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A NEGRITUDE (R) EXISTENTE NOS CABELOS: UM PASSEIO PELOS

POEMAS DE VICTORIA SANTA CRUZ, MEL DUARTE, CRISTIANE


SOBRAL E MÃE BEATA DE YEMONJÁ
Dênis Moura de Quadros1

Resumo: Ao serem trazidos para o Brasil, os negros e negras tinham seus cabelos raspados e seus
nomes apagados, silenciando suas vozes a identidade perdia-se no processo de desafricanização. Se
a identidade do homem negro é, ainda, marginalizada, a identidade afrofeminina é, segundo Spivak
(2010), subalterna. Dessa forma, pretendemos explorar as formas de negritude, segundo Bernd
(1984), nos poemas disponíveis no youtube da peruana Victoria Santa Cruz e das brasileiras Mel
Duarte, Cristiane Sobral e Mãe Beata de Yemonjá. Na (re) afirmação da identidade negra, em
especial, nas mulheres o primeiro passo é assumir os cabelos crespos, esse processo de aceitação de
sua identidade afrofeminina é uma das formas de resistência e de negritude. Assumir a negritude é,
ao mesmo tempo, aceitar sua descendência africana e resgatar a identidade perdida, apagada e
silenciado no processo de escravização e desafricanização advindos da diáspora negra. Portanto,
assumir, em um primeiro momento, os cabelos ou mesmo adotar os turbantes é a representação do
coroamento dessas mulheres, talvez, estrangeiras de si mesmas e que encontram seu lugar. É
preciso (re) existir em meio aos padrões, ainda, europeus de beleza e assumir a negritude nos
cabelos, no corpo, na alma e, sobretudo, na identidade.

Palavras-chave: Negritude, Cabelos, Identidade afrofeminina.

O processo de desafricanização, iniciado pelo tráfico de escravos negros, consistia em


batizar os escravos e escravas com nomes portugueses e, mais do que tudo, cristãos. Outro ponto
desse processo era a raspagem dos cabelos e, não menos importante, a imposição da língua
portuguesa aos escravos. Esse processo objetivava o apagamento da memória do passado e a
submissão total desses sujeitos, cujos laços de língua, cultura, família e espaço de origem foram
rompidos, mas não totalmente. A sobrevivência da cultura de várias tribos, algumas inimigas, faz
com que dentro das senzalas apertados, cansados e com fome, ocorresse a resistência da passagem
oral da cultura sob o signo da religiosidade que culmina no que conhecemos hoje como Candomblé,
Batuque, no Rio Grande do Sul, e que influenciou a Umbanda e a Quimbanda.
O silenciamento, por muito tempo, dessas vozes negras no Brasil, advém do processo de
inferioridade imposto aos negros e seus descendentes. O Movimento Negro resgatou alguns desses
autores como Luís Gama (1830-1882), Lino Guedes (1897-1951), Solano Trindade (1908-1974),
entre outros nomes que conhecemos hoje e que fazem parte dessa lista esquecida, silenciada e
resgatada. Contudo, se a lista de autores negros é extremamente sucinta, quando falamos em

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Mestrando em História da Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande- FURG, Rio Grande-RS, Brasil.

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mulheres os nomes são raros. A princípio temos como primeira mulher negra a escrever um
romance abolicionista a professora autodidata Maria Firmina dos Reis (1825-1917) com a
publicação de Úrsula (1859). A autora utilizou o pseudônimo de “uma maranhense” e escreve em
seu prólogo uma desculpa irônica de que seu pequeno livro não foi escrito por homens de letras,
mas por uma mulher de educação acanhada. Não podemos esquecer Carolina Maria de Jesus (1914-
1977), essa outra Maria que publica seu Quarto de despejo (1960) e ainda é classificada como
memorialista, sendo-lhe negado o status de escritora que rebaixa sua obra como, apenas,
documental. Não é objetivo do presente trabalho discutir acerca de Carolina Maria, contudo, como
escritora negra precursora da literatura afrofeminina é importante legitimá-la como autora de uma
obra permeada de literariedade.
O primeiro ponto a ser definido é como compreendemos negritude, palavra essa polissêmica
que pode denotar, entre outras coisas, o movimento de Negritude encabeçado na França em meados
de 1934 por Aimé Césaire (1913-2008), Léon Damas (1912-1978), Léopold Sédar Senghor (1906-
2001). Aqui compreendemos negritude como: “a tomada de consciência de uma situação de
dominação e de discriminação e a consequente reação pela busca de uma identidade negra” (Bernd,
1984, p.20). Dessa forma, compreender que o processo de desafricanização implica na criação e
manutenção de mitos que inferiorizam os negros como, por exemplo, de ser preguiçoso e perverso e
a crença forçada de ser inferior e sem história. (KABENGELE, 1988)
Além do mito do negro brasileiro há outro mito que devemos quebrar: o da igualdade racial.
Este mito prevê que assumindo a negritude, praticamos racismo reverso, já que o movimento de
Negritude previa atirar de volta a pedra jogada pelo opressor. “O irracional, o feio, o ruim, o sujo, o
sensitivo, o superpotente e o exótico são as principais figuras representativas do mito negro”
(SOUSA, 1983, p.27). Esse mito advindo, como já dissemos, do processo de desafricanização
contempla inferiorizar o negro, sua língua, cultura, corpo e cabelo como forma de legitimar sua
escravização e a hegemonia do colonizador, opressor e seus descendentes.

Carnaval, macumba, futebol e gafieira: eis o resumo da área consentida ao protagonismo


negro. A fome e a enfermidade do negro, seu analfabetismo e seu barraco, sua
criminalidade ou seu desamparo, tudo isso é levado a débito na conta geral do povo
brasileiro. Tudo passa a constituir um bloco dos que não têm, contra o bloco dos que têm.
Raça aí não entra. Não passa pela cabeça dos argumentadores desse tipo que os pobres, os
demais necessitados, o são por contingência da situação do país ou por incapacidade
individual na competição e não pelo fato de ter a pele mais escura. Pelo fato de ter sido
desumanamente explorado durante quatro séculos. E depois ter sido atirado no meio da rua,
como bicho. Sem sequer ingressar na sociedade competitiva. (NASCIMENTO, 1968, p.35)

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Quando Abdias do Nascimento (1914-2011) proferia as palavras acima no I Congresso do
Negro Brasileiro ocorrido dia 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 descrevia a figura do negro
imposta pela sociedade brasileira, uma figura que faz com que os descendentes desses africanos
diaspóricos tivessem vergonha. Infelizmente, a leitura de Abdias acerca da realidade do negro no
Brasil continua a mesma, contudo, a negritude vem, aos poucos e vagarosamente, rompendo esses
laços, desmitificando a figura do negro e resistindo ao processo de desafricanização, resgatando a
africanidade. Nascer com a pele escura não nos define identitariamente como negros, como afirma
Sousa (1983) no título de sua obra, é preciso tornar-se negro.

Ser negro é (...) tomar consciência do processo ideológico que, através de um discurso
mítico acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que o aprisiona numa
imagem alienada, na qual se reconhece. Ser negro é tomar posse desta consciência e criar
uma nova consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade
alheia a qualquer nível de exploração. (SOUSA, 1983, p.77)

Fechando esse leque que oprime os negros e seus descendentes e direcionando o olhar às
mulheres negras temos uma realidade ainda mais marginalizada. De um lado por ser negra e de
outro lado por ser mulher. As mulheres negras ocupam um espaço do que Spivak (2010) define
como subalterno. Essas subalternas não podem falar e quando falam suas vozes não são ouvidas, há
sempre a necessidade de se fazerem escutar e, para tanto, elencamos a literatura afrofeminina para
percebermos esses processos.

[...] a literatura afrofeminina é uma produção de autoria de mulheres negras que se constitui
por temas femininos e do feminismo negro comprometidos com estratégias políticas
civilizatórias e de alteridades, circunscrevendo narrações de negritudes
femininas/feminismos por elementos e segmentos de memórias ancestrais, de tradições e
culturas africano-brasileiras, do passado histórico e de experiências vividas, positiva e
negativamente, como mulheres negras. (SANTIAGO, 2012, p.155)

Esse recente conceito de literatura abarca as mulheres negras que escrevem e, como
elencamos anteriormente, que vão ao encontro do projeto de outra Maria, também precursora da
literatura afrofeminina: a escrevivência de Conceição Evaristo (1946- ). A escrita dessa literatura é
baseada na vivência dessas mulheres subalternizadas que tiveram, por muito tempo, suas vozes
silenciadas e qualquer possibilidade de representação apagada.
Elencar a literatura afrofeminina como uma forma autônoma de literatura que fica no entre
lugar da literatura negra e da escrita feminina permite que possamos compreender os temas e as
formas dessa literatura pautada na vivência de seus autores (e de alguma forma a escrita de si) e

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legitima um espaço negado a essas autoras como, por exemplo, a precursora Carolina Maria de
Jesus.

Enegrecer o movimento feminista brasileiro tem significado, concretamente, demarcar e


instituir na agenda do movimento de mulheres o peso que a questão racial tem na
configuração, por exemplo, das políticas demográficas, na caracterização da questão da
violência contra a mulher pela introdução do conceito de violência racial como aspecto
determinante das formas de violência sofridas por metade da população feminina do país
que não é branca. (CARNEIRO, 2011, p.3)

O movimento feminista e a literatura (de autoria) feminina não previu ou possibilitou um


espaço de luta para essas mulheres que, como vimos, também não tiveram seu espaço no
Movimento Negro e na lista canônica da literatura afro-brasileira. Dessa forma, repetimos a
afirmação necessária de Sueli Carneio (2011) de que devemos enegrecer o movimento feminista e
abrir espaço para as mulheres no Movimento Negro.
Essas mulheres negras têm como identidade imposta a elas um paradoxo marginalizado: se
por um lado não chegaram, de forma alguma, aos padrões europeus de beleza, por outro o corpo
erotizado da mulata é desejado e sexualizado. Como maneira de atenuar os traços afros e
aproximar-se do padrão imposto, as mulheres utilizam maquiagens que “embranquecem” suas peles
e, principalmente, alisam seus cabelos.
Alisar os cabelos é tema recorrente na literatura afrofeminina contemporânea que resgatando
a africanidade através da negritude, faz com que essas mulheres tomem consciência da beleza negra
de cada uma. Não criticamos o alisamento dos cabelos, afinal as mulheres devem ser livres para
escolherem o que quiserem, contudo quando essa é a única forma de se verem belas torna-se um
problema e reflete uma vergonha desnecessária e prejudicial.
Escolhemos para análise e reflexão dessa identidade afrofeminina reafirmada através dos
cabelos as poesias de Victoria Santa Cruz (1922-2014), peruana poetisa, coreógrafa, professora da
Universidade Carnegie Mellon e percorreu o mundo performatizando a poesia “Me gritaron negra”
postada no youtube e traduzida e performatizada em outros vídeos também presentes na internet.
Cristiane Sobral Correa Jesus (1974- ) é carioca, moradora de Brasília desde 1990. É Mestre
em Arte pela UnB (Universidade Federal de Brasília) desde 2016 com a defesa da dissertação
Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira, além de ser Coordenadora intermediária de
Direitos Humanos e Cidadania e Diversidade na Regional de Ensino do Núcleo Bandeirante- DF,
atriz, diretora e escritora tendo publicado, primeiramente, nos Cadernos negros e após de forma

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independente seus livros de poesia Não vou mais lavar os pratos (2010) e Só por hoje vou deixar
meu cabelo em paz (2014) e Tapete Voador (2016) recentemente publicado pela editora Malê.
Mel Amaro Duarte (1989- ) é paulista, formada em Comunicação Social poeta ambulante,
slammer, produtora cultural, videomaker. Publicou de forma independente dois livros de poesia
Fragmentos dispersos (2013) e Negra nua crua (2016). A obra poética aqui analisada, Negra nua
crua (2016) é dividida em três blocos: Negra onde a poeta permeará as negritudes e aceitação dessa
identidade negra; Nua onde a autora escreverá poemas íntimo e Crua que abarcará, principalmente,
poesias de protesto.
Beatriz Moreira Costa (1931- 2017) ou como é mais conhecida Mãe Beata de Yemonjá
nasceu no Recôncavo Baiano, muda-se em 1967 para o Rio de Janeiro, onde reside atualmente.
Publico seu livro de contos Caroço de dendê em 1996 pela editora Pallas, livro que traz contos com
forte oralidade acerca da força e presença dos Orixás na vida de seus filhos e outros contos.

Deixemos nossas autoras falarem

Elencamos a estrangeira, Victoria Santa Cruz e sua poesia que destaca tanto o processo de
desafricanização quanto a ruptura, através da negritude, desse processo. O eu poético
performatizado pela própria autora situa o leitor no primeiro momento, que esses sujeitos todos
passam, de encarar a vergonha de ser negra imposta pela sociedade. Eis que o eu poética afirma que
tinha sete anos apenas e depois diminui que não possuía nem cinco quando gritaram-lhe na rua:
Negra!

“¿Soy acaso negra?” – me dije ¡SÍ!


“¿Qué cosa es ser negra?” ¡Negra!
Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía. Negra!
Y me sentí negra, ¡Negra!
Como ellos decían ¡Negra!
Y retrocedí ¡Negra!
Como ellos querían ¡Negra!
Y odié mis cabellos y mis labios gruesos
y miré apenada mi carne tostada
Y retrocedí ¡Negra!
Y retrocedí…

O eu poético é levado pelo tom jocoso e de acusação a ter vergonha de sua cor, de seu
cabelo e, mais do que tudo de sua identidade pautada na ancestralidade. Essa “pesada carga” era
arrastada e a primeira atitude de atenuar essa vergonha fora alisar os cabelos e branquear a pele com
o pó de arroz, hoje temos bases para o rosto que substituíram o pó de arroz e, ainda, tonalizam a

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pele para clarear. Contudo, a partir do momento em que o eu poética tomar consciência de sua
história, de enegrescer, ele compreende o quanto essa vergonha não tem sentido e deve ser
combatido pelo orgulho e, então se torna negro. E então, assumindo a negritude o eu poético não irá
mais alisar os cabelos e ser indiferente aos comentários maldosos acerca de sua pele, cabelos.
É também os cabelos, um dos temas recorrentes na poesia de Cristiane Sobral que além de
serem publicados estão disponíveis no blog da autora. O tema não é aleatório, afinal de contas os
cabelos, parte do corpo, é o espaço de mudança e de identidade como, por exemplo, o Black Power
utilizado na década de 1970 e os cabelos escandalosos do movimento Punk.
Desde menina muita nova, a criança negra sofre com as inúmeras tentativas de pentear seus
cabelos “duros” e “ruins”, os cabelos sempre presos e extremamente puxados escondem, pela falta
de consciência, a essência ancestral que elas trazem. Os heróis e as princesas que permeiam o
universo infantil são brancos, europeus e americanos, não há espaço para negros. Lanterna verde,
herói da Marvel, é negro nos quadrinhos e nos desenhos animados, contudo, o filme lançado em
2011 branqueia o herói, mas deixemos essa reflexão para outros trabalhos.
No poema que nomeia a obra, Só por hoje vou deixar meu cabelo em paz, o eu poético
decide que por 24horas não usará sua lente europeia e ser quem ele realmente é.

Só por hoje
Encarar a claridade
Sem as sedutoras lentes
Que nos ensinam
A desejar ser quem não somos
(SOBRAL, 2016, p.19)

Percebemos que o eu poético toma consciência, negritude, do racismo que lhe força negar
suas origens e aceitar o mito do negro ou o mito da democracia racial. Essa atitude de aceitar ser
negro faz parte de uma primeira fase de aceitação da negritude e começo do processo de
reafricanização. Nas mulheres deixar os produtos químicos que alisam os cabelos é um segundo
passo de conscientização. Atualmente temos inúmeros produtos destinados aos cabelos ondulados,
cacheados e crespos no mercado, contudo essa realidade é muito recente e reflete as vitórias da
negritude no Brasil encabeçada pelas inúmeras negras engajadas em conscientizar e enegrescer.
Nessa linha de conscientização, Mel Duarte escreve Menina melanina, performatizado pela
autora no youtube e recitado na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) 2016. O poema inicia
pelo eu lírico refletindo sobre os momentos de incertezas e fraquezas, as inúmeras dúvidas acerca
da beleza em seus traços afrodescendentes. O eu poético, ainda, reflete sobre a imposição da

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sociedade capitalista em demonstrar que: “O bom da vida é ter um belo corpo e riqueza” e que essas
mulheres negras erotizadas no desejado corpo da mulata têm como ápice da carreira tornar-se não
negra, mas a nova Globeleza. Eis que as reflexões de Abdias do Nascimento acerca do mito do
negro no Brasil ainda reverbera.

Preta:
Mulher bonita é a que vai a luta!
Que tem opinião própria e não se assusta
Quando a milésima pessoa aponta para o teu cabelo e ri dizendo que
ele “está em pé”
E a ignorância dessa coitada não a permite ver...
Em pé, armado,
Foda-se! Que seja!
Pra mim é imponência!
Porque cabelo de negro não é só resistente,
É resistência.
(DUARTE, 2016, p. 11)

Percebemos que o eu poética declara às negras que é necessário tornar-se negra, ter sua
opinião acerca de seu corpo, de seu cabelo e de sua identidade sem a preocupação ou mesmo com a
coragem de resistir ao racismo, ao preconceito ainda latente. O eu poética finaliza: “E só abaixe a
tua cabeça,/Quando for pra colocar a coroa”. Os cabelos crespos de todas as formas assumem uma
perspectiva negra altiva e parecem-se com coroas de cabelos, coroas essas que podem, além dos
cabelos, serem os turbantes, marca de negritude.
Encerrando nosso passeio e não menos importante, temos a figura de Mãe Beata de
Yemonjá, uma verdadeira Griot, palavra que designa os ancestrais responsáveis pela manutenção da
cultura africana. O Griot, e sem dúvidas Mãe Beata o é, é a figura que através dos contos e lendas
passados oralmente às crianças e adultos revive e mantêm a cultura de seu povo. Na poesia de Mãe
Beata, disponível no youtube, o eu poética frisa a importância dessa figura que mesmo “Ferrado
com ferro em brasa” “nunca esqueci quem eu sou”. Essa figura é a conscientização e a retomada da
história do negro no Brasil. O eu poético frisa suas origens e a reafirmação de suas origens ao
declarar: “Sou negra, sou mulher/ Sou fruto da minha raça” e vai elencando as características mais
comumente utilizadas para menosprezar e inferiorizar essa identidade: “Bunda grande, os lábios, o
nariz, cabelo duro”.
O eu poético, confundido com Mãe Beata, saúde as muitas figuras negras, os heróis
desconhecidos que não são apresentados na escola aos alunos: “Bubu, Abdias Nascimento, Ruth de
Souza, Carolina de Jesus, Luiza Mahim”. Essa carência de heróis negros só é problemática na falta
de referência desses sujeitos na estrutura de suas identidades. O revoltoso Zumbi está presente nas

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páginas de alguns bons livros de história, contudo Dandara, a guerreira esposa de Zumbi não é
conhecida por nós, a partir dessa falta Jarid Arraes resgata essas heroínas negras.
Em vias de finalização, percebemos a necessidade de assumir, refletir e falar acerca de
negritude, de tomada de consciência, permitindo que as mulheres negras não tenham vergonha de
seus cabelos e, acima de tudo, de suas identidades. Compreender que tornar-se negro é assumir que
somos todos estrangeiros para nós mesmos, que, segundo Kristeva (1994): “O estrangeiro (...) é
aquele que perdeu a mãe” e logo, fomos nós negros afastados de nossa Mãe África.

Referências

BERND, Zilá. O que é negritude. São Paulo: Brasiliense, 1984.


CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: A situação da mulher negra na América Latina a partir
de uma perspectiva de gênero. 2011. Disponível em <http://www.geledes.org.br/enegrecer-o-
feminismo-situacao-da-mulher-negra-na-america-latina-partir-de-uma-perspectiva-de-genero/>
Acesso em 20.11.2016.
CRUZ, Victoria Santa Cruz. Me gritaron negra. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=RljSb7AyPc0> Acesso em 6 de maio de 2017.
BEATA DE YEMONJÁ, Mãe. Beata Griot Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=0wVltx0N5PI&t> Acesso em 6 de maio de 2017.
DUARTE, Mel. Menina melanina. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=yOjb4cPxx0U> Acesso em 6 de maio de 2017.
KABENGELE, Munanga. Negritude: Usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1988.
KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Trad. Maria Carlota Gomes. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994.
NASCIMENTO, Abdias do. (Org) O negro revoltado. Rio de Janeiro: GRD, 1968.
SANTIAGO, Ana Rita. Vozes literárias de escritoras negras. Cruz das Almas: Ed. UFRB, 2012.
SOBRAL, Cristiane. Só por hoje vou deixar meu cabelo em paz.
<https://cristianesobral.blogspot.com.br/2016/11/so-por-hoje-vou-deixar-o-meu-cabelo-em.html>
Acesso em 06 de maio de 2017.
_____. Só por hoje vou deixar meu cabelo em paz. Brasília: 2016.
SOUSA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em
ascensão. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Regina Goullart Almeida,
Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.

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Negritude in the hair: a look into the poems of Victoria Santa Cruz, Mel Duarte, Cristiane
Sobral and Mother Beata of Yemonjá

Abstract: When black men and women were brought to Brazil, they had their hair shaved and their
names erased, their voices were silenced and their identity was lost in the process of
desafricanização. If the identity of the black man is still marginalized, afrofeminina identity is,
according to Spivak (2010), subaltern. In this way, we intend to explore the forms of negritude,
according to Bernd (1984), in the poems available on youtube by Peruvian Victoria Santa Cruz and
the Brazilian women Mel Duarte, Cristiane Sobral and Mãe Beata de Yemonjá. In the
(re)affirmation of black identity, in particular women, the first step is to have their hair in curly
way, this process of acceptance of their afrofeminina identity is one of the forms of resistance and
negritude. To assume negritude is, at the same time, to accept its African offspring and to rescue the
lost, erased and silenced identity in the process of enslavement and desafricanização from the black
diaspora. Therefore, to assume, at first, the hair or even to adopt the turbans are the representation
of the crowning of these women, perhaps, foreign in themselves who find their place back. It is
necessary (re)exist in the midst of the European standards of beauty and to assume negritude in the
hair, body, soul and, above all, identity.

Keywords: Negritude, Hair, Afrofeminina identity.

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