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Poemas de Vicente Cañas sobre a vida dos Enawenê-nawê

Destruição Cultural

Nômade Salumã*

Navegando quer estar

Quereis matar a curiosidades

Ma jamais a vais saciar

A destruição vossa lentamente chegará

(*como os Enawenê-nawê eram conhecidos)

Suave despertar

Suave despertar flautas e entoar

Suave despertar cantos a cantar

Suave despertar louvando ao criador estão

Suave despertar cuias de queterá*

Suave despertar fogo a iluminar

Suave despertar homens a dançar

Suave despertar crianças a espiar

Suave despertar cultura a escutar

Suave despertar resto do dia vivem em paz

Suave despertar mulheres água a procurar

Suave despertar pilões a escutar

Suave despertar crianças a chorar

Clarear o dia cada um ao seu lugar

Clarear o dia vão a trabalhar

Ao cair do dia alimentos trazem


À noite dormem em paz

(*bebida à base de mandioca)

Morte Carinhosa

Kayiko, morte da tua mulher

Que tristeza dá

Quantos choros

Quantos carinhos que faz a gente pensar

Quantos preparativos para a mulher enterrar

Que linda casca para a defunta enrolar

Que quente o fogo para os pertences queimar

Morte tranqüila que faz pensar

Linda a vida a mulher a levar

Triste separação que faz chorar

Um dia não muito longe encontrarás

E eternamente não separar.

Latifúndios desgraçados

Latifúndios desgraçados

Perambulando estais

Querendo tomar as terras dos Salumã

Maldito imóvel que cria mal estar

Dinheiro do povo que roubando estais

Destruição das matas para nada criar

Dinheiro em abundância fazendo gente matar


Jagunços e gatos a contratar.

Latifúndio que oco e bichado estás


Políticos no meio para os animar
Harmonia do universo chorando vai.

24/10/2006 - 11:34 –

Vicente que vi e Visita Derradeira


Poemas de Egon Heck sobre Vicente Cañas

Vicente, Kiwi

Tua morte não foi em vão

Tua memória nos acompanha,

Na vida dos Enawenê-Nawê,

No Centro de formação

E luta do Cimi,

Na mobilização dos povos,

Na construção

De um mundo mais justo!

Chega de impunidade,

Basta de duas medidas,

Depois de 19 anos,

É chegada a hora

Da justiça e punição

Pela barbárie cometida,

Tiraram tua vida,

Tentando calar tua voz,

Teus sonhos e utopia,


De ver clarear novo dia

Solidário e plural,

Onde todos possam viver

Na igualdade e dignidade!

O Vicente que vi,

Estirado ao lado do seu barraco,

Com belo colar Enawenê

No pescoço

E um buraco no peito,

Preservado pela natureza,

Depois do brutal assassinato,

Há mais de 40 dias,

Foi uma imagem chocante,

Que levou Tomás ao pranto,

E uma revolta incontida,

Convertido em luta por justiça!

Por tantos anos

Os assassinos e os mandantes

Apostaram na impunidade,

Tua cabeça rolou por esse país,

Nas mãos de estranhos e peritos

Sem conseguir sensibilizar

Os responsáveis pela justiça!


Enquanto isso, em Dourados,

Nove Kaiowá Guarani,

Presos há mais de meio ano,

Acusados da morte

De dois policiais,

Vêem o processo acusatório

Correndo com tanta presteza

Que já se começa prever

Julgamento ainda esse ano!

Os assassinos de Marçal

Continuam impunes,

Depois de depois de 28 anos.

Igualmente os matadores

De Dorival e Dorvalino,

Contam a seu favor,

A lentidão da justiça,

Enquanto gozam de liberdade!

Kiwi, nos acompanhe

Na luta de cada dia,

Enquanto atentos acompanhamos,

O julgamento dos teus assassinos,

Clamando por justiça,


Que embora tardia,

Será muito importante,

No combate à impunidade!

Campo Grande (MS), 19 de outubro de 2006.

Visita Derradeira

(escrito em junho de 1987, um mês após o assassinato de Vicente Canãs)

Sol nascente,

Cortando as águas do rio Papagaio.

Manhã de ansiedade.

Ao encontro do companheiro Vicente,

íamos seus amigos.

Jarika, o novo, kiwuxi, Myky,

Tião e Egon, do Cimi regional e nacional.

Vencendo as águas contrárias

do Yuruena,

pensamento e esperança

já indo além.

Finalmente,

a chegada ao porto.

A estranheza.

A grito.

Respondido pelo silêncio!


O encontro,

a estupefação.

o pranto,

ante o cadáver mumificado ao lado do barraco.

Era dia 16 de maio.

A vida matada do companheiro

calou fundo.

Ganhou as matas,

os rios, as estradas,

O mundo.

Semente!

20/10/2006 - 10:36 -

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