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razoáveis, mas eu diria que logo em seguida começaram a surgir os problemas. Era boa
cozinheira e pela primeira vez em muitos anos eu estava comendo direito. E comecei a
engordar. E Sarah a fazer comentários:
- Ah, Henry, você está ficando igual um peru recheado em Dia de Ação de
Graças.
- Escuta aqui, Harry – perguntei -, como é que nenhum destes caras passa a
cantada na Sarah?
- Porque ela tem parte com o diabo. Sério. Vê se não chega perto.
- Ninguém tem parte com o diabo, Harry. Já está mais que comprovado. Todas
aquelas feiticeiras que antigamente morriam queimadas não passaram de um erro
cruel e terrível. Não existe essa história de bruxa.
- Bem, pode ser que muitos tenham morrido por engano na fogueira. Quem sou
eu pra discordar? Mas ouve o que eu estou te dizendo. Essa bisca tem parte com o
diabo.
- Pelo que eu vi – respondeu Harry. – Dois caras que trabalhavam aqui na firma.
O Manny, um vendedor. E o Lincon, balconista.
- Como assim?
- Não quero mais falar nesse assunto. Você é capaz de pensar que sou louco.
- Sabendo – disse.
- Seja lá o que for, não leve a sério. É tudo lorota. Não dei bola pra ele e ficou
com ciúme. Gosta muito de falar mal dos outros.
- Nós dois vamos nos entender às mil maravilhas, Henry – disse ela.
Depois da festa fomos juntos para o meu apartamento e, podes crer, a trepada
que a gente deu foi qualquer coisa de louco. Sarah se revelou incomparável na cama.
Cerca de um mês mais tarde estávamos casados. Largou imediatamente o emprego,
mas eu nem abri a boca pra reclamar, de tão contente que fiquei de tê-la só para mim.
Sarah costurava suas próprias roupas e não frequentava salão de beleza. Era
simplesmente fora de série. Uma mulher decididamente invulgar.
- Você ouviu perfeitamente o que eu disse, seu peste! Tira tudo de uma vez!
A Sarah que estava diante de mim era meio diferente da que eu conhecia.
Despi a roupa e a cueca e joguei tudo em cima do sofá. Ela ficou ali, me encarando
fixamente.
- Escuta, meu bem, o que é que há? Você hoje acordou com vontade de arrasar
comigo?
Tinha razão. Parecia haver mesmo umas pequenas bolsas de gordura de ambos
os lados, umas dobras logo acima dos quadris. Aí ela cerrou os punhos e bateu com
toda a força, várias vezes, em cada uma das bolsas.
- Eu?!
Bati várias vezes, com bastante força. Quando cansei, as pelancas continuavam
no mesmo lugar. Só que agora estavam vermelhas.
Sarah se pôs a contar minhas calorias. Sumiu com frituras, pão, batatas e
tempero de salada, mas eu me apeguei à cerveja. Precisava mostrar quem cantava de
galo no terreiro.
- Dá jeito no quê?
- Quero dizer, de acabar com essa merda aí até você ficar do tamanho ideal.
- Quantas vezes?
Andava esmurrando a cintura pela rua afora. As pessoas olhavam, mas depois
de certo tempo eu já nem dava mais bola, pois sabia que enquanto obtinha resultados,
elas não...
A coisa estava indo que era uma beleza. Baixei de 120 para 100 quilos. Depois,
de 100 para 90. Me sentia dez anos mais moço. Todo mundo comentava a minha
ótima forma. Isto é, todo mundo menos Harry, o motorista de caminhão. Mas nada
mais normal, era puro ciúme, por nunca ter caído nas graças de Sarah. A “merda” dele
devia ser dura.
- Eu não falei em “peso ideal”, eu disse “tamanho” ideal. Estamos vivendo uma
Nova Era, a Era Atômica, a Era Espacial, e, o que é mais importante, a Era da Explosão
Demográfica. Vou ser a salvadora do mundo. Tenho a solução para o problema
populacional. Quem quiser que se preocupe com a poluição. O essencial é resolver a
Explosão Demográfica. A solução para a poluição e uma série de outras coisas vai
depender disso.
- Porra, o que você quer dizer com isso? – perguntei. Tirando a tampinha de
uma garrafa de cerveja.
Quando ia de carro para o trabalho, sentia o volante cada vez mais longe de
mim. E tinha que deslocar a posição do assento.
75.
- Qual?
- Encolhendo?
- É, encolhendo.
- Ora, seu bobalhão! Essa é inacreditável! Como que um homem vai encolher?
Você acha mesmo que a dieta está encolhendo teus ossos? Osso não dá pra derreter!
A diminuição de calorias só reduz a gordura. Deixa de ser idiota! Encolhendo?
Impossível.
- Tá legal – repliquei -, então vem cá. Pega este lápis. Agora vou me encostar na
parede. Minha mãe sempre fazia isso comigo quando eu era pequeno e estava
crescendo. Agora dá um traço bem no lugar em que o lápis passa por cima da minha
cabeça.
E deu o traço.
Uma semana depois, já estava com 65 quilos. Vinha emagrecendo cada vez
mais depressa.
- Bobinho...
Foi logo depois disso que o chefe mandou me chamar na sala dele.
- Nós sabemos muito bem disso, Jones. Mas infelizmente, você não está mais
em condições de dar conta do serviço.
E me mandou embora. Claro que eu sabia que ia receber uma indenização. Mas
mesmo assim achei que era muita mesquinhez da parte dele me despedir daquele
jeito...
Passava os dias com Sarah. O que agravava a situação – porque ela me dava de
comer. A coisa chegou a tal ponto que nem conseguia mais alcançar a porta da
geladeira. E aí então ela me prendeu com uma Correntina de prata.
Bem, como não dava para ir cobrar a minha indenização, eu ficava dançando
em cima do rádio enquanto ela batia palmas e ria.
Compunha canções para Sarah – aliás, foi o título que lhes dei: “Canções para
Sarah”. Eis um exemplo:
É só diminuir de tamanho,
Sarah estourava de rir e aplaudia. Ora, até aí tudo bem. O que é que eu podia
fazer?...
Mas uma noite aconteceu uma coisa simplesmente nojenta. Estava cantando e
dançando e Sarah, deitada na cama, completamente nua, batia palmas, bebia vinho e
dava risada. O meu número estava ótimo. Um dos melhores do meu repertório. Mas,
como sempre, a parte de cima do rádio começou a esquentar e a queimar a sola dos
meus pés. Não deu para agüentar mais.
- Pois não, amoreco – concordou -, o espetáculo que você fez hoje foi
sensacional. Se o Manny e o Lincoln tivessem se comportado tão bem assim, ainda
estariam aqui. Mas, em vez de cantar e dançar, preferiam ficar emburrados. E, o que é
pior, protestavam contra o Ato Final.
- Ah, meu queridinho, bebe a tua cerveja e fica quietinho. Quero que aproveite
bem o ato final. Não resta a menor dúvida que você é uma pessoa muito mais
talentosa que o Manny ou o Lincoln. Tenho certeza que poderemos chegar ao Apogeu
dos Contrastes.
Começou a me sacudir cada vez mais rápido. Minha pele foi ficando ardida,
dificultando muito a respiração; o fedor aumentou. Dava para ouvir como ela ofegava.
Me ocorreu que quanto mais cedo terminasse com aquilo, menor seria o meu
sofrimento. Toda vez que era empurrado para dentro, arqueava as costas e a nuca,
curvando-me todo e tornando-me uma espécie de gancho que esbarrava, sem para, no
Homem da Canoa.
Sarah me aproximou da luz do abajur e se pôs a beijar tudo quanto era parte da
minha cabeça e dos ombros.
Quando vi, estava outra vez à sombra daquele seio maciço. Larguei o grampo e
tornei a prestar atenção. Procurei, pelo ouvido, localizar a posição exata do coração.
Constatei que era num ponto logo abaixo de um sinalzinho escuro de nascença. Então
me levantei. Apanhei o grampo com sua ponta de vidro roxo, que ficava linda à luz do
abajur. E pensei, será que vai dar? Tinha 15 centímetros de altura e calculei que o
grampo fosse bem maior do que isso. Seu tamanho devia ser de uns 22 ou 23
centímetros. O coração parecia estar situado a uma distância menor.
Parou.
Não quero cansar ninguém com determinadas minúcias. As corridas que tive
que dar para fugir de gatos, cachorros e ratos. A sensação de estar crescendo aos
poucos. E assistindo á cena da retirada do cadáver de Sarah lá de dentro da casa. E
depois entrar na cozinha e descobrir que ainda era pequeno demais para abrir a porta
da geladeira.
O dia em que o gato quase me pegou enquanto eu comia na tigela dele. Tinha
que fugir dali.
- Uma coisa que pensei que tivesse visto – respondeu o caixa -, mas creio que
me enganei. Pelo menos espero.
Consegui entrar no depósito sem ninguém perceber. Me escondi atrás de uma caixas
de papelão cheias de feijão enlatado. De noite saí do esconderijo e comi para valer.
Salada de batatas, picles, presunto defumado, batata frita e cerveja. Cerveja à beça.
Pouco a pouco se converteu em rotina. De dia, passava o tempo todo escondido no
depósito e à noite saía e fazia uma festança. Mas, à medida que ia crescendo, foi
ficando cada vez mais difícil encontrar um refúgio onde pudesse me ocultar. Comecei a
observar o gerente quando guardava o dinheiro no cofre no fim do expediente.
Sempre saía por último. Todas as noites eu contava as voltas que ele dava no segredo.
Parecia que eram – 7 para a direita, 6 para a esquerda, 4 de novo para a direita, 6
outra vez para a esquerda, finalmente 3 para a direita, e a porta se abria. Depois que
ele ia embora, me aproximava do cofre e experimentava os números. Precisava
montar uma espécie de escada com caixas de papelão vazias para poder alcançar a
fechadura. Estava custando a acertar, mas não desistia. A todas essas continuava
crescendo rapidamente. Talvez estivesse com cerca de um metro de altura. No
supermercado havia uma seção de roupas infantis, que eu sempre trocava por
tamanhos maiores. O problema populacional ameaçava voltar. Então uma noite o
cofre se abriu. Fiquei com 23 mil dólares em dinheiro vivo nas mãos Decerto descobri a
bolada na véspera do recolhimento bancário. Peguei a chave que o gerente usava para
sair sem despertar o sistema de alarme. Depois me fui caminhando pela rua e paguei
uma semana adiantado de hospedagem no Motel Sunset. Expliquei para a funcionária
que era muito procurado para fazer papéis de anão no cinema. Não pareceu nem um
pouco interessada.
- Nada de televisão ligada ou barulho muito alto depois das dez. É proibido pelo
regulamento.
Na chave dizia quarto 103. Nem sequer tinha me lembrado de pedir para ir ver.
Fui lendo nas portas: 98, 99, 100, 101... estava andando para o norte, em direção a
Hollywood Hills, rumo às montanhas situadas logo a seguir, com a vasta e
resplandecente luz do senhor a iluminar o caminho, a jorrar sobre mim, que ia
crescendo.