A nova orientação
constitucional suprimiu, também, qualquer prazo para se propor o Divórcio, seja ele

356

359
judicial ou administrativo, este último introduzido no Brasil pela Lei nº 11.441, de
2007 (PEREIRA, 2018, pg. 248).

A mesma atualizadora ainda cita, no mesmo sentido de seu entendimento, os


ensinamentos de Maria Berenice Dias, transcrevendo que

a partir de agora a única modalidade de buscar o fim do casamento é o Divórcio que


não mais exige a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias referentes a
motivos, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda. Via de
consequência, não subsiste a necessidade do decurso de um ano do casamento para
a obtenção do Divórcio (art. 1.574 do CC) (PEREIRA, 2018, pg. 248).

Na mesma linha de raciocínio, Flávio Tartuce diz que

como primeiro impacto da Emenda do Divórcio a ser apontado, verifica-se que não
é mais viável juridicamente a separação de direito, a englobar a separação judicial e
a separação extrajudicial, banidas totalmente do sistema jurídico. A partir das lições
de Paulo Lôbo, extraídas do texto por último citado, verifica-se que os fins sociais da
norma, nos termos do art. 5.º da Lei de Introdução e do art. 8.º do CPC/2015, são de
justamente colocar fim à categoria. Pensar de forma contrária torna totalmente
inútil o trabalho parlamentar de reforma da Constituição Federal (TARTUCE, 2020,
pg. 1874).

Sobre essa tema, entretanto, a V Jornada de Direito Civil aprovou enunciados que
concluíram pela manutenção da separação jurídica (ou de direito) no sistema jurídico.
Assim é que o Enunciado 514 diz que a EC 66/10 não extinguiu a separação judicial ou
extrajudicial.
Já o Enunciado 517 diz que a EC 66/10 extinguiu os prazos previstos no código civil,
sendo mantido o divórcio por conversão.
Nessa mesma linha, o NCPC, que é posterior à EC 66, reafirmou a existência do instituto
da separação de direito. Em seu art. 53, I, fixa a competência da ação de separação da seguinte
forma:
1. foro do domicílio do guardião do filho incapaz;
2. não havendo filho incapaz, a ação de separação terá como órgão competente o
último domicílio do casal;
3. caso nenhum dos ex-cônjuges residir no antigo domicílio do casal, será competente
o foro do domicílio do réu.
O entendimento atualizado do STJ é no sentido de que a Emenda Constitucional n.
66/2010 não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação
judicial. Nesse sentido, confira-se: REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por
unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 22/8/2017 (Informativo nº 0610, de 27/9/2017).
No âmbito do STF, Flávio Tartuce nos lembra que “o tema pende de análise pelo
Supremo Tribunal Federal que, nos autos do Recurso Extraordinário 1.167.478/RJ, reconheceu
a repercussão geral de questão constitucional, o que se deu em junho de 2019 – Rel. Min. Luiz
Fux. O STF deve examinar, portanto, se o instituto da separação judicial permanece ou não no
ordenamento jurídico brasileiro, resolvendo definitivamente esse debate” (TARTUCE, 2020, pg.
1882).
Dentre os doutrinadores, Tartuce elenca aqueles que são favoráveis à manutenção da
separação no sistema pátrio, in verbis: “entre outros, Mário Luiz Delgado, Luiz Felipe Brasil

357

360
Santos, João Baptista Villela, Regina Beatriz Tavares da Silva, Gustavo Tepedino, Maria Celina
Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza” (TARTUCE, 2020, pg. 1883).
Enquanto não resolvida a questão definitivamente pelo STF, temos os julgados recentes
do STJ, entendendo pela manutenção da separação judicial, que se abre como uma opção para
as partes que não pretendam o caminho do divórcio direto.
Ademais, para os adeptos desse posicionamento, a manutenção da separação se
sustenta pela possibilidade de discussão de culpa nessa via processual, o que, em princípio, não
ocorre no divórcio. Destaque-se, aqui, que como se verá mais a frente, também há discussão
sobre a constitucionalidade da discussão de culpa diante do princípio da dignidade da pessoa
humana. De qualquer forma, para aqueles que defendem a possibilidade de discussão de culpa,
essa seria uma das justificativas para manutenção da separação no ordenamento, já que na ação
de divórcio não haveria espaço para essa discussão.
Com efeito, pela leitura dos artigos do Código Civil, verifica-se que somente na
separação há a previsão de discussão de culpa (vide artigo 1.572 e 1.573/CC).
É bem verdade que alguns autores discutem também se, diante do ordenamento pátrio
atual, haveria ainda espaço para discussão de culpa, já que esta poderia violar o princípio da
dignidade da pessoa humana e direitos da personalidade e, por conseguinte, não deveria ser
objeto de apreciação do judiciário.
Lembremos, antes, como já colocamos, que o entendimento atual do STJ é no sentido
de que, mesmo após a EC 66, persiste no ordenamento pátrio a possibilidade de separação
judicial. Com isso, o passo seguinte é analisar se essa separação judicial poderá ser decretada
com a imputação de culpa a um dos cônjuges. Em outras palavras, a indagação passa pela
constitucionalidade da discussão de culpa na separação diante do princípio da dignidade da
pessoa humana.
Importa destacar que a discussão acerca da possibilidade ou não de discussão de culpa
na separação judicial tem relevância, na medida em que o seu reconhecimento tem
consequências quanto aos seguintes pontos atinentes ao desfazimento da sociedade conjugal:
a) Quanto aos alimentos: o art. 1.704, caput e parágrafo único, do CCB/02
estabelecem que se um dos cônjuges separados judicialmente vier a
necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão
a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de
separação judicial. Par único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar
de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão
para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz
o valor indispensável à sobrevivência. Vê-se, pelo artigo transcrito, que,
reconhecida a culpa de um dos cônjuges pela separação, o outro pode até ser
obrigado a pagar alimentos, mas somente aqueles indispensáveis à
sobrevivência e desde que o alimentando não tenha outros parentes em
condições de prestá-los.
b) Quanto ao nome: o artigo 1.578/CC diz que o cônjuge declarado culpado na
ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro,
desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração
não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta
distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união
dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial. Por esse
dispositivo, estabelece-se a possibilidade de perda do nome de casado(a) em
razão do reconhecimento da culpa.
c) Quanto à eventual indenização por dano moral: seguindo a regra geral
quanto à responsabilidade civil, pode haver pedido de indenização por

358

361
eventuais danos morais decorrentes do grave descumprimento de dever
conjugal (grande polêmica sobre essa possibilidade).
Para Daniel Carnacchioni, os dispositivos que versam sobre a culpa na separação estão
em desacordo com os valores sociais constitucionais. Para ele, “o Direito Civil deve ser
interpretado à luz desses valores e não o contrário. Os arts. 1.572 e 1573, que permitem a
discussão da culpa, são de duvidosa constitucionalidade” (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.536).
Para o mesmo autor, não há sentido jurídico para a discussão da culpa, pois mesmo que
reconhecida, nenhum efeito daí decorre, pois para ele, em relação aos efeitos acima
mencionados, tem-se que “os alimentos são fundamentados na solidariedade familiar,
necessidade e possibilidade. O uso do nome depende do interesse do cônjuge e da necessidade
de manutenção para fins de vínculo de filiação ou trabalho” (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.536).
O autor conclui que essas hipóteses tidas como consequências do reconhecimento da culpa,
previstas no artigo 1.578/CC, devem ser relidas à luz dos valores sociais constitucionais.
Assim, com essa leitura à luz da CF, tem-se que o sobrenome não pode ser perdido pois,
com o casamento e com a sua adoção, passa a integrar o nome do outro cônjuge e, como direito
fundamental da personalidade, somente poderá ser desincorporado por opção ou caso a pessoa
que seja a titular o esteja violando (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.536).
Continua o autor, referindo-se à outra suposta consequência do reconhecimento da
culpa, que seria relativa aos alimentos. Para ele, neste particular, “também não tem relação
direta com a demonstração da violação de qualquer dos deveres conjugais, porque os alimentos
são fundamentados na solidariedade familiar” (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.537).
Para o mesmo autor, a perda do direito aos alimentos, nessa hipótese, representaria
uma violação aos princípios da solidariedade social e familiar, valores constitucionais que
norteiam os alimentos (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.537).
Independentemente da posição adotada, é preciso dizer que ainda que se considere a
manutenção da possibilidade de discussão de culpa na separação, o Enunciado n. 254 da Jornada
de Direito Civil concluiu que “formulado o pedido de separação judicial com fundamento na
culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da
constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) – que caracteriza hipótese
de outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum – sem atribuir culpa
a nenhum dos cônjuges”.
Por tudo o que até aqui foi exposto, é possível extrair que, em se partindo da ideia de
que persiste a separação no ordenamento jurídico pátrio, para aqueles que adotam
posicionamento favorável à culpa, temos que a separação judicial poderá ser consensual ou
litigiosa e, uma vez litigiosa, poderá basear-se na sustentação da culpa de um dos cônjuges pela
ruptura da sociedade (separação sanção – arts 1.572, caput e 1.573/CC) ou na impossibilidade
da vida em comum (separação falência – art. 1.572, §1º) ou ainda em decorrência de
enfermidade consistente em doença mental grave de um dos cônjuges (separação remédio –
art. 1.572, §2º).
Em resumo, podemos, então, tomando como premissa a posição que defende a
manutenção da separação no ordenamento pátrio, elencar as formas de término da sociedade
conjugal da seguinte forma:
a) Separação jurídica consensual:
• judicial; ou
• extrajudicial.
b) Separação jurídica litigiosa:
• separação-sanção;

359

362
• separação-falência; e
• separação-remédio.
Sobre a ação de separação judicial, trata-se de procedimento que tramita em segredo
de justiça, tendo a ele acesso apenas as partes e advogados, podendo eventualmente, com
autorização judicial, um terceiro ter acesso ao dispositivo da sentença.
Ainda em relação ao trâmite da ação de separação consensual, o art. 731 do NCPC
estabelece que poderá ser requerida a homologação de acordo, em petição assinada por ambos
os cônjuges, da qual constarão disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns do
casal, disposições entre a pensão alimentícia entre os cônjuges, acordo em relação à guarda dos
filhos incapazes, regime de visitas e valor da contribuição para criar e educar os filhos. Poderá
ser feita esta partilha após a homologação do divórcio. A propósito, diz o artigo 1.581/CC que
“o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”. A mesma regra vale
igualmente para a separação judicial.
É importante destacar que, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos
para alcançar uma solução consensual da controvérsia, dispondo o juiz de profissionais de outras
áreas, com conhecimentos específicos que favoreçam a mediação e/ou conciliação.
O Ministério Público, nas ações de família, só irá intervir quando houver interesse de
incapaz. Neste caso, o MP deverá sempre ser ouvido, inclusive, antes da homologação de
eventual acordo.
Como a separação judicial coloca fim apenas à sociedade conjugal e não ao vínculo
matrimonial, é possível que, mesmo com a separação decretada judicialmente, haja
restabelecimento da sociedade conjugal. É o que diz o artigo 1.577/CC, verbis: “Seja qual for a
causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a
todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular do juízo”.
O pedido será formulado, então, nos próprios autos da separação judicial e independe,
assim, de nova ação.
Uma importante inovação acerca da separação judicial (e aplicável também ao divórcio
e à dissolução de união estável) foi introduzida pela Lei nº 11.441. A Lei nº 11.441, de 04 de
janeiro de 2007, que trouxe a possibilidade da separação, do divórcio e da dissolução de união
estável serem realizados por via extrajudicial. Tal previsão também está disposta no artigo 733
do novo Código de Processo Civil, que diz: “o divórcio consensual, a separação consensual e a
extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados
os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública”.
Pelo dispositivo transcrito, vê-se que são requisitos para esse procedimento
extrajudicial, além do acordo entre os cônjuges/conviventes, os seguintes:
• não se trate de cônjuges/conviventes com nascituro (mulher grávida);
• não haja filhos incapazes.
Nessas hipóteses, ou seja, havendo nascituro ou filhos incapazes, a separação deve
ocorrer de forma judicial.
Conforme estabelece a legislação mencionada, o tabelião só irá lavrar a escritura pública
de separação judicial ou divórcio se ambos os cônjuges estiverem assistidos por advogado,
podendo, entretanto, apenas um advogado representar ambos.
Ressalte-se que foi a Resolução nº 35 do CNJ que incluiu a impossibilidade de lavratura
de escritura pública de separação, divórcio ou dissolução de união estável na hipótese de
gravidez de um dos cônjuges/conviventes. Antes dessa resolução, a previsão era apenas para o
caso de filhos incapazes.

360

363
Sobre esse tema, Tartuce esclarece que

tanto nos casos de divórcio quanto de dissolução de união estável, houve alteração
na Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta a atuação dos
Tabelionatos de Notas na lavratura dessas escrituras públicas. Com a modificação,
de abril de 2016, passou a citada resolução do CNJ a estabelecer que, na condição
de grávida, não é possível utilizar da escritura pública para formalização de divórcio
e de dissolução de união estável em cartório, assim como já ocorria nas hipóteses de
existência de filhos menores ou incapazes. Esclareça-se que, quando dos debates
dessa alteração, os conselheiros do CNJ firmaram o entendimento de que o estado
de gravidez, caso não seja evidente, deve ser declarado pelos cônjuges. Assim, não
cabe ao Tabelião investigar essa condição, o que exigiria um documento médico e
burocratizaria o processo, além de poder representar desrespeito à intimidade das
partes (TARTUCE, 2020, pg. 1893).

4.3. DA DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL

O divórcio é uma das formas de dissolução do vínculo matrimonial. Ele coloca fim ao
casamento. Como o vínculo matrimonial é mais amplo que a sociedade conjugal, temos que a
dissolução daquele importa, consequentemente, no término desta.
Como vimos, a legislação prevê, na atualidade, além do divórcio judicial, o divórcio
extrajudicial, atendendo a um movimento denominado de desjudicialização, ou seja, até mesmo
para desafogar o judiciário, tem-se criado vias que possibilitam a solução de algumas questões
pela via extrajudicial. Os requisitos para esse procedimento extrajudicial já foram vistos no
tópico anterior e se aplicam também ao divórcio.
Como colocado também no tópico anterior, o art. 1.581 do CC diz que o divórcio pode
ser concedido sem que haja prévia partilha de bens. Porém, é preciso que se destaque que, em
havendo o divórcio sem partilha, novo enlace matrimonial de um ou ambos os cônjuges
importará em imposição do regime da separação obrigatória de bens, conforme estabelece o
artigo 1.641, I, c/c art. 1.523, III, ambos do Código Civil.
A ação de divórcio é personalíssima, cabendo somente aos cônjuges. No entanto, se o
cônjuge estiver numa situação de incapacidade, como interdição, poderá o curador, ascendente
ou irmão propor essa ação. É o que se extrai do artigo 1.582 e seu parágrafo único, do Código
Civil.
Ainda sobre o divórcio, antes da EC 66, fazia toda diferença o estudo que considerava os
tipos de divórcio, sendo certo que todo profissional que atuava na área de família tinha que
conhecer bem os prazos para que o divórcio pudesse ocorrer. Assim é que, a depender da
hipótese, o divórcio classificava-se da seguinte forma:
a) divórcio consensual: direto ou por conversão;
b) divórcio litigioso: direto ou por conversão.
Com a EC 66, que excluiu todos os prazos para o divórcio, esse estudo perdeu a
importância, já que a regra, na atualidade, é o divórcio direto, com a advertência de que, para
aqueles que entendem que não há mais separação jurídica no ordenamento pátrio, o divórcio
só pode ser direto, salvo aqueles cuja separação já ocorra antes da emenda, casos em que será
possível a conversão.

4.4. DISCUSSÃO DE CULPA NO DIVÓRCIO

Ainda em relação ao divórcio, é importante colocar que, para aqueles que sustentam a
impossibilidade de manutenção da separação diante do ordenamento jurídico pátrio, o divórcio

361

364
comportaria a discussão de culpa. Todavia, prevalece o entendimento de que não se pode
discutir culpa no divórcio. Nesse sentido, Tartuce elenca os seguintes doutrinadores que se
opõem à discussão da culpa no divórcio:

Assim, se posicionam, por exemplo, Rodrigo da Cunha Pereira, Paulo Lôbo, Maria
Berenice Dias, Rolf Madaleno, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, José
Fernando Simão, Antonio Carlos Mathias Coltro, Pablo StolzeGagliano, Rodolfo
Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, em trabalhos
escritos e manifestações pessoais a este autor (TARTUCE, 2020, pg. 1914).

O mesmo autor explica sua posição intermediária, sustentando que “se deve admitir a
discussão da culpa em casos excepcionais, de maior gravidade. Por essa forma de pensar estão
mantidos os deveres do casamento (art. 1.566 do CC), pela sua aceitação pelo senso comum em
geral. Conserva-se ainda um modelo dualista, com e sem culpa, como ocorre com outros ramos
do Direito Civil, caso do direito contratual e da responsabilidade civil. Em reforço, a culpa gera
consequências para a responsabilidade civil dos cônjuges e os alimentos, conforme ainda será
aprofundado. Por esse caminho de conclusão, o divórcio poderá ser litigioso – com pretensão
de imputação de culpa – ou consensual – sem discussão de culpa. Deve ficar claro que, para este
autor, está mantida a ideia de mitigação da culpa – na esteira da doutrina e da jurisprudência
anterior –, em algumas situações, como nos casos de culpa recíproca dos cônjuges ou de sua
difícil investigação, a tornar o processo tormentoso para as partes. Do mesmo modo, é possível
a mitigação da culpa em situações de fim do amor ou de deterioração factual do casamento,
decretando-se agora o divórcio por mera causa objetiva” (TARTUCE, 2020, pg. 1914).

4.5. O USO DO NOME APÓS A EC 66

É sabido que com o casamento e mesmo com a união estável, os cônjuges e


companheiros podem adotar o sobrenome do outro. Quando do fim do casamento ou da união,
a pergunta que se coloca é se esse nome pode ser mantido, caso seja do interesse daquele que
o adotou e se, ainda que haja culpa, essa possibilidade persiste.
O art. 1.578/CC estabelece que o cônjuge declarado culpado na separação perde o
direito de usar o sobrenome do outro cônjuge. O próprio Código excepciona essa regra,
prevendo que o cônjuge culpado, em determinadas situações, poderá continuar utilizando o
sobrenome do cônjuge inocente.
Diz, então, o artigo 1.578/CC:

O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o


sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e
se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II -
manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união
dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

Extrai-se da letra expressa da lei que para que o cônjuge culpado não perca o nome do
outro cônjuge, deverá estar presente uma das seguintes hipóteses:
• quando a alteração do sobrenome implicar verdadeiro prejuízo para a sua
identificação;
• quando houver uma manifesta distinção entre o nome do cônjuge culpado e os
filhos havidos da união dissolvida;
• quando houver um dano grave, que deverá ser reconhecido na decisão judicial,
causado pela retirada do sobrenome do ex-cônjuge.

362

365
Porém, mesmo com a previsão expressa das exceções admitidas para manutenção do
nome pelo cônjuge culpado, há discussão na doutrina no sentido de que a opção pela não
manutenção deve sempre ser daquele que o adotou, independentemente de culpa pela
separação.
Sobre esse tema, Tartuce ensina que

ora, com a aprovação da EC 66/2010, entendo que não há mais qualquer influência
da culpa para a manutenção do nome de casado após o divórcio. Primeiro porque o
art. 1.578 do CC deve ser tido como totalmente revogado, por incompatibilidade
com o Texto Maior, uma vez que faz menção à separação judicial, retirada do
sistema. Segundo, pois a norma é de exceção, não admitindo aplicação por analogia
ao divórcio. Terceiro, porque o nome incorporado pelo cônjuge constitui um direito
da personalidade e fundamental, que envolve a dignidade humana, havendo relação
com a vida privada da pessoa natural (art. 5.º, inc. X, da CF/1988). Sendo assim, não
se pode fazer interpretação jurídica a prejudicar direito fundamental (TARTUCE,
2020, pg. 1921).

Como foi exposto antes, Flávio Tartuce entende que não persiste no ordenamento
pátrio a separação jurídica, o que lhe dá mais motivos para sustentar que também não persiste
a possibilidade de perda do nome em razão de culpa.
Todavia, mesmo para aqueles que sustentam a manutenção da separação judicial, é
possível dizer que ainda que haja culpa pela separação, o cônjuge culpado que adotara o nome
do outro pode, caso seja esse o seu desejo, manter o nome de casado(a) pois esse nome, com o
casamento, incorporou-se ao seu patrimônio, constituindo direito da personalidade e protegido
inclusive constitucionalmente, diante do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o STJ já se posicionou pela manutenção do nome de casado pelo cônjuge
declarado culpado (STJ, REsp 241.200/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 04.04.2006).
Pode, entretanto, o cônjuge renunciar ao direito de usar o sobrenome do outro cônjuge.

4.6. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO POR MORTE PRESUMIDA

Antes de mais nada, é preciso relembrar que a morte presumida pode ser reconhecida
com ou sem a decretação de ausência. O artigo 6º/CC estabelece que “A existência da pessoa
natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva”.
O artigo em destaque trata, na parte final, da morte presumida com decretação de
ausência.
Já o artigo 7º/CC refere-se à morte presumida, porém sem necessidade de decretação
de ausência, que ocorrerá nas hipóteses ali elencadas. Diz o referido artigo que: “Pode ser
declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a
morte de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito
prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A
declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
Nos exatos termos do artigo 1.571, §1º, o casamento do ausente se desfaz no caso de
morte presumida, de forma que seu ex-cônjuge estará livre para casar com terceiro. Em outras
palavras, na hipótese de reconhecimento de morte presumida, com ou sem decretação de
ausência, o outro cônjuge fica livre para se casar novamente, como se viúvo fosse para todos os
efeitos.

363

366
Como o próprio nome diz, a morte, na hipótese, é apenas presumida e pode ocorrer
daquele que foi declarado morto retornar. A pergunta que surge, então, é acerca de quais as
consequências jurídicas especificamente relacionadas ao casamento surgem em razão desse
retorno.
Sobre o tema, Tartuce explica que há dois posicionamentos doutrinários relação à
matéria:

1.º) Considerar válido o segundo casamento e dissolvido o primeiro, ressaltando a


boa-fé dos nubentes, e desvalorizando a conduta, muitas vezes, de abandono do
ausente. 2.º) Declarar nulo o segundo casamento, eis que não podem casar as
pessoas casadas, nos termos do art. 1.521, VI, do CC. Com o reaparecimento, não se
aplicaria, portanto, a regra do art. 1.571 da codificação privada (TARTUCE, 2020, pg.
1899).

4.7. DIVÓRCIO E PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS

O tema será melhor aprofundado quando do estudo dos alimentos, mas valem ser
consideradas aqui algumas observações sobre a prestação de alimentos na hipótese de
separação e divórcio do casal.
O tratamento dos alimentos na hipótese da ruptura da vida conjugal mudou ao longo
do tempo, fruto da própria mudança social. Se antes, em regra, o homem era o provedor da casa
e a mulher se dedicava aos afazeres domésticos, não tendo renda própria, certo é que, na
atualidade, essa situação não persiste. A mulher hoje ocupa um lugar no mercado de trabalho,
concorrendo diretamente com o homem na obtenção de renda. Assim, já não podemos
considerar a situação antiga de que, quando da ruptura da vida conjugal, a mulher que sempre
se dedicara aos afazeres domésticos, precisava de ajuda financeira para se manter. Os alimentos
devem, então, ser analisados à luz da sociedade moderna. Por isso, uma primeira conclusão que
surge é no sentido da sua temporalidade.
Com efeito, os alimentos, em regra, são temporários, sendo, por conseguinte, fixados
por tempo certo. Não se afasta, entretanto, a possibilidade de fixação sem prazo, mas essa não
é mais a regra.
Com relação à culpa, como vimos, não há espaço para essa discussão no divórcio, e,
mesmo em relação à separação jurídica, tem-se entendido que os alimentos se baseiam na
solidariedade, de forma que são devidos mesmo que haja reconhecimento da culpa.
Para alguns autores, dentre eles, como vimos, Daniel Carnacchioni, mesmo com a culpa,
os alimentos são devidos àquele que deles necessita, devendo ser observado apenas o
parâmetro da necessidade/possibilidade.

4.8. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

4.8.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Direito de Família. Emenda Constitucional n. 66/2010.


Divórcio Direto. Requisito Temporal. Extinção. Separação Judicial ou extrajudicial.
Coexistência. Institutos distintos. Princípio da autonomia da vontade. Preservação.
Legislação infraconstitucional. Observância. A Emenda Constitucional n. 66/2010
não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da
separação judicial. O ponto nodal do debate consiste em analisar se o instituto da
separação judicial foi ab-rogado após o advento da Emenda à Constituição n.
66/2010. O texto constitucional originário condicionava como requisito para o

364

367
divórcio a prévia separação judicial ou de fato. Por sua vez, a EC n. 66/2010
promulgada em 13 de julho de 2010 conferiu nova redação ao § 6º do art. 206 da
Constituição Federal de 1988, a saber: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo
divórcio". A alteração constitucional não revogou, expressa ou tacitamente, a
legislação ordinária que regula o procedimento da separação, consoante exegese do
art. 2º, §§ 1° e 2°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei
n. 4.657/1942). Como se afere da sua redação, a Emenda apenas facultou às partes
dissolver direta e definitivamente o casamento civil, por meio do divórcio – objeto
de nova disciplina, tendo em vista a supressão do requisito temporal até então
existente. A supressão dos requisitos para o divórcio pela Emenda Constitucional não
afasta categoricamente a existência de um procedimento judicial ou extrajudicial de
separação conjugal, que passou a ser opcional a partir da sua promulgação. Essa
orientação, aliás, foi ratificada: (i) pelos Enunciados n.s 514, 515, 516 e 517 da V
Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), ocorrida em 2010; (ii)
pela nova codificação processual civil (Lei n. 13.102/2015), que manteve, em
diversos dispositivos, referências ao instituto da separação judicial (Capítulo X – Das
Ações de Família – art. 693 e Capítulo XV – dos Procedimentos de Jurisdição
Voluntária – arts. 731, 732 e 733); (iii) pela Quarta Turma desta Corte Superior, por
ocasião do julgamento do REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe
16/5/2017 – o que denota a pacificação da matéria pelos órgãos julgadores
responsáveis pela uniformização da jurisprudência do STJ no âmbito do direito
privado. Portanto, até que surja uma nova normatização, não se pode dizer que o
instituto da separação foi revogado pela Emenda n. 66/2010. REsp 1.431.370-SP, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe
22/8/2017 (INF. 610).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU


RATIFICAÇÃO NA AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. Com a edição da EC
66/2010, a nova redação do art. 226, § 6º, da CF - que dispõe que o casamento civil
pode ser dissolvido pelo divórcio - eliminou os prazos à concessão do divórcio e
afastou a necessidade de arguição de culpa, presente na separação, não mais
adentrando nas causas do fim da união, deixando de expor desnecessária e
vexatoriamente a intimidade do casal, persistindo essa questão apenas na esfera
patrimonial quando da quantificação dos alimentos. Criou-se, dessa forma, nova
figura totalmente dissociada do divórcio anterior. Assim, os arts. 40, § 2º, da Lei
6.515/1977 (Lei do divórcio) e 1.122, §§ 1º e 2º, do CPC, ao exigirem uma audiência
a fim de se conceder o divórcio direto consensual, passaram a ter redação conflitante
com o novo entendimento, segundo o qual não mais existem as condições pré-
existentes ao divórcio: de averiguação dos motivos e do transcurso de tempo. Isso
porque, consoante a nova redação, o divórcio passou a ser efetivamente direto. A
novel figura passa ser voltada para o futuro. Passa a ter vez no Direito de Família a
figura da intervenção mínima do Estado, como deve ser. Vale relembrar que, na ação
de divórcio consensual direto, não há causa de pedir, inexiste necessidade de os
autores declinarem o fundamento do pedido, cuidando-se de simples exercício de
um direito potestativo. Portanto, em que pese a determinação constante no art.
1.122 do CPC, não mais subsiste o referido artigo no caso em que o magistrado tiver
condições de aferir a firme disposição dos cônjuges em se divorciarem, bem como
de atestar que as demais formalidades foram atendidas. Com efeito, o art. 1.122 do
CPC cuida obrigatoriamente da audiência em caso de separação e posterior divórcio.
Assim, não havendo mais a separação, mas o divórcio consensual direto e,
principalmente, em razão de não mais haver que se apurarem as causas
da separação para fins de divórcio, não cabe a audiência de conciliação ou
ratificação, por se tornar letra morta. Nessa perspectiva, a audiência de conciliação
ou ratificação teria apenas cunho eminentemente formal, sem nada a produzir. De
fato, não se desconhece que a Lei do Divórcio ainda permanece em vigor,
discorrendo acerca de procedimentos da separação judicial e do divórcio (arts. 34 a
37, 40, §2º, e 47 e 48), a qual remete ao CPC (arts. 1.120 a 1.124). Entretanto, a

365

368
interpretação de todos esses dispositivos infraconstitucionais deverá observar a
nova ordem constitucional e a ela se adequar, seja por meio de declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, seja como da interpretação
conforme a constituição ou, como no caso em comento, pela interpretação
sistemática dos artigos. REsp 1.483.841-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em
17/3/2015, DJe 27/3/2015 (INF. 558).

5. PARENTESCO

5.1. RELAÇÕES DE PARENTESCO

Ao tratar das relações de parentesco, estamos trabalhando aquela que é, em regra, a


mais próxima das relações humanas. Essa relação estabelece um vínculo entre as pessoas que
pode ter origem consanguínea, por afinidade ou civil.
Nesse sentido, podemos, num primeiro momento, diferenciar os tipos de relações de
parentesco da seguinte forma:
• parentesco consanguíneo (natural): o vínculo existente entre as pessoas é
biológico;
• parentesco por afinidade: é o parentesco estabelecido em razão do casamento ou
da união estável. Nos exatos termos do artigo 1.595/CC, “cada cônjuge ou
companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. Esse
parentesco, conforme diz o §1º do mencionado artigo 1.595/CC, se limita à linha
ascendente, descendente e colateral até o 2º grau, valendo destacar que, conforme
§2º, o vínculo por afinidade, na linha ascendente, não se extingue pela dissolução
do casamento ou da união estável;
• parentesco civil: é qualquer parentesco que decorre de outra origem, que não seja
a consanguinidade ou afinidade. A adoção é um exemplo desse vínculo civil, valendo
destacar que, conforme regra constitucional, não pode haver qualquer
diferenciação entre os filhos biológicos e os adotivos.

5.2. GRAUS DE PARENTESCO

Todo profissional do direito deve entender como são contados os graus de parentesco,
pois em diversas situações, nas mais diferentes áreas de atuação, encontramos referência a
esses graus. Assim, a título de exemplo, como vimos no estudo do casamento, o artigo 1.521/CC
diz que não podem se casar os parentes colaterais até terceiro grau. Para entender até onde vai
a proibição, é preciso saber quem são os parentes colaterais e entender como se contam os
graus. Esse será o objeto do nosso estudo nesse tópico.
É importante, preliminarmente, diferenciar os parentes em linha reta daqueles
denominados colaterais. Essa diferenciação é facilmente compreendida pela leitura dos artigos
1.591 e 1.592/CC, que dizem in verbis:
“Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras
na relação de ascendentes e descendentes.”
“Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas
provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.”
O artigo 1.591/CC, por sua vez, diz que são parentes em linha reta:

• os ascendentes; e
• os descendentes.

366

369
Ainda em relação ao vínculo de parentesco, o art. 1.594/CC explica como se contam, na
linha reta e na linha colateral, os graus de parentesco pelo número de gerações. Diz o referido
artigo: “contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na
colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum,
e descendo até encontrar o outro parente”.
Na linha reta, é muito simples a contagem das gerações. A questão que causa maior
cuidado é em relação aos colaterais. Para tanto, como diz o artigo mencionado, é preciso
encontrar o ascendente comum para se fazer a contagem. Exemplificando, se quero saber o
grau de parentesco entre os primos “A” e “B”, procuramos o ascendente comum, que, no caso,
são os avós. Então, conta-se: do primo “A” até o respectivo(a) pai/mãe, temos uma geração (1ª);
do pai/mãe até o(a) avô(ó), temos outra geração (2ª). Até aqui fizemos o caminho de “subida”
para achar o ascendente comum, que no caso são os avós. Agora vamos “descer”. Do(a) o(a)
avô(ó) até o pai/mãe do primo “B”, temos mais uma geração (3ª) e, finalmente, do o pai/mãe
do primo “B” até o próprio primo “B”, temos outra geração (4ª). Assim, primos são parentes
colaterais em quarto grau.
É bom destacar que o artigo art. 1.592/CC estabelece que o parentesco colateral ou
transversal só vai até o quarto grau e diz respeito às pessoas provenientes de um só tronco, sem
descenderem uma da outra.
Do exemplo dado, em que contamos o parentesco dos primos, podemos extrair que não
há parentesco colateral de 1º grau. Veja que o primeiro grau contado para se encontrar o
parente comum é um parentesco em linha reta (filho(a) e pai/mãe). Se tivermos uma família
com dois filhos, podemos subir de um filho para os pais e aí contar um grau (que, no caso é em
linha reta) e depois descer para o outro filho, contando o segundo grau. Ou seja, entre dois
irmãos, os ascendentes comuns são os pais. Conta-se um grau de um filho até os pais e o
segundo grau dos pais para o outro filho. Os irmãos são, assim, parentes colaterais de segundo
grau, disto resultando que o parentesco colateral mais próximo é de segundo grau.

5.3. FILIAÇÃO

Como bem pontua Caio Mário,

das relações de parentesco, a mais importante é a que se estabelece entre pais e


filhos. O Código de 2002 manteve a prioridade para a família que se constitui pelo
casamento e vive em função dos filhos. Outras relações há, e ponderáveis. Porém,
no centro do Direito de Família, como razão primária de toda uma disciplina, ergue-
se, sobranceiramente, a ideia básica da filiação (PEREIRA, 2018, pg. 301).

Assim, o estudo da filiação diz respeito a essa relação que liga os pais aos filhos, ou seja,
uma relação de parentesco em linha reta de 1º grau, de pai e filho. A filiação pode decorrer do
casamento ou pode ser fora dele. Essa classificação importa em razão das presunções
estabelecidas em lei quando a filiação decorre do casamento.
Assim, temos:

• filiação decorrente do casamento; e


• filiação fora do casamento.
É importante destacar que já há julgados do STJ aplicando também às uniões estáveis as
presunções mencionadas no artigo art. 1.597/CC.
Registre-se, ademais, que conforme mencionado, a relevância da classificação em
questão é somente para aplicação da presunção legal, já que nenhuma diferenciação pode haver
entre filhos havidos ou não do casamento.

367

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5.3.1. FILIAÇÃO DECORRENTE DO CASAMENTO

Sobre a filiação, o art. 1.597/CC traz algumas presunções de filiação. Diz o referido
artigo, que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:
• nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
• nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
• havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
• havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
• havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização
do marido.
Desse rol, é importante destacar as hipóteses decorrentes dos avanços tecnológicos
que, na atualidade, permitem fecundação homóloga ou heteróloga.
Conforme visto, também nesses casos, há presunção de paternidade na hipótese de
casamento, sendo que, em relação à fecundação heteróloga, deve ter havido autorização prévia
do marido.
Cabe aqui a diferenciação entre a fecundação homóloga e heteróloga. Tratam-se de
reproduções assistidas, sendo que na fecundação homóloga, o material genético pertence ao
marido e à mulher. Já na heteróloga, o material genético não é do marido e, por isso, para
aplicação da presunção, a lei fala em prévia autorização do marido.
O Código Civil diz, ainda, que se presumem concebidos na constância do casamento os
filhos havidos a qualquer tempo, quando se tratarem de embriões excedentários, decorrentes
de concepção artificial homóloga. Sobre o tema, em Caio Mário encontramos a explicação no
sentido de que “consideram-se embriões excedentários aqueles resultantes de manipulação
genética, mas não introduzidos no ventre da mãe, permanecendo em armazenamento próprio
de entidades especializadas” (PEREIRA, 2018, pg. 303).
O STJ entende que essas presunções de concepção sobre quem é o pai também são
aplicáveis, por analogia, à união estável (STJ – Embargos de Divergência em REsp. nº 18223 de
2003/SP).
Nas hipóteses de técnica de reprodução assistida heteróloga, prevalece o entendimento
da impossibilidade de quebra do sigilo do doador. Ou seja, a identidade de quem doou o material
genético não poderá ser revelada, ainda que a criança esteja desamparada. É uma questão que
passa pela ponderação de princípios constitucionais, dentre os quais o da dignidade da pessoa
humana. Sobre esse tema, o Enunciado n. 111 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, prevê
que

a adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao


adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto
na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes
consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o
vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.

5.3.1.1. AFASTAMENTO DA PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE

Como vimos, existem situações em que a legislação presume a paternidade. Entretanto,


o art. 1.599/CC diz que a prova de impotência do marido para gerar, à época de concepção,

368

371
afastará a presunção de paternidade dos casos mencionados acima. A impotência mencionada
na legislação é a impotência generandi, ou seja, a impotência para gerar um filho.
Ainda em relação a essa temática, é importante destacar o disposto no art. 1.600/CC,
no sentido de que o simples adultério da mulher não é suficiente para afastar a presunção legal
da paternidade. Como destacado em Caio Mário, “a infidelidade (provada ou confessada) não
ilide a presunção, porque, não obstante, o filho pode ser do marido, e não se recusa o status
baseado apenas na dúvida” (PEREIRA, 2018, pg. 306).
Em razão dos avanços científicos na área de reprodução, também aqui temos reflexos
dessa evolução, no que se refere à possibilidade de pai contestar a paternidade decorrente de
inseminação homóloga. Sobre esse tema, em Caio Mário temos que

no que concerne à contestação da paternidade pelo marido da mãe resultante da


reprodução assistida, tratando-se de inseminação homóloga (art. 1.597, I e II),
deverá o pai comprovar, com o exame do DNA, que o profissional ou o hospital
utilizaram sêmen que não foi o seu. De qualquer forma, como salienta Paulo Luiz
Netto Lôbo, citado em Caio Mário, ‘de qualquer forma é forte a presunção da
paternidade em virtude da participação voluntária do pai no processo de reprodução
assistida (PEREIRA, 2018, pg. 306).

Se a hipótese for de inseminação heteróloga e tiver ocorrido a prévia autorização do


marido, não há espaço para qualquer impugnação de paternidade. Como colocado em Caio
Mário, “não se admite a contestação da paternidade em razão da divergência da origem
genética, porque a inseminação artificial com o sêmen de outro homem, principalmente em
virtude de esterilidade do pai, foi esta autorizada” PEREIRA, 2018, pg. 306).
Sobre o mesmo tema, Flávio Tartuce faz importantes considerações, dizendo que

em relação à técnica de reprodução assistida heteróloga, não caberá revogação da


autorização por parte do marido ou companheiro após o emprego da técnica. Quatro
são os argumentos jurídicos principais para tal conclusão: 1.º) Aplicação do princípio
da igualdade entre filhos, o que atinge aqueles decorrentes da técnica de reprodução
assistida (art. 227, § 6.º, da CF/1988 e art. 1.596 do CC); 2.º) Incidência do princípio
do melhor interesse da criança (art. 227, caput, da CF/1988); 3.º) Havendo emprego
da técnica, a presunção passa a ser absoluta ou iure et de iure, conforme o Enunciado
n. 258 do CJF/STJ (“não cabe a ação prevista no art. 1.601 do Código Civil se a filiação
tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos
do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta”); 4.º)
Aplicação da máxima que veda o comportamento contraditório, relacionada à boa-
fé objetiva, em proteção ao filho (venire contra factumproprium). Partindo para a
prática, em 2017, surgiu sentença seguindo tais premissas, afastando a possibilidade
de pai homoafetivo, que havia planejado e autorizado a técnica de reprodução
assistida com seu companheiro, renunciar à paternidade. A decisão foi prolatada
pelo juiz corregedor da 2.ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo,
Marcelo Benacchio, em 12 de abril de 2017 (Processo 1010250-76.2017.8.26.0100)
(TARTCE, 2020, pg. 2000).

Ainda no campo das presunções decorrentes de lei, o art. 1.602/CC diz que não basta a
confissão materna para excluir essa presunção de paternidade. Isso significa que não é
suficiente, para fins de superação da presunção estabelecida em lei, a alegação de que o marido
não é o suposto pai. Necessário se faz, então, outro meio de prova apto a afastar a presunção
de paternidade.
O art. 1.601/CC confere ao marido a legitimidade para impugnar a paternidade dos filhos
havidos com a presunção estabelecida em lei. A ação, no caso, é imprescritível. Ademais, caso o

369

372
presumido pai conteste a paternidade e venha a falecer, seus herdeiros poderão prosseguir na
ação (parágrafo único do artigo 1.601/CC).
A leitura do artigo 1.601/CC índica que a legitimidade, no caso, é só do marido, mas uma
vez exercido o direito de ação, os herdeiros poderão prosseguir com ela.
Vale ressalvar que o enunciado 520/CJF diz que o conhecimento da ausência de um
vínculo biológico e a posse do estado de filho obsta essa contestação posterior da paternidade
presumida.
Ademais, conforme veremos em tópico próprio, diante do novo Direito das Famílias, em
que o afeto ganha destaque, a ausência de vínculo biológico não é suficiente para afastar a
paternidade, diante da possibilidade de existência de vínculos socioafetivos, que justificam a
manutenção do vínculo entre pai e filho(a).

5.3.1.2. PROVA DA FILIAÇÃO

O Código de 2002, em seu art. 1.603, estabelece que “a filiação prova-se pela certidão
do termo de nascimento registrada no Registro Civil”. Assim é que, a regra é a prova da
paternidade e maternidade pela apresentação da certidão extraída do Registro de Nascimento.
Como destacado em Caio Mário,

foi implantado pelo Sistema Único de Saúde/SUS a obrigatoriedade de emissão do


‘Documento de Nascido Vivo’, com o preenchimento obrigatório de formulário
fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde, que é utilizado pelos hospitais e
maternidades públicas e privadas para o registro de informações sobre a mãe, o pré-
natal, o parto e o nascido vivo. Uma das vias é utilizada obrigatoriamente pela família
para o assentamento do registro de nascimento em Cartório (PEREIRA, 2018, 308).

Havendo o registro, a regra é, então, a prova da filiação pela apresentação da certidão


extraída do assento de nascimento.
Todavia, podem ocorrer hipóteses em que essa certidão não tenha como ser
apresentada, seja pela destruição do Cartório de Registro, seja pela destruição do livro, ou
mesmo pela inacessibilidade do lugar onde fora feito o registro. Nestes casos, a lei faculta outros
meios probatórios, quando houver um começo de prova por escrito emanado dos pais.
É o que estabelece o artigo 1.605/CC, ao enunciar que “na falta, ou defeito, do termo de
nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I – quando
houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II –
quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.
O art. 1.604/CC diz que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do
registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Esse dispositivo corrobora a presunção do estado de filiação gerada pelo registro civil.
Em razão disso,

o que dele consta, pro veritate habetur, vale como verdade em relação à data do
nascimento, a menção de quem são os pais, e, por via de consequência, não pode
este pretender ou ostentar estado diverso do que do registro resulta. Mencionados
os nomes dos pais, ou o que mais seja, tem força probante enquanto subsistir o
registro, cujo conteúdo é indivisível (PEREIRA, 2018, pg. 308).

370

373
5.3.2. FILIAÇÃO FORA DO CASAMENTO

Como analisamos em tópico próprio, na hipótese de filho havido durante o vínculo


matrimonial, o legislador estabelece presunção de paternidade, de modo que a genitora,
apresentando a certidão de casamento, não terá maiores problemas para o estabelecimento da
filiação em relação ao pai.
A questão a ser estudada nesse tópico diz respeito, então, às situações em que não há
a mencionada presunção, hipótese em que, o reconhecimento pode ser feito de forma
voluntária ou, não sendo esse feito, por meio de ação judicial.
Assim, podemos elencar as seguintes formas de reconhecimento de filho:
• voluntária (perfilhação); ou
• compulsória (judicial).

5.3.2.1. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO

O art. 1.609/CC traz hipóteses de reconhecimento voluntário de filhos. Diz o referido


artigo que

o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento


não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Como deixa claro o parágrafo único deste artigo, o reconhecimento pode preceder o
nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
É importante destacar essa parte final do parágrafo único do artigo 1.609/CC, no sentido
de que o pai somente pode reconhecer voluntariamente filho morto (reconhecimento post
mortem), se este houver deixado descendentes. Essa exigência busca preservar a finalidade do
reconhecimento, afastando qualquer interesse escuso na herança.
Consoante previsão do art. 1.610/CC, o reconhecimento do filho é irrevogável, ainda
que este reconhecimento conste de testamento. Isto é, mesmo em se considerando que o
testamento é revogável, prevalece a irrevogabilidade do reconhecimento feito em seu bojo.
O reconhecimento de filho é um ato jurídico stricto sensu, de modo que seus efeitos
decorrem da lei.
Atente-se que esse reconhecimento voluntário, conforme o art. 1.614/CC, não pode ser
feito sem o consentimento do filho a ser reconhecido, caso este seja maior de idade. E, nos
termos do mesmo artigo, o filho, ainda que menor de idade, poderá impugnar o reconhecimento
nos 4 (quatro) primeiros anos após a sua maioridade ou emancipação.
A necessidade da aceitação e do consentimento do filho maior e possibilidade de
impugnação do filho menor, assim que tenha se tornado capaz, não desnaturam a natureza do
reconhecimento que é ato jurídico.

371

374
O art. 1.614/CC, no que toca à previsão de 4 anos após a maioridade do filho menor para
impugnar a sua paternidade, tem sido interpretado à luz do ordenamento jurídico como um
todo e da própria CF, de modo a considerar que não se pode fixar um período rígido de 4 anos
para que venha a juízo e conteste esse reconhecimento da paternidade.
Tem-se entendido, então, que poderá ser ajuizada ação para contestar essa paternidade
a qualquer tempo. Isso porque se trata de ação que impugna o estado da pessoa. E, como
sabido, as ações de estado não estão sujeitas a prazo decadencial ou prescricional.
Nesse sentido, ensina Flávio Tartuce que

em relação à segunda parte do art. 1.614 do CC – que consagra prazo decadencial de


quatro anos para o filho menor impugnar o seu reconhecimento, a contar da
maioridade –, a previsão tem sido afastada pela jurisprudência. Isso porque o direito
à impugnação envolve estado de pessoas e a dignidade humana, não estando sujeito
a qualquer prazo (assim concluindo, por todos: STJ, AgRg no REsp 1.259.703/MS, 4.ª
Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 24.02.2015, DJe 27.02.2015; e REsp
765.479/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3.ª Turma, j. 07.03.2006, DJ
24.04.2006, p. 397). A conclusão é perfeita, uma vez que o direito à verdade biológica
e à filiação é um direito fundamental (TARTUCE, 2020, pg. 2034).

O ato de reconhecimento de filho é incondicional. Qualquer condição ou termo


estabelecido no ato de reconhecimento é tido como ineficaz.
Ainda sobre o reconhecimento voluntário, é importante destacar o disposto na Lei nº
8.560/1992, que trata da denominada averiguação oficiosa. De acordo com a referida legislação,
a mãe, quando do registro de nascimento da criança, pode indicar o nome do suposto pai e, com
essa indicação, será realizada uma averiguação oficiosa, através de procedimento provocado
pelo Oficial do Cartório, que fará convocar o suposto pai para dizer se reconhece
voluntariamente a paternidade indicada. Se reconhecer, o oficial lavrará o termo. Caso não
reconheça, o procedimento será encaminhado ao Ministério Público, que tem legitimidade
extraordinária para promover a ação de investigação de paternidade, a qual, julgada
procedente, configura hipótese de reconhecimento forçado, que será apreciado no tópico
seguinte.

5.3.2.2. RECONHECIMENTO JUDICIAL

O reconhecimento judicial é o reconhecimento forçado, decorrente de uma ação


investigatória de paternidade ou maternidade. Essa ação se funda em estado de pessoa, sendo,
por conseguinte, imprescritível.
O art. 27 do ECA diz que o reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível.
A investigação de parentalidade se caracteriza como ação de estado, relativo ao estado
familiar, destinada a dirimir conflito de interesses relativo ao estado de uma pessoa natural,
envolvendo discussão acerca de verdadeiro direito da personalidade. Como tal, trata-se de ação
imprescritível, irrenunciável e inalienável (PEREIRA, 2018, pg. 342).
O mencionado artigo 27 do ECA trata, então, do direito de se perseguir a filiação,
estabelecendo qual tal direito pode ser exercitado contra os pais ou contra os herdeiros, sem
qualquer restrição, respeitado o segredo de justiça.
Alguns pontos merecem destaque na análise do reconhecimento judicial de
paternidade. Vejamos:

372

375
A) Foro competente: o foro competente para o processamento e julgamento da ação
de investigação de paternidade, consoante artigo 46 do CPC/2015, como regra geral,
é o do domicílio do investigado, porquanto se trata de ação de direito pessoal.
Quando o pedido de investigação de paternidade for cumulado com alimentos,
estabelece a Súmula nº 1 do Superior Tribunal de Justiça, que “o foro do domicílio
ou residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de
paternidade quando cumulada com a de alimentos”.
B) Legitimidade para ação de investigação de paternidade: em relação à legitimidade
ativa, a ação, por ser personalíssima, deve ser proposta pelo(a) próprio(a) filho(a).
Como vimos, o Ministério Público também tem legitimidade extraordinária para a
ação de investigação de paternidade, lembrando que a legitimação extraordinária
ocorre quando o Ministério Público defende, em nome próprio, interesse de
terceiro, agindo como substituto processual (Lei nº 8.560/1992). Para aqueles que
adotam, quanto ao início da personalidade, a teoria concepcionista, o nascituro
também teria legitimidade para propositura da ação. O STJ admite a ação de neto
contra o avô, para ver reconhecida a relação avoenga (STJ, REsp 603.885/RS, 3.ª
Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 03.03.2005, DJ 11.04.2005, p.
291). No que toca à legitimidade passiva da ação investigatória, será proposta em
face do suposto pai ou da suposta mãe. Na hipótese de falecimento do suposto pai
ou da suposta mãe, a ação será proposta contra os herdeiros da pessoa investigada,
pois esta ação tem caráter pessoal e não patrimonial, de forma que, nesse sentido,
não seria correta a inclusão do espólio no polo passivo (REsp 1667576/PR, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe
13/09/2019). Tartuce chama a atenção para hipótese de o suposto pai não deixar
herdeiros, caso em que “a ação será proposta contra o Estado (Município ou União),
que receberá os bens vagos” (TARTUCE, 2020, pg. 2038). Proposta a ação, é possível
a contestação. O art. 1.615/CC prevê que qualquer pessoa que tenha justo interesse
poderá contestar a ação investigatória. Ou seja, o cônjuge, o companheiro ou os
herdeiros, têm legitimidade para contestar a ação de paternidade. Em relação aos
alimentos, a súmula 277 do STJ diz que, julgada procedente a ação de investigação
de paternidade, o pagamento dos alimentos são devidos desde a citação.
C) Exame de DNA na ação de investigação de paternidade: Na ação de investigação
de paternidade, diante dos avanços da ciência, hoje é possível, com certa facilidade,
a realização do exame de DNA, para comprovação dos vínculos genéticos. Quando
o suposto pai aceita a realização, o resultado gera segurança para o pretendido
reconhecimento. Porém, é possível que o suposto pai se recuse a se submeter ao
exame, hipótese em que entram em conflito dois interesses igualmente protegidos
pela CF: de um lado, temos o direito do(a) filho(a) de buscar a realidade genética;
de outro, do suposto pai, de preservar sua intimidade e sua integridade corporal.
Ponderando esses dois valores, o STF entende que o direito à intimidade do suposto
pai prevalece sobre o direito da busca da verdade biológica ou da identificação
genética do suposto filho, de forma que não se pode conduzir o pai à
obrigatoriedade da realização do exame. Todavia, ainda em ponderação aos valores,
não obstante a não obrigatoriedade de condução ao exame, em caso de recusa, essa
sua negativa conduz à presunção relativa de paternidade. Nesse mesmo sentido, os
arts. 231 e 232 do CC dizem que aquele que se nega a se submeter ao exame médico
necessário não poderá se aproveitar da sua recusa. O art. 232 diz que a recusa à
perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia se obter
com aquele exame. Sobre a matéria, a Súmula 301 do STJ diz que, em ação de
investigação de paternidade, a recusa do suposto pai a se submeter ao exame de
DNA induz à presunção iuris tantum de paternidade.

373

376
D) Relativização da coisa julgada na ação de investigação de paternidade: a
jurisprudência dos tribunais superiores têm relativizado a coisa julgada em casos de
ações de ações investigatórias em que o pedido tenha sido julgado improcedente
por falta de provas em época que não havia o exame de DNA. Nesse sentido, o
Enunciado 109 do CJF diz que a restrição da coisa julgada oriunda das demandas
reputadas improcedentes por insuficiência de provas não devem prevalecer para
inibir a busca da identidade genética do investigando. Ainda, a verdade biológica,
com relação direta com a dignidade humana do suposto filho, vai prevalecer sobre
a coisa julgada.

5.3.3. BARRIGA DE ALUGUEL OU BARRIGA DE SUBSTITUIÇÃO

Muitas questões têm sido discutidas, em sede de ações judiciais, em razão dos avanços
tecnológicos e científicos. Novas técnicas de reprodução implicam em novas discussões e de
enfrentamento, pelo Judiciário, dessas questões, que devem sempre ser apreciadas à luz da
Constituição Federal.
Um dos pontos de enfrentamento é a denominada “barriga de aluguel” ou gestação de
substituição.
No Brasil, esse tipo de gestação não é admitida na modalidade onerosa. A chamada
gestação de substituição vem regulamentada por uma Resolução 2.121/2015 do CFM, só
podendo ser realizada de forma gratuita.
Consoante referida resolução, o “empréstimo” da barriga ou do útero para gestação é
admitido apenas no âmbito familiar, e no parentesco até o 4º grau.
A mãe, nesse caso, será quem foi a doadora do material genético. Esta é considerada a
genetrix. Já aquela que empresta a barriga é considerada gestatrix e não é tida, para nenhum
efeito, como mãe.

5.3.4. MULTIPARENTALIDADE

A multiparentalidade ou pluralidade de vínculos está relacionada à possibilidade de


reconhecimento de mais de uma relação entre pais e filhos, o que significa dizer que uma pessoa
possa ter dois pais ou duas mães.
Sobre a multiparentalidade, Daniel Carnacchioni relembra que

a doutrina aprofundou o tema e criou a teoria tridimensional do Direito de Família,


pela qual a compreensão de mundo do ser humano é formada essencialmente por
sua carga genética, por seu modo de ser em família (afetividade primária) e pelo
próprio modo de relacionar-se consigo (identificação ontológica).

O autor prossegue, dizendo que, dessa forma “entende-se que o ser humano é, a um só
tempo, biológico, afetivo e ontológico, de modo a existir uma trilogia familiar, o que, por
consequência, possibilita o estabelecimento de três laços paternos e três maternos, a um só
tempo” (CARNACCHIONI, 2018, 1.564).
A multiparentalidade está atrelada, então, em especial, à possibilidade de coexistência
da paternidade biológica e socioafetiva.
O Supremo Tribunal Federal, sobre a multiparentalidade, em sede de repercussão geral,
afetou a questão sob o tema n. 622. Em setembro de 2016, o plenário, por maioria de votos,
fixou a tese de repercussão geral com a seguinte redação: “A paternidade socioafetiva,

374

377
declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação
concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios”.
Com essa decisão, o STF passou a admitir, então, a multiparentalidade, considerando a
afetividade como um valor jurídico e um princípio da ordem civil-constitucional brasileira. Esse
foi o entendimento citado nos votos da maioria dos Ministros do Supremo.
Com isso, a socioafetividade cria laços de parentesco civil, na forma do artigo 1.593/CC,
em situação de igualdade com o parentesco biológico. Esse vínculo, conforme se extrai do
julgado citado, é reconhecido para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios.
Merece destaque, nesse particular, a conclusão da VIII Jornada de Direito Civil,
promovida pelo Conselho da Justiça Federal em abril de 2018, que, pelo Enunciado n. 632,
destacou que “nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho
terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos”.
Como visto no reconhecimento voluntário de filho, é possível que ele ocorra de forma
extrajudicial. A pergunta, então, que surge é se a multiparentalidade também pode ser
reconhecida extrajudicialmente.
Quanto a esse ponto, temos que o Provimento 63/2017, que, dentre outras coisas,
dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade
socioafetiva no Livro “A”, teve algumas alterações decorrentes do Provimento 83/2019.
Esse último provimento altera a Seção II, que trata da paternidade socioafetiva, do
Provimento 63.
As alterações, de extrema importância para análise do reconhecimento extrajudicial da
multiparentalidade, são as seguintes:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade


socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de
registro civil das pessoas naturais.

II – o Provimento n. 63 passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A:

Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar
exteriorizada socialmente.

1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou


maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação
de elementos concretos.

2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos,


bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou
representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão
de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo
de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico;
inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias
em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.

3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a


impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo
socioafetivo.

4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser


arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento.

375

378
III – o § 4º do art. 11 passa a ter a seguinte redação:

4º Se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da paternidade ou


maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento.

IV–o art. 11 passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 9º, na


forma seguinte:

“art. 11 …………………………..…………………………………..

9º Atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade


socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do
Ministério Público para parecer.

I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo


registrador após o parecer favorável do Ministério Público.

II – Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro da


paternidade ou maternidade socioafetiva e comunicará o ocorrido ao requerente,
arquivando-se o expediente.

III – Eventual dúvida referente ao registro deverá ser remetida ao juízo competente
para dirimi-la.

V –o art. 14 passa a vigorar acrescido de dois parágrafo, numerados como § 1º e §


2º, na forma seguinte:

“art. 14 …………………………..…………………………………..

1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado


paterno ou do materno.

2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via


judicial.

Da leitura dos artigos alterados, é possível extrair que o provimento permite o


reconhecimento da socioafetividade de forma extrajudicial, obedecidos os requisitos acima
transcritos. Particularmente, sobre essa socioafetividade em concorrência com o vínculo
biológico, temos que observar com mais cautela o disposto no artigo 14 do Provimento 63, que
foi alterado por esse Provimento 83.
A redação do antigo artigo 14 do Provimento 63/2017 era no seguinte sentido:
“Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente
poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de
duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.”
Como vimos, houve acréscimo de dois parágrafos, para determinar que somente é
permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno e para
estabelecer que a inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via
judicial.
Surge, então, o questionamento se esses parágrafos estariam a proibir o
reconhecimento da multiparentalidade de forma extrajudicial.
O objetivo dos parágrafos acrescentados seria resolver a questão do reconhecimento da
multiparentalidade no âmbito extrajudicial. No entanto, parece persistir a dúvida.

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379
Sobre a matéria, o Enunciado n. 29, aprovado no XII Congresso Brasileiro do IBDFAM,
em outubro de 2019, concluiu que: “em havendo o reconhecimento da multiparentalidade, é
possível a cumulação da parentalidade socioafetiva e da biológica no registro civil”.
Parece, então, que as modificações feitas pelo Provimento 83/2019 permitem o
reconhecimento da multiparentalidade, desde que a inclusão do vínculo socioafetivo se limite a
um pai e a uma mãe, em concomitância com o vínculo biológico. Se o caso for de inclusão de
mais de um ascendente socioafetivo, a via necessariamente terá que ser a judicial.

5.3.5. ADOÇÃO

Conforme se extrai da leitura do Capítulo IV, do Subtítulo II, do Título I, do Livro IV, do
Código Civil, houve uma limitação no tratamento da adoção do maior de 18 anos, porquanto o
legislador dedicou apenas 12 artigos a essa matéria, sendo certo que a Lei nº 12.010/1009
revogou dez deles. Assim, remanescem apenas dois artigos, que acabam por remeter a questão
ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com efeito, enquanto o art. 1.618/CC estabelece que a adoção de crianças e
adolescentes será feita na forma prevista no ECA, o subsequente art. 1.619/CC diz que a adoção
de maior dependerá de uma assistência efetiva do Poder Público, de sentença constitutiva, mas
serão aplicadas, no que couber, as regras previstas no ECA.
Assim, o regramento deve seguir as previsões do Estatuto da Criança e do Adolescente,
no que couber, estando a matéria regulada a partir do artigo 39 daquele diploma legal.
A adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho,
independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim.
Todos os autores lhe reconhecem o caráter de uma fictio iuris (PEREIRA, 2018, pg. 377).
Sua importância é destacada pela Carta Magna que prevê, no art. 227, § 5º, que “a
adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições
de sua efetivação por parte de estrangeiros”.
Pela adoção, temos, assim, a criação de um vínculo fictício de maternidade e/ou
paternidade e a filiação, entre pessoas originariamente estranhas. Para que ocorra, sempre
depende de uma sentença judicial, a qual será inscrita no registro civil, mediante mandado
judicial (art. 47,ECA).
Como estabelece o §1º do artigo 39, do ECA, “a adoção é medida excepcional e
irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da
criança ou adolescente na família natural ou extensa (...)”.
Há diferença entre a adoção de pessoa menor e de pessoa maior de idade. Quando a
adoção é de pessoa menor de 18 anos, seu trâmite será perante a Vara da Infância e Juventude
(art. 148, caput, III, ECA). Já em se tratando de adotando(a) maior de 18 anos, o trâmite passa a
ser em Vara de Família.
A intervenção do Ministério Público será sempre obrigatória, pois se está tratando de
questão de estado da pessoa, ou seja, de ordem pública.
Poderá adotar apenas aqueles que tiverem mais de 18 anos (art. 42, caput, ECA).
A adoção pode ser tanto unilateral quanto conjunta. Para a adoção conjunta, é
indispensável que o casal seja casado civilmente ou ao menos mantenham união estável (art.
42, §2º, ECA).
No entanto, o §4º do art. 42 diz que os divorciados, judicialmente separados ou os ex-
companheiros podem adotar conjuntamente, desde que acordem sobre a guarda, regime de

377

380
bens e o estágio de convivência com a criança ou adolescente tenha se iniciado anteriormente,
na constância do período de convivência do casal.
O art. 42, §3º, do ECA diz que o adotante deve ser ao menos 16 anos mais velho que o
adotando. Sendo um casal, deverá o membro mais jovem do casal ser ao menos 16 anos mais
velho que o adotando.
O tutor ou curador pode adotar o tutelado ou curatelado, mas antes deverá prestar
contas de sua administração, ou seja, saldar eventuais débitos (art. 44, ECA).
Como regra geral, para a adoção, é preciso o consentimento dos pais ou representantes
legais do menor a ser adotado (art. 45, caput, ECA). Merece, entretanto, destaque o Enunciado
259 da III Jornada de Direito Civil do STJ, que determina que “a revogação do consentimento
não impede, por si só, a adoção, observado o melhor interesse do adotando”.
Vale lembrar que o consentimento dos pais será dispensado se eles forem
desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar (art. 45, §1º, ECA).
Caso o adotando já tenha 12 anos, ele também será ouvido quanto à adoção (art. 45,
§2º, ECA). É importante destacar que a lei é omissa quanto à oitiva e manifestação de
consentimento do menor de 12 anos.
O art. 41 do ECA diz que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, tendo ele os
mesmos direitos, deveres e direitos sucessórios, desfazendo qualquer vínculo com os pais e
parentes anteriores, salvo em relação aos impedimentos matrimoniais.
A adoção, como se vê, corta todos os vínculos do adotado com sua família de origem,
salvo na hipótese em que um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro (adoção
unilateral).
A decisão que defere a adoção vai conferir ao adotado o sobrenome do adotante.
Conforme prevê o art. 47, §5º, ECA, tanto o adotante como o adotado podem pedir a
modificação do prenome do adotado, sendo que, se o pedido de alteração for formulado pelo
adotante, o adotado será ouvido na forma do artigo 47, §6º, ECA.
Em relação aos efeitos da adoção, o art. 47, §7º, ECA, estabelece que a produção de
efeitos começa, em regra, a partir do trânsito em julgado da decisão que concede a adoção.
Todavia, na hipótese de o adotante falecer no curso do procedimento (adoção post mortem), a
sentença terá efeitos a partir da data do óbito (art. 47, §7º, parte final, ECA).
Isso porque o art. 42, §6º, do ECA diz que a adoção pode ser deferida ao adotante que
depois de inequívoca manifestação de vontade falecer no curso do processo, antes de prolatada
a decisão. É a chamada adoção post mortem.
Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos cônjuges desistir do pedido e outro
vier a falecer sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar unilateralmente, não poderá
ser deferido ao interessado falecido o pedido de adoção unilateral post mortem.
Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não pode adotar sem o consentimento
do outro. Assim, se proposta adoção em conjunto e um dos autores (candidatos a pai/mãe)
desiste da ação, a adoção deve ser indeferida, especialmente se o outro vem a morrer antes de
manifestar-se sobre a desistência.
O art. 39, §2º, do ECA veda a adoção por procuração, pois a adoção tem caráter
personalíssimo. É vedada ainda a adoção por ascendente ou por irmão. Veja que a limitação,
quanto à adoção por parentes, não se estende a tios, sobrinhos e outros.
Excepcionalmente, entretanto, o STJ já deferiu a adoção de descendente por
ascendente em razão das peculiaridades do caso concreto, como no caso em que a pessoa ficou

378

381
grávida em tenra idade, em decorrência de abuso sexual. Nesta situação, o STJ entendeu por
bem admitir a adoção pelos avós do seu neto, em virtude de que a mãe e o filho haviam sido
criados como se irmãos fossem (REsp 1.635.649).
Nesse caso, podemos dizer que houve colisão entre a regra prevista no art. 42, §1º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, e o princípio do melhor interesse da criança, tendo o STJ,
com sua decisão, dado primazia ao princípio do melhor interesse da criança.
O art. 46 do ECA diz que a adoção será precedida de um estágio de convivência. Essa é
a regra, entretanto, pode ocorrer a dispensa do estágio de convivência se o adotando já estiver
sob tutela ou guarda legal do adotante.
É importante destacar que, nos termos da lei, a simples guarda de fato não dispensa o
estágio de convivência (art. 46, §2º, ECA).
Ainda, se estivermos diante de uma adoção internacional, esse estágio de convivência
terá o prazo mínimo de 30 dias e sempre ocorrerá.
O art. 48 do ECA diz que o adotado tem direito de conhecer a sua origem biológica. Em
sendo assim, mesmo adotado, ele terá direito a obter o acesso irrestrito ao processo no qual
fora deferida a adoção, inclusive quanto aos eventuais incidentes processuais, desde que tenha
completado 18 anos.
É importante destacar aqui a diferença dessa situação à daquela em que a paternidade
é decorrente de doação de sêmen. Na hipótese da doação de material genético, como vimos,
há proteção quanto à identidade do doador.
Destaque-se, ademais, que esse acesso à verdade biológica/genética é um direito do
adotado. Porém, de suas certidões do registro não poderá constar nenhuma observação sobre
a origem do ato de adoção (art. 47, §4º, ECA).
Encerrado o processo de adoção, eventual morte do adotante não restabelece o poder
familiar dos pais naturais (art. 49, ECA).
Como consequência da ruptura com a família biológica, a adoção põe termo a todos os
direitos e obrigações dela decorrentes. A substituição assenta em que o adotado ingressa no lar
do adotante na condição de filho, e, por conseguinte, opera-se em substituição no campo do
poder familiar, da prestação de alimentos, dos direitos da personalidade e no direito sucessório.
Portanto, o adotante poderá ser herdeiro do adotado, assim como, na forma do art. 1.839, o
adotado poderá ser herdeiro dos parentes do adotante. Mantém-se a orientação estatutária do
art. 41 do ECA, que atribui a condição de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo
com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (PEREIRA, 2018, pg. 401).

5.4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

5.4.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE


POR ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto
por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado:
os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual
já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com
exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia
filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem
biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã
mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente
com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no

379

382
adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão
de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser
censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do
interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à
possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de
gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis.
Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no
argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus
de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a
essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o qual "Não
podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando", visando evitar que o
instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou
assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a
eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em
pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança
e do adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores
econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no
adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação
do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta
da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA ("Esta Lei dispõe sobre a
proteção integral à criança e ao adolescente") e do art. 6º desse mesmo diploma
legal ("Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e
a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento"), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção
integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da
CF deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de
modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa
humana de forma molecular. É também com base em tal princípio que se deve
solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio
constitucional. Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que as
estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar com elas, não bastam
somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em
conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa
maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do
§ 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação
restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e,
dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero
caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva.
Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses
básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-
SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014. (INF. 551).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Sentença proferida em ação investigatória


de paternidade. Falecimento do pretenso genitor. Ação rescisória. Ação de
estado e de natureza pessoal. Legitimidade passiva. Herdeiros do falecido e não
do espólio. Registre-se, de início, que a jurisprudência desta Corte fixou-se no
sentido de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face
dos herdeiros e não do espólio do falecido. Nesse contexto, o fato de a sentença
que se pretende rescindir ter sido proferida em ação investigatória
de paternidade, em que somente o de cujus figurou como parte, não modifica
esse entendimento. Embora o CPC/1973 não trate da legitimidade passiva para
a ação rescisória (o CPC/2015 também não examina esse tema), é correto afirmar
que a regra do art. 487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I, do novo CPC),
que disciplina a legitimidade ativa e que informa que poderá propor a referida

380

383
ação "quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular"
deve se aplicar, por lógica, coerência e simetria, também à adequada
configuração da legitimação passiva da ação rescisória. Por essa razão, o
falecimento da parte após o trânsito em julgado da sentença a ser rescindida
implica sucessão processual não apenas no polo ativo, mas também no polo
passivo. Como se sabe, a legitimidade passiva decorre de uma relação lógica e
abstrata entre quem pede, o que se pede e contra quem se pede, devendo
figurar no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que possa ser compelida e
reúna condições de satisfazer o pedido inicial. Tendo em mira essa premissa,
conclui-se que, evidentemente, o espólio não é parte legítima para responder à
ação rescisória em que se pleiteie a rescisão de sentença e o rejulgamento de
ação investigatória de paternidade post mortem, seja como legitimado
exclusivo, seja como litisconsorte passivo necessário, na medida em que, nessa
ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente
despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada
herança até que se efetive a partilha dos bens. Sublinhe-se que as eventuais
repercussões econômicas ou patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não,
da filiação que se pretende alcançar por intermédio da ação investigatória
de paternidade é que poderão, hipoteticamente, ser objeto de pretensões
autônomas que serão deduzidas contra o espólio, como já se consignou em
precedentes desta Corte em relação à petição de herança (AgRg no Ag
580.197/SP, Quarta Turma, DJe 04/05/2009) e à execução de dívidas do de
cujus (REsp 1.559.791/PB, Terceira Turma, DJe 31/08/2018). REsp 1.667.576-
PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
10/09/2019, DJe 13/09/2019. (INF. 653)

6. PODER FAMILIAR E A PROTEÇÃO AOS FILHOS

6.1. PODER FAMILIAR

O artigo 1.630/CC estabelece que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto
menores”.
Percebe-se, então, desde já, que o poder familiar é instituto que vincula os pais aos filhos
ainda menores, atribuindo àqueles o exercício de direitos e deveres em relação à pessoa dos
filhos e seus bens, sempre se levando em consideração o melhor interesse da criança e do
adolescente.
Como bem adverte Flávio Tartuce, “o poder familiar é uma decorrência do vínculo
jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da
ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas,
sobretudo, no afeto” (TARTUCE, 2020, p. 2057).
O artigo 1.631/CC estabelece que, durante o casamento e união estável, o exercício do
poder familiar compete aos pais em igualdade de condições, de forma que, consoante parágrafo
único do mesmo artigo, se houver divergência entre os genitores, poderá qualquer um deles
recorrer ao judiciário para buscar a solução do desacordo.
O poder familiar perdurará enquanto menores os filhos, podendo cessar antes em caso
de emancipação (art. 5º, CC).
O art. 1.632/CC deixa claro que a separação judicial, o divórcio ou a dissolução de união
estável não alteram relações de pais e filhos, inclusive o direito à convivência, ainda que haja

381

384
alguma alteração na situação. Em outras palavras, a separação, o divórcio ou a dissolução da
união estável não afetam o exercício do poder familiar.
Como dito, o poder familiar confere aos genitores não só direitos, mas também deveres,
que podem ser extraídos da leitura do art. 1.634/CC.
Estabelece o referido artigo, alterado pela Lei nº 13.058/2014, as atribuições desse
exercício que compete aos pais, verdadeiros deveres legais, a saber:
a) dirigir a criação e a educação dos filhos;
b) exercer a guarda unilateral ou compartilhada, nos termos do art. 1.584;
c) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
d) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
e) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência
permanente para outro Município;
f) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não
lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
g) representá-los, judicial ou extrajudicialmente até os 16 anos, nos atos da vida civil e
assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
h) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
i) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e
condição.
A última das atribuições do poder familiar, elencada no artigo transcrito, merece
atenção diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Com isso, é de se
considerar que a obediência que os filhos devem prestar aos pais, detentores do poder familiar,
tem que ser interpretada de acordo com o princípio da razoabilidade. Em outras palavras, caso
os pais exijam dos filhos obediência em ações desarrazoadas, haverá violação ao princípio da
dignidade da pessoa humana, a justificar o seu não cumprimento.
Sobre essa questão, é importante lembrar a Lei da Palmada, que tem por objetivo dar
concretude à ideia de razoabilidade na educação e no dever de obediência do filho. Ela é
conhecida também como a Lei Menino Bernardo.
Essa lei alterou dispositivos do ECA e inseriu o art. 18-A, que diz ter a criança ou
adolescente o direito de ser criado sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou
degradante como forma de correção, disciplina ou educação.
Como é de conhecimento geral, a lei causou e ainda causa muita polêmica por
estabelecer uma forte intervenção do Estado no modo de educação dos filhos. É de se considerar
que seu escopo não é proibir a atuação de educação e correção dos pais no exercício do poder
familiar, mas sim vedar o tratamento degradante, cruel e humilhante do filho.
Ainda em relação ao exercício do poder familiar, os pais estão proibidos de explorar
economicamente os filhos, não podendo imputar a estes serviços que não sejam compatíveis
com a sua idade e a sua condição.
O exercício abusivo do poder familiar poderá implicar na suspensão ou mesmo na sua
extinção (arts. 1.635 e seguintes do Código Civil).
Em relação aos efeitos do poder familiar, pai e mãe são tratados como usufrutuários dos
bens dos filhos. No entanto, os pais não poderão alienar os bens dos filhos e tampouco gravar
com ônus reais, salvo se houver necessidade ou se for melhor para o filho, caso em que será
indispensável a autorização judicial, com intervenção do Ministério Público.

382

385
Se estes atos de alienação ou disposição forem realizados sem autorização judicial, o ato
de disposição será tido como nulo.
Ainda em relação ao exercício do poder familiar e, considerando que nele estão
abrangidos não só direitos, como também deveres, uma questão que se coloca aqui diz respeito
à obrigatoriedade dos genitores de darem afeto aos filhos. Em outras palavras, o que se lança à
discussão neste ponto é acerca da possibilidade de condenação de um genitor pelo denominado
“abandono afetivo”.
Um dos fundamentos para essa responsabilização poderia ser extraído do artigo
1.632/CC, que estabelece o direito dos pais a terem os filhos em sua companhia. Esse direito
geraria, na contrapartida, a expectativa dos filhos quanto ao efetivo exercício da manutenção
da companhia recíproca. Com o abandono afetivo, haveria uma quebra desse dever de
companhia. Por essa linha de raciocínio, se há a quebra do dever, haveria um direito à
indenização em decorrência dessa quebra, ou seja, responsabilidade civil pelo abandono afetivo.
Essa matéria é, ainda, bem polêmica. Daniel Carnacchioni entende que não se pode
extrair consequências jurídicas da falta de afeto. Para o autor, “se não existe, não se pode dele
extrair efeito jurídico algum, pois um núcleo de pessoas anafetivas é apenas um núcleo ou uma
reunião de pessoas, mas não uma família”. Ele continua, alertando que

o fato de afeto gerar consequências jurídicas não significa, necessariamente, que se


trate de princípio ou valor jurídico exigível antes que este se caracterize.
Caracterizado o afeto, dele é possível extrair consequências jurídicas, mas não se
pode exigir que um pai tenha afeto por um filho apenas porque há entre eles vínculo
biológico (CARNACCHIONI, 2018, pag. 1.460).

Falando especificamente sobre o abandono afetivo, o autor sustenta que

a ‘tese’ do abandono afetivo ou ‘teoria do desamor’ é por demais equivocada, pois


parte de premissas falsas e insustentáveis, justamente por não ser o afeto um
princípio jurídico passível de exigibilidade. Isso tornaria o Estado autoritário e
violador de direitos fundamentais como a liberdade e a dignidade. As pessoas têm
afeto ou não, amam ou não amam, têm paixões ou não têm. Tais sentimentos
existem ou não existem, estão vinculados à subjetividade do indivíduo. No entanto,
não se pode exigir o afeto antes que ele espontaneamente surja (CARNACCHIONI,
2018, pag. 1.460).

Como bem lembra o mesmo autor, o STJ já admitiu a tese do abandono afetivo como
princípio a justificar a tese do abandono afetivo (REsp 1159242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi).

6.1.1. EXTINÇÃO E DA SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

Diz o artigo 1.635 do Código Civil que a extinção do poder familiar ocorrerá:
• pela morte dos pais;
• pela morte dos filhos;
• pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;
• pela maioridade;
• pela adoção;
• pela decisão judicial, na forma do artigo 1.638 (que trata da perda do poder
familiar).
É importante ficar claro que o artigo 1.638/CC trata da “extinção do poder familiar”,
elencando como uma das hipóteses dessa extinção a denominada “destituição do poder

383

386
familiar” ou “perda do poder familiar”. Então, tem-se que a destituição é uma das hipóteses de
extinção do poder familiar e ocorrerá nos casos elencados no artigo 1.638/CC.
Considerando, então, o disposto nesse art. 1.638 do CC, temos hipóteses que
fundamentam a decisão de destituição do poder familiar por sentença judicial. São elas:
a) o castigo imoderado do filho;
b) o abandono do filho;
c) a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes;
d) a incidência reiterada nas faltas previstas no art. 1.637 do CC; e
e) a entrega, de forma irregular, do filho a terceiros para fins de adoção. Essa última
previsão foi incluída pela Lei nº 13.509/2017.
Após essa alteração de 2017, houve ainda uma alteração datada de 2018, para inclusão
do parágrafo único ao artigo 1.638/CC, trazendo novas hipóteses de destituição do poder
familiar, por força da Lei nº 13.715.
Com a inclusão desse novo parágrafo único, perderá também por ato judicial o poder
familiar aquele que praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte,
quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher;
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.
É de se lembrar, ademais, do disposto no art. 1.637 do CC/2002, pelo qual temos que
“se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou
arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público,
adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até
suspendendo o poder familiar, quando convenha.” Ademais, conforme parágrafo único do
mesmo artigo “suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe
condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de
prisão”.

6.1.2. A ALIENAÇÃO PARENTAL COMO FUNDAMENTO PARA A SUSPENSÃO DO PODER


FAMILIAR

O estudo da alienação parental está inicialmente vinculado à área da


psiquiatria/psicologia. Conforme o conceito de seu pesquisador, o psiquiatra estadunidense
Richard A. Gardner (1985 e ss):

A síndrome de alienação parental (SAP) é uma disfunção que surge primeiro no


contexto das disputas de guarda. Sua primeira manifestação é a campanha que se
faz para denegrir um dos pais, uma campanha sem nenhuma justificativa. É
resultante da combinação de doutrinações programadas de um dos pais (lavagem
cerebral) e as próprias contribuições da criança para a vilificação do pai alvo.

A Lei nº 12.318/2010 caracteriza a alienação parental no seu artigo 2º, dizendo que:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação


psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua

384

387
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao
estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Extrai-se, então, que a alienação parental se caracteriza pela ação daquele que exerça
alguma forma de atuação sobre a criança ou adolescente, interferindo na sua formação
psicológica, podendo ser promovida ou induzida por um dos pais, pelos avós, ou por qualquer
adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância.
O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou do
adolescente com o(a) genitor(a).
Como se percebe da legislação invocada, temos que o sujeito ativo da alienação, ou seja,
o alienador pode ser tanto um dos genitores, avós ou qualquer outra pessoa que tenha sob sua
autoridade, guarda ou vigilância criança ou adolescente. Já o sujeito passivo (alienado), em
princípio a vítima, é a criança e o adolescente, aquele que é manipulado e sofre interferência
psicológica. No entanto, começa-se a discutir na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de
o idoso também ser vítima de alienação parental.
A alienação parental fere o direito fundamental da criança e do adolescente (e para
alguns, para o idoso também) à convivência familiar saudável, sendo, ainda, um
descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou
guarda.
A alienação parental é um ato ilícito, podendo gerar responsabilidade civil do alienador.
Conforme previsão da própria lei, ficando caracterizada a alienação parental, o juiz
poderá:
• declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
• para compensar isso, poderá aumentar o regime de convivência familiar com
genitor que sofreu os efeitos decorrentes da alienação parental;
• estipular uma multa ao alienador;
• determinar o acompanhamento psicológico ou biopsicossocial da criança, do
genitor alienador e do genitor alienado;
• alterar a guarda;
• declarar a suspensão da autoridade parental do genitor.
Percebe-se que, diferentemente do que muitas vezes propagado, a alienação parental
não necessariamente implicará em suspensão da autoridade parental ou mudança de guarda.
Essas medidas extremas serão tomadas se atenderem ao melhor interesse da criança e do
adolescente. Aliás, esse é o princípio que sempre norteará o julgador na análise dos
procedimentos que envolvam menores.
Ainda em relação à alienação parental, na perspectiva de aprimoramento do
protecionismo legislativo, a Lei nº 13.431/2017, em vigor desde 05/04/2018, que estabelece
sistemas de proteção aos direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência, veio traçar novos rumos também ao tema da alienação. Reconhece, assim, como
violência psicológica o ato de alienação (art. 4, II, b), assegurando o direito de pleito de medida
protetiva à luz da conexão com os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

6.2. PROTEÇÃO AOS FILHOS: A GUARDA

A guarda, como forma de proteção aos filhos, é disciplinada a partir do artigo 1.583 do
Código Civil, sendo admitidas, então, duas espécies de guarda:

385

388
• guarda unilateral: que seria aquela concedida a apenas um dos pais, exercendo
o outro o direito à visitação; ou
• guarda compartilhada: quando deferida a ambos os genitores.
Daniel Carnacchioni lembra que

além destas espécies legais, a doutrina e a jurisprudência admitem outras duas


espécies: guarda alternada (neste caso cada um dos pais, em períodos específicos e,
de forma alternada, passa a ter o direito de guarda exclusiva, - o pai e a mãe se
revezam em períodos exclusivos de guarda) e o aninhamento ou nidação (neste caso,
o filho permanece no lar de referência e são os pais que se revezam no domicílio
onde o filho menor está aninhado – é o contraponto da guarda alternada)
(CARNACCHIONI, 2018, pag. 1543).

Muito embora o autor faça referência a esses dois tipos de guarda, asseverando que
decorrem da doutrina e jurisprudência, certo é que a legislação somente disciplina a guarda
unilateral e a compartilhada, havendo muita resistência, mesmo pela jurisprudência, de
deferimento das demais por não parecerem, em regra, atender ao melhor interesse da criança
e do adolescente. Todavia, em situações especiais, comprovado o benefício ao menor, é possível
o deferimento desses modelos não previstos em lei. Há, inclusive, julgados do STJ nesse sentido.
Confira-se: REsp 1591161/SE RECURSO ESPECIAL 2015/0048966-7, Rel. Min. Ricardo Villas Boas
Cueva, 3ª Turma, data do julgamento: 21/2/2017)).
De acordo com a legislação vigente, na atualidade, então, estão regulamentadas as
guardas unilateral e compartilhada, sendo que, conforme se extrai da leitura do artigo 1.584,
§2º, do CC, “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,
encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda
compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do
menor”.
Percebe-se, então, que a regra é o estabelecimento da guarda compartilhada, ainda que
não haja acordo entre os genitores. Há diversas manifestações jurisprudenciais do STJ no sentido
de que não é necessária a transigência dos genitores para que haja o deferimento da guarda
compartilhada, podendo ela, como se viu da leitura do artigo transcrito, ser imposta pelo
julgador em benefício da criança e do adolescente.
O art. 1.583, §2º, CC, diz que, na guarda compartilhada, o tempo de convivência com o
filho deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e o pai, sempre tendo em vista as
condições fáticas e o interesse dos filhos.
Já o §3º do mesmo artigo estabelece que na guarda compartilhada a cidade considerada
base da moradia do filho é aquela que atender à necessidade dos filhos.
A leitura desses dois dispositivos leva a certa confusão porquanto parecem tratar, em
essência, da guarda alternada, mencionando questões como divisão equilibrada de tempo de
convivência e base de moradia.
Sobre essa aparente confusão, Tartuce faz uma crítica, dizendo que

com o devido respeito ao pensamento contrário, a este autor a novel legislação traz
dois principais problemas. De início, como primeiro problema, quando há menção a
uma custódia física dividida, parece tratar de guarda alternada e não de guarda
compartilhada, conforme classificação que ainda será exposta (TARTUCE, 2020, p.
1928).

O autor continua pontuando as contradições verificadas na leitura dos artigos que


tratam da guarda:

386

389
com a Lei 13.058/2014 passou-se a estabelecer que ‘na guarda compartilhada, a
cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos
interesses dos filhos’. Mais uma vez a confusão entre guarda compartilhada e
alternada fica clara, pois se reconhece a viabilidade de o filho residir em lares e
cidades distintas, ao se considerar uma cidade como base da moradia (TARTUCE,
2020, p. 1928).

Essa questão foi objeto de debate na VII Jornada de Direito Civil/2015, tendo surgido daí
os seguintes enunciados importantes sobre o tema: o primeiro deles estabelece que

a divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com
o pai, imposta para a guarda compartilhada pelo § 2.º do art. 1.583 do Código Civil,
não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda
alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos
filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se
encontra na companhia do filho (Enunciado n. 604).

O outro enunciado diz que

a distribuição do tempo de convivência na guarda compartilhada deve atender


precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma
equilibrada, a que alude o § 2.º do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência
livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitário entre os
pais (Enunciado n. 603).

Por fim, outro enunciado conclui que “a guarda compartilhada não exclui a fixação do
regime de convivência” (Enunciado n. 605).
Estando estabelecida a diferenciação entre guarda compartilhada e guarda alternada,
segue-se que na guarda compartilhada, não havendo essa alternância de residências, mas sim a
fixação de um lar de referência com estabelecimento de regime de convivência entre os
genitores, é possível concluir que a guarda compartilhada não exclui a fixação de prestação
alimentícia, baseada sempre na necessidade do alimentando e possibilidades do alimentante.
Dessa forma, temos que na guarda compartilhada, ambos os genitores terão o exercício
da guarda, mas será fixado o lar de referência, com regime de convivência em relação ao outro
genitor, que, em regra, ficará obrigado a prestar alimentos com base no binômio
necessidade/possibilidade.
O art. 1.583, §5º, CC diz que a guarda unilateral obriga o pai e a mãe, que não detenha
a guarda, a supervisionar os interesses do filho. A fim de possibilitar essa supervisão, qualquer
dos genitores que não tenha a guarda terá a legitimidade para prestar informações e prestar
contas de assunto que interessa ao filho, direta ou indiretamente.
É a ideia de fiscalização da atuação do ex-cônjuge que tenha a guarda do menor.
O art. 1.584/CC diz que a guarda unilateral ou compartilhada pode ser efetivada por dois
meios:
• requerida por consenso pelo pai ou pela mãe, ou qualquer deles numa ação
autônoma; ou
• por decisão judicial, decretada pelo juiz, observando os interesses do menor e
levando em conta o tempo que cada um dos pais possui.
A legislação alerta para a necessidade de o juiz, em audiência de conciliação de processo
que verse sobre a guarda dos filhos menores, esclarecer os genitores sobre o significado e a
importância da guarda compartilhada.

387

390
Como já mencionado anteriormente, se, entretanto, os genitores não chegarem a um
consenso quanto à guarda compartilhada, o §2º, do artigo 1.584/CC estabelece que, “se não
houver acordo entre os pais quanto à guarda do filho, e se ambos estiverem aptos a exercer o
poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um deles expressamente declarar
que não deseja a guarda do menor”.
É com base nisso que a guarda compartilhada passa a ser a modalidade compulsória e
regra da guarda. Portanto, se os dois podem exercer o poder familiar, o juiz fixará a guarda
compartilhada, passando a ser a regra.
O STJ tem vários julgados sobre o tema, concluindo que a guarda compartilhada é a
regra e somente deixará ser aplicada se houver inaptidão de um dos ascendentes para o
exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de
guarda, por meio de decisão judicial (Inf. 595/STJ).
Sendo a guarda compartilhada regra, o seu não estabelecimento somente ocorrerá em
casos específicos, que, nos termos da lei (§ 2º do art. 1.584/CC), seriam na hipótese de
declaração de um dos genitores quanto ao não desejo de exercício da guarda do menor e na
hipótese de não exercício, por parte de um deles, do poder familiar.
Todavia, o STJ está dividido sobre a possibilidade de relativização desse dispositivo legal.
Temos, então, dois posicionamentos principais:
1ª Posição: entende que, pela redação do art. 1.584 do CC, a guarda compartilhada
apresenta força vinculante, devendo ser obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores
não estiver apto a exercer o poder familiar ou se um deles declarar ao magistrado que não deseja
a guarda do menor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 15/09/2016.
2ª Posição: compreende que outras questões devem ser analisadas, de forma que
peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja
implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas (pai mora em
uma cidade e mãe em outra, distante (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).
Se houver o descumprimento imotivado da guarda, seja unilateral ou compartilhada,
haverá redução das prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
Se o juiz perceber que o filho não deve permanecer na guarda dos pais, poderá deferir,
excepcionalmente, essa guarda a uma terceira pessoa, que demonstre essa compatibilidade
com a natureza da guarda. O juiz vai considerar preferencialmente as relações de parentesco,
afinidade e principalmente relações de afeto entre a criança ou adolescente e a pessoa que irá
deter a guarda do menor.
O art. 1.584, §6º, CC diz que qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a
prestar informações a qualquer dos genitores sobre seus filhos, sob pena de multa de 200 reais
a 500 reais por dia de não atendimento. O que a legislação está a estabelecer nesse artigo é que,
mesmo sem ter a guarda, os pais tenham acesso a informações sobre o(a) filh0(a), porquanto,
para além da guarda, os genitores são detentores do poder familiar.
O artigo 1.588, CC estabelece que “o pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde
o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado
que não são tratados convenientemente”.
Em relação às novas núpcias dos genitores, as Jornadas de Direito Civil concluíram que:

388

391
Enunciado n. 337: “O fato de o pai ou a mãe constituírem nova união não repercute no
direito de terem os filhos do leito anterior em sua companhia, salvo quando houver
comprometimento da sadia formação e do integral desenvolvimento da personalidade destes”.
Enunciado n. 338: “A cláusula de não-tratamento conveniente para a perda da guarda
dirige-se a todos os que integram, de modo direito ou reflexo, as novas relações familiares”.
Importante previsão está no art. 1.589, parágrafo único, CC, que estende o direito de
visita aos avós.
Além da previsão legal, é possível estender o direito de visitação a outras pessoas que
guardem uma afinidade com o menor. Ex.: é o caso do padrasto que sempre cuidou da criança.
É possível regulamentar essa visitação pelo juiz, a despeito de inexistência de previsão legal,
sempre tendo como princípio norteador o melhor interesse da criança e do adolescente.

6.3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

6.3.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Investigação de paternidade. Representação judicial do


menor. Guarda concedida a terceiro sem a destituição do poder familiar. Exercício
do poder-dever de representação que cabe, em regra, aos pais não destituídos. A
concessão de guarda do menor não implica automática destituição do poder-dever
familiar dos pais para representá-lo em juízo. A representação legal do filho menor,
que é uma das vertentes do pleno exercício do poder familiar, deverá ser exercida,
em regra, pelos pais, ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar,
quando ausentes ou impossibilitados os pais de representar adequadamente o
menor ou quando houver colisão de interesses entre pais e filhos. Entretanto, o fato
de ter sido concedida a guarda permanente a terceiro que não compõe o núcleo
familiar não implica em automática destituição – ou em injustificada restrição – do
exercício do poder familiar pela genitora, sobretudo porque medida dessa espécie
não prescinde de cognição exauriente em ação a ser proposta especificamente para
essa finalidade. Assim, não havendo nenhum óbice ao ajuizamento da ação
investigatória de paternidade pelo menor representado pela genitora, descabe a
propositura da referida ação pela guardiã, ressalvada a possibilidade de, na inércia
da genitora, a ação ser proposta pelo Ministério Público e, excepcionalmente, até
mesmo pela própria guardiã, desde que presentes circunstâncias excepcionais que
justifiquem a concessão a ela de poderes de representação judicial. REsp 1.761.274-
DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
04/02/2020, DJe 06/02/2020 (INF. 664).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada


quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar,
fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio
de decisão judicial. Consiste a controvérsia em dizer se, à luz da atual redação do art.
1.584, II, § 2º, do Código Civil, é possível ao julgador indeferir pedido de guarda
compartilhada sem a demonstração cabal de que um dos ex-cônjuges não está apto
a exercer o poder familiar. Inicialmente, importa declinar que a questão relativa à
imposição da guarda compartilhada, a partir do advento da nova redação do art.
1.584, II, § 2º, do CC, deixou de ser facultativa para ser regra impositiva. No que toca
às possibilidades legais de não se fixar a guarda compartilhada, apenas duas
condições podem impedir-lhe a aplicação obrigatória: a) a inexistência de interesse
de um dos cônjuges; b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder
familiar. A primeira assertiva legal labora na linha do que é ululante, pois não se pode
obrigar, sob vara, um genitor, a cuidar de sua prole. Contudo, do mesmo vício –
obviedade – não padece a segunda condição, extraída, contrario sensu, do quanto

389

392
disposto no art. 1.584, § 2º, do CC. O texto de lei, feito com a melhor técnica
redacional, por trazer um elemento positivo: a condição necessária para a guarda
compartilhada, aponta, em via contrária, para a circunstância que impedirá a
imposição dessa mesma guarda compartilhada: a inaptidão para o exercício do
poder familiar. E aqui reside uma outra inovação neste texto legal, de quilate
comparável à própria imposição da guarda compartilhada, que consiste na
evidenciação dos únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição
da guarda compartilhada: a suspensão ou a perda do poder familiar. A suspensão
por gerar uma inaptidão temporária para o exercício do poder familiar (art. 1637 do
CC); a perda por fixar o término do Poder Familiar. Ocorre, porém, que ambas as
situações exigem, pela relevância do direito atingido, que haja uma prévia
decretação judicial do fato, circunstância que, pela íntima correlação com a espécie,
também deverá ser reproduzida nas tentativas de oposição à guarda
compartilhada. É dizer, um ascendente só poderá perder ou ter suspenso o seu
poder/dever consubstanciado no poder familiar por meio de uma decisão judicial e,
só a partir dessa decisão, perderá a condição essencial para lutar pela guarda
compartilhada da prole, pois deixará de ter aptidão para exercer o poder familiar.
Essa interpretação, que se extrai do texto legal, embora não crie uma exceção
objetiva à regra da peremptoriedade da guarda compartilhada, tem o mérito de
secundar o comando principal, pois se passa a exigir, para a não aplicação da guarda
compartilhada, um prévio ou incidental procedimento judicial declarando a
suspensão ou perda do poder familiar, com decisão judicial no sentido da suspensão
ou da perda. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado
em 6/12/2016, DJe 15/12/2016. (INF. 595).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. GUARDA COMPARTILHADA. ALTERNÂNCIA. RESIDÊNCIA.


MENOR. A guarda compartilhada (art. 1.583, § 1º, do CC/2002) busca a proteção
plena do interesse dos filhos, sendo o ideal buscado no exercício do poder familiar
entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e
adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação,
do ideal psicológico do duplo referencial. Mesmo na ausência de consenso do antigo
casal, o melhor interesse do menor dita a aplicação da guarda compartilhada. Se
assim não fosse, a ausência de consenso, que poderia inviabilizar a guarda
compartilhada, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos
pais. E diz-se inexistente porque contraria a finalidade do poder familiar, que existe
para proteção da prole. A drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de
cada um dos pais e do período de convivência da criança sob a guarda
compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária
à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal letra morta.
A custódia física conjunta é o ideal buscado na fixação da guarda
compartilhada porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação
dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela
implementação de condições propícias à continuidade da existência das fontes
bifrontais de exercício do poder familiar. A guarda compartilhada com o exercício
conjunto da custódia física é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade
de conviver com ambos os pais, ao mesmo tempo em que preconiza a interação
deles no processo de criação. REsp 1.251.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 23/8/2011. (INF. 481).

7. ALIMENTOS

7.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os alimentos tratados no Direito de Família decorrem do princípio constitucional da


solidariedade social, que tem fundamento recíproco entre os membros da família. A
solidariedade social promove a união dos membros de uma família, com o propósito de garantir

390

393
todo o aparato necessário à obtenção do mínimo necessário à sobrevivência de cada um
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1.582).
Recorde-se que a Constituição de 1988 determinou, em seu art. 229, que “os pais têm
o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Assim, os alimentos, decorrentes das relações familiares, possuem base constitucional,
fundando-se no próprio princípio da dignidade da pessoa humana, como também no princípio
da solidariedade.

7.1.1. CONCEITO E REQUISITOS

Como bem esclarece Paulo Nader, entre os direitos subjetivos mais invocados em juízo,
incluem-se os alimentos, que se acham ligados, umbilicalmente, aos valores de sobrevivência.
Consistem numa prestação periódica, decorrente do vínculo familiar, declaração de vontade ou
ato ilícito, devida pelo alimentante, que dispõe de recursos, ao alimentando, que deles carece
para prover as necessidades vitais próprias (NADER, 2016, p. 503).
Para o nosso estudo, interessa os alimentos decorrentes do vínculo familiar, ou seja,
decorrentes do parentesco ou do casamento e união estável.
Diz o art. 1.694/CC que

podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos


de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante


e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação


de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

A partir da leitura do artigo, já é possível extrair os requisitos para fixação dos alimentos,
que, em suam, podem assim ser elencados:
- as necessidades do(a) alimentando(a); e
- as possibilidades do(a) alimentante.
Fala-se, então, em binômio necessidade/possibilidade, tendo, para alguns
doutrinadores, que se observar, ademais, a proporcionalidade nessa fixação. Nesse contexto,
para essa parte da doutrina, teríamos, em verdade, o trinômio
necessidade/possibilidade/proporcionalidade.
Os alimentos são prestações destinadas à satisfação de necessidades pessoais do
alimentando. Essas necessidades que a pessoa tem, mas que não consegue prover por si mesma.
São pressupostos para que exista o direito a alimentos:
• Vínculo entre alimentante e alimentando (casamento, união estável ou parentesco);
• Necessidade do alimentando;
• Possibilidade do alimentante.
Conforme evolução da sociedade, que acabou por interferir na própria visão dos
tribunais sobre os alimentos devidos entre cônjuges e companheiros, o STJ consolidou
entendimento no sentido de que os alimentos entre os cônjuges têm caráter excepcional,
porquanto a regra na atualidade é de que todos trabalham, diferentemente do tempo em que
a mulher era a chamada “dona de casa” e dependia financeiramente do marido ou do
companheiro.

391

394
Os tempos mudaram e a jurisprudência pátria acompanhou essa mudança. Nesse
sentido, confira-se posicionamento do STJ sobre a matéria: AgInt no AREsp 1256698 / RS, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma).
Assim, excepcionalmente, os alimentos serão fixados entre ex-cônjuges e ex-
companheiros. Ademais, possuem, em regra, natureza transitória.
Em relação aos alimentos devidos em decorrência da relação de filiação, o art. 1.703/CC
diz que, para manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente irão contribuir na
proporção de seus sustentos. Ou seja, os pais serão obrigados a contribuir proporcionalmente
com os alimentos e é importante lembrar que isso acontecerá ainda que a guarda seja fixada de
forma compartilhada. Em outras palavras, é preciso dizer que a guarda compartilhada, como se
viu, não exclui o dever de pagar alimentos.

7.1.2. CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

Analisamos as disposições legais que estabelecem que os alimentos são devidos em


razão da relação de parentesco ou em decorrência do casamento ou união estável. Em qualquer
caso, a obrigação alimentar sempre terá as seguintes características:
• Direito Personalíssimo: somente o alimentando é o titular do direito, ou seja, a
verba só pode ser requerida por ele (com a ressalva à hipótese do pedido formulado
pelo Ministério Público, agindo com legitimidade extraordinária, ou seja, em nome
próprio, mas no interesse de terceiro) e a ele é destinada.
• Irrenunciabilidade (art. 1.707, CC): os alimentos são instituto de ordem pública e,
por conseguinte, não admitem renúncia. Assim como a ninguém é dado o direito de
renunciar a vida, entende-se que também não se pode renunciar aos alimentos.
Nesse sentido, é de se considerar que o titular pode até não exercitar o direito aos
alimentos, mas não poderá renunciá-lo. O caráter irrenunciável dos alimentos, na
visão do STJ, em diversos julgados, se restringe aos vínculos de parentesco. Por esse
entendimento, o STJ tem compreendido que a súmula 379 do STF estaria superada.
Sobre o tema, confira-se REsp 1.143.762.
• Incedibilidade: consequência do caráter personalíssimo é a sua impossibilidade de
cessão. Há uma discussão sobre a possibilidade de cessão do crédito já vencido.
• Impenhorabilidade (art. 1.707, CC): o direito alimentar não responde pelas dívidas
do alimentando.
• Incompensabilidade: as obrigações derivadas de alimentos não estão sujeitas à
compensação.
• Reciprocidade: os alimentos são devidos entre cônjuges e companheiros, de forma
recíproca, assim como ocorre nos casos de alimentos decorrentes de relação de
parentesco. A obrigação recairá sobre o mais próximo. O art. 1.697/CC diz que, na
falta de ascendentes, cabe a obrigação alimentar aos descendentes (1º lugar).
Faltando ascendentes e descendentes, os alimentos poderão ser pleiteados aos
irmãos (2º lugar).
• Intransmissibilidade: transmite-se apenas o débito relativo às prestações vencidas
(REsp 1354693/SP) (questão polêmica: para alguns seria transmissível - AgRg no
AREsp 271410/SP). REsp 1010963/MG (pela transmissibilidade enquanto perdurar
o inventário).
• Imprescritibilidade: o direito a pedir alimentos é imprescritível. Porém, uma vez
fixado o quantum dos alimentos, o direito ao recebimento é passível de prescrição,

392

395
sendo que, conforme artigo 206, §2º, CC, o prazo prescricional seria de 2 anos, com
a ressalva quanto ao seu não transcurso enquanto perdurar o poder familiar (art.
197, II, CC). Assim, admite-se a prescrição, mas não do direito em si, e sim da
cobrança das prestações vencidas.
• Irrepetibilidade: doutrina e jurisprudência reconhecem que os alimentos não estão
sujeitos à repetição do indébito. Uma vez pagos, não serão devolvidos.
• Alternatividade da prestação: a prestação de alimentos pode ser satisfeita
mediante pagamento de valores ou fornecimento de meios que suprirão
diretamente as necessidades do alimentando (ex. pagamento direto das
mensalidades escolares, cursos, fornecimento de vestuário, etc.).
• Divisibilidade: a obrigação alimentar é divisível entre os vários devedores, na
medida de suas possibilidades. Se os devedores possuem recursos iguais, o quantum
da prestação deverá ser igualmente partilhado. Não se instaura solidariedade entre
os devedores, salvo se o alimentando for pessoa idosa, consoante previsão do art.
12 da Lei nº 10.741/03. Nesse particular, merece destaque o posicionamento do STJ
sobre a obrigação dos avós. É orientação do STJ que a responsabilidade dos avós de
prestar alimentos é subsidiária, e não sucessiva. Essa obrigação tem natureza
complementar e somente exsurge se ficar demonstrada a impossibilidade de os
genitores proverem os alimentos de seus filhos. “A obrigação alimentar dos avós
tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso da
impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.” (Súmula 596/STJ).
• Não sujeito à arbitragem: essa proibição está expressa na disposição do art. 852 do
NCPC.

7.1.3. PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DOS ALIMENTOS

Os alimentos podem ser classificados levando-se em consideração as fontes, a sua


extensão, a forma de pagamento e a sua finalidade.
Quanto às fontes, os alimentos podem ser:
• Alimentos legais: que, como o próprio nome diz, são aqueles que decorrem lei. E,
como vimos, a lei estabelece o dever de pagamento de alimentos em razão do
parentesco, do casamento e da união estável. Os alimentos legais não se limitam
aos incapazes, mas às situações previstas em lei, inclusive para aquele que ainda
não nasceu, que é a previsão dos alimentos gravídicos.
• Alimentos convencionais: são os alimentos que passam a serem devidos em razão
em razão de acordo, contrato, testamento, legado, etc. Quando os alimentos são
devidos unicamente pela convenção das partes, e não há o dever legal, o seu
pagamento não sujeita o devedor à prisão civil.
• Alimentos indenizatórios: são os alimentos que decorrem de um ato ilícito. Sua
fixação, assim, é uma consequência do reconhecimento da culpa pelo ilícito,
culminando em uma indenização. Para esse tipo de alimentos também não é
possível a prisão civil do devedor.
Quanto à extensão, os alimentos podem ser:
• Alimentos necessários (naturais ou indispensáveis): sãos os valores indispensáveis
à subsistência digna do alimentando. Seria aquele quantum mínimo para
atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana. Os alimentos necessários
suprem as necessidades primárias ligadas à subsistência, como as de habitação,
vestuário, alimentação, saúde. Conforme visto em tópico próprio, a legislação prevê

393

396
que o cônjuge culpado pela dissolução da sociedade conjugal, caso deles necessite
e não existam outros obrigados, terá direito apenas a esse tipo de alimentos.
• Alimentos civis (côngruos): os alimentos fixados para além daqueles tidos como
necessários, são considerados alimentos civis. Eles não se limitam a suprir as
carências fundamentais, mas propiciam melhor qualidade de vida, atendendo às
condições sociais da partes, observado o binômio necessidade-possibilidade. No
caso de separação, por exemplo, terão por objetivo manter o statusa quo,
mantendo o padrão de vida anterior.
Quanto à forma de pagamento, os alimentos podem ser:
• Alimentos próprios (in natura): são os alimentos pagos na forma de prestações
materiais, como fornecimento dos alimentos, vestuário, moradia, etc.
• Alimentos impróprios: são os mais comuns, pagos com valores em dinheiro.
Quanto à finalidade, os alimentos podem ser:
• Alimentos definitivos: são aqueles fixados definitivamente. Há um acordo de
vontades ou uma sentença judicial transitada em julgado. Não obstante o caráter
definitivo, é preciso sempre ter em conta que a sentença na ação de alimentos
transita apenas formalmente, já que é possível rediscutir os valores, sempre que
houver alteração substancial nas condições de quem paga os alimentos ou daquele
que recebe.
• Alimentos provisórios: são os alimentos fixados antes da sentença, seguindo o rito
especial da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68). Assim, os alimentos provisórios são
aqueles fixados em ação principal, cujo pedido final seja a própria fixação definitiva
de alimentos. Os alimentos provisórios dependem da prova pré-constituída do
vínculo existente entre alimentante e alimentado (com ressalva aos alimentos
gravídicos).
• Alimentos provisionais: são alimentos que decorrem de outras ações que não
propriamente a ação de alimentos, que possui rito próprio (Lei 5.478/68). Em outras
ações, a fixação de alimentos terá esse caráter provisional. É a hipótese de fixação
de alimentos na ação de separação de corpos. Para a fixação dos alimentos
provisionais, a lei exige a prova do fumus boni iures e periculum in mora. É
importante lembrar que, no caso de violência doméstica, o juiz, ao analisar os
pedidos de medidas protetivas, poderá fixar os alimentos provisionais.
• Alimentos transitórios: são os alimentos em que são fixados por um período de
tempo em prol do ex-cônjuge ou ex-companheiro, a fim de que consiga se reajustar
e se realocar no mercado de trabalho. Tem o termo pré-determinado. Como vimos,
de acordo com a jurisprudência dominante, na atualidade, essa é a regra.

7.1.4. REGRAS SOBRE A ORDEM PREFERENCIAL QUANTO AO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS

A análise dos artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil nos mostra qual é a ordem
preferencial no pagamento dos alimentos. Consoante referidos artigos, temos:
- primeiro a obrigação recai sobre pais e filhos entre si (reciprocidade);
- na falta destes, a obrigação cabe aos demais ascendentes, na ordem de sua
proximidade;
- na falta de ascendentes, a obrigação cabe aos descendentes, na ordem da sucessão;
- na falta de descendentes, a obrigação cabe aos irmãos.
Nessa análise da ordem preferencial, é preciso destacar a situação dos avós, os quais,
conforme entendimento jurisprudencial consolidado, possuem obrigação subsidiária
complementar (Súmula 596/STJ).

394

397
Ainda sobre a ordem preferencial, questiona-se se, em não havendo ascendentes,
descendentes e irmãos, seria possível estender a obrigação aos demais colaterais que não
somente aos irmãos. Exemplificando, se João não tem ascendentes vivos e nem tampouco
descendentes, inexistindo ainda irmãos. Nesse caso, tomando conhecimento de um tio com
boas condições financeiras, poderá exigir alimentos dele?
A pergunta tem razão de ser porquanto, em caso de sucessão, esses colaterais, na
ausência de descendentes, ascendentes e irmãos, irão se beneficiar em termos sucessórios. Se
podem se beneficiar, não poderiam também ser obrigados ao pagamento dos alimentos?
O STJ enfrentou a questão, concluindo que a obrigação alimentar decorre da lei, que
indica os parentes obrigados de forma taxativa e não enunciativa, sendo devidos os alimentos,
reciprocamente, pelos pais, filhos, ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau,
não abrangendo, consequentemente, tios e sobrinhos (CC, art.1.697). 2.- Agravo Regimental
improvido. (AgRg no REsp 1305614/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 17/09/2013, DJe 02/10/2013).

7.1.5. DIVISIBILIDADE E SOLIDARIEDADE NA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A lei civil não prevê a solidariedade nos alimentos e esta não pode ser presumida. O que
há é a divisibilidade entre os vários eventuais devedores. Essa divisibilidade não se verifica
apenas entre devedores de uma mesma classe. Isto porque, conforme se extrai da leitura do
artigo 1.698/CC, vemos que esse dispositivo prevê a hipótese de o obrigado, em primeiro lugar,
não dispor de recursos para prover, integralmente o encargo, caso em que os parentes de outra
classe devem ser chamados para complementação do quantum debeatur.
Não obstante a regra, quanto à obrigação alimentar, seja a divisibilidade, o Estatuto do
Idoso inovou ao prever, no artigo 12, a solidariedade em favor do alimentando. Diz o referido
artigo que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”
(artigo 12 do Estatuto do Idoso).

7.1.6. BASE DE CÁLCULO DE INCIDÊNCIA DOS ALIMENTOS

Quando os alimentos são fixados em percentual sobre os rendimentos do alimentante,


é preciso estar atento para a base de cálculo dessa incidência. Nesse ponto, a solução tem sido
dada pela jurisprudência.
Como regra geral, temos que o percentual fixado a título de alimentos incide sobre as
verbas remuneratórias. Só haverá incidência sobre as verbas indenizatórias (e sobre aquelas
equiparadas a verbas indenizatórias), se houver disposição expressa no acordo entre as partes.
Integram, assim, a base de cálculo:
- terço de férias;
- décimo terceiro salário;
- horas-extras.
Por outro lado, são verbas indenizatórias e equiparadas a verbas indenizatórias, que por
conseguinte não integram a base de cálculo:
- auxílio-acidente;
- auxílio-cesta;
- vale-alimentação;
- coeficiente de correção cambial (para servidores públicos trabalhando no exterior
- aviso-prévio indenizado.

395

398
7.1.7. A PRISÃO CIVIL COMO CONSEQUÊNCIA PELO NÃO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS

Se o alimentante não paga os alimentos, será ele chamado a pagar, provar que o fez ou
comprovar a impossibilidade do não pagamento, limitada a cobrança, pelo rito da prisão, às
parcelas vencidas nos três meses imediatamente anteriores (súmula 309/STJ). Com o pedido,
todas as demais prestações que se vencerem estarão abrangidas no rito da prisão. Essa prisão
tem natureza coercitiva e não propriamente punitiva.
É o que se extrai da leitura do caput do artigo 528/NCPC que determina que no
cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão
interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o
executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a
impossibilidade de efetuá-lo.
É importante destacar que diferentemente do que é erroneamente divulgado, o credor
de alimentos não precisa aguardar três meses para promover a cobrança das prestações em
atraso. Nesse sentido, confira-se Enunciado n. 147, aprovado na II Jornada de Direito Processual
Civil do Conselho da Justiça Federal, em setembro de 2018: “basta o inadimplemento de uma
parcela, no todo ou em parte, para decretação da prisão civil prevista no art. 528, § 7.º, do CPC”.
O artigo 528, §2º, do NCPC prevê que somente a comprovação de fato que gere a
impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento. Aqui se vê a construção trazida
há tempos pela doutrina e consolidada pela jurisprudência, que sempre caminhou
majoritariamente no sentido de que somente a impossibilidade do executado prover as próprias
expensas, definitiva ou temporariamente, e principalmente, de forma involuntária, é que
serviria como justificativa para o não pagamento de um valor cobrado em execução. Neste
sentido se posiciona LOBO (2017, p.388).
Se promovida a cobrança, o devedor optar por justificar o não pagamento, caso essa
justificativa não seja aceita, o juiz poderá, em se tratando de alimentos legais, além de
determinar o protesto da decisão judicial (novidade que não existia na legislação processual
anterior), decretar a prisão civil do devedor de alimentos.
Essa prisão será cumprida em regime fechado, ficando, entretanto, o alimentante
separado dos presos comuns. Segundo o STJ, o advogado que tenha contra si decretada prisão
civil por inadimplemento de obrigação alimentícia não tem direito a ser recolhido em sala de
Estado Maior ou, na sua ausência, em prisão domiciliar (Informativo 551/STJ).
Quanto ao prazo de prisão do devedor de alimentos, o Código de Processo Civil prevê
que poderá ser decretada pelo prazo de 1 a 3 (art. 528, §3º, NCPC). Esse prazo reproduz a
previsão do Código de Processo Civil anterior, mas diverge da previsão da Lei de Alimentos, para
a qual o limite máximo seriam 60 dias.
Sobre a divergência dos prazos previstos em diferentes legislações ainda em vigor, Flávio
Tartuce faz importantes observações ao afirmar que

no novo sistema, o prazo de prisão civil do CPC/2015 – reafirme-se, de um a três


meses –, passa a ser aplicado aos alimentos definitivos e provisórios, por expressa
previsão do seu art. 531, caput. Em relação aos alimentos provisionais, não há
qualquer disposição no Estatuto Processual emergente, o que pode levantar dúvida
de sua retirada do sistema. Todavia, em muitos casos concretos, tais alimentos são
utilizados para satisfazer os interesses de filhos não reconhecidos, que ainda não
têm a prova pré-constituída da obrigação alimentar, ou seja, que ainda não têm a
certidão de nascimento para a prova do vínculo de filiação. Ora, soaria
inconstitucional a não possibilidade de prisão em casos tais, por infringência ao
princípio da igualdade entre os filhos, constante do art. 227, § 6.º, da Constituição

396

399
Federal. Sendo assim, parece-nos que os alimentos provisionais continuam no
sistema, aplicando-se para tais verbas a regra do art. 19 da Lei de Alimentos,
especialmente pelo uso do termo para a instrução da causa. Em apurada síntese, a
nosso ver, para os alimentos provisionais a prisão deve ser de até 60 dias (TARTUCE,
2020, p. 2099).

Outro ponto de discussão sobre a prisão decorrente de obrigação alimentícia diz


respeito à possibilidade de revogação da prisão em caso de pagamento parcial ou se somente o
pagamento integral evitaria e/ou revogaria uma prisão decretada por inadimplemento
alimentar.
Sobre esse tema, no julgamento do HC 363.573/SP, o STJ entendeu que pagamentos
parciais não são suficientes a obstaculizar o rito da coerção pessoal, nem torna ilegal a ordem
de prisão, que só se debela diante do integral pagamento do débito (HC 363.573/SP, Rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe
25/10/2016).
Porém, no âmbito do TJDFT, encontramos decisões entendendo que o fundamento para
a edição da Súmula 309 do STJ é de que a prisão do alimentante só se justifica em razão da
urgente necessidade do alimentando, que precisa dos alimentos para a sua subsistência. O
pagamento das três últimas parcelas da pensão alimentícia autoriza a revogação da ordem de
prisão em razão da perda do caráter emergencial da medida (Acórdão n. 986474,
20160020482583HBC, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento:
07/12/2016, Publicado no DJE: 13/12/2016. Pág.: 201/228).

7.1.8. EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A obrigação de prestar alimentos se extingue com nas seguintes hipóteses:

• morte do credor: porquanto personalíssima a obrigação;


• maioridade do alimentando: quando os alimentos são fixados em favor do filho
menor, a maioridade pode ensejar a extinção da obrigação, lembrando que a
súmula 358 do STJ estabelece que “O cancelamento de pensão alimentícia de
filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante
contraditório, ainda que nos próprios autos”. Estando o filho ainda cursando a
faculdade, o dever de pagar alimentos se estende, em regra, até os 24 anos;
• novo casamento ou nova união estável: quando os alimentos são fixados em
favor de ex-cônjuge ou ex-companheiro(a), caso haja novo casamento ou nova
união do alimentando(a), haverá motivo para extinção da obrigação alimentar
(art. 1.708/CC). O casamento do alimentante, entretanto, não importa em
extinção da obrigação, mas pode gerar uma mudança no binômio ou trinômio
(necessidade, possibilidade e proporcionalidade), a justificar a revisão dos
alimentos;
• comportamento indigno do credor em relação ao devedor: é uma inovação
trazida no artigo parágrafo único do artigo 1.708/CC.

7.1.9. ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Importante inovação foi lançada pela Lei nº 11.804/08, ao prever os alimentos


gravídicos, para os quais o fato gerador do direito subjetivo é a gravidez.
Nas ações de alimentos gravídicos, entende-se que a parte legitimada para pleiteá-los é
a genitora, sendo que, uma vez nascida a criança, essa passa ser a titular do direito, legitimada
inclusive para eventual execução das parcelas em atraso

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400
No julgado REsp 1415727 / SC, o STJ utiliza os alimentos gravídicos para fundamentar a
existência de direitos do nascituro (nascituro como pessoa), afirmando que a titularidade desse
direito seria do nascituro e não da genitora.
A fixação desses alimentos não exige prova cabal da paternidade: apenas a existência
de meros indícios.
Com o nascimento, os alimentos convertem-se em favor da criança.

7.1.10. OBRIGAÇÃO AVOENGA

Como já dito, a obrigação avoenga não é uma obrigação solidária, já que a solidariedade
deve sempre ser expressa e não há dispositivo legal prevendo que avós são solidários no dever
de pagar alimentos. Somente o Estatuto do Idoso traz previsão de solidariedade em benefício
do idoso, o que não é a hipótese da obrigação avoenga. Para esse tipo de obrigação, prevê a
súmula 596/STJ que “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária,
somente se configurando no caso da impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos
pais.”
Ademais, o STJ já decidiu que a ação contra os avós não precisa, necessariamente, ser
proposta contra todos os avós. Não se trata, nesse caso, de litisconsórcio necessário. Na
hipótese da ação ser promovida apenas em desfavor de um dos avós, o demandado poderá
indicar os demais, caso em que ter-se-á um litisconsórcio passivo ulterior facultativo simples.
Esse é o entendimento do TJDFT esboçado no julgado de Relatoria da Des. Simone, segundo o
qual a possibilidade de convocação de outros co-devedores, configura modalidade autônoma
de intervenção de terceiros promovida pelo ré (intervenção coacta e autônoma) (TJDFT,
Acórdão n.933198, 20150020268552AGI, Relator: SIMONE LUCINDO 1ª TURMA CÍVEL, Data de
Julgamento: 06/04/2016, Publicado no DJE: 27/04/2016. Pág.: 112-132).

7.2. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

7.2.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Ação de ALIMENTOS. Mecanismo de integração posterior


do polo passivo. Natureza jurídica. Litisconsórcio facultativo ulterior simples. Art.
1.698 do cc/2002. Autor com plena capacidade processual. Exclusividade. A
majoritária doutrina, ao interpretar o art. 1.698 do cc/2002, que trata do
litisconsórcio facultativo ulterior simples, tem se posicionado no sentido de que a
obrigação alimentar não é solidária, mas, sim, divisível, ao fundamento de que não
há disposição legal que autorize a cobrança integral do valor de apenas um dos
codevedores, que arcam apenas com a cota que puder prestar, no limite de suas
possibilidades. A despeito da convergência acerca da divisibilidade da obrigação
alimentar, remanesce amplo dissenso doutrinário acerca do mecanismo processual
a ser adotado para que se promova a integração, ao polo passivo, dos demais
devedores que não foram inicialmente demandados pelo credor, bem acerca da
legitimidade para requerer essa posterior integração. É correto afirmar que a
primeira definição da necessidade dos ALIMENTOS incumbe essencialmente ao
autor, a quem caberá delinear, na causa de pedir de sua petição inicial, quais são os
custos e as despesas necessárias à sua sobrevivência digna, cabendo-lhe ainda
mensurar, a partir desse quadro, quais, entre os potenciais obrigados, possuiriam a
capacidade financeira de arcar com os ALIMENTOS necessários, inserindo no polo
passivo aqueles aptos a suportar integralmente a pretensão deduzida. Assim,
quando se tratar de credor de ALIMENTOS que reúna plena capacidade processual,
cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo,
devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com

398

401
os ALIMENTOS que puderem ser prestados pelo réu por ele indicado na petição
inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma
de ALIMENTOS em face dos demais coobrigados. Contudo, nas hipóteses em que for
necessária a representação processual do credor de ALIMENTOS incapaz, cabe
também ao devedor provocar a integração posterior do polo passivo, a fim de que
os demais coobrigados também componham a lide, inclusive aquele que atua como
representante processual do credor dos ALIMENTOS, bem como cabe provocação
do ministério público, quando a ausência de manifestação de quaisquer dos
legitimados no sentido de chamar ao processo os demais coobrigados possa causar
prejuízos aos interesses do incapaz. No que tange ao momento processual adequado
para a integração do polo passivo pelos coobrigados, cabe ao autor requerê-lo em
sua réplica à contestação; ao réu, em sua contestação; e ao ministério público, após
a prática dos referidos atos processuais pelas partes, respeitada, em todas as
hipóteses, a impossibilidade de ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o
saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla
defesa e à razoável duração do processo. RESP 1.715.438-RS, rel. Min. Nancy
Andrighi, por unanimidade, julgado em 13/11/2018, dje 21/11/2018. (INF. 638).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Prisão civil por ALIMENTOS. Obrigação alimentar avoenga.
Natureza complementar e subsidiária. Existência de meios executivos e técnicas mais
adequadas. Desnecessidade da medida coativa extrema. Rata-se de HABEAS
CORPUS em que se discute a possibilidade de ser mantida ordem de prisão civil em
virtude de dívida de natureza alimentar assumida espontaneamente pelos avós,
relacionada ao custeio de mensalidades escolares e de cursos extracurriculares dos
netos. Com efeito, não se pode olvidar que, na esteira da sólida jurisprudência desta
corte, a responsabilidade pela prestação de ALIMENTOS pelos avós possui,
essencialmente, as características da complementariedade e da subsidiariedade, de
modo que, para estender a obrigação alimentar aos ascendentes mais próximos,
deve-se partir da constatação de que os genitores estão absolutamente
impossibilitados de prestá-los de forma suficiente. O fato de os avós terem assumido
uma obrigação de natureza complementar de forma espontânea não significa dizer
que, em caso de inadimplemento, a execução deverá obrigatoriamente seguir o rito
estabelecido para o cumprimento das obrigações alimentares devidas pelos
genitores, que são, em última análise, os responsáveis originários pela prestação
dos ALIMENTOS necessários aos menores. Não há dúvida de que o inadimplemento
causou transtornos aos menores; todavia, sopesando-se os prejuízos que seriam
causados na hipótese de manutenção do decreto prisional dos idosos, conclui-se que
a solução mais adequada à espécie é autorizar a conversão da execução para o rito
da penhora e da expropriação, o que, a um só tempo, homenageia o princípio da
menor onerosidade da execução (art. 805 do cpc/15) e também o princípio da
máxima utilidade da execução. Registre-se, por fim, que, a depender do grau de
recalcitrância manifestado pelos pacientes, poderá o juízo de 1º grau empregar
outros meios de coerção ou sub-rogação, tais como aqueles estabelecidos nos arts.
528, § 3º, 529, 831 e seguintes da novel legislação processual civil. HC 416.886-SP,
rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/12/2017, dje 18/12/2017.
(INF. 617).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Alimentos gravídicos. Garantia à gestante. Proteção do


nascituro. Nascimento com vida. Extinção do feito. Não ocorrência. Conversão
automática dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia em favor do recém-
nascido. A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o
nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão
alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou
majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação
ou negatória de paternidade ponto nodal do debate se limita a saber se
os alimentos concedidos durante a gestação podem ser convertidos

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402
automaticamente em pensão alimentícia em favor da criança, logo após seu
nascimento. Nesse ponto, o parágrafo único do artigo 6º da Lei n 11.804/2008 é
expresso ao afirmar que, com o nascimento com vida da criança,
os alimentos gravídicos concedidos à gestante serão convertidos em pensão
alimentícia em favor do recém-nascido. Interpretando o referido texto da lei, tem-
se que tal conversão dar-se-á de forma automática, sem necessidade de
pronunciamento judicial, tendo em vista que o dispositivo legal acrescenta ao final:
"até que uma das partes solicite a sua revisão". Portanto, os alimentos gravídicos
ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se
solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até mesmo
eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade. Tal
conversão automática não enseja violação à disposição normativa que exige indícios
mínimos de paternidade para a concessão de pensão alimentícia provisória ao
menor durante o trâmite da ação de investigação de paternidade. Isso porque, nos
termos do caput do art. 6º da Lei n. 11.804/2008, para a concessão
dos alimentos gravídicos já é exigida antes a comprovação desses mesmos indícios
da paternidade. O intuito da lei foi garantir a preservação do melhor interesse do
menor em ter mantido os alimentos, já concedidos na gestação, enquanto se
discute a paternidade na ação investigatória. A conversão automática da obrigação
e a transferência da titularidade dos alimentos, sem a necessidade de
pronunciamento judicial ou de pedido expresso da parte, garantem maior celeridade
na prestação jurisdicional, além de facilitar o acesso à Justiça e favorecer de logo a
solução de mérito da demanda, buscada pelo novo Código de Processo Civil que, em
seu art. 4º, dispõe que "as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução
integral do mérito, incluída a atividade satisfativa". Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
por unanimidade, julgado em 6/6/2017, dje 22/6/2017. (INF. 606).

8. TUTELA E CURATELA

8.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Em uma análise preliminar, importante traçar a diferença entre institutos que, por
vezes, são confundidos, quais sejam: a tutela e a curatela. A tutela tem por escopo resguardar
os interesses do menor ainda não emancipado enquanto a curatela refere-se à proteção do
maior, em situações excepcionais.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência promoveu uma série de alterações em matéria de
capacidade da pessoa maior de 18 anos, de forma que a pessoa com deficiência, para todos os
efeitos, é capaz. Com o Estatuto do Deficiente, somente os menores de 16 anos são, na
atualidade, considerados absolutamente incapazes para os atos da vida civil.

8.1.1. TUTELA

O art. 1.728/CC estabelece que os filhos menores são postos sob tutela quando:
• os pais falecem;
• os pais estão ausentes;
• os pais estão destituídos do poder familiar.
Assim, a tutela pressupõe a perda ou a suspensão do poder familiar, por parte dos pais.
Vê-se, então, que uma primeira conclusão é de que a tutela é incompatível com o exercício do
poder familiar, de forma que ambos não podem ser exercidos simultaneamente em relação às
mesmas crianças e/ou adolescentes.

400

403
Em sendo a hipótese de tutela, a criança ou adolescente terá, em sua proteção, a figura
de um tutor.
Em relação à origem, a tutela pode ser dividida em três categorias:
• Tutela testamentária: que, como o próprio nome diz, decorre da manifestação em
testamento, no sentido de se nomear um tutor para a hipótese de falecimento dos
pais.
• Tutela legítima: não havendo nomeação testamentária de tutor, e estando a criança
ou adolescente órfã(o) ou não mais sob o poder familiar dos genitores, a tutela
decorrerá da previsão da lei. Nesse sentido, diz o art. 1.731/CC diz que incumbe aos
parentes consanguíneos do menor na seguinte ordem: ascendente e colateral até o
3º grau, do mais próximo ao mais remoto.
• Tutela dativa: não tendo parentes, e nem colateral até o 3º grau, ou seja, na falta
de tutela testamentária e legítima, o juiz irá nomear tutor idôneo e que resida no
domicílio do menor.
Quando a situação abrange mais de um irmão em situação de tutela, a legislação prevê
a nomeação de apenas um tutor para todos (art. 1.733/CC). É a aplicação do denominado
princípio da unicidade da tutela.
O art. 1.735/CC diz que não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a
exerçam:
• quem não tiver a livre administração de seus bens (ex.: pródigo);
• aqueles que tiverem obrigação para com o menor, ou tiverem crédito contra o
menor, ou estiver em demanda contra o menor, ou ainda que seus parentes estejam
com demanda contra o menor;
• inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente
excluídos da tutela;
• condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os
costumes;
• pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em
tutorias anteriores;
• aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da
tutela (ex.: juiz, MP, delegado, etc.).
O art. 1.736/CC diz que podem se escusar da tutela:
• mulheres casadas;
• maiores de 60 anos;
• aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de 3 filhos;
• impossibilitados por enfermidade;
• aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;
• aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
• militares em serviço.
Quando o menor tiver parentes que possam exercer a tutela, aquele que, não sendo
parente, for indicado para tanto, pode recusar o múnus, não estando, portanto, obrigado a
aceitar a condição de tutor. É o que estabelece o artigo 1.737/CC.
O art. 1.738/CC diz que o prazo decadencial é de 10 dias para manifestação de escusa
por parte do nomeado tutor. Entretanto, o NCPC, sobre a mesma matéria, no art. 760,
estabelece prazo menor de 5 dias. Como se trata de legislação posterior de mesma hierarquia,
deve-se entender que o NCPC revogou, nesse particular, o CC, devendo prevalecer o prazo do
NCPC.

401

404
O art. 1.740/CC traz as incumbências do tutor no exercício do seu múnus público, a
saber:
• dirigir a educação do menor, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus
haveres e condição;
• reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja
mister correção;
• cumprir com os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião
do menor, se este já contar 12 anos de idade.
A atuação do juiz em feitos que versem sobre tutela é ainda mais importante porquanto
é ele quem fiscaliza a atuação do tutor. Entretanto, é possível a nomeação, para essa fiscalização
do tutor, de um pró-tutor (art. 1.742/CC).
O artigo 1.744/CC trata da responsabilidade do juiz, nos processos de tutela. Consoante
esse artigo, essa responsabilidade será direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou
não o houver feito oportunamente; podendo ser subsidiária, quando não tiver exigido garantia
legal do tutor, nem o removido.
Entende-se que nesses dois casos de responsabilização do juiz, é preciso a comprovação
de culpa e não necessariamente de dolo.
Os bens do menor serão entregues ao tutor, através de um inventário de bens (art.
1.745/CC). Se o patrimônio for de considerável valor, o parágrafo único desse artigo 1.745/CC
diz que o juiz poderá exigir a caução para o exercício da tutela.
Se o menor possuir bens, será o menor sustentado por esses bens.
O tutor representará o menor até os 16 anos deste e, após os 16 anos, irá assisti-lo. O
artigo 1.747/CC traz outras competências do tutor no exercício da tutela.
Algumas incumbências do tutor, entretanto, exigem anuência do juiz, tais como (art.
1.748/CC):
• pagamento de dívida do menor;
• aceitação, pelo menor, de herança, legado ou doação, com ou sem encargo;
• transação ou celebração de contrato visando extinguir dívida;
• venda de bens móveis ou imóveis do menor;
• propositura de ações em juízo e promoção de todas as diligências a bem deste,
assim como a defesa nos pleitos contra ele movidos.
Ainda que com autorização do juiz, o tutor não poderá praticar, ou seja, são atos
vedados ao tutor (art. 1.749/CC):
• adquirir para si bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor;
• dispor dos bens do menor a título gratuito;
• constituir o tutor como cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.
A prática de qualquer dessas hipóteses importará em nulidade absoluta do ato.
Antes de assumir a tutela, o tutor declarará tudo que o menor lhe deve, sob pena de
não poder lhe cobrar posteriormente, enquanto estiver exercendo a sua tutoria. A única exceção
é a hipótese de o tutor não ter conhecimento desse débito à época da tutoria.
Em matéria de responsabilidade, o artigo 1.752/CC estabelece que o tutor responde
pelos prejuízos que, por sua culpa ou dolo de sua parte, causar ao tutelado. Há uma
responsabilidade subjetiva do tutor pelo tutelado, ressaltando o §2º do mesmo artigo que há
solidariedade entre as pessoas às quais competia fiscalizar a atividade do tutor e as que
concorreram para o dando.

402

405
Assim é que, quem tinha o dever de fiscalizar o tutor, como é o caso do pró-tutor e do
juiz, ou qualquer pessoa que tenha concorrido culposamente para o prejuízo experimentado
pelo tutelado, será solidariamente responsável pelos prejuízos. Lembre-se que a solidariedade
não pode ser presumida e, na hipótese, há previsão expressa de sua ocorrência.
Pelos atos do tutelado em face de terceiros, o tutor responde objetivamente. É a
responsabilidade objetiva indireta, visto que, no caso, a lei não exige a prova da culpa do tutor,
mas é preciso demonstrar que houve culpa do tutelado.
Por outro lado, o tutor tem direito de ser pago pelo que gastar no exercício de sua
tutoria. É o direito de reembolso previsto no artigo 1.752/CC, que prevê também, em benefício
do tutor, um montante que vai receber a título de compensação pela atuação e administração
dos bens do tutelado, guardando uma proporcionalidade com o valor dos bens do tutelado.
Conforme artigo 1.755/CC e seguintes, o tutor deverá prestar contas, mas, além disso,
a lei exige que o tutor faça um balanço anual, a ser demonstrado ao juiz, cabendo a este, após
análise, aprovar o balanço.
Além desse balanço anual, a legislação prevê que a cada dois anos seja apresentada a
prestação de contas ao juiz. Esse procedimento tem trâmite nos próprios autos da nomeação
da tutoria. A competência dependerá da Lei de Organização Judiciária, sendo que, em regra,
tramitará perante a Vara da Infância, mas não existindo essa Vara na Comarca, a competência
será da Vara de Família ou mesmo Vara Cível.
Encerrada a tutela, ainda que dê quitação, essa quitação não produzirá efeitos enquanto
não forem aprovadas as contas pelo juiz.
No art. 1.763/CC, o legislador trata de situações de extinção da tutela, a saber:
• maioridade do tutelado;
• emancipação do tutelado;
• menor cair sob o poder familiar em razão de reconhecimento
paternidade/maternidade ou em razão de adoção;
Já no artigo 1.764/CC, o CC trata da hipóteses em que cessam as funções do tutor:
• ocorrer o termo final da tutoria;
• por uma escusa legítima do tutor;
• houver a remoção do tutor pelo juiz.
A remoção ou destituição do tutor caberá quando ele for negligente, prevaricador ou
incurso numa incapacidade (art. 1.766/CC).
O art. 1.761 do CC diz que incumbe ao MP, ou a quem tenha o legítimo interesse,
requerer a remoção do tutor ou curador. O parágrafo único desse dispositivo diz que o tutor ou
curador será citado para contestar essa alegação no prazo de 5 dias, e após seguirá o rito
comum.
Havendo extrema gravidade, o juiz poderá suspender, antes da decisão, o tutor ou
curador e nomear um tutor em caráter interino.
Nos termos do art. 1.765/CC, o tutor nomeado é obrigado a servir por espaço de dois
anos, podendo continuar no exercício da tutela, para além desse prazo, se o quiser e o juiz julgar
conveniente para o menor.

8.1.2. CURATELA

Se, como vimos, a tutela tem por escopo a proteção de pessoa ainda menor de idade, a
curatela, por sua vez, é um instituto que visa defender os maiores que tenham reconhecida

403

406
alguma incapacidade, havendo de um lado um curador e do outro um curatelado.
Sobre esse sistema de proteção àqueles que não têm condição de administração dos
próprios interesses e bens, vale a transcrição dos ensinamentos constantes de Caio Mário, no
sentido de que

com o instituto da curatela completa o Código, o sistema assistencial dos que não
podem, por si mesmos, reger sua pessoa e administrar seus bens. O primeiro é o
poder familiar, em que incorrem os menores sob direção e autoridade do pai e da
mãe; o segundo é a tutela, concedida aos órfãos e àqueles cujos pais foram
destituídos do poder familiar; o terceiro é a curatela, “encargo cometido a alguém,
para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores incapazes (PEREIRA, 2018, p.
472).

Assim, a curatela só vai incidir em relação ao maior, em situações especificadas em lei.


Com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), houve uma grande
modificação quanto ao sistema das capacidades. De acordo com o novo Estatuto, são
considerados absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos. Hipóteses que antes
eram consideradas como de plena incapacidade, na atualidade já não mais subsistem.
De acordo com a reforma feita, são relativamente incapazes (art. 4º, CC):

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;

IV - os pródigos.

A incapacidade é matéria de ordem pública e não se presume. Deve, dessa forma, ser
objeto de ação própria para sua constatação e tomada de devidas providências.
A ação para curatela tem procedimento previsto no NCPC, que estabelece a legitimidade
para sua promoção.
O art. 747 do novo CPC prevê que a ação de curatela pode ser promovida:

I – pelo cônjuge ou companheiro;

II – pelos parentes ou tutores;

III – pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando;

IV – pelo Ministério Público, devendo a legitimidade ser comprovada por


documentação que acompanhe a petição inicial.

Sobre essa legitimidade, importante consideração deve ser feita em decorrência do


disposto no Estatuto do Deficiente. É que nesse diploma, há a previsão de legitimidade do
próprio curatelando (art. 87 do Estatuto) para o procedimento de nomeação de curador. Igual
disposição não foi seguida pelo NCPC.
No conflito das duas leis no tempo, temos que embora o NCPC tenha sido promulgado
antes do Estatuto, a entrada em vigor deste antecedeu a daquele, de modo que sendo o NCPC
posterior ao Estatuto, estaria revogada a norma que dá a legitimidade ao próprio curatelando.

404

407
Em relação a essa questão, vemos em Caio Mário que

apesar de o art. 747 não prever a possibilidade de a própria pessoa requerer sua
curatela – previsão esta feita pelo Estatuto –, não se pode negar tal iniciativa, em
razão da própria lógica de autodeterminação trazida pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência. Assim, não obstante a revogação do art. 1.780, que previa a curatela-
mandato, a possibilidade de requerimento da curatela pela própria pessoa se
mantém com a inclusão do inciso IV no art. 1.768 do CC pelo Estatuto, ainda que o
novo CPC não traga tal previsão (PEREIRA, 2018, p. 482).

Temos, dessa forma, que o pedido de nomeação de curador poderá ser promovido:
• pelo cônjuge ou companheiro;
• pelos parentes ou tutores;
• pelo representante da entidade que se encontra abrigado o curatelando;
• pelo próprio Ministério Público;
• pela própria pessoa (art. 1.768) – fazendo-se aqui as considerações constantes do
parágrafo anterior.
O art. 748 do NCPC diz que o MP só irá promover a ação em caso de doença mental
grave se as pessoas designadas acima não existirem ou não promoverem o procedimento de
nomeação de curador, ou se, estas pessoas existirem, não estiverem aptas para tanto por
eventual situação de curatela também.
Portanto, o MP terá uma legitimidade subsidiária.
O art. 752/NCPC diz que o MP intervirá como fiscal da ordem jurídica nas ações de
interdição as quais ele não propõe.
Se houver urgência, o juiz poderá nomear um curador provisório para o curatelando, a
fim de praticar determinados atos.
Nessa linha, o curatelando será citado para no dia designado comparecer ao juiz, sendo
entrevistado acerca de sua vida, negócios, parentes, bens, vontades, preferências, etc. A ideia é
para que o juiz possa perceber o nível de discernimento do curatelando.
Caso o curatelando não possa se deslocar até o juízo, o juiz irá ouvi-lo no local onde
estiver,
No prazo de 15 dias da entrevista, o curatelando poderá impugnar o pedido de curatela.
Caso não tenha constituído um advogado, nomeará o juiz um curador especial.
Passados 15 dias, o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliar a efetiva
situação do curatelando. O laudo pericial vai indicar para quais atos que o curatelado necessitará
da participação do curador.
A ideia é a de que o exercício da curatela seja o menor possível, e segundo as
potencialidades da pessoa, conferindo-se ao curatelado o mais amplo exercício dos direitos, em
especial aqueles ligados a sua existência como pessoa humana.
Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do
curatelando.
O art. 1.775/CC estabelece que o cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente
ou de fato, é de direito o curador do outro. É o curador escolhido pela lei.
Se o curador é o cônjuge, e estão eles casados sob o regime universal de bens, esse
cônjuge não é obrigado a prestar contas, salvo se houver uma determinação judicial
fundamentada em sentido contrário.

405

408
Na ordem de preferência, não sendo o curatelando casado e ainda não vivendo em
união estável, a nomeação de curador será preferencialmente de um de seus ascendentes.
Não havendo ascendentes, o curador será o descendente que se mostrar mais apto.
Não havendo descendentes, o curador será dativo, nomeado pelo juiz.
Essa ordem legal pode, entretanto, ser desconsiderada, sempre em observância ao
melhor interesse do curatelado.
O art. 1.775-A/CC inovou, trazendo a possibilidade da denominada curatela
compartilhada.
O art. 754/NCPC diz que, apresentado o laudo, produzidas as demais provas e ouvidos
os interessados, o juiz proferirá sentença. Na sentença, o juiz deverá nomear o curador. Na
mesma sentença, o juiz irá fixar os limites da curatela.
Conforme o NCPC, art. 757, a autoridade do curador vai se estender à pessoa e aos bens
do incapaz que se encontrava sob guarda e responsabilidade do curatelado. Ex.: o curatelado
tem 40 anos e o filho tem 12 anos. O curador do curatelado vai assumir a tutela do menor, salvo
se o juiz entender outra situação mais conveniente. É o princípio da unicidade de curatela/tutela.
O §3º do art. 755 do NCPC diz que a sentença de interdição será inscrita no Registro de
Pessoas Naturais, publicada no site do Tribunal, na plataforma do CNJ e deverá permanecer por
6 meses. Visa assegurar o princípio da publicidade.
Grande discussão gira em torno dos efeitos da sentença que reconhece a incapacidade
de uma pessoa. A pergunta refere-se à nulidade ou não dos atos praticados antes do
reconhecimento da incapacidade.
Em recentes julgados, o STJ entendeu que os efeitos da sentença, no caso, são ex nunc,
de modo que prevalecem os atos jurídicos praticados antes do reconhecimento da incapacidade
(AgInt no AREsp 1480137 / MG AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2019/0093218-9). Nesses julgados, o STJ consagrou a tese da natureza constitutiva da sentença
de interdição, de modo que produz efeitos ex nunc, salvo expresso pronunciamento judicial em
sentido contrário (AgInt no REsp 1705385/SP
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2014/0345411-3).
As pessoas que não puderem exprimir a sua vontade serão relativamente incapazes, as
quais receberão todo o apoio para manter a sua convivência familiar.
A convivência comunitária e familiar são prioritárias, de forma que o recolhimento de
uma pessoa em estabelecimento que afaste a convivência familiar e comunitária é excepcional,
ou seja, será a última medida. Caso não haja essa necessidade, poderá ficar em casa e conviver
com a família e a comunidade.
O art. 758 do NCPC diz que o curador deverá buscar o tratamento e o apoio apropriados
à conquista da autonomia daquele considerado relativamente incapaz.
Se houver a recuperação, haverá o levantamento da curatela.
Além disso, poderá a curatela ser levantada parcialmente, quando a incapacidade
daquele interdito, que era uma incapacidade maior, agora se restringiu. Quando demonstrada
a recuperação parcial, haverá o levantamento parcial da curatela. Tudo isso na ideia de que a
curatela somente deve ser utilizada nos limites do que efetivamente é necessário.
O Código Civil determina a aplicação residual das regras da tutela à curatela das. Isso
porque os fundamentos são os mesmos, conforme colocado no início do capítulo.

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409
8.2. TOMADA DE DECISÃO APOIADA

Como já ressaltado, o Estatuto do Deficiente promoveu importantes alterações no


estudo das incapacidades. Seu conteúdo interfere tanto na análise do direito material, como
também no direito processual. A tomada de decisão apoiada é instituto introduzido pelo
Estatuto do Deficiente, que tem reflexos no direito material e também processual.
O art. 115 do Estatuto da Pessoa com Deficiência determinou que o Título IV do Livro IV
da Parte Especial do Código Civil passasse a vigorar com o seguinte título: “da Tutela, da Curatela
e da Tomada de Decisão Apoiada”. Especificamente, quanto à tomada de decisão apoiada,
houve a inclusão do art. 1.783-A ao Código Civil.
Segundo esse dispositivo, a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual se busca
auxiliar a pessoa com deficiência para a prática de atos que se mostrem mais complexos.
Explicando o instituto, Daniel Carnicchioni ensina que

a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege
pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de
sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil,
fornecendo-lhe os elementos e informações necessários para que possa exercer sua
capacidade. (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.637).

O §1º do art. 1.783-A, CC, diz que, para formular pedido de tomada de decisão apoiada,
a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites
do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do
acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.
O pedido de tomada de decisão será requerido pela pessoa que deseja ser apoiada,
indicando quais as pessoas aptas a prestarem esse apoio. Antes de se decidir sobre o pedido, o
juiz irá ouvir pessoalmente o requerente e também as pessoas indicadas para lhe prestar apoio.
Como adverte Carnacchioni,

após a nomeação dos conselheiros/apoiadores, a decisão tomada por pessoa


apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja
inserida nos limites do apoio acordado. O terceiro com quem a pessoa apoiada
mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o
contrato ou acordo, especificando por escrito sua função em relação ao apoiado
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1.638).

Questiona-se: e se houver divergência entre a pessoa apoiada e um de seus apoiadores?


Neste caso, o juiz irá decidir, suprindo a vontade de uma das partes discordantes.
Se o apoiador for negligente, se exercer pressão indevida sobre o apoiado, ou não
adimplir com as obrigações, a pessoa apoiada ou qualquer pessoa poderá denunciar ao juiz o
seu comportamento.
Sendo procedente essa denúncia, o juiz irá destituirá o apoiador, podendo ser nomeado
ou não um novo apoiador.
Além disso, a pessoa apoiada poderá, a qualquer tempo, solicitar o término do acordo
de tomada de decisão apoiada.
O apoiador poderá solicitar ao juiz a exclusão da sua participação do processo de tomada
de decisão apoiada.

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410
É importante trazer à colação os dois enunciados aprovadas nas Jornadas de Direito Civil
– CJF, com o seguinte teor:
Enunciado 639 CJF: “A opção pela tomada de decisão apoiada é de legitimidade
exclusiva da pessoa com deficiência. A pessoa que requer o apoio pode manifestar,
antecipadamente, sua vontade de que um ou ambos os apoiadores se tornem, em caso de
curatela, seus curadores.”
Enunciado 640: “Art. 1.783-A: “A tomada de decisão apoiada não é cabível, se a
condição da pessoa exigir aplicação da curatela.”

8.3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

8.3.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Ação de levantamento de curatela. Propositura por


terceiros juridicamente interessados. Possibilidade. Legitimados. Art. 756, §1º, do
CPC/2015. Rol de natureza não exaustiva. O rol de legitimados do art. 756, §1º, do
CPC/2015, acerca dos possíveis legitimados para a ação de levantamento de
curatela, não é taxativo. O art. 756, §1º, do CPC/2015 ampliou o rol de legitimados
para o ajuizamento da ação de levantamento da curatela previsto no art. 1.186, §1º,
do CPC/1973, a fim de expressamente permitir que, além do próprio interdito,
também o curador e o Ministério Público sejam legitimados para o ajuizamento
dessa ação, acompanhando a tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo do
código revogado. É, portanto, possível afirmar que a razão de existir do art. 756, §1º,
do CPC/2015, até mesmo pelo uso pelo legislador do verbo "poderá", é de, a um só
tempo, enunciar ao intérprete quais as pessoas têm a faculdade de ajuizar a ação de
levantamento da curatela, garantindo-se ao interdito a possibilidade de recuperação
de sua autonomia quando não mais houver causa que justifique a interdição, sem,
contudo, excluir a possibilidade de que essa ação venha a ser ajuizada por pessoas
que, a despeito de não mencionadas pelo legislador, possuem relação jurídica com
o interdito e, consequentemente, possuem legitimidade para pleitear o
levantamento da curatela. É correto concluir, dessa forma, que o rol previsto no
dispositivo em questão não enuncia todos os legitimados a propor a ação de
levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que outras pessoas, que se
pode qualificar como terceiros juridicamente interessados em levantá-la ou
modificá-la, possam propor a referida ação. REsp 1.735.668-MT, Rel. Min. Nancy
Andrighi, por unanimidade, julgado em 11/12/2018, DJe 14/12/2018 (INF. 640).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Ação de interdição. Ausência de interrogatório. Ausência


de nomeação de curador à lide. Nulidade. A ausência de interrogatório e a atuação
concomitante do Ministério Público como curador do interditando e como fiscal da
ordem jurídica dão ensejo à nulidade do processo de interdição. A questão que
exsurge na hipótese é decidir acerca da nulidade de processo de interdição em face
da ausência de interrogatório da interditanda e de nomeação de curador especial.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o legislador tornou a intervenção ministerial
obrigatória, não só por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, nos
termos do art. 1.105, do CPC/73, mas, principalmente, por envolver interesse de
incapaz e pela gravidade das consequências da declaração de incapacidade. A
despeito disso, a dúvida que exsurge reside na possibilidade, ou não, de o Ministério
Público atuar concomitantemente como fiscal da lei e como curador especial no
processo de interdição. Sobre o ponto, destaca-se que a função de custos legis é a
de fiscalizar a estrita aplicação da lei, o que não necessariamente se compatibiliza
com o interesse pessoal do interditando. Consequentemente, a cumulação de
funções pelo Ministério Público pode levar à prevalência de uma das funções em
detrimento da outra, o que iria de encontro aos valores que o legislador visava

408

411
resguardar ao estabelecer regras especiais para o processo de interdição, bem como
ao próprio art. 129, IX, da Constituição Federal, em vista da antinomia existente
entre a função de fiscal da lei e os interesses particulares envolvidos. Tanto é assim
que, de forma a dirimir a incompatibilidade de funções, a Lei Complementar n. 80,
de 12/1/1994 dispôs, em seu art. 4º, XVI, ser a curadoria especial função da
Defensoria Pública. No mesmo sentido, o Código de Processo Civil de 2015 também
endossou o entendimento pela incompatibilidade, tendo retirado do ordenamento
a possibilidade de o Ministério Público participar do processo de interdição como
curador especial e incluído o art. 72, parágrafo único, segundo o qual: “A curatela
especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”. Desta forma – e
considerando que a ausência da referida nomeação constitui vício insanável em
razão da vulnerabilidade presumida do interditando – configura-se a nulidade
absoluta do processo de interdição. No que tange à necessidade de interrogatório,
em que pese o disposto no art. 1.109 do CPC/73 – que dispõe não ser o juiz obrigado
a observar critério de legalidade estrita na hipótese de procedimentos especiais de
jurisdição voluntária – é importante que o magistrado proceda ao exame pessoal por
meio de interrogatório, ainda que não possua conhecimentos que permitam a
elaboração de um diagnóstico. O exame a ser feito mediante interrogatório em
audiência pessoalmente pelo juiz não é mera formalidade. Ao contrário, é medida
que garante a participação e a própria defesa do interditando no processo. O Novo
Código de Processo Civil, inclusive, reformou o instituto, que passou a ser chamado
de “entrevista”, ampliando os temas a serem perquiridos pelo juiz quando do exame
pessoal, para que o interditando, sujeito de direito mais importante da demanda,
seja melhor compreendido e ressignificado. Nessa senda, não se extrai do art. 1.109
do CPC/73 autorização para que o juiz deixe de praticar os atos processuais inerentes
ao procedimento, máxime quando se tratar daquele que representa o direito de
defesa da parte.
REsp 1.686.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em
12/9/2017, DJe 15/9/2017 (INF. 611).

9. UNIÃO ESTÁVEL

9.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

“Não há lei, nem de Deus nem dos homens, que proíba o ser humano de buscar a
felicidade.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 9ª edição, Editora RT, São
Paulo, 2013).
O texto extraído da obra de Maria Berenice bem nos elucida a ideia que deve nortear
toda interpretação acerca do reconhecimento dos mais diversos modelos de família.
Por algum tempo, a união estável não teve reconhecimento e delineamento no
ordenamento jurídico pátrio, de forma que os direitos eventualmente reconhecidos em relação
às pessoas que se uniam sem o vínculo matrimonial giravam em torno da questão patrimonial e
não propriamente da consideração da existência de uma família.
Assim é que quando imaginamos que até 1977, não era possível o divórcio, as pessoas
que se separavam de fato e mantinham novo relacionamento eram denominadas concubinas e,
quando buscavam o judiciário para resguardo de direitos, não havia o reconhecimento dessa
entidade familiar. O que ocorria, era uma análise, na Vara Cível, à luz do direito obrigacional,
como sendo uma sociedade de fato.
Veremos a evolução da legislação acerca da união estável, mas desde já, é possível dizer
que o não reconhecimento da entidade familiar formada pela união de pessoas, inclusive do
mesmo sexo, representava uma séria violação a valores baseados no afeto, que se justificam
para além da questão patrimonial.

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412
A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco quanto ao reconhecimento da
união estável como entidade familiar, mas depois dela ainda houve um longo caminho
percorrido até chegarmos à configuração atual, que, respeitando a dignidade da pessoa
humana, reconhece igualmente como família a união de pessoas do mesmo sexo.

9.2. EVOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

Como dito nas considerações gerais, a Constituição Federal foi um grande marco para o
reconhecimento da união estável como entidade familiar.
Antes da Constituição Federal de 1988, tínhamos que as relações ditas informais, que se
estabeleciam sem o vínculo matrimonial, eram consideradas sociedades de fato, expressão que
bem demonstra a importância dada unicamente à questão patrimonial. Em sendo sociedade de
fato, os bens adquiridos em comum eram divididos na medida do esforço de cada convivente.
Nesse período, as uniões que se estabeleciam com o impedimento para o casamento,
como na hipótese do separado de fato que não podia se divorciar por ausência de previsão legal
(antes de 1977), eram consideradas concubinato, expressão que carregava certa dose de
discriminação.
Ainda nesse período, temos a aplicação da Súmula 380 do STF, surgida para tentar
resolver as questões patrimoniais relativas aos casais que estabeleciam essa convivência até
então não reconhecida pela lei. Estabelecia a súmula, in verbis: “Comprovada a existência de
sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
Na ausência de legislação específica e aplicando-se o teor da súmula mencionada, o que
se vislumbrava, na época, nas hipóteses de desfazimento da relação, é que era muito difícil, em
especial para a mulher, provar a participação na aquisição do patrimônio. Recorde-se que nesse
período, a mulher ainda não tinha alcançado o grau de independência que vislumbramos na
atualidade. Em regra, cuidava dos afazeres do lar e, para os fins da súmula 380/STF, não tinha
participação na aquisição do patrimônio, de forma que saia da relação sem qualquer direito.
Em razão dessa flagrante injustiça, a jurisprudência da época passou a admitir pedidos
de indenização pelos serviços domésticos prestados,numa espécie de compensação em favor
da mulher (STJ, REsp 855.963/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 19/05/2011, DJe 26/05/2011).
Se hoje esse tipo de pedido parece violar os valores maiores da entidade familiar, em
especial o valor do afeto que não poderia ser trocado por qualquer quantia em dinheiro
(representada no caso pela indenização pelos serviços prestados), certo é que para o contexto
em que foram admitidas e fixadas essas indenizações, essa parecia a única forma de garantir
algum direito à mulher que saía de relações longas, porém não reconhecidas pela legislação da
época.
Só com a Constituição Federal de 1988, houve uma mudança positiva no sentido de
reconhecimento das uniões estáveis como entidades familiares. A Carta Magna de 1988, então,
em seu artigo 226, §3º, estabeleceu de forma expressa que:
Art. 226, § 3º, CF: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.”
Todavia, é de se considerar que, muito embora a Constituição Federal tenha
representado uma grande conquista para o reconhecimento das uniões estáveis como entidade
familiar, certo é que logo após a promulgação da Carta Magna, passou-se a discutir se a norma

410

413
do §3º do artigo 226 seria autoaplicável ou dependeria de regulamentação. Em razão disso,
muitas ações que buscavam o reconhecimento da entidade familiar continuavam tramitando
em varas cíveis e tendo a abordagem apenas patrimonial.
Foi, então, necessária a regulamentação por leis posteriores para efetiva aplicação do
comanda constitucional.
Assim é que temos a Lei nº 8.971/94 e a Lei nº 9.278/96, subsequentes à Constituição
Federal e que buscaram regulamentar o artigo 226, §3.
A primeira lei, de nº 8.971/94, estabeleceu o direito aos alimentos entre os
companheiros e ainda trouxe previsão de participação dos companheiros na sucessão do outro,
além do direito ao usufruto sobre bens do(a) falecido(a) companheiro(a).
Dispunha o artigo 1º da referida lei que:

A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente,


divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole,
poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não
constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito
e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira,
separada judicialmente, divorciada ou viúva.

Extrai-se do artigo transcrito que a lei em questão trouxe um requisito temporal para a
configuração da união estável. Para tanto, era necessário o prazo mínimo de cinco anos de
convivência, salvo se tivessem filho(s) em comum, caso em que não havia exigência de prazo
mínimo
Com a posterior Lei nº 9.278/96, houve previsão de requisitos gerais para configuração
da união estável. Estabelecia o artigo 1º que: “É reconhecida como entidade familiar a
convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com
objetivo de constituição de família”.
Vê-se que os requisitos, então, seriam a convivência duradoura, pública e contínua,
entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de família. Excluiu-se, todavia,
o lapso temporal mínimo para reconhecimento da união estável.
Com essa lei, criaram-se, ainda, à semelhança do matrimônio, direitos e deveres,
consistentes em respeito e consideração mútuos, assistência moral e material recíproca e
guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
Uma importante inovação nessa legislação foi o estabelecimento de presunção relativa
de condomínio de partes iguais para os bens adquiridos a título oneroso na constância do
relacionamento (art. 5º), salvo estipulação em contrário realizada em contrato escrito. Previa o
§ 1º que essa presunção cessaria se a aquisição fosse realizada com bens sub-rogados adquiridos
antes do relacionamento.
O Código Civil de 2002, que teve vigência a partir de janeiro de 2003, disciplinou por
completo a matéria, estabelecendo em seu artigo 1.723, que “É reconhecida como entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua
e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Nessa conceituação, reproduziu-se o que já dispunha a legislação anterior.
Já nos parágrafos do referido artigo, o legislador detalhou mais a disciplina aplicável à
união estável, estabelecendo que:

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414
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521;
não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato ou judicialmente.

§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união


estável.

Assim, não obstante tenha mantido o mesmo conceito da Lei nº 9278/96, o CC/2002
estabeleceu os impedimentos para o seu reconhecimento.
Quanto ao regime de bens a ser considerado na união, o Código Civil estabeleceu que,
não havendo acordo em sentido contrário, o regime que regerá os bens do casal será o da
comunhão parcial de bens. Essa é a inteligência do artigo 1.725/CC.
Relativamente à sucessão dos bens em caso de morte de um dos companheiros, o
Código Civil manteve o direito de participação do(a) companheiro(a) na sucessão do outro, mas
disciplinou essa matéria dando tratamento diferenciado entre companheiros e cônjuges. Esse
foi um ponto de amplos debates após a vigência do CC/02, que culminou no reconhecimento,
por parte do STF, da inconstitucionalidade do artigo 1.790, que disciplina de forma diferenciada
a sucessão dos companheiros. O STF decidiu, nos Recursos Extraordinários 646721 e 878694,
ambos em regime de repercussão geral, equiparar cônjuges e companheiros para fins de
sucessão, inclusive em uniões homoafetivas.
Outro ponto de debate diz respeito ao direito real de habitação que, no Código Civil de
2002, não encontrou proteção relativamente ao(a) companheiro(a). Enquanto a Lei nº 9.278
conferia expressamente esse direito ao(a) companheiro(a), o CC/02 foi silente sobre essa
matéria, cabendo à jurisprudência a correção dessa distorção tão prejudicial ao(a)
companheiro(a).
Além dessas questões, o Código Civil de 2002 perdeu uma grande oportunidade de
dispor também sobre as uniões homoafetivas. Embora essa matéria já fosse amplamente
discutida pela jurisprudência, o legislador de 2002 manteve a conceituação das uniões estáveis
limitada aos casais heterossexuais.
Coube, assim, ao STF corrigir essa flagrante inconstitucionalidade, entendendo que
nenhuma interpretação ao artigo 226, §3º, da CF pode excluir o reconhecimento de uniões
homoafetivas como entidades familiares.
Sobre essa matéria, vale uma leitura mais cuidadosa das ações que tramitaram perante
o STF (ADI 4.277 e ADPF 132, de 5/5/2011), as quais, então, deram interpretação conforme a CF
ao artigo 1.723/CC, para excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
A partir desses julgados, o STJ reconheceu a possibilidade de casamento direto de
pessoas do mesmo sexo. Há também diversas decisões autorizando a conversão da união estável
de pessoas do mesmo sexo em casamento. Por fim, o CNJ editou a Resolução 175 que trata
sobre os casamentos homoafetivos.
Ainda em matéria de evolução da união estável no Brasil, tivemos recentemente um
movimento para reconhecimento do denominado poliamor. Nesse sentido, algumas escrituras
foram lavradas em cartórios extrajudiciais, com menção a uniões entre mais de duas pessoas.
Essa matéria foi levada ao CNJ e apreciada no Pedido de Providências (PP 0001459-
08.2016.2.00.0000), cujo relator fora o Min. Corregedor Nacional de Justiça, João Otávio de
Noronha. Na decisão, o CNJ determina que as Corregedorias-Gerais de Justiça proíbam os
cartórios de seus respectivos estados de lavrar escrituras públicas para registrar uniões
poliafetivas.

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415
Assim, temos que o sistema pátrio não reconhece uniões poliafetivas.

9.3. A UNIÃO ESTÁVEL NO CÓDIGO CIVIL

Como vimos, o Código Civil de 2002 disciplinou a união estável, estabelecendo, na sua
conceituação, os requisitos necessários para sua conceituação. Estabeleceu, dessa forma, que
essa união deve ser pública, contínua e duradoura e, principalmente, com o objetivo de
constituir família.
A partir dessa conceituação, extraímos os seguintes requisitos:
• Convivência pública é aquela que é de conhecimento no meio social, de forma que os
companheiros são vistos pela sociedade como se casados fossem, apresentando-se
como verdadeira entidade familiar.
• Convivência contínua e duradoura entende-se como sendo uma relação estável, sem
intervalos.
• Affectio Maritalis, que consiste nesse objetivo de constituir família. A affectio é, dessa
forma, o elemento subjetivo da união estável e está na intenção dos conviventes.
Se, por um lado, extraímos esses requisitos da conceituação trazida pelo Código Civil,
por outro lado temos que essa mesma conceituação não exige a convivência sob o mesmo teto
para configuração da união estável, assim como não exige a existência de filhos em comum.
Pelo § 1º do artigo 1.723/CC, tem-se que a união estável não se constituirá se ocorrerem
os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente. Isto é, se separado de fato ou judicialmente,
a pessoa poderá constituir e ver reconhecida a união estável.
O § 2º do mesmo artigo diz que as causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a
caracterização da união estável.
Sobre o regime de bens, o art. 1.725/CC diz que, na união estável, salvo contrato escrito
entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da
comunhão parcial de bens. Isso significa que se os conviventes não firmarem nenhum acordo
em sentido contrário, prevalecerá entre eles o regime da comunhão parcial. Podem, entretanto,
estabelecer contrato de convivência, dele fazendo constar a vontade expressa quanto ao regime
de bens que regerá a relação patrimonial. Entretanto, é preciso dizer que o regime somente
pode produzir efeitos a partir da data da escritura pública (efeito ex nunc). Não produz efeitos
retroativos quanto a este regime escolhido.
O Código Civil, de forma expressa e reproduzindo comando constitucional, prevê, no art.
1.726, que a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Nesse particular, é importante mencionar discussão sobre interpretação que pode se
extrair da Constituição Federal quando diz que “será facilitada a conversão da união estável em
casamento”. Numa rápida leitura, pode-se concluir que há uma diferenciação do casamento em
relação à união, parecendo que aquele estaria acima deste. Entretanto, essa conclusão é
equivocada, em especial quando analisamos as decisões do STF que reconheceram total
igualdade entre casamento e união estável (ADI 4.277 e ADPF 132, de 5/5/2011).
Ainda sobre a disciplina do Código sobre a união estável, importante mencionar o
disposto no artigo 1.727/CC, pelo qual as relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato.

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Por esse artigo, temos a diferenciação feita entre a união estável, que recebe a proteção
a título de entidade familiar, e o concubinato, que ocorre quando se vislumbra impedimento
para o casamento e, consequentemente, para união estável.
No estudo da união estável, é importante analisar as teses fixadas, sobre essa entidade
familiar, pelo Superior Tribunal de Justiça.
Constituem teses fixadas pelo STJ sobre a união estável:
• Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha não se confundem: a sucessão é
disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha deve observar o regime de
bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo de aquisição de cada bem a partilhar.
Essa tese tem extrema importância quando da análise da partilha dos bens do casal. Por
ela, temos que, ainda que a dissolução da união ocorra agora, sob a vigência do Código
Civil, a legislação aplicada deve ser a da data da aquisição do bem. Com isso, uma
dissolução que vem a ser resolvida hoje que envolva partilha de bem adquirido em 1994,
deve considerar a lei que vigorava naquela data e não a comunhão parcial de bens que
vigora como regra com o Código Civil de 2002.
• A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável;
• A vara de família é a competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e
dissolução de união estável homoafetiva. Essa tese, na atualidade, parece óbvia mas
antes do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares, ações
que envolviam casais homoafetivos tramitavam em varas cíveis e se referiam a
sociedades de fato.
• Não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. Essa tese trata da
impossibilidade de reconhecimento do poliamor.
• A existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde
que haja separação de fato ou judicial entre os casados. Assim, estando separado de
fato ou judicialmente, não obstante não possa se casar ainda em decorrência de
impedimento, a pessoa pode estabelecer união estável reconhecida como entidade
familiar.
• Na união estável de pessoa maior de setenta anos (artigo 1.641, II, do CC/02), impõe-se
o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na
constância da relação, desde que comprovado o esforço comum. Entende-se, assim, que
tal como ocorre com o casamento de pessoa maior de 70, na união também há
imposição do regime da separação total de bens.
• São incomunicáveis os bens particulares adquiridos anteriormente à união estável ou ao
casamento sob o regime de comunhão parcial, ainda que a transcrição no registro
imobiliário ocorra na constância da relação. Quando só a transcrição ocorre após o início
da união, esse bem permanece como bem particular, não comunicável.
• Comprovada a existência de união homoafetiva, é de se reconhecer o direito do
companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do
relacionamento. Como corolário do reconhecimento das uniões homoafetivas como
entidades familiares, segue-se o direito à meação tal como ocorre com a união estável
heteroafetiva.
• Não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados com
o fim do casamento ou da união estável, tampouco com o cessar do concubinato, sob
pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia
constitucional de tratamento. O entendimento do STJ é no sentido da inaplicabilidade

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417
atual da jurisprudência que deferia pedidos de indenização por serviços prestados no
âmbito doméstico.
• Compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o
reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de
benefício previdenciário. Quando o pedido de reconhecimento de união estável tiver
por escopo apenas benefício previdenciário negado administrativamente, não é preciso
prévia ação perante a vara de família. Os interessados poderão se valer de ação para
pleito do benefício, perante a justiça federal, e nessa ação, incidentalmente, o juiz
analisará a configuração da união estável, enfrentando posteriormente o pedido do
benefício dali decorrente.

9.4. A UNIÃO ESTÁVEL E O DENOMINADO NAMORO QUALIFICADO

O aumento crescente das uniões estáveis, que embora iguais ao casamento, dele se
diferenciam pela informalidade, fez crescer o número de ações em que se enfrenta a temática
“namoro qualificado”.
É que em razão da informalidade das uniões estáveis, o seu reconhecimento, na
hipótese de litígio, depende de decisão judicial, e, não raras vezes, uma das partes tenta
demonstrar a não configuração da união, em especial quanto ao não preenchimento do
requisito do intuito de constituir família.
Como visto em tópico próprio, a união estável se configura pela convivência de duas
pessoas, de forma pública, contínua e com a finalidade de constituir família. Nesse último
aspecto é que se debate a diferenciação entre a união estável e o namoro qualificado.
No namoro qualificado, temos, então, que o casal, não obstante a convivência pública e
duradoura, não tem por escopo, “ainda”, a constituição de família. Seria, dessa forma, o
chamado “namoro sério”.
Sobre esse tema, o STJ já se manifestou no sentido de que “o fato de namorados
projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda quehaja
coabitação”. (REsp 1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015).
Na prática, nem sempre é fácil essa diferenciação, mas o ponto central, a ser analisado
em cada caso, é o objetivo do casal quando da convivência pública e duradoura. Se ficar
demonstrado que havia objetivo de constituição de família, configurada estará a união estável.
Caso contrário, teremos o denominado namoro qualificado.

9.5. QUESTÕES POLÊMICAS QUANTO À UNIÃO ESTÁVEL

Conforme vimos, a união estável tem recebido diferentes tratamentos ao longo do


tempo, evoluindo de acordo com a evolução da própria sociedade. Não obstante os grandes
avanços percebidos nessa área, ainda há questões que suscitam divergências no campo prático.
Dentre essas questões, temos a discussão sobre a necessidade de outorga do
companheiro para venda de bens imóveis e para a fiança. Em outra palavras, discute-se se em
caso de disposição de imóvel sem a vênia do outro companheiro ou no caso de fiança sem que
haja essa vênia, seria hipótese de invalidação do ato?
Os tribunais têm enfrentado esse tema e entendido que não será possível invalidar o
negócio se o terceiro não tinha conhecimento da união estável, a menos que seja possível
demonstrar que havia ciência inequívoca. Isso porque, quando do estudo da outorga ou vênia
conjugal, fala-se tão somente em casamento, não havendo previsão expressa para atingir a

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418
união estável (art. 1647 do CC). Para solucionar essa temática, o STJ tem prezado pela boa-fé
objetiva (e seus deveres anexos), a publicidade, a confiança e lealdade. Dessa forma, se o
terceiro desconhecia a condição de convivente do contratante, não há que se falar em
invalidação do ato (REsp 1299866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 25/02/2014, DJe 21/03/2014 - INFORMATIVO 535 DO STJ).
Outra questão polêmica que envolve a união estável diz respeito à possibilidade
excepcional de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas.
Como vimos, o CNJ vedou a lavratura de escrituras que envolvam uniões de mais de
duas pessoas, proibindo, dessa forma, escrituras que tragam em seu bojo a ideia do poliamor.
Nosso sistema, como um todo, veda essas relações para fins de reconhecimento de entidade
familiar. Inclusive, esse entendimento consta das teses do STJ.
Entretanto, é possível que haja uniões simultâneas com boa-fé de alguns dos
conviventes. Exemplificando, é possível que um homem, solteiro, mantenha união duradoura e
pública com uma mulher e, paralelamente, mantenha outra união da mesma natureza com
outra mulher. Se, nesse caso, as duas mulheres, objetivando constituir, cada uma, com esse
mesmo homem, uma família, mas desconhecendo cada uma a existência da paralela união da
outra, poder-se-á reconhecer as uniões simultâneas a partir da ideia de putatividade.
Com efeito, essas mulheres, estando cada uma de boa-fé, ou seja, desconhecendo cada
uma a existência de outra união, poderão ter o reconhecimento da união estável putativa com
os efeitos legais. Já esse homem do exemplo, estando em evidente má-fé, não será beneficiado
com o reconhecimento das uniões, porquanto nosso sistema não reconhece o denominado
poliamor.
Com o mesmo raciocínio, podemos imaginar a situação de união estável putativa
paralela ao casamento. como exemplo, citemos a hipótese de um homem casado e não
separado de fato ou judicialmente, que, paralelamente ao casamento, mantenha união
duradoura e pública com outra mulher, que desconhece a situação de matrimônio do
convivente. Nessa situação, essa mulher, estando de boa-fé, poderá ter reconhecida em seu
favor a união estável, com os efeitos legais.
Perceba que se a hipótese for de união mantida em concomitância com o casamento,
conhecendo a convivente a situação de casado do homem (ausência de boa-fé), ter-se-á um
concubinato, conforme estabelece o artigo 1.727/CC.

9.6. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

9.6.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO DE


CRIANÇA POR PESSOA HOMOAFETIVA. É possível a inscrição de
pessoa homoafetiva no registro de pessoas interessadas na adoção (art. 50 do ECA),
independentemente da idade da criança a ser adotada. A legislação não veda a
adoção de crianças por solteiros ou casais homoafetivos, tampouco impõe, nessas
hipóteses, qualquer restrição etária. Ademais, sendo a união entre pessoas do
mesmo sexo reconhecida como uma unidade familiar, digna de proteção do Estado,
não se vislumbra, no contexto do "pluralismo familiar" (REsp 1.183.378-RS, DJe
1º/2/2012), pautado nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana,
a possibilidade de haver qualquer distinção de direitos ou exigências legais entre as
parcelas homoafetiva (ou demais minorias) e heteroafetiva da população brasileira.
Além disso, mesmo se se analisar sob o enfoque do menor, não há, em princípio,
restrição de qualquer tipo à adoção de crianças por pessoas homoafetivas. Isso
porque, segundo a legislação vigente, caberá ao prudente arbítrio do magistrado,

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sempre sob a ótica do melhor interesse do menor, observar todas as circunstâncias
presentes no caso concreto e as perícias e laudos produzidos no decorrer do
processo de adoção. Nesse contexto, o bom desempenho e bem-estar da criança
estão ligados ao aspecto afetivo e ao vínculo existente na unidade familiar, e não à
opção sexual do adotante. Há, inclusive, julgado da Terceira Turma do STJ no qual se
acolheu entendimento doutrinário no sentido de que "Estudos feitos no âmbito da
Psicologia afirmam que pesquisas '(...) têm demonstrado que os filhos de pais ou
mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu
desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães
heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e
heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o
mesmo'" (REsp 1.281.093-SP, DJe 4/2/2013). No mesmo sentido, em precedente da
Quarta Turma do STJ (REsp 889.852, DJe 10/8/2010), afirmou-se que "os diversos e
respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases
científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na
Academia Americana de Pediatria), 'não indicam qualquer inconveniente em que
crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do
vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga
a seus cuidadores'". REsp 1.540.814-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado
em 18/8/2015, DJe 25/8/2015. (INF. 567).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. O reconhecimento do direito real de habitação, a que se


refere o artigo 1.831 do Código Civil, não pressupõe a inexistência de outros bens no
patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. Registre-se inicialmente que o
art. 1.831 do Código Civil e o art. 7º da Lei n. 9.278/1996 impôs como a única
condição para garantia do cônjuge sobrevivente ao direito real de habitação é que o
imóvel destinado à residência do casal fosse o único daquela natureza a inventariar,
ou seja, que dentro do acervo hereditário deixado pelo falecido não existam
múltiplos imóveis destinados a fins residenciais. Nenhum dos mencionados
dispositivos legais impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de
habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio
próprio do cônjuge sobrevivente. Não é por outro motivo que a Quarta Turma,
debruçando-se sobre controvérsia semelhante, entendeu que o direito real de
habitação é conferido por lei, independentemente de o cônjuge ou companheiro
sobrevivente ser proprietário de outros imóveis (REsp 1.249.227/SC, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013, DJe 25/3/2014). Com efeito, o objetivo da
lei é permitir que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que
residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o
direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e
social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico
estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência,
constituíram não somente residência, mas um lar. Além disso, a norma protetiva é
corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar
que tutela o interesse mínimo de pessoa que, em regra, já se encontra em idade
avançada e vive momento de inconteste abalo resultante da perda do consorte. REsp
1.582.178-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em
11/09/2018, DJe 14/09/2018 (INF. 633).

QUESTÕES

1- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.


I – Após a separação de fato ou de corpos, o cônjuge que estiver na posse ou na administração
do patrimônio partilhável terá o dever de prestar contas ao ex-consorte.

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II – Regime da separação obrigatória de bens para idosos aplica-se mesmo se o casamento foi
precedido de união estável iniciada antes da idade-limite.
III – Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não
deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta vinculada
ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para
aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
2- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na separação judicial, sujeitam-se à partilha as quotas de sociedade de advogados adquiridas
por um dos cônjuges, sob o regime da comunhão universal de bens, na constância do
casamento.
II – A extinção de medida protetiva de urgência diante da homologação de acordo entre as
partes não afasta a competência da Vara Especializada de Violência Doméstica ou Familiar
contra a Mulher para julgar ação de divórcio fundada na mesma situação de agressividade
vivenciada pela vítima e que fora distribuída por dependência à medida extinta.
III – Se um bem for doado para um dos cônjuges, em um casamento regido pela comunhão
parcial dos bens, a regra é que esse bem pertence apenas ao cônjuge que recebeu a doação.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
3- De acordo com as disposições do Código Civil, assinale a alternativa INCORRETA a respeito do
casamento.
a) Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados
houver contraído com outrem casamento civil.
b) O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil,
equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data
de sua celebração.
c) É nulo o casamento do o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa
de homicídio contra o seu consorte.
d) A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos,
emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
e) O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz,
a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal.
4- De acordo o Código Civil, é nulo o casamento contraído:
a) com vício da vontade.
b) pelas as pessoas casadas.
c) por incompetência da autoridade celebrante.
d) por de quem não completou a idade mínima para casar.
e) por incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento.
5- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA de acordo com o entendimento
jurisprudencial.
I – O “cúmplice” (amante) da esposa não tem o dever de indenizar o marido traído. Em que pese
o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, o
“cúmplice” da esposa infiel não é responsável a indenizar o marido traído, pois ele não era
obrigado, por lei ou contrato, a zelar pela incolumidade do casamento alheio. I

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421
II – A esposa infiel tem o dever de restituir ao marido traído os alimentos pagos por ele em favor
de filho criado pelo casal, quando a adúltera tenha ocultado do marido o fato de que a referida
criança era filha biológica sua e de seu “cúmplice” (amante).
III – A esposa que traiu pode ser condenada a indenizar por danos morais o marido traído em
hipóteses excepcionais, como o caso no qual, além de a traição ter ocorrido com um amigo do
cônjuge, houve o nascimento de uma criança registrada erroneamente como descendente do
marido, mas que era filho biológico do amante.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
6- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA a respeito da mutabilidade do
regime de bens no casamento.
I – A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que é possível a alteração do regime de bens,
mesmo nos matrimônios contraídos ainda sob a égide do CC/16.
II – Para haver a autorização judicial quanto à mudança do regime de bens, é necessária a
aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais
dívidas e de interesses de terceiros potencialmente atingidos.
III – O Código Civil não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do
prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se ter que analisar
indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
7- Assinale a alternativa CORRETA de acordo com o Código Civil.
a) As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser arguidas pelos parentes em
linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo
grau, sejam também consanguíneos ou afins.
b) Os impedimentos para o casamento podem ser opostos, até o momento da celebração do
casamento, por qualquer pessoa.
c) O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de
próprio punho, sendo vedada a habilitação por procuração.
d) A solenidade do casamento realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas
abertas, presentes pelo menos quatro testemunhas, parentes ou não dos contraentes.
e) Extingue-se, em dois anos, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos,
contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade.
8- De acordo com as disposições do Código Civil, assinale a alternativa INCORRETA.
a) Constituem concubinato as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de
casar.
b) A união estável não se constituirá se ocorrerem as causas suspensivas do casamento previstas
no Código Civil.
c) As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
d) Salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais na união
estável, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
e) É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família.
9- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.

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422
I – Na dissolução de entidade familiar, é possível o reconhecimento do direito de visita a animal
de estimação adquirido na constância da união, demonstrada a relação de afeto com o animal.
II – O casal não é obrigado a formular pedido extrajudicial antes de ingressar com ação judicial
pedindo a conversão da união estável em casamento.
III – No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios
entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime
estabelecido no art. 1.829 do Código Civil.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
10- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na dissolução de união estável, não é possível a partilha dos direitos de concessão de uso
para moradia de imóvel público.
II – O benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união
estável regida pela comunhão parcial de bens.
III – É de quatro anos o prazo de decadência para anular partilha de bens em dissolução de união
estável, por vício de consentimento (coação), nos termos do art. 178 do Código Civil.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.

COMENTÁRIOS

1. Gabarito: C
I – CORRETA – Segundo a jurisprudência do STJ (Info 614):

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. BENS E DIREITOS EM ESTADO


DE MANCOMUNHÃO (ENTRE A SEPARAÇÃO DE FATO E A EFETIVA PARTILHA).
PATRIMÔNIO COMUM ADMINISTRADO EXCLUSIVAMENTE POR EX-CÔNJUGE. 1. A
ação de prestação de contas tem por escopo aclarar o resultado da administração
de negócios alheios (apuração da existência de saldo credor ou devedor) e, sob a
regência do CPC de 1973, ostentava caráter dúplice quanto à sua propositura,
podendo ser deduzida tanto por quem tivesse o dever de prestar contas quanto pelo
titular do direito de exigi-las. O Novo CPC, por seu turno, não mais prevê a
possibilidade de propositura de ação para prestar contas, mas apenas a instauração
de demanda judicial com o objetivo de exigi-las (artigo 550). 2. Assim como
consagrado jurisprudencialmente sob a égide do CPC de 1973, o Codex de 2015
explicitou o dever do autor de, na petição inicial, especificar, detalhadamente, as
razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios
dessa necessidade, se existirem. São as causas de pedir remota e próxima, as quais
devem ser deduzidas, obrigatoriamente, na exordial, a fim de demonstrar a
existência de interesse de agir do autor. 3. Como de sabença, a administração do
patrimônio comum do casal compete a ambos os cônjuges (artigos 1.663 e 1720 do
Código Civil). Nada obstante, a partir da separação de fato ou de corpos (marco final
do regime de bens), os bens e direitos dos ex-consortes ficam em estado de
mancomunhão - conforme salienta doutrina especializada -, formando uma massa
juridicamente indivisível, indistintamente pertencente a ambos. 4. No presente caso,
consoante reconhecido na origem, a separação de fato do casal (que adotara o
regime de comunhão universal de bens) ocorreu em janeiro de 2000, tendo sido
decretada a separação de corpos em 05.05.2000, no âmbito de ação cautelar

420

423
intentada pela ex-esposa. Posteriormente, foi proposta ação de separação judicial
litigiosa que, em 19.04.2001, foi convertida em consensual. A divisão do acervo
patrimonial comum, por sua vez, foi objeto de ação própria, ajuizada em maio de
2001, processada sob a forma de inventário. Revela-se, outrossim, incontroverso
que os bens e direitos comuns do casal sempre estiveram sob a administração
exclusiva do ex-marido, que, em 27.11.2001, veio a assumir o encargo de
inventariante do patrimônio. 5. Em caráter geral, a jurisprudência desta Corte já
consagrou o entendimento de que a prestação de contas é devida por aqueles que
administram bens de terceiros, não havendo necessidade de invocação de qualquer
motivo para o interessado tomá-la. 6. No tocante especificamente à relação
decorrente do fim da convivência matrimonial, infere-se que, após a separação de
fato ou de corpos, o cônjuge que estiver na posse ou na administração do patrimônio
partilhável - seja na condição de administrador provisório, seja na de inventariante -
terá o dever de prestar contas ao ex-consorte. Isso porque, uma vez cessada a
afeição e a confiança entre os cônjuges, aquele titular de bens ou negócios
administrados pelo outro tem o legítimo interesse ao pleno conhecimento da forma
como são conduzidos, não se revelando necessária a demonstração de qualquer
irregularidade, prejuízo ou crédito em detrimento do gestor. 7. Recurso especial
provido para restabelecer a sentença de procedência. (REsp 1274639/SP, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe
23/10/2017)

II – INCORRETA – De acordo com o entendimento do STJ (Info 595):

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. MATRIMÔNIO CONTRAÍDO POR


PESSOA COM MAIS DE 60 ANOS. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS.
CASAMENTO PRECEDIDO DE LONGA UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE TAL IDADE.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O artigo 258, parágrafo único, II, do Código
Civil de 1916, vigente à época dos fatos, previa como sendo obrigatório o regime de
separação total de bens entre os cônjuges quando o casamento envolver noivo
maior de 60 anos ou noiva com mais de 50 anos. 2. Afasta-se a obrigatoriedade do
regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo
relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição
legal à escolha do regime de bens, visto que não há que se falar na necessidade de
proteção do idoso em relação a relacionamentos fugazes por interesse
exclusivamente econômico. 3. Interpretação da legislação ordinária que melhor a
compatibiliza com o sentido do art. 226, §3º, da CF, segundo o qual a lei deve facilitar
a conversão da união estável em casamento. 4. Recurso especial a que se nega
provimento. (REsp 1318281/PE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 07/12/2016)

III – CORRETA – Em consonância com o que já decidiu o STJ:

RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.


DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA
JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO
CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA
VINCULADA ESPECÍFICA. 1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela
mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio herdado de seu
pai não se inclui na comunhão. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade
em que afirmou se tratar de "direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos
empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente, que
pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas
(cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)". (ARE 709212, Relator (a): Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-
2015) 3. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Egrégia Terceira Turma

421

424
enfrentou a questão, estabelecendo que o FGTS é "direito social dos trabalhadores
urbanos e rurais", constituindo, pois, fruto civil do trabalho. (REsp 848.660/RS, Rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 13/05/2011) 4. O
entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do
trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem
o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a
formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges,
independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro
não. 5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos
durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja
realizado imediatamente à separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização
daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada
para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num
momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque,
seja possível a retirada do numerário. 7. No caso sob exame, entretanto, no tocante
aos valores sacados do FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se
referem a depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não
controvertem as partes. 8. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp
1399199/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 22/04/2016).

2. Gabarito: A
I – CORRETA – Segundo o STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE SOBREPARTILHA. PRETENSÃO DE PARTILHAR QUOTAS


SOCIAIS DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS ENTÃO PERTENCENTES AO VARÃO.
POSSIBILIDADE DE DIVISÃO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PARTICIPAÇÃO
SOCIETÁRIA (NÃO SE LHE CONFERINDO O DIREITO À DISSOLUÇÃO COMPULSÓRIA DA
SOCIEDADE, PARA TAL PROPÓSITO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A partir do
modo pelo qual a atividade profissional intelectual é desenvolvida - com ou sem
organização de fatores de produção - será possível identificar o empresário
individual ou sociedade empresarial; ou o profissional intelectual ou sociedade
uniprofissional. De se ressaltar, ainda, que, para a definição da natureza da
sociedade, se empresarial ou simples, o atual Código Civil apenas aparta-se desse
critério (desenvolvimento de atividade econômica própria de empresário) nos casos
expressos em lei, ou em se tratando de sociedade por ações e cooperativa, hipóteses
em que necessariamente serão empresária e simples, respectivamente. 1.1
Especificamente em relação às sociedades de advogados, que naturalmente
possuem por objeto a exploração da atividade profissional de advocacia exercida por
seus sócios, estas são concebidas como sociedade simples por expressa
determinação legal, independente da forma que como venham a se organizar
(inclusive, com estrutura complexa). 2. Para os efeitos perseguidos na presente ação
(partilha das quotas sociais), afigura-se despiciendo perquirir a natureza da
sociedade, se empresarial ou simples, notadamente porque, as quotas sociais -
comuns às sociedades simples e às empresariais que não as de ações - são dotadas
de expressão econômica, não se confundem com o objeto social, tampouco podem
ser equiparadas a proventos, salários ou honorários, tal como impropriamente
procedeu à instância precedente. Esclareça-se, no ponto, que a distinção quanto à
natureza da sociedade, se empresarial ou simples, somente teria relevância se a
pretensão de partilha da demandante estivesse indevidamente direcionada a bens
incorpóreos, como a clientela e seu correlato valor econômico e fundo de comércio,
elementos típicos de sociedade empresária, espécie da qual a sociedade de
advogados, por expressa vedação legal, não se insere. 3. Ante a inegável expressão
econômica das quotas sociais, a compor, por consectário, o patrimônio pessoal de
seu titular, estas podem, eventualmente, ser objeto de execução por dívidas
pessoais do sócio, bem como de divisão em virtude de separação/divórcio ou
falecimento do sócio. 3.1 Incasu, afigura-se incontroverso que a aquisição das quotas

422

425
sociais da sociedade de advogados pelo recorrido deu-se na constância do
casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Desse modo, se a
obtenção da participação societária decorreu naturalmente dos esforços e
patrimônios comuns dos então consortes, sua divisão entre os cônjuges, por ocasião
de sua separação, é medida de justiça e consonante com a lei de regência. 3.2
Naturalmente, há que se preservar o caráter personalíssimo dessas sociedades,
obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a terceiros que, nessa condição, não
detenham com o demais a denominada affectiosocietatis. Inexistindo, todavia, outro
modo de se proceder à quitação do débito ou de implementar o direito à meação ou
à sucessão, o direito destes terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e
herdeiros) são efetivados por meio de mecanismos legais (dissolução da sociedade,
participação nos lucros, etc) a fim de amealhar o valor correspondente à participação
societária. 3.3 Oportuno assinalar que o atual Código Civil, ao disciplinar a partilha
das quotas sociais em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da
separação judicial ou do divórcio, apenas explicitou a repercussão jurídica de tais
fatos, que naturalmente já era admitida pela ordem civil anterior. E, o fazendo,
tratou das sociedades simples, de modo a tornar evidente o direito dos herdeiros e
do cônjuge do sócio em relação à participação societária deste e, com o notável
mérito de impedir que promovam de imediato e compulsoriamente a dissolução da
sociedade, conferiu-lhes o direito de concorrer à divisão períodica dos lucros. 4.
Recurso especial provido, para, reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada
em comunhão universal de bens, à partilha do conteúdo econômico das quotas
sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe
conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinar
que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes
veiculadas no recurso de apelação. (REsp 1531288/RS, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 17/12/2015)

II – CORRETA – De acordo com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA À MEDIDA


PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA).
1. COMPETÊNCIA HÍBRIDA E CUMULATIVA (CRIMINAL E CIVIL) DO "JUIZADO"
ESPECIALIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AÇÃO
CIVIL ADVINDA DO CONSTRANGIMENTO FÍSICO E MORAL SUPORTADO PELA
MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E DOMÉSTICO. 2. POSTERIOR EXTINÇÃO DA MEDIDA
PROTETIVA. IRRELEVÂNCIA PARA EFEITO DE MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA. 3.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O art. 14 da Lei n. 11.340/2006 preconiza a
competência cumulativa (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher para o julgamento e execução das causas
advindas do constrangimento físico ou moral suportado pela mulher no âmbito
doméstico e familiar. 1.1 A amplitude da competência conferida pela Lei n.
11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo
magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a
mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações
civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só
tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder
Judiciário, e confere-lhe real proteção. 1.2. Para o estabelecimento da competência
da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações
de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família),
imprescindível que a correlata ação decorra (tenha por fundamento) da prática de
violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, por conseguinte,
apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23,
incisos III e IV; e 24, que assumem natureza civil. Tem-se, por relevante, ainda, para
tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a
situação de violência doméstica e familiar a que a demandante se encontre
submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das medidas protetivas

423

426
expressamente previstas na Lei n. 11.340/2006, sob pena de banalizar a
competência das Varas Especializadas. 2. Na espécie, a ação de divórcio foi
promovida em 16/6/2013, em meio à plena vigência de medida protetiva de
urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante
encontrava-se submetida, a ensejar a pretensão de dissolução do casamento. Por
consectário, a posterior extinção daquela (em 8/10/2013), decorrente de acordo
entabulado entre as partes, homologado pelo respectivo Juízo, afigura-se irrelevante
para o efeito de se modificar a competência. 3. Recurso Especial provido. (REsp
1496030/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado
em 06/10/2015, DJe 19/10/2015)

III – CORRETA – Conforme entendimento do STJ:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SEPARAÇÃO CONVERTIDA EM DIVÓRCIO. PARTILHA.


POSSIBILIDADE. BEM DOADO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. - Debate
sobre a comunicabilidade de doação de numerário para a quitação de imóvel
adquirido pela recorrente, em casamento regido pela comunhão parcial de bens. - O
regime de comunhão parcial de bens tem, por testa, a ideia de que há
compartilhamento dos esforços do casal na construção do patrimônio comum,
mesmo quando a aquisição do patrimônio decorre, diretamente, do labor de apenas
um dos consortes. - Na doação, no entanto, há claro descolamento entre a aquisição
de patrimônio e uma perceptível congruência de esforços do casal, pois não se
verifica a contribuição do não-donatário na incorporação do patrimônio. - Nessa
hipótese, o aumento patrimonial de um dos consortes prescinde da participação
direta ou indireta do outro, sendo fruto da liberalidade de terceiros, razão pela qual,
a doação realizada a um dos cônjuges, em relações matrimonias regidas pelo regime
de comunhão parcial de bens, somente serão comunicáveis quando o doador
expressamente se manifestar neste sentido e, no silêncio, presumir-se-á feitas
apenas ao donatário. - Recurso provido com aplicação do Direito à espécie, para
desde logo excluir o imóvel sob tela, da partilha do patrimônio, destinando-o,
exclusivamente à recorrente. (REsp 1318599/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 02/05/2013)

3. Gabarito: E
a) Correta, segundo o art. 1.516. § 3º, CC:

Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos


exigidos para o casamento civil.

(...)

§3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos
consorciados houver contraído com outrem casamento civil.

b) Correta, segundo o art. 1.515, CC: “O casamento religioso, que atender às exigências da lei
para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio,
produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.”
c) Correta, segundo o art. 1.548, CC: “É nulo o casamento contraído: I - (Revogado); II - por
infringência de impedimento.”

Art. 1.521, CC. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

424

427
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau


inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte.

d) Correta, segundo o art. 1.512, parágrafo único do CC: “A habilitação para o casamento, o
registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja
pobreza for declarada, sob as penas da lei.”
e) Incorreta, segundo o art. 1.514, CC. “O casamento se realiza no momento em que o homem
e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz
os declara casados.”
4. Gabarito: B

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I - (Revogado);

II - por infringência de impedimento.

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau


inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte.

Art. 1.550. É anulável o casamento:

I - de quem não completou a idade mínima para casar;

II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

425

428
V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da
revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI - por incompetência da autoridade celebrante.

5. Gabarito: C
I – CORRETA
II – INCORRETA
III – CORRETA
Segue julgado do STJ sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS.


ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE.
OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA
CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR
INDENIZATÓRIO. 1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua
subsistência são irrepetíveis. 2. O elo de afetividade determinante para a assunção
voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na
constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo
ao longo do período de convivência. 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges
é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não
pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal. 4. O
cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho
gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do
companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da
vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida. 5. A família é o
centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88)
devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos
seus membros. 6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por
representar solução coerente com o sistema. 7. Recurso especial do autor
desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo
corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o
autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios. (REsp
922.462/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado
em 04/04/2013, DJe 13/05/2013)

6. Gabarito: A
I – CORRETA
II – CORRETA
III – CORRETA
Segue julgado do STJ a respeito do tema

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE


1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO
ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA
QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES.
RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM
PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE
DIREITOS DE TERCEIROS. 1. O casamento há de ser visto como uma manifestação
vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida
a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade
e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um
recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de
"asilo inviolável". 2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639,
§ 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas
concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se

426

429
esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes. 3.
No caso em exame, foi pleiteada a alteração do regime de bens do casamento dos
ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição de sociedade de
responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é
acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a
empreitada do marido. A divergência conjugal quanto à condução da vida financeira
da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens,
divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um
dos cônjuges ambiciona everedar-se por uma nova carreira empresarial, fundando,
como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial
haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal.
4. Portanto, necessária se faz a aferição da situação financeira atual dos cônjuges,
com a investigação acerca de eventuais dívidas e interesses de terceiros
potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade (Enunciado n. 113 da I
Jornada de Direito Civil CJF/STJ). 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp
1119462/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
26/02/2013, DJe 12/03/2013).

7. Gabarito: E
a) Correta, segundo o art. 1.524, CC: “As causas suspensivas da celebração do casamento podem
ser arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e
pelos colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins.”
b) Incorreta, segundo o art. 1.522, CC: “Os impedimentos podem ser opostos, até o momento
da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz.”
c) Incorreta, segundo o art. 1.525, CC: “O requerimento de habilitação para o casamento será
firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser
instruído com os seguintes documentos: (...)”
d) Incorreta, segundo o art. 1.534, CC: “A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com toda
publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos
contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, noutro edifício
público ou particular.”
e) Incorreta, segundo o art. Art. 1.560, § 1º, CC:

Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, a contar da
data da celebração, é de:

§1º Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos


menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa
idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes.

8. Gabarito: B
a) Correta, segundo o art. 1.727, CC: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato.”
b) Incorreta, segundo o art. 1.723, § 1º, CC: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente.”
“§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.”
c) Correta, segundo o art. 1.724, CC: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão
aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”
d) Correta, segundo o art. 1.725, CC: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial
de bens.”

427

430
e) Correta, segundo o art. 1.723, CC: “É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
9. Gabarito: A
I – CORRETA – Em consonância com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE


ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO
DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A
DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer
alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de
estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao
contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve
questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação
ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento
constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao
definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte,
objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo
dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de
direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação,
recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a
ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia
possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos
em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada.
Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para
resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não
se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a
guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de
direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito
dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação,
notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do
filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais
a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode,
simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de
estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e
da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que
prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve
perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais
precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que,
inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de
sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais
racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução
da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação,
independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá
buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando
para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu
vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que
a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a
relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu
direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido.
(REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 19/06/2018, DJe 09/10/2018)

II – CORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

428

431
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM
CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA
ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. O
propósito recursal é reconhecer a existência de interesse de agir para a propositura
de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a possibilidade
de tal procedimento ser efetuado extrajudicialmente. Os arts. 1726, do CC e 8º, da
Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão
de união estável em casamento exclusivamente pela via administrativa. A
interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da Constituição
Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais conveniente para
o pedido de conversão de união estável em casamento. Recurso especial conhecido
e provido. (REsp 1685937/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 17/08/2017, DJe 22/08/2017

III – CORRETA – Conforme o entendimento fixado pelos tribunais superiores:

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva.
Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a
“inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas
de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a
união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas
consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres
Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os
cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada
por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com
a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis
nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro),
dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao
marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana,
da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do
retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento
ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido
trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda
não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em
repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do
CC/2002”. (RE 646721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017)

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins
sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo
casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades
familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do
Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira
(ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à
esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da
dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da

429

432
vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o
entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não
tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais
em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário.
Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no
art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878694, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal
Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018
PUBLIC 06-02-2018)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS


SUCESSÕES. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INCONSTITUCIONALIDADE. STF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ART.

1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA,


PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO AO
RETROCESSO. APLICABILIDADE. 1. No sistema constitucional vigente é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do
CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento
sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e 878.694). 2.
O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do companheiro ou
cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002 ofende frontalmente
os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade e da vedação
ao retrocesso. 3. Ausência de razoabilidade do discrímen à falta de justo motivo no
plano sucessório. 4. Recurso especial provido. (REsp 1332773/MS, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe
01/08/2017)

10. Gabarito: D
I – INCORRETA – Segundo já decidiu o STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO


ESTÁVEL. PARTILHA DE DIREITOS SOBRE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO.
POSSIBILIDADE. 1. Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos
de concessão de uso para moradia de imóvel público. 2. Os entes governamentais
têm-se valido da concessão de uso como meio de concretização da política
habitacional e de regularização fundiária, conferindo a posse de imóveis públicos
para a moradia da população carente. 3. A concessão de uso de bens para fins de
moradia, apesar de, por ela, não se alterar a titularidade do imóvel e ser concedida,
em regra, de forma graciosa, possui, de fato, expressão econômica, notadamente
por conferir ao particular o direito ao desfrute do valor de uso em situação desigual
em relação aos demais particulares. Somado a isso, verifica-se, nos normativos que
regulam as referidas concessões, a possibilidade de sua transferência, tanto por ato
inter vivos como causa mortis, o que também agrega a possibilidade de ganho
patrimonial ao menciionado direito. 4. Na hipótese, concedeu-se ao casal o direito
de uso do imóvel. Consequentemente, ficaram isentos dos ônus da compra da casa
própria e dos encargos de aluguéis, o que, indubitavelmente, acarretou ganho
patrimonial extremamente relevante. 5. Recurso especial não provido. (REsp
1494302/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
13/06/2017, DJe 15/08/2017)

II – CORRETA – De acordo com a jurisprudência:

430

433
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.
COMUNHÃO PARCIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MODALIDADE FECHADA.
CONTINGÊNCIAS FUTURAS. PARTILHA. ART. 1.659, VII, DO CC/2002. BENEFÍCIO
EXCLUÍDO. MEAÇÃO DE DÍVIDA. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECLUSÃO
CONSUMATIVA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO. 1. Cinge-se a controvérsia a identificar
se o benefício de previdência privada fechada está incluído dentro no rol das
exceções do art. 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é verba excluída da partilha em
virtude da dissolução de união estável, que observa, em regra, o regime da
comunhão parcial dos bens. 2. A previdência privada possibilita a constituição de
reservas para contigências futuras e incertas da vida por meio de entidades
organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social.
3. As entidades fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos,
disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos
empregados ou grupo de empresas aos quais estão atrelados e não se confundem
com a relação laboral (art. 458, § 2º, VI, da CLT). 4. O artigo 1.659, inciso VII, do
CC/2002 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos,
montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da previdência
complementar fechada. 5. O equilíbrio financeiro e atuarial é princípio nuclear da
previdência complementar fechada, motivo pelo qual permitir o resgate antecipado
de renda capitalizada, o que em tese não é possível à luz das normas previdenciárias
e estatutárias, em razão do regime de casamento, representaria um novo parâmetro
para a realização de cálculo já extremamente complexo e desequilibraria todo o
sistema, lesionando participantes e beneficiários, terceiros de boa-fé, que assinaram
previamente o contrato de um fundo sem tal previsão. 6. Na partilha, comunicam-
se não apenas o patrimônio líquido, mas também as dívidas e os encargos existentes
até o momento da separação de fato. 7. Rever a premissa de falta de provas aptas a
considerar que os empréstimos beneficiaram a família, demanda o revolvimento do
acervo fático-probatório dos autos, o que atrai o óbice da Súmula nº 7 deste Superior
Tribunal. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1477937/MG, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe
20/06/2017)

III – CORRETA – Segundo a jurisprudência:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PARTILHA POR COAÇÃO. DISSOLUÇÃO


DE UNIÃO ESTÁVEL. PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS. ART. 178 DO CÓDIGO
CIVIL. SEGURANÇA JURÍDICA. 1. É de quatro anos o prazo de decadência para anular
partilha de bens em dissolução de união estável, por vício de consentimento
(coação), nos termos do art. 178 do Código Civil. 2. Não houve alterações de ordem
jurídico-normativa, com o advento do Código Civil de 2002, a justificar alteração da
consolidada jurisprudência dos tribunais superiores, com base no Código Civil de
1916, segundo a qual a anulação da partilha ou do acordo homologado judicialmente
na separação consensual regulava-se pelo prazo prescricional previsto no art. 178, §
9º, inciso V, e não aquele de um ano preconizado pelo art. 178, § 6º, V, do mesmo
diploma. Precedentes do STF e do STJ. 3. É inadequada a exegese extensiva de uma
exceção à regra geral - arts. 2.027 do CC e 1.029 do CPC/73, ambos inseridos,
respectivamente, no Livro "Do Direito das Sucessões" e no capítulo intitulado "Do
Inventário e Da Partilha" - por meio da analogia, quando o próprio ordenamento
jurídico prevê normativo que se amolda à tipicidade do caso (CC, art. 178). 4. Pela
interpretação sistemática, verifica-se que a própria topografia dos dispositivos
remonta ao entendimento de que o prazo decadencial ânuo deve se limitar à seara
do sistema do direito das sucessões, submetida aos requisitos de validade e
princípios específicos que o norteiam, tratando-se de opção do legislador a definição
de escorreito prazo de caducidade para as relações de herança. 5. Recurso especial
provido. (REsp 1621610/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 07/02/2017, DJe 20/03/2017)

431

434
CAPÍTULO 9 – DIREITO DAS SUCESSÕES

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS SUCESSÕES

O estudo do direito das sucessões requer algumas considerações iniciais, que se


justificam para o próprio entendimento da razão de ser desse ramo do direito. Tratando do
tema, Francisco Cahali e Giselda Hironaka discorrem sobre as origens do direito sucessório,
afirmando que

no início da socialização dos indivíduos, em tempos remotos, não existindo a


propriedade individual, mas coletiva, em que grupos ou núcleos sociais eram
titulares de bens, esvaziava-se o conteúdo do direito sucessório, na medida em que
a morte de uma pessoa não alterava a situação jurídica do patrimônio (CAHALI e
HIRONAKA, 2007, p. 20).

Assim, foi a individualização da propriedade, com a possibilidade de exercício individual


da sua titularidade, que fez ganhar espaço o instituto da sucessão hereditária. Isto porque, com
a morte do titular de uma propriedade, agora individual e não mais coletiva, era preciso
determinar para quem iriam os bens deixados. Começou, então, uma ampla discussão filosófica
e jurídica a respeito dos fundamentos e delineamentos da sucessão por morte.
Poder-se-ia fazer aqui um histórico dessa evolução do tratamento do direito das
sucessões, levantando-se dados quanto aos fundamentos religiosos, filosóficos e até políticos
usados, em cada época, para a resolução de pendências decorrentes da sucessão por morte.
Todavia, para os fins propostos por esse trabalho, importa colocar que os ordenamentos
jurídicos, em sua grande maioria, têm considerado o direito sucessório, prestigiando, assim, a
propriedade privada, inclusive em harmonia com o interesse social, de forma que, na atualidade,
o grande fundamento para a previsão do direito sucessório nas legislações de cada país é o
direito de propriedade.
Em sendo assim, fomenta-se a aquisição de patrimônio em vida, com a certeza de que,
no caso de morte, aquele patrimônio amealhado será transmitido aos herdeiros e, em alguns
casos, para as pessoas indicadas pelo falecido.
Para alguns doutrinadores, entretanto, não se poder limitar o fundamento do direito
das sucessões à propriedade. Para eles, a própria ideia de família faz justificar a transmissão
hereditária, sendo certo que essa possibilidade de transmissão teria verdadeira função social no
seio familiar. Por isso, seriam fundamentos para o direito sucessório, tanto a propriedade como
a família.
Independentemente dos fundamentos que se busque utilizar para justificar o direito
sucessório, o certo é que nossa legislação pátria traz disciplina expressa acerca da transmissão
de patrimônio em decorrência da morte. Se essa transmissão ocorre em razão da proteção da
família ou em decorrência de outros valores, o que não se pode negar é que está atrelada à
existência de patrimônio, sendo este fator essencial para incidência de todas as normas que se
enquadram no direito das sucessões.
No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 resguarda o direito à sucessão,
tratando desse direito de forma expressa. Sobre essa previsão, Carnacchioni adverte que “o
direito à herança está previsto como garantia essencial na Constituição Federal. Trata-se de
direito fundamental, previsto no art. art. 5º, XXX e XXI, da Constituição Federal”
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1640).
O Código Civil de 2002 trouxe importantes alterações no campo do direito das
sucessões, em especial quando suas normas são interpretadas à luz dos princípios gerais que
norteiam o referido código, quais sejam: da socialidade, da eticidade e da operabilidade, estes

432

435
sempre em consonância com o princípio constitucional maior da dignidade da pessoa humana,
pelo qual temos que qualquer interpretação deve considerar a pessoa humana no centro de
todo agir e o patrimônio a serviço daquela.
Como veremos, há importantes mudanças introduzidas pelo CC/02 na parte referente
ao Direito das Sucessões, ficando, desde um primeiro momento, clara essa alteração quando
notamos a ampliação do número de capítulos do Título I – Da Sucessão em Geral.
Se confrontarmos o CC/02 com o anterior, constataremos que, enquanto o CC de 1916,
tratava da matéria em cinco capítulos, o atual dedica sete capítulos a essa disciplina.
No entanto, como dito, a principal mudança é a forma de interpretação da nova
disciplina do direitos das sucessões, a partir desse olhar voltado para a dignidade do ser humano
e não propriamente para o patrimônio.
O direito das sucessões disciplina a substituição do sujeito em relação jurídica de
natureza patrimonial porque o titular do direito (subjetivo ou potestativo) ou dever jurídico veio
a óbito. Tal sub-rogação subjetiva causa mortis (substituição de sujeitos) pressupõe a morte do
titular (CARNACCHIONI, 2018, p. 1640).
Vê-se, desde já, que esse ramo do direito trata apenas da sucessão em decorrência do
falecimento de alguém, que como veremos, poderá ser real ou presumido. Na parte geral do
Direito Civil, são estudadas as formas de morte, como fim da personalidade da pessoa natural.
Estuda-se, então, que essa morte, nos termos do artigo 6º/CC, pode ser real ou presumida,
sendo que a morte presumida ou ficta pode ser com ou sem decretação de ausência. Em todas
essas hipóteses, uma vez declarada a morte (real ou presumida), haverá a transmissão do
patrimônio.
No caso da morte presumida com decretação de ausência, como estudado na parte
geral, existe todo um trâmite do processo para resguardo do patrimônio, para a hipótese da
pessoa retornar. Por isso, há prazos que devem ser respeitados. No caso do ausente, como
exposto na parte geral, a pessoa que desapareceu somente é considerada morta por presunção
após a abertura da sucessão definitiva.

1.2. ABERTURA DA SUCESSÃO

Com a morte de alguém, há imediata abertura da sucessão relativamente aos bens e


obrigações de que era o morto titular. A ideia é que não haja nenhum intervalo entre a morte e
a transferência da titularidade dos bens deixados pelo falecido. Essa imediata transferência do
domínio dos bens do de cujus aos herdeiros provoca algumas consequências, que poderíamos
elencar da seguinte forma:
- a análise da capacidade para suceder deve ser feita no momento da abertura da
sucessão;
- o valor dos bens do acervo deixado pelo falecido, inclusive para cálculo da legítima, é
analisado no momento da morte do autor da herança. O cálculo do montante é, por
conseguinte, feito no momento da morte, que é quando ocorre a transmissão da propriedade;
- a morte de um herdeiro, ainda que um segundo após a do autor da herança, faz com
que ele suceda, havendo, assim, transmissão da herança. Vê-se, então, que para que haja essa
transferência é necessário sobreviver ao autor da herança, ainda que a ocorra a morte na
sequência. A análise é sempre feita no exato momento da morte do autor da herança. Quem
estava vivo naquele exato momento pode sucedê-lo, ainda que morra na sequência. Ressalte-
se, aqui, que como veremos, pode ocorrer de não ser possível a constatação de qual morte
precedeu a outra, hipótese em que podem ser aplicados os efeitos da comoriência;

433

436
- o legatário também recebe a propriedade dos bens individualizados, porém a posse é
apenas indireta.

1.3. DIREITO DAS SUCESSÕES E O PRINCÍPIO DE SAISINE

Suceder significa ocupar o lugar que antes era ocupado por outro. No caso do direito
das sucessões, estamos tratando da sucessão da titularidade de um patrimônio em decorrência
da morte de seu antigo titular. Assim, o emprego da palavra sucessão, no nosso campo de
estudo, refere-se a essa transmissão do patrimônio apenas em razão da morte. Outra ou outras
pessoas passam a ocupar o lugar que outrora era ocupado pelo falecido.
Nessa ideia de transmissão, merece destaque o disposto no artigo 1.784/CC, segundo o
qual “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários”.
Trata-se, na hipótese, do princípio de saisine, segundo o qual, com a morte do autor da
herança, a transmissão do patrimônio é imediata aos herdeiros legítimos e testamentários,
sendo o posterior processo de inventário apenas um meio de regularizar essa transmissão que
já ocorreu no exato momento da morte.
O princípio de saisine faz com que o inventário tenha um intuito ou natureza meramente
declaratória, pois já houve a transmissão com a morte. O inventário simplesmente regulariza a
situação. Com isso, temos que há continuidade da titularidade da dos bens que compõem a
herança. Em outras palavras, em nenhum momento, a herança fica sem titular (CARNACCHIONI,
2018, p. 1642).
Essa transferência de titularidade acontece de forma imediata para os herdeiros e
legítimos e testamentários. Quanto ao legatário, temos que ele recebe, desde a abertura da
sucessão, a propriedade dos bens individualizados que lhe foram destinados, mas a posse
dependerá da solvência do espólio (art. 1.923/CC).

1.4. ESPÉCIES DE SUCESSÕES

O estudo das espécies de sucessões leva, por via de consequência, à análise das espécies
de herdeiros. Assim, temos como espécies de sucessões:
• sucessão a título universal: ocorre quando uma pessoa morre e os sucessores
assumem a posição jurídica desse falecido, denominado autor da herança. Os
sucessores, no caso, investem-se totalmente nos direitos que são transmitidos
em face da morte do titular. Isto é, há transferência da totalidade dos direitos e
obrigações relacionados ao patrimônio do falecido, de forma que esses
herdeiros sub-rogam se na posição do falecido, em relação à totalidade do
patrimônio ou parte ideal dele. Diferentemente do que ocorre na sucessão a
titulo particular, que veremos no tópico seguinte, nesse tipo de sucessão, o
patrimônio daquele que morreu será transmitido como um todo ao seu(s)
sucessor(es), o que significa dizer que abarcará o ativo e passivo. Os sucessores
a título universal são, dessa forma, denominados herdeiros, pois recebem, no
todo ou em parte, a herança, considerada essa uma universalidade que abrange
eventuais créditos e também débitos e obrigações;
• sucessão a título singular ou particular: ocorre quando o beneficiário é
chamado a suceder um(ns) bem(ns) determinado(s), individualizado(s), que
pode ser bem móvel, imóvel, créditos ou direitos. Nesse tipo de sucessão, o
falecido, em vida, por manifestação de última vontade, deixa o(s) bem(ns), de
forma individualizada, ao(s) beneficiário(s), valendo-se, para tanto, de um

434

437
testamento. Nessa hipótese, o sucessor, a título singular, é chamado de
legatário, sendo que o bem ou bens deixados constituem o denominado legado.
Como visto, o legatário sucede ao falecido a título singular, de modo que o bem
deixado é determinado, certo e individualizado, incorporando-se ao patrimônio
do legatário;
• sucessão legítima: é aquela que decorre da lei, a qual enuncia, então, a ordem
a ser observada na vocação hereditário;
• sucessão testamentária: decorre da possibilidade de disposição de patrimônio.
Assim, nesse tipo de sucessão, ter-se-á um testamento, o qual se configura
como ato de última vontade do falecido. Há uma voluntariedade expressada em
testamento, codicilo ou legado.
É preciso dizer que é possível que ocorram, simultaneamente, a sucessão legítima e a
testamentária, bem como alguns sucessores recebam bens a título universal e outros recebam
bens individualizados. Como exemplo, podemos citar a hipótese do autor da herança deixar
testamento, individualizando bens que ficarão para determinadas pessoas, e , a par disso,
também houver herdeiros necessários. Esses herdeiros necessários sucederão a título universal
enquanto os beneficiários do testamento herdarão a título individual.

1.5. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E CLASSIFICAÇÃO DOS HERDEIROS

A ordem vocacional ou vocação hereditária diz respeito à ordem estabelecida pela lei a
ser observada na sucessão hereditária, ou seja, na sucessão aberta que não decorre de
testamento. Essa ordem refere-se aos herdeiros, que sucedem o falecido a título universal. Eles
serão, assim, chamados, uns na falta dos outros em ordem preferencial, podendo, em alguns
casos, conforme expressa previsão legal, existir concorrência entre eles.
Então, esse chamamento será feito consoante uma ordem estabelecida em lei,
denominada ordem de vocação hereditária. Esse chamamento é feito por classes, sendo que a
mais próxima exclui a mais remota.
O artigo 1.829/CC trata da ordem preferencial, estabelecendo in verbis:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado


este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Sobre essa ordem de vocação hereditária, é importante destacar que o STF, no


julgamento do Recurso Extraordinário nº 646.721 e do Recurso Extraordinário nº 878.694,
afastou qualquer diferença de tratamento na sucessão de bens de cônjuges e companheiros.
Assim, no artigo transcrito, onde se lê cônjuge, deve-se fazer igual interpretação para o
companheiro.
Nessa ordem preferencial, é possível extrair diferentes tipos de herdeiros, a saber:
aqueles ditos necessários e outros chamados de facultativos.

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438
Disso resulta, uma classificação importante quanto aos sucessores do falecido:
• herdeiros legítimos necessários: são aqueles que têm a seu favor a proteção da
“legítima”. Essa legítima é constituída por metade do patrimônio do autor da
herança e se caracteriza pela sua indisponibilidade. Carnacchioni explica que o
fundamento histórico da legítima é a proteção do patrimônio em favor de
pessoas próximas ao autor da herança (CARNACCHIONI, 2018, p. 1642). O
cálculo da legítima é feito com base nos bens da época da abertura da sucessão
(morte do de cujos). Sendo assim, para fins de legítima e proteção dos herdeiros
necessários, calcula-se o que corresponde à metade dos bens do falecido no
momento da morte do autor da herança. O resultado desse cálculo será a parte
indisponível. Porém, é preciso destacar que nesse cálculo, considerar-se-ão os
bens sujeitos à colação, que o herdeiro eventualmente recebeu, sendo
considerado adiantamento de herança. Ou seja, os bens recebidos como
antecipação da legítima retornarão ao acervo total para fins de cálculo da
legítima. Conforme estatui o art. 1.789/CC, se houver herdeiros necessários, o
autor da herança só pode dispor de metade da herança, ficando a outra
indisponível. Já o art. 549 do CC diz que é nula a doação na parte que exceder à
legítima. São herdeiros necessários: ascendentes, descendentes e cônjuge e
companheiro (esse em decorrência dos julgados do STF);
• herdeiros legítimos facultativos: são considerados herdeiros facultativos
aqueles que, não obstante previstos em lei na vocação hereditária, não estão
protegidos pela legítima, podendo, por conseguinte, ser preteridos por força de
testamento. Assim é que, não tendo herdeiros necessários, pode o autor da
herança dispor de todo seu patrimônio em testamento, hipótese em que
preterirá os eventuais herdeiros facultativos acaso existentes. Se, por outro
lado, não tendo herdeiros necessários e não deixando testamento, os bens
deixados passarão a esses herdeiros facultativos. São herdeiros facultativos:
colaterais até o 4º grau. Ainda tendo em conta os possíveis herdeiros, temos a
classificação que considera aqueles instituídos por testamentos. São eles:
o herdeiros testamentários: são aqueles indicados como beneficiários da
herança por disposição de última vontade. É importante destacar que
os herdeiros testamentários podem ser aqueles que já são
estabelecidos em lei, ou seja, aqueles considerados herdeiros legítimos.
Como o autor da herança pode dispor de metade dos bens (na hipótese
de ter herdeiros necessários), segue-se que pode pretender deixar para
os herdeiros legítimos uma parcela diferenciada daquela instituída em
lei, e poderá fazer isso através do testamento. Por meio de testamento,
o autor da herança deixa para o herdeiro testamentário parcela do
patrimônio, não identificando exatamente quais bens serão
transmitidos. A transmissão se faz, assim, de percentual do patrimônio
total;
o legatários: os legatários também são herdeiros beneficiados pela
liberalidade do autor da herança, que pode dispor de metade dos bens,
quando tem herdeiros necessários, e da totalidade, quando não há
herdeiros necessários. Porém, diferentemente do que ocorre no
testamento, no legado, o autor da herança deixa para o legatário um
bem determinado, certo e individualizado, e a título singular.
Ainda em relação aos herdeiros, é importante destacar quem são os legitimados a
suceder. A legitimação é uma capacidade especial para um determinado ato. Neste caso, o ato
é a sucessão.

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O art. 1.798 diz que são legitimados a suceder:
- pessoas nascidas;
- pessoas já concebidas no momento da abertura da sucessão, ou seja, da morte
(nascituro);
Sobre o nascituro, temos que a maior parte da doutrina defende a teoria natalista
quanto ao início da personalidade, de forma a considerar que só com o nascimento com vida,
temos o início da personalidade civil. Não obstante, a própria lei põe a salvo os direitos do
nascituro. Assim é que o nascituro pode receber herança, que constituirá um direito condicional.
Está condicionado ao nascimento com vida. Para os natalistas, assim, caso o nascituro não venha
a nascer com vida, não haverá transferência da herança e, com isso, o direito sucessório não se
perfaz. É como se nunca o nascituro nunca tivesse existido.
Por isso, Flávio Tartuce esclarece em sua obra ter mudado de posicionamento sobre o
tema. Ele esclarece que

estamos inclinados a entender que ao nascituro devem ser reconhecidos direitos


sucessórios desde a concepção, o que representa a atribuição de uma personalidade
civil plena a tal sujeito de direito (...) pensar o contrário parece representar um
resquício da teoria natalista, que nega personalidade ao nascituro. De qualquer
modo, pontue-se que o entendimento majoritário continua sendo no sentido de que
o nascituro somente terá direitos sucessórios se nascer com vida, pendendo uma
condição para tal reconhecimento (TARTUCE, 2020, p. 2193).

Existe uma discussão na doutrina a respeito dessa regra, quanto a ela se estender ou
não aos embriões, havidos por meio de técnica de reprodução assistida.
Não existe entendimento pacífico. Flávio Tartuce entende que devem ser estendidos aos
embriões, reproduzidos por meio de técnica de reprodução assistidas, as mesmas regras
deferidas aos nascituros. Para reforçar seu posicionamento, cita que

o Enunciado n. 267 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, de autoria do jurista


Guilherme Calmon Nogueira da Gama: “a regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser
estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução
assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos
efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança
(TARTUCE, 2020, p. 2194).

Essa é uma temática nova que ainda não teve o devido enfrentamento.
O art. 1.799/CC diz que na sucessão testamentária ainda podem ser chamados a suceder
os filhos, mesmo que não concebidos de pessoas indicadas pelo testador (prole eventual), desde
que estas estejam vivas ao tempo da sucessão.
Esse comando legal estabelece, então, que o autor da herança poderá deixar herança
para uma prole eventual de outrem. Ex.: o autor da herança deixa uma casa de praia para o
primeiro filho de João e Maria.
No entanto, se decorridos 2 anos após a abertura da sucessão, o herdeiro não for
concebido, os bens reservados, salvo se houver uma disposição diversa, caberão aos herdeiros
legítimos.
Por outro lado, o art. 1.801/CC diz que não podem ser nomeados herdeiros ou
legatários, ou seja, não têm legitimação sucessória:
- as pessoas que, a rogo, tenham escrito o testamento, nem mesmo o cônjuge ou
companheiro, ascendentes, descendentes ou irmãos dessa pessoa;

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- as testemunhas do testamento;
- o concubino do testador casado (lembrando que o concubinato refere-se à união com
impedimento), salvo se estivesse separado de fato, pois, neste caso, não haveria concubinato, e
sim união estável;
- o tabelião civil ou militar, ou comandante ou escrivão, perante o que se fizer ou se
aprovar o testamento.

1.6. DIFERENÇAS ENTRE HERANÇA E LEGADO

Vimos a distinção entre a sucessão a título universal e a título singular, bem como
diferenciamos os tipos de herdeiros, elencando, ainda, o legatário.
Importa, então, deixar claras as diferenças entre a herança e o legado, conceitos que
estão diretamente ligados aos tipos de herança e de sucessores causa mortis.
Pois bem, a herança é uma universalidade de bens e direitos, os quais, com a morte do
autor da herança, permanecem indivisos até a sua individuação pela partilha. Ou seja, somente
com a efetiva partilha é que haverá individualização dos bens para cada herdeiro. Já no legado,
os bens deixados para o legatário são certos e determinados. Assim é que quem recebe herança
sucede a título universal, enquanto quem recebe o legado sucede a título singular, coisa certa e
individuada.
Por conseguinte, quem recebe herança é denominado herdeiro e quem recebe legado
é chamado de legatário.

1.7. PROCEDIMENTO PREVISTO NO NCPC PARA O DIREITO DAS SUCESSÕES

O Código de Processo Civil prevê regras procedimentais quanto ao direito sucessório, a


par da disciplina prevista no Código Civil.
O art. 1.785 do Código Civil diz que a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do
falecido. Ou seja, este último domicílio é o competente para o processamento do inventário.
O NCPC, no seu art. 48, estabelece que o foro do domicílio do autor da herança é o
competente para inventário, partilha, arrecadação dos bens e de cumprimento das disposições
de última vontade do autor da herança.
O foro do domicílio de autor da herança é também competente para apreciar
impugnação, pedido de anulação de partilha extrajudicial e para toda e qualquer ação para que
o espólio seja réu, ainda que o óbito tenha ocorrido em lugar diferente ou no estrangeiro.
O parágrafo único do art. 48 do NCPC diz que, se o autor da herança não possuía
domicílio certo, a competência será de onde se encontram os bens imóveis. Caso haja bens
imóveis em diferentes foros, qualquer um deles será competente para o processamento do
inventário.
Não havendo bens imóveis, o foro competente será o foro de qualquer dos bens do
espólio.
Nos casos de sucessão, envolvendo estrangeiro ou bens situados no exterior, existem
regras específicas que devem ser observadas. Com efeito, diz o art. 10 da LINDB que a sucessão
obedece à lei do país em que domiciliado o defunto, ainda que este defunto não esteja
domiciliado no Brasil. Complementando essa disposição legal, a sucessão de bens situados no
Brasil será regulada pela lei brasileiro, desde que em benefício do cônjuge ou filhos brasileiros.

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441
O art. 23, II, NCPC diz que compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de
qualquer outra, proceder a confirmação do testamento particular e inventário e partilha de bens
situados no Brasil. O caso é de competência absoluta.
Para evitar confusão, lembremos que a regra do artigo 23 do NCPC refere-se à
competência para processamento do inventário, enquanto a regra do artigo 10 da LINDB refere-
se à qual lei será aplicada para solução de transmissão de bens deixados por estrangeiro. Em
outras palavras, ainda que determinada a competência da justiça brasileira, conforme
regramento do artigo 23, II do NCPC, é possível que seja aplicável legislação estrangeira mais
benéfica ao cônjuge e/ou filhos brasileiros.

1.8. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

1.8.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO CAUSA MORTIS E REGIME DE


COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.

O cônjuge sobrevivente casado sob o regime de comunhão parcial de bens


concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido apenas quanto aos bens
particulares eventualmente constantes do acervo hereditário. O art. 1.829, I, do CC
estabelece que o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido,
salvo se casado: i) no regime da comunhão universal; ou ii) no da separação
obrigatória de bens (art. 1.641, e não art. 1.640, parágrafo único); ou, ainda, iii) no
regime da comunhão parcial, quando o autor da herança não houver deixado bens
particulares. Com isso, o cônjuge supérstite é herdeiro necessário, concorrendo com
os descendentes do morto, desde que casado com o falecido no regime: i) da
separação convencional (ou consensual), em qualquer circunstância do acervo
hereditário (ou seja, existindo ou não bens particulares do falecido); ou ii) da
comunhão parcial, apenas quando tenha o de cujus deixado bens particulares, pois,
quanto aos bens comuns, já tem o cônjuge sobrevivente o direito à meação, de modo
que se faz necessário assegurar a condição de herdeiro ao cônjuge supérstite apenas
quanto aos bens particulares. Dessa forma, se o falecido não deixou bens
particulares, não há razão para o cônjuge sobrevivente ser herdeiro, pois já tem a
meação sobre o total dos bens em comum do casal deixados pelo inventariado,
cabendo a outra metade somente aos descendentes deste, estabelecendo-se uma
situação de igualdade entre essas categorias de herdeiros, como é justo. Por outro
lado, se o falecido deixou bens particulares e não se adotar o entendimento ora
esposado, seus descendentes ficariam com a metade do acervo de bens comuns e
com o total dos bens particulares, em clara desvantagem para o cônjuge
sobrevivente. Para evitar essa situação, a lei estabelece a participação do cônjuge
supérstite, agora na qualidade de herdeiro, em concorrência com os descendentes
do morto, quanto aos bens particulares. Assim, impõe uma situação de igualdade
entre os interessados na partilha, pois o cônjuge sobrevivente permanece meeiro
em relação aos bens comuns e tem participação na divisão dos bens particulares,
como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes. A preocupação do
legislador de colocar o cônjuge sobrevivente na condição de herdeiro necessário, em
concorrência com os descendentes do falecido, assenta-se na ideia de garantir ao
cônjuge supérstite condições mínimas para sua sobrevivência, quando não possuir
obrigatória ou presumida meação com o falecido (como ocorre no regime da
separação convencional) ou quando a meação puder ser até inferior ao acervo de
bens particulares do morto, ficando o cônjuge sobrevivente (mesmo casado em
regime de comunhão parcial) em desvantagem frente aos descendentes. Noutro
giro, não se mostra acertado o entendimento de que deveria prevalecer para fins
sucessórios a vontade dos cônjuges, no que tange ao patrimônio, externada na

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ocasião do casamento com a adoção de regime de bens que exclua da comunhão os
bens particulares de cada um. Com efeito, o regime de bens tal qual disciplinado no
Livro de Família do Código Civil, instituto que disciplina o patrimônio dos nubentes,
não rege o direito sucessório, embora tenha repercussão neste. Ora, a sociedade
conjugal se extingue com o falecimento de um dos cônjuges (art. 1.571, I, do CC),
incidindo, a partir de então, regras próprias que regulam a transmissão do
patrimônio do de cujus, no âmbito do Direito das Sucessões, que possui livro próprio
e específico no Código Civil. Assim, o regime de bens adotado na ocasião do
casamento é considerado e tem influência no Direito das Sucessões, mas não
prevalece tal qual enquanto em curso o matrimônio, não sendo extensivo a situações
que possuem regulação legislativa própria, como no direito sucessório (REsp
1.472.945-RJ, Terceira Turma, DJe de 19/11/2014). Por fim, ressalte-se que essa linha
exegética é a mesma chancelada no Enunciado 270 do Conselho da Justiça Federal,
aprovado na III Jornada de Direito Civil. Precedente citado: REsp 974.241-DF, Quarta
Turma, DJe 5/10/2011. REsp 1.368.123-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão
Min. Raul Araújo, julgado em 22/4/2015, DJe 8/6/2015 (INF. 563).

2. SUCESSÃO HEREDITÁRIA

2.1. A HERANÇA E MEAÇÃO: DIFERENCIAÇÃO

A herança é o conjunto de bens que é formado quando alguém morre. O falecimento do


autor da herança faz com que o conjunto de bens constitua a herança, que será repassada aos
sucessores.
Essa herança é que forma o espólio, o qual poderá estar em juízo, sem, entretanto, ter
personalidade jurídica. O espólio constitui uma universalidade jurídica, com natureza de ente
despersonalizado, que, entretanto, tem legitimidade para estar em juízo (art. 75, VII, do Código
de Processo Civil).
Conforme disposição expressa do Código Civil, o direito à sucessão aberta e o direito à
herança constituem bens imóveis por determinação legal, mesmo que a herança seja constituída
exclusivamente por bens móveis (art. 80,II, CC).
Além disso, a herança é um bem indivisível, ou seja, antes da partilha há um condomínio
pro indiviso. Nesse caso, o art. 793 do CC consagra que o direito à sucessão aberta pode ser
objeto de cessão, mas é exatamente pelo fato de a sucessão aberta ser considerada bem imóvel
por determinação legal que essa cessão deve ser feita por escritura pública.
É preciso diferenciar a herança da meação, pois comumente, mesmo entre pessoas da
área jurídica, há certa confusão entre o que configura parte da meação e o que constitui a
herança, que será transmitida com a morte.
Carnacchioni faz a diferenciação de forma clara e objetiva, esclarecendo que “a herança
é instituto de direito sucessório e a meação instituto de Direito de Família. A meação decorre
do regime de bens no casamento ou do contrato escrito entre companheiros (ou se inexistir
contrato escrito, de determinação legal – art. 1.725 do CC)” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1641).
Assim, exemplificando, imaginemos que uma pessoa é casada pelo regime da comunhão
parcial de bens e durante o casamento alcança, com a esposa, um patrimônio total de 2 milhões
de reais. No caso, caso essa pessoa faleça, tem-se que, em razão do regime (Direito de Família),
um milhão de reais constituirá a meação, de forma que o outro um milhão será a herança a ser
partilhada entre os herdeiros (Direito das Sucessões). Essa é a distinção básica entre herança e
meação.

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2.2. ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA

O Código Civil estabelece o prazo de 30 dias, a contar da abertura da sucessão, para que
haja a abertura do inventário do patrimônio hereditário (art. 1796/CC).
O NCPC, no art. 611, estabelece que o processo de inventário e partilha deve ser
instaurado dentro de 2 meses, o que dá aproximadamente 60 dias, a contar da abertura da
sucessão, devendo ser finalizado nos 12 meses subsequentes, podendo esse prazo,
justificadamente, ser prorrogado de ofício ou a requerimento das partes.
Como se vê, o NCPC estabelece prazo diferenciado do CC. Considerando que o Código
de Processo Civil é norma de igual hierarquia do Código Civil, porém posterior, temos uma
revogação da disposição do Código Civil, prevalecendo o prazo do Código de Processo Civil
(revogação tácita).
A administração do inventário cabe ao inventariante.
O art. 1.797/CC diz que até que haja o compromisso do inventariante, a administração
caberá a um administrador provisório, de acordo com uma ordem sucessiva que é estabelecida
pela lei:
- primeiramente, esta administração provisória caberá ao cônjuge ou companheiro;
- caso não seja a hipótese, pelo herdeiro que estiver na posse ou na administração
daquele bem;
- se houver mais de um herdeiro na posse daquele bem, será o administrador provisório
o mais velho;
- se não for o caso, será o testamenteiro o administrador provisório;
- não havendo testamenteiro, será administrador provisório uma pessoa de confiança
do juiz.
É importante destacar que esse rol é meramente exemplificativo, pois, no caso concreto,
outra pessoa poderá se mostrar mais adequada para administrar provisoriamente os bens.

2.3. HERANÇA JACENTE E HERANÇA VACANTE

Vimos a vocação hereditária, pela qual a lei estabelece quem são as pessoas que serão
chamadas para suceder o falecido, na titularidade dos bens deixados por aquele. Ocorre que,
por vezes, o falecido pode não ter deixado herdeiros para receber esses bens. Assim, prevê a lei
que, nessa hipótese, os bens passarão ao município ou Distrito Federal.
Nessa linha de raciocínio, o estudo da herança jacente e vacante refere-se às etapas
pelas quais a herança passa quando inexistem herdeiros legítimos (ou estes tenham renunciado
à herança), de forma que os bens deixados pelo falecido são devolvidos ao Município ou ao
Distrito Federal.
É importante destacar que é possível a convivência da herança jacente com a herança
testamentária. Isso ocorrerá quando o falecido, que não tenha qualquer herdeiro, deixar
testamento que contemple apenas parte dos bens.
Quando não há herdeiros habilitados ou os que poderiam ser renunciam o direito, a
herança fica sem titularidade, já que para o Poder Público não se aplica o princípio de saisine.
Como corolário, segue-se a possibilidade de usucapião desses bens durante o período em que
estão na condição de jacente (1ª etapa), ou seja, até ser declarada a vacância (2ª etapa), os bens
estão sujeitos à usucapião. Com a declaração de vacância, os bens passam à propriedade

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resolúvel do Poder Público e ficam nessa condição por 5 anos. Somente após o prazo de 5 anos,
a contar da sentença que declara a herança vacante, é que os bens passam ao patrimônio
definitivo do Poder Público.
Assim, temos:
a) Herança jacente: o art. 1.844/CC estabelece que, não sobrevivendo cônjuge, ou
companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo sobrevivido, mas tendo havido a
renúncia à herança, será devolvido ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas
respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal a propriedade à
herança.
Nessa hipótese, os bens deixados pelo falecido ficarão sob a guarda de um curador até
a sua entrega a um sucessor que venha a se habilitar. Se não houver ninguém para se habilitar,
os bens ficarão com esse curador até a última etapa de devolução dos bens ao Município ou DF,
que é a etapa em que a herança é declarada vacante. Antes disso, ela é considerada jacente,
pela ausência inicial de cônjuge, companheiro, descendentes ou ascendentes, bem como de
colaterais, sendo, então, submetida aos cuidados do curador. Se não aparecer ninguém
habilitado a suceder, a herança é declarada jacente.
O art. 738 do NCPC estabelece que nos casos em que a lei considerar jacente a herança,
o juiz, em cuja comarca tinha domicílio o falecido, procederá imediatamente à arrecadação dos
respectivos bens.
Já o art. 740 do NCPC determina ao oficial de justiça, acompanhado de testemunhas,
que arrole os bens do falecido, descrevendo-os num auto circunstanciado.
Eventualmente, se o juiz não puder comparecer ao local por meio do oficial de justiça,
irá requisitar que a autoridade policial proceda à arrecadação e ao arrolamento desses bens com
a presença de duas testemunhas.
Se for por oficial de justiça, basta que esteja acompanhado do curador. Se for por
autoridade policial, serão necessárias duas testemunhas.
O §2º do art. 740 do CPC prevê que não estando ainda nomeado um curador, o juiz irá
designar um depositário para cuidar dos bens. Durante a arrecadação, o juiz ou a autoridade
policial que estiver fazendo a arrecadação, vai inquirir os vizinhos e moradores da vizinhança
para saber quem era o falecido, onde estão ou se existem sucessores, além de saber se há mais
bens em nome do de cujos.
O art. 740, §5º, NCPC diz que, se constar a existência de bens em outra comarca, deverá
o juiz determinar a expedição de carta precatória para que tais bens sejam arrecadados também.
Feitas essas diligências, serão expedidos editais para tentativa de localização de
sucessores legítimos.
Perceba-se que, com todas essas diligências, ainda estamos na fase da herança jacente.
O art. 741 do CPC diz que, ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, o qual
será publicado na internet, permanecendo nos sítios de tribunal, CNJ, por 3 meses, a fim de que
os sucessores venham a se habilitar no prazo de 6 meses a contar do início da publicação.
Se for verificada a existência de um sucessor ou de um testamenteiro em lugar certo,
será feita sua citação, sem prejuízo do edital que procurará outros sucessores também.
Quando o falecido for estrangeiro, este fato deverá ser comunicado à autoridade
consular. A ideia é de que haja outros mecanismos para encontrar ou procurar outros herdeiros.

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b) Herança vacante: decorrido 1 ano da publicação dos editais, sem que haja herdeiros
que tenham se habilitado, ou que estejam pendentes de habilitação, a herança jacente será
declarada vacante.
Essa declaração de vacância tem caráter de definitividade, de forma que, transitada em
julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge ou companheiro, os herdeiros, ou
credores do falecido só poderão reclamar o seu direito numa ação direta, não podendo mais se
habilitarem no autos do procedimento de vacância.
Em outras palavras, temos que, com a sentença que declara a vacância da herança, os
bens são transferidos ao ente público, só podendo ser reclamados em ação própria. A
propriedade, no caso, é resolúvel, já que os interessados poderão buscar o direito em ação
própria. Porém, esse direito somente poderá ser perseguido no prazo de 5 anos da sentença de
vacância, já que após esse prazo, os bens passam ao patrimônio definitivo do Poder Público
(Município, Distrito Federal ou da União, conforme o caso).
A transferência, no caso, só ocorre com a sentença de vacância (propriedade resolúvel),
não se aplicando, como já visto, o princípio de saisine.

2.4. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA

Pelo princípio de saisine, temos que desde a abertura da sucessão, ou seja, desde a
morte do autor da herança, há transmissão imediata da titularidade dos bens e obrigações que
constituem a herança. Todavia, ninguém é obrigada a permanecer na titularidade desses bens
e/ou obrigações. Daí que a lei faculta a aceitação ou não da transmissão da herança.
Nesse sentido, aceitar significa confirmar a transmissão da herança.
O art. 1.804/CC diz que aceita a herança, a transmissão ao herdeiro torna-se definitiva.
Por outro lado, não haverá a transmissão quando há renúncia à herança feita pelo
herdeiro.
A aceitação pode assumir diferentes formas:
• aceitação expressa: ocorre quando o herdeiro ou testamenteiro faz uma
declaração expressa de que aceita a herança;
• aceitação tácita: pode ser que o herdeiro ou testamenteiro não faça essa
declaração expressa no sentido de aceitar a herança, mas atue, no mundo dos
fatos, como se herdeiro fosse. Assim, a aceitação tácita decorre da prática de
atos próprios da qualidade de herdeiro;
• aceitação presumida: o art. 1.807/CC diz que o interessado em que o herdeiro
declare se aceita, ou não, a herança, poderá, 20 dias após a abertura da
sucessão, requerer ao juiz que num prazo razoável, não superior a 30 dias,
venha nele a se manifestar o herdeiro sobre a aceitação ou não da herança.
Neste caso, o silêncio importa em aceitação.
Quando a hipótese for de renúncia à herança, ela deverá ser expressa e constar de
escritura pública ou termo judicial, lembrando que, como visto, a herança é considerada bem
imóvel, e, como tal, a transferência depende de forma especial.
Existem duas modalidades de renúncia à herança:
• renúncia abdicativa: é aquela em que o herdeiro, não querendo a herança, dela
abre mão em favor do monte, ou seja, favorecendo todos os demais coerdeiros.
Nesse caso, não existe a incidência do ITBI contra o renunciante;

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• renúncia translativa: nessa hipótese, o herdeiro, não pretendendo a herança,
cede os seus direitos em favor de determinada pessoa, incidindo o ITBI neste
caso.
O art. 1.808/CC estabelece que não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes,
de forma fracionada (Ex.: não há como aceitar apenas o ativo e recusar o passivo), bem como
não se pode aceitar ou recusar herança sob condição ou a termo (Ex.: aceita a herança se tiver
um filho nos próximos 2 anos).
Existe exceção à regra sobre impossibilidade de fracionamento na aceitação, senão
vejamos:
- O §1º do art. 1.808 diz que o herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitar o
legado e renunciar a herança, ou mesmo aceitar a herança e renunciar o legado.
- O §2º diz que o herdeiro, chamado na mesma sucessão a mais de um quinhão
hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos
quinhões que aceita e aos que renuncia.
Tanto a aceitação e como a renúncia são atos irrevogáveis (art. 1.812) do Código Civil.
O principal efeito da renúncia está no art. 1.810/CC, que estabelece que, na sucessão
legítima, a parte do renunciante vai acrescer aos outros herdeiros da mesma classe. Se ele for o
único herdeiro da classe, será devolvida aos da classe subsequente.
Exemplificando, pensemos a hipótese de Maria, solteira, sem descendentes ou
ascendentes, que falece deixando três irmãos: João, Pedro e José. Nessa hipótese, caso Pedro
renuncie a sua parte na herança, será redistribuída sua parte para os outros dois irmãos. Se
todos os irmãos renunciarem as suas respectivas partes, serão chamados os sobrinhos, que
integram a próxima classe.
A renúncia gera um tratamento ao renunciante como se ele nunca tivesse existido como
pessoa (relativamente aos bens da herança). Logo, quando há renúncia, os herdeiros do
renunciante não podem exercer o direito de representação, pois para a herança, é como se o
renunciante nunca tivesse existido. Se nunca existiu, seus herdeiros não o representam. Com
isso, se Pedro renuncia à herança, seus filhos não podem representá-lo. Isso porque para a
herança passar aos seus filhos, ainda que por direito de representação, seria necessário que ele
tivesse existido e morrido (e para a herança, aquele que renuncia é considerado como se nunca
tivesse existido). Feita a renúncia, aquele que renunciou é apagado como se nunca tivesse
existido. Os bens passam, então, para os demais herdeiros de mesma classe
Se o renunciante for o único legitimado de sua classe, ou se todos de uma mesma classe
renunciarem à herança, vem a sucessão por direito próprio, vindo a sucessão por cabeça da
classe subsequente. Ex.: na hipótese narrada, se todos os irmãos de Maria renunciarem a
herança, os sobrinhos de Maria herdarão por direito próprio.
Na hipótese de um herdeiro renunciar à herança, prejudicando terceiro que é seu
credor, esse credor prejudicado poderá, com autorização judicial, aceitar a herança em nome
daquele que havia renunciado. É o que dispõe o artigo 1.813 do Código Civil, que visa evitar
fraudes. Haverá, na hipótese, habilitação do credor no inventário.
Pagas as dívidas do renunciante aos seus credores habilitados no inventário, prevalecerá
a renúncia quanto ao remanescente, lembrando que a renúncia é irrevogável.

444

447
2.5. EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO: INDIGNIDADE SUCESSÓRIA E DESERDAÇÃO

Quando do estudo das hipóteses de exclusão da sucessão, é fundamental estabelecer a


diferença prévia entre indignidade e deserdação. São institutos muito próximos e se relacionam
com a prática de atos incompatíveis com o direito de suceder. Por conseguinte, são sanções civis
àqueles que não se comportaram bem com o autor da herança.
Como bem esclarece Carnacchioni,

a indignidade é causa de exclusão da herança, seja a sucessão legítima ou


testamentária. O indigno está impedido de receber a herança. Não terá legitimidade
sucessória. O objetivo é punir o herdeiro que praticou conduta contrária a preceitos
éticos, morais e à integridade física, psicológica e intelectual do autor da herança. É
o repúdio à transmissão da herança para qualquer que se comporta de forma
reprovável socialmente em relação ao autor da herança (CARNACCHIONI, 2018, p.
1.666).

Diferentemente do que vimos quando tratamos da renúncia à herança, na hipótese de


indignidade, o indigno é considerado como se fosse pré-morto. Ou seja, é considerando como
existente, porém pré-falecido, de modo a permitir que seus descendentes o representem.
A indignidade se relaciona tanto aos herdeiros legítimos, como testamentários, e, ainda,
aos legatários, de modo que qualquer um deles, reconhecidos os atos indignos, pode ser
afastado da sucessão. A especificidade da situação do legatário é que a indignidade para esse
caso é hipótese de caducidade do legado (art. 1.939, IV, CC).
As hipóteses de indignidade estão previstas em lei (artigo 1.814, CC) e seu
reconhecimento depende de sentença, sendo os efeitos do reconhecimento pessoais (art.
1.816, CC). A ação de indignidade sucessória poderá ser proposta por qualquer interessado, mas
também poderá ser proposta pelo MP, quando envolver questão de ordem pública.
O prazo decadencial para a ação que visa reconhecer a indignidade sucessória é de 4
anos, a contar da abertura da sucessão.
Já a deserdação é um instituto, que embora bem próximo da indignidade, dele se
diferencia porque é feita por testamento, a partir da vontade do autor da herança. É ele quem,
apontando a conduta tida como inadequada para um herdeiro, irá excluí-lo da sucessão.
Veja que a diferença fundamental entre indignidade e deserdação está no fato de que
na indignidade, como vimos, o isolamento sucessório se dá por simples incidência de uma norma
(casos previstos em lei), podendo atingir qualquer herdeiro e poderá ser reconhecida tanto na
sucessão legítima como testamentária. Assim, a exclusão do indigno será feita quando ocorrer
uma das hipóteses previstas em lei. Já a deserdação é própria da sucessão testamentária e tem
por finalidade específica privar o herdeiro necessário da legítima a que tem direito.
Como vimos, os herdeiros necessários têm proteção quanto à parte indisponível da
herança, que é denominada legítima. A deserdação é um meio de exclusão dessa proteção. Por
meio da deserdação, o autor da herança, apontando os atos praticados pelo herdeiro
necessário, irá excluí-lo da parte que lhe caberia na legítima.
Atente-se para o fato de a deserdação se referir aos herdeiros necessários, que seriam
obrigatoriamente contemplados pela legítima. Não abarca os herdeiros facultativos, porque a
exclusão destes é feita com sua não contemplação no testamento. Como não são protegidos
pela legítima, caso o autor da herança não tenha herdeiros necessários, poderá, para afastar os
herdeiros facultativos da sucessão, dispor de todos os bens, sem os contemplar, não sendo, por
conseguinte, necessária a deserdação (art. 1.8560/CC).

445

448
Temos, assim, que a deserdação, repita-se, é instituto próprio para afastar herdeiros
necessários, que seriam beneficiados pela legítima, da sucessão. Essa exclusão somente pode
ser feita por meio de testamento, com expressa menção da causa.
O artigo 1.814, do CC, traz hipóteses indignidade sucessória, quais sejam:
- herdeiros que tenham sido autores, coautores ou partícipes de um homicídio doloso
ou de tentativa de homicídio de cuja pessoa sucessão se tratar, ou então de seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
- herdeiro que tiver acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou o herdeiro
que incorrer em crime contra a honra do autor da herança, do seu cônjuge ou
companheiro;
- herdeiros que, por violência ou por meio fraudulento, tiver inibido ou obstado o autor
da herança a dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Já os artigos 1.962 e 1.963 do CC trazem hipóteses que poderão ser indicadas pelo autor
da herança para exclusão do herdeiro necessário da sucessão. São hipóteses que autorizam a
deserdação dos descendentes por seus ascendentes ou ascendentes por seus descendentes:
- quando houver a prática de ofensa física a essas pessoas;
- quando houver injúria grave entre essas pessoas;
- quando houver relações ilícitas com madrasta, padrasto, companheiro, esposa, do filho
ou do neto;
- quando houver o desamparo praticado por essas pessoas, em decorrência de uma
alienação mental ou de grave enfermidade do prejudicado.
As hipóteses elencadas no art. 1.814 do CC podem ser indicadas no testamento para
deserdação dos herdeiros necessários, mas as hipóteses de deserdação indicadas nos arts. 1.962
e 1.963 do CC não se aplicam à indignidade sucessória.
Ao herdeiro instituído, ou a quem aproveite essa deserdação, vai incumbir o ônus de
provar a veracidade da causa que foi alegada pelo testador para confirmar a deserdação na ação
de confirmação de deserdação. A deserdação deve necessariamente ser confirmada em juízo.
O prazo decadencial para essa ação de confirmação é de 4 anos, a contar da abertura
do testamento.
Em relação à indignidade, o art. 1.816 do CC estabelece que são pessoais os efeitos da
exclusão. Isto significa que os descendentes do herdeiro excluído vão sucedê-lo, como se ele
estivesse morto antes da abertura da sucessão.
Isto também acontecerá se os filhos forem menores, mas, nesse caso, o excluído da
herança não terá direito ao usufruto dos bens recebidos na herança, tampouco direito à
sucessão eventual desses bens, caso um de seus filhos venha a morrer.
Essa regra também será aplicada ao caso de deserdação.
Vale ressaltar que são válidas as alienações onerosas e os atos de administração
praticados pelo herdeiro antes da sentença que o excluiu da qualidade de herdeiro, tutelando-
se, assim, a boa-fé de terceiros.
Admite-se ainda a reabilitação do indigno por força de testamento ou por outro ato
autêntico, evidenciando-se o perdão pelo autor da herança.
O art. 1.818 do Código Civil prevê a reabilitação tácita, a qual se dá quando o autor da
herança contempla o indigno como testamenteiro, quando ele já conhecia a causa dessa
indignidade.

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449
2.6. AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA

A ação de petição de herança é o meio pelo qual a pessoa pode reclamar sua condição
de herdeiro. Trata-se, portanto, de ação que tem por escopo ver-se reconhecido como herdeiro
para participação na sucessão por morte de alguém. Essa ação pode ser promovida mesmo
quando já tenha havido a efetiva divisão dos bens deixados pela morte do autor da herança. A
ação de petição de herança destina-se, então, ao reconhecimento da qualidade sucessória de
quem a intenta. Tem por escopo o reconhecimento de um status, do qual deriva a aquisição da
herança.
Estabelece o artigo 1.824/CC que “o herdeiro pode, em ação de petição de herança,
demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou
de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua”.
Acrescenta o art. 1.825/CC, que essa ação de petição de herança, ainda que exercida
por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários.
Diz o artigo 1.827/CC que o herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em
poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens
alienados. E isso decorre do fato de a herança ser bem imóvel para os efeitos legais, de modo
que a ação, na hipótese, tem natureza real, permitindo que o herdeiro demande os bens mesmo
que estejam em poder de terceiros.
A regra, então, é a possibilidade de o herdeiro real (reconhecido como tal na ação de
petição de herança) buscar os bens da sucessão em poder de quem quer que estejam, inclusive
de terceiros. Porém, a própria legislação faz ressalva à hipótese do terceiro de boa-fé que tenha
adquirido o bem a título oneroso (art. 1.827, parágrafo único, CC). Nesse caso, são eficazes as
alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé. Em outras
palavras, se a pessoa que detinha a posse da herança for um herdeiro aparente, os atos que este
praticou a título oneroso e de boa-fé são considerados válidos e eficazes. Aplica-se, aqui, a teoria
da aparência, pela qual há que se reconhecer válido e eficaz o ato praticado por aquele que
aparentava ser o detentor do direito. A alternativa que resta ao herdeiro real (reconhecido como
tal na ação de petição de herança) é pleitear do herdeiro aparente o que recebeu da venda do
bem para o terceiro de boa-fé.
A ação de petição de herança está sujeita ao prazo prescricional de 10 anos.

2.7. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

2.7.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DO PRAZO
PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA EM RECONHECIMENTO
PÓSTUMO DE PATERNIDADE. Na hipótese em que
ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o
trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo
inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a
data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o
trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. A petição de
herança, objeto dos arts. 1.824 a 1.828 do CC, é ação a ser proposta por herdeiro
para o reconhecimento de direito sucessório ou a restituição da
universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não participou. Trata-
se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa reivindicar a
totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor do detentor
da herança, de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A teor do que

447

450
dispõe o art. 189 do CC, a fluência do prazo prescricional, mais propriamente no
tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação do direito subjetivo
alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há falar em petição de
herança enquanto não se der a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-
se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do
trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese,
confirma-se a condição de herdeiro. REsp 1.475.759-DF, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016, DJe 20/5/2016. (INF. 583)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. INJÚRIA GRAVE. DESERDAÇÃO. INTERDIÇÃO. HERANÇA. O


testador falecido autorizou, no testamento, que os demais herdeiros promovessem
a deserdação do herdeiro ora recorrido, providência tomada na data da propositura,
na origem, da ação de interdição com a qual se pretende vê-lo excluído da sucessão.
Consta que a manifestação, em testamento, do desejo de excluir o filho (recorrido)
da sucessão de seus bens deu-se pelo fato de ele ter caluniado e injuriado o pai nos
autos de inventário de sua mãe (esposa do falecido), condutas essas que
configurariam os crimes de denunciação caluniosa e injúria grave, a autorizar os
demais sucessores a providenciar as medidas cabíveis para afastá-lo da sucessão dos
bens que porventura lhe coubessem por ocasião da partilha do acervo patrimonial.
Note-se que, à época, ainda estava em vigor o CC/1916. Segundo o Min. Relator, a
questão no REsp consiste em saber: se o ato do herdeiro recorrido consistente no
ajuizamento de ação de interdição ou o manejo de incidente de remoção de seu
genitor (sucedido) da inventariança da sua mãe são fatos capazes de configurar
injúria grave a autorizar a sua exclusão da sucessão e se o herdeiro recorrido -
quando afirmou, nos autos do inventário de sua genitora, que o falecido (sucedido)
estaria a realizar operações fraudulentas com a finalidade de omitir parcela do
acervo patrimonial -, com essa alegação, ele pode ter praticado denunciação
caluniosa e, nessa medida, ser penalizado com a deserdação. Observa que,
conforme alude o art. 1.744, II, do CC/1916, nem toda injúria poderia dar ensejo
à deserdação, senão aquela que seja, de fato, grave, intolerável e caracterizada
pelo animus injuriandi. Para o Min. Relator, na espécie, o mero exercício do direito
de ação mediante o ajuizamento de ação de interdição do testador e a instauração
do incidente tendente a removê-lo (testador sucedido) do cargo de inventariante
não são, por si, fatos hábeis a induzir a pena de deserdação do herdeiro nos moldes
do citado artigo. Por outro lado, assevera, quanto à caracterização da denunciação
caluniosa nos termos do art. 1.595, II, do CC/1916, que, mesmo admitindo a
possibilidade de que a acusação caluniosa tenha ocorrido em juízo cível, como
pretende o irmão recorrente, era necessário, nos termos da lei penal (art. 339 do CP
com a redação dada pela Lei n. 10.028/2000), que a acusação tivesse inaugurado
investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou
ação de improbidade administrativa e, de acordo com o acórdão recorrido, não há
comprovação de que o herdeiro recorrente tenha dado, por suas expressões em
autos judiciais, início a qualquer dos procedimentos mencionados. Diante do
exposto, a Turma negou provimento ao recurso. REsp 1.185.122-RJ, Rel. Min.
Massami Uyeda, julgado em 17/2/2011. (INF. 463)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. EXCLUSÃO. MAUS TRATOS. Trata-se de ação


ordinária para exclusão de mulher da sucessão de tio, que apresentava problemas
mentais por esclerose acentuada, anterior ao consórcio. O casamento restou
anulado por vício da vontade do nubente, que também foi interditado a
requerimento de uma das recorridas, bem como anulada a doação de apartamento
à recorrente. Apesar de o recurso não ser conhecido pela Turma, o Tribunal a
quo entendeu que, embora o efeito da coisa julgada em relação às três prestações
jurisdicionais citadas reste adstrito ao art. 468 do CPC, os fundamentos contidos
naquelas decisões, trazidos como prova documental, comprovam as ações e
omissões da prática de maus tratos ao falecido enquanto durou o casamento, daí a
previsibilidade do resultado morte. Ressaltou, ainda, que, apesar de o instituto

448

451
da indignidade, não comportar interpretação extensiva, o desamparo à pessoa
alienada mentalmente ou com grave enfermidade comprovados (arts. 1.744, V, e
1.745, IV, ambos do CC) redunda em atentado à vida a evidenciar
flagrante indignidade, o que leva à exclusão da mulher da sucessão
testamentária. REsp 334.773-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 21/5/2002.
(INF. 135)

3. SUCESSÃO LEGÍTIMA

3.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Como foi visto em tópico anterior, com a morte de alguém, há imediata transmissão dos
bens para os sucessores, conforme aplicação do princípio de saisine. Pela sucessão legítima,
também denominada sucessão ab intestato (sem testamento), ocorre a transmissão causa
mortis do autor da herança aos herdeiros indicados em lei. A indicação é feita por classes, por
meio da vocação hereditária, estabelecendo-se, como já visto, uma ordem preferencial, de
modo que a classe mais próxima exclui a classe mais remota.
Nessa ordem preferencial, é sempre bom lembrar as decisões do STF que estabeleceram
total equiparação do cônjuge e companheiro, inclusive para fins de sucessão (RE 646.721-RS e
RE 878.694-MG).
O art. 1.829 do CC diz que a sucessão será deferida na seguinte ordem:
- aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se esse cônjuge
estivesse casado com o falecido em comunhão universal de bens ou no regime de
separação obrigatória de bens, ou no de comunhão parcial de bens e o autor da herança
não tiver deixado bens particulares;
- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
- ao cônjuge sobrevivente;
- aos colaterais.
Em que se lê “cônjuge”, leia-se sempre “e companheiro”, interpretando-se o dispositivo
conforme a Constituição Federal.
Relembrando que, havendo herdeiros necessários, obrigatoriamente teremos a
sucessão legítima. É que, como vimos, morrendo uma pessoa e deixando herdeiros ditos
necessários, é obrigatória a reserva da legítima, não podendo o autor da herança dispor de todos
os bens por testamento. Como não pode dispor da legítima, ao menos metade de seus bens será
objeto da sucessão conforme disposição legal que estabelece uma ordem a ser observada
(vocação hereditária). Trata-se, então, de sucessão legítima que pode coexistir com a sucessão
testamentária (no caso do autor da herança, tendo herdeiros necessários, dispor de metade de
seus bens por testamento).
Na sucessão legal, a regra é que a existência de herdeiros de uma classe afasta os da
classe subsequente. É importante destacar que temos que analisar, num primeiro momento, as
classes de herdeiros, dispostas na forma do artigo 1.829/CC, ou seja, primeiro os descendentes
em concorrência com o cônjuge ou companheiro; depois dos ascendentes em concorrência com
o cônjuge e o companheiro; depois o cônjuge ou companheiro sobrevivente e por fim os
colaterais.
Todavia, mesmo na mesma classe, temos também uma ordem que se refere ao grau de
parentesco, de forma que, os mais próximos afastam os mais distantes. Assim, na classe dos
descendentes, a existência de filhos afasta, como regra geral, a concorrência dos netos.

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Fala-se em regra geral porque, conforme veremos, é possível que ocorra o direito de
representação, hipótese em que um herdeiro com grau de parentesco mais afastado representa
um herdeiro pré-morto, concorrendo com herdeiros que não têm o mesmo grau de parentesco
que ele.
Ex.: João, viúvo, pai de Pedro e José, falece. Ocorre que José, pai de Henrique, já era pré-
morto quando do falecimento de João. Nesse caso, com a morte de João, são chamados, na
ordem de vocação hereditária, primeiro seus descendentes. Na hipótese, os descendentes mais
próximo são os filhos, o que afasta os de grau mais afastados (netos). Porém, como José era pré-
morto, seu filho o representará, concorrendo com o tio Pedro. Se Pedro tiver filhos, esses não
participarão da sucessão de João, pois são netos e por isso afastados em razão da existência de
herdeiros mais próximos. A exceção ocorre, no caso, em decorrência do direito de
representação. Henrique sucederá por representação e não por direito próprio.
Ressalte-se que a concorrência do cônjuge e companheiro com os herdeiros de cada
ordem será estudada em tópico próprio.

3.2. SUCESSÃO DOS DESCENDENTES (POR CABEÇA OU DIREITO PRÓPRIO E POR


REPRESENTAÇÃO) E CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

Na análise da vocação hereditária, encontramos os descendentes como os primeiros


chamados na ordem preferencial. No entanto, a legislação estabelece que esses descendentes
poderão concorrer com o cônjuge do falecido (e companheiro por interpretação constitucional).
Assim, descendentes e cônjuges (e companheiros) são herdeiros de primeira classe, cuja
existência afasta o beneficio para os a ascendentes.
Temos, então, que analisar em que hipóteses o cônjuge e o companheiro irão concorrer
com os descendentes, lembrando que aqui se trata de concorrência como herdeiro, hipótese
distinta da meação que não é herança. Uma coisa é receber a meação em decorrência do regime
de casamento, outra coisa é herdar em decorrência da morte do cônjuge ou companheiro.
A legislação, então, é clara ao estabelecer que os cônjuges (e companheiros por
interpretação constitucional) somente concorrerão como herdeiros caso o casamento com o
falecido não tiver sido celebrado com o regime de comunhão universal, obrigatória (legal) ou,
se celebrado no regime de comunhão parcial, o falecido cônjuge tiver deixado bens particulares.
Assim, não haverá concorrência entre o cônjuge ou companheiro com os descendentes
do falecido:
- quando o cônjuge ou companheiro era casado com o falecido pelo regime da
comunhão universal de bens ou pelo regime da separação obrigatória;
- quando o cônjuge ou companheiro era casado com o falecido pelo regime da
comunhão parcial, e este não houver deixado bens particulares.
Em relação ao regime de comunhão parcial de bens, essa concorrência sucessória que
exige a presença de bens particulares, conforme prevalece, irá recair sobre os bens particulares.
Sobre os bens comuns, o cônjuge casado no regime de comunhão parcial de bens não será
herdeiro, e sim meeiro. No tocante aos bens particulares do cônjuge falecido, ele os herda.
O art. 1.832 do CC trata, então, da forma como se estabelecerá essa concorrência. Diz o
referido artigo que quando estiver em concorrência com o descendente, cabe ao cônjuge
quinhão igual aos quinhões que couberem a esses descendentes, por cabeça, sendo que a quota
do cônjuge não poderá ser inferior a ¼ da herança, se ele for ascendente dos herdeiros com os
quais concorrer.

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Exemplificando a hipótese: João, casado com Maria pelo regime da comunhão parcial
de bens, tinha com esta 3 filhos comuns. Com o falecimento de João, no tocante aos bens
particulares deixados por ele, Maria concorre em igualdade de condições com os descendentes,
por cabeça. Nesse caso, está assegurado a Maria ¼, como decorrência da divisão desses bens
por 4 (ela e os três filhos).
Agora, supondo que João tenha quatro filhos com Maria. Nesse caso, no tocante aos
bens particulares de João, Maria concorrerá por cabeça com os filhos, mas terá direito a 25%
(1/4), devendo os outros 4 dividirem os 75% remanescentes. Isto porque, conforme previsão
expressa em lei, o cônjuge, quando concorre na herança, tem garantido ¼ quando for
ascendente de todos os filhos do casal.
Imaginemos, entretanto, que Maria não seja ascendente de todos os filhos deixados
pelo falecido. Nesse caso, ela receberá em igualdade de condições, mas não existirá o resguardo
de ¼ da herança, no tocante aos bens particulares.
Situação mais complexa e que gera maior debate na doutrina ocorre quando há a
denominada sucessão híbrida, situação em que o cônjuge ou companheiro concorre com filhos
comuns e filhos exclusivos do falecido. Neste caso, questiona-se, então, se há o resguardado ¼
da herança.
Sobre esse tema, temos duas posições. Uma primeira, majoritária, entende que se
houver a sucessão híbrida, não se deverá fazer a reserva da ¼ da herança. Ex.: se houver 5 filhos,
3 do segundo casamento e 2 do primeiro casamento, mais o cônjuge, a herança deveria ser
dividida igualmente por 6, sem resguardo de ¼ para o cônjuge ou companheiro.
Uma segunda posição, minoritária, entende que neste caso deveria ser feita a reserva
da ¼ ao cônjuge sobrevivente, porquanto há concorrência do cônjuge ou companheiro com
filhos comuns. Para essa corrente, só seria afastada a garantia do mínimo de ¼ quando não
houvesse nenhum filho comum.
Em relação aos descendentes, o descendente de grau mais próximo excluirá o
descendente de grau mais remoto, salvo o direito de representação. Ex.: João, viúvo, deixou 3
filhos, sendo que cada um tem dois filhos (netos de João – no total de 6 netos). João morrendo,
os 3 filhos herdam, e os netos não herdam nada, já que os descendentes de grau mais próximo
(filhos) afastam os de grau mais remoto (netos). Porém, supondo que um dos filhos de João era,
ao tempo da morte de João, pré-morto. Nesse caso, os 2 netos, filhos do filho pré-morto de
João, herdarão por representação e serão considerados conjuntamente para fins de divisão da
herança. Em outras palavras, na hipótese tratada, 1/3 da herança vai para cada um dos filhos
vivos de João, sendo que a parte do filho pré-morto de João será dividida pelos dois netos,
descendentes do pré-morto.
Vê-se, então, que no direito de representação, os herdeiros, todos reunidos,
representarão o herdeiro pré-morto, recebendo o que àquele competiria. Entre os
representantes, será feita a divisão igualitária do montante que caberia ao herdeiro pré-morto.
Assim é que, no caso proposto, os dois netos, conjuntamente, receberão o que competiria ao
filho de João pré-morto (no caso, ele receberia 1/3 da herança, montante esse que será dividido
entre os dois netos, filhos do pré-morto).
3.2.1. DIREITO PRÓPRIO DE SUCESSÃO E DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Como vimos, na sucessão legítima, pode ocorrer o direito de representação quanto aos
descendentes. É importante, então, fazer a correta diferenciação entre a sucessão por direito
próprio e a sucessão por representação.
- sucessão por direito próprio: o sucessor é chamado a receber a herança em razão da
sua qualidade própria de herdeiro, concorrendo apenas com outros herdeiros da mesma

451

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qualidade ou até não concorrendo com ninguém por ser único da qualidade preferencial
chamada a suceder. O chamamento é, dessa forma, direto ou por direito próprio.
Na sucessão legítima, vimos que a regra é o recebimento da herança por direito próprio,
de forma que a lei fala que, morrendo alguém, primeiro serão chamados a suceder os
descendentes, sendo que os de grau mais próximo afastam os de grau mais remoto.
Exemplificando, se uma pessoa morre deixando cinco filhos, estes receberão por direito próprio
ou por cabeça. Nesse tipo de sucessão, a divisão se fará, então, de forma igualitária, cada um
recebendo um quinhão igual ao outro herdeiro de mesma qualidade.
É de se considerar apenas a possibilidade de o cônjuge ou companheiro, conforme
vimos, concorrer com os descendentes ou ascendentes na sucessão, hipóteses em que, embora
herdem, no caso, também por direito próprio, a legislação prevê que receberão quinhão
diferenciado. Essa situação configura exceção à regra de que os herdeiros por direito próprio
receberão todos o mesmo quinhão.
Em linhas gerais, temos que a partilha da herança por cabeça ou direito próprio será
feita em partes iguais entre os herdeiros de uma mesma classe, com a ressalva da possibilidade
de concorrência do cônjuge ou companheiro.
Veremos que, na classe dos ascendentes, ocorre a chamada sucessão por linhas, na qual
os sucessores herdam por direito próprio, mas os valores são divididos em linhas e não
propriamente por cabeça. Tal ocorre quando uma pessoa morre sem deixar descendentes. Em
sendo assim, serão chamados os ascendentes.
Suponhamos que o falecido tenha deixado apenas dois avós paternos e um materno. No
caso, estão todos os avós no mesmo grau, mas em linhas diferentes. Divide-se, então, a herança
pelas duas linhas, na proporção de 50% para cada linha. Como a linha materna só tem um avô,
esse receberá a totalidade que coube à linha materna (50% do valor total da herança). Já na
linha paterna, há dois sucessores, de modo que cada um ficará com 50% do que coube à linha
paterna. Cada um terá, dessa forma, direito a 25% do valor total da herança.
Observe que somente haverá a divisão por linhas se houver ascendentes do mesmo grau
em linhas diferentes (art. 1.836/CC), porque se os graus forem diversos, aplicável a regra de que
o grau mais próximo afasta o grau mais remoto (art. 1.836, § 2º/CC).

• sucessão por direito de representação: é aquela em que um parente mais


distante é chamado a representar aquele mais próximo que é pré-morto. O
chamamento do herdeiro mais distante para exercício do direito de
representação faz-se em razão da existência de herdeiros mais próximos, de
mesma qualidade, daquele pré-morto que receberia também a herança caso
ainda vivo. Como é pré-morto, seus herdeiros o representarão. É, por essa
razão, chamada de sucessão indireta, já que o herdeiro recebe, não por direito
próprio, mas por direito daquele que já falecera. O direito de representação é
previsto para os descendentes e para os filhos do irmão do falecido. Com isso,
assim como ocorre com os descendentes, também é possível que os filhos do
irmão pré-morto o representem na sucessão da pessoa que deixou, como
herdeiros, apenas irmãos. Essa é a única hipótese prevista em lei para a
representação na linha colateral. Admite-se, assim, a representação na linha
colateral como exceção, no caso de concurso de filhos do irmão falecido com o
seu irmão (concorrência do tio com os sobrinhos) (art. 1.853 do CC).
Já na linha ascendente, não é possível a sucessão por representação (art. 1.852, CC).

452

455
Ainda sobre esse direito, a regra é que a representação ocorre quando o representado
é pré-morto, mas pode ocorrer a representação de pessoa viva na hipótese do representado ser
considerado indigno (art. 1.816, CC).
Em resumo, podemos dividir o direito de representação da seguinte forma:
- linha reta descendente: na linha reta, vimos que os parentes mais próximos afastam
os mais distantes. Porém, a legislação prevê a possibilidade da representação entre
descendentes, de forma que, por exemplo, filhos do falecido poderão concorrer com os
netos, quando estes estiverem representando um filho do falecido pré-morto. Na linha
ascendente, não há o direito de representação.
- linha colateral ou transversal: na linha colateral, a legislação prevê a possibilidade de
representação, porém somente em relação aos filhos do irmão falecido, quando
concorrerem com outros irmãos do autor da herança. Quanto aos demais colaterais,
não há o direito de representação.
O direito de representação é concedido aos filhos de herdeiro pré-morto.
Uma discussão importante quanto ao direito de representação refere-se à hipótese de
comoriência. Em outras palavras, discute-se se a sua aplicação na hipótese do herdeiro falecer
em situação de comoriência com o autor da herança. Como ficaria a situação? Exemplificando,
se João morre por ocasião de um acidente, juntamente com seu filho Pedro, não se podendo
estabelecer qual morte precedeu a outra. A hipótese é, então, de comoriência. No caso, os filhos
de Pedro o representariam, nesse caso, quanto aos bens de João?
O entendimento predominante tem sido em sentido positivo. A jurisprudência tem se
manifestado nesse sentido em conceder aos filhos dos que morreram em comoriência o direito
de sucessão por representação.
Sobre o tema, a VII Jornada de Direito Civil/CJF, em 2015, entendeu que também nos
casos de comoriência entre ascendentes e descendentes, ou entre irmãos, reconhece-se o
direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos (Enunciado n. 610).
Ainda em relação ao direito de representação, o art. 1.856/CC estabelece que o
renunciante à herança de uma pessoa pode representá-la na sucessão de outra. Exemplificando,
José, viúvo, é pai de João, Pedro e Antonio. Antonio, por sua vez, tem duas filhas. Imaginemos
que Antonio morra e suas filhas renunciem à herança por ele deixada. Nesse caso, quando da
morte de José, as filhas de Antonio poderão exercer o direito de representação, representando
o pai pré-morto na sucessão dos bens de José. No caso, mesmo tendo renunciado à herança
deixada por Antonio, poderão representá-lo quando do falecimento de José, recebendo, por
direito de representação, o quinhão que caberia a Antonio. Na situação narrada, a herança será
repartida inicialmente em três quinhões, ou seja, entre os filhos vivos de José e o quinhão do
filho pré-morto, sendo este último repartido entre as duas filhas de Antonio.

3.3. SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

O art. 1.829, no inciso II do CC diz que na falta de descendentes são chamados para
suceder os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sem haver qualquer
ressalva com relação ao regime de bens.
Veja, os ascendentes são herdeiros de 2ª classe, pois só são chamados a suceder quando
os de 1ª classe faltarem.
Com relação à concorrência dos ascendentes com o cônjuge sobrevivente, não há
nenhuma ressalva da legislação quanto ao regime de bens, o que indica que ele é absolutamente
indiferente, pois concorrerá da mesma forma.

453

456
Igualmente como ocorre com os descendentes, os ascendentes de grau mais próximo
excluem o de grau mais remoto. Na sucessão dos ascendentes, não há a denominada sucessão
por representação. Em sendo assim, sempre os parentes ascendentes mais próximos excluirão
os mais remotos.
Exemplificando, João, solteiro e sem filhos, morreu sem deixar quaisquer descendentes,
mas com os dois avós paternos vivos e uma bisavó materna também viva. Neste caso, a bisavó
não herdará por estirpe para representar a avó materna de João. Os parentes de grau mais
próximo, neste caso, são os avós paternos, o que afasta a bisavó materna da sucessão de João.
Assim, somente os avós paternos receberão a herança, pois não se vislumbra a representação
na sucessão dos ascendentes, de forma que a bisavó não poderá representar avó pré-morta.
Se houver igualdade em graus e diversidade em linhas, os ascendentes da linha paterna
irão receber metade e os da linha materna receberão a outra metade (art. 1.836). Ex.: João,
solteiro e sem descendentes, morreu, deixando avós maternos e um avô paterno. Nesta
hipótese, 50% vai para o avô paterno e 50% vai para os avós maternos.
O art. 1.837/CC diz que, concorrendo o cônjuge com dois ascendentes de 1º grau (pai e
mãe), terá o cônjuge (ou companheiro de acordo com interpretação constitucional) direito a 1/3
da herança. Concorrendo o cônjuge (ou companheiro de acordo com interpretação
constitucional) com somente um ascendente de 1º grau, ou com ascendentes de grau diversos,
terá ele direito a metade da herança. Ex.: João morre e deixa pai, mãe e esposa, cada um
receberá 1/3. Se, entretanto, João morre e deixa mãe e esposa, cada uma receberá metade. Se,
por fim, João morre e deixa avô e avó (paternos) e esposa, esta receberá metade e a outra
metade será dividia entre os demais.

3.4. SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO ISOLADAMENTE

Conforme estabelece a legislação, na falta de descendentes e ascendentes, é deferida a


sucessão por inteiro e isoladamente ao cônjuge sobrevivente (e companheiro conforme
interpretação constitucional). Perceba que a sucessão integral da herança pelo cônjuge ocorre
como 3ª opção. Então, o cônjuge (e companheiro) isoladamente considerado é herdeiro de 3ª
classe.
O art. 1.830 do Código Civil diz que somente é reconhecido o direito sucessório ao
cônjuge sobrevivente, se ao tempo da morte do outro não estavam separados judicialmente,
nem separados de fato há mais de 2 anos, salvo se provado neste caso que essa convivência se
tornou impossível sem culpa do sobrevivente.
Esse artigo 1.830 do CC ressuscita a discussão a respeito de culpa na separação do casal,
motivo pelo qual é muito criticado pela doutrina. Tratando do tema, Marcos Alves da Silva, em
artigo intitulado Culpa e castigo no Direito de Sucessão Conjugal, chama atenção para o fato de
o art. 1.830 do novo Código Civil carregar

no remanso de sua linguagem uma tormenta sem precedentes para o Direito das
Sucessões, que há anos jazia sob certezas cristalinas e quase aritméticas, alheio às
polêmicas e mudanças que se operavam, de um modo geral, no Direito Civil. O
mencionado artigo 1.830 do novo Código Civil, objeto da presente reflexão, cuida de
especificar as condições ou requisitos para que ao cônjuge supérstite seja
reconhecido o direito sucessório. Para suceder, o cônjuge não pode, à época da
abertura da sucessão: (i) estar separado judicialmente; (ii) estar separado de fato há
mais de dois anos. Todavia, o codificador consignou uma exceção ao final do artigo
em comento: "...salvo prova, neste caso, (estar separado de fato há mais de dois
anos), de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.Não
é necessária muita imaginação para antever o desencadeamento de controvérsias

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457
que tal disposição legal irá gerar. A realidade das famílias brasileiras é pródiga em
casos de separações de fato, seguidas de novas uniões informais, que se tornam
estáveis. Nessas circunstâncias, as consequências jurídicas que advirão da aplicação
do disposto no art. 1.830 do novo Código Civil são, no mínimo, preocupantes.

Prossegue o autor dizendo que

cumpre, ainda, registrar que constitui indiscutível contra-senso o que fez o legislador
ao excepcionar: "salvo prova, neste caso (separação de fato há mais de dois anos),
de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente."
Consagrou um kafkiano absurdo: a presunção da culpa. Ao que se infere da leitura
do texto, o ônus da prova é imputado ao cônjuge que se pretende herdeiro. Se
separado de fato do de cujus há mais de dois anos, a lei presume que ele foi o culpado
da separação e atribui-lhe o ônus de provar que a convivência com o falecido,
tornou-se impossível sem sua culpa. O que ocorreu, nesse caso, foi uma inaceitável
inversão do princípio da presunção da inocência, um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito.

Se a discussão de culpa no Direito de Família já se revela bastante conturbada, no Direito


das Sucessões, a partir da ideia de presunção de culpa estabelecida pelo artigo 1.830 do Código
Civil, essa discussão ganha maior confronto na doutrina.
Certo é que o STJ, em julgamentos sobre a matéria, já adotou esse entendimento, no
sentido de que, na hipótese de separação de fato, cabe ao pretenso cônjuge ou companheiro
herdeiro comprovar que a separação não se deu por sua culpa.
No julgamento do Resp 15153252/SP, o STJ entendeu que “a sucessão do cônjuge
separado de fato há mais de dois anos é exceção à regra geral, de modo que somente terá direito
à sucessão se comprovar, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, que a convivência se tornara
impossível sem sua culpa”. Ainda conforme o julgamento, tendo o Tribunal de origem entendido
que a prova dos autos era inconclusiva no sentido de demonstrar que a convivência da ré com
o ex-marido se tornou impossível sem que culpa sua houvesse, seguiu-se que “não tendo o
cônjuge sobrevivente se desincumbido de seu ônus probatório, não ostenta a qualidade de
herdeiro”.
A propósito do artigo 1.830/CC, Flávio Tartuce nos alerta para o fato de que

o art. 1.830 do Código Civil passa a incidir também para as hipóteses fáticas relativas
à união estável, diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, de
equiparação sucessória das entidades familiares (Informativo n. 864 da Corte).
Assim, deve-se considerar, em vez do divórcio ou da separação de direito, a
dissolução da união estável, que pode ser feita de forma judicial ou extrajudicial,
litigiosa ou consensual, conforme o tratamento que consta do Código de Processo
Civil de 2015 (arts. 693 a 699; 731 a 733). Também nos casos de união estável deve-
se considerar que a separação de fato do casal põe fim ao relacionamento e afasta
o direito sucessório do companheiro, na mesma linha da leitura idealizada que aqui
propusemos, seguindo farta doutrina (TARTUCE, 2020, p. 2248).

O art. 1.831/CC reconhece ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de


bens, o direito real de habitação, o qual se refere ao imóvel destinado à residência do casal,
desde que seja o único imóvel desta natureza que seja objeto de inventário. Nesse particular, é
importante destacar que o STJ tem entendido que não importa se o imóvel é comum ou
exclusivo do falecido, de modo que, ainda que bem exclusivo do falecido, ao cônjuge e ao
companheiro é conferido o direito real de habitação.
Esse direito real de habitação tem uma ligação forte sobre a doutrina do patrimônio
mínimo, defendida no STF pelo Ministro Luiz Edson Fachin. Em linhas gerais, essa doutrina

455

458
funda-se na ideia da dignidade da pessoa humana que deve ser considerada inclusive quanto ao
patrimônio mínimo que uma pessoa necessita para ter uma vida digna.
Sobre esse direito, o STJ já entendeu, também, que o direito real de habitação é
conferido por lei, independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser
proprietário de outros imóveis (REsp 1.249.227/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
17/12/2013, DJe 25/3/2014).
Para maioria da doutrina, o direito real de habitação consubstancia um direito
personalíssimo, voltado para a pessoa do cônjuge sobrevivente (e companheiro conforme
interpretação conforme a CF), de forma que esse titular não pode valer-se desse direito quando
empresta ou aluga o imóvel para terceiro.
Consoante esse entendimento, então, o direito real de habitação é o direito para
habitar, não podendo, em tese, alugar o imóvel, ceder em comodato, etc.
Entretanto, Flávio Tartuce, apresentando posição diferente, esclarece que pode haver
a quebra dessa regra

aplicando-se a ponderação a favor da moradia. Vale lembrar, mais uma vez, que a
técnica da ponderação está prevista no art. 489, § 2.º, do CPC/2015. E, conforme
Enunciado n. 17 do IBDFAM, aprovado no seu X Congresso Brasileiro, em 2015, “a
técnica de ponderação, adotada expressamente pelo art. 489, § 2.º, do Novo CPC, é
meio adequado para a solução de problemas práticos atinentes ao Direito das
Famílias e das Sucessões (TARTUCE, 2020, p. 2249).

Para o autor, então, poder-se-ia entender como direito real de habitação a utilização do
imóvel dado em aluguel para, com o dinheiro obtido, alugar outro de menor tamanho, que
atenda às efetivas necessidades do cônjuge (ou companheiro) sobrevivente. Para alcançar esse
resultado, o autor aplica a técnica de ponderação a favor da moradia. Entretanto, é o próprio
autor quem indica recente julgado do STJ, no qual entende que não se deve reconhecer o direito
real de habitação quando o imóvel estiver locado ou cedido em comodato a terceiros (STJ, REsp
1.654.060/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.10.2018, DJe 04.10.2018).
Ainda sobre o direito do cônjuge sobrevivente à participação na sucessão, importante
destacar os julgados do STF que entenderam pela total igualdade de tratamento em relação ao
companheiro (RE 646.721-RS e RE 878.694-MG, julgados publicados no informativo 864/STF).
Essa plena igualdade de tratamento tem aplicação também no que diz respeito ao direito real
de habitação. O STJ já vinha reconhecendo esse direito e agora, com as decisões do STF, fica
mais clara a plena equiparação entre os direitos dos cônjuges e dos companheiros.
O enunciado 117 do CJF diz que o direito real de habitação deve ser estendido ao
companheiro em razão da interpretação analógica do art. 1.831 do CC. Embora o enunciado diga
que se trata de interpretação analógica, entendemos que a hipótese é de analogia, forma de
colmatação da norma, de integração do sistema.
Percebam que todas as regras aplicáveis ao cônjuge foram estendidas ao companheiro,
de modo que o art. 1.790 do CC, que estabelecia regramento diferenciado na sucessão do
companheiro, foi tido como inconstitucional.
Com o entendimento do STF acerca da inconstitucionalidade do artigo 1.790/CC (ver RE
878.694), é de se concluir que é aplicado ao companheiro, portanto, o mesmo regime sucessório
dos cônjuges.

456

459
3.5. SUCESSÃO DOS COLATERAIS

Quando o autor da herança falece sem deixar descendentes, ascendentes e tampouco


cônjuge ou companheiro, será chamada a próxima classe de herdeiros, a qual compreende os
colaterais.
Assim, os colaterais são herdeiros de 4ª classe. É o que estabelece o artigo 1.839 do
Código Civil.
Quanto aos colaterais, algumas considerações merecem destaque:
- Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos: quanto aos
colaterais, a legislação prevê o direito de representação, mas tão somente em relação aos filhos
do irmão pré-morto. Exemplificando, João, solteiro, morre sem deixar descendentes nem
ascendentes, tendo apenas um irmão vivo e dois sobrinhos, filhos do irmão pré-morto. Nesse
caso, não havendo testamento, 50% da herança caberá ao irmão vivo e os outros 50% serão
divididos entre os sobrinhos, por representação ao irmão pré-morto. Os sobrinhos, no caso,
herdam por representação.
A representação na sucessão dos colaterais somente é aplicável aos filhos do irmão pré-
morto, não se estendendo aos demais colaterais.
- Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um
dos irmãos unilaterais vai ter direito à metade do que receber o irmão bilateral: a legislação
estabelece uma diferenciação entre irmãos bilaterais (que possuem o mesmo pai e a mesma
mãe) dos irmãos unilaterais (só possuem ou o pai ou a mãe em comum). Exemplificando, João,
solteiro, morre deixando dois irmãos unilaterais e um irmão bilateral. No caso, o irmão bilateral
receberá 50% da herança de João e os irmãos unilaterais receberão, cada um, 25% da herança.
- Na falta de irmãos, serão chamados a sucessão os filhos dos irmãos. Na falta dos
sobrinhos, herdarão os tios. Na falta destes, os primos. A regra é a de que os sobrinhos terão
prioridade sobre os tios, ainda que sejam de mesmo grau. Portanto, se houver sobrinhos, tios
não irão herdar.

3.6. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

3.6.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Direito das sucessões. Direito real de habitação. Art. 1.831
do Código Civil. União estável reconhecida. Companheiro sobrevivente. Patrimônio.
Inexistência de outros bens. Irrelevância. O reconhecimento do direito real
de habitação, a que se refere o artigo 1.831 do Código Civil, não pressupõe a
inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente.
Registre-se inicialmente que o art. 1.831 do Código Civil e o art. 7º da Lei n.
9.278/1996 impôs como a única condição para garantia do cônjuge sobrevivente
ao direito real de habitação é que o imóvel destinado à residência do casal fosse o
único daquela natureza a inventariar, ou seja, que dentro do acervo hereditário
deixado pelo falecido não existam múltiplos imóveis destinados a fins residenciais.
Nenhum dos mencionados dispositivos legais impõe como requisito para o
reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens,
seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente. Não é por
outro motivo que a Quarta Turma, debruçando-se sobre controvérsia semelhante,
entendeu que o direito real de habitação é conferido por lei,
independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser
proprietário de outros imóveis (REsp 1.249.227/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 17/12/2013, DJe 25/3/2014). Com efeito, o objetivo da lei é permitir que

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460
o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo
da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar
o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e
social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico
estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência,
constituíram não somente residência, mas um lar. Além disso, a norma protetiva é
corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar
que tutela o interesse mínimo de pessoa que, em regra, já se encontra em idade
avançada e vive momento de inconteste abalo resultante da perda do consorte.
REsp 1.582.178-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em
11/09/2018, DJe 14/09/2018 (INF. 633).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Sucessão. Inventário. União estável. Filhos comuns e


exclusivos do autor da herança. Concorrência híbrida. Reserva da quarta parte da
herança. Inaplicabilidade. Art. 1.832, parte final, do CC. Interpretação restritiva.
Quinhão hereditário do companheiro igual ao dos descendentes. A reserva da
quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à
hipótese de concorrência sucessória híbrida. Cinge-se a controvérsia em torno da
fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com
um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança. O artigo
1.790 do Código Civil, ao tratar da sucessão entre os companheiros, estabeleceu que
este participará da sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável e, concorrendo com filhos comuns, terá
direito à quota equivalente ao filho, e, concorrendo com filhos do falecido, tocar-
lhe-á metade do que cada um receber. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a
inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC tendo em vista a marcante e
inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união
estável. Sendo determinada a aplicação ao regime sucessório na união estável o
quanto disposto no art. 1.829 do CC acerca do regime sucessório no casamento. Esta
Corte Superior, interpretando o inciso I desse artigo, reconheceu, através da sua
Segunda Seção, que a concorrência do cônjuge e, agora, do companheiro, no regime
da comunhão parcial, com os descendentes somente ocorrerá quando o falecido
tenha deixado bens particulares e, ainda, sobre os referidos bens. Por sua vez, o art.
1.832 do CC, ao disciplinar o quinhão do cônjuge (e agora do companheiro),
estabelece caber à convivente supérstite quinhão igual ao dos que sucederem por
cabeça, e que não poderá, a sua quota, ser inferior à quarta parte da herança, se for
ascendente dos herdeiros com que concorrer. A norma não deixa dúvidas acerca de
sua interpretação quando há apenas descendentes exclusivos ou apenas
descendentes comuns, aplicando-se a reserva apenas quando o cônjuge
ou companheiro for ascendente dos herdeiros com que concorrer. No entanto,
quando a concorrência do cônjuge ou companheiro se estabelece entre herdeiros
comuns e exclusivos, é bastante controvertida na doutrina a aplicação da parte final
do art. 1.832 do CC. A interpretação mais razoável do enunciado normativo é a de
que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge
ou companheiro concorrem com os descendentes comuns, conforme Enunciado 527
da V Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal
assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CC) e
da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem como o direito dos
descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido
mediante interpretação extensiva de norma. Assim, não haverá falar em reserva
quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os
descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência
híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido.
REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 11/06/2019, DJe 01/07/2019 (INF. 651).

458

461
4. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

4.1. CONCEITO DE TESTAMENTO E CARACTERÍSTICAS

No estudo do Direito das Sucessões, temos que o testamento é um claro exemplo de


exercício da liberdade individual. Pelo testamento, o autor da herança manifesta sua vontade
em relação ao seu patrimônio para além de sua morte, mas também pode manifestar-se sobre
outras questões que não meramente patrimoniais. Pelo testamento, por exemplo, o falecido
pode expor o desejo de reconhecimento de filhos e nomeação de tutor aos filhos menores. Esses
exemplos demonstram que qualquer conceituação que se limite ao aspecto patrimonial estará
equivocada.
Nessa ordem de ideias, Tartuce conceitua o testamento, esclarecendo que “é um
negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo qual o testador faz disposições de
caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte. Trata-se do ato sucessório
de exercício da autonomia privada por excelência” (TARTUCE, 2020, p. 2.290).
Assim, o testamento poderá ter conteúdo patrimonial e/ou extrapatrimonial, inclusive
apenas conteúdo extrapatrimonial.
O art. 1.857/CC diz que são válidas as disposições testamentárias de caráter não
patrimonial, ainda que o testador somente a elas tenha se limitado. Dessa forma, é possível
fazer um testamento moral, de valores para que os filhos possam seguir, não tendo nada de
patrimonial. Tartuce denomina esse testamento de “testamento ético” (TARTUCE, 2020, p.
2.291).
Outro importante escopo do testamento, que não encerra conteúdo patrimonial, mas
que ganha relevância por conter manifestação de vontade do falecido, é citado por Tartuce e se
refere a julgamento recente do STJ.

Trata-se do chamado testamento criogênico, com o destino do corpo para


congelamento e eventual ressuscitação no futuro, em virtude da evolução e
aprimoramento da medicina e de outras ciências, sem a necessidade de observância
de qualquer formalidade quanto ao ato de última vontade. Conforme a tese fixada
no decisum, “não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de
última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após a morte, sendo
possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em atenção à
vontade manifestada em vida (STJ, REsp 1.693.718/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, j. 26.03.2019, DJe 04.04.2019) (TARTUCE, 2020, p. 2.291).

Ainda em relação ao conteúdo extrapatrimonial, Daniel Carnacchioniu cita o testamento


vital. Para ele “o testamento vital ou living will, também conhecido como diretiva antecipada da
vontade, é o direito de a pessoa dispor, por meio de testamento, sobre questões que envolvam
o uso de terapias par prolongar, de forma artificial, o processo natural de morte. O testamento
vital viabiliza a morte digna, em respeito à vontade do paciente, que pode definir os limites
terapêutico a serem adotados em seu tratamento de saúde. Sobre o assunto, a Resolução n.
1995, de 09/08/2012” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1691).
Em relação ao conteúdo patrimonial, o art. 1.857, §1º, do CC diz que os bens da legítima
não podem ser objeto de testamento (50% do patrimônio do sujeito, se tiver herdeiros
necessários). Com efeito, como visto, quando o falecido deixa herdeiros necessários, ainda que
haja testamento, esse se limitará à parte disponível, que não abarca a legítima. Por isso, diz-se
que sempre que haja herdeiros necessários, a sucessão será obrigatoriamente legítima, ainda
que concorra com a testamentária.

459

462
Daniel Carnacchioni nos alerta para o fato de ao testamento, como negócio jurídico que
é, ter aplicação a teoria do negócio jurídico em relação aos pressupostos de existência e validade
e também, sob alguns aspectos regras sobre obrigações e direitos reais (CARNACCHIONI, 2018,
p. 1689).
São características do testamento:
- aperfeiçoa-se com uma única manifestação de vontade, e a renúncia ou a aceitação da
herança é irrelevante do ponto de vista jurídico para validade do testamento;
- o testamento é um negócio jurídico gratuito, pois o testador não aufere qualquer
vantagem;
- é um negócio mortis causa, pois somente produz efeitos após a morte;
- é revogável, pois o testador poderá modificá-lo ou revogá-lo a qualquer tempo. Por
outro lado, a despeito de ser revogável, o reconhecimento de filho irrevogável. Em sendo assim,
quando há reconhecimento de filho em um testamento, ainda que o testamento seja, por
qualquer motivo, revogado, persiste o reconhecimento nele constante;
- é vedado o testamento conjuntivo, sendo nulo e vedado por lei o testamento por meio
de mais de uma pessoa conjuntamente;
- toda pessoa capaz poderá dispor por testamento da totalidade de seus bens para
depois da morte (lembrando que se houver herdeiros necessários, essa disposição se limitará à
metade da herança). Como dito, o testamento segue, em linhas gerais, os pressupostos dos
negócios jurídicos. Em relação ao plano da validade, especificamente quanto à capacidade do
testador, a lei não permite que menores de 16 anos (absolutamente incapazes) testem e o art.
1.860/CC diz que também não podem testar as pessoas que no ato de fazer o testamento não
estiverem no pleno discernimento (Ex.: bêbado, drogas, etc.). Quanto ao maior de 16 anos e
menor de 18 anos (relativamente incapaz), entretanto, a lei estabelece expressamente que eles
podem testar, mesmo sem assistência. É o que diz expressamente o artigo 1.860/CC.
Com a Lei nº 11.346/2015, tivemos uma grande alteração quanto à teoria das
incapacidades. A partir dessa legislação, em consonância com pactos internacionais de que o
Brasil é signatário, somente os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes.
Além dessa incapacidade absoluta, o artigo 4º prevê quem são os relativamente incapazes.
Vimos que daqueles elencados no artigo 4º, o Código Civil faz expressa menção à possibilidade
de o maior de 16 e menor de 18 anos testar, mesmo sem assistência. Quanto aos demais ali
elencados, surge o questionamento sobre a possibilidade de exercício do direito de testar.
Daniel Carnacchioni, ao tratar do tema, diz que

os incapazes não podem testar (art. 1.860, caput, CC). Mas quem é considerado
incapaz para o testamento? Incapazes são os menores de 16 anos, atualmente os
únicos absolutamente incapazes (art. 3º do CC), assim, como todos os arrolados no
art. 4º do CC (pródigos, aqueles que por causa permanente ou transitória não podem
exprimir vontade, os ébrios habituais e viciados em tóxicos), que são relativamente
incapazes. Tais pessoas, por não terem o pleno discernimento, não possuem
capacidade testamentária ativa (art. 1.860 do CC) (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.689).

Daí se concluir que os absolutamente incapazes não podem testar (menores de 16 anos).
Quanto aos relativamente incapazes, tratando-se de incapacidade decorrente da idade (maiores
de 16 e menores de 18 não emancipados), poderão testar mesmo sem assistência, por expressa
previsão legal. Os demais relativamente incapazes entram na regra geral de impossibilidade de
testar.

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463
Remanesce, ainda, dúvida quanto àquelas pessoas que, sendo deficientes, não são
consideradas incapazes.
Como dito, com a Lei nº 11.346/2015, tivemos uma grande alteração quanto à teoria
das incapacidades. Assim, agora, a regra é a plena capacidade, sendo a declaração de
incapacidade relativa sempre excepcional. Consoante a legislação, a incapacidade relativa será
reconhecida judicialmente quando a pessoa tiver comprometido o pleno discernimento por
conta de alguma enfermidade. Daí decorre que a simples deficiência não é suficiente para o
reconhecimento da incapacidade. É preciso que, em razão dessa deficiência, haja
comprometimento do pleno discernimento.
Em sendo assim, uma pessoa deficiente, que não tenha comprometida a plena
capacidade de discernimento, poderá testar.
Questiona-se: e o deficiente que tem o comprometimento do pleno discernimento,
poderá testar?
Respondendo a essa indagação, Daniel Carnacchioni diz que

no caso de deficiência física ou mental, é essencial apurar o grau de intensidade de


prejuízo ao discernimento para permitir ou não que o testador, no ato de testar,
receba a ajuda ou auxílio, sem que tal colaboração comprometa o caráter
personalíssimo do testamento (...) poderão testar, desde que a deficiência não
comprometa a capacidade discernimento a ponto de o testador não ter
compreensão do negócio jurídico (...)(CARNACCHIONI, 2018, p. 1.690).

Por esse entendimento, não fica afastada a possibilidade de o deficiente testar. Se tiver
plena capacidade de discernimento, poderá livremente testar, sem maiores problemas. Se tiver
algum comprometimento, a análise será feita caso a caso, de modo a se perquirir se o
comprometimento da plena capacidade compromete a compreensão do negócio que se
pretende fazer. Se não comprometer, poderá fazê-lo com a participação do curador ou colaborar
que participe da tomada de decisão apoiada.
Esse é ainda um tema bastante novo, em decorrência da mudança relativamente
recente, e ainda suscita muitas discussões não completamente resolvidas pela jurisprudência.
A regra geral a ser observada é a do artigo 1.860 do Código Civil que estabelece que
pode testar quem está em pleno gozo do discernimento.
O art. 1.859/CC diz que se extingue em 5 anos o direito de impugnar a validade do
testamento, contado o prazo da data do seu registro. Este prazo se aplica aos casos de nulidade
relativa e também aos casos de nulidade absoluta.
A capacidade para testar é analisada no momento da manifestação de vontade. Em
sendo assim, se quando da exteriorização de vontade, o testador tinha pleno gozo da capacidade
de discernimento, o testamento será plenamente válido, ainda que em momento posterior, haja
comprometimento desse discernimento. Por outro lado, se há comprometimento do
discernimento por ocasião da exteriorização de vontade, posterior recuperação da plena
capacidade não retroage para tornar válido o testamento.
Quanto à capacidade testamentária passiva, ou seja, relativa a quem pode receber a
herança, tem-se uma amplitude de possibilidades. Conforme estabelece a legislação, além das
pessoas naturais nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1.798,
CC), podem ser chamados a suceder, em razão do testamento, a prole eventual, as pessoas
jurídicas e as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de
fundação (art. 1.799, CC).

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Assim, vê que, em relação à capacidade para testar, somente as pessoas naturais
poderão fazê-lo. É assim um instituto que não se aplica às pessoas jurídicas, quanto à capacidade
para testar. Sendo assim, as pessoas jurídicas não podem testar, mas, como vimos, podem ser
beneficiadas por testamento ou legado. Isso significa que não podem testar, mas podem ser
nomeadas herdeiras ou legatárias.

4.2. MODALIDADES ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO

O próprio Código Civil estabelece as modalidades de testamento. Diz o art. 1.862 que
são modalidades ordinárias de testamento:

• testamento público;
• testamento cerrado;
• testamento particular.
a) Testamento público: é aquele lavrado pelo tabelião de notas. Ele recebe as
declarações do testador, observa os requisitos essenciais do art. 1.864/CC e lavra o testamento.
São requisitos para o testamento público:
- testamento deve ser escrito pelo tabelião em seu livro de notas, de acordo com as
declarações do testador;
- o testamento deverá ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a 2 testemunhas
ao mesmo tempo;
- poderá ser lido pelo testador na presença das testemunhas e do oficial (tabelião);
- o instrumento deve ser, em seguida a esta leitura, assinado pelo testador, pelo tabelião
e pelas testemunhas.
A jurisprudência superior tem mitigado a observância desses requisitos formais do
testamento público. De acordo com essa jurisprudência, privilegia-se a vontade do testador, de
modo que, se ficar evidente que a pessoa foi quem efetivamente manifestou a vontade (testou),
ainda que na presença de apenas uma testemunha, poder-se-á mitigar o formalismo para fazer
valer a vontade do testador.
Se o testador não souber ou não puder assinar, neste caso o tabelião irá declarar isso no
instrumento, e, além disso, uma das testemunhas instrumentárias irá assinar pelo testador, a
seu rogo.
Assim, confirma-se a tese pela qual o analfabeto poderá testar por meio de testamento
público, já que quem não souber assinar poderá pedir que uma pessoa assine a seu rogo.
O art. 1.866/CC diz que o indivíduo inteiramente surdo, se souber ler, poderá testar.
Nesses casos, o sujeito irá ler o seu testamento ou, se não souber ler, irá designar alguém que o
leia, presente as testemunhas.
Em relação aos cegos, somente é possível testar por meio do testamento público, caso
em que será lido em voz alta por duas vezes: uma pelo tabelião e outro por uma das
testemunhas (art. 1.867, CC).
Ocorrendo o falecimento do testador, segundo o CPC 2015, qualquer interessado,
exibindo o traslado e a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o
cumprimento do testamento.
b) Testamento cerrado: é também chamado de testamento místico, pois não se sabe
qual é o seu conteúdo até que o sujeito morra. Na prática, o testamento cerrado não tem muita

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aplicação. Se é certo que o brasileiro não tem o hábito de fazer testamentos, pode-se dizer que
menos ainda nessa forma cerrada.
O art. 1.868/CC estabelece que o testamento cerrado, escrito pelo testador ou por outra
pessoa, a seu rogo, e assinado pelo testador, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu
substituto legal, observadas as formalidades da lei.
São formalidades para o testamento cerrado:
- testamento deve ser escrito pelo próprio testador ou por alguém a seu rogo, mas, de
qualquer forma, assinado pelo testador. Se for redigido mecanicamente, cabe ao testador
rubricar todas as páginas. O artigo 1.870/CC permite que o tabelião escreva o testamento a rogo
do testador e, na sequência, o aprove;
- testador deve entrega o testamento ao tabelião em presença de 2 testemunhas;
- testador deve declarar que aquele é o seu testamento e que quer que seja aprovado;
- tabelião deve lavrar, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas
testemunhas, lendo-o, em seguida, ao testador e testemunhas;
- o auto de aprovação deverá ser assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo
testador.
Após, a legislação estabelece que o tabelião irá cerrar e coser (costurar) o documento
aprovado, tudo isso com 5 pontos de retrós, sendo lacrado nos pontos de costura (art. 1.689). A
jurisprudência, entretanto, tem mitigado essas exigências.
O testamento cerrado poderá ser escrito em língua nacional ou em língua estrangeira
(art. 1.871). Não pode dispor de seus bens no testamento cerrado quem não sabe ler ou
escrever, pois é necessário que o próprio testador escreva o seu testamento ou pelo menos o
assine. Dessa forma, não obstante o analfabeto tenha capacidade ativa testamentária, não
poderá manifestar sua última vontade por esse tipo de testamento.
Quanto ao surdo ou o mudo, poderão fazer o testamento cerrado desde que saibam
escrever.
Após a aprovação e cerrado o testamento, este será entregue ao testador, lançando o
tabelião no seu livro o dia, lugar, hora, ano, etc. em que o testamento foi aprovado e entregue
ao testador.
Quando ocorrer a morte do testador, o testamento cerrado será apresentado ao juiz e
este, constatando que não vício externo que torne o testamento nulo ou suspeito de falsidade,
irá abri-lo, determinando que se registre para que seja cumprido.
Do termo de abertura do testamento, constará o nome de quem apresentou o
testamento cerrado, ainda de forma secreta, e como essa pessoa obteve o testamento.
O Ministério Público será ouvido e, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz
mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento. Feito o registro, será intimado o
testamenteiro para que ele venha a assinar o termo da testamentaria.
O art. 1.980/CC estabelece que o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições
testamentárias no prazo marcado pelo testador. Além disso, terá que dar conta do que recebeu
e despendeu, com responsabilidades que perduram durante a execução do testamento.
c) Testamento particular: é também chamado de testamento hológrafo, pois é escrito
pelo próprio testador, sem maiores formalidades. Estabelece o art. 1.876 do CC que o
testamento particular poderá ser escrito de próprio punho ou por processo mecânico. Quando
o testador opta pelo testamento particular escrito de próprio punho, necessariamente o

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testamento deverá ser lido e assinado na presença de, pelo menos, três testemunhas, as quais
também deverão subscrever esse testamento.
Sendo elaborado por um processo mecânico, não poderá conter rasuras e nem espaços
em branco. Da mesma forma, deverá ser assinado pelo testador, após ter sido lido na presença
de ao menos três testemunhas, as quais irão assiná-lo.
A jurisprudência mitiga os rigores formais estabelecidos em lei. A ideia é buscar a real
vontade do testador, a qual, ficando comprovada, deverá ser respeitada com o cumprimento do
testamento. Privilegia-se, então, a vontade do testador em detrimento das formalidades legais.
Falecido o testador, publica-se em juízo o testamento particular, e, na sequência, citam-
se os herdeiros. Caso as testemunhas confirmem a disposição de última vontade ou pelo mesmo
a leitura perante elas, reconhecendo as próprias assinaturas, assim como a do testador, o
testamento será confirmado.
O NCPC estabelece, no art. 737, que a publicação do testamento particular poderá ser
requerida pelo herdeiro, legatário, pelo testamenteiro ou por um terceiro que detenha o
testamento.
O §1º desse dispositivo diz que serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido
a publicação do testamento, a fim de que possam ser inquiridos em juízo.
No §2º, o legislador estabelece que se o juiz perceber a presença dos requisitos previstos
em lei, depois de ouvir o MP, vai confirmar o testamento.
O art. 1.878 do Código Civil diz que se as testemunhas forem contestes sobre o fato da
disposição ou sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem essas testemunhas as suas
próprias assinaturas, assim como a assinatura do testador, o testamento será confirmado.
Agora, se faltar uma testemunha porque morreu ou está ausente, mas pelo menos a
que resta reconhecer a sua assinatura do testamento e a assinatura do testador, esse
testamento poderá ser confirmado a critério do juiz se se perceber suficiente a prova da sua
veracidade.
Assim, ainda que falte uma testemunha, por morte ou outro motivo, caso as
testemunhas remanescentes reconheçam o testamento, este poderá ser confirmado,
privilegiando-se, sempre, a busca do cumprimento da última vontade do autor da herança.
Caberá ao juiz analisar a presença de provas suficientes de veracidade da exteriorização de
vontade do testador.
Daniel Carnacchioni chama a atenção para a possibilidade de, em circunstâncias
excepcionais, declaradas na cédula testamentária, é possível que o testamento particular de
próprio punho e assinado pelo testador assim seja feito sem testemunhas, situação na qual
poderá ser confirmado desde que situações excepcionais justifiquem a ausência de
testemunhas. É o caso do testamento particular de emergência (CARNACCHIONI, 2018, p. 1694).
Exemplificando, poderíamos citar a hipótese de alguém, sequestrado e em risco de
morte, pegar um papel e uma caneta e exteriorizar sua última vontade, descrevendo como
gostaria que seus bens fossem distribuídos. Feito isso, guarda o papel no bolso. Caso seja
efetivamente morto, em sendo encontrado o papel com a devida assinatura do falecido,
excepcionalmente, poder-se-á considerar a vontade do autor da herança, ainda que sem
nenhuma testemunha do ato. Como dito, privilegia-se a vontade exteriorizada em detrimento
das formalidades exigidas em lei e que, no caso concreto, seria impossível sua observância.
O art. 1.880/CC diz que o testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira,
desde que as testemunhas compreendam essa língua.

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4.3. MODALIDADES ESPECIAIS DO TESTAMENTO

Além das modalidades descritas, o Código Civil prevê modalidades especiais de


testamento. São elas:

• testamento marítimo;
• testamento aeronáutico; e
• testamento militar.
É importante destacar que esse rol é taxativo, não possibilitando, por conseguinte, uma
interpretação extensiva.
Essas modalidades estão submetidas às mesmas regras de publicação e confirmação do
testamento particular. Em verdade, não há praticamente nenhuma aplicação prática.
a) Testamento marítimo e aeronáutico: o art. 1.888/CC estabelece que aquele que
estiver em viagem a bordo de um navio nacional pode testar perante o comandante e na
presença de duas testemunhas. Esse testamento poderá ser público ou cerrado, de próprio
punho, lacrado, etc. Para fazer a manifestação de última vontade por esse meio de testamento
não é preciso ser militar, bastando que a pessoa, militar ou civil, esteja a bordo de um navio.
O registro desse testamento será feito no diário de bordo.
O art. 1.889/CC segue a mesma linha, mas se refere ao testamento a bordo de aeronave.
Quem estiver a bordo de aeronave poderá testar na presença de pessoa designada pelo
comandante e outras duas testemunhas, adotando a forma de um testamento público ou
testamento cerrado, devendo ser registrado no diário de bordo.
Esse testamento ficará sob a guarda do comandante. Quando o navio atracar ou quando
a aeronave pousar, caberá ao comandante entregar o testamento às autoridades do primeiro
porto ou aeroporto, conforme o caso.
O testamento marítimo ou aeronáutico caducará se o testador não morrer naquela
viagem e nos próximos 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra no lugar em que
possa fazer o testamento de forma ordinária, não fizer outro testamento.
Então, na verdade, o testamento marítimo e o aeronáutico vão caducar, se o testador
não tiver morrido na viagem, em 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra em lugar
que se possa fazer de forma ordinária outro testamento, e assim não o confirmar.
O art. 1.892 estabelece que é inválido o testamento marítimo se, ao tempo que se fez,
o navio estava em porto, onde o testador pudesse desembarcar e testar de forma ordinária.
b) Testamento militar: o testamento militar poderá ser feito, não havendo tabelião,
perante duas testemunhas.
Se o testador não souber escrever, por estar ferido ou se for analfabeto, serão
necessárias três testemunhas, visto que uma delas irá assinar a rogo, a pedido do testador.
Se o testador pertencer a corpo ou a cessão de corpo destacado, o testamento será
escrito pelo comandante daquele corpo.
Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo oficial
de saúde ou pelo diretor daquele hospital.
Já no caso de o testador ser oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele
que o substituir, ou seja, o próximo na linha sucessória.

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Conforme estatui o art. 1.891/CC, caducará o testamento marítimo ou aeronáutico, se
o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque em
terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento.
Vale ressaltar que os militares, se estiverem em combate, e forem feridos, poderão
testar oralmente, confiando as suas últimas palavras a duas testemunhas. É o denominado
testamento nuncupativo especial, sendo este o testamento militar feito oralmente por quem
está em meio a uma guerra, ferido e confia sua última vontade a duas testemunhas.
Essa modalidade de testamento não terá efeito se o testador não morrer naquela
guerra, bem como se houver convalescência do ferido.

4.4. CODICILO

Codicilo é uma disposição testamentária de pequena monta ou disposição de bens que


tenham mais valor sentimental que propriamente econômico.
Exatamente por dizer respeito à disposição de bens de pequena monta, a formalidade
para esse tipo de testamento é muito menor.
Nessa ordem de ideias, o art. 1.881/CC estabelece que toda pessoa capaz de testar
poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o
seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou,
indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de
pouco valor, de seu uso pessoal.
Além disso, por meio do codicilo, é possível nomear ou substituir um testamenteiro,
sendo possível fazer sufrágios, ou seja, disposições sobre sufrágios da alma, além de ser possível
perdoar herdeiro indigno.
Os atos praticados por meio do codicilo revogam-se por atos iguais. Assim é que o artigo
1.884/CC estabelece que se consideram revogados os atos constantes de codicilo, se, havendo
testamento posterior, de qualquer natureza, este os não confirmar ou modificar.
Após a morte do testador, a confirmação do codicilo deve ser feita do mesmo modo que
é feito o testamento particular, sendo levado a juízo (art. 737, NCPC).

4.5. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Como vimos, do artigo 1.857 a 1.896, o Código Civil trata dos aspectos formais do
testamento. A partir do artigo 1.897 do CC, a preocupação do legislador é disciplinar os aspectos
substanciais do testamento.
Ensina Daniel Carnacchioni que “em termos gerais, disposições testamentárias são as
cláusulas de um testamento, isto é, seu conteúdo. É a maneira ou modo pelo qual o autor da
herança manifesta sua derradeira vontade, que será realizada para depois de sua morte (evento
futuro)” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.695).
Conforme o conteúdo do testamento, podemos classificar as disposições testamentárias
da seguinte forma:

• disposição pura e simples;


• disposição sob condição;
• disposição para certo fim (com encargo); e
• disposição para certo motivo.

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Perceba que não há possibilidade de disposição com termo, pois o art. 1.898/CC proíbe
de forma expressa a designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro,
salvo nas disposições fideicomissárias. Assim é que, salvo nas disposições fideicomissárias,
qualquer termo constante de disposição de última vontade ter-se-á por não escrito.
Outra regra quanto ao aspecto substancial do testamento é que, quando a cláusula
testamentária for suscetível de diferentes interpretações, dada a sua dubiedade, prevalecerá
sempre a interpretação que se assegure a vontade do testador.
O art. 1.900/CC estabelece hipóteses de nulidade da disposição de última vontade.
Consoante referido artigo será considerada nula a disposição:

I - que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha,
também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro;

II - que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar;

III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a


terceiro;

IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado;

V - que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.

A hipótese do inciso I diz respeito à condição captatória, que visa evitar que o testador
condicione a disposição testamentária ao fato de o herdeiro ou legatário vir a beneficiá-lo ou a
terceiro, em testamentos destes.
Os incisos II e III tratam da vedação de disposição testamentária que se refira a uma
pessoa absolutamente indeterminada, indeterminável, incerta, etc.
Pelo inciso IV, temos que também é nula a disposição que estabeleça, ao arbítrio de
herdeiro ou de outrem, a fixação do valor do legado.
Por fim, o inciso V estabelece a nulidade da disposição testamentária que favoreça a
pessoa que, a seu rogo, assinou o testamento, as outras testemunhas, companheiros, cônjuge,
descendentes ou irmão dessas pessoas, ou ainda o concubino do testador, que é casado,
tabelião, etc. Nesses casos, será nulo o favorecimento.
Não obstante a impossibilidade de disposição em favor de pessoa incerta, cuja a
identidade não se possa averiguar, é válida a disposição testamentária em favor de pessoa
incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo
testador, ou que pertençam a uma família ou coletividade definida. A pessoa é indeterminada,
mas é determinável, situação, portanto, em que não há absoluta indeterminação subjetiva.
O art. 1.903 do Código Civil estabelece que o erro na designação da pessoa do herdeiro,
do legatário, ou da coisa legada anula a disposição, salvo se, pelo contexto do testamento, por
outros documentos, ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa a que o
testador queria referir-se. No caso, sendo determinável a pessoa, buscar-se-á privilegiar a
vontade do testador.
Se o testador nomeia certos herdeiros individualmente e outros herdeiros
coletivamente, a herança será dividida em tantas quotas quanto forem os indivíduos e os
grupos.
Ainda no plano da validade, temos que a legislação estabelece que são anuláveis as
disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação, estando sujeitas ao prazo

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decadencial. As hipóteses referem-se aos vícios do consentimento que se sujeitam a prazos
decadenciais, findos os quais, não havendo impugnação, ocorre a convalidação do ato.
O prazo decadencial é contado a partir do momento em que o interessado tiver
conhecimento do vício que inquina o testamento (art. 1.909, parágrafo único, do CC).
O testamento pode, também, ter cláusulas restritivas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade. Essas cláusulas encerram restrições impostas pelo
testador, relativamente aos bens deixados em herança. Tais cláusulas, conforme artigo
1.848/CC, não podem ser inseridas nos bens que compõem a legítima, salvo na hipótese de justa
causa declarada no testamento.
Essas cláusulas, quando inseridas no testamento, poderão ser temporárias ou vitalícias.
Sendo vitalícias, a morte do beneficiado (legatário ou herdeiro) importará em extinção da
cláusula e consequente extinção da restrição.
Conforme previsão do art. 1.911/CC, a cláusula de inalienabilidade implica em
impenhorabilidade e incomunicabilidade.

4.6. LEGADO

O legado é também resultado da manifestação de última vontade do autor da herança,


porém, diferentemente do que ocorre no testamento que confere sucessão a título universal,
no legado a disposição é feita de forma específica, sendo realizada a título singular.
Os legatários são, dessa forma, herdeiros testamentários a título singular e adquirem,
no momento da abertura da sucessão, a propriedade dos bens individualizados que lhe são
destinados no testamento. Assim, através do legado, há atribuição de um bem certo para uma
pessoa, por meio de um testamento. Ex: João deixa o carro Fiat Elba, ano 1996, para José.
Entretanto, para eficácia do legado, é preciso que o bem pertença ao testador no
momento de sua morte, que é quando ocorre a abertura da sucessão. Se o testador, não
obstante o legado, tenha, por ato inter vivos, transferido a coisa para a propriedade de outra
pessoa, diversa do legatário, este não poderá reclamá-la do terceiro.
A propósito, o artigo 1.939, II, CC, diz que se no momento da abertura da sucessão, o
bem indicado no legado não pertencer mais ao testador, há a caducidade do legado, que leva à
ineficácia da disposição.
A legislação permite também o sub-legado. Consoante art. 1.913/CC, se o testador
ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o
cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado. Exemplificando, João
determina que seu herdeiro José entregue o veículo Elba, 1996, a Maria. Se José não entregar
este bem a Maria, presume-se que ele renunciou à herança. Então, José não é legatário do de
cujos, e sim sub-legatário, pois a ordem é de que o legatário ou herdeiro entregue o bem a outra
pessoa que vai ser denominada sub-legatária.

4.6.1. ESPÉCIES DE LEGADOS

Ao abordar os legados, Flávio Tartuce faz a divisão de suas espécies de forma bastante
didática, a saber:

a) Legado de coisa alheia – tratado pelo art. 1.912 do CC, pelo qual é ineficaz o
legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da liberalidade.

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b) Legado de coisa comum – se a coisa legada pertencer somente em parte ao
testador, só quanto a essa parte valerá o legado em benefício do legatário (art. 1.914
do CC).

c) Legado de coisa genérica – se o legado for de coisa que se determine pelo gênero,
será o mesmo cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelo
testador (art. 1.915 do CC).

d) Legado de coisa singular – se o testador legar coisa sua, singularizando-a, só terá


eficácia o legado se, ao tempo do seu falecimento, ela se achava entre os bens da
herança (art. 1.916 do CC). Se a coisa legada existir entre os bens do testador, mas
em quantidade inferior à do legado, este será eficaz apenas quanto à existente.

e) Legado de coisa localizada – o legado de coisa que deva encontrar-se em


determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título
transitório (art. 1.917 do CC).

f) Legado de crédito e de quitação de dívida – enuncia o art. 1.918 do CC que o


legado de crédito, ou de quitação de dívida, terá eficácia somente até a importância
desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador. Cumpre-se o legado, entregando
o herdeiro ao legatário o título respectivo (§ 1.º). Este legado não compreende as
dívidas posteriores à data do testamento (§ 2.º).

g) Legado de alimentos – conforme o art. 1.920 do CC, abrange o sustento, a cura, o


vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.
Com aplicação do instituto, colaciona-se: “Legado de alimentos. Disposição
testamentária que beneficia herdeira. Valores provenientes de renda de imóvel
locado, pertencente ao espólio. Decisão agravada que, em inventário, determina o
levantamento das quantias depositadas em juízo em favor da legatária, bem como
ordena à inquilina que faça o pagamento da quantia correspondente ao legado de
alimentos diretamente à beneficiária da quantia. Correção. Disposição
testamentária plena e eficaz. Legado de alimentos devidos desde a morte da
testadora (artigo 1.926 CC/2002). Decisão mantida. Recurso desprovido, na parte
conhecida” (TJSP, Agravo de Instrumento 994.09.272937-0, Acórdão 4371741, São
Paulo, 1.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, j. 16.03.2010, DJESP
22.04.2010).

h) Legado de usufruto – sendo realizado pelo testador sem fixação de tempo,


entende-se como vitalício, ou seja, deixado para toda a vida do legatário (art. 1.921
do CC).

i) Legado de imóvel – se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas
aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo
expressa declaração em contrário do testador (art. 1.922, caput, do CC). Tal premissa
não se aplica às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no prédio
legado, que devem ser tidas como incorporadas ao legado (parágrafo único).

j) Legado de dinheiro – tratado pelo art. 1.925 do CC, vencendo os juros desde o dia
em que se constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-los.

k) Legado alternativo – conceito similar à obrigação alternativa (art. 252 do CC),


sendo aquele em que o legatário tem a opção de escolher entre alguns bens
descritos pelo autor da herança (art. 1.932 do CC) (TARTUCE, 2020, p. 2.332-2.333).

469

472
4. 6.2. EFEITOS DOS LEGADOS

Uma importante discussão sobre o legado diz respeito à aplicação ou não a ele do
princípio de saisine.
Conforme artigo 1.923/CC, desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa
certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva. Já o § 1 do mesmo
artigo diz que não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por
autoridade própria.
Depreende-se, do artigo transcrito, que também na hipótese do legado, há aplicação
sim do princípio de saisine, porquanto há a imediata transferência da propriedade assim que
aberta a sucessão. A ressalva é que, não obstante a imediata transferência, a posse da coisa não
será transferida de imediato.
Havendo litígio em torno do testamento em que fora realizado o legado, não será
possível o cumprimento do legado enquanto pendente referido litígio.
Igualmente, não é possível o pedido de cumprimento de legado enquanto pendente a
condição ou se ainda não ocorreu o vencimento do prazo estabelecido. É que o legado pode ser
estabelecido com encargo ou a termo, situações em que fica mitigado o exercício imediato do
direito de pedir o cumprimento do legado.
No caso de legado em dinheiro, somente começará a correr os juros se o legatário
constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-lo. É o que estabelece o artigo 1.925, CC.

4. 6.3. CADUCIDADE DOS LEGADOS

Ao tratar da caducidade dos legados, o artigo 1.939 do CC estabelece que caducará o


legado:

I - se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não


ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía;

II - se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada;


nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;

III - se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro
ou legatário incumbido do seu cumprimento;

IV - se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815 ;

V - se o legatário falecer antes do testador.

Essas são hipóteses legais de caducidade do legado, ou seja, nessas hipóteses o legado
perde a eficácia, não produzindo os efeitos que dele se esperavam.

4.6.4. DIREITO DE ACRESCER ENTRE LEGATÁRIOS

Em relação ao direito de acrescer, deve-se pensar que a matéria se refere à situação em


que há co-legatários, ou seja, situações em que há mais de um legatário. Nesse caso, o direito
de acrescer vai competir aos nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, ou então,
quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização. É o que diz o art.
1.941 do CC.
A redação do referido artigo diz, então, in verbis:

470

473
quando vários herdeiros, pela mesma disposição testamentária, forem
conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados, e qualquer
deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos co-herdeiros,
salvo o direito do substituto.

Vê-se que a designação conjunta de herdeiros, testamentários ou legatários, sem


especificação da cota-parte de cada um, é um dos requisitos para o exercício do direito de
acrescer.
O artigo 1.942/CC estabelece que o direito de acrescer competirá aos co-legatários,
quando nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e certa, ou quando
o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização.
Sobre esse direito de acrescer relacionado aos co-legatários, o artigo 1.943/CC
estabelece que

se um dos co-herdeiros ou co-legatários, nas condições do artigo antecedente,


morrer antes do testador; se renunciar a herança ou legado, ou destes for excluído,
e, se a condição sob a qual foi instituído não se verificar, acrescerá o seu quinhão,
salvo o direito do substituto, à parte dos co-herdeiros ou co-legatários conjuntos.

O parágrafo único do mesmo artigo vai arrematar, estabelecendo que “os co-herdeiros
ou co-legatários, aos quais acresceu o quinhão daquele que não quis ou não pôde suceder, ficam
sujeitos às obrigações ou encargos que o oneravam”.
O artigo 1.945/CC veda ao beneficiário do acréscimo repudiá-lo separadamente da
herança ou legado que lhe caiba, salvo se o acréscimo comportar encargos especiais impostos
pelo testador; nesse caso, uma vez repudiado, reverte o acréscimo para a pessoa a favor de
quem os encargos foram instituídos.
Já o art. 1.946/CC refere-se ao legado especial consistente no usufruto. Por esse artigo,
fica estabelecido que “legado um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte
da que faltar acresce aos co-legatários”. Não somente, conforme seu parágrafo único, “se não
houver conjunção entre os co-legatários, ou se, apesar de conjuntos, só lhes foi legada certa
parte do usufruto, consolidar-se-ão na propriedade as quotas dos que faltarem, à medida que
eles forem faltando”.

4.7. SUBSTITUIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Substituir é ocupar um lugar que era ocupado por outra pessoa.


Quando se fala em substituição testamentária, há uma disposição testamentária, na
qual o testador irá chamar uma pessoa para receber a herança ou o legado, seja no todo ou em
parte, ou na falta ou após a renúncia do herdeiro ou legatário nomeado em primeiro lugar.
Conforme explica Maria Helena Diniz,

a substituição é a disposição testamentária na qual o testador chama uma pessoa


para receber, no todo ou em parte, a herança ou o legado, na falta ou após o herdeiro
ou legatário nomeado em primeiro lugar, ou seja, quando a vocação deste ou
daquele cessar por qualquer causa (DINIZ, 2010, p. 1.355).

Exemplificando, temos que na substituição testamentária, o testador deixa um bem


para José, mas se José renunciar, ou se José morrer antes, o bem ficará para João. Nesse caso,
João será chamado a substituir o lugar de José. Na substituição, já constará do testamento a
pessoa que será chamada em segundo lugar.

471

474
De acordo com o Código Civil, a substituição testamentária poderá ser vulgar ou
fideicomissária.
Substituição vulgar ou ordinária: nessa modalidade de substituição, o testador já faz
constar do testamento que, caso o primeiro nomeado não possa receber a herança, será
chamada outra pessoa já indicada por ele no testamento. Assim, o testador substitui
diretamente uma pessoa por outra, se o herdeiro ou legatário nomeado não quiser ou
não puder aceitar a herança ou legado.
- Substituição fideicomissária: nesse tipo de sucessão, o testador institui herdeiros ou
legatários, estabelecendo que por ocasião de sua morte a herança ou o legado vai se
transmitir ao fiduciário e o direito dessa pessoa vai se resolver quando essa pessoa
morrer ou quando ocorrer certa condição ou certo termo, situação em que esse direito
irá se resolver em favor de outra pessoa, que é chamado de fideicomissário. O fiduciário
tem, via de regra, uma propriedade resolúvel. A previsão da substituição fideicomissária
está no artigo 1.951, CC. Ademais, a legislação estabelece que esse tipo de substituição
fideicomissária somente é permitida em favor dos não concebidos ao tempo da morte
do testador. É o que dispõe o art. 1.952. O parágrafo único do artigo em questão ressalta
que se, ao tempo da morte do testador, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá
este a propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se em usufruto o direito do
fiduciário. O fideicomisso caducará se o fideicomissário morrer antes do fiduciário. É a
chamada premoniência. Nos termos do artigo 1.958/CC, também caducará o
fideicomisso se o fideicomissário morrer antes de realizar-se a condição resolutória do
direito do fiduciário; nesse caso, a propriedade consolida-se no fiduciário, nos termos
do art. 1.955 .Se houver renúncia da herança ou do legado pelo fiduciário, nesse caso o
fideicomissário poderá aceitá-la. Essa autorização de aceitação do fideicomissário em
caso de renúncia pelo fiduciário está amparada no art. 1.954 do CC. Ainda sobre a
substituição fideicomissária, o art. 1.959/CC diz que são nulos os fideicomissos além do
2º grau.
O professor Flávio Tartuce, além dessa classificação, elenca ainda a denominada
substituição recíproca, esclarecendo que ela acontece quando

um herdeiro substitui o outro e vice-versa (art. 1.948 do CC). Pelo que consta de tal
comando, a substituição recíproca pode ser assim subclassificada, na esteira de
melhor doutrina:

a) Substituição recíproca geral – todos substituem o herdeiro ou legatário que não


suceder.

b) Substituição recíproca particular – somente determinados herdeiros ou


legatários são apontados como substitutos recíprocos.

c) Substituição coletiva – vários herdeiros são nomeados como substitutos para o


herdeiro ou legatário que não sucede.

d) Substituição singular – somente um herdeiro é nomeado como substituto do


herdeiro ou legatário que não sucede. Em complemento, dispõe o art. 1.950 do CC
que se, entre muitos coerdeiros ou legatários de partes desiguais, for estabelecida
substituição recíproca, a proporção dos quinhões fixada na primeira disposição
entender-se-á mantida na segunda (na substituição). Se, com as outras pessoas
anteriormente nomeadas, for incluída mais alguma pessoa na substituição, o
quinhão vago pertencerá em partes iguais aos substitutos. Desse modo, por razões
óbvias, o novo substituto deve ser incluído na divisão (TARTUCE, 2020, p. 2341-
2342).

472

475
4.8. REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Como analisamos em tópico próprio, quando o autor da herança morre deixando


herdeiros necessários, não pode testar de modo a atingir a legítima. Há, por conseguinte, uma
limitação ao direito de testar, porquanto necessariamente 50% do patrimônio existente ao
tempo da abertura da sucessão constitui a denominada legítima e por isso não poderá ser objeto
de disposição. Assim é que pode ser que seja necessária a redução das disposições
testamentárias para que não se prejudique essa legítima. Se o testador, em vida, faz uma
disposição que rompe a proteção da legítima, essa disposição somente será válida até os limites
da metade disponível do seu patrimônio.
Então, se se verificar que as disposições testamentárias ultrapassam a porção disponível,
elas serão reduzidas proporcionalmente às quotas do herdeiro ou dos herdeiros que foram
instituídos ali.
Se após a redução das quotas dos herdeiros instituídos, não se obteve ainda a proteção
da legítima, passar-se-á à redução dos legados, na proporção do que bastar.
Nesse contexto, vê-se que, em regra, primeiramente serão reduzidas as quotas dos
herdeiros. Se não for suficiente, será necessário reduzir as dos legatários também.
O testador poderá antever essa necessidade de redução. Poderá, então, dispor qual é a
preferência no tocante à redução, podendo estabelecer que primeiramente a redução incidirá
sobre os legados e só depois quanto aos herdeiros. Quando assim fizer, a redução será feita nos
moldes desejados pelo testador, não sendo essa hipótese vedada pelo ordenamento.
A propósito, diz o parágrafo segundo do artigo 1.967, CC, que se o testador, prevenindo
o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-
á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no
parágrafo antecedente.
A abertura dada pelo artigo 1.967, § 2º, CC, demonstra que a ordem estabelecida para
as reduções testamentárias não é de ordem pública, admitindo previsão em sentido diverso, de
acordo com a vontade do testador.
Quando o excesso se verificar em legado caracterizado por um imóvel, em sendo esse
divisível, far-se-á a redução proporcionalmente, conforme dispõe o caput do artigo 1.968, CC.
Problema maior será quando a redução tem que ser feita em imóvel não divisível. Nesse caso, o
§ 1 o do referido artigo diz que se não for possível a divisão, e o excesso do legado montar a
mais de um quarto do valor do prédio, o legatário deixará inteiro na herança o imóvel legado,
ficando com o direito de pedir aos herdeiros o valor que couber na parte disponível; se o excesso
não for de mais de um quarto, aos herdeiros fará tornar em dinheiro o legatário, que ficará com
o prédio.

4.9. REVOGAÇÃO DO TESTAMENTO

Quando falamos em revogação do testamento, estamos tratando do plano da eficácia,


porquanto não se trata de análise dos planos da existência ou validade. O ato existe e é válido,
mas a lei permite o exercício do direito potestativo de revogação. Assim, a lei permite que o
testamento seja revogado, por manifestação unilateral de vontade, pela qual há extinção do
negócio jurídico.
Consoante art. 1.969/CC, o testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma
como pode ser feito. O subsequente art. 1.970/CC completa, estabelecendo que essa revogação
do testamento pode ser total ou parcial. Consoante parágrafo único, se parcial, ou se o

473

476
testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo
que não for contrário ao posterior.
Ademais, a revogação poderá ser expressa ou tácita. Considera-se revogação expressa
aquela em que o testador declara expressamente sua vontade de revogar e tácita, quando
houver um novo testamento que está em conflito com o testamento anterior.
Embora a lei fale que a revogação deve ser feita pelo mesmo modo e forma como foi
feito, entende-se que o testamento público pode ser revogado por meio de testamento
particular.
Prevê a lei, ademais, que, consoante o art. 1.971/CC, a revogação produzirá seus efeitos,
ainda quando o testamento, que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou
renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado por
omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos.
Recorde-se que a caducidade de um testamento refere-se à perda de sua eficácia. Daí
que um testamento, mesmo caduco, terá o condão de revogar o anterior. Se a hipótese é de
anulação do testamento revogador (plano da validade), não terá ele o condão de anular o
anterior.
É hipótese de revogação do testamento cerrado a sua abertura ou dilaceramento pelo
testador ou com o seu consentimento.

4.10. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO

O rompimento de testamento está previsto no artigo 1.973/CC que diz que, sobrevindo
descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-
se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador. Já o
artigo 1.974/CC estabelece que também haverá rompimento quando o testamento for feito na
ignorância de existirem outros herdeiros necessários.
A ruptura é, por assim dizer, uma revogação presumida, decorrente da lei. É considerada
presumida essa revogação porque parte da concepção de que se o testador soubesse da
existência do descendente, não faria a disposição dos seus bens ou, pelo menos, não do modo
que o fez.
Perceba que o que a lei prevê, nessas hipóteses, não é a redução das disposições
testamentárias, mas o rompimento por completo do testamento. Se o testador dispuser de seus
bens sem ter conhecimento do herdeiro necessário, entende-se que há uma revogação ficta por
completo (de toda disposição de vontade) e não meramente uma redução para proteção da
legítima.
O testamento é rompido porque feito na ignorância ou na inexistência de
descendentes, ou de outros herdeiros necessários (ex.: achou que o pai havia morrido).
O art. 1.975/CC diz que não se rompe o testamento se testador dispuser de sua metade
não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa
parte. Neste caso, preserva-se a vontade do testador.
Ou seja, se o testador sabia da existência de herdeiros necessários e, ainda assim, quis
dispor de metade de seu patrimônio, nesse caso não haverá razão para o rompimento.
Na VIII Jornada de Direito Civil foi aprovado o seguinte enunciado sobre a limitação do
rompimento de testamento, in verbis: “O rompimento do testamento (art. 1.973) se refere
exclusivamente às disposições de caráter patrimonial, mantendo-se válidas e eficazes as de
caráter extrapatrimonial, como o reconhecimento de filho e o perdão do indigno”.

474

477
4.11. TESTAMENTEIRO

Conforme ensina Daniel Carnacchioni,

o testamenteiro será o responsável pelo cumprimento das disposições de última


vontade do testador. O testamenteiro age no interesse do testador. Deve velar pela
realização plena do conteúdo do testamento, em respeito estrito à vontade
manifestada pelo testador. (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.711).

Diz o art. 1.976/CC que o testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos
ou separados, para que dê cumprimento às disposições de última vontade do testador.
Percebe-se, então, que a testamentaria, ou seja, o trabalho do testamenteiro é um
múnus privado.
Flávio Tartuce, invocando o entendimento doutrinário acerca do tema, elenca os tipos
de testamenteiros, in verbis:

- Testamenteiro universal – que é aquele que tem a posse e a administração da


herança, ou de parte dela, não havendo cônjuge ou herdeiros necessários (art. 1.977
do CC). Em casos tais, qualquer herdeiro pode requerer partilha imediata, ou
devolução da herança, habilitando o testamenteiro com os meios necessários para
o cumprimento dos legados, ou dando caução de prestá-los. Além disso, presente
essa testamentaria universal e plena, incumbe ao testamentário requerer inventário
e cumprir o testamento (art. 1.978 do CC).

- Testamenteiro particular – quando a sua atuação restringe-se à mera fiscalização


da execução testamentária (TARTUCE, 2020, p. 2.354).

O art. 1.980/CC diz que o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições


testamentárias, dentro do prazo estabelecido pelo testador.
Além disso, deverá prestar contas do que recebeu ou do que gastou, ficando
responsável enquanto durar a execução do testamento.
Compete ao testamenteiro defender sempre a validade do testamento, conforme art.
1.981/CC.
Se não houver menção expressa a prazo maior concedido pelo próprio testador, o
testamenteiro deverá cumprir o testamento e prestar contas no prazo de 180 dias, contados do
momento da aceitação da testamentaria (art. 1.983/CC).
Esse prazo poderá ser prorrogado pelo juiz, desde que justificadamente.
É possível a nomeação de um testamenteiro quando não houve indicação feita pelo
próprio testador. Trata-se de testamenteiro dativo, previsto no artigo o 1.984/CC, que diz que,
na falta de testamenteiro nomeado pelo testador, a execução testamentária compete a um dos
cônjuges, e, em falta destes, ao herdeiro nomeado pelo juiz.
O exercício da testamentaria é um exercício personalíssimo. Isso significa que se o
testamenteiro morrer, essa obrigação não é passada aos seus herdeiros. Ela nem sequer pode
ser delegada. Porém, o testamenteiro poderá agir por meio de mandatário, conforme expressa
previsão do artigo 1.985/CC.
É possível ainda que haja a instituição de mais de um testamenteiro em conjunto,
hipótese denominada pluralidade de testamenteiros ou testamentaria plural. Nesse caso, cada
testamenteiro poderá executar o ato isoladamente, na falta do outro, mas todos irão ficar

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478
solidariamente responsáveis, e tendo que dar contas dos bens que lhes foram confiados (art.
1.986/CC).
Como retribuição, o testamenteiro que não for herdeiro, ou não for legatário, terá
direito a um prêmio, sendo denominado de vintena, sendo esta de 1% a 5% do valor da herança
líquida, a depender do trabalho que o testamenteiro exercer.
Ainda, segundo o art. 1.989/CC, reverterá à herança o prêmio que o testamenteiro
perder, por ser removido ou por não ter cumprido o testamento. Nesse caso, aquela vintena
será revertida à herança.
Em relação às hipóteses de remoção do testamenteiro, a verdade é que será removido
em situações em que o juiz percebe ou conclui que ele não tem cumprido o seu múnus, ficando
a análise a critério do magistrado.
O testamenteiro, quando não for herdeiro ou não for legatário, terá direito a um prêmio,
mas nada impede que, sendo herdeiro ou legatário o testamenteiro, ele renuncie à herança ou
ao legado para receber o prêmio, podendo escolher um ou outro. O que não se permite é que o
herdeiro que seja testamenteiro ou legatário que seja testamenteiro receba duplamente à
herança ou legado e o prêmio (vintena).
Ainda em relação às funções do testamenteiro, diz o artigo 1.990/CC que, se o testador
tiver distribuído toda a herança em legados, exercerá o testamenteiro as funções de
inventariante.

4.12. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

4.12.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO CIVIL. União estável. Vocação hereditária. Partilha. Companheiro.


Exclusividade. Colaterais. Afastamento. Arts. 1.838 e 1.839 do CC/2002. Incidência.
Na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao
cônjuge ou companheiro sobrevivente, não concorrendo com parentes colaterais
do de cujus. Inicialmente, é importante ressaltar que no sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime do artigo 1.829
do CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em
julgamento sob o rito da repercussão geral (RE 646.721 e 878.694), entendimento
esse perfilhado também pela Terceira Turma desta Corte Superior (REsp 1.332.773-
MS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 1/8/2017 – Informativo 609). Além disso,
a Quarta Turma, por meio do REsp 1.337.420-RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe
21/9/2017 (Informativo 611), utilizou como um de seus fundamentos para declarar
a ilegitimidade dos parentes colaterais que pretendiam anular a adoção de uma das
herdeiras que, na falta de descendentes e de ascendentes, o companheiro receberá
a herança sozinho, exatamente como previsto para o cônjuge, excluindo os
colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-
netos). Nesse sentido, os parentes até o quarto grau não mais herdam antes do
companheiro sobrevivente, tendo em vista a flagrante inconstitucionalidade da
discriminação com a situação do cônjuge, reconhecida pelo STF. Logo, é possível
concluir, com base no artigo 1.838 e 1.839, do CC/2002, que o companheiro, assim
como o cônjuge, não partilhará herança legítima, com os parentes colaterais do
autor da herança, salvo se houver disposição de última vontade, como, por exemplo,
um testamento. REsp 1.357.117-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por
unanimidade, julgado em 13/03/2018, DJe 26/03/2018 (INF. 622).

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479
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e
impenhorabilidade. Vigência da restrição. Vida do beneficiário. Transmissão causa
mortis do bem gravado. Testamento. Validade. As cláusulas de inalienabilidade,
incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que dispõe
sobre transmissão causa mortis do bem gravado. Inicialmente, importante pontuar
que a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que, por força do
princípio da livre circulação dos bens, não é possível a inalienabilidade perpétua,
razão pela qual as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e
impenhorabilidade se extinguem com a morte do titular do bem clausulado,
podendo a propriedade ser livremente transferida a seus sucessores. Por seu turno,
a doutrina ensina que a disposição patrimonial realizada em testamento somente se
efetiva após o óbito do testador. Assim, a elaboração do testamento não acarreta
nenhum ato de alienação da propriedade em vida, senão evidencia a declaração de
vontade do testador, revogável a qualquer tempo. Dessa forma, as cláusulas de
inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo
o testamento que dispõe sobre transmissão causa mortis de bem gravado, haja vista
que o ato de disposição somente produz efeitos após a morte do testador, quando
então ocorrerá a transmissão da propriedade. REsp 1.641.549-RJ, Rel. Min. Antonio
Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe
20/08/2019. (INF. 654).

5. INVENTÁRIO E PARTILHA

5.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Inventário é o procedimento legal de caráter obrigatório para que haja a atribuição dos
bens deixados pelo falecido aos seus sucessores. Como vimos, pelo princípio de saisine, com a
morte de uma pessoa, há transmissão imediata dos bens. Porém, é necessário um procedimento
para regularização dessa transmissão. O inventário revela, então, o procedimento necessário
para divisão dos bens deixados pelo de cujus.
Inaugurando o capítulo que trata do inventário e da partilha, Flávio Tartuce esclarece
que o estudo se refere à instrumentalização concreta do Direito Sucessório, que se dá pelo
inventário, pela partilha e por temas correlatos, tratados tanto pela lei privada quanto pela lei
processual (TARTUCE, 2020, p. 2.358).
O inventário pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que a possibilidade de inventário
extrajudicial surge como forma de desafogamento do judiciário, possível, como melhor
veremos, em hipóteses em que haja consenso entre os herdeiros e não haja nenhum incapaz.
O art. 1.991/CC estabelece que desde a assinatura do compromisso até a homologação
da partilha, a administração da herança caberá ao inventariante, o que significa que, não
obstante o princípio de saisine estabelecer a imediata transmissão dos bens aos herdeiros, a
administração durante o inventário é incumbência do inventariante. Portanto, o inventariante
é o administrador do espólio.
É importante destacar que o espólio, em linhas gerais, é o conjunto de bens que se forma
com a morte de uma pessoa. É a universalidade jurídica que, embora despersonalizada, tem
capacidade para estar em juízo, representada pelo inventariante (art. 75, VII, NCPC). A ressalva
que se faz é para o inventariante dativo, conforme será mais bem explicado em tópico próprio.

5.2. INVENTÁRIO JUDICIAL

Falecendo alguém, há imediata transmissão de seus bens para seus sucessores, mas
antes que haja sua distribuição, é necessário um procedimento durante o qual os bens serão

477

480
administrados pelo inventariante. Esse procedimento denomina-se inventário e, sendo judicial,
pode assumir as seguintes formas:
• inventário judicial pelo rito tradicional;
• inventário judicial pelo rito do arrolamento sumário; e
• inventário judicial pelo rito do arrolamento comum.
O estudo de cada um dos tipos de inventário deve ser feito confrontando as normas de
direito material com as normas de direito processual. Assim, temos:
a) Inventário judicial pelo rito tradicional: tem previsão a partir do artigo 615, NCPC,
que estabelece que legitimado para requerer a abertura do inventário, será aquele que estiver
na posse ou administração do espólio. A partir desse artigo, tem início a previsão de como se
desenvolverá o inventário judicial pelo rito tradicional. Não sendo a hipótese de outro tipo de
inventário, aplicar-se-ão as disposições do inventário pelo rito tradicional.
O artigo 616, complementando a previsão do artigo 615/CPC, estabelece legitimidade
concorrente a outras pessoas:
• cônjuge ou companheiro;
• herdeiro;
• legatário;
• testamenteiro, se houver testamento;
• cessionário de um herdeiro ou de legatário;
• credor de um herdeiro ou de legatário, ou ainda do autor da herança.;
• ministério público, se houver incapazes;
• fazenda pública, se houver interesse;
• administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou
de seus respectivos cônjuges ou companheiros também têm legitimidade.
Conforme se extrai da leitura do artigo, não existe mais menção à possibilidade de
abertura de inventário de ofício pelo juiz. Embora houvesse essa previsão na legislação
revogada, igual disposição não foi reproduzida pelo NCPC.
A partir do momento que se inicia o inventário, a administração do espólio é feita pelo
inventariante, o qual é também responsável pela representação do espólio em juízo. Essa
administração tem como marco inicial a data do compromisso prestado como inventariante e
vai até o momento de homologação da partilha.
Até que o inventariante preste o compromisso na forma da lei, o espólio será
administrado pelo administrador provisório, nomeado pelo juiz, o qual terá direito ao reembolso
das despesas necessárias e úteis que fizer (art. 613, NCPC). Esse administrador provisório, assim
como acontece com o inventariante, será quem representará ativa e passivamente o espólio
enquanto durar sua administração.
O administrador provisório, a teor do que estabelece o artigo 614 do NCPC, deve trazer
para o acervo os frutos que perceber desde a abertura da sucessão. Por sua administração, tem
direito a reembolso das despesas com benfeitorias necessárias e úteis. Por outro lado, responde,
quando demonstrado dolo ou culpa, pelos danos que vier a causar.
A nomeação de um inventariante pelo juiz segue uma ordem preferencial, conforme
artigo 617/NCPC. Essa ordem é estabelecida da seguinte forma:
• cônjuge ou companheiro;
• se não for o caso, o herdeiro que tiver na posse ou na administração do espólio;
• se não for o caso, qualquer dos herdeiros. Sendo menor, por meio de seu
representante legal;

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• se não for o caso, poderá ser o testamenteiro;
• se não for o caso, poderá ser o cessionário do herdeiro ou do legatário, o
inventariante judicial, no local onde houver inventariante judicial, ou ainda uma
pessoa estranha que se mostre idônea e que seja nomeada pelo juiz.
É importante destacar que, não obstante a ordem estabelecida pelo legislador no artigo
617/NCPC, tem-se que essa não é uma ordem absoluta, de modo que, na análise do caso
concreto, o juiz pode entender necessária a nomeação de inventariante, preterindo essa ordem.
Em outras palavras, temos que a ordem estabelecida é preferencial e o julgador, sempre de
acordo com o caso concreto, poderá nomear inventariante não observando essa ordem.
Uma vez nomeado, o inventariante será intimado, tendo o prazo de 5 dias para prestar
o compromisso de exercício da inventariança.
Prestado o compromisso, como se viu, o inventariante representará o espólio passiva e
ativamente em juízo. Entretanto, há casos em que se torna necessária a nomeação de
inventariante dativo. Nessas hipóteses, o §1º, do artigo 75, do CC, estabelece que “quando o
inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio
seja parte”.
Em algumas situações, dada a litigiosidade entre os herdeiros ou a impossibilidade
daqueles que se encontram na ordem preferencial de exercerem a inventariança, o juiz terá,
então, que nomear inventariante dativo, que será um terceiro estranho, conforme previsão do
inciso VIII do artigo 617/NCPC. Exatamente por se tratar de terceiro estranho, sem vínculo com
o autor da herança e sem interesse econômico, é que não representará o espólio judicialmente.
Nesse caso, a representação será dos sucessores, de forma que, havendo ação judicial de
interesse do espólio, todos os herdeiros e sucessores do falecido serão autores ou réus nas ações
em que o espólio for parte.
De toda forma, assim como os demais inventariantes nomeados, o inventariante dativo
também deve cumprir com os demais deveres da inventariança.
Nos termos do artigo 618, do NCPC, incumbe ao inventariante:
- representar o espólio ativa e passivamente, judicialmente ou extrajudicialmente
(ressalva para o inventariante dativo);
- administrar o espólio;
- prestar as primeiras informações (primeiras declarações);
- prestar as últimas declarações;
- exibir em cartório, em qualquer tempo, para que as partes possam examinar, os
documentos relativos ao espólio;
- trazer à colação no inventário os bens recebidos pelo herdeiro ausente ou pelo
herdeiro renunciante, ou ainda pelo herdeiro excluído;
- prestar contas de sua gestão;
- requerer, se for o caso, a declaração de insolvência do falecido.
O art. 619 do NCPC traz outras incumbências ao inventariante, as quais demandarão
autorização judicial para serem exercidas:
- alienação de bens de qualquer espécie;
- transação, judicial ou extrajudicialmente;
- pagamento de dívidas do espólio;

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- pagamento de despesas necessárias para conservação ou melhoramento dos bens do
espólio.
Na hipótese de quaisquer desses atos praticados sem a observância da autorização
judicial necessária, o ato será nulo.
No prazo de 20 dias, contados do momento em que prestou o seu compromisso, o
inventariante fará as primeiras declarações, sendo que dessas primeiras declarações será
lavrado um termo circunstanciado. No termo circunstanciado, deverão constar alguns dados
(art. 620, NCPC):

I - o nome, o estado, a idade e o domicílio do autor da herança, o dia e o lugar em


que faleceu e se deixou testamento;

II - o nome, o estado, a idade, o endereço eletrônico e a residência dos herdeiros e,


havendo cônjuge ou companheiro supérstite, além dos respectivos dados pessoais,
o regime de bens do casamento ou da união estável;

III - a qualidade dos herdeiros e o grau de parentesco com o inventariado;

IV - a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio, inclusive


aqueles que devem ser conferidos à colação, e dos bens alheios que nele forem
encontrados, descrevendo-se:

a) os imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que se


encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias, origem dos
títulos, números das matrículas e ônus que os gravam;

b) os móveis, com os sinais característicos;

c) os semoventes, seu número, suas espécies, suas marcas e seus sinais distintivos;

d) o dinheiro, as joias, os objetos de ouro e prata e as pedras preciosas, declarando-


se-lhes especificadamente a qualidade, o peso e a importância;

e) os títulos da dívida pública, bem como as ações, as quotas e os títulos de


sociedade, mencionando-se-lhes o número, o valor e a data;

f) as dívidas ativas e passivas, indicando-se-lhes as datas, os títulos, a origem da


obrigação e os nomes dos credores e dos devedores;

g) direitos e ações;

h) o valor corrente de cada um dos bens do espólio.

Feito isso, diz o § 1º do mencionado artigo 620, NCPC, que o juiz determinará que se
proceda:
“I - ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança era empresário individual; II -
à apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima.”
O inventariante, como se viu, tem deveres em decorrência da inventariança e, em razão
disso, o NCPC elenca algumas penas que podem ser aplicadas ao inventariante:
• Pena de sonegados: somente poderá ser invocada contra o inventariante quando
encerrada a descrição dos bens e tendo feito uma declaração de que não existam
outros a inventariar. Se o inventariante assim declarar e depois se descobrir que

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havia outro bem que havia sido sonegado, será o caso de aplicação da pena de
sonegado. Sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que

vale lembrar que a pena de sonegados é imposta ao herdeiro que deixa de informar
o inventário sobre a existência de um bem a ser partilhado, caso daqueles recebidos
em doação, sem a dispensa de colação. A penalidade é a perda do direito em relação
a tal bem, como determina o art. 1.992 do Código Civil (TARTUCE, 2020, p. 2382).

Exemplificando, se uma pessoa recebeu em doação do pai uma casa no valor de 500
mil reais. Essa casa, em tese, deverá ser colacionada. Supondo que o pai tenha
deixado 3,5 milhões de patrimônio para 2 filhos. Porém, como ele havia doado a um
dos filhos a casa de 500 mil reais, o certo seria esse filho colacionar a casa, caso em
que a herança ficaria em 4 milhões, ficando cada um dos filhos com 2 milhões. Se
esse herdeiro (que recebeu a doação) é o inventariante, e ainda assim não colaciona
esse bem, aí é aplicável a pena de sonegado, consistente na perda do direito em
relação àquele bem. O inventariante herdeiro é citado, tendo a oportunidade de
informar e de descrever os bens do falecido que estão na sua posse, mas se assim
não o fizer, estará sujeito à pena de sonegados. Nesse caso, como pena, o bem
passará integralmente ao outro(s) herdeiro(s), não havendo a compensação dos
valores. E os outros bens serão divididos metade-metade. No caso, o herdeiro que
recebeu a pena ficará com 1.750.000 e o irmão receberá 2.250.000 (1.750.000 + 500
mil da casa, que fora sonegada).
• Remoção do inventariante: o inventariante poderá ser removido, conforme
hipóteses elencadas no art. 622 do NCPC, in verbis:

I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras ou as últimas declarações;

II - se não der ao inventário andamento regular, se suscitar dúvidas infundadas ou se


praticar atos meramente protelatórios;

III - se, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados ou
sofrerem dano;

IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, se deixar de cobrar
dívidas ativas ou se não promover as medidas necessárias para evitar o perecimento
de direitos;

V - se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas;

VI - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio.

De se considerar, entretanto, que antes da remoção é preciso garantir o


contraditório, motivo pelo qual o inventariante será intimado e terá o prazo de 15
dias para apresentar sua defesa e as provas (art. 623, NCPC). O procedimento para
remoção, contudo, pode ser iniciado de ofício pelo juiz. Feita a remoção, o juiz
nomeará outro, observando a ordem do artigo 617, NCPC (art. 624, NCPC).
Seguindo com o procedimento do inventário judicial ordinário, temos que, apresentadas
as primeiras declarações, o juiz mandará citar o cônjuge, companheiro, herdeiro, legatário,
Fazenda Pública, Ministério Público, se houver incapaz, testamenteiro, etc. Essa citação será por
carta, sendo acompanhada de cópia das primeiras declarações.
Em relação à Fazenda Pública, Ministério Público e testamenteiro, o escrivão vai remeter
para essas pessoas cópia dos autos (essa previsão do NCPC deve agora ser adequada à realidade
do PJE), e não apenas o mandado de citação com as primeiras declarações.

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Concluídas essas citações, as partes terão vista do processo no prazo comum de 15 dias,
podendo se manifestar sobre as primeiras declarações.
Na hipótese de impugnações com fundamento em omissão julgada procedente, o juiz
mandará retificar as primeiras declarações.
Pode ocorrer também pedido de reclamação da nomeação do inventariante, situação
mais grave, porquanto, uma vez acolhido, implicará na nomeação de outro inventariante,
sempre que possível observando a ordem estabelecida em lei (art. 627, §2º, NCPC).
Já o §3º, do art. 627, NCPC, prevê que, verificando que a disputa sobre a qualidade de
herdeiro a que alude o inciso III (do artigo 627, caput, NCPC) demanda produção de provas que
não a documental, o juiz remeterá a parte às vias ordinárias e sobrestará, até o julgamento da
ação, a entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido.
A situação se refere à hipótese de as partes questionarem a possibilidade de
determinada pessoa ser herdeiro(a). Neste caso, o juiz, se da análise das alegações, constatar
que há prova documental da qualidade de herdeiro da pessoa invocada, seguirá o inventário.
Todavia, inexistindo essa prova documental da qualidade de herdeiro da pessoa indicada,
tornar-se-á necessária essa comprovação de que é herdeiro, tornando-se imperiosa a produção
de outras provas que não documentais, já que inexistentes. Nesta situação, remetem-se as
partes para a via ordinária.
Conforme previsão legal, aquele que se julgar preterido poderá demandar sua admissão
no inventário, requerendo-a antes da partilha (art. 628).
Com o requerimento, serão ouvidas as partes no prazo de 15 (quinze) dias, para depois
o juiz decidir. Se, entretanto, para solução da questão for necessária a produção de provas que
não a documental, o juiz remeterá o requerente às vias ordinárias, mandando reservar, em
poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio (§2º, art. 628,
NCPC).
Percebe-se que a ideia trazida pela legislação processual é de que o juiz do inventário
solucionará as demandas que puderem ser comprovadas documentalmente de plano e apenas
remeterá as que exigirem análise mais complexa para outro feito, para outra ação ou para outro
juízo. A base dessa ideia está no art. 612 do NCPC que diz que “o juiz decidirá todas as questões
de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para
as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas”.
Após o prazo concedido no artigo 627, NCPC, para manifestação acerca das primeiras
declarações, diz o art. 629, NCPC, que a Fazenda Pública, no prazo de 15 (quinze) dias, informará
ao juízo, de acordo com os dados que constam de seu cadastro imobiliário, o valor dos bens de
raiz descritos nas primeiras declarações.
Após o prazo de 15 dias das primeiras declarações, ou tendo sido julgadas e decididas
as reclamações eventualmente opostas, o juiz nomeará um perito para avaliar os bens do
espólio, se na comarca não houver um perito judicial.
O perito é dotado de fé pública, motivo pelo qual, em regra, não será necessária mandar
repetir a avaliação. No entanto, o art. 873 do NCPC trata dessa possibilidade de determinar que
seja refeita ou reiterado a avaliação feita pelo perito, nas seguintes hipóteses:

I - qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na


avaliação ou dolo do avaliador;

II - se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no


valor do bem;

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III - o juiz tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira avaliação.

Havendo bens situados fora da comarca por onde tramita o inventário, não será
expedida carta precatória de avaliação para os bens de pequeno valor e para os bens que são
conhecidos do perito nomeado (art. 632, NCPC).
Busca-se, com isso, conferir uma maior agilidade ao processo de inventário.
Ademais, ainda no espírito de maior agilidade do processo de inventário, permite o art.
633 do NCPC que, em sendo as partes capazes e estando a Fazenda Pública expressamente de
acordo com o valor atribuído nas primeiras declarações aos bens do espólio, não seja necessária
avaliação.
Para os casos em que realizada a avaliação, entregue o laudo, o juiz mandará que as
partes se manifestem sobre ele no prazo de 15 dias (art. 635, NCPC).
As partes podem aceitar esse laudo e, se não aceitarem, poderão apresentar
impugnações, as quais serão resolvidas. Após a resolução, será lavrado em seguida o termo das
últimas declarações.
Nessas últimas declarações, feita pelo inventariante, poderá ele emendar, aditar ou
completar, se for o caso, as primeiras declarações que prestou.
As partes serão ouvidas, no prazo de 15 dias, sobre as últimas declarações prestadas
pelo inventariante.
Após, é calculado o tributo a ser recolhido pelas partes. Sobre esse, valor serão ouvidas
as partes no prazo de 5 dias, e depois será ouvida a Fazenda Pública. Findo o prazo concedido
às partes, haverá o recolhimento dos impostos.
b) Inventário judicial pelo arrolamento sumário: está previsto no artigo 659 do NCPC,
que diz que a partilha amigável, celebrada entre partes capazes, será homologada de plano pelo
juiz.
O §1º do mesmo artigo acrescenta que essa homologação de plano pelo juiz também
ocorrerá na hipótese de pedido de adjudicação formulado por herdeiro único.
A leitura do artigo mencionado já indica que esse tipo de inventário tem forma
abreviada, exatamente em decorrência do consenso entre os herdeiros ou pela existência de
um único a suceder os bens do falecido, independentemente do valor dos bens que integram o
espólio.
Tartuce, citando Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho, esclarece que
se trata de

um procedimento judicial simplificado de inventário e partilha e ocorre quando as


partes são capazes e podem transigir, estiverem representadas e acordarem sobre a
partilha dos bens, qualquer que seja o valor (arts. 1.031/1.035 do CPC). Os herdeiros
apresentam o plano de partilha ao juiz que somente o homologa, em um
procedimento de jurisdição voluntária, portanto não decide.

Não somente, arrematando, o autor diz que “em suma, pode-se dizer que o seu fator
predominante é justamente o acordo entre as partes envolvidas e a sua capacidade plena”
(TARTUCE, 2020, p. 2.400).
Transitada em julgado a decisão homologatória da partilha ou de adjudicação, será
lavrado o formal de partilha, ou será elaborada a carta de adjudicação.
Lavrado o formal de partilha, intima-se o fisco para que seja feito o lançamento
administrativo dos impostos e de outros tributos eventualmente cabíveis.

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Percebe-se, então, que nessa modalidade de inventário, o formal de partilha ou carta
de adjudicação antecedem o recolhimento do tributo, visando, com isso, a celeridade, que é
própria desse tipo de inventário.
Trata-se, assim, de um procedimento de jurisdição voluntária, no qual os herdeiros
apresentam um plano de partilha ao juiz, que apenas irá homologá-lo.
Exatamente por essa celeridade própria do arrolamento sumário, temos que nesse tipo
de inventário, não serão apreciada questões relativas a lançamento, a pagamento, quitação de
taxas judiciais e de tributos, pois incompatíveis com a celeridade.
A taxa judiciária, se for devida, será calculada com base no valor atribuído pelos
herdeiros.
Se o fisco entender de forma diferente quanto ao valor, caberá ao Fisco, por meio de
processo administrativo, atribuir valor diverso do valor que foi estimado pela parte, e exigir
eventual diferença pelos meios adequados através do lançamento de créditos tributários.
O ITCMD será objeto de processo administrativo. Ou seja, as autoridades fazendárias
não ficam vinculadas aos valores dos bens atribuídos pelos herdeiros.
O art. 663, NCPC, estabelece que a existência de credores do espólio não prejudicará a
homologação da partilha e nem mesmo a adjudicação, se forem reservados bens suficientes
para o pagamento da dívida.
c) Inventário judicial pelo rito do arrolamento comum: nesse tipo de inventário,
importa considerar o valor dos bens que integram o espólio. Se no caso do arrolamento sumário,
o acordo entre os herdeiros era o fator determinante para aquela modalidade de inventário,
neste o que se considera é o valor dos bens.
Assim é que estabelece o art. 664 do NCPC que quando o valor dos bens do espólio for
igual ou inferior a mil salários mínimos, o inventário será processado na forma de arrolamento.
Neste caso, caberá ao inventariante, que foi nomeado, independentemente da
assinatura do termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valores
de bens do espólio e o plano de partilha.
Perceba que o interesse está no valor dos bens deixados até mil salários mínimos.
Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar esse valor apresentado pelo
inventariante, caberá ao juiz nomear um avaliador que oferecerá um laudo em 10 dias.
Nesse tipo de arrolamento, é possível a nomeação de avaliador, diferentemente do
arrolamento sumário, porquanto a necessidade de avaliador naquele tipo de inventário decorre
da discordância e essa é incompatível com a modalidade sumária de arrolamento.
Estabelece a legislação processual que, apresentado o laudo pelo avaliador, o juiz, na
audiência, deliberará sobre a partilha, decidindo na mesma audiência, de plano, todas as
reclamações, mandando pagar dívidas não impugnadas (art. 664, §2º, NCPC).
Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e suas rendas, o juiz julgará
a partilha. Essa é mais uma diferença entre esse tipo de arrolamento e o sumário. Enquanto no
arrolamento sumário, o pagamento dos tributos é postergado para depois da homologação da
partilha, nesse ele deve ser prévio.
Tudo isso decorre, repita-se, do fato de o arrolamento sumário considerar o consenso
entre os herdeiros e interessados. Já o arrolamento comum leva em conta o valor dos bens
inventariados.

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O NCPC, no art. 665, diz que será possível o caminho do arrolamento comum para o
inventário, ainda que haja incapaz entre os herdeiros, desde que todas as partes estejam de
acordo e que o Ministério Público também concorde.
Portanto, passa-se a permitir que haja o procedimento de arrolamento comum quando
os valores dos bens não superarem mil salários mínimos, e, ainda que haja herdeiros incapazes,
desde que todos estejam de acordo e o Ministério Público também concorde.
Vale, então, relembrar que no arrolamento sumário não há limite de valores para os
bens, mas também não há possibilidade de seu processamento para as hipóteses em que há
herdeiros incapazes.
O destaque é feito para ressaltar as diferenças entre o arrolamento sumário e o
arrolamento ordinário.

5.3. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL

Estabelece o artigo 610 do NCPC que havendo o testamento ou havendo interessado


incapaz, o inventário será judicial. Já o § 1º do mesmo artigo completa a norma, estabelecendo
que se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por
escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como
para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
A previsão do inventário extrajudicial surgiu no ordenamento jurídico pátrio com a Lei
nº 11.441/07, seguida pelo NCPC.
Conforme se depreende da leitura do artigo 610/NCPC, são requisitos para o inventário
extrajudicial:

• inexistência de testamento;
• todos os herdeiros devem ser capazes e devem estar acordo;
• elaboração por meio de escritura pública.
Ademais, é preciso que as partes estejam acompanhadas de advogado para elaboração
da escritura pública de inventário.
Especificamente sobre a exigência de não existência de testamento para que o
inventário seja extrajudicial, merece destaque decisão do STJ, no sentido de ser possível o
inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e
concordes e estiverem assistidos por advogados, desde que o testamento tenha sido
previamente registrado judicialmente ou se tenha a expressa autorização do juízo competente
(REsp nº 1808767 / RJ, REl.Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, STJ) .
A opção pela via extrajudicial, nas hipóteses em que permitida em lei, é uma faculdade
da parte. No entanto, a assistência de advogado é obrigatória. A leitura do artigo 610, §2º diz
que o tabelião vai lavrar a escritura pública se todas as partes de um advogado ou de um
defensor público.
A Resolução 35 do CNJ de 2007, em seu art. 1º, estabelece que é livre a escolha do
tabelião que vai lavrar o inventário, não havendo que se falar em competência territorial para
isso.
O inventário extrajudicial pode ser solicitado a qualquer tempo, sendo, inclusive,
possível a desistência da via judicial, para que as partes promovam o inventário pela via
extrajudicial. O prazo de 60 dias não é próprio, mas o tabelião observará, no tocante aos bens,
eventual multa na legislação tributária.

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É importante destacar que essas escrituras públicas de inventário não dependem de
homologação judicial para que produzam efeitos, configurando título hábil para registro civil,
imobiliário, transferência de bens e levantamento de valores.
Na escritura de inventário extrajudicial, será obrigatória a nomeação de um interessado
para representar o espólio, tendo poderes de inventariante, cumprindo as obrigações ativas e
passivas que tiverem pendentes (art. 11 da Resolução).
Em relação ao recolhimento de tributos, incidente será o ITCMD. Seu recolhimento
deverá anteceder a lavratura da escritura pública de inventário (art. 15 da Res. 15), consagrando
uma preferência para Fazenda Pública.
Ainda de acordo com a Resolução 35 do CNJ, os cônjuges dos herdeiros deverão
comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver
renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der
sob o regime da separação absoluta (art. 17).
É que, como vimos, o direito à herança (sucessão aberta) é um direito imobiliário, sendo
necessário, em tese, da outorga conjugal. Essa outorga, contudo, não é necessária quando os
cônjuges estiverem casados em regime de separação absoluta de bens.
No caso do(a) companheiro(a) com direito à sucessão, será necessária ação judicial se o
autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros,
inclusive quanto ao reconhecimento da união estável (art. 18 da Resolução). Já a meação do(a)
companheiro(a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e
interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo (art. 19, da Resolução).
Os artigos 20 e 21 da Resolução 35 do CNJ dispõem sobre os dados que deverão constar
da escritura pública de inventário.
É admissível uma sobrepartilha, ou seja, uma partilha depois da partilha realizada. Essa
sobrepartilha também poderá ser feita por escritura pública, ainda que a partilha tenha sido
originariamente judicial, ou seja, se à época havia um herdeiro incapaz, mas agora não exista
mais (art. 25).
Se houver somente um herdeiro, desde que seja maior e capaz, terá ele direito à
totalidade da herança. Nesse caso, não haverá partilha, por óbvio. Na hipótese, será lavrada
uma escritura pública de inventário e uma adjudicação de bens (art. 26, da Resolução).
A Resolução 35 do CNJ trata, ademais, da possibilidade de inventário negativo. Esse
inventário se presta a demonstrar que o falecido não deixou qualquer bem. Um inventário
negativo pode ser útil, por exemplo, para que o cônjuge sobrevivente possa se casar pelo regime
que desejar, afastando-se assim, a incidência da causa suspensiva prevista no artigo 1.523, I, do
CC.
Pode-se, então, fazer inventário negativo por meio de escritura pública (art. 28, da
Resolução).
Com efeito, estabelece o mencionado artigo 1.523, I, CC, que o casamento da viúva,
enquanto não der partilha dos bens deixados pelo falecido, deve ser feito com o regime da
separação obrigatória de bens (art. 1.641, I, CC). Assim, com o inventário negativo, busca-se
afastar a referida causa suspensiva para livre escolha do regime de casamento em vista do novo
matrimônio.
Por fim, o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura pública de inventário e partilha
se houver fundados indícios de fraude ou se houve dúvida sobre a condição de herdeiro do
interessado.

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5.4. PENA DE SONEGADOS

Vimos que uma das penalidades que podem ser aplicadas ao inventariante é a pena de
sonegados. Entretanto, essa penalidade não é exclusiva do inventariante, podendo ser aplicada
a qualquer herdeiro que sonegue bens da herança, não os descrevendo no inventário ou os
omitindo da colação. É o que se extrai do artigo 1.992, do CC, que estabelece in verbis: “O
herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em
seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os
deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia”.
Vê-se que o artigo em questão, além de descrever quem são os sujeitos à pena de
sonegação, já traz também a consequência que é a perda do direito sobre o bem sonegado. A
pena de sonegados gera, assim, ao herdeiro sonegador, a perda do direito àquele bem.
Falando sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que

sonegados são os bens que deveriam ter sido inventariados ou trazidos à colação,
mas não o foram, pois ocultados pelo inventariante ou por herdeiro. Como
consequência, a pena de sonegados constitui uma sanção ou penalidade civil
imposta para os casos de ocultação de bens da herança, gerando a perda do direito
sobre os bens ocultados. Sonegados são os bens que deveriam ser inventariados ou
trazidos à colação, mas não o foram, pois foram ocultados por aquele que deveria
ter trazido o bem, e não trouxe (TARTUCE, 2020, p. 2420).

Todavia, é importante destacar que não basta a demonstração da ocultação, para fins
de aplicação da pena de sonegados. Esse é o elemento objetivo que deve ser associado ao
subjetivo, consistente na demonstração do dolo de ocultar.
Isto é, para pena de sonegados, são exigidos dois elementos concomitantes:
• elemento objetivo: ocultar o bem; e
• elemento subjetivo: dolo de ocultar, ou seja, a intenção de não contar aos demais
herdeiros que não há o bem.
Já vimos que, em sendo o inventariante o responsável pela ocultação dolosa, além da
pena de sonegados, será removido da inventariança (art. 1.993, CC).
O artigo 1.994/CC estabelece que a pena de sonegados só se pode requerer e impor em
ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança, sendo que a sentença que se proferir
nessa ação de sonegados aproveita aos demais interessados.
Constatada a sonegação, diz o art. 1.995 do CC, que se não se restituírem os bens
sonegados, por já não os ter o sonegador em seu poder, pagará ele a importância dos valores
que ocultou, mais as perdas e danos.

5.5. PAGAMENTO DAS DÍVIDAS

Quando uma pessoa falece, há transmissão imediata de seus bens aos sucessores.
Entretanto, é preciso observar a regra do art. 1.997, CC, que estabelece que a herança responde
pelo pagamento das dívidas do falecido, autor da herança.
Na hipótese de dívidas cobradas após a partilha dos bens, cada herdeiro responderá por
elas, porém na proporção da parte que lhes coube na herança. Isso significa dizer que nenhum
herdeiro responderá além das forças da herança.
O §1º do art. 1.997 diz que “quando, antes da partilha, for requerido no inventário o
pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais,

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490
constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na alegação
de pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do
inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair
oportunamente a execução”.
O credor, neste caso, será remetido às vias ordinárias para cobrança da dívida, por meio
de ação própria, a qual deverá se dar no prazo de 30 dias, sob pena de cair a reserva do bem.
Não proposta a ação de cobrança no prazo de 30 dias, ficará sem nenhum efeito a reserva de
bens feita pelo juiz (art. 1.997, §2º).
Sobre o mesmo tema, a legislação processual, estabelece que, antes da partilha, os
credores podem requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis.
A petição será distribuída por dependência e é autuada em apenso aos autos de inventário (art.
642 do NCPC).
Trata-se, na hipótese, de pedido de habilitação de crédito. Se as partes do inventário
concordarem, o juiz declarará o credor habilitado, determinando que ocorra a separação dos
valores e bens para pagamento da dívida.
Sobre esse pedido de habilitação de credor, nem sempre os donatários serão sempre
chamados a se manifestarem. A previsão legal é que serão chamados quando houver a
possibilidade de redução das liberalidades em decorrência do valor da dívida (art. 642, §5º,
NCPC).
Se não houver concordância de todas as partes, o pedido de habilitação de crédito será
encaminhado às vias ordinárias. O juiz, nesse caso, mandará reservar, em poder do
inventariante, bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de um documento
e a impugnação não se referir à quitação daquela dívida.
O legatário também poderá ser chamado a se manifestar sobre dívidas do espólio. Isso
acontecerá aplicando-se a mesma lógica aplicada ao donatário, ou seja, chamar-se-á o legatário
a se manifestar sobre dívidas do autor da herança quando (art. 645, NCPC):
• toda a herança for dividida em legítima; ou
• reconhecimento da dívida importar redução do legado.
Ainda em relação ao pagamento das dívidas, diz o artigo 646, NCPC, que “sem prejuízo
do disposto no art. 860 , é lícito aos herdeiros, ao separarem bens para o pagamento de dívidas,
autorizar que o inventariante os indique à penhora no processo em que o espólio for
executado”.

5.6. COLAÇÃO OU CONFERÊNCIA

Ensina Daniel Carnacchioni que

a colação é o ato pelo qual o descendente, que concorre com outros descendentes
à sucessão de ascendente comum ou com o cônjuge do falecido, confere o valor das
doações que do autor da herança recebeu em vida. O descendente tem o dever legal
de indicar e relacionar, no inventário, o valor das doações recebidas, com a
finalidade de igualar as legítimas, e não a herança (CARNACCHIONI, 2018, p. 1714).

Colação ou conferência são expressões sinônimas.


Conforme estabelece o artigo 2.002 do CC,

os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados,


para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam,

488

491
sob pena de sonegação”. Já o parágrafo único do mesmo artigo completa,
estabelecendo que “para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será
computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Esse artigo está alinhado com o disposto no artigo 544, CC, pelo qual temos que “a
doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do
que lhes cabe por herança.”
Assim, a regra é que as doações feitas em vida pelo ascendentes a descendes e de um
cônjuge a outro são adiantamento da legítima e, em sendo assim, devem ser colacionados
quando do inventário. Entretanto, é possível afastar essa necessidade de colação. Para tanto,
pode o donatário, no ato de liberalidade, indicar que se trata de doação de sua parte disponível.
É o que dispõe o artigo 2005, CC, segundo o qual “são dispensadas da colação as doações que o
doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu
valor ao tempo da doação”.
Diz o art. 2.006, que a dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em
testamento, ou no próprio título de liberalidade.
Sobre a colação dos bens doados em vida pelo autor da herança, temos que o nosso
ordenamento jurídico adotou a chamada colação em substância. Sobre o tema, Tartuce, citando
Maria Helena Diniz, esclarece que

nosso ordenamento jurídico adotou o sistema da colação em substância, pois ‘a


mesma coisa doada em adiantamento da legítima ao descendente e ao cônjuge (arts.
544 e 2.003, parágrafo único, segunda parte, do Código Civil) deve ser trazida à
colação. Se, ao tempo da abertura da sucessão por morte do doador, não houver no
acervo hereditário bens suficientes para igualar a legítima, a coisa doada deverá ser
conferida em espécie (TJSP, Ap. 530.150- 4/9-00, Rel. Francisco Loureiro, j.
08.11.2007), e se os donatários (descendentes ou cônjuge) não mais a tiverem,
deverão trazer à colação o seu valor correspondente, hipótese em que se terá a
colação ideal (RT 697:154), ou por imputação. Tal valor é o que a coisa doada possuía
ao tempo da liberalidade.

Assim, temos que a mesma coisa doada como adiantamento da legítima deve ser trazida
à colação. Se foi dado um quadro, este deverá ser trazido à colação, e não o valor do quadro. Só
será trazido o valor do quadro quando este já não mais existir. Se os donatários não mais tiverem
o bem, trarão à colação o valor daquele bem.
Sobre o cálculo que deverá ser feito para se determinar o valor da legítima, diz o
parágrafo único do artigo 2.002, que “para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será
computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível”.
Buscando esclarecer o que quer dizer esse parágrafo único do artigo 2.002, Daniel
Carnacchioni exemplifica nos seguintes termos

por exemplo, em uma herança no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais),


valor apurado no momento da abertura da sucessão , deverá ser separada a parte
disponível (R$ 500.000,00) da parte indisponível (R$ 500.000,00). Se um dos
descendentes, em vida, recebeu a quantia de R$ 100.000,00, essa doação será
acrescentada à parte indisponível, que passará para R$ 600.000,00, sem aumento da
parte disponível, que se mantém em R$ 500.000,00 (CARNACCHIONI, 2018, p.
1.714).

Diz o parágrafo único do artigo 2.003, CC, que se, computados os valores das doações
feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as
legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens doados, na forma do caput do mesmo artigo,

489

492
serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao
tempo da liberalidade.
Já o artigo 2.004, CC, estabelece que o valor de colação dos bens doados será aquele,
certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.
Esse artigo parece estar em contradição com o NCPC, já que este estabelece que na
impossibilidade de trazer o bem à colação, deverá trazer seus valores. O parágrafo único do art.
627, NCPC, diz que os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as
benfeitorias que fez o donatário, vão ser calculados pelo valor que tiverem ao tempo da abertura
da sucessão.
Percebam que enquanto o Código Civil fala do bem na época da liberalidade da doação,
o CPC se refere ao valor do bem ao tempo da abertura da sucessão, que, conforme vimos, é
quando o autor da herança morreu.
A solução para essa aparente contradição não é ainda pacífica. O Enunciado 119 do CJF
diz que

para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor
da época da doação, nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente na hipótese
em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao
contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor
do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC, de modo
a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima quando esta se
constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do art.
2.004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil).

Flávio Tartuce nos adverte do acolhimento à sugestão feita por Gustavo Tepedino, feita
por ocasião da VIII Jornada de Direito Civil, realizada em 2018, pela qual se aprovou uma nova
ementa doutrinária, em complemento a essa anterior e em atualização ao CPC/2015, segundo
a qual

os arts. 2.003 e 2.004 do Código Civil e o art. 639 do CPC devem ser interpretados de
modo a garantir a igualdade das legítimas e a coerência do ordenamento. O bem
doado, em adiantamento de legítima, será colacionado de acordo com seu valor
atual na data da abertura da sucessão, se ainda integrar o patrimônio do donatário.
Se o donatário já não possuir o bem doado, este será colacionado pelo valor do
tempo de sua alienação, atualizado monetariamente (Enunciado n. 644) (TARTUCE,
2020, p. 2.430).

Também os netos podem ser obrigados à colação quando, representando os seus pais,
sucederem aos avós, caso em que serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam
herdado, o que os pais teriam de conferir (art. 2009, CC).
As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas
a colação (art. 2.011, CC).

5.7. REDUÇÃO DAS DOAÇÕES INOFICIOSAS

Quando estudamos a herança legítima, vimos que quando o autor da herança deixa
herdeiros necessários, não poderá haver disposição dos bens para além da parte disponível. É
que, também como vimos, a legítima é protegida pela lei. Assim é que, em caso de disposição
que exceda a legítima, será necessário proceder à redução.
Em outras palavras, havendo doação que exceda à parte disponível, tratar-se-á de
doação inoficiosa, sujeita à redução. Perceba que a redução difere-se da colação, já que nesta

490

493
última, o bem é devolvido pelos herdeiros para fins de recálculo para igualar a legítima. Na
redução, vislumbra-se uma doação que excede o que o doador poderia fazer quando da
liberalidade.
O art. 549 do CC estabelece que é nula a doação inoficiosa na parte que exceder, pelo
doador aquilo que, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Pela leitura do art. 2.007, §1º, CC, temos que o excesso será apurado considerando os
valores dos bens doados no momento da liberalidade. Já o §2º do mesmo artigo diz que a
redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a
restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro,
segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as
regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.
É importante destacar a regra do artigo 2.008, CC, segundo o qual aquele que renunciou
a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de
repor o que exceder o disponível.

5.8. PARTILHA

Pelo princípio de saisine, com a morte do autor da herança, há uma transferência


imediata dos bens aos sucessores. Entretanto, esses bens ainda precisam ser partilhados, o que
ocorrerá no momento da partilha. Assim é que a partilha significa divisão. Pela partilha, temos,
então, a repartição dos bens, de modo que o acervo deixa de ser uma coisa comum,
transformando-se em coisas particulares devidamente divididas.
O artigo 2.013, CC, diz que o herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda que o
testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores.
Há três espécies de partilha:
• partilha amigável;
• partilha judicial; e
• partilha em vida.
a) Partilha amigável: acontece quando todos os herdeiros, sendo capazes, estão de
acordo com a divisão dos bens. Poderá acontecer: por escritura pública; por termo nos autos do
inventário; por termo particular, desde que, neste último caso, seja homologado pelo juiz.
Merece destacar que, como estudado antes, o inventário extrajudicial, feito por
escritura pública, não precisa de homologação judicial.
b) Partilha judicial: será necessariamente judicial a partilha nos casos em que houver
divergência entre herdeiros, ou nos casos em que há herdeiros incapazes. Como nesse tipo de
partilha, não há acordo entre os herdeiros acerca de como se fará a divisão dos bens, o julgador
deverá se valer de algumas regras para realização da partilha. Nesse sentido, o art. 648 do NCPC
traz regras de interpretação para partilha, funcionando como metanormas, ou seja, traz a forma
como deverão ser interpretadas as normas relativas à divisão dos bens na partilha judicial:
- Princípio da igualdade da partilha: é a metanorma, pela qual deve se buscar o máximo
possível de igualdade na divisão, considerando sempre não só o valor dos bens, mas também
sua natureza, qualidade, etc. Basicamente, temos que, de acordo com esse princípio, se o autor
da herança deixou 5 herdeiros e 5 lotes, será um lote para cada um. Se ele deixou 2 herdeiros e
2 carro de 80 mil e 2 lotes de 80 mil, esse princípio diz que tanto quanto ao valor como quanto
à qualidade, deverá buscar a igualdade. Dessa forma, ficará 1 lote e 1 carro para cada um dos
herdeiros. A ideia é não dar 160 mil para um em lotes e 160 mil para o outro em carros, e sim
manter a qualidade e quantidade para garantir a igualdade.

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494
- Prevenção de litígios futuros (mediação ou conciliação): a qualquer momento é
possível que as partes se valham de mediação ou conciliação para facilitar a partilha. Se estiver
ocorrendo uma dificuldade, será tentada uma conciliação ou mediação.
- Máxima comodidade dos coerdeiros do cônjuge ou do companheiro: na verdade, o
art. 649 do NCPC estabelece que se o bem for susceptível de uma divisão cômoda, será feita
dessa forma. Ex.: há um terreno de 1500 metros, podendo ser fracionado em 3 terrenos de 500
metros para cada herdeiro. Diante disso, será feito dessa forma, pois é mais cômoda a divisão.
Se não for suscetível de uma divisão cômoda, que não couberem na parte do cônjuge ou do
companheiro, ou no quinhão de um só dos herdeiros, esses bens serão licitados entre os
interessados, ou ainda serão vendidos judicialmente. A ideia é de que serão vendidos os bens e
os valores serão partilhados, já que não pode haver uma divisão cômoda dos bens, salvo se
houver um acordo sobre o condomínio do bem, situação em que o bem será atribuído a todos.
Em consonância com a proteção conferida pelo Código Civil ao nascituro, o art. 650 do
NCPC estabelece que, se um dos interessados for nascituro, o quinhão que cabe a ele será
reservado em poder do inventariante até o seu nascimento. Caso não nasça, será redistribuído
o bem entre os herdeiros.
Recorde-se que, quanto ao início da personalidade, muito embora ainda haja
divergências quanto à teoria adotada pelo Código Civil (teoria natalista ou concepcionista), certo
é que a lei põe a salvo os direitos do nascituro, de forma que o mencionado artigo 650 do NCPC
reforça essa proteção, que, entretanto, fica na dependência do nascimento com vida. Se não
nascer com vida, não há transmissão.
O art. 661 do NCPC trata da figura do partidor, que nada mais é que o agente responsável
pela organização da partilha. Trata-se de servidor do Poder Judiciário, que organizará o esboço
da partilha, de acordo com aquilo que foi decidido pelo juiz. No entanto, o partidor deverá
observar uma ordem estabelecida pelo artigo 651, o qual reza que o partidor organizará o
esboço da partilha de acordo com a decisão judicial, observando nos pagamentos a seguinte
ordem:
“I - dívidas atendidas; II - meação do cônjuge; III - meação disponível; IV - quinhões
hereditários, a começar pelo coerdeiro mais velho.”
Feito o esboço, as partes irão se manifestar no prazo comum de 15 dias. Eventuais
reclamações serão resolvidas, situação em que a partilha será lançada nos autos.
Em seguida, é pago o ITCMD, sendo juntada aos autos a certidão negativa de dívida para
com a Fazenda Pública, julgando o juiz a partilha por sentença homologatória, conforme art.
664, caput, NCPC.
Transitada em julgado essa sentença, o herdeiro receberá os bens que lhe tocarem e
receberá um formal de partilha, do qual deverá constar as seguintes peças:
“I - termo de inventariante e título de herdeiros; II - avaliação dos bens que constituíram
o quinhão do herdeiro; III - pagamento do quinhão hereditário; IV - quitação dos impostos; V -
sentença.”
Para fins de registro da aquisição da propriedade do imóvel junto ao Cartório de Registro
de Imóvel, esse formal de partilha é fundamental.
O formal de partilha poderá ser substituído eventualmente por uma certidão de
pagamento de quinhão hereditário, desde que o quinhão hereditário não exceda o valor de 5
vezes o salário mínimo.
c) Partilha em vida: é uma partilha feita pelo ascendente a descendente por atos inter
vivos ou por ato de última vontade, podendo ser total ou parcial, desde que se respeite os

492

495
parâmetros legais. Falando sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que “essa constitui a forma de
partilha feita por ascendente a descendentes que por ato inter vivos ou de última vontade,
abrangendo os seus bens de forma total ou parcial, desde que respeitados os parâmetros legais,
caso da reserva da legítima (art. 2.018 do CC/2002). (TARTUCE, 2020, p. 2.446).
Citando Zeno Veloso, Tartuce complementa seu estudo sobre a partilha em vida,
invocando a classificação feita Veloso para o qual:

a partilha em vida pode se realizar de duas maneiras. A primeira equivale a uma


doação, e a divisão dos bens entre os herdeiros tem efeito imediato, antecipando o
que estes iriam receber somente após a morte do ascendente (partilha-doação). A
segunda é a partilha-testamento, feita no ato mortis causa, que só produz efeitos
com a morte do ascendente e deve seguir a forma de testamento (TARTUCE, 2020,
p. 2.446).

5.9. GARANTIA DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS

Quando é julgada a partilha no processo de inventário, cada um dos herdeiros terá


direito aos bens correspondentes ao seu quinhão (art. 2.023, CC).
Estabelece, por sua vez, o art. 2.024, CC, que os co-herdeiros são reciprocamente
obrigados a indenizar-se no caso de evicção dos bens aquinhoados.
Quando a hipótese for de indenização da evicção, o evicto será indenizado pelos co-
herdeiros na proporção de suas quotas hereditárias, mas, se algum deles se achar insolvente,
responderão os demais na mesma proporção, pela parte desse, menos a quota que
corresponderia ao indenizado. É o que estabelece o artigo 2.025, CC.
Exemplificando, suponhamos que o autor da herança deixou três herdeiros e três lotes,
cada um valendo 50 mil reais. A cada herdeiro coube um dos lotes, que foi recebido após a
efetiva partilha. Porém, após isso, um dos herdeiros vem a descobrir que o lote que lhe coube
na partilha não pertencia ao pai, pois já pertencia a outra pessoa que tinha comprado do seu
pai. Então, nessa hipótese, em verdade o autor da herança não deixou 150 mil de herança, mas
apenas 100 mil, motivo pelo qual cada um dos herdeiros, em verdade, deveria ter recebido 33
mil e não 50 mil. Diante disso, os outros co-herdeiros que receberam os 2 lotes deverão pagar a
esse herdeiro evicto 16.500 mil cada um.
Devem-se ressaltar as hipóteses em que não haverá essa obrigação de indenização dos
co-herdeiros. São elas:
• Quando houver acordo entre as partes sobre a exclusão da responsabilidade: ex.:
cada um dos herdeiros recebeu o lote de 50 mil, mas um deles recebeu um lote que
poderá valorizar, valendo 100 mil daqui a 1 ano, situação em que acordam que o
herdeiro, que poderá ter a valorização do seu lote dobrada, assuma a
responsabilidade por possível evicção, desonerando os demais.
• Quando a perda for por culpa exclusiva de um dos herdeiros
• Quando a perda se der por um fato posterior à partilha: ex.: perda do quadro
recebido ou perda pela usucapião.

5.10. ANULAÇÃO, RESCISÃO E NULIDADE DA PARTILHA

O art. 2.027/CC diz que a partilha é anulável pelos mesmos vícios e defeitos que vão
invalidar os negócios jurídicos em geral. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que esse
direito de anulação da partilha decai no prazo de 1 ano.

493

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Nessa mesma linha, o artigo 658, do NCPC, trata das hipóteses em que a partilha julgada
por sentença será rescindível, a saber:
“I - nos casos mencionados no art. 657 do NCPC (partilha amigável); II - se feita com
preterição de formalidades legais; III - se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.”
Em sendo amigável a partilha, diz o art. 657, do NCPC, que poderá ser anulada por dolo,
coação, erro essencial ou intervenção de incapaz. Esse direito à anulação de partilha amigável
extingue-se em 1 (um) ano, contado esse prazo:
“I - no caso de coação, do dia em que ela cessou; II - no caso de erro ou dolo, do dia em
que se realizou o ato; III - quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.”
Sobre o prazo para ser requerida a anulação da partilha com preterição a herdeiro,
Flávio Tartuce adverte que

a única ressalva que deve ser feita é que o jurista, ao lado de outros e da posição
largamente prevalecente, defende a aplicação da regra geral dos prazos de
prescrição, que antes era de vinte anos (art. 177 do CC/1916), e agora é de dez anos
(art. 205 do CC/2002). Nessa linha, aliás, do Superior Tribunal de Justiça e por todos:
“Regimental. Inventário. Partilha. Anulação. Vintenário. Precedentes. Súmula 07. É
de vinte anos o prazo para o herdeiro que não participou da partilha pedir sua
anulação em juízo” (STJ, AgRg no Ag 719.924/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, j. 20.04.2006, DJ 15.05.2006, p. 205) (TARTUCE, 2020, p. 2.453).

Para o autor, então, o prazo para que o herdeiro excluído proponha a anulação da
partilha em juízo é de 10 anos.

5.11. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

5.11.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO CIVIL. Sucessões. Existência de testamento. Interessados maiores,


capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus advogados.
Inventário extrajudicial. Possibilidade. É possível o inventário extrajudicial,
ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e
estiverem assistidos por advogado. O art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do
CPC/1973), dispõe que, em havendo testamento ou interessado incapaz,
proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece,
sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o
inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual
constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras. O Código
Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência
de testamento, que, "se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha
amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito
particular, homologado pelo juiz" (art. 2.015). Por outro lado, determina que
"será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se
algum deles for incapaz" (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação
judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC. Assim, de uma
leitura sistemática desses dispositivos, mostra-se possível o inventário
extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes
e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que
o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente (já que haverá

494

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definição precisa dos seus termos) ou haja a expressa autorização do juízo
competente (ao constatar que inexistem discussões incidentais que não
possam ser dirimidas na via administrativa). A mens legis que autorizou o
inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a
via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial,
assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes.
Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do
direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na
ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes,
socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já
tido como válido pela Justiça. REsp 1.808.767-RJ, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe
03/12/2019 (INF. 633).

Arrolamento sumário. Art. 659, § 2º, do CPC/2015. Homologação da partilha. Prévio


atendimento das obrigações tributárias principais e acessórias relativas ao ITCMD.
Desnecessidade. A homologação da partilha no procedimento do arrolamento
sumário não pressupõe o atendimento das obrigações tributárias principais e
tampouco acessórias relativas ao imposto sobre transmissão causa mortis.
Inicialmente, cumpre salientar que o procedimento do arrolamento sumário é
cabível quando todos os herdeiros forem capazes e estiverem concordes entre si
quanto à partilha dos bens, sendo certo que a simplificação do procedimento em
relação ao inventário e ao arrolamento comum afasta a possibilidade de maiores
indagações no curso do procedimento especial, tais como a avaliação de bens do
espólio e eventual questão relativa a lançamento, pagamento ou quitação de taxas
judiciárias e tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade, consoante o
teor dos artigos 659 c/c 662 e seguintes do Código de Processo Civil. Consoante estas
balizas legais, neste tocante, o Código de Processo Civil de 2015 dispõe que, no caso
de arrolamento sumário, a partilha amigável será homologada de plano pelo juiz e,
transitada em julgado a sentença, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e
rendas por ele abrangidos. Somente após, será o Fisco intimado para lançamento
administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos, porventura
incidentes. Portanto, a obrigatoriedade de recolhimento de todos os tributos
previamente ao julgamento da partilha (art. 664, § 5º, CPC) foi afastada pelo próprio
art. 659, ao prever sua aplicação apenas ao arrolamento comum. O novo Código de
Processo Civil de 2015, ao tratar do arrolamento sumário, permite que a partilha
amigável seja homologada anteriormente ao recolhimento do imposto de
transmissão causa mortis, e somente após a expedição do formal de partilha ou da
carta de adjudicação é que a Fazenda Pública será intimada para providenciar o
lançamento administrativo do imposto, supostamente devido. REsp 1.751.332-DF,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 25/09/2018, DJe
03/10/2018. (INF. 636).

QUESTÕES

1- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.


I – Em face do princípio da igualdade das entidades familiares, é inconstitucional o tratamento
discriminatório conferido ao cônjuge e ao companheiro.
II – Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a
custódia compartilhada do animal de estimação do casal.
III – A constituição de entidade familiar paralela não gera qualquer efeito jurídico.

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498
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
2- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – O prêmio de loteria, recebido por ex-companheiro septuagenário durante a relação de união
estável, deve ser objeto de meação entre o casal em caso de dissolução do relacionamento.
II – De acordo com o entendimento prevalente, o casal deve formular pedido extrajudicial antes
de ingressar com ação judicial pedindo a conversão da união estável em casamento
III – No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios
entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime
estabelecido no art. 1.829 do Código Civil.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
3- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Ainda que casado sob o regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente
é herdeiro necessário e concorre com os descendentes.
II – Nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial
do mérito (art. 356 do Novo CPC),2 para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a
demanda com a discussão de outros temas.
III – Em pacto antenupcial ou contrato de convivência podem ser celebrados negócios jurídicos
processuais.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
4- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na dissolução de união estável, não é possível a partilha dos direitos de concessão de uso
para moradia de imóvel público.
II – O benefício de previdência privada fechada entra na partilha em dissolução de união estável
regida pela comunhão parcial de bens.
III – O bem imóvel adquirido a título oneroso na constância da união estável regida pelo estatuto
da comunhão parcial, mas recebido individualmente por um dos companheiros, através de
doação pura e simples realizada pelo outro, deve ser incluído no monte partilhável.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
5- Assinale a alternativa INCORRETA de acordo com as disposições do Código Civil
a) As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
b) Mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil, a união estável poderá
converter-se em casamento.
c) Salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais na união
estável, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
d) As causas suspensivas do casamento impedirão a caracterização da união estável.

496

499
6- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – É de quatro anos o prazo de decadência para anular partilha de bens em dissolução de união
estável, por vício de consentimento.
II – É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela
adoção da regulação patrimonial da futura relação como igual ao regime de comunhão
universal, desde que tenha sido feito por meio de escritura pública.
III – Não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a
fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
7- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável,
ainda que haja coabitação.
II – A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do
companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de
contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do
Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do
adquirente.
III – Na hipótese de dissolução de união estável subordinada ao regime da comunhão parcial de
bens, não deve integrar o patrimônio comum, a ser partilhado entre os companheiros, a
valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada adquiridas antes do início do
período de convivência do casal.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
8- Com relação à União Estável, assinale a alternativa INCORRETA nos termos do Código Civil.
a) Não se constituirá a união estável se ocorrerem os impedimentos para o casamento, salvo no
caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
b) Constituem união estável as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos
de casar.
c) Obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
dos filhos as relações pessoais entre os companheiros.
d) É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família.
9- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Não há hierarquia entre casamento e união estável, sendo apenas entidades familiares
diferentes, que contam com a proteção constitucional.
II – São considerados elementos essenciais para a constituição da união estável: a publicidade,
a continuidade, a estabilidade e o objetivo de constituição de família.
III – A lei não exige prazo mínimo para a sua constituição da união estável, devendo ser
analisadas as circunstâncias do caso concreto.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.

497

500
10- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Para o reconhecimento da união estável exige-se que os companheiros ou conviventes vivam
sob o mesmo teto.
II – Não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste configurada,
como necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as partes ou de uma decisão
judicial de reconhecimento.
III – Os impedimentos matrimoniais previstos impedem a caracterização da união estável,
havendo, na hipótese, concubinato, mas o Código Civil passou a admitir que a pessoa casada,
desde que separada de fato ou judicialmente constitua união estável.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.

COMENTÁRIOS

1. Gabarito: B
I – CORRETA – De acordo com o Enunciado 03 do IBDFAM - Em face do princípio da igualdade
das entidades familiares, é inconstitucional o tratamento discriminatório conferido ao cônjuge
e ao companheiro.
II – CORRETA – De acordo com o Enunciado 11 do IBDFAM- Na ação destinada a dissolver o
casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de
estimação do casal.
III – INCORRETA – Segundo o Enunciado 04 do IBDFAM - A constituição de entidade familiar
paralela pode gerar efeito jurídico.
http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam
2. Gabarito: C
I – CORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS.


COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SÚMULA 377 DO STF. BENS ADQUIRIDOS NA
CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL QUE DEVEM SER PARTILHADOS DE FORMA
IGUALITÁRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM DOS
COMPANHEIROS PARA LEGITIMAR A DIVISÃO. PRÊMIO DE LOTERIA (LOTOMANIA).
FATO EVENTUAL OCORRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE
MEAÇÃO. 1. Por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916
(equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao
casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o
regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei 12.344/2010 alterou
a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60 para 70 anos).
Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja
observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta
anos ou a mulher maior de cinquenta. Precedentes. 2. A ratio legis foi a de proteger
o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse
estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte
para o enlace. 3. A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula n.º 377 do STF,
pacificou o entendimento de que "apenas os bens adquiridos onerosamente na
constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua
aquisição, devem ser objeto de partilha" (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul
Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015). 4. Nos termos da
norma, o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a
rubrica de "bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho

498

501
ou despesa anterior" (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art. 1.660, II). 5. Na hipótese, o
prêmio da lotomania, recebido pelo ex-companheiro, sexagenário, deve ser objeto
de partilha, haja vista que: i) se trata de bem comum que ingressa no patrimônio do
casal, independentemente da aferição do esforço de cada um; ii) foi o próprio
legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade; iii) como se trata de
regime obrigatório imposto pela norma, permitir a comunhão dos aquestos acaba
sendo a melhor forma de se realizar maior justiça social e tratamento igualitário,
tendo em vista que o referido regime não adveio da vontade livre e expressa das
partes; iv) a partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato
da lei, já que o prêmio foi ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio
realizado por interesse ou em união meramente especulativa. 6. Recurso especial
parcialmente provido. (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017)

II – INCORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM


CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA
ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. O
propósito recursal é reconhecer a existência de interesse de agir para a propositura
de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a possibilidade
de tal procedimento ser efetuado extrajudicialmente. Os arts. 1726, do CC e 8º, da
Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão
de união estável em casamento exclusivamente pela via administrativa. A
interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da Constituição
Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais conveniente para
o pedido de conversão de união estável em casamento. Recurso especial conhecido
e provido. (REsp 1685937/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 17/08/2017, DJe 22/08/2017)

III – CORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva.
Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a
“inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas
de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a
união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas
consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres
Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os
cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada
por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com
a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis
nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro),
dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao
marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana,
da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do
retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento
ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido
trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda
não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em
repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do

499

502
CC/2002”. (RE 646721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017)

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins
sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo
casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades
familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do
Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira
(ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à
esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da
dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da
vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o
entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não
tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais
em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário.
Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no
art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878694, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal
Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018
PUBLIC 06-02-2018)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS


SUCESSÕES. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INCONSTITUCIONALIDADE. STF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ART. 1.829 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA,
PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO AO
RETROCESSO. APLICABILIDADE. 1. No sistema constitucional vigente é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do
CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento
sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e 878.694). 2.
O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do companheiro ou
cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002 ofende frontalmente
os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade e da vedação
ao retrocesso. 3. Ausência de razoabilidade do discrímen à falta de justo motivo no
plano sucessório. 4. Recurso especial provido. (REsp 1332773/MS, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe
01/08/2017)

3. Gabarito: A
I – CORRETA – De acordo com o Enunciado 15 IBDFAM: “Ainda que casado sob o regime da
separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com
os descendentes.”
II – CORRETA – De acordo com o Enunciado 18 IBDFAM: “Nas ações de divórcio e de dissolução
da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC),2 para
que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros
temas.”
III – CORRETA – De acordo com o Enunciado 24 IBDFAM: “Em pacto antenupcial ou contrato de
convivência podem ser celebrados negócios jurídicos processuais.”

500

503
http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam
4. Gabarito: E
I – INCORRETA – De acordo com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO


ESTÁVEL. PARTILHA DE DIREITOS SOBRE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO.
POSSIBILIDADE. 1. Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos
de concessão de uso para moradia de imóvel público. 2. Os entes governamentais
têm-se valido da concessão de uso como meio de concretização da política
habitacional e de regularização fundiária, conferindo a posse de imóveis públicos
para a moradia da população carente. 3. A concessão de uso de bens para fins de
moradia, apesar de, por ela, não se alterar a titularidade do imóvel e ser concedida,
em regra, de forma graciosa, possui, de fato, expressão econômica, notadamente
por conferir ao particular o direito ao desfrute do valor de uso em situação desigual
em relação aos demais particulares. Somado a isso, verifica-se, nos normativos que
regulam as referidas concessões, a possibilidade de sua transferência, tanto por ato
inter vivos como causa mortis, o que também agrega a possibilidade de ganho
patrimonial ao menciionado direito. 4. Na hipótese, concedeu-se ao casal o direito
de uso do imóvel. Consequentemente, ficaram isentos dos ônus da compra da casa
própria e dos encargos de aluguéis, o que, indubitavelmente, acarretou ganho
patrimonial extremamente relevante. 5. Recurso especial não provido. (REsp
1494302/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
13/06/2017, DJe 15/08/2017).

II – INCORRETA – Segundo entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.


COMUNHÃO PARCIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MODALIDADE FECHADA.
CONTINGÊNCIAS FUTURAS. PARTILHA. ART. 1.659, VII, DO CC/2002. BENEFÍCIO
EXCLUÍDO. MEAÇÃO DE DÍVIDA. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECLUSÃO
CONSUMATIVA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO. 1. Cinge-se a controvérsia a identificar
se o benefício de previdência privada fechada está incluído dentro no rol das
exceções do art. 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é verba excluída da partilha em
virtude da dissolução de união estável, que observa, em regra, o regime da
comunhão parcial dos bens. 2. A previdência privada possibilita a constituição de
reservas para contigências futuras e incertas da vida por meio de entidades
organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social.
3. As entidades fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos,
disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos
empregados ou grupo de empresas aos quais estão atrelados e não se confundem
com a relação laboral (art. 458, § 2º, VI, da CLT). 4. O artigo 1.659, inciso VII, do
CC/2002 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos,
montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da previdência
complementar fechada. 5. O equilíbrio financeiro e atuarial é princípio nuclear da
previdência complementar fechada, motivo pelo qual permitir o resgate antecipado
de renda capitalizada, o que em tese não é possível à luz das normas previdenciárias
e estatutárias, em razão do regime de casamento, representaria um novo parâmetro
para a realização de cálculo já extremamente complexo e desequilibraria todo o
sistema, lesionando participantes e beneficiários, terceiros de boa-fé, que assinaram
previamente o contrato de um fundo sem tal previsão. 6. Na partilha, comunicam-
se não apenas o patrimônio líquido, mas também as dívidas e os encargos existentes
até o momento da separação de fato. 7. Rever a premissa de falta de provas aptas a
considerar que os empréstimos beneficiaram a família, demanda o revolvimento do
acervo fático-probatório dos autos, o que atrai o óbice da Súmula nº 7 deste Superior
Tribunal. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1477937/MG, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe
20/06/2017)

501

504
III – INCORRETA – De acordo com entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE CONTRATO DE CONVIVÊNCIA.
APLICAÇÃO SUPLETIVA DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. PARTILHA.
IMÓVEL ADQUIRIDO PELO CASAL. DOAÇÃO ENTRE OS COMPANHEIROS. BEM
EXCLUÍDO DO MONTE PARTILHÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.659, I, DO CC/2002.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Diante da inexistência de contrato de
convivência entre os companheiros, aplica-se à união estável, com relação aos
efeitos patrimoniais, o regime da comunhão parcial de bens (CC/2002, art. 1.725). 2.
Salvo expressa disposição de lei, não é vedada a doação entre os conviventes, ainda
que o bem integre o patrimônio comum do casal (aquestos), desde que não implique
a redução do patrimônio do doador ao ponto de comprometer sua subsistência,
tampouco possua caráter inoficioso, contrariando interesses de herdeiros
necessários, conforme os arts. 548 e 549 do CC/2002. 3. O bem recebido
individualmente por companheiro, através de doação pura e simples, ainda que o
doador seja o outro companheiro, deve ser excluído do monte partilhável da união
estável regida pelo estatuto supletivo, nos termos do art. 1.659, I, do CC/2002. 4.
Recurso especial não provido. (REsp 1171488/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 11/05/2017)

5. Gabarito: D
a) CORRETA, segundo o art. 1.724, CC: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão
aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”
b) CORRETA, segundo o art. 1.726, CC: “A união estável poderá converter-se em casamento,
mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”
c) CORRETA, segundo o art. 1.725., CC: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial
de bens.”
d) INCORRETA, segundo o art. 1723, § 2º, CC: “As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão
a caracterização da união estável.”
6. Gabarito: C
I – CORRETA – De acordo com o STJ:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PARTILHA POR COAÇÃO. DISSOLUÇÃO


DE UNIÃO ESTÁVEL. PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS. ART. 178 DO CÓDIGO
CIVIL. SEGURANÇA JURÍDICA. 1. É de quatro anos o prazo de decadência para anular
partilha de bens em dissolução de união estável, por vício de consentimento
(coação), nos termos do art. 178 do Código Civil. 2. Não houve alterações de ordem
jurídico-normativa, com o advento do Código Civil de 2002, a justificar alteração da
consolidada jurisprudência dos tribunais superiores, com base no Código Civil de
1916, segundo a qual a anulação da partilha ou do acordo homologado judicialmente
na separação consensual regulava-se pelo prazo prescricional previsto no art. 178, §
9º, inciso V, e não aquele de um ano preconizado pelo art. 178, § 6º, V, do mesmo
diploma. Precedentes do STF e do STJ. 3. É inadequada a exegese extensiva de uma
exceção à regra geral - arts. 2.027 do CC e 1.029 do CPC/73, ambos inseridos,
respectivamente, no Livro "Do Direito das Sucessões" e no capítulo intitulado "Do
Inventário e Da Partilha" - por meio da analogia, quando o próprio ordenamento
jurídico prevê normativo que se amolda à tipicidade do caso (CC, art. 178). 4. Pela
interpretação sistemática, verifica-se que a própria topografia dos dispositivos
remonta ao entendimento de que o prazo decadencial ânuo deve se limitar à seara
do sistema do direito das sucessões, submetida aos requisitos de validade e
princípios específicos que o norteiam, tratando-se de opção do legislador a definição
de escorreito prazo de caducidade para as relações de herança. 5. Recurso especial
provido. (REsp 1621610/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 07/02/2017, DJe 20/03/2017)

502

505
II – INCORRETA – De acordo com a jurisprudência do STJ, não é exigível escritura pública:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA PARTICULAR. REGULAÇÃO


DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS DE FORMA SIMILAR À COMUNHÃO UNIVERSAL DE
BENS. POSSIBILIDADE. 1. O texto de Lei que regula a possibilidade de contrato de
convivência, quando aponta para ressalva de que contrato escrito pode ser
entabulado entre os futuros conviventes para regular as relações patrimoniais, fixou
uma dilatada liberdade às partes para disporem sobre seu patrimônio. 2. A liberdade
outorgada aos conviventes deve se pautar, como outra qualquer, apenas nos
requisitos de validade de um negócio jurídico, regulados pelo art. 104 do Código Civil.
3. Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura pública, tanto a
própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis interesses de
terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei estabeleceu o
singelo rito do contrato escrito. 4. Assim, o pacto de convivência formulado em
particular, pelo casal, na qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura
relação como símil ao regime de comunhão universal, é válido, desde que escrito. 5.
Ainda que assim não fosse, vulnera o princípio da boa-fé (venire contra
factumproprium), não sendo dado àquele que, sem amarras, pactuou a forma como
se regularia as relações patrimoniais na união estável, posteriormente buscar
enjeitar a própria manifestação de vontade, escudando-se em uma possível
tecnicalidade não observada por ele mesmo. 5. Recurso provido. (REsp 1459597/SC,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe
15/12/2016)

III - CORRETA – De acordo com o STJ:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE


CONVIVÊNCIA. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA.
PRESENÇA DOS REQUISITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02.
SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR SI, NÃO É MOTIVO DE INCAPACIDADE PARA
O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE QUE NÃO
TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO NEGÓCIO JURÍDICO.
AFIRMADA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº
7 DO STJ. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284 DO
STF. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS NO CASAMENTO. INCISO II DO
ART. 1.641 DO CC/02. APLICAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL. AFERIÇÃO DA IDADE. ÉPOCA
DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. PRECEDENTES. APONTADA VIOLAÇÃO DE
SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE LEGISLAÇÃO
FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.
RECURSO ESPECIAL DO EX-COMPANHEIRO NÃO PROVIDO. 2) PRETENSÃO DE SE
ATRIBUIR EFEITOS RETROATIVOS A CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO ESPECIAL DA EX-COMPANHEIRA NÃO PROVIDO. 1. A condição de idoso e
o acometimento de doença incurável à época da celebração do contrato de
convivência, por si, não é motivo de incapacidade para o exercício de direito ou
empecilho para contrair obrigações, quando não há elementos indicativos da
ausência de discernimento para compreensão do negócio jurídico realizado. 2. Com
o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro, conforme pesquisa do IBGE,
com a notória recente melhoria na qualidade de vida dos idosos e, com os avanços
da medicina, não é razoável afirmar que a pessoa maior de 60 anos não tenha
capacidade para praticar os atos da vida civil. Afirmar o contrário afrontaria
diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana e o da igualdade. 3. A
alteração da conclusão do Tribunal a quo, com base nos elementos probatórios de
que não existia um mínimo de prova indicando que não houve livre manifestação da
vontade e de que não se comprovou alteração no estado emocional ou ausência de
capacidade para a formalização do ajuste, não é possível de ser feita em recurso
especial, em razão do óbice contido na Súmula nº 7 do STJ. 4. A deficiência na
fundamentação do recurso especial no que tange à alegada ofensa aos arts. 1.641,

503

506
II, 104, 145 e 171 do CC/02 atrai a incidência da Súmula nº 284 do STF. 5. Apesar do
inciso II do art. 1.641 do CC/02 impor o regime da separação obrigatória de bens
somente no casamento da pessoa maior de 60 anos (70 anos após a vigência da Lei
nº 12.344/2010), a jurisprudência desta egrégia Corte Superior estendeu essa
limitação à união estável quando ao menos um dos companheiros contar tal idade à
época do início do relacionamento, o que não é o caso. Precedentes. 6. O fato do
convivente ter celebrado acordo com mais de sessenta anos de idade não torna nulo
contrato de convivência, pois os ex-companheiros, livre e espontaneamente,
convencionaram que as relações patrimoniais seriam regidas pelo regime da
separação total de bens, que se assemelha ao regime de separação de bens.
Observância do disposto no inciso II do art. 1.641 do CC/02. 7. A jurisprudência desta
Corte firmou o entendimento de que o apelo nobre não constitui via adequada para
análise de eventual ofensa a enunciado sumular por não estar ele compreendido na
expressão "lei federal" constante da alínea a do inciso III do art. 105 da CF.
Precedentes. Some-se o fato da ausência de demonstração e comprovação do
dissídio jurisprudencial na forma legal exigida. 8. No curso do período de
convivência, não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos
à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, se
estar-se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento. 9. Recursos
especiais não providos. (REsp 1383624/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015)

7. Gabarito: A
I – CORRETA – De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS
ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE
PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO
DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO
CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E
INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A
COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E,
POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO.
REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM
ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL
OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM
CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA
VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM
COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA . NECESSIDADE. 5.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO
PREJUDICADO. 1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei
adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente,
circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do
correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a partir dos
fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento
dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior
ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que
há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e
irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de
uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a
coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de
cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes
à verificação da affectiomaritalis e, por conseguinte, da configuração da união
estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como
requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta
entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera

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proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais
abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do
efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os
companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a
coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa
vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se
considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e
interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos
distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir
conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos
tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se
à realidade social. 3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes,
no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de
2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro
qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram
para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade
familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.
4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal
como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da
união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de
renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de
apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das
partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A
celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na
hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então
namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente
e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um
núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do
relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é
de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies
de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união
estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o
único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás,
a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então
namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo,
constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não
advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial
provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado. (REsp
1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
03/03/2015, DJe 10/03/2015)

II – CORRETA – De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PATRIMONIAL DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL.


ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. NECESSIDADE
DE CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO. EFEITOS SOBRE O NEGÓCIO CELEBRADO
COM TERCEIRO DE BOA-FÉ. 1. A necessidade de autorização de ambos os
companheiros para a validade da alienação de bens imóveis adquiridos no curso da
união estável é consectário do regime da comunhão parcial de bens, estendido à
união estável pelo art. 1.725 do CCB, além do reconhecimento da existência de
condomínio natural entre os conviventes sobre os bens adquiridos na constância da
união, na forma do art. 5º da Lei 9.278/96, Precedente. 2. Reconhecimento da
incidência da regra do art. 1.647, I, do CCB sobre as uniões estáveis, adequando-se,
todavia, os efeitos do seu desrespeito às nuanças próprias da ausência de exigências
formais para a constituição dessa entidade familiar. 3. Necessidade de preservação
dos efeitos, em nome da segurança jurídica, dos atos jurídicos praticados de boa-fé,
que é presumida em nosso sistema jurídico. 4. A invalidação da alienação de imóvel

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comum, realizada sem o consentimento do companheiro, dependerá da publicidade
conferida a união estável mediante a averbação de contrato de convivência ou da
decisão declaratória da existência união estável no Ofício do Registro de Imóveis em
que cadastrados os bens comuns, ou pela demonstração de má-fé do adquirente. 5.
Hipótese dos autos em que não há qualquer registro no álbum imobiliário em que
inscrito o imóvel objeto de alienação em relação a co-propriedade ou mesmo à
existência de união estável, devendo-se preservar os interesses do adquirente de
boa-fé, conforme reconhecido pelas instâncias de origem. 6. RECURSO ESPECIAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO. (REsp 1424275/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014)

III – CORRETA – De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.


COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. 1. O regime de
bens aplicável às uniões estáveis é o da comunhão parcial, comunicando-se, mesmo
por presunção, os bens adquiridos pelo esforço comum dos companheiros. 2. A
valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada, adquiridas antes do
início do período de convivência, decorrente de mero fenômeno econômico, e não
do esforço comum dos companheiros, não se comunica. 3. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. (REsp 1173931/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)

8. Gabarito: B
a) CORRETA, segundo o art. 1723§ 1º, CC: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente.”
b) INCORRETA, segundo o art. 1.727, CC: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato.”
c) CORRETA, segundo o art. 1.724, CC: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão
aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”
d) CORRETA, segundo o art. 1.723, CC: “É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
9. Gabarito: A
I – CORRETA – De acordo com Tartuce:

Qualquer estudo da união estável deve ter como ponto de partida a CF/1988, que
reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
prevendo que a lei deve facilitar a sua conversão em casamento. Duas conclusões
fundamentais poderiam ser retiradas do Texto Maior. A primeira é que a união
estável não seria igual ao casamento, eis que categorias iguais não podem ser
convertidas uma na outra. A segunda é que não há hierarquia entre casamento e
união estável. São apenas entidades familiares diferentes, que contam com a
proteção constitucional.

II – CORRETA – Segundo a doutrina:

Em tom didático, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho apresentam


elementos caracterizadores essenciais e elementos caracterizadores acidentais para
a união estável. Entre os primeiros estão a publicidade, a continuidade, a
estabilidade e o objetivo de constituição de família. Como elementos acidentais,
destacam o tempo, a prole e a coabitação.

III – CORRETA – De acordo com a jurisprudência:

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A lei não exige prazo mínimo para a sua constituição, devendo ser analisadas as
circunstâncias do caso concreto (nesse sentido: TJSP, Apelação com Revisão
570.520.5/4, Acórdão 3543935, São Paulo, 9.ª Câmara de Direito Público, Rel. Des.
Rebouças de Carvalho, j. 04.03.2009, DJESP 30.04.2009).

Tartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único. – 8. ed. rev, atual. eampl. –
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 1295 e 1297.

10. Gabarito: D
I – INCORRETA – Segundo a doutrina:

Não se exige que os companheiros ou conviventes vivam sob o mesmo teto, o que
consta da remota Súmula 382 do STF, que trata do concubinato e que era aplicada à
união estável. A jurisprudência atual continua aplicando essa súmula (por todos: STJ,
REsp 275.839/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy
Andrighi, j. 02.10.2008, DJe 23.10.2008). No mesmo sentido, estabelece a premissa
2, publicada na Edição 50 da ferramenta Jurisprudência em Teses, que “A coabitação
não é elemento indispensável à caracterização da união estável”.

II – CORRETA – De acordo com a doutrina:

Não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste
configurada, como necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as
partes ou de uma decisão judicial de reconhecimento. A propósito, em importante
precedente, entendeu o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que “não constitui
requisito legal para concessão de pensão por morte à companheira que a união
estável seja declarada judicialmente, mesmo que vigente formalmente o casamento,
de modo que não é dado à Administração Pública negar o benefício com base neste
fundamento. (...). Embora uma decisão judicial pudesse conferir maior segurança
jurídica, não se deve obrigar alguém a ir ao Judiciário desnecessariamente, por mera
conveniência administrativa. O companheiro já enfrenta uma série de obstáculos
decorrentes da informalidade de sua situação. Se ao final a prova produzida é
idônea, não há como deixar de reconhecer a união estável e os direitos daí
decorrentes” (Supremo Tribunal Federal, julgamento do Mandado de Segurança
330.008, originário do Distrito Federal, em 3 de maio de 2016).

III – CORRETA – Segundo a doutrina:

Os impedimentos matrimoniais previstos no art. 1.521 do CC também impedem a


caracterização da união estável, havendo, na hipótese, concubinato (art. 1.727 do
CC). Porém, o CC/2002 passou a admitir que a pessoa casada, desde que separada
de fato ou judicialmente constitua união estável. Enuncia o art. 1.723, § 1.º, do CC,
que “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521;
não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato ou judicialmente”. A norma deveria ser atualizada para incluir o
separado extrajudicialmente, nos termos da anterior Lei 11.441/2007. Todavia,
diante da entrada em vigor da EC 66/2010, que retirou do sistema a separação
jurídica, o panorama mudou. Para os novos relacionamentos apenas tem relevância
a premissa de que o separado de fato pode constituir uma união estável. A menção
ao separado judicialmente e a situação do separado extrajudicialmente têm
pertinência apenas para os relacionamentos anteriores, existentes da vigência do
Código Civil de 2002 até a Emenda do Divórcio (até 13.07.2010), argumento a ser
mantido mesmo com a emergência do Novo CPC, como antes se expôs. Ilustrando,
se alguém, separado judicialmente ou extrajudicialmente, constituiu uma
convivência com outrem desde o ano de 2008, tal relacionamento pode ser tido
como união estável.

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Tartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único. – 8. ed. rev, atual. eampl. –
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 1297/1298.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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___________________ Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha
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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único, 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São
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