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Quaderns de Psicologia | 2012, Vol.

14, No 2, 25-36 ISNN: 0211-3481

 http://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/1134

Psicologia Jurídica: reflexões críticas sobre demandas emergen-


tes e exigências profissionais
Forensic Psychology: critical reflections on emerging demands and professional
requirements

Leila Maria Torraca de Brito


Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Adriano Beiras
Universidade Autônoma de Barcelona - Espanha

Juliane Dominoni Gomes de Oliveira


Universidade Federal de Campina Grande - Brasil

Resumo
As demandas pelo trabalho de psicólogos nos tribunais de justiça brasileiros têm motivado
procura por formação específica, acarretando debates sobre atribuições e limites éticos.
Nesse artigo temos por objetivo apontar, a partir de breves discussões teóricas e críticas
acerca de procedimentos que envolvem a atuação de psicólogos em casos de violência do-
méstica contra mulheres e de violência sexual contra crianças, como tais conhecimentos
vêm sendo solicitados nas provas de concursos para psicólogos de diferentes tribunais de
justiça. Para esse fim, avaliamos os certames que ocorreram em diversos estados brasileiros
no período compreendido entre 2006 a 2010. A comparação do material evidenciou descom-
passo entre o conhecimento exigido nos processos seletivos e as discussões teóricas a res-
peito do trabalho de psicólogos jurídicos no que tange a esses temas.
Palavras-Chave: Psicologia jurídica; Formação profissional; Atuação do psicólogo

Abstract
The demand for psychologists in the Brazilian courts have caused the search for specific
training, leading to discussions about ethical limits and their responsibilities in this type of
their professional work. In this article we aim to point, from brief theory points to critical
discussion on procedures involving the role of psychologists in cases of domestic violence
against women and sexual illegal behavior against children, if these contents are required
in working abilities for psychologists, in different courts of justice in Brazil. To this pur-
pose, we evaluated its requirements that occurred in several states from 2006 to 2010.
Comparison of the data collected leads to a mismatch between the theoretical knowledge
required in selection processes and the discussions about the work of forensic psychologists
in courts.
Keywords: Forensic psychology; Professional education; Psychologist performance
26 Brito, Leila Maria Torraca de; Beiras, Adriano e Dominoni Gomes de Oliveira, Juliane

Introdução sobre a alienação parental (Lei 12.318/2010),


dentre outras. Há que se ressaltar também
No início do terceiro milênio, diversos cursos que, no presente, projetos de lei que abor-
de especialização em psicologia jurídica pas- dam assuntos afetos à Psicologia são objeto
saram a ser oferecidos no Brasil havendo, de discussão, incluindo-se a reforma do Códi-
também, considerável número de eventos so- go de Processo Penal (PLS 156/2009) e o pro-
bre temas relacionados à atuação de psicólo- jeto do Novo Código de Processo Civil (PLS
gos junto ao contexto judiciário como os en- 166/2010). Consequentemente, junto com as
contros organizados anualmente por psicólo- temáticas que se apresentam aos psicólogos
gos do Tribunal de Justiça do estado do Rio de para estudo e discussão, novos instrumentos e
Janeiro. É possível observar, ainda, que a técnicas também são mencionados em recen-
procura por formação específica ocorre em tes legislações e projetos de lei exigindo, des-
paralelo aos concursos públicos para ingresso sa categoria profissional, debates e análises
de psicólogos nos Tribunais de Justiça (TJs) aprofundadas. Podemos lembrar que a preo-
realizados em distintos estados. Dessa forma, cupação com as tarefas de psicólogos que
a busca de maior competência teórica sobre atuam na interface com a justiça, além de ter
psicologia jurídica ocorre principalmente a gerado a necessidade de realização de diver-
partir de dois objetivos que se entrelaçam, ou sos eventos, levou o Conselho Federal de Psi-
seja, aprovação em concurso nos tribunais de cologia (CFP) a emitir, em 2010, Resoluções
justiça e preparo para melhor desempenhar que dispõem sobre atribuições e práticas pro-
as incumbências profissionais. fissionais nessa área.
Como consequência da crescente demanda Em decorrência desse contexto que se descor-
para atuação nessa área - que veio acompa- tina, Esther Arantes (2008) percebe entre os
nhada de propostas para o exercício profissio- psicólogos jurídicos um “novo” mal-estar –
nal ligado a novas temáticas - despontaram comumente debatido em eventos da área – e
acalorados debates entre os psicólogos a res- que se traduz na pergunta: “como pensar a
peito de suas atribuições profissionais e dos relação entre a Psicologia e o Direito?” (p.
limites éticos de seu trabalho. Assim, enquan- 131). Como afirma a pesquisadora:
to a luta para a criação do cargo de psicólogo
junto ao poder judiciário ganhou destaque no Constatamos que aquilo que caracterizamos como
um “novo” mal-estar entre os psicólogos jurídicos
país principalmente nos anos 1990 (Teixeira, toma feições a partir da introdução de programas
1994), no início do século XXI tomam vulto as que definem o tratamento como pena, a justiça
indagações acerca do fazer profissional. Como como terapêutica e o depoimento como sem dano
exemplo, podemos citar pesquisa efetuada – programas nos quais o psicólogo é designado pa-
ra atuar de maneira, a nosso ver, conflitante com
com psicólogos do Tribunal de Justiça do es- a formação profissional; ou seja, programas que
tado do Rio de Janeiro logo após o primeiro tendem a não mais respeitarem as delimitações
concurso, realizado em 1998, na qual os auto- tradicionais dos campos profissionais (Arantes,
res observaram que muitos profissionais esta- 2008, p.133).
vam sem referências em relação ao trabalho A violência sexual contra crianças e o
que deveriam desenvolver, bem como no que depoimento sem dano
tange aos limites éticos dessa intervenção
(Brito, Nery, Gomes, Carvalho & Peçanha, No Brasil, a atuação de psicólogos jurídicos
2002). Cabe assinalar, ainda, que as discus- em casos que envolvem denúncias de violên-
sões sobre as possibilidades de atuação dos cia sexual contra crianças vem sendo marca-
psicólogos não ocorrem apenas no Brasil, co- da, nos últimos anos, por intensas discussões
mo evidencia Javier Urra Portillo (2010) ao acerca da técnica denominada Depoimento
discutir os critérios éticos para o trabalho de sem Dano (DSD). Segundo informa José Anto-
psicólogos jurídicos na Espanha. nio Daltoé Cezar (2007), Juiz da 2ª Vara da In-
fância e da Juventude de Porto Alegre, Rio
Atualmente, distintas leis brasileiras dispõem Grande do Sul/BR, esse procedimento, inicia-
sobre atribuições de equipes interdisciplinares tiva de sua autoria, vem sendo utilizado na-
junto aos TJs – equipes nas quais se inclui o quela capital desde seis de maio de 2003, pa-
psicólogo - como, por exemplo, o Estatuto da ra obter o depoimento de crianças suposta-
Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990), a mente vítimas de violência sexual. Explica o
Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a Lei

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magistrado que por meio dessa técnica a oiti- cificidades de cada área, o que facilitaria a
va da criança ocorreria em recinto especial, compreensão de que a escuta psicológica não
acolhedor, equipado com câmeras e microfo- pode ser vista como sinônimo de inquirição ou
nes, onde permanecem somente a criança e o de coleta de depoimentos. Psicólogos interpe-
responsável pela inquirição. Dessa maneira, lam, ainda, se seria adequado o uso de técni-
se evita que a oitiva seja realizada na sala de ca nova, rápida e pouco dispendiosa – quali-
audiências. O profissional que fará a inquiri- dades exaltadas por aqueles que apoiam a re-
ção, quase sempre um psicólogo ou um assis- alização do DSD – em casos que sempre foram
tente social, usa um ponto eletrônico, por vistos como de grande complexidade, ou seja,
meio do qual o magistrado indicará as pergun- de verificação de ocorrência de abuso sexual.
tas a serem formuladas à criança. Na sala de Outros estudiosos ressaltam o cuidado que
audiências, o juiz, o representante do Minis- devemos ter com a possibilidade de falsas de-
tério Público, os advogados, o acusado – se for núncias de abuso sexual (Amendola, 2009), si-
o caso – e funcionários do judiciário assistem tuações que não implicam necessariamente
ao depoimento, transmitido por um sistema na intencionalidade de se imputar uma falsa
de áudio e vídeo. O material obtido é grava- acusação, pois diversos fatores podem condu-
do, transcrito e uma cópia é anexada, como zir a conclusões que não sejam verdadeiras.
prova, ao processo judicial.
Junto às discussões acima despontam questi-
Proposta para regulamentar esse procedimen- onamentos a respeito da ausência de qual da-
to no contexto nacional foi aprovada inicial- no se faria referência no procedimento em te-
mente pela Câmara dos Deputados, no Substi- la, ou quais possíveis danos se desprezariam
tutivo ao Projeto de Lei n.4.126, de 2004, que (Verona & Castro, 2008). Considerações a res-
foi arquivado em decorrência de o Projeto de peito de esta não ser uma tarefa para psicó-
reforma do Código de Processo Penal (PLS logos, inclusive por ferir o sigilo que esses
156/2009) incluir o mesmo assunto. O Projeto profissionais devem manter em seus atendi-
prevê a inquirição de crianças e adolescentes, mentos, também são constantemente evoca-
vítimas ou testemunhas, por meio de proce- das.
dimento que soa como semelhante ao Depoi-
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) pro-
mento sem Dano. Veiculam notícias, entre-
moveu diversos eventos para discutir a temá-
tanto, de que essa técnica vem sendo rapi-
tica, organizando publicações a respeito do
damente difundida e empregada em diversas
tema (CFP, 2009). No ano de 2010 foi editada,
comarcas do país (Conte, 2008; Roque, 2008)
por aquele Conselho de classe, a Resolução
mesmo antes da promulgação do texto legal.
010/2010, que institui a regulamentação da
Devido a essa nova proposta de trabalho dire- escuta psicológica de crianças e adolescentes
cionada aos psicólogos, intensos debates des- envolvidos em situações de violência, na rede
pontaram não só entre integrantes da catego- de proteção. O documento dispõe, no item 9,
ria profissional como entre esses e os opera- que: “é vedado ao psicólogo o papel de inqui-
dores do direito, visando à análise desse pro- ridor no atendimento de crianças e adoles-
cedimento. Certos operadores do direito de- centes em situação de violência” (p. 6).
fendem que essa prática, pouco onerosa, se-
Observamos, entretanto, que a Resolução pa-
ria útil no combate à impunidade, além de
rece não ter definido a situação para os psicó-
facilitar a produção de provas e garantir o di-
logos brasileiros. Após sua publicação, alguns
reito de a criança se manifestar em juízo.
profissionais manifestaram contrariedades em
Alegam, ainda, que com o DSD o depoimento
relação ao documento na página eletrônica da
seria colhido por profissionais qualificados,
Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP,
em ambiente acolhedor para a criança, evi-
2010), na qual afirmaram que consideram o
tando-se que a mesma repita seu relato em
item nove “o ponto mais polêmico da Resolu-
diferentes ocasiões e instituições (Leite,
ção”. Já o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
2008).
aprovou, em 09/11/2010, recomendação aos
Alguns psicólogos argumentam, entretanto, tribunais do país para que implantem sistemas
que no estudo do tema torna-se fundamental apropriados para a tomada de depoimento de
inicialmente diferenciar o campo psicológico crianças e adolescentes vítimas ou testemu-
do campo jurídico (Brito, 2008). Com essa dis- nhas de crimes. Com isso, novas iniciativas,
tinção poderíamos ter clareza sobre as espe- com técnicas diversas, surgiram em distintos

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estados brasileiros (Brito, 2012) - como a Au- Aqui fazemos eco às argumentações éticas e
diência sem Trauma, realizada pela Vara de críticas de Benedito Medrado Dantas e Ricar-
Crimes Contra a Criança e o Adolescente de do Pimentel Mello (2008), quando os autores
Curitiba e a Audiência Interprofissional Prote- convidam a reflexão sobre o termo “agres-
tiva à Vítima, utilizada pelo Tribunal de Justi- sor”, entendido como um “marcador identitá-
ça do Distrito Federal e dos Territórios - man- rio” para esses homens. Esse rótulo pode difi-
tendo no centro dos debates o tema da atua- cultar o objetivo de transformar, de alterar
ção dos psicólogos em casos que envolvem atitudes, de promover a mudança daquele
denúncias de abuso sexual. Em 2012, a Reso- que praticou violência. Neste sentido, opta-
lução 010/2010 foi suspensa em todo o terri- mos pelo uso do termo “autor de violência”,
tório nacional em decorrência de liminar pro- seguindo outros pesquisadores que estudam a
ferida pela 28ª Vara Federal do Rio de Janei- questão (Beiras, 2009; Toneli, Lago, Beiras &
ro. Climaco, 2010).
A Violência doméstica contra mulheres No que diz respeito às experiências de inter-
e os atendimentos previstos na legisla- venção e estudos com autores de violência,
ção específica ressaltamos que essas ganham espaço especi-
almente a partir do final da década de 1970,
A promulgação da Lei Maria da Penha, em vi- inicialmente nos Estados Unidos, Canadá e In-
gor desde 2006 no Brasil, vem ao encontro de glaterra, diferentemente dos serviços de
reivindicações de movimentos feministas e do atenção às vítimas, que possuem maior apelo
disposto em diversas Convenções e tratados social. No trabalho realizado nesse âmbito é
internacionais, dos quais o país é signatário. fundamental estarmos atentos às questões de
Após alguns anos de vigência desse ordena- gênero, poder, dominação e masculinidades,
mento nacional permanecem demandas e de- temas relevantes e transversais. Somam-se a
safios para sua efetividade em prol da elimi- essas temáticas as noções que os profissionais
nação de atos violentos contra mulheres. Essa do campo da psicologia jurídica devem possu-
lei estabelece, além de medidas de proteção ir a respeito das normativas e discussões rea-
às mulheres que sofreram violência, atendi- lizadas em diversos países, para a adequada
mentos às vitimas e aos autores de violência. intervenção com esses sujeitos. Podemos citar
Assim, após sua promulgação foram instalados como exemplos dessas diretrizes e delinea-
juizados, casas-abrigo, centros de atendimen- mentos a Propuesta de lineamiento para la
to para mulheres vítimas e locais para se atención y reeducación de hombres agreso-
atender homens autores de violência, além de res, a partir del diagnóstico sobre los mode-
observatórios regionais que acompanham a los de intervención en México (Vargas Urías,
implantação da referida legislação. Há, tam- 2009), o Guidelines to develop standards for
bém, incentivos às pesquisas que possam tra- programmes working with male perpetrators
zer dados a serem utilizados em trabalhos de- of domestic violence (proposto para contexto
senvolvidos com aquelas que foram vítimas e europeu em 2008 e disponível na web
com os que cometeram agressão. Nesse con- http://www.work-with-
texto, o campo da psicologia jurídica encon- perpetrators.eu/en/index.php) e a Commisi-
tra expressão, quando novos desafios são lan- on on minimum Standards for Batterer´s Tre-
çados aos que atuam na área. atment, realizado nos EUA (Florida, 1994).
Com essa legislação, discussões sobre serviços Nas diretrizes indicadas acima, há destaque
a serem oferecidos àqueles que perpetraram para a responsabilização do autor de violência
agressões contra mulheres começaram a ser quanto a seus atos e a desaprovação de qual-
incluídas nas pautas sobre o tema. Novas de- quer culpabilização da mulher. São pontuados
mandas foram direcionadas ao psicólogo jurí- também o tema da proteção à vítima, da
dico, as quais exigem preparação do profissi- promoção da equidade de gênero e a ênfase
onal, bem como conhecimento sócio-histórico prioritária ao fim dos atos violentos realizados
e legislativo sobre o assunto. Dessa maneira, por estes sujeitos. As diretrizes trazem reco-
no que se refere a essa atuação profissional, mendações de atenção às múltiplas possibili-
destacamos a importância não só do atendi- dades de expressão da violência - física, emo-
mento à mulher que sofreu violência como de cional, psicológica, dentre outras. O destaque
atenção psicossocial ao chamado “agressor”. relacionado à construção das masculinidades

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e à socialização masculina, como fatores im- mento, passam à condução de novos grupos.
portantes nessas intervenções, não aparece Percebemos, portanto, nesses serviços, o pre-
em todas as recomendações. Apesar disso, es- domínio de práticas de carácter educativo e
ses temas também se tornaram foco de estu- reflexivo, com a proposta de re-significar
dos e debates no âmbito acadêmico. conceitos ligados a comportamentos vistos
como machistas, com questionamentos sobre
Retornando ao disposto na lei Maria da Penha,
o patriarcado, as desigualdades entre homens
Benedito Medrado Dantas e Ricardo Pimentel
e mulheres e as discriminações contra mulhe-
Mello (2008) chamam atenção sobre o para-
res (Toneli et al., 2010).
doxo existente no texto legal brasileiro. Para
esses pesquisadores, apesar de a legislação No contexto latino americano, o trabalho rea-
dispor sobre os atendimentos que devem ser lizado pelo Centro de Intervención con Hom-
prestados aos autores de violência, é dada ên- bres e Investigación sobre Género y Masculi-
fase à punição e à criminalização desses su- nidades, CORIAC, da Ciudad del México, teve
jeitos. Complementando, apontam que: seu modelo replicado em outros países (Toneli
Sendo uma medida de proteção à mulher, o texto
et al., 2010). Cabe esclarecer, contudo, que o
da referida Lei tende a priorizar aspectos relati- CORIAC foi extinto em 2006, sendo desmem-
vos à punição do homem, especialmente na Seção brado em quatro novas organizações. No Bra-
II (Das Medidas Protetivas de Urgência que Obri- sil, destacamos a atuação do Instituto Noos –
gam o Agressor) e Seção III (Das Medidas Proteti-
vas de Urgência à Ofendida) (Dantas & Mello,
Instituto de Pesquisas Sistêmicas e Desenvol-
2008, p.83). vimento de Redes Sociais, na cidade do Rio de
Janeiro. Nessa Organização não Governamen-
Esses estudiosos destacam, ainda, o perigo de tal (ONG) se buscam, por meio de grupos re-
tratarmos a questão da violência conjugal de flexivos com autores de violência, a recons-
maneira simplista, desconsiderando os diver- trução de significados sobre padrões de mas-
sos fatores relacionados a esse complexo pro- culinidade e relações de gênero. Como supor-
blema. te téorico do trabalho acima citado, os profis-
Nesse sentido, com objetivo de alterar essa sionais empregam a teoria de processos refle-
possível visão, surgiram novas pesquisas, es- xivos de Ton Andersen (1996), a teoria sistê-
tudos e mapeamentos sobre o tema violência mica e o construcionismo social (Acosta, An-
masculina e sobre a atenção aos autores de drade & Bronz, 2004 e Beiras, 2009).
violência, tanto no contexto latino americano Acreditamos, portanto, que se faz necessário
(Beiras, 2009; Dantas & Mello, 2008; Híjar & melhor estudar e compreender aspectos teó-
Valdez-Santiago, 2009; Ramirez, 2005; Toneli ricos, epistemológicos, históricos e práticos
et al., 2010; Vargas Urías, 2009), quanto no sobre a atuação com autores de violência, na
europeu (Boira Sarto, 2010; Geldschaläger et medida em que esta se tornou uma demanda
al., 2010; Santander, Andrés & Rodríguez, emergente na área de psicologia jurídica.
2008). Sem dúvida, tais investigações trazem Ressalta-se, porém, seguindo Benedito Me-
dados e reflexões necessários à atuação nessa drado Dantas e Ricardo Pimentel Mello (2008),
área, com preciosas informações ao campo da que:
psicologia jurídica.
(…) esperamos que os “atendimentos psicossoci-
No contexto europeu, a intervenção com ho- ais” não se tornem mais uma ferramenta de cri-
mens autores de violência é conduzida, em minalização da situação de violência, ou castigo
para os homens (quase uma “pena alternativa”),
geral, por psicólogos clínicos e jurídicos que mas que permitam uma ampliação do diálogo coi-
atuam em ONGs ou em instituições governa- bido tanto pela situação de violência quanto pela
mentais como presídios e delegacias. No âm- aplicação da Lei (…) Neste sentido, é necessário
bito latino americano existem experiências que esses agentes (pesquisadores, ativistas, pro-
fissionais de saúde, justiça e educação) não con-
pioneiras realizadas com grupos de autores de formem suas atuações por perspectivas que tra-
violência, em sua maioria desenvolvidas por tam os homens que cometem violência como “de-
organizações não governamentais (ONGs). Es- linqüentes”, “deficientes” ou “desajustados”. Os
ses trabalhos, de forma distinta do que ocorre educadores, psicólogos, sociólogos, assistentes
sociais, em particular, deveriam reconduzir todo
em solo europeu, não são necessariamente esse “setor do trabalho social” (Foucault, 2003,
conduzidos por psicólogos. Há participação de p. 79) em um movimento que aposte na possibili-
facilitadores sociólogos, assistentes sociais e dade de todas as nossas relações humanas serem
ex-usuários do serviço que, após um treina- colocadas em questão (p.85).

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30 Brito, Leila Maria Torraca de; Beiras, Adriano e Dominoni Gomes de Oliveira, Juliane

Os concursos públicos para psicólogos no Código de Organização Judiciária de cada


dos Tribunais de Justiça brasileiros estado. As denominações mais comuns são:
psicólogo, psicólogo judiciário, técnico judici-
Em 1985 foi realizado o primeiro concurso pú- ário/psicólogo e analista judiciário/psicólogo.
blico para o cargo de psicólogo junto a um A denominação define a posição formal do
Tribunal de Justiça do Brasil (Bernardi, 1999), servidor no organograma do poder judiciário
mais especificamente, o Tribunal de Justiça estadual, estando diretamente relacionada
do Estado de São Paulo (TJ/SP). Ao longo des- aos seus proventos, às suas atribuições e ao
sas quase três décadas foram produzidas di- plano de carreira.
versas publicações sobre as demandas do Di-
reito à Psicologia e sobre as tensões existen- Nesses concursos, frequentemente há provas
tes entre esses campos de saber. Ao realizar- de títulos e de conhecimentos, sendo que es-
mos uma busca no Google acadêmico com a sas últimas incluem assuntos gerais e especí-
palavra-chave “Psicologia Jurídica”, por ficos. No que tange às provas de capacidades
exemplo, podem ser encontrados mais de gerais, os certames costumam solicitar desde
3000 trabalhos em português e no Google li- conhecimentos da língua portuguesa, noções
vros, como as mesmas palavras, na busca básicas de Direito (incluindo leis específicas
avançada são listados mais de 990 livros no que servirão de alicerce para a atuação pro-
mesmo idioma. No entanto, verificamos a es- fissional), atualidades, noções de informática
cassez de debates e de artigos a respeito dos e raciocínio lógico. No artigo em questão será
processos seletivos ao cargo de psicólogo jun- analisado, apenas, o conteúdo dos editais e
to aos diversos tribunais de justiça, especial- das provas de conhecimentos específicos, ou
mente sobre as competências teóricas exigi- seja, de psicologia.
das dos candidatos nos citados concursos. Os concursos realizados de 2006 a 2010
Nesse sentido, consideramos oportuno colocar Ao procedermos à verificação dos concursos
em análise as exigências teóricas dos certa- que aconteceram no período compreendido
mes, principalmente no que tange aos proce- entre a promulgação da Lei Maria da Penha
dimentos de atuação dos psicólogos em situa- (Lei 11.340/2006) e o final do ano de 2010,
ções que envolvem duas temáticas de extre- constatamos que ocorreram certames em 15
ma complexidade que estão em evidência na estados, nas cinco regiões do país e no Distri-
atualidade: a violência doméstica contra a to Federal, somando 18 editais. Como o Brasil
mulher e a violência sexual contra crianças. possui 27 unidades federativas (26 estados e o
Como informamos anteriormente, esses temas Distrito Federal), observamos que a maioria
estão inseridos no campo de tensões contem- dos tribunais elaborou concursos para psicólo-
porâneas entre a Psicologia e o Direito. gos no referido período, sendo que o Tribunal
Em levantamento efetuado junto às provas de de Justiça do Pará/BR e o Tribunal de Justiça
concurso para o cargo de psicólogo do Tribu- de Minas Gerais/BR realizaram dois certames
nal de Justiça de distintos estados brasileiros, cada. No entanto, o certame do TJ de Rorai-
optamos por centrar a análise nos certames ma/BR, de 2010, foi anulado e outro foi reali-
que aconteceram no período de janeiro de zado em 2011. Portanto, restringimos a pes-
2006 a dezembro de 2010, ou seja, após a quisa a 17 editais e provas.
promulgação da Lei Maria da Penha, um dos No que se referem às atribuições designadas
marcos de nosso estudo. A análise dos docu- aos psicólogos, identificamos que em dois edi-
mentos foi realizada pelo método qualitativo, tais esse item estava ausente, mais especifi-
com base no conteúdo. Foram definidas cate- camente o do Tribunal de Justiça de Pernam-
gorias a priori, nomeadamente: cargos, co- buco/BR, do ano de 2007 e o do Tribunal de
nhecimentos gerais, conhecimentos específi- Justiça do Maranhão/BR, ano 2009. Logo, os
cos, atribuições, conteúdo programático e re- candidatos que se inscreveram para esses
ferências. concursos não dispunham de informações ini-
Cabe esclarecer que ao iniciarmos a investi- ciais acerca das atividades que iriam desem-
gação constatamos, primeiramente, que os penhar. Nos demais concursos, os editais evi-
cargos a serem ocupados por profissionais de denciaram uma diversidade de atribuições di-
psicologia nos tribunais de justiça brasileiros recionadas aos psicólogos, dentre elas, as que
possuem diversas nomenclaturas, presentes visavam à promoção de saúde mental e ocu-

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Psicologia Jurídica: reflexões críticas sobre demandas emergentes e exigências profissionais 31

pacional de magistrados e de servidores inati- remetem todas as situações para as quais não se
encontra solução.
vos e pensionistas; os procedimentos de ava-
liação e de diagnósticos; os acompanhamen- Certamente, não estamos argumentando que
tos; a realização de consultas psicológicas; os devemos reduzir a atuação do psicólogo junto
atendimentos psicoterápicos; os tratamentos; ao judiciário, mas sim avaliar, com acuidade,
a orientação e seleção profissional; a orienta- quais seriam as atribuições desse profissional
ção psicopedagógica; a solução de problemas em cada setor da instituição, possibilitando
de ajustamento; a confecção de perícias, os seleções compatíveis com as atividades a se-
laudos e relatórios, os pareceres técnicos e rem desempenhadas. Um exemplo de edital
demais atividades inerentes ao exercício da específico se obtém no concurso do Tribunal
profissão no âmbito de atendimento aos ma- de Justiça de Minas Gerais/BR, de 2007, em
gistrados e serventuários, bem como ao juris- seleção para o pessoal da secretaria do TJ,
dicionado. Encontram-se relacionados tam- com atividades voltadas para a área de recur-
bém, em alguns editais, a participação em sos humanos. Já em 2010, o mesmo tribunal
audiências para esclarecer aspectos técnicos, realizou concurso para o cargo de técnico Ju-
o assessoramento às autoridades judiciais na diciário (classe C)/Psicólogo Judicial, com
realização de exame criminológico e a contri- atribuições relacionadas ao assessoramento
buição na elaboração e execução de progra- dos magistrados nos processos jurídicos. Em
mas socioeducativos, além da menção de que ambos os concursos o conteúdo programático
esse profissional irá integrar equipe multipro- indicado estava de acordo com as atribuições.
fissional.
Conteúdo programático e referências
No que tange às temáticas aqui em destaque,
ou seja, a atuação dos profissionais em casos No que diz respeito ao conteúdo programáti-
que envolvem violência doméstica contra mu- co, nos 17 editais essa informação estava pre-
lheres e a violência sexual contra crianças, sente. No entanto, no que tange às referên-
identificamos nos editais a previsão de cola- cias bibliográficas, apenas no Tribunal de Jus-
boração do profissional no planejamento e tiça do Rio Grande do Sul/BR houve indica-
execução de políticas de cidadania, direitos ção, em 2010, de bibliografia para a prova de
humanos e prevenção da violência; a partici- psicologia. Podemos supor que tal realidade
pação em equipes multidisciplinares objeti- dificulta o preparo dos candidatos, pois além
vando a realização de ações voltadas à área de precisarem estudar conteúdos que abran-
da defesa da mulher contra a violência do- gem praticamente todo o curso de graduação,
méstica; e a realização de atendimento psico- que em média possui a duração de cinco anos,
lógico, com avaliação de características da não há como prever quais os autores, ou qual
personalidade de crianças, adolescentes e su- o viés teórico que será privilegiado nas ques-
as famílias. tões das provas. Nesse sentido, compreende-
mos que as indicações de autores e de publi-
A primeira vista, essa amplitude de referên- cações, além de orientar os candidatos, refle-
cias poderia aparentar uma valorização do tem o entendimento da instituição quanto aos
psicólogo junto ao judiciário, no entanto, temas exigidos possibilitando, antes do pro-
uma análise mais detalhada demonstra que cesso seletivo, um melhor preparo teórico no
este profissional parece ser visto como “um que se referem às atividades a serem execu-
curinga” - utilizando aqui expressão empre- tadas no exercício da função.
gada por Magdalena Ramos e Sidney Shaine
(1994, p.100) - que irá atuar dentro do mes- Na análise efetuada notamos também que,
mo estabelecimento ora no set da clínica, ora em 13 editais constavam na definição de atri-
no setor organizacional, ora na área de saúde, buições dos profissionais atividades relativas à
ora no campo social e, em algumas vezes, área de psicologia jurídica como, por exem-
junto aos processos judiciais. Como já descre- plo, a realização de perícias, laudos, relató-
veram Maria de Fátima Teixeira e Ruth Belém rios e pareceres técnicos no âmbito de aten-
(1999, p.61): dimento aos magistrados; a participação em
audiências; o assessoramento às autoridades
(...) não podemos ignorar que a valorização desse judiciais na realização de exame criminológi-
espaço de trabalho vem acompanhada de um
comportamento institucional que tende a colocar co e a contribuição na elaboração e execução
a Psicologia como um dos lugares para onde se de programa sócio educativo, mas somente
em nove concursos as questões das provas es-

Quaderns de Psicología | 2012, Vol. 14, No 2, 25-36


32 Brito, Leila Maria Torraca de; Beiras, Adriano e Dominoni Gomes de Oliveira, Juliane

pecíficas abrangeram temas também estuda- No que diz respeito à violência sexual contra
dos pela psicologia jurídica. Esse número po- crianças, somente em seis provas essa temá-
de parecer significativo, entretanto, ao em- tica foi contemplada. No entanto, em geral o
preendermos uma análise mais detalhada das foco estava na prática do psicólogo no con-
perguntas percebemos que nas provas especí- texto da clínica e não do judiciário, o que faz
ficas foram cobrados principalmente conhe- recordar a visão do psicólogo jurídico como
cimentos acerca de legislações como o Esta- um “curinga” (Ramos & Shaine, 1994, p.100),
tuto da Criança e do Adolescente (Lei como já abordado anteriormente. Uma per-
8069/1990), o Estatuto do Idoso (Lei gunta da prova do Tribunal de Justiça do Pa-
10.741/2003), a Lei sobre a Guarda Comparti- rá/BR (TJ/PA, 2009, p.7) pode ser citada co-
lhada (Lei 11.698/2008) e a Lei Maria da Pe- mo exemplo.
nha (Lei 11.340/2006), conteúdos que poderi-
Questão 36
am compor as provas de conhecimentos ge-
rais. O espaço de conhecimento específico, Tilman Furniss estabeleceu sete objetivos e eta-
que deveria ser utilizado para avaliar os pro- pas básicos da intervenção terapêutica primária
em casos de abuso sexual da criança. O primeiro
fissionais acerca de temas contemporâneos passo na terapia deve ser:
relacionados à prática do psicólogo no campo
(A) os progenitores não-abusivos e os abusivos as-
forense – incluindo-se os que provocam o “no- sumirem igual responsabilidade.
vo mal-estar” referido por Arantes (2008) -
foram relegados. Poderia ser tema das provas (B) estabelecer os fatos do abuso como fato psi-
cológico e realidade familiar.
também, por exemplo, os limites éticos da
atuação do psicólogo no âmbito jurídico e as (C) o pai assumir a responsabilidade pelo abuso.
tensões entre a Psicologia e o Direito, assun- (D) bloquear a continuação do abuso sexual.
tos que estão na ordem do dia dos acalorados
(E) focar o relacionamento entre a mãe e a crian-
debates entre os profissionais da área. Em 17 ça.
provas apreciadas constatamos que, em rela-
ção à violência doméstica contra a mulher, Por outro lado, nenhuma questão sobre a es-
apenas quatro certames indicaram perguntas, cuta de crianças que supostamente sofreram
sendo que uma delas restringia-se à normati- violência sexual constou dos respectivos cer-
va específica. tames.

Reproduzimos, abaixo, a questão 75 da prova Em 2007, o Conselho Federal de Psicologia,


do Tribunal de Justiça Paraná/BR de 2009 pela Resolução CFP 13/07, instituiu o título
(TJ/PR, 2009, p.34). de especialista em Psicologia Jurídica e a ca-
da dois anos uma prova de conhecimentos pa-
Assinale a alternativa correta.
ra a atribuição deste título é realizada, sem-
a) Na hipótese da iminência ou da prática de vio- pre com indicação de conteúdo programático
lência doméstica e familiar contra a mulher, a e bibliografia. Dessa forma, compreendemos
autoridade policial que tomar conhecimento da
ocorrência adotará, no prazo de dez dias, as pro- que há diversas possibilidades de buscar refe-
vidências legais cabíveis. rências para as provas dos concursos. Nota-
mos, contudo, uma incipiente articulação en-
b) Para a proteção patrimonial dos bens da socie-
dade conjugal ou daqueles de propriedade parti- tre o referencial aqui apresentado sobre os
cular da mulher, o juiz não poderá determinar temas em destaque e as provas de concursos
liminarmente a restituição de bens indevidamen- para o cargo de psicólogo junto aos tribunais
te subtraídos pelo agressor à ofendida. brasileiros.
c) O juiz assegurará à mulher em situação de vio-
lência doméstica e familiar, para preservar sua Finalizando...
integridade física e psicológica, acesso prioritário
à remoção quando servidora pública, integrante Antes de encerrarmos o trabalho gostaríamos
da administração pública direta ou indireta. de esclarecer que, no artigo em questão, não
d) O Ministério Público intervirá, mesmo quando
tivemos como objetivo analisar, de forma mi-
for parte, nas causas cíveis e criminais decorren- nuciosa, o inteiro teor das provas de concurso
tes da violência doméstica e familiar contra a para o cargo de psicólogo de tribunais de jus-
mulher. tiça brasileiros. Nosso intuito foi o de verifi-
e) As mulheres estrangeiras não estão protegidas car, a partir de breve exame das atuais dis-
pela Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha. cussões teóricas sobre a atuação dos profissi-
onais em casos que envolvem violência do-

http://quadernsdepsicologia.cat
Psicologia Jurídica: reflexões críticas sobre demandas emergentes e exigências profissionais 33

méstica contra mulheres e violência sexual Andersen, Ton (1996). Processos reflexivos. Rio de
contra crianças, se tais explanações encon- Janeiro: Instituto Noos-ITF.
tram-se contempladas nas referidas provas. Arantes, Esther (2008). Mediante quais práticas a
A partir dos dados aqui expostos, optamos por psicologia e o direito pretendem discutir a rela-
ção? Anotações sobre o mal-estar. In Maria Cecí-
concluir o artigo utilizando o mesmo recurso lia Coimbra, Lygia Ayres & Lívia Nascimento
empregado nas provas, ou seja, formulando (Eds.), Pivetes: encontros entre a psicologia e o
perguntas ao leitor. Justificamos nossa opção, judiciário (pp.131-148). Curitiba: Juruá.
pois, se muitos psicólogos ainda estão adqui-
rindo conhecimentos sobre a denominada psi- Beiras, Adriano (2009). Grupos de homens autores
de violência - possibilidades de intervenções di-
cologia jurídica, se as atribuições profissionais ante das recomendações propostas na lei Maria
podem ser variadas, se os editais dos concur- da Penha. In Sonia Rovinski & Roberto Cruz
sos não trazem referências bibliográficas e (Eds.), Psicologia Jurídica: Perspectivas teóricas
não parecem em acordo com as demandas e e processos de intervenção (pp.129-144). São
as discussões teóricas atuais e se aparente- Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagógica.
mente não há articulação entre o que vem
Bernardi, Dayse (1999). História da inserção do
sendo produzido na academia e o que é co- profissional psicólogo no tribunal de justiça do
brado nos concursos para os tribunais de jus- estado de São Paulo – um capítulo da Psicologia
tiça, surgem vários questionamentos relevan- Jurídica no Brasil. In Leila Brito (Org.), Temas de
tes. Psicologia Jurídica (pp. 103-132). Rio de Janeiro:
Relume Dumará.
O que os tribunais de justiça querem dos psi-
cólogos jurídicos? Quais são os profissionais Boira Sarto, Santiago (2010). Homens maltratado-
que estão sendo aprovados nos certames? Ca- res. Historias de violência masculina. Zaragoza:
be ao psicólogo ser “curinga” nessas institui- Prensas Universitarias de Zaragoza.
ções? Quais os desdobramentos para o profis- Brito, Leila (2008). Diga-me agora... O depoimento
sional e para os jurisdicionados quando o psi- sem dano em análise. Psicologia Clínica, 20(2),
cólogo aceita o lugar de “curinga”? Os jurisdi- 113-125.
cionados, mais especificamente as crianças, Brito, Leila (2012). Das avaliações técnicas aos de-
os autores de violência e as famílias, estão poimentos infanto-juvenis: novos rumos dos ca-
sendo atendidos de acordo com o que preve- sos de suspeita de abuso sexual. In Leila Brito
em os estudos da área de psicologia? Será que (Org.). Escuta de crianças e de adolescentes: re-
a discussão de temas complexos como a vio- flexões, sentidos e práticas (pp.51-86). Rio de
lência sexual contra crianças e a violência Janeiro: EdUERJ.
doméstica contra a mulher pode estar ausen- Brito, Leila; Nery, Andréa; Gomes, Juliane; Carva-
te desses certames? Como favorecer a essen- lho, Maria Luiza & Peçanha, Raphael (2002). Que
cial análise crítica dos psicólogos que atuarão lugar é esse? Sobre psicólogos nas Varas de Famí-
nos tribunais, principalmente sobre temas da lia. Estudos e pesquisas em Psicologia, 2, 131-
psicologia jurídica em evidência na atualida- 135.
de? E, finalmente, surge a pergunta: será que Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2007). Reso-
a forma de elaboração dos editais e o conteú- lução 013/2007. Brasília: Conselho Federal de
do exigido em provas de concursos para psicó- Psicologia.
logos dos tribunais de justiça dos diversos es- Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2009). Fa-
tados brasileiros podem estar intensificando o lando sério sobre a escuta de crianças e adoles-
“novo mal-estar”, referido por Esther Arantes centes envolvidos em situação de violência e a
(2008)? rede de proteção. Brasília: Conselho Federal de
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LEILA MARIA TORRACA DE BRITO


Professora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) –
Brasil. Mestre e Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pòs-
doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

ADRIANO BEIRAS
Psicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. Doutorado
em Psicologia Social pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), Espanha. Beca MAEC-AECID.

JULIANE DOMINONI GOMES DE OLIVEIRA


Professora Assistente de Psicologia Jurídica do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Campi-
na Grande – Brasil. Mestre em Psicologia Social pela Universidade Estado do Rio de Janeiro e Douto-
randa em Psicologia pela Universidade de Évora/Portugal.

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à FAPERJ pelo apoio concedido à primeira autora para o desenvolvimento da pesquisa
Inquirição de crianças no sistema de Justiça e à Agencia Española de Cooperación Internacional para el
Desarrollo (AECID), Becas MAEC- AECID, pela bolsa de doutorado concedida ao segundo autor.

ENDEREÇO DE CONTATO
leila.torraca.brito@gmail.com

FORMATO DA CITAÇÃO
Brito, Leila Maria Torraca de; Beiras, Adriano e Dominoni Gomes de Oliveira, Juliane (2012). Psicologia
Jurídica: reflexões críticas sobre demandas emergentes e exigências profissionais. Quaderns de Psico-
logia, 14(2), 25-36. Acesso em [dia] do [mês] do [ano], de
http://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/1134

Quaderns de Psicología | 2012, Vol. 14, No 2, 25-36


36 Brito, Leila Maria Torraca de; Beiras, Adriano e Dominoni Gomes de Oliveira, Juliane

HISTÓRIA EDITORIAL
Recebido: 13/07/12
1ª Revisão 30/10/12
aceitado: 31/10/12

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