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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


27ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Registro: 2016.0000078142

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo


de Instrumento n.º 2258251-71.2015.8.26.0000, da Comarca de
São Paulo, em que é agravante PAULO IZZO NETO, é agravado
THIAGO NOUER FREDERICO,

ACORDAM, em 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal


de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
"Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com
o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.


Desembargadores ARTUR MARQUES (Presidente sem voto), MORAIS
PUCCI E FLAVIO ABRAMOVICI.

São Paulo, 15 de fevereiro de 2016.

Gilberto Leme
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
27ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Agravo de instrumento n.º 2258251-71.2015.8.26.0000

Comarca: São Paulo / Foro Regional de Santo Amaro


Agravante: Paulo Izzo Neto
Agravado: Thiago Nouer Frederico
Interessados: HDSP Comércio e Representação de Veículos
Ltda.; New Mark Participações e
Administração S/A; New Point
Administração e Participação S/A

AGRAVO DE INSTRUMENTO. BEM MÓVEL. AÇÃO DE


RESCISÃO CONTRATUAL C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS. FASE DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. AUSÊNCIA DE
ATIVOS FINANCEIROS DA EXECUTADA.
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.
ADMISSIBILIDADE. ART. 28, § 5.º, DO CDC.
Desconsideração da personalidade jurídica que
enseja a extensão das obrigações assumidas pela
pessoa jurídica aos bens particulares dos
administradores ou dos sócios. Manifesta a
relação de consumo entre as partes, incide na
espécie a teoria menor prevista no art. 28 do
CDC, de tal forma que dispensa a comprovação do
desvio de finalidade e da confusão patrimonial,
bastando que a personalidade da pessoa jurídica
caracterize óbice ao ressarcimento dos
prejuízos causados ao consumidor. Recurso
desprovido.

VOTO N.º 15.501

Trata-se de recurso de agravo de


instrumento interposto à r. decisão que em ação de rescisão
contratual c.c. indenização por danos materiais e morais,
em fase de cumprimento de sentença, rejeitou a impugnação
ao cumprimento de sentença, mantendo a desconsideração da

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personalidade jurídica, bem como a inclusão do sócio-


agravante no pólo passivo da demanda.

Alega o executado-agravante que não


poderia ser incluído no pólo passivo, pois não é sócio da
empresa, mas mero administrador. Aduz que nem sequer se há
de falar em preenchimento dos requisitos para a
desconsideração da personalidade jurídica.

Agravo tempestivo, preparado e


respondido com arguição de intempestividade do agravo de
instrumento.

Sem pedido liminar.

É o relatório.

Preliminarmente, de se consignar que


não se há de falar em intempestividade recursal.

Note-se que constou da r. decisão


recorrida que o agravante não foi intimado da decisão que
deferiu a desconsideração da personalidade jurídica, vindo
a se manifestar com a apresentação da impugnação ao
cumprimento de sentença, na qual, de forma escorreita,
apresentou sua defesa, inclusive insurgindo-se em relação à
despersonalização da empresa-executada.

Diante disso, mostra-se plenamente


possível a interposição de agravo de instrumento à r.
decisão que rejeitou a impugnação ao cumprimento de
sentença, pelo que não se há de falar em intempestividade

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recursal.

Conhecido o recurso, passa-se à sua


apreciação.

Infere-se das peças trasladadas que o


agravado ajuizou contra a ré HDSP Comércio de Veículos
Ltda. ação de rescisão contratual c.c. indenização por
danos morais e materiais, que foi julgada improcedente em
primeiro grau (fls. 75/77), tendo sido reformada em grau de
recurso para declarar rescindido o contrato de compra e
venda celebrado pelas partes, condenando a ré na devolução
do valor pago pelo veículo no importe de R$ 29.400,00, do
valor pago pelos serviços de revisão de R$ 279,50, bem como
no reembolso das despesas com táxi no período de 7.3.2008 a
7.4.2008, tudo corrigido monetariamente desde a data de
cada desembolso e com juros de mora a partir da citação.
Por fim, o v. acórdão condenou a ré também a pagar ao autor
a indenização por danos morais no importe de R$ 6.220,00,
com correção monetária desde a data do julgado e com juros
de mora a partir da citação (fls. 78/86).

Iniciada a fase de cumprimento de


sentença e sendo infrutífera a pesquisa de ativos
financeiros da executada, o exequente requereu a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa-
executada, tendo em vista que sua situação cadastral
encontrava-se “baixada” (fls. 45/46), o que foi deferido
diante do encerramento irregular de suas atividades (fls.
96/97).

Incluído no pólo passivo da demanda, o

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agravante apresentou impugnação ao cumprimento de sentença,


arguindo que não é sócio da empresa e que o mero
encerramento das atividades da empresa não enseja a
conclusão de confusão patrimonial.

Pois bem. A pessoa jurídica tem


existência distinta da dos seus membros. Tem, pois,
patrimônio próprio. Dívidas suas não são dos sócios ou dos
administradores e vice-versa.

No entanto, em caso de abuso da


personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz
desconsiderar a existência distinta da personalidade
jurídica da sociedade e estender certas e determinadas
relações obrigacionais aos bens particulares dos seus
administradores ou sócios (CC, art. 50). Ou seja, em casos
de fraude ou má-fé, praticados sob o manto da personalidade
própria da pessoa jurídica, o patrimônio dos seus membros
pode ser atingido para o cumprimento das obrigações dela.

É a aplicação da moderna teoria da


desconsideração da pessoa jurídica, que permite ao juiz
que, onde haja conduta indicativa de atos de desvio,
declare a personificação ineficaz, possibilitando alcançar
a responsabilidade pessoal de seus membros.

A incidência dessa doutrina tem como


pressuposto, como dito, a utilização abusiva da
personalidade jurídica. Tanto assim é que o Código de
Defesa do Consumidor, pioneiramente consolidando a
doutrina, estabeleceu que o juiz poderá desconsiderar a

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personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento


do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação do
estatuto ou do contrato social (art. 28, caput).

No caso dos autos, o agravado adquiriu


da empresa-executada uma motocicleta zero quilômetro que
apresentou defeitos. O v. acórdão exequendo reconheceu a
possibilidade de rescisão do negócio de compra e venda,
condenando a ré a devolver as quantias recebidas em relação
ao preço e aos serviços de revisão, bem como a reembolsar o
autor pelas despesas de táxi por ele despendidas. Além
disso, o v. acórdão exequendo reconheceu ainda o dever da
ré em indenizar o autor pelos danos morais experimentados.

Verifica-se, portanto, que a empresa-


executada praticou ato ilícito causando prejuízo ao
consumidor, além de que não foram encontrados bens
passíveis de penhora em nome da empresa, que se encontra
com situação cadastral baixada, de forma a ensejar a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Com efeito, manifesta a relação de


consumo entre as partes, incide na espécie a teoria menor
prevista no § 5.º do art. 28 do CDC, que dispensa a
comprovação de qualquer dos requisitos do caput do artigo,
do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, bastando
que a personalidade da pessoa jurídica caracterize óbice ao
ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor (STJ,
3.ª T., REsp n.º 279.273-SP, rel. p. o ac. Min. Nancy
Andrighi, j. 4.12.03, m.v.).

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No mesmo sentido:

“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Cumprimento de sentença


Desconsideração da personalidade jurídica Inclusão dos
sócios no polo passivo Admissibilidade Aplicação da
Teoria Menor Inteligência do artigo 28, § 5.º do Código
de Defesa do Consumidor Evidências de que a personalidade
da pessoa jurídica constitui óbice ao justo ressarcimento
do consumidor Ausência de indícios da solvência da
empresa Agravo não provido.” (Agravo de instrumento n.º
00092222-41.2013.8.26.0000, Rel. Des. Moreira Viegas, 5.ª
Câm.Dir.Priv., j. 22.5.13, v.u.)

“Agravo de instrumento. Ação de rescisão contratual e de


devolução de valores, em fase de cumprimento de sentença.
Decisão que indeferiu desconsideração da personalidade
jurídica.
1. Relação de consumo. Aplicação da teoria menor da
desconsideração da personalidade jurídica. Inteligência do
artigo 28, §5.º CDC.
2. Empresa não encerrada formalmente. Não localização de
bens passíveis de satisfazer o crédito. Personalidade
jurídica que está servindo de obstáculo ao ressarcimento
dos agravantes.
3. Ainda que assim não fosse, constata-se que a pessoa
jurídica foi usada com desvio de finalidade. Requisitos
autorizadores do Código Civil presentes.
4. Desconsideração da personalidade jurídica devida.
Agravo de instrumento provido.” (Agravo de instrumento n.º
2076128-42.2014.8.26.0000, Rel. Des. Edson Luiz de Queiroz,
5.ª Câm.Dir.Priv., j. 3.9.14, v.u.)

Além disso, o agravante alega que não


figura como sócio da empresa-executada, sendo apenas
administrador, o que é corroborado pela ficha cadastral da
Junta Comercial (fls. 26/29). Porém, o administrador também
é responsável pelas ações negligentes ou fraudulentas
praticadas pela pessoa jurídica que afetem terceiros,
respondendo inclusive com seus bens particulares.

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Dessa forma, de rigor a manutenção da


decisão agravada a fim de autorizar a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa-executada, com a inclusão
de seus sócios e administradores no polo passivo da ação.

Pelo meu voto, pois, nego provimento ao


recurso.

GILBERTO LEME
Relator

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