Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
ódio
Beatriz Pepe Mena – nº USP: 8012467
Artigo escrito como avaliação parcial da disciplina Temas Fundamentais de Direito
Penal
1Alguns doutrinadores tratam esse assunto como “teoria do crime”. Válido esclarecer que segundo
GRECO (2011), o Brasil adotou a concepção dualista considerando que delito e crime são sinônimos.
2 De acordo com ESTEFAM e GONÇALVES (2017, p. 275), “o conceito formal intenta definir o delito
focando cem suas consequências jurídicas, isto é, na espécie de sanção cominada. Assim, por
exemplo, o inadimplemento contratual não pode ser considerado um crime, pois não acarreta a
imposição de nenhuma sanção penal (pena privativa de liberdade, pena alternativa ou medida de
segurança), mas apenas provoca o dever de indenizar a parte contrária”.
1
comumente adotando-se a concepção de que delito é a prática que ofende a um bem
jurídico3. Por fim, a roupagem analítica estuda o delito a partir de sua estrutura, sendo
que para corrente dominante, o delito ou crime é o fato típico, antijurídico e culpável.
Sob o viés analítico de delito, se passa a análise e desenvolvimento dos
três elementos que compõem o delito.
A primeira concepção do tipo foi formulada na primeira década do século
XX por Ernst Beling, dando origem a denominada teoria do tipo independente. Essa
corrente, denominada causalista ou clássica situa-se em um período histórico no qual
despontou o positivismo e a influência das ciências naturais e exatas, como
consequência, a conduta típica foi concebida como mera prática do ato vedado em
lei, abstraindo-se elementos subjetivos e normativos.
Dessa forma, a tipicidade era entendida como “formatação descritiva,
objetiva e não valorativa, apta à simples explicitação do comportamento escolhido
como proibido e indesejável pelo legislador” (NETTO, 2006, p.58). Com isso tem-se
duas principais consequências, primeiro, verifica-se que a independência entre a
tipicidade e a ilicitude, ou seja, considerar determinado ato como típico não
influenciaria na determinação de antijuridicidade. Em segundo lugar, conclui-se que
os causalistas não tratavam dos elementos subjetivos (dolo ou culpa) no âmbito do
tipo, analisando-os apenas etapa da culpabilidade4, momento em que é realizado o
juízo de censura ou reprovação sobre a conduta do agente ou seu resultado.5
Embora se reconheça a importância dos causalistas em inaugurar a
categoria do tipo, sua abordagem estritamente objetiva começou a ser alvo de críticas,
sobretudo por acadêmicos que de base neokantista6.
3Sobre o tema, vale a pena a leitura da concepção trabalhada por BECHARA (2014, p.20): “ a fim de
definir uma conduta como delito, não basta que esta infrinja uma norma ética, moral ou divina, sendo
necessária, antes de tudo, a verificação de seu caráter ofensivo a interesses sociais fundamentais,
entendidos como bem jurídicos.”
4 De acordo com Luiz Regis Prado (PRADO, 2008, p. 365): “a culpabilidade é a reprovabilidade
pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita. Assim, não há culpabilidade sem
tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica e ilícita inculpável.
5Sendo assim, de acordo com os causalistas, primeiro se examina se determinada conduta é típica e
antijurídica para então analisar o. dolo ou culpa, ou seja, o tipo era apenas a conduta externalizada
pelo agente, sua intenção nada influencia na determinação do tipo.
2
Destaca-se a visão do neokantista Mayer que defendeu que embora
categorias distintas, a tipicidade e a ilicitude não poderiam ser concebidas como
completamente independentes. Surge então, a famosa formulação “tipicidade é
indiciária da ilicitude” o que significa que uma vez constatado que uma ação se
coaduna com o tipo penal, pressupõem-se que ela também é antijurídica, tal
presunção é afastada apenas se forem constatadas as excludentes de ilicitude (que
no Código Penal Brasileiro são a legítima defesa, o estado de necessidade, o
exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal). Dessa forma, esta
concepção do tipo ficou conhecida como tipo indiciário.
Tal formulação de Mayer foi extremada por Mezger em sua concepção do
tipo como ratio essendi da antijuridicidade, ou teoria do tipo total de injusto. Para
este autor, a tipicidade é sinônimo da ilicitude na medida em que ao definir uma ação
como típica ela é automaticamente antijurídica. De acordo com NETTO (2006, p. 66)
“o pensamento se constrói no sentido de que o legislador, ao estipular uma
determinada conduta como típica não apenas impõe esta qualidade, mas o ato de
especificação normativa, em si mesmo, atribui de imediato a noção de antijurídico”.
Essa formulação é bastante semelhante à teoria dos elementos negativos de Merkel,
na medida em que para ambos a tipicidade e antijuridicidade coincidem, mas para o
segundo as causas de exclusão do ilícito deveriam compor a redação de todos os
tipos, ou seja, o tipo passaria a ser, por exemplo, matar alguém não estando em
legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e em estrito
cumprimento do dever legal.
Vale a pena observar que até este momento os elementos subjetivos (dolo
e culpa) continuam a ser analisados apenas na etapa da culpabilidade. A transposição
destes elementos para integrar o tipo foi concebida por Welzel, sendo uma verdadeira
revolução no estudo do Direito Penal.
Para construção de seu pensamento, Welzel partiu da premissa de que não
é possível dissociar a ação humana do elemento subjetivo já que toda conduta seria
um ato dirigido para atingir determinada finalidade. Sendo assim, a conduta deixa de
ser entendida como elemento meramente causal, passando a incorporar um querer.
(elemento volitivo) e um conhecer (elemento cognitivo) (NETTO, 2006, p. 71). Através
3
desta estrutura, alguns fatos que eram típicos e ilícitos sob o ponto de vista do
causalismo, passam a ser atípicos sob a ótica do finalismo7.
Outra consequência direta é o entendimento da culpabilidade como
elemento puramente normativo. Sendo assim, a culpabilidade, entendida como juízo
de reprovação da conduta, tem como elementos a imputabilidade, a potencial
consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Reconhece-se a enorme relevância do finalismo, mas ele não está isento
de críticas. Uma dificuldade particular foi oferecer uma explicação coerente para os
crimes culposos, em que a finalidade da ação se distingue do resultado atingido.
Embora haja uma tentativa de explicar os crimes culposos seguindo a lógica finalista,
em verdade, a incorporação da noção de dever de cuidado parece se tratar de
elemento estranho ao sistema o que evidencia as falhas de uma abordagem
puramente finalista. Mesmo assim, válido apresentar a concepção de Welzel para os
delitos culposos:
7Apenas para ilustrar, é interessante expor o exemplo tratado por ESTEFAM e GONÇALVES (2017,
p. 293): “O art. 124 do CP tipifica o crime de autoaborto. Trata-se de delito punido apenas na forma
dolosa. Logo, se uma gestante ingere acidentalmente, um comprimido, desconhecendo seu efeito
abortivo, não responderá pelo crime (...) porque o fato é atípico (a lei não pune o aborto culposo),
adotando-se o sistema clássico, entretanto, teríamos um fato atípico e antijurídico, pois a falta de dolo,
nesse sistema, não conduz à atipicidade do comportamento, mas leva à exclusão da culpabilidade”
8 O funcionalismo, corrente cronologicamente mais recente que as demais trabalhadas neste artigo,
busca superar a dicotomia entre a dogmática e a política criminal. As consequências desastrosas da
Escola de Kiel fizeram com que os doutrinadores passassem a se preocupar com um conceito de delito
que atendesse à função do Direito Penal. Função esta que de acordo com a corrente racional
teleológica (da qual se destaca ROXIN) seria a proteção de bens jurídicos enquanto para vertente do
funcionalismo sistêmico (a qual se filia JAKOBS) seria a garantia da eficácia da norma.
4
Essa teoria parte da teoria do tipo proposta pelo finalismo, ou seja, conduta
(ação ou omissão), tipicidade, resultado e nexo causal e incorpora o conceito de
imputação objetiva. Assim, o resultado somente deve ser imputado a um agente
quando sua conduta criou risco não permitido, este risco produziu resultado concreto
e este resultado está alojado no alcance do próprio tipo.
Esta teoria mudou muitos paradigmas, destacando-se a possibilidade de
explicar o delito culposo através das próprias premissas da teoria. Com efeito, o
próprio Roxin critica a explicação oferecida por causalistas e finalistas que se
apoiavam no conceito de dever de cuidado:
5
(equivocada) de muitos, a formulação da Tipicidade Conglobante faz com que fatos
típicos, mas que recaem nas excludentes de ilicitude passem a ser considerados
atípicos, pois o cumprimento do dever legal e o exercício de direito tornariam a
conduta autorizada pelo ordenamento e, portanto, não poderiam ser típicas. Ocorre
que tal leitura se mostra equivocada, pois são excludentes de ilicitude o estrito
cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito, tais palavras em negrito
demonstram que é preciso realizar uma análise valorativa da situação concreta, de
forma que não se pode dizer que tais elementos seriam autorizativos prévios e
expressos.
De todo modo, o questionamento do professor Zaffaroni incentivou um
estudo mais aprofundado da teoria do delito e evidencia a relação íntima e difícil entre
tipicidade e antijuridicidade.
6
BIBLIOGRAFIA
BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. Bem Jurídico-Penal. São Paulo: Quartier
Latin, 2014.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal 1 – parte geral: arts: 1º ao 120. 23ª Ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2019.
DAGIOS, Magnus. O imperativo categórico kantiano e a dignidade da pessoal
humana. Revista Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 08, nº 01, p. 132- 144, 2017.
ESTEFAM, André e GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal
Esquematizado: parte geral, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017 (Coleção
Esquematizado/ coordenador Pedro Lenza).
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral, v. 1. 12ªEd. Niterói:
Impetus, 2011.
NETTO, Alamiro Velludo Salvador. Tipicidade Penal e Sociedade de Risco. São
Paulo: Quartier Latin, 2006.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. v. I. 8ªEd. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008.
ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. 2ªEd. Rio de
Janeiro-São Paulo: Renovar, 2012.