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DIREITO COMERCIAL I

SEGUNDO TEXTO
©Antonio José Roveroni - 2004

SINOPSE
II - FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL.

1. Porque história?
2. Desenvolvimento histórico.
3. O Direito Comercial no Brasil.
4. Autonomia do Direito Comercial - Dicotomia.
5. Matéria Comercial.

II - FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL.

1. Porque história?

O acompanhamento do desenvolvimento histórico de qualquer objeto de estudo,


por mais que goze da antipatia dos alunos, é de suma importância para que o mesmo
seja entendido de uma maneira atemporal e dinâmica, fugindo do erro de ser visto e
caracterizado pelas suas nuances contemporâneas, próprias de um dado momento
histórico e sob a influência de uma corrente filosófica dominante. Nesse sentido,
estudando a evolução do Direito Comercial através dos tempos - e, inevitavelmente, do
próprio comércio, podemos identificar seus elementos fundamentais e perenes, sem
influenciarmo-nos, por demais, por um modo de pensar que possa ser superficial,
atrelando-nos aos efêmeros grilhões dos modismos.

2. Desenvolvimento histórico.

2.1 - A antiguidade.

Apesar da completa falta de registros, acredita-se que o rudimentar comércio


humano já possuia algumas regras no que tange à forma com que se efetivava a troca
de utilidades, o que pode ter1 acabado por contribuir para que o homem primitivo
desenvolvesse uma idéia sobre valor e proporção (p. e.: uma cabra correspondia a dez
peixes ou a dois machados de pedra).

2.2 - As primeiras civilizações.

2.2.1 - O Código de Manu (Índia) e o de Hammurabi (Babilônia) já previam


alguns institutos próprios do Direito Comercial, como o empréstimo a juros, os
contratos de sociedade e de depósito.

2.2.2 - Os Fenícios, como grandes navegadores da antiguidade, já tinham uma


idéia do que hoje chamamos de "avaria grossa" (para salvar a nave, os prejúzos eram
rateados).

1Advirto o aluno que aqui levanto uma hipótese fruto de minhas próprias especulações.
2.3 - Os Gregos.

Com o desenvolvimento que nos deu a civilização helênica, surgiram regras


sobre os "trapezistas" (depósito de particulares) e a atividade "banqueira" se
implementou, com capitalistas financiando viagens para a busca de mercadorias no
exterior.

2.4 - Os Romanos.

Na antiga Roma, o comércio era considerado prática indígna (menor) e não


podia ser exercido pelos pater familiais ou mesmo pelos senadores, sendo exercido
apenas por estrangeiros2.
Contudo, como o comércio é e sempre foi atividade bastante lucrativa, os
cidadãos romanos, testemunhando o sucesso econômico dos comerciantes, acabaram
contornando ou burlando as leis que lhes proibiam a prática comercial, criando
sociedades que contribuíam com capitais como "sócios ocultos", embriões de tipos
societários modernos.
Nesse período surgiu também a idéia de falência do comerciante e do
desapossamento de bens do falido para o pagamento das suas dívidas. Além disso,
com o desenvolvimento que teve o Direito Civil (jus civile), sobretudo no que se refere
a contratos e obrigações, também houve grande contribuição para formação do Direito
Comercial moderno.

2.5 - O feudalismo.

Com a queda da hegemonia do império romano, seu caráter de universalidade3


e a fragmentação de seu território, surgiram o feudos da era medieval, onde, como
sabemos, dominava a doutrina cristã que proibia a usura (historicamente ligada à
cobrança de juros) mantendo a mercância a característica de ser considerada
atividade menor.
Nessa época, predominava o Direito Canônico (da Igreja) que tinha caráter
centralizador e fechado, sofrendo o comércio e, sobretudo o Direito Comercial, uma
estagnação, pois os feudos sobreviviam basicamente com - ou do que - pudessem
produzir, numa exploração econômica que tinha por base as relações entre o Senhor
Feudal/servo e Suserano/Vassalo, voltando, somente a desenvolver-se após as
invasões bárbaras.

2.5.1 - As Corporações de Mercadores.

Paradoxalmente, foi durante o período feudal da Idade Média, nas cidades hoje
italianas de Florença e Gênova4 que surgiu o que a doutrina chama de a "verdadeira
origem" do Direito Comercial como o concebemos hodiernamente, que foram as
Corporações de Mercadores.

2Curioso notar aí como o Direito tem caráter protecionista de um povo e como, em não sendo aplicadas contra seus
"criadores", podem as leis serem extremamente duras, como a responsabilidade com relação à dívidas atingindo o
"corpus" do devedor.
3 Não podemos esquecer, que os romanos dominaram cultural e materialmente todo o mundo conhecido, por
aproximadamente 1.500 anos, mantendo certa uniformidade de modo de vida e desenvolvimento tecnológico.
4Consideradas mercantis, pelo intenso intercâmbio comercial com o Oriente em busca de suas especiarias.
Tais "órgãos", criados por comerciantes, eram compostos por Cônsules5 que,
ao dirimirem disputas entre também comerciantes, acabavam por criar jurisprudência6
comercial. Com isso, o embrionário Direito Comercial surge de forma corporativista
(pois ocupava-se, no início, apenas de conflitos envolvendo comerciantes contra
comerciantes e, depois, estendendo-se a causas entre comerciantes e não
comerciantes); profissional, autônoma e consuetudinária7.
Essa fase, chamada de subjetivo-corporativista, vai do Século XII até o Século
XVIII, sendo considerada a primeira, das três que são identificadas pela doutrina (as
outras veremos adiante, em seu devido tempo), e na qual o Direito Comercial é
entendido como sendo um direito fechado, classista e privativo, em princípio, das
pessoas matriculadas8 nas corporações de mercadores.
Também, foi nesse período que nasceram, numa forma próxima do que temos
hoje, os Títulos de Crédito. Esses, como veremos adiante, são de fundamental
importância para o desenvolvimento e dinamização das relações comerciais, chegando
a doutrina a dizer que "vivemos, hoje, em uma economia creditória"9

2.6 - A Idade Moderna.

Juntamente com o declínio do sistema feudal de organização social, a queda de


Constantinopla e a busca de uma novo caminho para as índias10, surgiram os Estados
Nacionais, de feição centralizadora e autoritária na figura do Imperador, que acabaram
por transformar em leis11 as práticas das corporações e a doutrina de estudiosos
italianos, espanhóis e franceses que haviam se debruçado sobre o assunto. Foi o
tempo das "Ordenações"12.

2.7 - Idade Comtemporânea.

A Revolução Francesa, com princípios de "igualdade" e "fraternidade", exclui o


privilégio de classe e o Direito Comercial deixa de ser próprio dos comerciantes para
estar pautado nos atos de comércio13. Chegamos, portanto à segunda fase da
evolução de nosso objeto de estudo, chamada período objetivo, que se inicia com o
liberalismo econômico (hoje tão em voga, devido à queda do projeto socialista de

5Espécie de Juízes, que eram eleitos, também da e pela classe dos mercadores.
6Série de julgados versando sobre o mesmo assunto, uniformes, que são usados como meio de interpretação e
aplicação de leis ou, até, solução de conflitos, por analogia.
7Conforme os usos e costumes.
8V. art. 4º do C.Com (Revogado pelo Novo Código Civil).
9 confirmar in W.Bulgarelli, Capítulo1, Títulos de Crédito.
10" ... historiadores do direito e do comércio marítimos atribuem aos portugueses a invenção dos seguros
marítimos, criados - destaca o Sr. Jaime Cortesão - "na longa prática do tráfego por mar a distância, durante os
séculos XIII e XIV e consagrados pela legislação de Dom Fernando [ ... ]"("Tradição", em Cartas à Mocidade,
Lisboa, 1940, p. 71)." SIC, Gilberto Freyre "in"Casa-Grande & Senzala, 31ª Ed., Ed. Record, Nota 12 ao Cap. I, p.
55.
11Norma de conduta obrigatória, amparada pela força (poder) do Estado.
12Os Códigos de hoje.
13O Código de Napoleão (Código Civil Francês - 1810) e o Código Comercial francês (1808), inspirados nos
interesses e valores franco-revolucionários que, na época, prevaleciam, principiavam a consolidação do "direito
burguês" e adotando, o segundo, a teoria dos Atos de Comércio - em que era considerada como mercantil, toda
atividade que tivesse certas características específicas, traçaram a forma legislativa do Direito Comercial.
Estado do leste europeu e do fracasso do Estado Burocrático ocidental em fazer o
desenvolvimento econômico e social).
Acrescente-se que, por ora, numa noção do que seriam os tais "atos de
comércio", pode-se dizer que, o Direito Comercial dessa fase era extensivo a todos
que praticassem determinados atos previstos em lei, tanto no comércio e indústria
como em outras atividades econômicas, independentemente de classe. Tais atos, por
sua natureza é que determinavam o caráter de comercialidade das atividades sendo,
geralmente, aqueles que detinham escopo de lucro, mediação e fito especulativo.
Por fim, a terceira fase, que encontra-se ainda em elaboração, "corresponde ao
direito empresarial (conceito subjetivo moderno). De acordo com a nova tendência, a
atividade negocial não se caracterizaria mais pela prática de atos de comércio
(interposição habitual na troca, com o fim de lucro), mas pelo exercício profissional de
qualquer atividade econômica organizada, exceto a atividade intelectual, para a
produção ou circulação de bens ou serviços"14.

3. O Direito Comercial no Brasil.

Em sua história "tupiniquim", o Direito Mercantil recebe da doutrina uma


classificação que o caracteriza como tendo duas fases: a luso-brasileira e a brasileira.

3.1. Fase Luso-Brasileira.

Esta fase, conforme o Prof. Requião, indica o período em que o Brasil deixa de
ser apenas uma colônia de exploração portuguesa e começa a adquirir contornos de
Estado organizado. Tem como fatos históricos principais os seguintes:

a) a fuga da família real de Portugal, trazendo toda uma organização de corte, ou pelo
menos, seu status;
b) a promulgação da Lei de Abertura dos Portos, que propiciou o livre estabelecimento
de fábricas e manufaturas;
c) a criação da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, embrião
das atuais, no campo do Direito Mercantil, Juntas Comerciais15;
d) a criação do Banco do Brasil (1808), "com programas de emissão de bilhetes
pagáveis ao portador, operações de descontos, comissões, depósitos pecuniários,
saques de fundos por conta de particulares e do Real Erário, para a promoção da
"indústria nacional pelo giro e combinação de capitais isolados". "16.

3.2 - O Período Brasileiro.

Proclamada a independência e convocada a Assembléia Constituinte de 1823,


por algum tempo, ainda, fizemos uso corrente de legislação alienígena, mas "o espírito
nacional do jovem Império passou a exigir, como afirmação política de sua soberania,
a criação de um direito próprio"17, tendo, à partir daí, os seguintes fatos como
relevantes:

14Maximilianus C. A. Führer, "in" Resumo de Direito Comercial, 14ª Ed., Malheiros Editores, p. 12.
15Órgão autárquico que cuida do Registro do Comércio.
16Conforne Requião, ob. cit., p. 15, grifos do autor.
17A. e ob. cit. supra, p. 15.
a) a promulgação de Código Comercial (1850), revogado pelo Código Civil de 2002;
b) a aprovação dos Regulamentos 737 e 738 que, respectivamente, estebeleciam os
Atos de Comércio e o Processo Comercial (este último substituído pelo Código de
Processo Civil de 1939);
c) as leis especiais sobre Sociedades por Cotas de Responsabilidade Ltda. (1919), a
Convenção de Genebra (Lei Uniforme) sobre Títulos de Crédito, a Lei das Sociedades
Anônimas, etc.;
d) o Código das Obrigações, que pretende unificar todo o direito privado (Civil e
Comercial), em um só texto - Projeto de Lei 634/75, que tramitou pelo Congresso
Nacional por quase 30 anos (Novo Código Civil).

4. Autonomia do Direito Comercial.

O direito comum, desde os tempos dos romanos, sempre caracterizou-se pela


rigidez de suas formas e solenidades, é o que vemos até hoje. O Direito Civil
caracteriza-se pelo rigor dos atos e pelo excesso de legislação (ou situações
positivadas) regulando as relações entre os homens. Tal estado de coisas não se
coaduna com a agilidade exigida pela vida negocial do Direito Mercantil.
Como vimos, historicamente, o Direito Comercial já nasceu apartado do direito
comum, como na solução de litígios pela aplicação dos usos e costumes da
navegação, as Corporações de Ofício, os institutos da Falência e da Concordata com
os privilégios dos devedores para o cumprimento de suas obrigações creditícias e
outras características próprias.
Nesse sentido - apesar da unificação positiva do ”código de obrigações” - a
natureza dúplice (Civil e Comercial). Por isso, estamos estudando disciplina específica
e não um grande galho chamado Direito Privado, o que fez Requião dizer "A dicotomia
do direito privado impôs-se, destarte, pelas necessidades sociais. É uma decorrência
histórica."18.

5. Matéria Comercial.

Visto isso, só o que podemos acrescentar, é que há uma distinção clara no que
se refere à matéria Comercial, de matéria Civil, esta decorrente da própria dicotomia
suso referida. Sendo, por ora, nosso objeto de estudo.
__________________
RESUMO
Histórico - porquê história? direito como normas de conduta obrigatória - idéia de valor e proporção -
alguns autores indicam o código de hamurabi - os fenícios já tinham idéia da avaria grossa - romanos e
egípcios e a proteção ao crédito - a estagnação do feudalismo (usura) - as corporações de mercadores
– jurisprudência - Florença e Gênova – cônsules - corporativista, profissional (matrícula), autônomo e
costumeiro - nascimento dos títulos de crédito - os estados nacionais - centralização do poder - as
práticas das corporações viram leis - as ordenações - a revolução francesa - liberalismo econômico -
poder político e econômico - atos de comércio - privilégio de classe - o direito empresarial

18Ob. cit., p. 17.

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