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JOAQUIM CESAR DA VEIGA NETTO

O EXPERIMENTALISMO DE LUIZ BRAGA: O SENTIDO PLÁSTICO


NA SUBVERSÃO DAS CONVENÇÕES E DO MÉTODO
FOTOGRÁFICO.

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Programa de Pós Graduação em Artes Visuais
2013
2

JOAQUIM CESAR DA VEIGA NETTO

O EXPERIMENTALISMO DE LUIZ BRAGA: O SENTIDO PLÁSTICO


NA SUBVERSÃO DAS CONVENÇÕES E DO MÉTODO
FOTOGRÁFICO.

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, para obtenção do
grau de Doutor em Artes Visuais, na Linha de Pesquisa em
História e Crítica da Arte, na área de História e Teoria da
Arte. Orientadora: Professora Doutora Maria Luisa Luz
Tavora.

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Programa de Pós Graduação em Artes Visuais
2013
3

Veiga Netto, Joaquim César da.


V426 O experimentalismo de Luiz Braga : o sentido plástico na subversão
das convenções e do método fotográfico / Joaquim César da Veiga
Netto. 2013.
266 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Maria Luisa Luz Tavora.


Tese (doutorado) – UFRJ/EBA, Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais, 2013.

1. Fotografia. 2. Arte contemporânea brasileira. 3. Braga, Luiz.


I. Tavora, Maria Luisa Luz. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Escola de Belas Artes. III. Título. IV. Título: O sentido plástico na
subversão das convenções e do método fotográfico.
CDD 770
4

JOAQUIM CESAR DA VEIGA NETTO

O EXPERIMENTALISMO DE LUIZ BRAGA: O SENTIDO PLÁSTICO


NA SUBVERSÃO DAS CONVENÇÕES E DO MÉTODO
FOTOGRÁFICO.

Rio de Janeiro - RJ, 12 de dezembro de 2013.

BANCA EXAMINADORA

Assinatura:
Nome: Professora Doutora Maria Luisa Luz Tavora (Orientadora)
Instituição: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Assinatura:
Nome: Professora Doutora Marize Malta Teixeira
Instituição: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Assinatura:
Nome: Professor Doutor Carlos de Azambuja Rodrigues
Instituição: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Assinatura:
Nome: Professor Doutor Antonio Pacca Fatorelli
Instituição: Escola de Comunicação – UFRJ.

Assinatura:
Nome: Professora Doutora Maria Teresa Ferreira Bastos
Instituição: Escola de Comunicação – UFRJ;
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AGRADECIMENTOS

A elaboração de uma tese envolve momentos árduos - um percurso longo e trabalhoso.


Nesse caminho, muitas pessoas e instituições passam a ser co-responsáveis pelo
eventual mérito que possa ter o trabalho.

Agradeço primeiramente a Deus, por colocar em meu caminho as pessoas que me


auxiliaram e me apoiaram nesta jornada, e pela energia necessária para alcançar esta
conquista em minha vida acadêmica.

Agradeço profundamente a professora Dra. Maria Luisa Luz Tavora, por aceitar a
orientação deste trabalho e pelo apoio decisivo nos momentos cruciais de sua
elaboração.

Meus sinceros agradecimentos aos vários professores do Programa de Pós-Graduação


em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ: Dra. Ana Cavalcanti, Dra. Angela
Ancora da Luz, Dr. Carlos Azambuja e Dr. Felipe Scovino, que muito contribuíram com
seus excelentes cursos –, e a Dra. Marize Malta, cujo incentivo desde o primeiro curso
do doutorado, me foi especialmente valioso.

Agradeço ao Dr. Antônio Pacca Fatorelli – ECO/UFRJ que, como membro da banca de
qualificação do meu projeto de pesquisa, sinalizou questões que me ajudaram a pensar o
caminho adotado neste trabalho.

Do mesmo modo, sou grato ao Dr. Tadeu Chiarelli - ECA/USP e a Dra. Laura Malosetti
- IDAES/ Universidad Nacional de San Martín/ Argentina, pelos estímulos e sugestões
no início deste trabalho. Agradeço, ainda, ao Grupo de Estudos Arte & Fotografia –
CAP/ECA/USP e a Fundación OSDE – Buenos Aires/Argentina, que viabilizaram as
primeiras publicações sobre questões relacionadas à minha tese.

Ao fotógrafo brasileiro Luiz Braga, pelo carinho e zelo com que sempre atendeu aos
meus questionamentos e, também, pelas suas observações acertadas que contribuíram
como subsídio para a elaboração deste trabalho, minha gratidão e admiração.
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Nessa caminhada, cheia de claros e escuros, estão os colegas e amigos da UFRJ, cuja
convivência fortaleceu laços afetuosos e agradáveis reflexões: André Dorigo, Luiza
Interlenghi, Marina Menezes, Marília Palmeira, Monica Cauhi e Renata Gesomino. A
eles agradeço o companheirismo e louvo a nossa amizade.

Ao meu irmão Jorge Nery Cesar da Veiga Ferreira, que sempre esteve disponível a me
ouvir e me ajudar nos momentos de estresse e angustia, minha gratidão.

A amiga Maria Helena Nina de Oliveira Santos, que realizou a leitura e revisão do pré-
texto e pós-texto desta tese, meu agradecimento.

Às minhas amigas Claudia Chelala – UNIFAP/AP, Daize Wagner – UNIFAP/AP e Ana


Karina Nascimento – UNIFAP/AP, que sempre demonstraram interesse e carinho pelo
andamento desta tese, meus sinceros agradecimentos. Do mesmo modo, agradeço á
Jamila Oliveira, Raí Brazão e Welliton Santos - ex-alunos do Curso de Artes da
UNIFAP -, por todas as manifestações de afeto no decorrer da minha pesquisa.

À Ângela Magalhães – dedicada no campo da fotografia brasileira, que no início do


meu trabalho, disponibilizou sua biblioteca para eventuais consultas - meu
agradecimento e meu respeito.

Sou extremamente grato as Instituições e às pessoas que as representam, as quais


tornaram possível a realização desta pesquisa: CAPES - Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; CNPq – Conselho de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico; UNIFAP - Universidade Federal do Amapá;
PPGAV/EBA/UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro; CEDOC/FUNARTE-RJ –
Centro de Documentação da Fundação Nacional de Artes; MAM/SP - Museu de Arte
Moderna de São Paulo; Museu Vale do Rio Doce – Vitória/ES; Galeria da Gávea – RJ e
Biblioteca da Casa Daros – RJ.

Agradeço, enfim, às demais pessoas que direta ou indiretamente contribuíram na


elaboração deste trabalho, em especial aos companheiros da Equipe Editorial da Revista
Arte & Ensaios – PPGAV/EBA/UFRJ.
7

“A imagem é AQUILO QUE PERMANECE”


Edmond Couchot, “Prise de vue, prise de temps”1

1
COUCHOT, Edmond. Les Cahiers de La photographie, nº 8, Paris, 1982, p.108. APUD SOULAGES,
François. Estética da Fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010, p. 125.
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RESUMO

VEIGA NETTO, J. C. O experimentalismo de Luiz Braga: o sentido plástico na


subversão das convenções e do método fotográfico. /Joaquim Cesar da Veiga Netto.
Orientação Acadêmica: Prof.ª Dra. Maria Luisa Luz Tavora. PPGAV/ EBA/ UFRJ, Rio
de Janeiro. RJ, 2013.

A pesquisa foi construída a partir de um recorte que apreciou determinadas fotos de


autoria do artista brasileiro Luiz Braga. As imagens foram produzidas entre os anos de
1976 (Série Solitude) a 2012 (Série Night Visions). O objetivo deste trabalho é analisar
a relação e o entrecruzamento de suas fotografias com questões do universo das artes
visuais. O percurso tomou como eixo o experimentalismo desenvolvido por esse
fotógrafo, por meio da subversão das convenções e do método fotográfico, em
momentos distintos de sua produção. O estudo sinaliza a aparência compositiva dessas
fotos em diálogo com o campo da pintura, gravura, escultura e cinema. Procura entender
a visualidade amazônica como o mote de sua poética, que flerta com uma visibilidade
marcada por outras formas de representação situadas na história da arte. O texto
proporciona uma observação de oitenta fotografias de autoria desse artista, e discussões
sobre temas de dimensão histórica, estética e crítica. Apresenta como parâmetro o
contexto da fotografia contemporânea brasileira em diálogo com a produção artística
internacional.

Palavras – Chave: fotografia contemporânea; experimentalismo fotográfico; visualidade


amazônica; artes visuais; Luiz Braga.
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ABSTRACT

VEIGA NETTO, J. C. The experimentalism of Luiz Braga: the plastic meaning in the
subversion of the conventions and of the photographic method. /Joaquim Cesar da
Veiga Netto. Academic tutoring: PhD Prof. Maria Luisa Luz Tavora. PPGAV/ EBA/
UFRJ, Rio de Janeiro. RJ, 2013.

The research was constructed based upon a delimitation that took into consideration a
group of photographs authored by the Brazilian artist Luiz Braga. The images were
produced between the years 1976 (Series Solitude) and 2012 (Series Night Visions).
The goal of this work is to analyze the relation of his photographs with questions that
belong to the visual art’s universe. The trajectory took the experimentalism developed
by this photographer at different moments of his production as a guideline. The study
points the compositive similarity of these photographs in dialog with the fields of
painting, engraving, sculpture and cinema. It attempts to understand the Amazonic
visuality as the motto of his poetic, that establishes an interaction with a visibility
characterized by other representational forms of the History of Art. The text provides
analyses of eighty photographs authored by this artist and discusses themes of historical,
aesthetical and critical dimension. It takes the context of Brazilian contemporary
photography in dialog with the international artistic production as a parameter.

Keywords: contemporary photography; photographic experimentalism; Amazonic


visuality; Visual Arts; Luiz Braga.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. O OLHAR AMAZÔNICO DE LUIZ BRAGA: A CONSTRUÇÃO DO


SENTIDO PLÁSTICO DA IMAGEM.

Ilustração 01 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Carvoeiro”, 1985........................................30


Ilustração 02 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Rosa no arraial”, 1990................................31
Ilustração 03 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Troncos no Xingu”, 2009...........................32
Ilustração 04- JOSÉ VEIGA SANTOS. Pintura “Ver-o-Peso”,
1964.............................35
Ilustração 05 - PORFÍRIO DA ROCHA, Fotografia s/t, década de 1950-60.................35
Ilustração 06 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Árvore em Mosqueiro”, 1991....................36
Ilustração 07 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Descansando sobre sacos”, 1985...............37
Ilustração 08 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Vendedor de balões”, 1990........................37
Ilustração 09 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Simone e balança”, 1992............................41
Ilustração 10 - NADAR. Fotografia “Sarah Bernhardt”, 1860........................................41
Ilustração 11 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Oleiro”, 1978..............................................42
Ilustração 12 - MARGARET CAMERON. Fotografia “Lago”, 1867............................42
Ilustração 13 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Cortador de bacuri”, 1985..........................43
Ilustração 14 - PAUL STRAND. Fotografia “Solomon Gabrah”, 1963.........................43
Ilustração 15 - ELAINE BAYMA, Fotografia “Luiz Braga”, s/d...................................49
Ilustração 16 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Oscar - Foto Hollywood”, s/d....................51
Ilustração 17 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Internos do H. Juliano Moreira”, 1969......51
Ilustração 18 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Carregador do porto do sal”, 1985.............53
Ilustração 19 - PABLO PICASSO Pintura “Arlequim”, Sem data.................................55
Ilustração 20 - LUIZ BRAGA. Fotografia “No barbeiro em Abaetetuba”, 1992...........56
Ilustração 21 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Meninos no chafariz”, 1986.......................59
Ilustração 22 – LUIZ BRAGA Fotografia “Natal”, 1985...............................................63
Ilustração 23 – LUIZ BRAGA Fotografia “Carinho no balcão”, 1994...........................66
Ilustração 24 - PAUL GUIGOU. Pintura “Lavadeira”, 1860..........................................67
Ilustração 25 - FRÉDÉRIC BAZILLE. Pintura “O Vestido cor de Rosa”, 1864............67
Ilustração 26 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Rosa”, 1990................................................69
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Ilustração 27 – LUIZ BRAGA. Fotografia “Vaqueiro Marajoara”, 1984.......................72


Ilustração 28 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Dormitório Antônio Lemos”, 2000............73
Ilustração 29 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Serra dos Carajás”, 1992............................74
Ilustração 30 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Xícaras da felicidade”, 1999......................80
Ilustração 31 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Cadeiras”, 1976..........................................81
Ilustração 32 - THOMAS FARKAS. Fotografia “Telhas”, 1947....................................81
Ilustração 33 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Ferro”, 2000...............................................83
Ilustração 34 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Máquina de costura”, 1982........................84
Ilustração 35 - GABRIEL OROZCO. Fotografia “Sopro no piano”, 1993.....................85
Ilustração 36 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Centro de mesa e crochê”, 1999................87
Ilustração 37 - BOSSCHAERT. Pintura “O velho: Buquê em janela arqueada” 1620...88
Ilustração 38 - PAUL CEZANNE. Pintura “Natureza-morta com Sopeira”, 1877.........89
Ilustração 39 - WILLEM KALL. Pintura “Natureza-morta com taça Nautilus e tigela”,
1962.................................................................................................................................91
Ilustração 40 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Sofá”, 2002.....................................................................92
Ilustração 41 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Mosquiteiro”, 1998....................................93

2. A CONDIÇÃO DO OLHAR DE LUIZ BRAGA: AS CORES E NUANCES DA


VISUALIDADE POPULAR.

Ilustração 42 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Papagaios Amarelos”, 1983.......................99


Ilustração 43 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Papagaio Azul”, 1983..............................100
Ilustração 44 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Bilharito”, 1983........................................100
Ilustração 45 - EMMANUEL NASSAR. Fotografia “Carrinho”, 2000........................102
Ilustração 46 - EMMANUEL NASSAR. Fotografia “Bandeira”, 2000........................103
Ilustração 47 - EMMANUEL NASSAR. Fotografia “Barco Branco”, 2010................104
Ilustração 48 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Cadeado”, 1983........................................107
Ilustração 49 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Janela Azul”, 1983...................................107
Ilustração 50 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Barco dos Milagres”, 1985......................108
Ilustração 51 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Tábua de pirulitos”, 1983.........................108
Ilustração 52 - GERALDO DE BARROS. Fotografia “Fotoformas”, 1950.................110
Ilustração 53 - GERALDO DE BARROS. Fotografia Sem título, 1951......................111
Ilustração 54 - CÁSSIO VASCONCELLOS. Fotografia Sem título, 1985..................111
12

Ilustração 55 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Tajás”, 1988.............................................114


Ilustração 56 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Menino com Papagaio”, 1986..................114
Ilustração 57 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Babá Patchouli”, 1989.............................116
Ilustração 58 - LUIZ BRAGA. Fotografia “A Preferida”, 1988...................................122
Ilustração 59 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Meninos e Açaí”, 1991............................123
Ilustração 60 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Barqueiro”, 1992......................................123
Ilustração 61 - MIGUEL RIO BRANCO. Fotografia “Vermelho, Azul e
Verde”,1994...................................................................................................................124
Ilustração 62 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Parque”,1990............................................125
Ilustração 63 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Bar Azul”, 1996.......................................125
Ilustração 64 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Ponta D`Areia”,1992................................129
Ilustração 65 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Porto Pureza”,1988..................................130
Ilustração 66 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Barco Iluminado”, 1992...........................130
Ilustração 67 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Chuva”, 1985...........................................132
Ilustração 68 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Banhista”, 1996........................................137
Ilustração 69 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Rapaz e cão em Carananduba”, 1991.......139
Ilustração 70 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Vendedor de Amendoim”, 1990..............140
Ilustração 71 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Uyandara”, 1991......................................142
Ilustração 72 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Menina em Verde”, 2003.........................142
Ilustração 73 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Carregador Noturno”, 2007.....................145
Ilustração 74 - LUIZ BRAGA. Fotografia “João silhueta e bandeira”, 2001...............150
Ilustração 75 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Puxador de Carro”, 2002..........................150
Ilustração 76 - LUIZ BRAGA Fotografia “Barracão Laranja”, 1990...........................151
Ilustração 77 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Lona Azul”, 1991.....................................152
Ilustração 78 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Chuva no Ver-o-Peso”, 2008...................153
Ilustração 79 - JOEL MEYEROWITZ. Fotografia “Provincitown”, 1977/85..............154
Ilustração 80 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Porto Grande Noturno”, 2008..................155
Ilustração 81 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Corvina Salinas”, 2008............................156

3. A AMAZÔNIA INVISÍVEL DE LUIZ BRAGA: AS NIGTH VISIONS E O


ASPECTO HIBRÍDO DA IMAGEM.

Ilustração 82 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Árvore no Tapajós”, 2007........................160


13

Ilustração 83 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Igarapé do Macaco”, 2009.......................161


Ilustração 84 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Igapó”, 2010.............................................162
Ilustração 85 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Ajuruteua”, 2011......................................162
Ilustração 86 - Processo de produção das fotos do projeto Verde – Noite, 11 raios na
Estrada Nova..................................................................................................................163
Ilustração 87 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Fonte Lua de Prata”, 2007.......................175
Ilustração 88 - HIPPOLYTE BAYARD. Fotografia “O Afogado”, 1840....................178
Ilustração 89 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Fé em Deus”, 2006...................................181
Ilustração 90 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Meninos na Bicicleta”, 2009....................184
Ilustração 91 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Lavadeira no Xumucuí”, 2011.................187
Ilustração 92 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Procissão no Caraparú”, 2010..................188
Ilustração 93 - Fotografia do Círio no Rio Caraparú, Santa Isabel – PA, 2012............188
Ilustração 94 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Sombrinha”, 2010....................................190
Ilustração 95 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Sombrinha estampada e anjos”, 1999......190
Ilustração 96 - CLAUDE MONET. Pintura “Mulher com sombrinha”, 1875..............191
Ilustração 97 - GUSTAVE CAILLEBOTTE. Pintura “Rua de Paris”, 1877................191
Ilustração 98 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Sacos”, 2010............................................193
Ilustração 99 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Trapiche”, 2010........................................194
Ilustração 100 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Cestos”, 2010.........................................196
Ilustração 101 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Curuçá”, 2009........................................199
Ilustração 102 - Fotografia do Bloco Pretinhos do Mangue – PA, 2013.......................200
Ilustração 103 - Fotografia do Bloco Pretinhos do Mangue – PA, 2013.......................200
Ilustração 104 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Promesseiros”, 2006..............................203
Ilustração 105 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Roda Gigante”, 2011..............................211
Ilustração 106 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Canoa em Porto de Minas”, 2012..........212
Ilustração 107 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Casa e Barco no Combú”, 2007.............214
Ilustração 108 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Rio Guamá”, 2007.................................214
Ilustração 109 - LUIZ BRAGA. Fotografia “Santa Monica”, 2012..............................216
14

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................15

1. O OLHAR AMAZÔNICO DE LUIZ BRAGA: A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO


PLÁSTICO DA IMAGEM.

1.1 A Emergência da Lógica Formal: o universo de múltiplas referências e o ‘straight


photography’...................................................................................................................28

1.2 A fotografia de cunho “antropológico/documental”: a imagem cogita o referente


amazônico........................................................................................................................48

1.3 A imagem além do referente: a fotografia deixa transparecer mais do que


lembranças do lugar.........................................................................................................75

2. A CONDIÇÃO DO OLHAR DE LUIZ BRAGA: AS CORES E NUANCES DA


VISUALIDADE POPULAR.

2.1 Encontrando a cor: a dimensão poética da geometria e do colorido nas periferias de


Belém...............................................................................................................................95

2.2 Explorando a cor: o jogo da ressignificação dos erros na construção do repertório


fotográfico.....................................................................................................................116

2.3 Atualizando a cor: a imagem como ponte entre o cultural e o pessoal na aparência
pictórica.........................................................................................................................136

3. A AMAZÔNIA INVISÍVEL DE LUIZ BRAGA: AS NIGHT VISIONS E O


ASPECTO HÍBRIDO DA IMAGEM.

3.1 O experimentalismo buscando outra visualidade....................................................158


3.2 O aspecto ficcional e a desnaturalização do referente amazônico...........................181
3.3 As articulações do processo da Night Visions.........................................................204

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................218
5.BIBLIOGRAFIA......................................................................................................226
6. ANEXOS...................................................................................................................232
15

INTRODUÇÃO

Luiz Braga (1956)2 é um fotógrafo brasileiro. Vive na cidade de Belém, no estado do


Pará, cercado pela floresta amazônica - região norte do Brasil. No entanto, em seu
trabalho a floresta pouco aparece. Na maioria das suas séries fotográficas, ele retrata o
habitante da região e seus rastros impressos nas áreas ribeirinhas de suas cidades. Esses
são os elementos que inspiraram o fotógrafo a construir imagens, ora em preto e branco,
ora em cores, e mais recentemente com a tecnologia do infravermelho. Nesse percurso,
de aproximadamente 30 anos, ele tem trilhado como um aprendiz da luz equatorial.

A visualidade amazônica tem sido o mote da sua produção, que nos anos 80 se
transforma no principal alicerce a partir do qual ele projetará suas fotos nas décadas
seguintes. Com a experiência da fotografia digital, abriu-se uma nova janela da
paisagem amazônica na sua produção. As possibilidades técnicas constitui-se numa
outra maneira de ver o mundo – a paisagem amazônica torna-se uma projeção ficcional
– a imagem tomada, simultaneamente, apresenta-se como transparente e opaca. Assim,
desde 2004 ele vem pesquisando a captura digital e, entre as possibilidades criativas,
optou por um viés raramente utilizado na criação artística fotográfica – a visão noturna,
ou night vision – recurso de origem militar. Dessa maneira, a produção mais recente traz
imagens de uma Amazônia invisível a olho nu.

Nesse contexto, a pesquisa que apresentamos, foi construída a partir de um recorte


generoso que tomam algumas fotografias produzidas entre os anos de 1976 (Série

2
O fotógrafo Luiz Otávio Salameh Braga é belenense e iniciou sua carreira na fotografia aos 11 anos. Em
1975, ele inicia a trajetória profissional nas áreas do retrato e da publicidade. Ingressa na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde se forma em 1983. Atuou como colaborador
no Jornal O Estado do Pará, em 1978, onde cria o tabloide Zeppelin, no qual exerce as funções de editor
e fotógrafo até 1980. Em 1979, Luiz Braga realiza sua primeira mostra individual, I Portfólio, com
retratos, cenas de rua e de trabalhadores ribeirinhos em preto-e-branco. Integra o projeto Visualidade
Popular na Amazônia, promovido pela Fundação Nacional de Arte – FUNARTE/RJ, em 1982. Em 2009,
expôs no Pavilhão Brasileiro da 53a Bienal de Veneza, no período de 04 de Junho a 22 de novembro. Suas
fotografias compõem coleções importantes como a do Museu de Arte de São Paulo, Museu de Arte
Moderna de São Paulo, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Casa das Onze Janelas em Belém-PA,
Museu de Arte Contemporânea da USP, Centro Português de Fotografia, entre outras instituições no
Brasil e no exterior.
16

Solitude) a 2012 (Série Night Visions). Vamos analisar a relação entre fotografia e o
universo das artes visuais - pintura, gravura, escultura e cinema -, presente na poética de
Luiz Braga, a partir de algumas questões de dimensão histórica, estética e crítica. O
estudo tem como parâmetro o contexto da fotografia contemporânea brasileira em
diálogo com a produção artística internacional.

Diante da vasta produção de Luiz Braga e das múltiplas questões que envolvem o seu
trabalho, procuramos delimitar o campo de estudo a partir do seguinte problema: como
se desenvolve a relação entre fotografia e as artes visuais em sua produção? Em outras
palavras, no contexto da fotografia contemporânea brasileira e, especificamente, da
fotografia de Luiz Braga, como se estabelecem certas ressonâncias próprias, ou
próximas dos campos da pintura, gravura, escultura e cinema? Nesse rumo reflexivo,
tomamos três hipóteses como eixos de um panorama elucidativo.

Observamos que a relação entre fotografia e o universo das artes visuais presente nas
imagens de Luiz Braga, tem como base um olhar amazônico repleto de afetos pela
região e seus habitantes. Dessa maneira, a visualidade do lugar impulsionou suas
pesquisas sobre as cores, a luz e a fisionomia amazônica que foi moldando a dimensão
artística dessas fotos - o sentido plástico de sua poética.

Quanto ao trabalho em preto e branco, ele valorizou o habitante da região e certifica a


sua existência no seu universo. Com essas fotos ele investe o seu esforço numa refinada
pesquisa da luz, e passa a valorizar o referente amazônico através de seus personagens,
cuja identidade do caboclo é ressaltada no ambiente ribeirinho ou amazônico, com
corpos que ganham a dimensão de “esculturas”. Esses trabalhos jogam com a
ambiguidade das semelhanças e as instabilidade das dessemelhanças, ou seja, a partir
das escolhas dos gestos, dos personagens e do enquadramento ele opera uma
redisposição do local, um rearranjo singular das imagens circundantes.

Os seus estudos fotográficos também buscam explorar as cores, as luzes e os signos da


região. A cor ganha uma dimensão plástica que dialoga com a pintura pela aparência
das imagens. Ele explora a temperatura das cores e o seu experimentalismo vai
ampliando-se na busca de outras possibilidades de olhar os referentes amazônicos – “um
17

olhar documental mais expressivo e uma nova atitude experimental.” 3


Ele passa a
transitar entre a imagem nua (documental), a imagem ostensiva (expressiva) e a imagem
metamórfica (joga com a subversão das convenções e do método fotográfico). Nesse
sentido, tomamos a ideia de Jacques Rancière4 para melhor entender as manobras das
fotografias coloridas de Luiz Braga.

Entendemos ainda que o experimentalismo de Luiz Braga encontra-se com outra


visualidade advinda da tecnologia digital. Subvertendo o uso do infravermelho, o
referente amazônico passa a ser uma projeção de cunho ficcional, que subverte a
aparência do lugar, tão comentada pela crítica de arte como a base poética de suas séries
nas décadas de 1980 - 1990. Com esse outro olhar, suas fotos monocromáticas passam a
dialogar com a tradição da gravura. As imagens trazem a transparência e opacidade –
conjugam uma aparência mais ou menos abstrata com formas individualizadas pela
visibilidade. Essa fase da sua produção, ou essa manobra do seu vocabulário imagético,
passa a dar testemunho de uma Amazônia inapresentável que desampara o pensamento,
ou seja, o estereótipo que o espectador espera da paisagem amazônica. As imagens
passam a inscrever o choque do sensível e testemunham o distanciamento do real. Nesse
caminho, o seu olhar vai incorporando, também, elementos peculiares ao campo do
cinema – planos de ambientação, enquadramento e plano geral.

Historicamente, uma atitude/desejo presente nos fotógrafos brasileiros da década de


1980-1990 5, reivindica igualar a liberdade artística e criadora do fazer fotográfico à
suposta liberdade presente na prática dos artistas visuais, em especial o fazer do pintor.
Desta forma, a plasticidade das fotografias vai se estabelecendo por meio de um
exercício de liberdade de experimentação, no qual os fotógrafos buscam conhecimentos
estéticos no campo da pintura e diálogos com a história da arte em diversos níveis
poéticos6. O exercício de liberdade e experimentação vai sendo construído num

3
Rubens Fernades Jr. Labirintos e identidades: panorama da fotografia no Brasil – 1946 – 1998. São
Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 140.
4
Jacques Rancière. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, p. 32-41.
5
(1980) Juca Martins, Nair Benedicto, Mario Cravo Neto, Antônio Saggese, Miguel Rio Branco,
Araquem Alcântara, Pedro Vasquez, Marcos Santilli, Kenji Ota, Luiz Carlos Felizando, Sebastião
Salgado, Cristiano Mascaro, Arnaldo Pappalardo, Carlos Fadow Vicente; (1990) Ed Vigiani, Rubens
Mano, Elza Lima, Cássio Vasconcelos, Celso Oliveira, Valdir Cruz, Gal Oppido, Tiago Santana,
Eustáquio Neves, Luiz Braga, entro outros nomes, também, expressivos que não foram incluídos nesse
recorte.
6
Assim, ao intervirem na imagem fotográfica, Luiz Braga e seus contemporâneos, experimentam
18

percurso histórico, que pode ser revisado a partir de uma nova atitude experimental de
uma olhar documental mais expressivo.

Ressaltamos que nas fotografias de Luiz Braga a correspondência com as artes visuais,
especificamente a pintura, evidencia-se na articulação do conjunto das estruturas que ela
comporta (elementos formais das artes visuais: cores, luzes, materiais, técnica) e a
relação com a história da arte – base da formação do seu olhar. Esta articulação entre os
elementos formais das artes visuais e a relação com a história da arte, em seu projeto
imagético, funcionam como indícios na construção de um sistema de correspondências
com a pintura e com outras linguagens como possibilidade de construção da sua
linguagem fotográfica, ora evidenciando a sedução antropológica do registro
documental da cultura e da geografia, ora cogitando o referente amazônico.

A produção fotográfica de Luiz Braga tem sido alvo de significativas discussões no


campo da crítica de arte nacional e internacional. A explosão de cores, a granulação da
imagem e os ângulos inéditos recolocam o problema da relação entre a fotografia e as
artes visuais. Assim, o título deste trabalho: “O Experimentalismo de Luiz Braga: o
sentido plástico da subversão das convenções e do método fotográfico”, localiza-se num
momento que consideramos significativo para o campo da fotografia, quando o mundo
da arte acolhe com magnitude os novos experimentos, e os fotógrafos consideram as
galerias e os livros de arte como espaços apropriados para exporem os seus trabalhos.

No decorrer do desenvolvimento deste trabalho o nosso esforço estará voltado para as


fotografias de Luiz Braga, contudo, é importante apresentar nesta introdução algumas
questões, mesmo que de forma superficial. Assim, é conveniente perceber que essas
conquistas do campo da fotografia sempre estiveram conjugadas a um processo
ideologizado, no qual as artes visuais, e em especial a pintura, sempre estiveram imersas
– daí suas múltiplas analogias, ora por semelhanças, ora por diferenças das
peculiaridades técnicas e sintáticas. Num campo mais amplo, a reflexão sobre a relação
pintura e fotografia tem se dado em diferentes ocasiões. Isso é importante porque tal

múltiplas possibilidades de uso das câmeras e processos de impressão. Subvertem a normatização dos
equipamentos e materiais, e criam novas possibilidades de imagens. As novas imagens ultrapassam a
semelhança e a presença do real. Neste sentido, a fotografia produzida passa a trazer referências poéticas
que sinalizam para o campo da pintura e de outros campos das artes visuais, algumas vezes de forma
consciente, em outras como consequência da articulação dos elementos compositivos na imagem.
19

relação ganhará destaque na análise de muitas fotos de Luiz Braga, mesmo que a nossa
discussão seja mais ampla e atravesse o campo das artes visuais. Neste sentido, vale
lembrar, por exemplo, que as raízes desta relação da fotografia com a pintura remontam
ao Renascimento, ao momento específico em que a obra é considerada a representação
direta e fiel de um objeto natural, quando passamos a observar instrumentos óticos
usados pelos artistas: máquinas para desenhar, câmara clara, câmara escura e espelhos,
que são, também, sinais de um elo crescente entre arte e ciência. Nesta perspectiva,
Fabris diz:

A automatização dos processos de criação e reprodução da


imagem remonta ao século XV quando se institui a perspectiva
de projeção central. Para tornar sua representação perfeita são
usados vários dispositivos técnicos que conferem uma dupla
dimensão ao trabalho do artista. Este é simultaneamente
mecânico e não mecânico. É mecânico no momento em que são
usados os instrumentos automáticos para desenhar e definir uma
parte da composição. Não mecânico no momento em que o
artista elabora a história, que exige a expressão da beleza em
sua diversidade harmônica e a escolha e combinação dos
modelos. 7

Podemos afirmar que a relação entre os campos da visibilidade da fotografia e da artes


visuais - como a pintura, tem sua gênese na história da arte. Este fato tem impulsionado
análises reflexivas de historiadores e críticos de arte, como Heinrich Schwarz (1931),
que é o primeiro historiador de arte a dedicar uma monografia acadêmica a um
fotógrafo (David Octavius Hill – pintor e fotógrafo)8. Neste trabalho, Schwarz passa em
revista os instrumentos óticos usados pelos artistas. E não faltam exemplos de artistas
que lançaram mão de tais recursos: Dürer (máquina para desenhar), Beich, Van Loo,
Canaletto, Guardi, Crespi, Vernet, Liotard, Vermeer, Van Der Heyden, Reynolds
(câmera escura).

A relação entre fotografia e pintura, num primeiro momento, é vista como uma forma de
ancorar a imagem fotográfica nos princípios da estética, buscando firmar o estatuto de
arte à imagem fotográfica como no caso do pictorialismo do início do século XX. No
movimento pictorialista a relação entre teoria e técnica tornou-se o eixo das novas
experimentações, pois mostrava uma posição renovadora sem afastar a fotografia do

7
Annateresa Fabris. Uma outra história? A different history of art. In Locus: Revista de História, Juiz de
Fora, v. 15, p. 27-41, 2002, p.31)
8
David Octavius Hill, der Meister der Photographie, 1931.
20

ambiente da arte, emulando a pintura. O pictorialista envolveu questões referentes ao


conceito de obra de arte do período como, por exemplo: a busca de uma fotografia
autoral livre do automatismo do olho mecânico e, principalmente, a originalidade da
obra através de sua unicidade.

Mesmo que de forma precária, Giulio Carlos Argan não deixa de tecer algumas
considerações sobre a relação entre fotografia e fontes pictóricas no século XIX. Elogia
a atitude de Nadar - fotógrafo francês -, quando diz: “Desde meados do século XIX,
existem personalidades fotográficas (por exemplo, Nadar), da mesma forma que existem
personalidades artísticas.”9 Argan é consciente das diferenças estruturais que existiam
entre as duas técnicas. É, contudo, severo com os fotógrafos “artísticos”, que buscavam
a artisticidade da fotografia em recursos pictóricos, esquecidos que o valor estético
reside nos aspectos intrínsecos da própria técnica fotográfica. Isto é, a fotografia, ao
longo do século XIX, irá frequentemente escamotear suas qualidades fundamentais,
tentando imitar a pintura inclusive no campo da alegoria, sem perceber que a nova
técnica apontava para a nova forma de olhar e dar a ver o mundo. Essas considerações
de Argan serviram como provocação para o aprofundamento de questões do campo
histórico, no presente trabalho.

Em 1886, com as contribuições do fotógrafo inglês Peter Henry Emerson, passa a existir
uma nova voz no debate sobre o caráter artístico da fotografia, isto é, uma tensa
discussão entre os fotógrafos admiradores da imagem naturalista/realista e os fotógrafos
adeptos da “fotografia artística”, que se opunham à verdade documental, derivada da
mecânica, da nitidez, da inumanidade e da objetividade do procedimento. Eles
defendem um regime de verdade baseado no indistinto, na interpretação, na
subjetividade, na arte. Assim, as intervenções no registro fotográfico por meio de
técnicas pictóricas foram amplamente realizadas numa tentativa de adaptar o meio às
concepções clássicas de arte, no que ficou conhecido como pictorialismo. Nesse trajeto,
algumas décadas mais tarde, os anos 1940 tornam-se um momento de virada no que diz
respeito à construção de uma estética moderna na fotografia brasileira e internacional.
Na década de 1950, outra discussão se afirma trazendo na pauta o embate entre

9
Giulio Carlos Argan. Arte moderna. São Paulo: Companhia da Letras, 1992, p. 79.
21

fotografia figurativa e fotografia abstrata, onde podemos encontrar as fotoformas,


fotomontagens, entre outras maneiras de experimentação.

Com base num experimentalismo cada vez mais significativo na contemporaneidade, a


fotografia incorpora referências, transferências, cocriações e diálogos com as artes
visuais – a pintura, a escultura, a gravura, o cinema, dentre outras modalidades. A
atitude de alguns fotógrafos buscará, cada vez mais, uma maior liberdade de
experimentação na construção do visível. Assim, ousam subverter as normas da câmera
e exploram as mais diferentes impressões (impressão em tinta pigmentada sobre papel
algodão, impressão lambda, impressão sobre vinil, revelação cromogênea, copia
cibacrome, painted photograph etc.).

Na contemporaneidade, diferentemente do século XIX, os fotógrafos não buscam


“emular” a pintura ou qualquer outra modalidade das artes visuais, mas “discutir” as
possíveis relações entre as diversas modalidades das artes visuais - imersas no mesmo
sistema ideológico e com múltiplas analogias e diferenças. Isto é, sem negar as
especificidades da técnica, eles trazem ao mesmo tempo a problemática do
deslocamento dos elementos dos campos da pintura, da escultura, da gravura, do
desenho e do cinema – o inacabável se concretiza na subversão das normas, na
experimentação e nas relações recíprocas.

Nesse contexto, o nosso objetivo nesta tese “O Experimentalismo de Luiz Braga: o


sentido plástico da subversão das convenções e do método fotográfico” é analisar a
relação entre a fotografia e as artes visuais presente nos trabalhos deste fotógrafo, em
diversos níveis. A nossa empreitada buscará construir um panorama da sua produção,
considerando o espectro das motivações e expressões que ecoam das suas obras, bem
como, os diálogos com a produção dos seus contemporâneos.

É importante observar que a base da relação entre fotografia e as distintas modalidades


das artes visuais, presente tanto nos trabalhos de Luiz Braga, como de outros fotógrafos
contemporâneos, encontra-se nas semelhanças e correspondências possíveis no campo
da visibilidade10. Envolve questões do campo da percepção e do campo da ilusão. Em

10
O conceito de visibilidade será usado no decorrer do trabalho para identificar a relação de algumas
fotografias com aspectos inerentes aos movimentos de vanguarda, considerando o curso de uma
22

outras palavras, a ideia de visibilidade apresentada no decorrer do nosso estudo,


sustenta-se na realidade vista, ou materializada segundo um conjunto de intenções do
fotógrafo e nas múltiplas referências na qual a sua visão está imersa - exterior à
estrutura da imagem na maioria das vezes. A visibilidade estaria aferida pela articulação
de um conjunto que abarca a prática e a percepção - onde inclui-se a riqueza e a finura
das estruturas que esse conjunto comporta: os fundamentos, a exploração dos elementos
formais, a organização do espaço a partir da atitude criadora, e a subversão das
convenções e do método fotográfico.

O desenvolvimento desta tese está estruturado em três capítulos, que dividem a


produção fotográfica de Luiz Braga em três amplos momentos: fotografias em preto e
branco, coloridas e as fotografias com o recurso do infravermelho da câmera digital.
Essa foi uma maneira facilitadora, encontrada para nortear a análise dos estudos
apresentados, considerando os motivos condutores do processo imagético do artista. A
escolha desse percurso fundamentou-se na leitura do texto “o destino das imagens”11.
Procuramos evitar a ideia de categorias que se constituíssem em estilos fechados, ou
formas de abordar temas escolhidos a partir de uma manobra cronológica. A divisão
adotada, a partir dos três capítulos que serão apresentados, é uma possibilidade de
abordar uma produção extensa de quase três décadas.

O primeiro capítulo visa analisar a construção do sentido plástico das fotografias de


Luiz Braga. A influência da visualidade amazônica e da cultura visual do lugar na
emergência da lógica formal das imagens. Apresentaremos um percurso passando pela
fotografia em preto e branco, colorida e com o infravermelho da tecnologia digital.
Deste modo, buscaremos apresentar uma produção que conjuga aspectos da fotografia
moderna - o diálogo com o straight photography -, os aspectos de cunho
antropológico/documental e a potência obtusa de algumas imagens que atestam um
modo singular da presença do sensível – testemunhas de uma copresença originária da
memória que se projeta nas pessoas, nas coisas e nos lugares. Aprofundaremos o estudo
das fotografias em preto e branco, considerando o gênero “retrato”. Assim,

conjuntura histórica.
11
Jacques Rancière. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, p. 9-41. A origem do
texto refere-se a uma conferência proferida pelo filosófo Jacques Rancière no Centre National de La
Photographie, em 31 de Janeiro de 2001. Não é nossa intensão aplicar o sistema de conceitos de Jacques
Rancière, mas tão somente utilizar questões trabalhadas por ele, com o intuito de motivar reflexões sobre
a produção de Luiz Braga. Tal manobra, também será aplicada a outros teóricos de importância nesta tese.
23

levantaremos relações no campo da composição, da história da fotografia, da estética e


da crítica de arte – para melhor compreensão da busca do sentido plástico em suas fotos,
que condensam o “essencial” das qualidades da região e ao mesmo tempo as
transcendem. Vamos entender as fotografias em preto e branco como um momento
emblemático que marca o início da sua carreira, e revelam a capacidade desse artista em
conjugar o modelo e o seu entorno. Finalizando esse primeiro capítulo, o estudo tomará
como objeto sete fotos da Série Solitude – três imagens em preto e branco e quatro
coloridas, fotos estas que permaneceram guardadas por algum tempo, sem ganhar uma
evidência maior no contexto de sua produção. São imagens de coisas ou objetos que
estão marcados pelo afeto e apontam um “outro sentido” e um lugar especial em sua
produção.

O segundo capítulo procura analisar a condição do olhar de Luiz Braga. Traz como
questão significativa o seu carinho pela região e, mais especificamente, o seu encontro
com as cores e nuances da visualidade popular - aproximadamente, em meados da
década de 1970. Contudo, tal motivação estendeu-se ao momento atual e passou a
conjugar diferentes formas de olhar na busca de novas perspectivas poéticas. O estudo
tomou como foco a ocasião específica em que esse fotógrafo é tocado pela visualidade
da periferia da cidade de Belém. Esse período também é abalizado por outros encontros
propulsores na construção de uma poética que o levará a uma fotografia cada vez mais
autoral. Em seguida, procuramos nos aproximar das fotos coloridas da década de 1990 -
momento marcado pela inquietação, no qual ele busca, incessantemente, novas formas e
alfabetos que possibilitem a construção de um jogo poético. Ele opta por um colorismo
que o conduz na construção de um repertório fotográfico. São manobras desenvolvidas
que exploram a temperatura das cores e o filme calibrado em day light. Com essa outra
direção, as suas fotos passam a flertar com uma aparência pictórica no limiar do cultural
e do pessoal. Na análise de sua produção imagética desse período, percebemos uma
aderência simultânea à cultura visual e, ao mesmo tempo, à forma subjetiva de enunciá-
la. Finalizando esse capítulo, o estudo volta-se para um momento mais maduro e
autoral. A análise toma um recorte de sua produção colorida envolvendo imagens de
período de 1990 a 2008. É um tempo razoável e marcado por uma conjuntura de
influências que vão alicerçando sua visão e revelando o fotógrafo comprometido com a
visualidade da região num sentido universal, que será o diferencial da sua maneira de
fotografar.
24

O terceiro capítulo apresentará a ideia de uma Amazônia invisível a olho nu. A partir
das fotografias com infravermelho – as night vision -, procuramos mostrar uma linha
que articula o experimentalismo com a tecnologia digital na busca de uma outra
visualidade com outras questões relacionadas à teoria de uma nova representação, cuja
gênese se encontra na arte moderna e se estende pela contemporaneidade. O aspecto
ficcional dessas imagens gera uma desnaturalização do referente amazônico que desloca
a paisagem daquela região para uma outra maneira de experimentá-la. Inicialmente, a
análise das imagens atinge o exasperado experimentalismo que subverte o uso da
tecnologia, e passa a fotografar sob a luz do dia com um recurso da câmera digital
destinada para fotos noturnas ou em ambientes sem luz. Tomamos como objeto as suas
paisagens monocromáticas que lembram os filmes em preto e branco, mas com “tons
vegetais” - fotos que mostram uma Amazônia misteriosa e protegida por esse olhar
próprio. Na sequência, analisamos um conjunto de cenas que passam por questões
visuais do cinema, da pintura e aproximam-se de campo ficcional. Finalizando o estudo
desse capítulo, a partir dessas fotografias com a tecnologia do infravermelho, tentamos
pensar a questão que passa transversalmente por todas as etapas de sua produção, ou
seja, a necessidade de aproximar essas fotos de um estudo que possa, também, refletir
sobre a ideia de representação. Assim, duas questões tornaram-se importantes: os relatos
de Luiz Braga, quando sinaliza, de forma recorrente, a influência da pintura em sua
formação, e uma abordagem que pudesse sustentar uma “nova teoria da representação”,
que vem se atualizando na produção artística contemporânea. Nessa abordagem, serão
construídas articulações entre as questões apresentadas nos itens anteriores e a produção
das fotos com night vision.

Os três capítulos apresentados neste trabalho estão articulados objetivando analisar a


produção fotográfica de Luiz Braga, através de um recorte generoso que abrange fotos
de 1976 a 2012. A análise envolve questões de dimensão histórica, crítica e estética. O
processo de desenvolvimento contempla um estudo sistemático, tomando um amplo
levantamento de dados que inclui: a localização de acervos, identificação e organização
de informações sobre as fotografias do artista – algumas de sua coleção particular e
outras pertencentes a acervos de instituições. Assim sendo, tomando como objeto a
produção desse fotógrafo, este trabalho almeja a elaboração de uma nova fonte de
estudo sobre a fotografia contemporânea brasileira, sem exaurir as múltiplas
possibilidades de abordagem do tema.
25

O material usado para a construção das análises e, consequentemente, do texto aqui


apresentado, envolve: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo.
A pesquisa bibliográfica trará as bases teórica e historiográfica que possibilitarão a
análise do objeto em questão e inclui: livros, dissertações, teses e artigos científicos. A
partir desta etapa da pesquisa, começamos a delimitar questões que passaram a dialogar
com as oitenta imagens do artista – selecionadas para essa tese. Não utilizo um sistema
conceitual de um autor específico, mas aspectos de alguns conceitos que discorrem de
forma aberta com a ideia de “visibilidade”, “visualidade”, “intencionalidade” e
“fotograficidade”, por exemplo.

O nosso trabalho de pesquisa documental envolveu intensa coleta de informações:


textos críticos publicados em catálogos, periódicos e documentos eletrônicos. Tais
matérias foram buscados em bibliotecas, museus e na internet. As consultas envolveram
as instituições seguintes: Cedoc/Funarte-RJ, MAS/SP, MAM/SP, Museu Vale do Rio
Doce - ES, Casa das Onze Janelas – PA, Galeria Leme – SP, Instituto Moreira Sales –
RJ, Casa da Gávea – RJ, Biblioteca da Casa Daros – RJ, Biblioteca do CCBB – RJ,
Biblioteca Nacional – RJ, a Fototeca do colecionador brasileiro Joaquim Paiva12, acervo
de vídeos do evento MAC Encontra os Artistas/USP, bem como bibliotecas particulares
de curadores.

Foi possível coletar uma grande quantidade de depoimentos do artista e de outros


informantes (pesquisadores, críticos e curadores), que tiveram alguma participação
decisiva em alguns momentos do trabalho deste fotógrafo – como Ângela Magalhães do
Instituto de Nacional de Fotografia (FUNARTE/RJ), que esteve presente na
conceituação e coordenação da Exposição Fotografismo (1985) – momento importante
na produção de Braga.

Com a intenção de pensar as questões presentes no tema - “O Experimentalismo de Luiz


Braga: o sentido plástico da subversão das convenções e do método fotográfico” -
procuramos articular as oitenta imagens selecionadas com o material coletado:

12
Nasceu em Vitória, em 1946. É diplomata, colecionador e fotógrafo. Após comprar uma série de obras
de Diane Arbus, em 1978, deu início a uma coleção de fotografia que hoje é a maior coleção brasileira
privada de fotografia, congregando cerca de 2.200 imagens de 170 fotógrafos brasileiros, bem como 300
imagens de 70 autores estrangeiros. Traduziu a célebre obra de Susan Sontag, Ensaios sobre a
Fotografia, para o português em 1981. (Dados biográficos, segundo PedroVasquez – FUNARTE/Portal
das Artes)
26

depoimentos, textos críticos e ideias estabelecidas nas leituras dos autores estudados.
Tentamos subordinar a base teórica às imagens, e não o contrário. Procuramos alcançar
as contribuições que as ideias do italiano Andrea Bonomi poderiam trazer para pensar a
construção dessas imagens. Contudo, vale ressaltar que outros autores, também
tornaram-se importantes na elaboração deste trabalho, e contribuíram com suas ideias
nas bases teóricas desta pesquisa.

A partir de um denso material procuramos mostrar que, seja pelo enquadramento, ou


pela subversão das convenções e do método fotográfico, ou ainda pela possibilidade
combinatória dos signos imagéticos, tanto nas fotos em preto e branco, nas coloridas e,
mais enfaticamente, nas imagens com infravermelho, Braga gera uma desorientação –
uma experiência do olhar na qual passamos a duvidar, ou a questionar sobre o que está
diante de nós e o que não está.

Nossa experiência visual diante das fotos de Luiz Braga traz uma “inquietante
estranheza”. Procuramos estudar a desorientação proporcionada por essas fotografias,
que implica ao mesmo tempo, numa aproximação das referências da realidade fisgadas
pelo olhar, e num afastamento por serem dilaceradas pelas dúvidas geradas dentro de
nós mesmos – fruto das manobras de seu experimentalismo. Isto é, “em todo caso
perdemos algo aí, em todo caso somos ameaçados pela ausência”13, mas ganhamos algo
que se reafirma a cada olhar. Um limiar se abre na visibilidade mesma da paisagem, das
coisas e dos personagens de seu território do olhar.

Procuramos situar a produção fotográfica de Luiz Braga no contexto da arte


contemporânea brasileira, como uma necessidade mediata na qual vamos observar um
universo amplo que congrega artistas das mais variadas gerações, responsáveis por
obras que vão desde as de raízes eminentemente modernas, até as que rompem com
esses preceitos. Ressaltamos o que o cocurador da 53a Bienal de Veneza afirma, “em um
mundo que tende a ficar cada vez mais homogêneo, é importante apontar para o
pluralismo, com todos os problemas de tradução que o acompanham. ”14

13
Georges Didi-Huberman. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 231.
14
Jochem Volz, A 53a edição do evento terá 90 artistas, além de 77 representações nacionais. Folha de
São Paulo, Ilustrada E11, 4 de junho de 2009.
27

Destacamos que esta pesquisa é a primeira tese acadêmica sobre a produção deste
artista, cuja relevância do tema reside, principalmente, no estímulo às novas perspectivas
para a historiografia da arte brasileira contemporânea, tendo como foco o significado
nacional e internacional conquistado por sua produção fotográfica, quando muitas
constatações relevantes são evidenciadas por historiadores, críticos e curadores de arte.
28

CAPÍTULO I

1. O OLHAR AMAZÔNICO DE LUIZ BRAGA: A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO


PLÁSTICO DA IMAGEM.

1.1 A Emergência da lógica formal: o universo de múltiplas referências e o ‘straight


photography’:

O fotógrafo brasileiro Luiz Braga (1956) nasceu na cidade de Belém, capital do Estado
do Pará, situada na área da floresta equatorial – local sedutor para o olhar do visitante de
fora, onde tudo é úmido, brilhante, colorido, perfumado, forte e quente. Neste cenário, o
“olhar fotográfico” de Braga inicia o seu percurso pelo cotidiano brasileiro, onde busca
os gestos do imaginário e os rastros estéticos da “visualidade amazônica”, ou da
“visualidade na Amazônia” 15
. Ele formula estratégias para capturar, com seu olhar
refinado, a beleza, os valores, os prazeres e os gostos dos habitantes da região e aqueles
lugares. Mais do que lugares, mais do que modelos, os referentes amazônicos são
índices de brasilidade explícita numa cultura latino-americana, que encantam o “olhar”
de Luiz Braga desde sempre.

A emergência da lógica formal de suas fotos situa-se num universo que envolve
múltiplas referências e, em especial, o ‘straight photography’ – significativo na
construção da base poética dos seus trabalhos. Neste trânsito, podemos entender a
fotografia, também, como uma unidade repleta de um potencial de comunicação visual.
Ou seja, as fotos trazem enunciados com limites internos – criados pela forma e
“estilo”; e fronteiras estabelecidas pelos discursos, ora plasmado pelo artista nas
imagens, ora como resposta do observador – ambos cumprem uma série de expectativas
formais e conceituais e rompem com outras. Dito de outro modo, a produção imagética

15
O termo “visualidade na Amazônia” foi utilizado por Osmar Pinheiro na conferência apresentada em
1984, no “1° Seminário sobre as Artes Visuais na Amazônia”. O texto do autor tem como título “A
Visualidade Amazônica”. Pinheiro diz: “Preferimos ao invés de Visualidade Amazônica adotar o termo
Visualidade na Amazônia, uma vez que o nosso espaço de observação é bastante restrito diante das
dimensões e variedade de uma região pluri-cultural e pluri-étnica. De resto seria pretensioso e autoritário
fazer uma generalização globalizante”. O Seminário foi um evento paralelo ao 7° Salão de Artes Plásticas
(1984-Manaus). As conferências foram publicadas no livro As Artes Visuais na Amazônia – Reflexões
sobre uma visualidade regional – FUNARTE/SEMEC – Belém – PA, coordenado por Sérgio Vieira
Cardoso – Coordenador de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do
Amazonas.
29

de Luiz Braga adere-se a uma cultura visual, e ao mesmo tempo a uma forma subjetiva
de enunciá-la. Desta maneira, seus trabalhos expressam influências de um legado visual
e elaborações diversas das quais derivam. A lógica formal das imagens fundamenta-se
em suas características específicas, presentes nas fotografias em preto e branco,
coloridas e night vision, - nossos objetos de análise nesta tese.

Na sequência, vale evidenciar que o nosso estudo se inscreve numa proposta, onde a
ideia de fotografia sugere que o artista elege um gênero fotográfico e expressa sentidos
mediante um “estilo” – uma maneira própria que se expande em suas pesquisas. Melhor
dizendo, os interesses de sua poética, plasmados em sua produção, articulam de maneira
peculiar questões subjetivas e uma herança comum – modernista -, presente no difuso
cenário da fotografia brasileira. Isto significa dizer que Braga enfrenta o campo da
experimentação imagética com intensa pesquisa. Busca o refinamento técnico, a
atualização dos valores compositivos, e a ressignificação das conquistas e dos eventuais
fracassos.

Neste sentido, este fotógrafo amplia e reposiciona em seus trabalhos uma grande
tradição e outras influências relacionadas à complexa cultura visual, onde foi formando
as bases de sua poética. Assim, ele vai construindo o “roteiro de luz”16 por onde
percorrerá com o seu olhar atento. No percurso, ele se encontra com o dia-a-dia da
região. A partir de elementos identificadores de um “lugar”17 – concepção geográfica
sinalizadora de uma memória visual -, Braga amplia a ideia inicial de visualidade
amazônica e incorpora um espaço impreciso em seus limites, no qual, muitas vezes, a
fronteira se torna um curioso paradoxo na interpretação destas fotografias como
unidades de comunicação visual.

A lógica formal de suas imagens desponta-se ora nas fotografias em preto e branco
(Ilustração 01), ora naquelas com cores intensas, que problematizam a relação entre a
imagem e o seu referente (Ilustração 02), e ainda, suas experiências com infravermelho

16
Expressão usada pelo curador Paulo Herkenhoff, no texto do Catálogo da Exposição “LUIZ BRAGA -
Território do Olhar”. Museu Vale do Rio Doce – 07 de julho a 11 de setembro de 2005 – Vitória –
Espírito Santo. O termo coloca em evidência a refinada pesquisa de luz, que Luiz Braga toma como
caminho no seu projeto imagético.
17
A visualidade amazônica com a conotação poética do espaço íntimo do artista, que se desloca para um
território, muitas vezes, “vago”, ou misterioso.
30

de uma câmera digital (night vision) (Ilustração 03), que será o nosso objeto de análise
no terceiro capítulo deste trabalho.

Ilustração 01: LUIZ BRAGA. Carvoeiro, 1985.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxilex.
Coleção do Artista.

Nos seus primeiros ensaios fotográficos, no início de sua carreira, predominava a


imagem em preto e branco, com a qual Braga explora a ambiência amazônica e insere o
habitante daquela região no seu espaço. O homem amazônico é o centro de valorização
nestas imagens. São fotos que possuem um acento mais comovente – sinalizador dos
vestígios da retórica do fotojornalismo, que preservava o heroismo das condições de
vida da população pobre do país. Tal retórica, encontra-se visível nas imagens de
fotógrafos como Jean Manzon, Marcel Gautherot e Pierre Verger. Mas, por sua vez,
também, remonta às pinturas emblemáticas do modernismo brasileiro como as dos
pintores Di Cavalcanti, Candido Portinari, Lasar Segall entre outros. Dessa maneira, a
tradição é ressignificada. As fotos tornam-se verdadeiros arautos de uma beleza que
valoriza o habitante e sua região. Poemas visuais repletos de dignidade.
31

Ilustração 02: LUIZ BRAGA. Rosa no arraial, 1990.


Cromo 35 m, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex
Coleção do Artista.

Os ensaios coloridos marcam com mais ênfase a produção deste artista a partir de 1984,
quando sua pesquisa se volta para as cores puras e simples da ambiência ribeirinha da
cidade de Belém. Nesta ocasião, o fotógrafo participa da oficina “Descolonização do
Olhar”, animada pelos fotógrafos Antonio Augusto Fontes e Walter Firmo, e engaja-se
nas discussões desenvolvidas sobre o “olhar brasileiro”, fomentadas pela III Semana
Nacional de Fotografia18. Estas reflexões motivadas por estes eventos, marco histórico

18
III Semana Nacional de Fotografia foi realizada em Fortaleza (CE), entre 19 e 24 de agosto de 1984.
32

para a fotografia brasileira, passaram a evidenciar a tradição visual do Brasil. A década


de 1980, marcada pelo “1° Seminário sobre as Artes Visuais na Amazônia
(Manaus/AM)”, quanto pelas Semanas Nacionais de Fotografia, é o momento
anunciador de um esforço “artístico – espistemológico”, no sentido de construir um
discurso estético baseado num projeto que busca uma inteligência plástica brasileira.

Ilustração 03: LUIZ BRAGA. Troncos no Xingu, 2009.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão 40 x 60 cm. Ed: 5 + 2 P.A.
Acervo do Artista.

Moldando o sentido plástico das imagens, nesse percurso da emergência da lógica


formal, a fotografia Troncos no Xingu (2009) faz parte de uma série de experimentações
que Luiz Braga vem construindo há mais de seis anos. Nesses trabalhos, ele usa uma
tecnologia de visão noturna, o infravermelho de uma câmera digital, cuja inspiração foi
moldada a partir da fotografia forense e pela aplicação do infrared na guerra do Iraque,
quando naquela ocasião, a transmissão televisiva da guerra o tocou profundamente,

As Semanas foram criadas sob a inspiração das Rencontres Internationales de la Photographie de Arles
(França), primeiro grande encontro de fotografia, criado por Lucien Clergue em 1970. A I Semana
Nacional de Fotografia foi aberta em 16 de agosto de 1982. (FUNARTE – Brasil Memória das Artes)
33

numa viagem que estava fazendo aos Estados Unidos. Braga, como em outras fases de
sua produção, constrói um diálogo desse aparato ótico - militar com outras áreas das
artes visuais – aproxima-a da tradição da gravura. Desta forma, ele gera um
estranhamento da Amazônia ao infiltrar incertezas visuais no olhar.

A definição e indefinição da fisionomia amazônica gerada pela sofisticada manipulação


do aparato fotográfico, emergida a partir das fotografias em preto e branco, coloridas ou
night vision, deslocam a aparência do referente para além de uma proposta biográfica. O
conceito de evolução de estilo torna-se instável, numa empreitada que visa compreender
suas fotografias na complexidade da cultura visual do seu tempo e lugar – ou, melhor
dizendo, pensar a sua fotografia autoral numa ação relacional que envolve a realidade
social, profissional e a tradição como lugares de passagem - ricos de referências na
construção do seu projeto imagético, no qual ressignifica valores, acertos e erros.

Desta maneira, partiremos da questão seguinte, como se dá o mergulho de Luiz Braga


na realidade cultural amazônica? Como ele captura os referentes amazônicos - índices
de brasilidade e de uma cultura latino-americana? Primeiro, vale ressaltar que vamos
falar de uma visualidade que sempre foi desafio para pintores, fotógrafos e outros
artistas. Segundo, na Amazônia, em particular na cidade de Belém-PA, deu-se
historicamente um tipo de sedimentação diferente da que aconteceu, por exemplo, no
nordeste brasileiro. Isto é, enquanto na região nordeste o processo de colonização
massacra a cultura de origem e a partir daí configura um novo substrato cultural, na
Amazônia sobreviveram formas de cultura diferenciadas. Tratar do tema “visualidade
amazônica” nas fotografias de Luiz Braga é discutir sobre imagens de uma região
pluricultural, que se manteve historicamente dentro de uma perspectiva de confronto.
Este tema tem uma gênese sedutora, pois mobilizou, na década de 1980, a Fundação
Nacional de Arte – FUNARTE, o Instituto Nacional de Artes Plásticas-INAP e a
Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém/PA – SEMEC, que somaram
esforços na realização de eventos, que possibilitaram fomentar debates sobre a produção
artística brasileira, em especial na Amazônia. FUNARTE e o INAP são fundamentais
para a História da Arte Brasileira - responsáveis pela institucionalização da Arte
Contemporânea no país e em especial da fotografia.
34

O tema “visualidade na Amazônia” foi ponto de análise por pesquisadores brasileiros,


na década de 1980. Osmar Pinheiro, Carlos Zílio, João de Jesus Paes Loureiro e Vicente
Cecim19, entre outros estudiosos, cujo esforço ajudou na constituição de um discurso
estético, baseado na inteligência plástica e vernácula da região amazônica. Paulo
Herkenhoff, naquela ocasião Diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas - INAP, na
apresentação do primeiro volume da Coleção “Contrastes e Confrontos (1985)”, ressalta
ser sintomático que este primeiro volume seja dedicado “à arte da Amazônia, a região
mais desconhecida do país”. Entretanto, se a Amazônia em 1985, ano daquela
publicação, pode ser tida como a região mais desconhecida do Brasil, por outro lado,
sempre foi um lugar sedutor e de impacto para o olhar dos artistas das diversas regiões e
diferentes épocas. Em 19 de dezembro de 1946, o Jornal “A Noite” - RJ apresenta uma
matéria sobre a repercussão da Exposição de Pinturas do Paisagista Amazônico Veiga
Santos20, na cidade do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, tendo como ilustração a obra
“Ver-o-Peso” – óleo sobre tela, o repórter carioca diz

“A Amazônia, o verde inimitável das suas florestas, o seu sol, o


fascínio das suas paisagens, os seus rios imensos, a alma
misteriosa de tudo quanto vive e morre no domínio do rio-mar,
enfim, tem sido buscado em vão durante gerações pelos maiores
pintores de todos os climas. Até o grande Parreiras por ali
armou o seu cavalete e, com o seu pincel, buscou um pouco da
fisionomia da Amazônia.” 21

Com este recuo percebemos que a Amazônia foi e continua sendo um desafio que tem
seduzido olhares de artistas tão distintos. Pintores, fotógrafos, cineastas, poetas e tantos
outros que em suas produções buscaram, ou buscam a fisionomia daquela região como
“mote” em suas produções autônomas. Procuram nas cores, na luz e nos seus encantos
desafiadores um discurso estético autoral. José Veiga Santos, por exemplo, rompeu com
a composição rígida e com a “narrativa-alegórica-grandiloquente” em suas telas.

19
Cf. Osmar Pinheiro. A Visualidade Amazônica; ZÍLIO, Carlos. Claude Monet e a Amazônia;
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Por uma fala amazônica sobre a cultura; CECIM, Vicente. O
colonialismo na Amazônia. In Artes Visuais na Amazônia – Reflexões sobre uma Visualidade Regional,
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985.
20
Farias diz: “Veiga Santos fez parte dos produtores de Belém e que estavam em Belém no tempo do
modernismo brasileiro e sua estética é aquela que pode ser categorizada como eclético-acadêmica-pós-
impressionista, uma vez que em relação a pintura acadêmica havia rompido com a composição rígida e
com a narrativa-alegórica-grandiloquente e de gabinete”. (Ver o paper “O MACRO MICRO MUNDO
DE VEIGA SANTOS”, autoria do pesquisador Edison da Silva Farias – UFPA, Anais do 20º Encontro
Nacional da ANPAP, p. 1684)
21
Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, p. 09, 19 dez. 1946. A Amazônia Desafia Os Pintores. (Biblioteca
Nacional – PR-SPR-115 – ANEXO A, p. 233)
35

(Ilustração 04) Ou, ampliando nosso quadro de referências, poderíamos citar o fotógrafo
Porfírio da Rocha22 (1919-1993), que entre outros neste recuo, também, investiu na
empreitada de um novo olhar na cidade de Belém-PA, explorando as possibilidades
expressivas da fotografia, onde inverte parcialmente os tons das imagens e utiliza
efeitos de solarização. (Ilustração 05).

Ilustração 04: JOSÉ VEIGA SANTOS. “Ver-o-Peso”. Óleo sobre tela, 58 x 73 cm, 1964.
Acervo: Betty Veiga Santos – Belém - Pará

Ilustração 05: PORFÍRIO DA ROCHA, década de 1950-60.


II Fotonorte – Amazônia Olhar sem Fronteiras, p.46.

22
Porfírio da Rocha nasceu na cidade de Belém, 30 de outubro de 1919. Iniciou como “vassoura” (boy)
na foto Alemão, de Paulo Levinthal, na Rua João Alfredo (Belém-PA). Trabalhou nos jornais, O Estado
do Pará, A Província. Ganhou o prêmio ESSO de fotojornalismo. (FOTONORTE II, 1998, p. 206)
36

É do ponto de vista da busca dessa feição, dessa “aparência amazônica”, motivadora da


produção artística de gerações, que pretendemos colocar a questão dessa visualidade,
que se desnaturaliza no olhar de Luiz Braga, ao ganhar sentidos diversos e ressonâncias.
Como ele registra os referentes amazônicos, é uma questão que se torna relevante, neste
contexto, por entendermos que o seu campo prático-perceptivo é o seu cotidiano, ou
seja, é o lugar enquanto um conjunto aberto de coisas a serem percebidas, manipuladas,
transformadas e desejadas. Nesse cenário, Braga vai ampliando, reposicionando e
atualizando questões sociais, profissionais e da tradição - percebendo a sua produção
fotográfica e a “visualidade amazônica” numa dimensão universal. (Ilustração 06)

Ilustração 06: LUIZ BRAGA, Árvore em Mosqueiro, 1991.


Cromo 35 mm, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.

Nesse panorama, os limites internos dessas imagens sinalizam uma linguagem autoral,
presente em suas obras autônomas, que trazem uma realidade auto-referente - além das
“cores cablocas”23. As imagens deste fotógrafo, ora transitam no “charme
antropológico” da fotografia documental do local e dos habitantes da região – flertando

23
A expressão “cores cablocas” foi utilizada por Luiz Braga para definir as “cores simples, puras da
região ribeirinha da cidade de Belém-PA”, presentes no seu projeto imagético. (Entrevista no DVD da
Exposição Antônio, Luiz e Bina – Casa da Gávea – Rio de Janeiro – Agosto de 2010). Acervo da Galeria.
37

com a memória expressiva da cultura e da geografia (Ilustração 07), mas, também, ora
refletem a energia plástica do referente amazônico, conservando-o como presença
poética concreta enquanto imagem, descartando a condição de arquivo ou documento
eficiente para a memória coletiva (Ilustração 08)

Ilustração 07: LUIZ BRAGA. Descansando sobre sacos, 1985.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex
Coleção do Artista.

Ilustração 08: LUIZ BRAGA. Vendedor de balões, 1990.


Cromo 35 mm, digitalizado e impressão de pigmento sobre papel fotográfico Fuxiflex,
Acervo do Artista.
38

A característica específica da fotografia de Luiz Braga é o exercício da memória e do


afeto. Arte e trabalho são partes de um mesmo movimento, cuja razão está impregnada
do afeto, e a produção artística busca dialogar com questões de uma tradição sem perder
a potencialidade do referente amazônico, ou a discussão das potencialidades deste
referente num panorama abrangente da arte brasileira. Em 1984, Osmar Pinheiro
sinaliza
“O mergulho de qualidade na realidade amazônica operada por
alguns de seus mais importantes artistas, como é o caso de Luiz
Braga, Jair Jacmont, Roberto Evangelista, Hélio Melo,
Emmanuel Nassar entre outros, traz no seu bojo o esboço de um
projeto capaz de se articular como conhecimento e contribuição
à arte brasileira.” 24

A formação do artista plástico, no local onde Braga vive e trabalha deu-se de forma
diversa. Considerando o contexto e as condições mencionadas anteriormente, o seu
contato com a contemporaneidade fez-se de maneira peculiar - por via da literatura, do
cinema, da música e dos impressos diversos. Estes artistas citados por Osmar Pinheiro
(1984) rompem, naquele momento, com o discurso do isolamento, do distanciamento e
“desconhecimento deliberado de questões amplas que dizem respeito a todo o espaço da
arte”25.

Neste sentido, o seu “olhar fotográfico” é absorvido pela potencialidade da visualidade


amazônica, embora criado numa sociedade da imagem. Aquela visualidade o conduz a
uma digressão prazerosa, na qual ele reverte a sua potencia plástica ora num sentido
pictural da imagem, ora num sentido antropológico/documental – decisões afetivas e
técnicas. Se, para alguns pintores como Matisse ou Picasso, a explosão criativa
caminhava com alguns momentos de crise ou identidade pessoal, na produção de Braga
existe uma interação entre o fotógrafo e a beleza, os valores, os prazeres e os gostos dos
habitantes da região e daqueles lugares.

Outra questão, Luiz Braga quando nasceu em 1956, a imagem técnica já fazia parte do
cotidiano das pessoas há mais de um século, sendo elemento constitutivo da cultura
visual de sua região natal e de quase todo o planeta. Assim, ele constrói sua forma

24
Osmar Pinheiro Jr. A visualidade amazônica. In OURIQUES, Evandro Vieira (org.). Artes Visuais na
Amazônia: reflexões sobre uma Visualidade Regional. Projeto Visualidade Brasileira – INEP/FUNARTE.
Rio de Janeiro: Funarte, 1985, p.95.
25
Ibid, p. 93
39

peculiar de capturar a visualidade amazônica, ou a “visualidade na Amazônia” como


propôs Osmar Pinheiro na conferência apresentada em 1984, no “1° Seminário sobre as
Artes Visuais na Amazônia”. A “Visualidade na Amazônia”, sinalizada por Pinheiro, é
decorrente do fato que o espaço de observação desta visualidade é bastante restrito
diante das dimensões e da variedade de uma região complexa cultural e etnicamente. E
por outro lado, não é nossa intenção retomar a ideia de espaço regional enquanto o
espaço fechado de todo conhecimento. Aliás, Braga e seus contemporâneos rompem
com o discurso do regional e o inserem num panorama de questões amplas.

Desta maneira, o seu “olhar fotográfico” vai sendo construído a partir de um universo
que envolve múltiplas referências e ultrapassa as fronteiras do discurso da visualidade
amazônica. Este universo vai da imagem estática da fotografia, passando pelo cinema e
televisão, que, também, neste período contribuíam para ampliar ainda mais a
complexidade da cultura visual com a qual este fotógrafo vai construindo as bases de
sua poética. Logo, tão importantes quanto à potencialidade da visualidade amazônica
que absorve o “olhar fotográfico” de Braga, seriam as outras referências que envolvem a
produção de fotógrafos, cineastas e artistas plásticos. Neste sentido, vale observar o que
Chiarelli diz
“Tão importante quanto as produções dos fotógrafos, cineastas e
artistas plásticos com as quais Luiz Braga declara ter dialogado
durante seu processo de formação – David Drew Zingg, Luiz Trípoli,
Maureem Bisilliat, Frederico Fellini, Edward Hopper e outros -,
seriam aqueles outros autores que o fotógrafo não se recorda mais do
nome ou nem das produções.” 26

Vale ressaltar, que a fotografia como um meio não é uma forma de conhecimento que
se aprende apenas nos museus, nos livros ou nas escolas especializadas, como foi com a
pintura e as modalidades artísticas eruditas. O meio que Braga escolheu para explorar
no percurso pelo cotidiano brasileiro é a fotografia e, através dela, busca os gestos do
imaginário e os rastros estéticos da “visualidade amazônica” dentro de um amplo
campo de referências. Desta forma, reafirmamos o que foi dito no início desse texto -
mais do que lugares, mais do que modelos, os referentes amazônicos, neste contexto,
são índices de brasilidade explícita numa cultura latino-americana, que encantam o seu
“olhar” desde sempre, e que o conduz a uma intensa pesquisa, que põe à vista um
sublime refinamento da luz.
26
Tadeu Chiarelli. Luiz Braga e a fotografia opaca. In “Luiz Braga - Retratos amazônicos”. São Paulo:
MAM, 2005. p. 14.
40

Luiz Braga opta por manipular a técnica do seu aparato fotográfico, desloca o encargo
da fotografia refletir (ou reproduzir) o mundo, e segue na direção de uma sedutora
construção estética dessas imagens. É nesse sentido que, tomando distância da
eficiência do registro documental, constrói imagens que demonstram que a fotografia
pode ser mais do que documento, ou mais do que afirmação da identidade de um lugar.
O olhar amazônico de Luiz Braga é o “mote”, o condutor de sua obra autônoma a uma
realidade auto-referente, além das “cores caboclas”, além do “paisagismo amazônico”,
e independente como obra de arte.

Deste modo, Braga como fotógrafo buscou conciliar em seu projeto imagético três
aspectos significativos: a visualidade da/na Amazônia, um universo de múltiplas
referências conscientes e inconscites e questões internacionais. A conjugação destes três
aspectos evocam recuos históricos, estéticos e críticos, que trazem para a sua produção
ecos compositivos de ícones do retrato fotógrafico e pictórico. Estas ressonâncias
encontram-se inscritas em sua memória visual. Contudo, o fotógrafo não se submete a
história e, mantém “algo” do fotógrafo amador, “algo”, talvez, significativo para sua
vida íntima, ou do lugar onde vive e trabalha.

Num cenário amplo, que envolve multiplas referências, a produção desse artista
apresenta influências reconhecidas por ele, e outras que se dão de forma inconsciente.
Assim, revisando um percurso do século XIX ao modernismo, é possível dizer que
muitas de suas fotografias, como por exemplo os retratos, ressoam fundamentos
compositivos que tem sua gênese em personalidades do campo da história da fotografia,
como o francês Nadar (1820-1910), a inglesa Margaret Cameron (1815-1879) e, ícones
da fotografia moderna, como o americano Paul Strand (1890-1976).

Dialogando com referências eruditas (a tradição da fotografia e da pintura) e referências


populares (a cultura e o imaginário do lugar), muitos dos modelos de Braga são
fotografados a meio corpo com agudeza de detalhes (Ilustração 09). Fazendo um recuo
histórico, por exemplo, podemos perceber o enquadramento a meio corpo usado
enfaticamente por Nadar, quando fotografava seus modelos (Ilustração 10). Luiz Braga,
ainda que mantenha diálogos com a tradição, dela se afasta criando o seu olhar próprio.
Em outros retratos em preto e branco, Braga enfatiza o jogo de luz e sombra como
41

elemento fundamental da imagem e utiliza o “close-up médio ou extremo” (Ilustração


11 e 12) mostrando a face, os ombros e pequena parte do busto do modelo, ou o close
do rosto, cujo recurso foi utilizado de forma acentuada por Julia Margaret Cameron27 no
século XIX, que ao usar o lado dramático da iluminação, e eliminando os detalhes
irrelevantes, traz a representação das cabeças em tamanho quase natural com “close up
extremo” - são os primeiros exemplos do que hoje chamamos de "close-ups”.

Ilustração 09: LUIZ BRAGA, Simone e balança, 1992.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxilex.
Coleção do Artista.

Ilustração 10: NADAR (Gaspard-Felix Tournachon) . Sarah Bernhardt, 1860.


(BORGES, 2008, p. 44)

27
Julia Margaret Cameron. Coleção Photo Poche. Editor Actes Sud, 2009, p. 33.
42

Ilustração 11: LUIZ BRAGA. Oleiro, 1978.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxilex.
Coleção do Artista.

Ilustração 12: MARGARET CAMERON. Lago, study from an Italian (Angelo Colarossi), 1867.
Albumen print.
National Museum of Photography, Film & Television, Bradford.
43

Ilustração 13: LUIZ BRAGA. Cortador de bacuri, 1985.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex
Coleção do Artista.

Ilustração 14: PAUL STRAND. Solomon Gabrah, Akosombo, Gana, 1963.


(ESPADA, 2009, p. 89)
44

A mais expressiva ressonância nas imagens de Braga são aquelas legadas do americano
Paul Strand, de quem vai expandir a proposta moderna. Assim, utilizando um
procedimento que o aproxima do “olhar direto” (Ilustrações 13 e 14), mistura a captura
do real com a refinada escolha de ângulos - poses expontâneas ou quase negociadas; e
detalhes ou cortes abruptos.

Vale observar que o termo straight photography passou a definir a corrente da


fotografia moderna norte-americana que se opunha ao pictorialismo, defendendo um
contato direto da câmera com a realidade, sem posteriores intervenções no laboratório
ou na cópia. Seus adeptos pressupunham que a fotografia deveria se tornar “artística” a
partir da exploração criativa de seus próprios recursos, ou seja, pela escolha do
enquadramento, da luz, do tipo de câmera, lentes, filmes e papéis fotográficos. Paul
Strand propõe a partir das sua fotografias duas possibilidades (no fundo antagônicas):
por um lado Strand aceitava a fotografia como o meio de expressar aquilo que reflete
(ou reproduz) do mundo, de maneira direta, supostamente sem interferências; por outro
lado, abria espaço para que a fotografia, partindo da captação das coisas do mundo – e
por meio de cortes abruptos -, criasse novas realidades visuais, em tese sem nenhuma
relação com os elementos capturados. Assim, por exemplo, no lugar de retratos posados
sob uma névoa romântica, Strand mostrou o rosto de uma pedinte cega, sob uma luz
dura e indelicada, Mulher cega (1916). Ainda assim, no último número da revista
Camera Work (1917), Strand mostrou fragmentos de sombras, potes, frutas e xícaras
que lembram as naturezas-mortas de aparência chapada de Paul Cézanne. Neste
contexto, Alfred Stieglitz, em 1916, na Galeria 291 de Nova York realizará a primeira
individual de Paul Strand (1890-1976) e, no ano seguinte, o último número da revista
Camera Work foi totalmente dedicado às suas fotos. Era nítido que algo incomum havia
acontecido naquele ambiente vanguardeado por Alfred Stieglitz. Foi esse contexto que
tornou o aparecimento das imagens de Paul Strand tão impactante. Nenhum outro
fotógrafo mostrado até então nas páginas da Camera Work havia sido tão radical no
contato entre a câmera e a realidade. Apesar disso, vale ressaltar, ainda, que embora
Strand fosse um dos principais representantes da straight photography norte-americana,
tendo publicado diversos artigos em que defendia uma independência absoluta entre as
técnicas fotográficas e pictóricas, sua obra apresenta diversos vínculos com a pintura
moderna.
45

Dessa forma, é possível perceber um aspecto importante naquele cenário das artes
visuais na Amazônia: o fotógrafo Luiz Braga e o pintor paraense Emmanuel Nassar28 -
amigos e agentes propulsores do ambiente cultural de Belém - tinham como estímulo
para suas respectivas produções, em meados dos anos de 1980 as composições abstrato-
geométicas que repetem cortes e enquadramentos muito típicos da straight photography
de cunho abstrato, ecoando também elementos muito próximos da tradição da pintura
geométrico-construtiva européia e do sudeste brasileiro. É possível considerar que tanto
para a pintura quanto para a fotografia paraense o uso dos esquemas da fotografia
‘abstrata” de Strand significou uma real transformação na forma de refletir e ampliar a
riqueza visual da Amazônia. Esta questão será discutida no Capítulo II.

Além disso, seja a fotografia vista como uma forma de expressar aquilo que reflete, ou
partindo da ideia de uma fotografia que capta coisas do mundo e por meio de cortes
abruptos tem a possibilidade de criar novas realidades visuais, o importante é perceber
que essas duas propostas, na verdade, emergiram como produtos imediatos das
experiências fotográficas vivenciadas por Strand, no início do século passado nos
Estados Unidos. Uma fotografia que, tentando se desvencilhar dos entraves que o
pictorialismo produziu, buscava desenvolver-se de forma menos atrelada à tradição e
organizando um espaço para si mesma. Logo, não podemos deixar de destacar dois
aspectos importantes sobre a straight photography (método bipolar de Paul Strand):
primeiro, alinhava-se à tradição realista da arte ocidental — presente na pintura e em
outras modalidades, desde o primeiro renascimento até o movimento realista de Gustave
Courbet; segundo, a straight photography, também filiava- se à pintura não-figurativa
do início do século XX que, enfatizando a bidimensionalidade do plano, e os elementos
que estruturalmente o constituem (linhas, pontos), tentava construir uma arte não
propriamente abstrata, mas concreta, não-representacional. O certo é que esses dois
caminhos propostos por Strand, aos poucos foram se espalhando pelo mundo,
entendidos como as duas possibilidades para a fotografia moderna “pura”.

Neste contexto, é importante perceber que no âmbito dos movimentos de vanguarda, a


aproximação entre a fotografia e a pintura não era uma via de mão única. Em diferentes
países, havia artistas atentos aos novos processos de produção de imagens, sendo que a

28
Emmanuel da Cunha Nassar (Capanema PA 1949).
46

aparência geométrica das artes visuais guardava relações com a presença cada vez maior
da máquina no cotidiano. Enquanto Marcel Duchamp questionava o lugar da pintura na
sociedade moderna industrializada, a fotografia era incorporada aos processos criativos
de artistas construtivistas, dadaístas, futuristas e, um pouco mais tarde, surrealistas.

Nesse processo de internacionalização, os dois tipos de straight photography foram se


unindo a outras manifestações que se desenvolviam nos diversos países à margem da
fotografia tradicional (quer aquela de viés pictorialista, quer aquela atrelada às
demandas da retratística convencional).

A produção fotográfica de Luiz Braga, nesses últimos 30 anos, é uma situação


significativa que pode ser analisada a partir das questões aqui levantadas. Observando
suas fotografias de diversos períodos, é possível perceber os dois aspectos da proposta
moderna do fotógrafo americano Paul Strand. No entanto, a grande questão é como
Braga atualiza tais pontos em sua produção autoral. Neste sentido, podemos considerar

“De uma maneira geral as duas vertentes que mais têm chamado
a atenção da crítica na fotografia autoral de Luiz Braga são
justamente aquelas que podem ser alinhadas às vertentes da
straight photography proposta por Paul Strand.” 29

A produção fotografica de Luiz Braga trafega por questões de cunho


antropológico/documental, mas, também, imprime na visualidade amazônica um caráter
“abstratizante”, que a arremessa para um outro campo, onde os sinais da sua realidade
constitutiva, enquanto imagem, tornam-se tão ou mais importantes quanto os elementos
que sustentam o seu caráter referencial. As fotografias de Braga ao ressignificar os
valores daqueles referentes amazônicos, ganham um valor independente como obras de
arte mantendo-se longe dos estereótipos e da imagem como documento fiel da
realidade.

Finalizando este primeiro item, onde discutimos o olhar amazônico de Luiz Braga
buscando um sentido plástico para as suas imagens, e consequentemente a elaboração,
ou a emergência de uma lógica formal autoral, é importante chamar atenção para um
aspecto que será aprofundado em outros itens desse trabalho: analisar a visualidade

29
Tadeu Chiarelli, op. cit., p. 15.
47

amazônica presente na fotografia de Luiz Braga, é analisar, também, relações espaciais


e temporais que estão intensificadas no limiar de uma prática de captura, que envolve
valores situados entre o analógico e o digital.

Tal questão se encontra numa fronteira que convoca um duplo recuo ao modernismo.
Num primeiro momento, ao modernismo convencional – aquele que aponta para o
prestígio dos critérios formais internos ao meio fotográfico, ou seja, que declarasse os
desejos por uma fotografia pura e direta (straight photography), e certa relação
humanística, por parte dos fotógrafos, com os temas registrados - critérios delimitadores
desta tendência, que está relacionada às experiências desenvolvidas por Alfred Stieglitz,
Paul Strand, Edward Weston, André Kertézs e Cartier Bresson.

Num segundo momento, esse recuo ao modernismo, atinge a influência do movimento


das vanguardas, onde certos traços distintivos são priorizados e deslocados para uma
nova ambiência, na qual a mobilização de procedimentos técnicos passa a revesti-los de
outros significados, onde os sinais de sua realidade constitutiva (escolhas, cortes e
ângulos inusitados) tornam-se tão ou mais importantes que seus elementos que
sustentam o seu caráter referencial. Os trabalhos de Braga situam-se a meio-caminho
entre convicções consagradas pela prática tradicional (enquadramento, por exemplo), já
tida como uma forte convenção, e as potencialidades de uma modalidade de experiência
que convoca outras modalidades de percepção e pensamento.
48

1.2 A fotografia de cunho “antropológico/documental”: a imagem cogita o referente


amazônico.

Dois fatos históricos serão fortes influências na sociedade brasileira, e


consequentemente na vida de muitos artistas a partir dos anos de 1985 – o fim da
ditadura militar e a redemocratização do país. Estes e outros acontecimentos
propiciaram a retomada mais livre e menos dogmática em vários campos da vida dos
brasileiros e, em especial, da produção artística. Na fotografia, serviram como guias
dessa nova fase, fotógrafos que mesclaram o realismo e a ficção em suas produções,
entre eles: Miguel Rio Branco, Claudia Andujar e Mario Cravo Neto. Essa maneira de
representar a natureza sob seu aspecto real, ou ora com efeitos fingidos, passou a ser
uma importante matriz estética e conceitual para as gerações seguintes, criando um
território expandido, labiríntico e subjetivo. Nessa caminhada, as tecnologias mais
recentes das últimas décadas, ajudaram a atualizar paradigmas alicerçados pela tradição.
Quer seja nas fotografias de Luiz Braga, ou de seus colegas mais velhos, salientamos
que essa atualização da linguagem fotográfica não se dá de forma linear, mas em
vertiginosas espirais desenhadas pelo tempo e pela cultura.

As fotográfica em preto e branco de Luiz Braga pertencentes à coleção do Museu de


Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP, que foram apresentadas na Exposição “Luiz
Braga – Retratos Amazônicos (2005)” 30
, e outras pertencentes ao cervo da
FUNARTE/RJ e à coleção do artista, conjugam questões do campo da composição, da
história da fotografia, da estética e da crítica de arte, que nos aproximam do tema desse
item e ajudam a compreender o sentido plástico de suas imagens. Fotos que condensam
o “essencial” das qualidades da região. A seleção desses trabalhos justifica-se pelo
significado que os mesmos passaram a ter enquanto referências da produção desse
artista. Estas fotografias são mais conhecidas pela atenção que as instituições e a crítica
de arte dedicaram ao apresentar Luiz Braga ao espectador. Vale ressaltar que se trata de
um recorte dentro de uma vasta e expressiva produção.

30
Luiz Braga – Retratos Amazônicos foi a Exposição comemorativa aos 30 anos de carreira do artista
paraense. Realização do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP (17 de fevereiro a 3 de abril
de 2005) e curadoria de Tadeu Chiarelli.
49

Ilustração 15: ELAINE BAYMA, Luiz Braga.

Luiz Braga (Ilustração 15), atualmente, com 57 anos, vive e trabalha em Belém, cuja
grande parte da cidade está situada no perímetro do Rio Guamá, onde a paisagem
ribeirinha permeia o imaginário do local. A água é um elemento que estabelece, de
modo preciso, a relação com o tempo e o espaço, a relação com a luz e o tempo que foi
tão cara aos pintores impressionistas. A capital do Estado do Pará tem uma distância
aproximada de cinco horas de voo para São Paulo e Rio de Janeiro – centros de
extravasamento da arte no Brasil e em especial da fotografia. A cidade de Belém - a
metrópole da Amazônia - possui uma paisagem peculiar com belos edifícios do século
XVII e XVIII, castelos residenciais luxuosos, palácios, praças e mercados ecléticos, que
documentam a riqueza e a elegância da cidade no apogeu do ciclo da borracha. A
elegância e o rústico convivem no mesmo cenário. A influência indígena ainda subsiste
no local, no cenário urbano, na culinária, na música, na literatura, no rosto e na pele dos
habitantes da região. Local que possui a sedução da mistura estranha de natureza e
história.

A relação de Luiz Braga com o universo do retrato se inicia muito antes da sua
consagração profissional como fotógrafo. Em 1968, momento que coincide com o início
50

do seu encanto pela fotografia, ele começa uma caminhada prazerosa de familiarização
por esse território, que será marcado pelo manuseio da sua primeira câmera - presente
de um amigo do seu pai – uma Rolleiflex. Ainda criança, divide o seu tempo entre as
brincadeiras e o seu aprendizado num laboratório fotográfico improvisado, no porão da
casa de seus pais. Com um curso por reembolso postal do Instituto Universal Brasileiro,
aprende a revelar as suas fotos. Neste momento, conta as orientações do fotógrafo Oscar
31
do Foto Hollywood em Belém-PA (Ilustração 16) , com quem passa a desvendar os
mistérios das bulas dos filmes.

Seus primeiros retratos (1968) com uma câmera Olympus Trip, ainda num contexto de
“brincadeira de criança”32, são imagens de parentes próximos – suas irmãs. Em seguida,
passa a fotografar os internos do Hospital Juliano Moreira (Ilustração 17), bem como as
obras de melhorias e algumas atividades desta Instituição, para ilustrar os relatórios do
pai, que era médico pisiquiatra daquele Hospital. Após esse primeiro momento de
deslumbre pela fotografia, Braga abandona suas tentativas no campo da imagem, e troca
a câmera por uma guitarra. Cria uma banda de rock e passa a viver uma nova
experiência.

No entanto, influenciado pelos movimentos das salas de cinema alternativo da cidade de


Belém, passa a apreciar os filmes de Federico Fellini, Ingmar Bergman, entre outros
ícones da cinematografia. Isto o motivará a iniciar outro momento no percurso da sua
formação profissional – a produção de filmes super 8. Em seguida, retoma a paixão pela
fotografia. Com uma câmera emprestada, e ainda sem uma proposta autoral, reinicia seu
trabalho como fotógrafo. De 1974-1980, passa a receber influências do Foto Clube de
Belém. Momento importante na ampliação do seu campo de experiências com
solarização, superposição e ensaios em preto e branco. Na sequência, ele cursou
arquitetura na UFPA, de onde obteve as bases estéticas e da história da arte que
somaram ao seu domínio da técnica fotográfica. Mais tarde, aprofunda suas pesquisas
sobre a visualidade amazônica.

31
Foto apresentada por Luiz Braga no evento: MAC Encontra os Artista - MAC-USP, em 21/08/2012.
32
Relato do fotógrafo no evento: MAC Encontra os Artista - MAC-USP, em 21/08/2012. Disponível em
vídeo: <http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_2/luizbraga_vd.asp>;
acesso em: 12/10/2012.
51

Ilustração 16: LUIZ BRAGA, “Oscar, do Foto Hollywood em Belém”.


Acervo do Artista.

Ilustração 17: LUIZ BRAGA, “No ônibus indo para um passeio no igarapé”, 1969.
Registro dos internos do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira.
Acervo do Artista.
52

Braga começa a sua vida profissional como fotógrafo, num tempo em que a fotografia
anunciava a eminente possibilidade da cor. Nesse contexto, de um lado temos a
existência de uma matriz estética impregnada de realismo e pautada no acento
dramático da imagem em preto e branco, que tinha os seus vestígios na fotografia de
cunho antropológico e documental - afinada com a retórica do fotojornalismo; do outro
lado, o entusiamo por uma atmosfera colorida que a tecnologia mais recente podia
oferecer. A existência da fotografia em preto e branco, nesse momento, encontrava-se
confusa pela oportunidade que as tecnologias mais recentes ofereciam com a imagem
colorida. A pertinência ameaçada da fotografia em preto e branco o levou a uma
pesquisa das possibilidades expressivas do fenômeno da luz existente nessas imagens, e
a recusar sua utilidade voltada especificamente para o fotojornalismo, ou como
documento eficiente para a memória coletiva.

As fotografias em preto e branco são emblemáticas do início da carreira de Luiz Braga e


revelam a capacidade do artista em conjugar o modelo e o entorno numa atmosfera que
parece sempre querer transcender o cotidiano em busca de uma outra realidade, quer
seja pela escolha dos ângulos, ou pelo tratamento de luz e sombra. Na extrema saturação
da presença da fotografia colorida, Braga percebe que a via possível é operar com a
fotografia em preto e branco como ferramenta que molda “esculturas” feitas em luz e
sombra, quer seja na captura dos corpos dos habitantes da região, quer seja no registro
dos objetos e lugares. Experimenta nessas imagens as bases de um percurso que vai ser
ampliado em suas fases seguintes. Ele expõe a subjetividade, molda a plasticidade da
imagem - o caboclo transcende a idéia do habitante do lugar e busca uma outra
realidade, onde se encontra com o sentido do corpo-escultura que reluz. Após explorar
uma rica possiblidade expressiva de luz e sombra, a base dessa “escultura” se apóia
sobre os índices do universo sociocultural ribeirinho. A câmera retém este mundo para
lhe certificar uma existência além do real – o sentido plástico. A fisionomia amazônica
é o “mote” dessa produção autoral, na qual a poética é construída a partir de assuntos da
região, contudo, tendo como alvo a fotografia – excelência técnica, refinada estratégia
compositiva e um contexto relacional que amalgama linguagem, natureza e cultura. A
representação do real impõe-se através de outros sentidos além da escolha, do
tratamento técnico, do enquadramento e da impressão.
53

Tendo como foco o gênero “retrato” é importante perceber que a produção em preto e
branco de Luiz Braga não pode ser entendida como uma fase. Ele é o fotógrafo-autoral
marcado pelo experimentalismo, contudo, existe o Luiz Braga fotógrafo publicitário, o
fotógrafo de estúdio, o fotógrafo de moda, indo e voltando de um tipo de fotografia para
outro. Logo, não há uma organização linear, evolutiva e previsível que possa justificar
uma cronologia rígida de fases. A sua produção é marcada por ensaios, séries e
exposições.

Ilustração 18: LUIZ BRAGA. Carregador do porto do sal, 1985.


Filme negativo de prata, ampliado em 22 x 32 cm, em papel de fibra.
Série “À Margem do Olhar” – Acervo CEDOC/FUNARTE/RJ.

Na série “À Margem do Olhar”33, Luiz Braga apresenta a fotografia Carregador do


porto do sal (Ilustração 18) - uma situação exemplar para se refletir sobre algumas
questões aqui expostas.

Esse retrato é emblemático no percurso do olhar de Luiz Braga. A foto marca o início
dos ensaios em preto e branco, em 1985, quando ele “havia encerrado a série ‘No olho
33
A Série “À Margem do olhar” foi premiada com o Marc Ferrez da Funarte/Brasil em 1988. Em 1987 a
Série foi mostrada na Galeria Fotóptica (São Paulo/SP), e ainda, na Casa de Cultura Laura Alvin (Rio de
Janeiro/RJ) e Galeria Theodoro Braga (Belém/PA). (Luiz Braga, 26/08/2012, ANEXO II).
54

da rua’ com as cores da visualidade popular amazônica” 34


. Nessa ocasião, ele
aprofunda as experiências com a produção de imagens em preto e branco, e inclui
alguns personagens que, até então, não apareciam na Série “No olho da rua”. O
personagem mostrado nessa imagem foi fotografado no Porto do Sal, na cidade de
Belém.

Na maneira como ele resolve a composição dessa imagem, podemos perceber


significativos ruídos da “educação do olhar” 35
desse fotógrafo. A escolha do assunto e
do personagem poderia causar um acento, extravagantemente, dramático - ou com fortes
resquícios daquela retórica do fotojornalismo. No entanto, o que salta aos olhos do
observador, não é a condição de vida daquele trabalhador, nem qualquer heroísmo ou
denúncia advinda da sua situação social, mas uma bela energia compositiva
harmonizada por uma gramática subjacente da linguagem adotada por ele. O
vocabulário (linhas, formatos, tons, formas, texturas, padrões) cria uma imagem, cujo
domínio da luz, tão peculiar no barroco, e usado para efetuar fortes contrastes de luz e
sombra, efeitos e impactos emocionais dos retratos de Rubens, Rembrandt ou
Velásquez, está presente adensando o sentido plástico da obra.

Luiz Braga, num movimento poético, exibe com nobreza o Carregador do porto do sal.
O fotógrafo apresenta o personagem por trás do tombadilho de um barco, onde a área
escura do porão cria um rico contraste de luz e sombra - o preto e branco exagera o
formato, o tom e a forma. Os olhos fotografados, entre o grande plano retangular
horizontal (tombadilho) e o chapéu de palha com abas sinuosas, surgem como um
suplemento ao mesmo tempo insinuante e belo – espelhando o tema da série “À
Margem do Olhar”.

O chapéu de abas sinuosas, dentro dessa imagem, remete o seu sentido a um “extra
campo”36 ao nível do discurso. O personagem ganha um significado que vai além do
aspecto denotativo do carregador daquele porto, lembra a figura do arlequim –

34
Informação prestada pelo artista por e-mail: “[...] Eu havia encerrado a série "No olho da rua" com as
cores da visualidade popular amazônica e mergulhei no preto e branco. [...]” (Ibid, ANEXO B, p. 234).
35
Idem, “[...] minha infância foi cercada de referências que meu pai gostava de nos mostrar: Rembrandt,
Goya, Van Gogh, Rubens, Rugendas. Já atuando como fotógrafo, descobri Hopper, Hockney, Matisse,
Monet. Ou seja, os grandes fotógrafos tanto brasileiros (Maureen, por exemplo) como estrangeiros, eu já
conheci no caminho, pois o acesso era difícil”. (Luiz Braga, 25/07/2010, ANEXO C, pp. 235-236).
36
Roland Barthes, A Câmara Clara, 1984, p. 89.
55

personagem emblemático da commedia dell'arte37. Braga, assim, ressoa aspectos


compositivos e temáticos das pinturas de Picasso, na fase rosa, na qual o arlequim se
tornou um símbolo pessoal para esse pintor (Ilustração 19). O detalhe do chapéu
encontra-se, também, com os temas de Paul Cézanne, ou de Vicente do Rego Monteiro.
A solidão do homem se torna poesia e emana o reconhecimento dessa imagem além da
sua forma e intensidade.

O motivo cria uma percepção peculiar e elegante para o assunto, moldando a


plasticidade da imagem de uma forma autoral. Contudo, esse trabalho mesmo
confirmando a ideia de que o indivíduo só faz sentido quando mergulhado no particular
concreto, também traduz a crítica radical de uma ideia iluminista, lançada como se tudo
na vida fosse evidentemente uno, branco ou preto, belo ou feio, e não inevitavelmente
compósito, multi referente. O refinamento com que Braga trata a captura daquele
momento e o tratamento da luz e sombra, nos leva a perceber que esse fotógrafo
entende, desde cedo, a sutileza de Rembrandt que fez as coisas comuns da humanidade
parecerem tão profundamente sérias e interessantes.

Ilustração 19: Arlequim, Pablo Picasso. Sem data.


Óleo sobre tela. Barcelona.
Acervo do Museu Picasso.

37
Teatro popular improvisado, que começou no século XV. O arlequim é uma personagem da commedia
dell'arte, cuja função no início se restringia a divertir o público durante os intervalos dos espetáculos.
56

Muitos dos retratos deste fotógrafo são declaradamente não posados. Com a câmera
localizada de frente (quase ortogonalmente), ele adere à ângulos “frontais” – manobra
que caracteriza os trabalhos de alguns fotógrafos modernos. Braga não dirige a pose dos
personagens e deixa transparecer que são pessoas comuns na prática dos seus ofícios, ou
no dia-a-dia do seu cotidiano. A única negociação do fotógrafo é pedir aos seus
fotografados que se “mantenham naturais, do jeito que estavam quando os encontrou”
38
. O trabalho de Braga buscando a efemeridade do gesto imprime no habitante do lugar
uma poesia sedutora - o que nos leva a pensar no recorte valorizador citado por Sontag.

Ilustração 20: LUIZ BRAGA. No barbeiro em Abaetetuba. 1992.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.

38
Informação prestada pelo artista por e-mail: “[...] Peço apenas que se mantenham naturais, do jeito que
estavam quando os encontrei. [...]”. (Luiz Braga, 30/06/2011, ANEXO D, p. 237).
57

A fotografia No Barbeiro em Abaetetuba (Ilustração 20) foi exposta na retrospectiva


“Arraial da Luz” (2005), na cidade de Belém, em comemoração aos 30 anos da carreira
de Luiz Braga. A foto oscila entre a fotografia enquanto documento etno-antropológico
e instrumento de captação de flagrantes de cenas do cotidiano. Braga parece hesitar
entre expressar o referente da região e suas intenções estéticas. Para ele esses dois
caminhos não se sobrepujam e operam um acordo em vista de novas possibilidades de
imagens. Como outros artistas importantes no cenário da fotografia brasileira, ele torna
tênue, ou mesmo em alguns momentos, implode os limites entre documento e arte.

Esta foto, No Barbeiro em Abaetetuba, feita durante um trabalho realizado sobre as


olarias daquela região, não faz parte de nenhuma das séries emblemáticas da produção
de Luiz Braga. A fotografia apresenta um garoto cortando o cabelo numa barbearia
improvisada ao ar livre – numa ponte rústica de madeira, de uma vila alagada daquela
região – local de circulação dos moradores do lugar. O menino localizado ao centro da
imagem assume o papel de modelo/personagem – com um forte olhar que se torna um
detalhe que invade o quadro e “punge” 39
o espectador que observa a cena – olhos
fascinantes, surpresos e atentos. Não se trata apenas do registro de uma cena do dia-a-
dia do lugar, mas também, dos outros sentidos que aquela imagem traz, tanto na
fotografia, quanto na originalidade do olhar de Luiz Braga sobre aquela situação – uma
ação progressiva que vai do conjunto dos dados que definem, em todos os níveis, a
conexão desta com sua situação referencial, tanto na relação do fotógrafo com o
fotografado, quanto na recepção que nos faz pensar no “momento da retomada – da
surpresa ou do equívoco” 40 na recepção da mesma.

A cena do garoto na barbearia - representação do cotidiano de uma periferia da cidade


de Abaetetuba, no estado do Pará - traz o modo como Braga percebe, vê e atribui
significados ao espaço/lugar, a partir do refinado exercício visual – peculiar na
construção de suas imagens. A experimentação possibilita colocar na prática essas cenas
urbanas, como forma de se afirmar não apenas como documento etno-antropológico,
mas como imagens com um sentido plástico. Numa decisão rápida e consciente ele
articula a composição do retrato. O forte apelo visual das linhas sugere um espaço
perspectivado do ambiente, que dialoga com o fotografado. A escolha do ponto de vista

39
Roland Barthes, op. cit., p. 46.
40
Philippe Dubois. O ato fotográfico e outros ensaios, 1994, p. 66
58

e a distância focal da lente são os principais fatores que influenciam na representação da


profundidade ou da perspectiva dessa imagem. As tábuas de madeira das paredes das
casas que formam o estreito corredor de circulação, onde o modelo se encontra, formam
linhas verticais retrocedentes dando realce à profundidade da ponte, como num estudo
de perspectiva. A composição apresenta de forma proposital, outros elementos com
tamanhos relativos, que funcionam como pistas de profundidade da imagem
bidimensional. Além da bicicleta, por trás do garoto, dois outros personagens,
mostrando apenas pequena parte dos seus corpos, funcionam como pilares na
construção do olhar. A intensa luz por trás do pequeno modelo realça o branco avental
que o envolve. O jovem garoto se torna, na cena, o ponto de interesse cuidadosamente
posicionado quase ao centro da representação, de onde surgem linhas que se irradiam
para os dois cantos da margem inferior do quadro.

A atitude artística de Luiz Braga, neste contexto, mescla “recordações da sua infância”
41
e um “sistema imagético” peculiar – emprestando um termo que foi inicialmente
usado por teóricos do cinema. Esse “sistema imagético”, numa definição bastante
simplificada, seria o uso de imagens, elementos e composições recorrentes para
adicionar camadas de significados a uma narrativa, e que podem ser uma ferramenta
poderosa para introduzir temas, motivos e imagens simbólicas, que possam ou não ser
explicitamente tratadas no contexto geral da imagem. Podemos perceber as cenas com
habitantes da região retratando o cotidiano da periferia da cidade de Belém, ou de outras
cidades próximas daquele lugar, como algo característico e marcante nas narrativas de
suas fotografias.

Por outro lado, essa imagem é intrigante. O lugar é sombrio e úmido. No centro da cena,
o alvo avental do barbeiro envolvendo o pequeno corpo do menino - personagem
anônimo da cena – reveste o momento de um sentido, que metaforicamente exala algo
de “sacro” – o rosto angelical da pequena cabeça – quase separada do corpo pelas vestes
brancas, lembra os “santos de roca” 42
. A fisionomia é coroada com uma intensa
fulgência, que estrondeia na linha do horizonte, sobre o garoto - formando um esplendor

41
Informação prestada pelo artista por e-mail“[...] Remete aos sábados em que meu pai me levava ao barbeiro. [...]”
(Luiz Braga, 03/09/2012, ANEXO E, p. 238).
42
O santo de roca é um costume que teve início na Idade Média e que alcançou o apogeu no Brasil durante o século
XVIII. São imagens sacras feitas a partir de uma base articulada, de madeira rústica e leve, que sustenta as poucas
partes expostas da figura: cabeça, mãos e pés, feitos de madeira boa, ou gesso, ou outro material mais nobre. A base
fica escondida sob trajes, que procuram ser realistas o bastante para impressionar o observador.
59

que traz certa suntuosidade ao momento. Essa luz resplandecente, compositivamente,


gera um alto-contraste com nuances do preto ao branco e uma riqueza de cinzas que
ajuda a enfatizar as qualidades gráficas dessa composição. O tom lírico é realçado pela
sobreposição das lembranças da infância do fotógrafo, que falam diretamente ao
espectador no rosto angélico do personagem, representando os sentimentos, estado de
espírito e as percepções do lugar daquele fotógrafo.

Ilustração 21: LUIZ BRAGA, Meninos no chafariz, 1986.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.

O aspecto lúdico nas cenas inusitadas do cotidiano urbano, também, movem as


temáticas das imagens desse fotógrafo. “Meninos no chafariz” (Ilustração 21) apresenta
dois garotos tomando banho numa fonte de água de um espaço público – gruta artificial
que faz parte do paisagismo da Praça da República43, na cidade de Belém-PA. O

43
A Praça da República é uma das principais áreas livres públicas que a cidade de Belém possui.
60

despojamento do comportamento dos personagens convive com a elegância


arquitetônica do belo chafariz.

Nesta fotografia, a figura dos personagens anônimos se encontra centrada num fundo
que conjuga a beleza do espaço, e a ingenuidade, da simplicidade extrema, manifestada
na alegria daqueles gestos. Luiz Braga trabalha com uma cena insólita, onde os corpos
de seus personagens celebram o respeito pelo ser humano num espaço quase sagrado - a
gruta de pedras - iluminada pela luz amazônica. A cena ganha uma dimensão
encantadora - além do aspecto sedutor - o que também foi feito por outros artistas mais
velhos como Mário Cravo Neto. 44

Essas imagens em preto e branco são simbólicas e inconfundíveis na produção autoral


desse fotógrafo. Apontam para um procedimento composicional que incorpora à obra o
ponto de vista do fotógrafo e as condições de percepção do observador. O processo
compositivo de Luiz Braga, em “Meninos no chafariz”, organiza os elementos da cena
de forma viva e incisiva – ele entrega a cena ao observador. Ao longo da história da
arte, tais artifícios são significativos nos procedimentos intuitivos da perspectiva de
Degas, que rompe com o modelo de perspectiva da visão renascentista - estática e
neutra. Neste sentido, podemos observar que

“se o espaço perspéctico renascentista é um espaço racional e


homogêneo correlato a uma temporalidade ideal, em Degas o
espaço é representado de modo fragmentário e contingente,
sucedâneo da experiência visual da presença do corpo do artista
e da mediação da percepção.” 45

Em “Meninos no chafariz”, as colunas da gruta nas bordas do quadro e nos planos


subsequentes, fornecem a ilusão de que a cena continua para além da moldura do
enquadramento, como se Braga olhasse o mundo que o cerca pela objetiva de sua
câmera, ou pelo buraco de uma fechadura, ou por uma fresta de uma porta, reforçando

Localizada próxima ao centro histórico, esse espaço se tornou, desde meados do século XIX, uma forte
referência para a organização urbana da cidade e um marco simbólico de um período promissor da capital
paraense. Conhecida originalmente como Largo da Pólvora, a área passou por significativas
transformações em sua estrutura morfológica, sendo a principal no período do intendente Antônio José
Lemos, entre 1897 e 1912. (ver Rubens de Andrade; Vera Regina Tângari. A praça da república e seus
aspectos morfológicos no desenho da paisagem de Belém. In Paisagem Ambiente: ensaios - n. 16. São
Paulo, 2002, p. 48.
44
Mário Cravo Neto. Mário Cravo Neto. Salvador: Ada Galeria de Arte, 1991.
45
Antônio Fatorelli. Fotografia e modernidade. In SAMAIN, Etienne (Org.). O fotográfico. 2ª ed. São
Paulo: Editora Hucitec/Editora Senac São Paulo, 2005. p. 89.
61

um aspecto voyeurista, também peculiar em Degas. Em algumas fotografias desse


fotógrafo, o caráter voyeurista nas imagens se revela pelo posicionamento de seu olhar
no enquadramento da cena, ou no tratamento da luz que revela uma atmosfera artificial
que ilumina o ambiente e os personagens, ou ainda nas cores esbatidas por penumbras
obtidas pelo desfoque. Retomaremos este assunto no segundo capítulo desta tese.

No que se refere à temática, Luiz Braga em “Meninos no chafariz” captura uma cena
com movimentos expressivos – a ação dos jovens banhistas na fonte de água. Degas,
também, foi um aficionado pelo movimento expressivo, dedicou predominante parcela
de sua produção à obstinação por retratá-lo, por isso elegeu temas como as corridas de
cavalos, o balé clássico, as lavadeiras, passadeiras, costureiras e outros modelos no
exercício do seu ofício. Neste sentido, é importante perceber que tanto nas pinturas de
Degas, quanto nas fotografias de Luiz Braga, existe uma ênfase nos aspectos subjetivos
da visão e uma crescente virtualização do sujeito. Isto é, quer seja na questão
propriamente moderna da visibilidade impressionista de Degas, ou na amplitude do
contexto relacional 46 , que envolve as estratégias formais de composição de Luiz Braga,
é fato que, historicamente, tais maneiras de perceber o mundo assinalam a existência de
uma ruptura sistêmica entre uma visão estabelecida desde o renascimento e a visão
impressionista – uma mudança da história do olhar e das modalidades de representação.
Podemos perceber similaridades aparentes entre a imagem fotográfica e as outras
modalidades como a pintura perspectivada em suas várias conjunturas. No entanto, tais
similaridades são insignificantes se percebermos a ruptura sistêmica de onde a
fotografia emerge. Vale perceber que

“Tal abordagem, ao tempo que marca uma ruptura com o


esquema tradicional de representação, estabelece um nexo entre
a fotografia, tomada como modelo visual, e um imaginário
social do qual compartilham igualmente os postulados
científicos e uma série de procedimentos institucionais de
controle que vão atuar como elementos de reterritorialização
desse novo corpo criado pela modernidade.” 47

Estas questões apresentadas na análise “Meninos no chafariz” sinalizam para alguns


pontos que têm sua gênese na transição da Idade Clássica para a Modernidade - a

46
Sobre a ideia de contexto relacional que nos referimos quando tratamos das estratégias formais de
composição de Luiz Braga, ver a ideia de posição relacional, apresentada por Rosalind Krauss, em “A
escultura no campo ampliado”, em Gávea, n° 1, Rio de Janeiro, 1985, p. 93.
47
Antonio Fatorelli, op. cit.,p. 92.
62

ruptura com o modelo de representação que reflete o mundo (ou reproduz). O fim do
regime visual do Classicismo coincide com o fim do discurso representativo, que era
profundamente realista, pois a linguagem funcionava como meio de conhecer as coisas.
Acreditava-se que entre palavras e coisas havia uma relação causal, onde as palavras
existiam para representar as coisas. Na modernidade, ao contrário, evidencia-se o fato
de que as palavras não dizem as coisas, não as representam, nem as significam,
transformando-se em meio e fim em si mesmas, ou seja, onde a “verdade” deve ser
destruída para libertar outras, incessantemente, indefinidamente, infinitamente. Talvez,
isto possa contribuir para ampliar o estudo da noção de transparência e opacidade
surgidas nos estudos da norte-americana Rosalind Krauss sobre a escultura moderna, e
analisadas nos estudos do historiador brasileiro Tadeu Chiarelli no contexto “da e na
fotografia”48, no texto “Luiz Braga e a fotografia opaca”, que será um ponto de reflexão
no segundo capítulo deste trabalho.

Em “Meninos no chafariz”, Luiz Braga ao mesmo tempo em que recupera uma


memória coletiva dessas brincadeiras de crianças nas praças – espaços públicos da
cidade de Belém-PA, na segunda metade do século XX -, ele também refuta a condição
de uma fotografia de cunho documental, revestindo-a de outras dimensões. Além de
discursivas, as imagens possuem proporções estéticas, emotivas e de outras ordens. Ele
dá a pessoas simples do cotidiano, a dignidade, a beleza perdida e o prazer de serem
fotografadas. Trata cuidadosamente as cenas e inibe “um certo” exotismo daquela
visualidade. Pela maneira que combina luz e sombra, ele deixa ressoar a herança dos
colegas mais velhos como Mario Cravo Neto, que com maior frequência, produzia
fotografias em preto e branco, e de forma cuidadosa e consciente transitava por relações
complexas, situadas entre a mímesis do corpo representado e a herança explícita das
vivências culturais.

Natal (Ilustração 22) é um trabalho bastante conhecido do acervo deste fotógrafo. Essa
foto já possui 27 anos (2012), e fez parte da mostra em vários eventos, entre eles a
49
Exposição Arraial da Luz, no Arraial de Nazaré (Belém - 2005), da Exposição

48
Tadeu Chiarelli, op. cit., p. 10.
49
A exposição‚ com curadoria de Rosely Nakagawa‚ fugiu das propostas convencionais, e segundo a
curadora, se aproximou da marca de Braga. Para ela, Braga foi o pioneiro ao realizar a primeira exposição
virtual em Belém‚ e mostrar seus trabalhos em uma danceteria (Signos Club) nos anos 80, ou expor fotos
de corpos nus. “Essa inquietude faz parte de mim. Estou tentando sempre buscar uma forma diferente de
63

Antônio, Luiz e Bina, na Galeria da Gávea (Rio de Janeiro-2010), e mais recentemente


da Feira Internacional de Arte Contemporânea, na Galeria da Gávea– Armazém 3 (Rio
de Janeiro - 2012). A imagem apresenta uma cena corriqueira, contudo emblemática, da
cultura da cidade de Belém-PA, na segunda metade do século XX – crianças que saiam
com seus brinquedos para passear na companhia dos seus familiares, no dia de natal.

Ilustração 22: BRAGA, LUIZ. Natal, 1985.


Pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 75 cm.
Acervo do Artista.

A imagem apresenta cinco mulheres – quatro meninas e uma jovem senhora diante do
parapeito da orla de um caudaloso rio. A organização da cena traz questões intrigantes.
As personagens estão de costas para o observador e seus olhares divididos, miram em
direções distintas. Da esquerda para direita, a primeira personagem da cena - separada
do grupo por uma coluna da balaustrada da orla, serenamente tem o olhar fixo para o
lado esquerdo do quadro; a segunda garota, que segura sua boneca ao lado da jovem
senhora, parece contemplar algo a sua frente numa conversa com sua acompanhante;
enquanto as demais garotas olham fixamente para o lado direito do espaço. Assim, a

chegar às pessoas”‚ diz Luiz Braga. A Exposição Arraial da Luz, contou com uma grande estrutura que
recriou os espaços típicos de um arraial - como o carrossel‚ o trem-fantasma‚ o lambe-lambe, e celebrar a
arte da fotografia. A exposição Arraial da Luz‚ que inaugurou no dia 1º de junho de 2005‚ e foi abrigada
em seis grandes espaços revestidos com plotagens gigantes, que poderam ser vistas a grande distância
pelo público. Disponível em: < http://photos.uol.com.br/materias/ver/53657>, em 12/10/2012.
64

cena que parece ter uma unidade – fragmenta-se diante da grande “janela do rio”. O
tempo e o espaço se tornam fracionados pelo gesto breve daqueles olhares – possíveis,
mas incertos.

O fotógrafo trabalha, simultaneamente, paisagens e figuras humanas. Esta conjugação


dos personagens com o ambiente, não raramente, se tornará um laboratório de
experimentação. Um caminho a mais para explorar a possibilidade de recriar cada cena
como se estivesse se formando diante do observador. A figura feminina é o grande
motivo dessa foto. Três meninas delicadamente trajadas, cada uma com suas bonecas –
presentes ganhos na noite de Natal. A quarta menina, que se encontra mais afastada do
grupo, com roupas e calçado mais simples, reflete uma diferença social entre elas, talvez
pela função doméstica que a mesma exerce naquela família, ou alguém que se
encontrava naquele lugar – sem necessariamente ter algum vínculo com o grupo.

Luiz Braga, nesta foto como em outras apresentadas até aqui, vai ampliando a ideia do
retrato fotográfico. Moldando a plasticidade da imagem, sua intenção se desloca do
campo de um “retrato formal” 50
– onde o modelo e o fotógrafo têm um conhecimento
consensual do evento e normalmente trabalham juntos para criar a imagem, e alcança a
ideia de “retratos espontâneos” 51
, onde o assunto está alheio ao fotógrafo – uma
atmosfera mais relaxada e natural atravessa a efemeridade do gesto. Nesta imagem, Luiz
Braga como diferentes fotógrafos brasileiros, prefere realizar a captura dos seus
fotografados segundo um conceito estético, onde o fundamental é um pensamento da
imagem que guarda o seu lugar na força da sobreposição de linguagem, natureza da
fotografia, e cultura.

O anonimato das personagens femininas na foto Natal, se repete em outras, como


Carinho no balcão (Ilustração 23). Essa atitude de romper com a ideia do retrato
tradicional, ou “retrato formal” tem um forte apelo com a questão moderna da
visibilidade impressionista da segunda metade do século XIX. Paul Guigou (1834-1871)
pintou “Lavadeira” (Ilustração 24) 52, e Frédéric Bazille (1841-1870) “O Vestido Rosa”

50
David Präkel. Composição. Tradução: Mariana Belloli. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 140.
51
Ibid, p. 140.
52
Caroline Mathieu; Dominique Lobstein; Guy Cogeval, et al. Impressionismo - Paris e a Modernidade,
obras-primas do Musée D’Orsay. São Paulo: Editora EXPOMUS, 2012. p. 50.
65

53
(Ilustração 25) , onde em ambos, os pintores rompem com o retrato tradicional,
representando suas personagens de costas ou quase de costas. Como eles, Braga de
forma simples, insere figuras vistas de costas em paisagens ou em espaços fechados
como em Carinho no balcão. Ainda que em momentos distintos, o interesse desse
fotógrafo e, também daqueles pintores, desloca-se da identidade dessas pessoas e
alcança o gesto, o momento, a visualidade a partir de uma maneira valorizadora de vê-
las. Neste sentido, podemos observar o que Fatorelli diz quando apresenta reflexões
sobre a história dos processos de inscrição,
“Mais do que mobilizar modelos geométricos e óticos, os meios
visuais são a expressão de modelos cognitivos e perceptivos de
uma época, e o são de modo exemplar por ocasião do seu
surgimento, no momento em que sintetizam uma trajetória de
acúmulo de conhecimentos e práticas em diferentes áreas,
quando são de tal modo inéditos que despertam a polêmica e a
incompreensão em diferentes campos.” 54

Essa “trajétoria de acúmulo de conhecimentos e práticas” envolve um amplo contexto


de relações “entre o homem e a técnica, a vida e a ciência, o símbolo e a operação
eficaz, ou a poiésis e o arrazoado”55. E ainda, mesmo que algumas vezes façamos
distinções para fins de análise, é preciso perceber que estes conceitos construídos que
acabamos de citar, quando relacionados à fotografia, à pintura e aos demais
dispositivos, ou meios visuais não podem ser entendidos “como sendo regiões do ser
radicalmente separadas” 56. E ampliando essa discussão

“Hoje, ainda que características cognitivas universais sejam


reconhecidas para toda a espécie humana, geralmente pensa-se
que as formas de conhecer, de pensar, de sentir são
grandemente condicionadas pela época, cultura e
circunstâncias.”57s

Além disso, como trazem procedimentos que rompem com a tradição podem gerar
desconfortos quando provocam controvérsia e oposição nos campos da estética e outros.
Com a fotografia, e com aqueles pintores impressionistas, também não foi diferente. Por
volta do ano de 1850, Baudelaire teceu furiosos comentários sobre o novo meio, e as
outras áreas também ficaram abaladas com aquela nova maneira de ver - além da ampla
disseminação entre artistas e outros interessados nas possibilidades que a fotografia

53
Ibid, p. 51.
54
Antonio Fatorelli, op. cit.,p. 83.
55
Pierre Levy. As Tecnologias da Inteligência. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. p. 14.
56
Ibid, p. 14.
57
Ibid, p. 14.
66

podia oferecer numa escala até então desconhecida.

Ora, nesse contexto a fotografia passou a ser “um destes dispositivos técnicos pelos
quais percebemos o mundo”58 e, tanto a pintura impressionista quanto a fotografia, são
significativas fontes de imaginário - “entidades que participam plenamente da
instituição do mundo percebido” 59
, de uma maneira profunda que afetou as demais
práticas. Numa via de mão dupla, a pintura passaria a incorporar valores fotográficos e
vice versa. De modo positivo ou negativo, estamos diante de uma situação onde
passamos a ter uma outra visualidade inaugurada por este meio - um tipo de olhar que a
fotografia encarnou de forma ideal.

Ilustração 23: BRAGA, LUIZ. Carinho no balcão. 1994.


Pigmento mineral sobre papel de algodão, 75 x 50 cm.
Acervo do Artista.

58
Ibid, p. 15.
59
Ibid, p. 15-16.
67

Ilustração 24: PAUL GUIGOU. Lavadeira. 1860. Óleo sobre tela.


Acervo do Musée D’Orsay - Paris.

Ilustração 25: FRÉDÉRIC BAZILLE. O Vestido cor de Rosa. 1864.Óleo sobre tela.
Acervo do Musée D’Orsay - Paris.
68

Na foto Natal há uma suspensão do mundo, daquele momento, daquela situação, por
onde transparece a densidade e as questões relacionais da imagem. Em outras palavras,
a cena retratada volta em tempos e espaços distintos repensando o pensamento da
“gênese automática” 60
da fotografia, isto é, “que o homem não intervém e não pode
intervir sob pena de modificar o caráter fundamental da fotografia.” 61
Braga, mais uma
vez, se recusa a seguir os princípios basilares da fotografia tradicional. Sua intervenção,
nesta imagem dá-se em vários momentos. No momento do fotográfico, quando procura
refletir a efemeridade daquele gesto sinalizador de uma visibilidade impressionista
presente em Degas e em outros, cuja análise traria um conjunto de operações que
marcariam, na história, novos processos de subjetivação associados a outros regimes de
signos. Ele interfere, ainda, no plano do pós-fotográfico - o negativo de 35 mm em preto
e branco, que foi digitalizado e impresso em momentos diversos, seguindo a demanda
das exposições.

Nesse percurso, suas experimentações vão além das inovações das estratégias
compositivas, ou da subversão das informações das bulas dos filmes - ele com um
temperamento inquieto nega-se à naturalização do tempo e gera um descompasso que
nos leva a pensar na observação de Latour: “tudo ocorre por mediação, por tradução e
62
por redes, mas este lugar é o impensável dos modernos”. Braga ao capturar aquela
situação e trazê-la tantas vezes, em outros momentos singulares, adensa a análise da
fotografia simultaneamente como natureza e cultura, reflexo e reflexão, ciência e arte,
magia e técnica. Tudo ao mesmo tempo, rejeitando divisões artificiais que poderiam
gerar a separação entre a natureza e a cultura, do inato e do aprendido, além da distinção
entre as coisas e os objetos. Braga reencontra a noção da mediação de Latour (1994) - o
respeito por outros caminhos e possibilidades diferentes o leva a inventar assim um
empirismo, talvez mais realista e que o impulsiona a experimentar outros sentidos para
suas imagens.

60
Philippe Dubois, op. cit., 1994. p. 85.
61
Roland Barthes. “A Mensagem Fotográfica”, em O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984, p. 86.
62
Bruno Latour. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. p. 43.
69

Ilustração 26: LUIZ BRAGA. Rosa, 1990.


Negativo 35 mm em preto e branco, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Museu de Arte Moderna de São Paulo-MAM.

Na sequência, Rosa (Ilustração 26) é um trabalho bem conhecido do fotógrafo Luiz


Braga. A imagem sugere questões relacionadas à fotografia, a partir da ideia de retrato
como um dos grandes arquétipos da pintura e, de forma temática como uma das mais
importantes heranças que a fotografia recebeu. Dessa forma, num primeiro momento, é
importante entender a fotografia de retrato como uma atitude artística. Tanto a intenção
presente no ato de fotografar, como o intuito do pintor ao se posicionar diante da tela
para retratar o modelo, podem ser entendidas como finalidades muito próximas. A
intenção dos dois agentes pretende atingir a sensibilidade do espectador e potencializar
o que está sendo dito. Para isso, fica claro que a utilização de argumentos visuais
capazes de amplificar a intenção de comunicação da pintura ou da fotografia são
empregados de várias maneiras, quer num quadro renascentista, quer numa fotografia.

Tal como na pintura, os fotógrafos adotaram três tipos de retrato – busto, meio corpo e
corpo inteiro – e em cada categoria o retrato podia variar entre a vista de perfil, a três
quartos ou frontal. Contudo, os primeiros retratos do Renascimento Flamengo exibiam
70

os modelos de perfil, à semelhança da tradição italiana. Posteriormente ampliaram o seu


repertório para retratos a três quartos ou mesmo em posição quase frontal. Andreas
Beyer chega a afirmar que a história do retrato pode ser representada como a trajetória
de um movimento no qual a face se vira gradualmente para o observador:

“A história do retrato na era moderna pode de fato ser


interpretada como o “decorrer de um movimento” no qual a
face se volta, de forma gradual, para o observador. A natureza
tentativa do percurso do retrato, e o ponto até onde o gênero se
manteve ‘passivo’, estão maravilhosamente captados numa
caracterização de Otto Pächt, que disse destes retratos: ‘O que
está retratado é o estado de ser olhado, não o de olhar’”. 63

O retrato de Rosa (1990), em preto e branco, ou Rosa no Arraial (1990) 64 evidencia um


artifício que mostra o sujeito por sua forma, gestos e graus de dignidade. O perfil da
nobreza renascentista se torna visível nessas imagens, contudo, como diz Paulo
Herkenhoff “ está distante dos documentos etnológicos do século XIX ou da
identificação criminológica.” 65
Dessa maneira, Luiz Braga optando por um “close-up”
aproxima o perfil da personagem do observador e enfatiza a beleza da jovem num
conjunto que envolve detalhes expressivos, como o brinco e a forma do arranjo do
cabelo. Essas particularidades realçam a dignidade da personagem. Historicamente, no
Renascimento a representação da figura humana ganhou solidez, majestade e poder,
refletindo o sentimento de autoconfiança e riqueza de uma sociedade complexa e
multifacetada em tendências e influências. No entanto, Luiz Braga em seus retratos,
mesmo que valorize a dignidade dos seus fotografados, foge dos cânones de uma beleza
idealizada, que marcaram o retrato daquela época.

Este diálogo entre fotografia e pintura analisado neste retrato - Rosa (1990) -, mostra
que tradicionalmente os fotógrafos recriavam tanto as poses como os cenários
característicos da pintura, e foram buscar muitas das suas referências no Renascimento,
tanto do ponto de vista estrutural como em nível de conteúdo. Tal como no
Renascimento, também a fotografia de retrato surgiu numa época em que o interesse

63
Andreas Beyer, Portraits: a history. Nova Iorque [E.U.A.]: Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 2003. p.
38.
64
Fotografia colorida, ver Ilustração 02.
65
Paulo Herkenhoff. Catálogo da Exposição Luiz Braga - Território do Olhar. Vitória: Museu Vale do
Rio Doce, 2005. p. 4.
71

pela identidade suscitava uma enorme curiosidade, tal como o seu lugar na história e no
tempo.

Luiz Braga, conforme relatos66 apresentados sobre o seu trabalho, edificou a base de sua
poética no experimentalismo. Uma trajetória inquieta e peculiar, onde foi somando
vivências e um universo de múltiplas referências. Num primeiro momento, buscou as
bases compositivas de seus trabalhos na pintura dos grandes mestres, e nas suas
tentativas com o cinema. Entretanto, vale ressaltar ainda, que o “olhar fotográfico” de
Luiz Braga, é um “olhar” emergido e trabalhado no interior de uma sociedade já
permeada pelo discurso da imagem, onde quase toda informação é imagem ou a ela está
relacionada -, e onde a fotografia enquanto imagem técnica é elemento constitutivo da
cultura visual do local onde Braga nasceu e vive.

Outra imagem significativa na produção desse fotógrafo é Vaqueiro Marajoara


(Ilustração 27). Com um olhar refinado, Braga busca a beleza dos seus fotografados –
habitantes da região norte – pessoas comuns como aquelas que foram tão caras para
pintores impressionistas como Gustave Caillebotte67 (1848-1894). Assim, podemos
refletir sobre o que Sontag diz “[...] De fato, o triunfo mais duradouro da fotografia foi
sua aptidão para descobrir a beleza do humilde [...]”. 68
Ele vai além dos ideais
formalistas de beleza e dos padrões da pureza fotográfica. Os habitantes da região são
personagens que refletem uma cultura que passa a ser o mote do seu “olhar”. Braga
reflete e amplia a “visualidade amazônica” ou a “visualidade na Amazônia.

Neste contexto, vale evidenciar, ainda, que dentre as modalidades da linguagem


fotográfica, o retrato pode ser visto como uma porta de acesso privilegiada para
identificar a natureza polissêmica e híbrida da imagem fotográfica. Historicamente,
fazendo um recuo ao século XIX, o fotógrafo-artista queria exprimir uma tese corrente
no mundo da pintura, na qual o retrato artístico mais que informar, deveria representar.
Ou seja, “condensar em uma imagem simbólica o essencial das qualidades e das funções

66
MAC Encontra os Artistas - MAC-USP, em 21/08/2012. Disponível em vídeo:
<http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_2/luizbraga_vd.asp>; acesso
em: 12/10/2012.
67
Muitas de suas pinturas representam pessoas comuns, como “Os Raspadores de Assoalho”, cujo tema
traz operários trabalhando. Essa pintura foi rejeitada no Salão Oficial por tratar de um tema vulgar.
68
Susan Sontag. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
p. 118.
72

de um indivíduo importante”69. Borges ressalta que

“os critérios da educação do olhar, normatizados nas Academias de


Pintura, não eram conhecidos pelos fotógrafos amadores. A eles
interessava tão somente aprisionar cenas e momentos significativos para
suas vidas íntimas.” 70

Ilustração 27: LUIZ BRAGA. Vaqueiro Marajoara. 1984.


Pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 75 cm.
Acervo do Artista.

Luiz Braga, na sua caminhada como fotógrafo autoral, nunca abandonou o interesse de
um fotógrafo amador. Mantendo-se algumas vezes na posição de observador apresenta
em suas imagens questões relacionadas às narrativas de vidas íntimas, ou cenas do
cotidiano com a presença de pessoas, que nem sempre percebem a presença do
fotógrafo. Essas estratégias lembram em algumas de suas imagens, como já dito, o
caráter voyeurista em Degas. Em Dormitório Antônio Lemos (Ilustração 28), e Serra
dos Carajás (Ilustração 29), o olhar amazônico de Luiz Braga vai construindo um
percurso, um “território” com características marcantes que mostram os seus encontros
com o mundo que o cerca. A fisionomia amazônica - tema de suas produções - amplia-
se e constrói um olhar reflexivo e vivo sobre as questões que envolvem os seus

69
Gabriel Bauret. Approches de la photographie. Paris: Nathan, 2002, p. 51.
70
Maria Eliza Linhares Borges. História & Fotografia. Belo Horizonte: Autentica, 2008. p. 30.
73

referentes. Não são apenas os aspectos do lugar que estão em jogo, mas gestos, objetos,
questões estéticas e sociais. A fotografia em preto e branco significativa no início de sua
carreira, retorna em momentos distintos – com novas imagens, ou aquelas da década de
80, atualizadas em eventos recentes. Essas imagens ganham aspectos além das
características dos referentes amazônicos.

Ilustração 28: LUIZ BRAGA, Dormitório Antônio Lemos, 2000.


Catálogo LUIZ BRAGA TERRITÓRIO DO OLHAR. (pag. 4)
Museu Vale do Rio Doce, 2005.
74

Ilustração 29: LUIZ BRAGA, Serra dos Carajás, 1992.


Catálogo LUIZ BRAGA TERRITÓRIO DO OLHAR. (pag.7)
Museu Vale do Rio Doce, 2005.

O substrato do projeto imagético de Luiz Braga é uma sedimentação de múltiplas


referências. A cultura da imagem tem como suporte um regime visual peculiar que,
neste caso específico, dialoga com um universo expressivo - substrato do “território do
olhar”71 deste fotógrafo. Assim, a dimensão da visualidade amazônica presente nas
imagens analisadas, que ora transitam por uma fotografia de cunho documental e ora
por questões antropológicas, construiu um sistema imagético distintivo de suas
fotografias, cujo “território do olhar”, tem como motivação a relação com a pintura,
gravura, cinema e outros tantos universos que ecoam no campo da aparência do espaço.
Estes ecos são gerados a partir das escolhas dos objetos e ângulos, da articulação dos
elementos formais e da subversão de algumas normas do equipamento e materiais
utilizados pelo artista.

71
A expressão “território do Olhar", originalmente, foi apresentada por Luiz Braga para a Exposição
realizada em 2005, no Museu da Vale, em Vila Velha(ES), sob a curadoria do Paulo Herkenhoff.
75

1.3 A imagem além do referente: a fotografia deixa transparecer mais do que


lembranças do lugar.

A produção de Luiz Braga envolve algumas fotos que ainda são pouco conhecidas no
circuito das artes. A Série “Solitude” – “onze imagens realizadas entre 1976 e 2004”72 -
guardam questões que podem ampliar o nosso estudo. As imagens provocam uma
reflexão sobre o seu lugar no mundo contemporâneo – momento marcado pela
abundância de propostas visuais e pela diluição do olhar. Neste contexto, analisaremos
sete fotos dessa Série. São três imagens em preto e branco e quatro coloridas que se
encontravam guardadas entre tantas outras já mostradas nesse capítulo. Xícaras
penduradas. Um vaso de cristal sobre uma toalha de crochê. Cadeiras vazias. Um ferro
de passar roupas. Uma máquina de costura. Um mosquiteiro. Um sofá. Objetos que
representam ausências: a falta de alguém para desfrutar aqueles lugares, aquelas coisas.
Essas fotos estão impregnadas de afeto e adquirem um “outro sentido” e um lugar
especial. Nelas a “falta” não é simplesmente prejuízo, mas torna-se um canal de diálogo
do espectador com aqueles objetos e espaços. Uma conversa com a memória num
momento marcado pela superficialidade diante da abundância desaforada de acúmulos
de informações, da rapidez das redes comunicacionais – a “transparência” levada ao
“êxtase da representação” 73- é como se o ontem não tivesse mais importância.

Sua longa trajetória imagética sempre foi marcada pela forte presença humana – o
habitante da região amazônica. Em “Solitude”, a expressiva aparência dos personagens
se faz inversa. Essas imagens comportam o silêncio, a ausência da figura humana que se
faz presente no objeto, na arrumação dessas coisas no ambiente doméstico, na
organização das flores no centro de mesa da sala, no mosquiteiro engenhosamente
dependurado na alcova. É por meio da falta das pessoas, que estão ligadas
cotidianamente àqueles objetos, que surgem lembranças dos tempos de outrora e do
afeto que existe impresso nas coisas e cômodos daqueles lares.

Luiz Braga configurou sua poética em “Solitude” a partir das referências buscada no
outro, para mencionar a si mesmo. O desejo era externar o quanto esses objetos fizeram

72
Marisa Mokazel. LUIZ Braga: imagens e afetos. In Catálogo do II Prêmio Diário Contemporâneo de
Fotografa: crônicas urbanas / Mariano Klautau Filho et al. Belém: Diário do Pará, 2011. p. 106.
73
Sobre essa ideia de “transparência” e “êxtase da representação”, ver Baudrilard (1983, p. 71).
76

parte da sua vida e o remetem às pessoas queridas, aos momentos especiais, aos lugares
da memória. É um trabalho mais intenso do que um arranjo frio de objetos inanimados.
Neste sentido, Braga diz: “no momento em que eu me lanço nesses objetos, estou em
busca do meu sentimento” 74
. Sobre essa questão é pertinente observar o que Susan
Sontag afirma: “Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo
em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto ao
poder.” 75

Sontag manifesta uma visão moderna e reflete sobre o aspecto da foto ser a experiência
capturada através da câmera, que seria o recurso da consciência nessa busca. No
entanto, desde meados dos anos 70, a teoria da fotografia não raramente volta-se para a
ideia de que fotos podem ser entendidas também como processos de codificação e
significação cultural. A análise pós-modernista tem oferecido outras maneiras ou formas
alternativas de compreender o sentido da fotografia em termos de sua autoria e dos
desenvolvimentos estéticos e técnicos desse veículo, cuja lógica interna e externa sofre
interferências de outros campos, ou experiências. O que fica aparente na Série
“Solitude” é que as fotos proprocionam experiências atreladas às imagens estocadas nos
“bancos de dados” da nossa memória e da memória de Luiz Braga: cenas de família,
cenas de filmes, fotos antigas, peças de mobiliário, pinturas e assim por diante. Existe
algo de profundamente familiar que preenche o vazio deixado pelo silêncio e a ausência
da figura humanana; a chave para captar estes significados vem do nosso próprio
conhecimento cultural de imagens – amalgamados tanto por imagens genéricas do
substrato de nossa cultura visual, como outras específicas. Estas fotos de Luiz Braga
são, de fato, um convite para a consciência do que vemos, de como vemos e de como
essas imagens afetam e dão formas as nossas emoções e ao nosso entendimento de
mundo. A propósito, segundo Cotton

“As críticas pós-modernistas da imagética fotográfica têm sido


um convite tanto aos profissionais como aos apreciadores da
fotografia para que reconheçam explicitamente a codificação
cultural por ela mediada.” 76

74
Fala do artista, disponível em: http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=128652. Acesso
em: 22/10/2012.
75
Susan Sontag, op. cit., p. 14.
76
Charlote Cotton. Revivido e refeito. In A fotografia como arte contemporânea. Tradução de Maria
Silvia Mourão Netto. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 192.
77

A preponderância de aspectos da história da arte é importante no reconhecimento dessa


trama discursiva, estética, afetiva, cultural e técnica que envolve essa produção
imagética – a posição do fotógrafo e dessas imagens naquele contexto cultural, e num
contexto mais genérico. Se optarmos por essa linha de pensamento com base nos ideais
de uma sociedade “pós-moderna”, examinaremos essas imagens mais em termos dessa
trama sinalizada pela produção, disseminação e recepção das mesmas do que, apenas,
pela captura daqueles objetos mediada pela câmera. Em lugar de indícios (ou da falta)
de originalidade das imagens ou da manifestação de um propósito autoral claro e
motivador, as fotografias podem ser vistas como sinais que adquirem significado ou
valor a partir de sua inserção no bojo de um sistema mais amplo de codificações sociais
e culturais. Se seguirmos esse raciocínio, abordando não somente os atributos inerentes
ao meio, podemos inseri-las no mundo contemporâneo.

Com a Série “Solitude”, Luiz Braga, foi o fotógrafo convidado do II Prêmio Diário
Contemporâneo de Fotografia77 A curadoria do evento tocada por esse universo
desvelado por estas fotografias, organizou uma mostra a partir de um recorte não
cronológico, “uma vez que não era o ‘quando’ o que mais importava, mas o eixo afetivo
e sensível que as interligavam, além da organização formal não usual e a perspicaz
78
transversalidade de tempos.” A curadoria juntamente com Luiz Braga selecionou as
imagens da mostra, construindo um recorte que trazia uma leitura diferenciada do
repertório de imagens pelo qual esse fotógrafo se tornou conhecido durante sua
trajetória artística – imagens comprometidas com o cenário amazônico, com o refinado
rigor técnico e a expressiva autoria advinda do experimentalismo que se evidenciaria
com o passar do tempo.

A superficialidade e a velocidade dominante da invasão de imgens que se estende à


visualidade são elementos estruturais da sociedade “pós-moderna”. As imagens
mostradas por Luiz Braga na Série “Solitude”, “vão na contracorrente dos
esvaziamentos que pontuam a sociedade que hoje se apresenta. A poética do fotógrafo

77
Com a temática de Crônicas Urbanas o II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia se dedicou no ano de 2011, a
explorar a cidade como lócus da cultura, tema de reflexão e de questionamento sobre o universo urbano e
a presença do artista neste meio. Luiz Braga, como artista convidado, participou desse evento, na cidade
de Belém, com a série “Solitude”. II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografa: crônicas urbanas /
Mariano Klautau Filho... [et al.]. – Belém : Diário do Pará, 2011.
78
Marisa Mokarzel, op. cit., p. 106.
78

se impõe à avassaladora invasão de imagens.” 79 Ao capturar as coisas do seu cotidiano,


o imaginário de Braga intermedia e transforma a fonte imagética. Sua poética se
sustenta numa cultura visual, que transpõe o que é apenas aparência, transformando a
banalidade dos temas. Quando colocadas no mundo contemporâneo, as fotos da Série
“Solitude”, destituem-se dos excessos, valorizando a síntese e a simplicidade. Aquelas
imagens que exalam o silêncio e a ausência da figura humana, também reverberam o
olhar de personagens anônimos e invisíveis – presentes naqueles objetos e nas suas
organizações nos respectivos espaços. É através de um olhar repleto de cumplicidade
que esse fotógrafo captura o “não visível” no visível, a subjetividade na objetividade,
fazendo essas imagens passarem a existir e se revelarem destacando-as de outras que as
cercam. Baudrillard afirma que “criar uma imagem consiste em ir retirando do objeto
todas as dimensões, uma a uma: o peso, o relevo, o perfume, a profundidade, o tempo, a
continuidade, e é claro, o sentido.” 80
Ao despir os objetos, subtraindo deles aquelas
dimensões, o real se ausenta e surje a imagem menos factual e dotada de outros
significados – mais porosa e dialética.

Essa visão pós-moderna consolidou uma produção vigorosa e de grande apelo estético,
num momento em que pontos de vista que polarizam realidade-ficção e documento-
imaginação mostram-se cada vez menos eficazes. Uma produção a partir da
subjetividade – através de um olhar polissêmico, orgânico, que não apenas atesta o
tempo-espaço dos fatos, mas adentra em suas tecituras e labirintos. Essa é uma visão
que, certamente tem um acento de influência dos princípios da linguística estrutural e de
seus desdobramentos filosóficos — o estruturalismo e o pós-estruturalismo,
principalmente nas formulações de pensadores franceses como Roland Barthes (1915-
1980) e Michel Foucault (1926-1984). Uma visão na qual o significado de qualquer
imagem não está apenas na realização do trabalho de um autor, nem necessariamente
sob seu controle, mas é determinado também pelas referência de outras imagens ou
sinais presente na cultura e memória.

Tais fotografias mostram como coisas não humanas, em geral objetos muito comuns do
dia a dia podem tornar-se extraordinárias quando fotografadas. Imagens surgidas em

79
Ibid, p. 109.
80
Jean Baudrillard. A arte da desaparição. In BAUDRILLARD, Jean. A Arte da desaparição. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 32.
79

paralelo aos distintos momentos de Luiz Braga – as fotografia em preto e branco, as


coloridas e aquelas proporcionadas pela tecnologia “night vision”. São imagens que vão
além dos referentes. Os nomes daqueles objetos são “aparentemente” o tema de cada
imagem, pois normalmente ignoramos esses objetos ou os mantemos na periferia da
visão, talvez não os consideremos, a princípio, como temas dotados de outros
significados visuais e legítimos dentro do léxico artístico. Estas fotos preservam a
realidade da coisa que está sendo mostrada, mas seu tema é conceitualmente alterado
por causa da circunstância de afeto como que os objetos foram capturados e como foram
representados.

Desenvolvida num ambiente íntimo do espaço de uma casa, a foto “Xícaras da


felicidade” (Ilustração:30) desperta o desejo de uma pesquisa imaginária, desencadeada
pela posição das xícaras numa cristaleira, que cruzando diagonalmente o espaço
retangular da foto, ressalta o equilibrismo das oito peças naquele elegante espaço da
domesticidade. Com um estilo fotográfico discreto, uso de luz ambiente e tempos de
exposição relativamente longos (sem flash), ele transforma essas cenas em observações
poéticas, revelando as maneiras como conduzimos nossa vida por meio de atos
inconscientes de organização, empilhamento e exposição de objetos. Há algo de
extremamente intuitivo no modo como Braga trabalha essa imagem. Ele resistiu ao
impulso de construir uma cena para ser fotografada – ele não organiza as peças, ou a
cena; em vez disso, seu processo consistiu em se manter atento às possibilidades dos
temas do cotidiano como meio de explorar nossas personalidades e estilos de vida.

Um dos usos mais dramáticos da perspectiva no contexto da natureza - morta ocorre


quando os fotógrafos enfatizam especificamente a maneira como vemos (ou não vemos)
as coisas à nossa volta. O que está sendo examinado aí é a nossa percepção do ambiente
que nos rodeia e como ele nos afeta, e não tanto as coisas contidas nele. Essa forma de
percepção de Luiz Braga vai sendo construida a partir de uma inquietação que
movimenta a sua experimentação. As imagens, como ja ressaltamos, são trabalhos que
se situam paralelamente a produção daquelas outras imagens coloridas, preto e branco
ou com a tecnologia night vision e exploram um olhar atento a cada possibilidade
presente no meio - escolhas visuais subjetivas, que trazem um discurso mais declarado
sobre a vida e a arte.
80

Braga, tanto em “Xícaras da felicidade”, quanto em “Cadeiras” (Ilustração 31) emana


um olhar que valoriza a geometria presente na composição. A partir do ângulo escolhido
destaca uma organização diagonal dos objetos no espaço. Essas diagonais proeminentes,
que conduzem o olhar no espaço da composição, dialogam, também, com as estratégias
compositivas presentes nos trabalhos de pintores holandeses desde o século XVII,
principalmente quando trabalhavam paisagens, e que com frequência se tornam
atualizadas em fotografias contemporâneas, convocando sentidos diversos, em
diferentes gêneros. Neste sentido, o apelo geométrico que se evidencia na composição
de “Xícaras da Felicidade” e “Cadeiras”, declara a intenção estética deste artista, que
vai além do referente e das lembranças do lugar. No campo da fotografia brasileira,
fazendo um pequeno recuo, essa maneira de olhar relembra os estudos de ícones como
Thomaz Farkas81 (1924-2011), que trabalhou acentuadamente formas geométricas em
suas fotos - diagonais que rompem o silêncio da composição, e esvaziam o sentido do
objeto, como em Telhas (Ilustração 32), ou em outras imagens como: Edifício (1940) e
Cine Ipiranga (1940).

Ilustração 30: LUIZ BRAGA. Xícaras da felicidade, 1999. Série Solitude.


Acervo do Artista.

81
Joaquim Paiva (Org.). Visões e Alumbramentos: fotografia contemporânea brasileira na coleção
Joaquim Paiva. São Paulo: BrasilConnects, 2002, p. 36.
81

Ilustração 31:LUIZ BRAGA. Cadeiras, 1976. Série Solitude.


Acervo do Artista.

Ilustração 32.Thomas Farkas Telhas, 1947. Matriz-negativo


Acervo Instituto Moreira Salles.
82

A foto Cadeiras (Ilustração 31) parece transparecer um posicionamento inocente diante


daqueles objetos, conquanto significativo. No jardim de um ambiente doméstico, Braga
fotografou cinco cadeiras que, também cruzam diagonalmente o espaço retangular da
imagem, ressaltando seu interesse estético. No entanto, as imagens ecoam algo que vai
além desse cuidado com a composição. Os brancos braços de ferro, desgastados com o
tempo, parecem aguardar que a utilidade perdida seja recuperada Por meio desse gesto
tão simples, nossa percepção e nosso entendimento do mundo tornam-se objetos de
reflexão - essas fotos chamam nossa atenção para a maneira como recebemos o
conhecimento sobre o mundo a partir das coisas que nos rodeiam e do modelo
simplificado e distorcido pelas nossas relações. Atestam como é parcial a nossa
percepção. Olhando mais atentamente, a foto manifesta um enquadramento que destaca
a organização geométrica das “velhas cadeiras” — abandonadas num canto daquele
quintal - , e evoca uma intenção compositiva na captura da cena que excede os limites
da dimensão discursiva, afetiva, cultural e técnica. Essa forma com que apreende esses
objetos no cotidiano desses espaços, demonstra mais do que lembranças, ou melhor, um
refinado olhar que vai experimentando cada possibilidade do seu percurso como
fotógrafo.

Em Cadeiras, como noutras imagens da Série “Solitude”, evidencia-se o fato de o ser


humano fazer uso de microcosmos para entender ou sentir o macrocosmo. A noção de
que o entendimento humano é limitado adquire dimensão visual em observações
simples e sutis. Devemos salientar ainda que Cadeiras faz parte de um grupo de
imagens, não sendo uma fotografia isolada, ainda que cada uma dessas fotos tenha a sua
força específica. A repetida observação de Luiz Braga sobre lembranças humanas
refletidas naquelas coisas, naqueles objetos e espaços, transforma-a num comentário
visual sobre a nossa cultura e afetos, mais do que na apresentação de um gesto
idiossincrático e solitário. Ao invés de fotografar a finitude impressa nas coisas ao seu
redor, ele partiu em busca dos objetos dos outros, para através destes falar do seu afeto e
do receio das perdas. Objetos com narrativas tão particulares: presentes de datas
comemorativas ou herança de família, esses objetos sedimentaram uma história no
tempo e no espaço. O espectador se vê mencionado naqueles afetos do fotógrafo.
83

Ilustração 33:LUIZ BRAGA. Ferro, 2000. Série Solitude.


Acervo do Artista.

Ferro (Ilustração: 33) é um bom exemplo para ampliarmos nossa reflexão sobre uma
outra questão presente na Série “Solitude” - a possibilidade de mostrarmos que por meio
da fotografia, a matéria cotidiana pode ser dotada de uma carga visual e de
possibilidades imaginárias que vão além de sua função trivial. Um tratamento simples,
sensível, planos e escala, um contexto típico, e correlações entre formas e formatos. Em
Ferro e Máquina de costura (Ilustração 34) os objetos capturados podem parecer tênues
e transitários, que mal se constituem como um tema fotográfico propriamente dito. No
entanto, de uma maneira geral, não se deve pensar que esse tipo de fotografia dedica-se
basicamente a tornar visível aquilo que é um não-tema, ou as coisas do mundo
desprovidas de simbolismo visual. Não existe um objeto não fotografável ou que não
84

tenha sido fotografado. A imagem, neste caso, concorre para a significação de um


motivo, pois a poética do artista sempre traz uma questão que o leva a destacar um
significado. Com Ferro e Máquina de costura, Braga alimenta a nossa curiosidade
visual, afetando-nos de maneira sutil e imaginativa a usufruir, por um novo prisma, as
coisas que nos rodeiam no dia a dia.

Ilustração 34:LUIZ BRAGA. Máquina de costura, 1982. Série Solitude.


Acervo do Artista.

Desde a década de 1960, alguns fotógrafos têm procurado agregar significados aos
objetos capturados, dando sentidos diversos na leitura do seu caráter denonativo. Neste
contexto, além do aspecto documental, antropológico ou de outra natureza, existe um
certo conceitualismo lúdico presente em algumas fotografias de natureza-morta, que
tem se atualizado na cena contemporânea, em sentidos diversos e criando um território
82
que flerta com questões paralelas na esfera da escultura pós-minimalista . Essa
abordagem fotográfica tem-se orientado por tentativas correlatas de criar arte a partir da
matéria da vida cotidiana, rompendo os limites entre o estúdio, a galeria e o mundo. O

82
Uma recusa ao alto grau de simplificação e ao intelectualismo presentes no minimalismo leva alguns
estudiosos a ver no pós-minimalismo uma arte 'antiformalista', que dialoga com diversas tendências
artísticas: com as 'esculturas moles' de Claes Oldenburg, com o expressionismo abstrato, com a arte pop
e, em alguns casos, com o surrealismo (as obras de Lucas Samara, por exemplo).
85

espectador passa a ter uma reação diferente da que é desencadeada pelas tradicionais
obras-primas virtuosísticas da história da arte. Em última análise, e relevante nesse
estudo de “Solitudes”, essas imagens desestabilizam a noção do objeto como uma forma
plástica isolada, desvinculada do ambiente e da história em que se encontra.

Um grande representante da fotografia de natureza-morta contemporânea é o artista


mexicano Gabriel Orozco (1962). As fotografias deste artista são repletas de jogos
engenhosos e imaginativos. Ele começou a tirar fotos (tanto com máquinas Polaroid
quanto com câmeras de 35 mm) para documentar esculturas que encontrava em meio
aos detritos espalhados pelas ruas e depois instalava nas galerias. Essas fotos serviam
como diagramas dos relacionamentos e elementos espaciais que ele construia nos seus
percursos. Podemos pensar que a fotografia de Orozco seria uma forma de registro
funcional daquele seu processo de trabalho. No entando, essa ideia pode ser ampliada e
ocupar uma posição mais central em sua obra, tornando-se uma prática de destaque
nesses trabalhos, quando expostos e publicados.

Ilustração 35: Gabriel Orozco. Sopro no piano. 1993


C – print, 40,6 x 50,8. Edição de 5.
Galeria Marian Goodman, Nova York.

Sopro no piano 83(Ilustração 35) é uma imagem que comporta o silêncio e a ausência da
figura humana, como na Série “Solitude”. No entanto, essa ausência humana é quebrada
quando Orozco ativa determinados fios de pensamento no espectador. A fotografia pode

83
Charlote Cotton. Alguma coisa e nada. In op. cit., p. 117.
86

ser vista como uma documentação daquele instrumento músical, em silêncio, naquela
sala. Por outro lado, pelo título da obra, podemos, também, entender essa imagem como
documentação do ato altamente fugidio de respirar sobre a superfície uniformemente
lustrosa de um tampo de piano. De qualquer forma, aquela imagem nos leva a pensar
naquele gesto. Ou verdadeiramente, o que aconteceu, ou acabou de acontecer (talvez
haja apenas um instante) diante da câmera? Essa leitura introduz uma faceta igualmente
importante, tanto na obra de natureza-morta de Gabriel Orozco e de Luiz Braga - a
possibilidade de ver a imagem como imagem, como formas numa superfície, sendo essa
uma das condições fundamentais da ampliação fotográfica que se torna visível para o
expectador.

Como o indício embaçado de um sopro está enquadrado em Sopro no piano (Ilustração


35), a linha na agulha da Máquina de costura (Ilustração 32), ou o chicote da fiação
elétrica pendurado na parede, gerando uma acentuada verticalidade na composição do
Ferro (Ilustração 33), são gestos breves que a própria fotografia releva dentro de
contextos distintos, questionando o estatus da arte, ou da posição dessas imagens como
meio de expressão, e reveladoras de afetos no cotidiano. Quer seja em Ferro ou
Máquina de costura, Luiz Braga engendra um jogo imaginativo com os objetos, e
partindo daqueles objetos triviais das naturezas-mortas dos pintores das escolas
holandesas e espanholas, ele se afasta e atualiza um repertório característico desses
objetos, coisas dos outros que afetam suas lembranças. E, por outro lado, essas imagens
da Série “Solitude” ressoam o olhar atento à vida silenciosa, e da sensibilidade à poesia
dos acessórios da vida cotidiana, tão atraente na produção daqueles pintores.

Braga, referindo-se ao início da sua vida profissional, diz: “as minhas influências como
fotógrafo elas vinham muito mais dos fascículos que eu lia da Editora Abril, com os
mestres da pintura, do que dos fotógrafos”84. Ele sempre reconheceu que suas primeiras
referências no campo compositivo foram com as obras dos pintores da história da arte.
Neste sentido, nos propomos a analisar alguns ecos na Série “Solitude”, que dialogam
com questões da visibilidade impressionista, e outras mais amplas inerentes ao campo
mais genérico da pintura. Ao observarmos Centro de mesa e crochê (Ilustração 36), e

84
Relato do fotógrafo no evento: MAC Encontra os Artista - MAC-USP, em 21/08/2012. Disponível em
vídeo: <http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_2/luizbraga_vd.asp>;
acesso em: 12/10/2012.
87

outras imagens dessa série, parece ser inevitável fazer um recuo à algumas questões da
visibilidade da pintura holandesa de natureza–morta ao século XVII.

Ilustração 36:LUIZ BRAGA. Centro de mesa e crochê, 1999. Série Solitude.


Acervo do Artista.

Na sequência, tomamos como referência uma pintura emblemática de Bosschaert,


Buquê em janela arqueada (Ilustração 37) 85. Esse pintor tem uma atenção significativa
com o arranjo axial simétrico do buquê, e trata a imagem como um todo. Neste sentido,
Bol compara os arranjos de flores de Bosschaert com os retratos de grupo holandeses
contemporâneos
“retratos individuais colocados ao lado e acima uns dos outros,
cada um recebendo sua cota de reconhecibilidade. Nenhum
deles é subordinado, ou sacrificado, em favor da composição,
da iluminação, da atmosfera ou totalidade...” 86

85
Seymour Slive, Pintura holandesa, 1600-1800. Tradução de Miguel Lana e Otacílio Nunes. São Paulo:
Cosac & Naify, 1998. p. 280.
86
L. J. Bol. The Bosschaert Dynasty (Leigh-on-Sea, 1960), p. 20
88

Ilustração 37: BOSSCHAERT, O velho: Buquê em janela arqueada. Óleo sobre tela, 1620.
Haia, Mauritshuis. 280

Luiz Braga é sutil no contraste de Centro de mesa e crochê, e cuidadoso com o eixo
axial da composição. Ele reconhece a importância de cada elemento no conjunto da
imagem. Ao mesmo tempo, em que pelo tema, aproxima-se das naturezas-mortas de
pintores como Paul Cezanne (1839-1906), por exemplo, Natureza-morta com Sopeira
(Ilustração 38), que seguiu pintores da escola holandesa e espanhola – artistas atentos à
vida silenciosa, sensíveis à poesia do cotidiano, ao estudo da luz sobre os objetos, as
cores, a construção do espaço pelo jogo de linhas verticais e horizontais. Sobre essa
ideia do contraste na fotografia podemos observar o seguinte

“evoluíram a partir da teoria das cores desenvolvida pelo pintor


e teórico da arte Johannes Itten, que foi professor na Bauhaus.
As teorias de Itten sobre contrastes, cores e formas foram
desenvolvidas para estimular o apreço dos estudantes de arte e
design pelos materiais, e também foram aplicadas na
abordagem da Bauhaus à fotografia.”87

87
David Präkel, op. cit., p. 160.
89

Ilustração 38: PAUL CEZANNE Natureza-morta com Sopeira, 1877.


Acervo Musée D’Orsay.

É significativa a maneira como Braga combina os elementos contrastantes na mesma


imagem. Além de se lançar nessas imagens em busca dos seus sentimentos, ele conjuga
aspectos compositivos que criam energia espacial e dinamismo. Num momento
atualizado, o seu olhar também lança-se nessas fotos em busca de combinações, como
por exemplo, horizontalidade e verticalidade em Ferro (Ilustração 33); diagonalidade e
circularidade em Cadeiras (Ilustração 31). É sua educação, o seu “saber” que nos
permite encontrar o fotógrafo Luiz Braga e suas intenções nessas imagens. Para Barthes
esses aspectos de uma imagem, que nos possibilitam encontrar o operador e suas
finalidades, estariam relacionados com a ideia de studium. Ele diz

“É o studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato,


estudo, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma
espécie de investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem
acuidade particular.” 88

A Série “Solitude” constitui-se de fotos que resultam de um acúmulo de aspectos que


foram se amalgamando no percurso do fotógrafo. No entanto, são imagens que

88
Roland Barthes. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 45.
90

transportam um gesto no tempo; aquele momento que se oferece ao olhar, mas, também,
o regresso de um “morto” – lembranças, afetos e sentimentos, que como um fantasma,
como uma existência do passado que se manifesta no presente. Roland Barthes sugere
que ao olharmos para uma fotografia olhamos para algo que já não existe. O momento
passou. Uma fotografia replica sempre aquilo que já perdemos, e acaba por sugerir uma
necessidade de registrar, de tentar reter o mundo e aqueles que nos rodeiam. Não são as
xícaras, as cadeiras, a máquina de costura, ou o ferro de passar roupa que por si só
movimentam os sentimentos de Braga, mas momentos passados repletos de poesia, que
se atualizam no seu cotidiano e o convidam a uma experiência estética cheia de
plasticidade para si, e que se renova em cada espectador. O lugar do objeto fotográfico é
sempre o passado, mas a fotografia, silenciosamente, aponta intensamente para algo,
acabando por dar ao passado uma permanência. O fato de a fotografia ser um rastro de
algo que existiu, a sua ligação à presença material do objeto, por um lado intensifica o
seu estatuto como um prenúncio de morte, mas por outro, e em simultâneo, acaba por se
ligar à vida.

O refinamento do olhar de Luiz Braga que captura com sutileza e elegância a fisionomia
e os gestos dos habitantes da região norte, também, estende-se para a maneira com ele
apreende esses objetos da Série “Solitude”. Neste sentido, podemos observar um
comentário de Caravaggio - mestre revolucionário do Barroco -, que desafiando a
hierarquia estabelecida dos gêneros de pintura, e antecipa em três séculos uma
observação também feita por Matisse. Ele afirma: “era preciso tanto engenho para pintar
um bom quadro de flores quanto para um de figuras.”89 Podemos aplicar essa afirmação
do pintor ao universo mais amplo da imagem, e à foto Centro de mesa e crochê, como
também às demais imagens dessa Série.

Em outra foto, Braga apresenta um detalhe de uma sala aparentemente comum. Na


imagem aparece em destaque um Sofá (Ilustração 40). A posição da câmera na captura
desse móvel, estimula-nos a pensar numa foto documental. Aquele espaço que nos
pareceria ser definido pelas preferências e atividades do morador é mostrado como um
ambiente prescrito pela ausência, contudo, repleto de pequenos detalhes, de contrastes

89
Giovanni Botari e Stefano Ticozzi, Raccolta di lettere, 6 (Milão, 1822), p. 123: ... “il Caravaggio
disse, che tanta manufatura gli era a fare um quadro buono di Fiori, come di figure” (da carta de
Vicenzo Giustianini a Teodoro Amideni). In Seymour Slive, op.cit., p.337.
91

que constroem, neste contexto, uma hiperpercepção do que excluímos do nosso olhar,
do que não vemos, e portanto não definimos como tema ou conceito que pode ser visto.
Podemos observar Mosquiteiro (Ilustração 41). Essa fotografia, com aquele acessório
engenhosamente dependurado na alcova, dá a essa natureza-morta um subtexto de
intimidade onde percebemos a representação da natureza das relações humanas por
meio dos vestígios da vida doméstica e ao mesmo tempo nos fazem pensar nos atos de
representação pictórica que procuramos discutir até aqui. Essas fotografias de xícaras,
vaso de flores, e outros objetos do cotidiano, como já mencionamos, fazem referências
compositivas à pintura holandesa de naturezas-mortas do século XVII. Um exemplo
significativo é a obra Willem Kalf (1619-1693), Natureza-morta com taça Nautilus e
90
tigela Wan-li (Ilustração 39) , que mais do que refletir aspectos da história da arte
holandesa, ressalta a cultura visual do lugar. Embora Luiz Braga não pretenda levar-nos
à linguagem simbólica específica desses objetos do gênero histórico da pintura, ele com
a Série “Solitude” chama nossa atenção para o potencial metafórico e narrativo dos
objetos domésticos quando são representados como imagem.

Ilustração 39: Willem Kall. Natureza-morta com taça Nautilus e tigela Wan-li, 1962.
Madrid, Fundacion Thyssen-Bornemisza.

90
Seymour Slive, op.cit., p.285
92

A combinação de plasticidade e afetos nessas fotos da Série “Solitudes” cria uma tensão
que desfaz a perspectiva monocular tradicionalmente atribuída à fotografia. Braga
experimenta a perspectiva e planos intercambiantes nessas imagens, como na pintura de
uma natureza-morta em que os objetos estrategicamente são situados em determinados
ângulos para podermos intuir que existe um potencial narrativo nas ligações formais que
os vinculam. Consciente ou inconscientemente, ele faz o uso da sensibilidade pictórica
na composição dessas fotografias de grande beleza, marcadas muitas vezes pela
precariedade das posições de observação. Esse aspecto, no âmbito das narrativas da
natureza-morta doméstica, sugere estados emocionais intensos, términos e rupturas –
atinge as imagens de interiores presentes nas pinturas do século XIX.

Ilustração 40:LUIZ BRAGA. Sofá, 2002. Série Solitude.


Acervo do Artista.

Mosquiteiro parece um trabalho incomum em sua obra, dada a ausência de elementos


que marcaram sua carreira autoral comprometida com o referente amazônico. Essa foto
dá a impressão de que o autor capturou apenas alguns motivos triviais, agrupados por
acaso e de qualquer jeito, ao passar por aquele aposento doméstico. Contudo com um
olhar mais atento, percebemos a diagonalidade do arranjo do mosquiteiro dependurado
que rompe com a verticalidade da porta e vela o quadro na parede - num plano mais
distante. Isto nos lembra a afirmação de Sontag: “Fotografar é atribuir importância.
93

Provavelmente não existe tema que não possa ser embelezado; além disso, não há como
suprimir a tendência, inerente a todas as fotos, de conferir valor a seus temas.” 91 A
cuidadosa construção de Braga, envolvendo esse conjunto de objetos secundários,
instiga questões sobre nosso próprio relacionamento com as fotografias: Por que
estamos olhando para isso? Em que ponto da história e de nossa vida um mosquiteiro,
como o representado nessa foto, passou a merecer a nossa atenção? Em que medida essa
imagem precisa ser abstraída por um enquadramento aparentemente inocente a fim de
nos permitir reconhecer uma natureza-morta tão cheia de sentidos? Tais fotografias nos
mostram como as coisas não humanas, em geral objetos muito comuns do dia a dia,
podem se tornar cheias de significados quando fotografadas.

Ilustração 41:LUIZ BRAGA. Mosquiteiro, 1998. Série Solitude.


Acervo do Artista.

91
Susan Sontag, op. cit., 41.
94

Luiz Braga que, em muitos trabalhos redimensionou a “fotografia direta”, possibilita


mostrar, na Série “Solitude”, a experimentação do mundo a partir de novos pontos de
vista. Como diz Sontag “De um modo ou de outro, o real tem um páthos. E esse páthos
é – beleza. (A beleza dos pobres, por exemplo)” 92
Com um temperamento inquieto,
através de suas imagens, ele sugere diálogos com obras de pintores emblemáticos da
história da arte, substrato da cultura visual de onde o artista emergiu. Isto nos faz
perceber que a avaliação de fotos na contemporaneidade passa por critérios estéticos
dúbios. Sontag diz: “Essa democratização dos padrões formais é a contra partida lógica
da democratização da noção de beleza na fotografia.”93 Os meios não se superam uns
aos outros, mas antes se recompõem em vista de novas perspectivas.

92
Ibid, p. 119.
93
Ibid, loc. cit
95

CAPÍTULO II

2. A CONDIÇÃO DO OLHAR DE LUIZ BRAGA: AS CORES E NUANCES DA


VISUALIDADE POPULAR.

2.1 Encontrando a cor: a dimensão poética da geometria e do colorido nas periferias


de Belém.

Foi no subúrbio da cidade de Belém, na Estrada Nova94, onde o interesse de Luiz Braga
pelas “cores caboclas”95 se iniciou. Aproximadamente em meados da década de 1970,
ele percorria o itinerário comum para ir à Universidade Federal do Pará, onde cursava
Arquitetura e Urbanismo. No caminho pela margem do Rio Guamá96, Braga passou a
ficar encantado com o cenário colorido da periferia paraense – visualidade peculiar que,
certamente, poucos conseguiam valorizar. O olhar particular conferia àquela paisagem a
possibilidade de se tornar o seu primeiro ensaio autoral. Encontrando um caminho
poético através da cor, ele inicia uma Série que resultará na mostra “No Olho da Rua”
97
, exposta nas cidades de São Paulo e Belém, em 1984; e na sequência, também,
algumas imagens dessa mostra foram exibidas na cidade do Rio de Janeiro, numa
coletiva, em 1985, com o título de “Foto-Grafismo” 98.

94
A Estrada Nova (atual Bernardo Sayão) foi uma via construída para resolver os problemas dos bairros
de várzea: Guamá, Jurunas e Condor. Nestes bairros residia a população pobre de Belém. As casas a
maioria barracas de madeira ou de pau-a-pique eram construídas em um nível mais elevado, e eram
ligadas às ruas por pontes. Havia grande número de bares e a venda de doces, tacacá e açaí. eram
construídas em um nível mais elevado, e eram ligadas às ruas por pontes. Informação Disponível em:
http://www.oparanasondasdoradio.ufpa.br/contexto60link17-osbairrosdebelem.htm Acesso em:
19/11/2012.
95
Expressão usada pelo artista para definir “as cores primárias, sem nuances e sem tons ‘pastel’ – o
‘colorismo’ espontâneo presente na visualidade popular amazônica.” (Entrevista no DVD da Exposição
Antônio, Luiz e Bina – Casa da Gávea – Rio de Janeiro – Agosto de 2010). Acervo da Galeria.
96
O Guamá é um grande rio, chamado por alguns poetas como o “rio mar”. Localiza-se no nordeste do
estado do Pará. Na sua margem direita se situa o campus principal da Universidade Federal do Pará, à
altura da cidade de Belém, capital do estado do Pará.
97
Exposição de Fotografia realizada no Centro Cultural São Paulo (parede da fotografia) – Rua
Vergueiro, nº 1000, no período de 19/09/1984 a 07/10/1984; e na Galeria Theodoro Braga – Teatro da
Paz, no período de 16 a 30/11/1984. O Catálogo apresenta texto de Osmar Pinheiro. (ANEXO F, pp. 239-
240)
98
A Exposição Foto-Grafismo foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, na Galeria de Fotografia da
FUNARTE – Rua Araújo Porto Alegre, nº 80 – Centro - sob a Coordenação de Ângela Magalhães e
Nadja Peregrino, no período de 10/04/1985 a 10/05/1985. A Coletiva apresentou trabalhos de oito
fotógrafos: Adriano Mangiavacchi, Cássio Vasconcellos, Edson Meirelles, Israel Abrantes, Luiz Braga,
Luiz Sotomayor, Mauro Fichman e Rochelle Costi. O Catálogo apresenta textos de Décio Pignatari e
Stephania Bril. (ANEXO G, pp. 241-247)
96

Esse momento singular, quando Braga é afetado pela visualidade da periferia da cidade
de Belém, também é abalizado por outros encontros propulsores na construção de uma
poética que busca uma fotografia autoral. Conforme já foi mencionado, o fotógrafo
participou de momentos marcantes na reflexão da visualidade amazônica, e nas
discussões sobre o caráter extremamente visual do Brasil. A III Semana Nacional de
Fotografia (Fortaleza)99 e o I Seminário sobre “As Artes Visuais na Amazônia”
(Manaus)100 são eventos que o fotógrafo sempre evidencia como momentos
motivadores em sua carreira, inclusive o segundo, ele o cita no currículo apresentado no
Catálogo da Exposição “Foto-Grafismo”101 – que é uma mostra simbólica desse
encontro do artista com a cor e a geometria.

As reflexões e discussões que Braga vai desenvolvendo simultaneamente com esse


ensaio fotográfico, leva-nos a perceber, que o ato de operar e o ato imaginativo se
fundam mutuamente. Existe uma intenção desse fotógrafo diante desse conjunto de
coisas a serem percebidas, manipuladas, transformadas e desejadas naquele “mundo”
periférico. Nesta direção, Bonomi em “A ideia de ‘normalidade’: a fenomenologia
como análise das estruturas”102, onde trata do conceito de intencionalidade103, observa o
seguinte, “Assistimos portanto aqui a uma espécie de paradoxo: a preeminência do
irrefletido, da intencionalidade operante (enquanto praxis constitutiva) só é verificável
na atitude reflexiva.”104 Dessa forma, podemos entender com mais clareza alguns
relatos do artista: “nessa época, eu saia para fotografar o que aparecesse (...) não tinha
uma pauta (...) eu saia de cabeça livre em busca do que me tocasse, do que me
encantasse”105 – o que o “toca”, certamente, é direcionado por uma intenção que não é
essencial que seja autopresença, mas simplesmente permaneça latente em seu gesto de
fotografar.

99
Ver nota 18.
100
Ver nota 15.
101
Ver ANEXO G, pp. 241-247 – Cópia do Catálogo Foto – Grafismo (1985).
102
Andrea Bonomi. Fenomenologia e estruturalismo. São Paulo: Perspectiva, 2004, pp. 79-91.
103
Bonomi aponta que em relação à constituição do mundo da experiência, pode-se falar de uma
preeminência da intencionalidade funcionante (isto é, por assim dizer, aquela intencionalidade que é
agida antes de ser reflexiva) em relação à intencionalidade temática (que põe reflexivamente o seu
objeto). (Ver Andrea Bonomi, op. cit., p. 82)
104
Ibid, 83.
105
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
12min23seg a 12min50seg. (com adaptações)
97

Nestas fotos106, como podemos notar em Papagaios Amarelos (Ilustração 42), Papagaio
Azul (Ilustração 43) e Bilharito (Ilustração 44), Luiz Braga é tocado por aquele
“mundo” das cores e das formas. Esse ensaio, a partir da ótica desse fotógrafo, remete,
por um lado, a reflexão acerca da dinâmica da expressão popular em confronto com
elementos historicamente modificadores; por outro, sinaliza a superação de uma
perspectiva meramente documental, propondo uma visão que nos convida a estabelecer
uma outra relação com cenário cotidiano. Por ocasião da Exposição “No Olho da Rua”
(1984), na cidade São Paulo, Arlindo Machado, no artigo “A dança cromática nas ruas
de Belém”, publicado na Folha de São Paulo, diz o seguinte

“Poderíamos então dizer que Luiz Braga realiza um confronto


entre o olho civilizado da câmera e a paisagem popular que se
oferece ao olhar. A câmera vê essa paisagem com um olhar
informado, filtrado pela cultura, um olhar que compõe, na
tentativa de tornar sensível e inteligível a festa de cores. Ela
enquadra, portanto, mas também resgata aos nossos olhos essa
paisagem à qual permanecíamos cegos. Voltando às palavras de
Zola, foi preciso a intervenção do aparelho para que o visível
surgisse".107

A alegria tão presente nas festas da periferia, na maneira de viver daqueles habitantes,
está impressa nesses objetos – onde a cor é reflexo do afeto particular e coletivo. No
entanto, por meio do corte, ele aproxima essas imagens da estrutura da fotografia
moderna “abstrata”, e ressalta um dado interessante que instiga a reflexão do
observador: o silêncio e ausência da figura humana. De forma paradoxal, essas imagens
transmitem alegria e solidão – mas num contexto diferente daquele mostrado no
primeiro capítulo108. O colorido e as formas capturadas por Braga dão leveza e alegria a
essas imagens solitárias. Susan Sontag, no ensaio “Objetos de Melancolia”, aponta uma

106
As imagens coloridas apresentadas neste item do Capítulo II são da Série “No Olho da Rua”
(Ilustrações 42, 43, 44). Existe uma incompatibilidade de datas e títulos relacionados à produção das
mesmas. No arquivo do CEDOC/FUNARTE/RJ o ano de produção dessas imagens é 1985; no Catálogo
do MAM/SP – Luiz Braga - Retratos Amazônicos (2005), o ano de produção é1982, e ainda, o título da
obra Papagaio Azul (Ilustração 43), neste Catálogo é apresentado como Papagaio na Porta (p. 45); e em
relatos do fotógrafo, por e-mail, em 08/05/2012, as imagens foram feitas em 1983. (ANEXO H, p. 248)
Neste texto, usarei a data informada pelo fotógrafo, contudo, dando o crédito das mesmas ao
CEDOC/FUNARTE/RJ, conforme pesquisa realizada em 11.08.2010 (ANEXO I, pp. 249-251 - Termo de
Responsabilidade para Reprodução de Imagens).
107
Arlindo Machado. Dança cromática nas ruas de Belém. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 set. 1984.
Ilustrada, p. 29.(ANEXO J, p. 252)
108
Neste sentido, é interessante perceber a forma diferenciada de abordar a “solidão” na sua produção. É
um elemento recorrente, que reaparece de maneiras distintas. Por exemplo, Ilustração 18 - Carregador do
Porto Sal (1985); Ilustração 31 – Cadeiras.
98

questão que nos ajuda a interpretar esse aspecto presente nessas fotos - a ausência do
referente humano – elemento que sempre foi marcante na produção de Luiz Braga. Ela
diz

“o fotógrafo é uma versão armada do solitário caminhante que


perscruta, persegue, percorre o inferno urbano, o errante
voyeurístico que descobre a cidade como uma paisagem de
extremos voluptuosos.”109

Com sua câmera, Braga busca referências naquela paisagem urbana peculiar. Ele
registra a incessante invenção cotidiana daqueles habitantes – objetos com significados
encarnados que se estendem ao mundo sensível através da cor. Com relação, ainda,
sobre a Exposição “No Olho da Rua”, Stefania Bril, no artigo “O mundo colorido, real
e misterioso de Luiz Braga”, publicado no Jornal O Estado de São Paulo, observa “(...)
Luiz Braga é fotógrafo-andarilho dentro da sua cidade. São ruas feitas de cores, são ruas
feitas de composições geométricas, ruas-quadros-abstratos. Mas sempre existe um
110
detalhe, um punctum que traz o espectador de volta à realidade" . Nessas fotografias
de Luiz Braga, sempre é possível detectar que a imagem aparentemente “abstrata” é, na
verdade, o reflexo do alumbramento de um ângulo interessante que moveu o seu olhar
para atingir uma intenção do seu próprio operar com a câmera. Isso mostra a
incapacidade dessas fotografias “abstratas” se desvencilharem completamente do
referente, aliás, é nesse aspecto que estaria a sua beleza.

Outra questão, mesmo aqueles objetos simples e ingênuos do cotidiano são abordados
por ele como símbolos ou emblemas. São formas quase “Standards”, que podemos
distinguir como "brasileiras" e "regionais" – ou seja, que possuem uma atitude
demarcadora de território, ou ainda, dos costumes e das práticas identificáveis. Nesse
sentido, Jeffrey sinaliza um ponto que possibilita refletirmos sobre essa questão, ele diz
“a fotografia aprofunda os padrões de homogeneidade e estandardização propostos, ao
abolir fronteiras e acentuar a semelhança como ordenação do mundo real.”111 Isto é, a
fotografia altera a inserção do sujeito no mundo. Este passa a vivenciar o mundo (nesse
caso específico, a visualidade da periferia) pela visibilidade que a apreensão fotográfica

109
Susan Sontag, op. cit., p. 70.
110
Stefania Bril. O mundo colorido, real e misterioso de Luiz Braga. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28
set. 1984. p. 19. (ANEXO K, p. 253)
111
Jeffrey, apud Mauro Guilherme Pinheiro Koury. Relações imaginárias: a fotografia e o real. In
ACHUTTI, Luiz Eduardo R. (Org). Ensaios (sobre o) Fotográfico. Porto Alegre, 1998, p. 74.
99

permite, mas em consonância com outros aspectos – como o cultural. Assim, Braga
anuncia nessas imagens uma crítica significativa – tais imagens como posse simbólica
do real, de uma visualidade peculiar (de certa maneira, ainda, presa ao referente),
através de uma manobra imaginária que as situam em uma possível homogeneidade
estandardizada do mundo capitalista da tecnologia da imagem, da fotografia
contemporânea nacional e internacional, ao mesmo tempo, paradoxalmente, permite
situá-las como particular e singular.

Tomando esse percurso, ele constrói a imagem criando uma ponte entre o cultural e o
pessoal, entre a ficção da realidade e a realidade vivida. Dessa maneira, ao mesmo
tempo em que, pela forma de capturar o referente, ele flerta com a tradição da fotografia
moderna norte-americana – o straight photography de aparência “abstrata”, ou
“abstratizante”, também, por meio da valorização da cor, ele permite que essa imagem
ecoe uma visibilidade muito próxima da tradição da pintura geométrico-construtiva
europeia, e a do sudeste brasileiro – o que impõe à imagem outra realidade visual.

Ilustração 42: LUIZ BRAGA. Papagaios Amarelos, 1983.


Original filme kodachrome 35mm, formato 20x30 cm.
Série “No Olho da Rua” - CEDOC/FUNARTE/RJ. (FA 32/14 - 2)
100

Ilustração 43: LUIZ BRAGA. Papagaio Azul, 1983.


Original filme kodachrome 35mm, formato 20x30 cm.
Série “No Olho da Rua” - CEDOC/FUNARTE/RJ. (FA 32/14 - 6)

Ilustração 44: LUIZ BRAGA. Bilharito, 1983.


Original filme kodachrome 35mm, formato 20x30 cm.
Série “No Olho da Rua” - CEDOC/FUNARTE/RJ. (FA 32/14 - 8)
101

Nesta relação mantida com a visualidade do lugar, passa a existir uma trama sensata e
compreensível de “mundo”112. O termo lógos113 pode nos ajudar na interpretação dessa
influência da periferia de Belém, na produção desse artista. O sentido das cores e da
geometria se manifesta no momento que o lugar com seus personagens e objetos afetam
o fotógrafo a partir da experiência, da sua ação, do diálogo renovador do seu olhar com
o visível, que vai construindo uma forma peculiar de “expressão”114 – um ato mediador
de reflexão entre o apelo sensível do visível e as possibilidades de articulação das
características plásticas dos objetos percebidas por ele. Em outras palavras, o sensível se
relança mediante a resposta que Braga lhe dirige. Esse encontro de Braga com o
subúrbio de Belém traduz um olhar atento do fotógrafo com aquele mundo que lhe toca
de maneira simbólica. Neste sentido, podemos observar o que Braga diz,

“[...] aquilo que era tido como ‘brega’, como desinteressante, ou


como, até mesmo, de mau gosto, para mim era muito
interessante porque eu conseguia perceber, de forma intuitiva,
que essa forma que o caboclo, que o ribeirinho se coloria, na
verdade, ela continha uma inteligência cabocla, completamente,
diferente do resto. É como se ele ‘tatuasse’ os objetos do afeto -
seja a casa, o barco, o bar, ou a mesa de bilhar - com as cores; e
dessa maneira, tentando se evidenciar, se destacar de uma
paisagem, onde o pano de fundo é o verde. O fundo infinito
nessa área não é branco, ele é verde. Pra você saltar disso, você
precisa se colorir. E as cores eram realmente primárias, elas não
tinham nuances, não tinha pastel. Então, eu consegui enxergar
isso, de tanto que eu passava por ai [...]. E um belo dia, eu
desembarquei do carro, [...] com isso eu comecei a mergulhar,
nisso que se chamou visualidade popular na Amazônia [...]” 115

112
Não é nosso intuito seguir uma visão fenomenológica fechada, no entanto, aqui, é oportuno, buscar o
sentido de mundo a partir da visão de Merleau-Ponty, que distingue mundo e universo. A ideia de
universo está relacionada com “uma totalidade acabada, explícita, onde as relações sejam de
determinação recíproca”, ao passo que o mundo de nossa vida, meio de nossa experiência e de nossa ação,
é “uma multiplicidade aberta e indefinida onde as relações são de implicação recíproca”.(Pascal Dupond.
Vocabulários de Merleau-Ponty. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2010, p. 54)
113
Esse termo que, na língua e na filosofia gregas, significa in— divisivelmente a fala humana e a trama
sensata e inteligível do mundo, é retomado por Merleau-Ponty para ressaltar que o sentido do ser não
pode ser identificado com uma Razão em si, que contenha de antemão tudo o que o conhecimento ali
descobrirá, nem com a operação de uma subjetividade transcendental, que construiria o mundo e nele
encontraria o que ali pôs. ”.(Ibid, p. 53)
114
Como já observamos, anteriormente, não é nosso propósito seguir uma visão fenomenológica
irredutível. Assim, o termo “expressão” que foi usado no texto pode ser mais bem entendido como a ideia
da estrutura das imagens de Luiz Braga, a sua maneira peculiar de capturar esse mundo. Dessa maneira, a
ideia de Merleau-Ponty é a que se aproxima do nosso intuito. Então, podemos dizer que o “milagre da
expressão” ou o “mistério da expressão” resume-se assim: “um interior que se revela no exterior, uma
significação que irrompe no mundo e aí se põe a existir...” (Ibid, p. 29)
115
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
13min27seg a 14min58seg.
102

Essa maneira de Luiz Braga capturar a realidade vivida, naquele momento, torna-se
visível em outros artistas da região norte, como por exemplo, o pintor paraense
Emmanuel Nassar (1949) 116. A foto Carrinho (Ilustração 45) e Bandeira (Ilustração 46)
são situações que podem servir como objeto de análise nessa questão que evidencia o
uso do esquema da fotografia norte-americana como base na estruturação de seus
trabalhos. Emmanuel Nassar e Luiz Braga apresentam como motivo de suas respectivas
produções, os elementos da cultura visual da periferia da cidade de Belém. Consciente
ou inconscientemente, eles utilizam o esquema representacional da fotografia moderna
“abstrata”, do americano Paul Strand, para resolver questões compositivas de suas
imagens, ainda que a finalidade dessas fotos, pelo menos naquelas situações, fossem
distintas.

Ilustração 45: EMMANUEL NASSAR. Carrinho, 2000.


Formato 100x150 cm. Edição de 3.
Acervo do Artista.

116
Emmanuel Nassar. E Emmanuel Nassar N. Rio de Janeiro, Barléu Edições, 2011. p. 34, 108.
103

Ilustração 46: EMMANUEL NASSAR. Bandeira, 2000.


Formato 100x150 cm. Edição de 3.
Acervo do Artista.

O intuito das imagens de Braga sempre foi o universo da fotografia. As fotos Papagaios
Amarelos (Ilustração 42), Papagaio Azul (Ilustração 43) e Bilharito (Ilustração 44) se
impõem em sua singularidade como ponte entre a realidade da imagem (ficcional) e a
realidade que ela expressa (vivida). Por outro lado, as fotos Carrinho e Bandeira fazem
parte de uma série de fotografias, nas dimensões 100 x 150 cm, que são recriações
digitalizadas de fotografias que Emmanuel Nassar selecionou entre os ensaios
realizados para documentar a pintura geométrica nos subúrbios paraenses, e que serviam
como referências para suas pinturas. Contudo, atualmente, Nassar vem participando,
também, de mostras de fotografias, cuja finalidade das imagens apresentadas é o
universo da fotografia autoral, como por exemplo, Barco Branco (Ilustração 46), que
demonstra uma poética que transita por uma “conduta consumidora”117 da plasticidade
de coisas existentes no seu cotidiano. No entanto, Nassar ao capturar o referente, elege
aquele esquema representacional da fotografia moderna “abstrata”.

117
Tadeu Chiarelli. Emmanuel Nassar: uma conduta consumidora crítica. In Emmanuel Nassar, op. cit.,
p. 17-29.
104

Ilustração 47: EMMANUEL NASSAR. Barco Branco, 2010.


Formato 90x90 cm.
Acervo do Artista.

Seja em Nassar, um pintor com um “olhar direto” de fotógrafo, ou em Braga um


fotógrafo com um “olhar direto” de pintor, a questão é que esses agentes propulsores do
ambiente cultural de Belém percebem uma inteligência na organização espacial e nas
cores da periferia, e cada um a partir de poéticas singulares vão construindo significados
num mundo imaginário, a partir de uma realidade vivida que tem como referência
aquele imaginário “tatuado”118 como prova da existência do caboclo ribeirinho. Esse
raciocínio é uma possibilidade de interpretação da trajetória desse fotógrafo e daquele
pintor, que optam por refletir e ampliar a ideia de visualidade regional usando não os
esquemas da fotografia ou da pintura “realistas”, mas aqueles da pintura e da fotografia
“abstratas”.

O espaço da fotografia colorida, naquele momento dos anos 80, precisava ser
reconhecido. A fotografia em preto e branco, com uma herança sólida no

118
Ver citação 115.
105

fotojornalismo, e nos ícones da fotografia moderna, ainda se mostrava possante. Desta


maneira, Braga recorda “nos anos 80, quando fiz minha primeira exposição em cores,
lembro que tinha que ficar defendendo que não era apenas a foto em P&B que tinha
possibilidades artísticas”119.

A sofisticada descrição de Luiz Braga pelo gosto da ornamentação geométrica da


população ribeirinha a partir de um esquema experimental de composição, aproxima
essas fotos da arte abstrata. Nessas fotos, por mais que a forma de capturar o referente
tente suprimir ou, pelo menos, dificultar o seu reconhecimento, eles estão sempre
presentes – participando da imagem resultante. Isto enfatiza o caráter indicial da
imagem fotográfica. Dessa forma, Stefania Bril (1984), diz

"as imagens de Luiz Braga são portadoras de um traço


inconfundível. Você não pode cortar nada da imagem nem
adicionar. O recorte, abstrato, dentro da realidade é perfeito.
Tudo é necessário, nada supérfluo (...)”120

O aprofundamento dessas questões enfatiza o estudo da arte como um objeto que vai
mais além da questão meramente formal. Neste sentido, Chiarelli escreve

Por mais difícil que seja detectar com clareza quais objetos
foram secionados pelo olho do artista, as fotografias “abstratas”
de Braga sempre portarão uma luz indicadora de suas origens,
uma luz tropical que clareia tudo de maneira homogênea,
empenhada em ressaltar as texturas e saliências das superfícies
registradas, respeitando o caráter planar da imagem. 121

Ao se aproximar do caráter “abstratizante”, a partir dos cortes empregados diante do


real e que flertam com o straight photography , essas fotos enquanto linguagem visual
aproximam-se da visão da arte abstrata. Nesse arranjo complexo, a fotografia de Braga
distancia-se de critérios puristas. Assim, o que importa é perceber que, nessa conjuntura
específica, essas imagens incorporam qualidades de originalidade, certos aspectos que
as tornam significativamente autorais. É a fotografia confirmando que não há um meio,
um conjunto de procedimentos e práticas singularmente fotográficas. O processo

119
Diário do Pará. “Todas as cores e nuances de Luiz Braga em oficina – Luiz Braga ministra oficina na
programação do Prêmio Diário de Fotografia”. Disponível em:
http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=85039. Acesso em: 18/11/2012.
120
Stefania Bril, loc. cit
121
Tadeu Chiarelli, op. cit., p 19.
106

fotográfico dessas imagens possibilita uma nova linhagem na produção desse fotógrafo,
que relacionam de forma autoral natureza e cultura. Fotos conformadas por
procedimentos técnicos, mas que tenta se impor enquanto realidade visual válida em si
mesma, e não apenas como veículo para atingir o referente. Uma fotografia que enfatiza
certos aspectos de sua constituição ou de seu processo imagético – ainda que Braga
ressalte tantas vezes o seu fascínio pelo referente, sua preocupação é com ele mesmo
enquanto fotógrafo.

Porta com cadeado (Ilustração 48), Janela Azul (Ilustração 49), Barco dos Milagres
(Ilustração 50) e Tábua de pirulitos (Ilustração 51) são imagens, entre outras, que se
tocam com as estruturas da pintura de cunho abstrato-geométrico europeia - primeira
metade do século XX. O fotógrafo valoriza os planos monocromáticos, o caráter
modular de certas composições e as cores industriais. Inicialmente, tudo tende a remeter
àquele universo erudito e rigoroso. No entanto, como analisamos anteriormente, existe
nessas imagens “certo informalismo” presente nas seqüências de módulos, “algumas
incorreções” geométricas e uma liberdade no uso da cor, que deslocam o quadro de
referências dessas fotos para o desenvolvimento da tradição geométrico-construtiva
brasileira, a partir de meados da década de 1950. Podemos perceber possíveis ligações
dessas fotos com uma visão peculiar da produção neoconcreta, e mesmo com as obras
daqueles artistas que, independentes, também se alinhavam às vertentes construtivas.
Neste sentido, observamos um caráter específico da produção construtiva brasileira, que
ressalta essa energia emanada das imagens da Braga. Vale pontuar que “o
neoconcretismo foi uma importante manobra da produção de arte brasileira no sentido
de conquistar uma autonomia mais ampla em face dos modelos culturais
dominantes.”122 Acrescentamos que “o neoconcretismo foi uma tentativa de renovação
da linguagem geométrica, contra o caráter racionalista e mecanicista que dominava
então.” 123

No Brasil, na década de 1980, o campo do experimentalismo na fotografia colorida


passou a ser intensificado. Na cidade do Rio de Janeiro, os fotógrafos foram

122
Ronaldo Brito. Neoconcretismo – vértices e rupturas do projeto construtivo brasileiro. São Paulo:
Cosac & Naify. Edições, 1999, p. 64.
123
Ronaldo Brito, loc. cit
107

incentivados pelo Instituto Nacional de Fotografia, 124que passou a realizar ações com a
perspectiva de aprimorar a reflexão sobre a linguagem e a técnica fotográfica. Neste
sentido, a realização da Exposição “Foto-Grafismo” (1985), como resultado de uma
convocatória nacional de portifólio, mobilizou uma grande quantidade de fotógrafos.

Ilustração 48: LUIZ BRAGA. Cadeado, 1983.


Original filme kodachrome 35mm, formato 20x30 cm.
Série “No Olho da Rua” - CEDOC/FUNARTE/RJ. (FA 32/14 - 7)

Ilustração 49: LUIZ BRAGA. Janela Azul, 1983.


Original filme kodachrome 35mm, formato 20x30 cm.
Série “No Olho da Rua” - CEDOC/FUNARTE/RJ. (FA 32/14 - 9)

124
Instituição ligada a Fundação Nacional de Arte – FUNARTE/RJ (1985).
108

Ilustração 50: LUIZ BRAGA. Barco dos Milagres, 1985.


Cromo 35mm em cor, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.

Ilustração 51: LUIZ BRAGA. Tábua de pirulitos, 1983.


Original filme kodachrome 35mm, formato 20x30 cm.
Série “No Olho da Rua” - CEDOC/FUNARTE/RJ. (FA 32/14 - 4)
109

A Exposição “Foto – Grafismo” apresentou como critério de seleção, dentre outros, “a


valorização de um ‘olhar novo’ dentro da fotografia brasileira atual (daquele
momento).”125 A ideia de ‘olhar novo’ como um dos eixos conceituais daquela mostra, e
conforme análise das imagens apresentadas no Catálogo desse evento, estava atrelada ao
foto-grafismo brasileiro, enquanto linha de experimentação, que possuía uma gênese
histórica, nas fotografias experimentais de Geraldo de Barros, José Oiticica Filho, Athos
Bulcão dentre outros - uma produção fotográfica que se aproximava da abstração,
confirmando o diálogo amplo com a tradição geométrico-construtiva brasileira, presente
nas artes visuais dos anos 50, nos movimentos da arte moderna nacional e internacional,
e que marcaria a compreensão das experiências desses fotógrafos nos anos 80 e nas
décadas posteriores.

No período dos anos 1950, cabe destacar os trabalhos de Geraldo de Barros (Ilustração
52 e 53) com as suas Fotoformas e Matriz – Negativo. Trabalhos que enfatizam o ritmo
e a modulação do espaço - significativos experimentos deste período assinalado pela
energia da fotografia construtiva, que envolve a criação de forma plástica e a noção de
tempo, condensados no processo fotográfico. Neste contexto, a raiz de uma fotografia
abstrata passa a crescer paulatinamente no interior do fotoclubismo, como uma
produção desviante dos padrões dominantes. Muitos mecanismos eram usados para que
as referências do real fossem retiradas da imagem fotográfica, e através da aproximação
do referente, e do detalhamento de algum elemento, perdesse a sua aparência
totalizante, e realçasse a textura, algum detalhe anguloso da arquitetura ou de um objeto,
a projeção de luz e superfícies com reflexos. A captação do movimento, também, passa
a ganhar destaque na captura. É nesta trajetória sedutora que se inclui o “foto-grafismo”,
as “foto-texturagens”, as “fotomontagens”, as “fotoformas” e tantas outras
possibilidades buscadas pelos fotógrafos que vislumbravam romper com o modelo
dominante através da fotografia de cunho abstrato, que enfatizasse a bidimensionalidade
do plano, e os elementos que estruturalmente o constituem.

A partir desse universo de referências históricas, podemos perceber que o que mobilizou
consciente ou inconscientemente a seleção daquela mostra emblemática na produção de
Luiz Braga (Ilustração 44) e de outros como Cássio Vasconcellos (Ilustração 54) foi o

125
Apresentação do Catálogo “Foto – Grafismo”. (ANEXO G, pp. 241-247)
110

eixo conceitual da fotografia abstrata, não aquela produzida a partir da manipulação de


fotogramas, mas aquela que recortando certos elementos da realidade, e enquadrando-os
de forma direta, rompem momentaneamente com a relação entre o objeto e sua
representação, afirmando-se pelas relações entre os planos, as formas, os tons ou as
cores.

Ilustração 52: GERALDO DE BARROS, Fotoformas, 1950.


Formato 40 x 30 cm.
Museu de Arte Moderna – MAM/RJ
111

Ilustração 53: GERALDO DE BARROS, Sem título, 1951.


Matriz - Negativo.
Coleção do Artista.

Ilustração 54: CÁSSIO VASCONCELLOS. Sem título, Sem Data. [1985-data aproximada]
Formato 20x30 cm.
CEDOC/FUNARTE/RJ.
112

Tendo como ponto de partida, na busca de uma fotografia autoral, nesses ensaios
coloridos de cunho abstrato, Braga, como outros agentes propulsores daquele cenário
das artes de Belém, opera manobras resignificantes da geometria e das cores dentro da
linguagem artística, no sentido de um envolvimento mais afetivo com o sujeito. Isso se
contrapõe ao que se entende como uma abstração geométrica limitada a exploração das
formas, e a princípio sem nenhum vínculo com o mundo. No entanto, por outro lado,
Mel Gooding no texto Plenitude e Vacuidade - Da Política à Poética: Abstração do
Pós- Guerra, comenta o seguinte: .(...) Entretanto, qualquer arte abstrata que pretende
expressar a experiência da natureza deve reconhecer de alguma maneira suas cores,
126
formas e configurações variadas e cambiantes, sua dinâmica incessante. (...) . Braga
em algumas imagens dessa Série, como por exemplo, Porta com cadeado (Ilustração
48) e Janela Azul (Ilustração 49), opta por um recorte valorizador de elementos
compositivos que dialogam muito próximo de uma matriz neoplástica, entretanto não se
submete a uma pureza abstrata idealista como um dogma formalista. Isso nos remete a
uma outra realidade visual, onde esse mundo, também, pode ser representado em um
imaginário abstrato mantendo resíduos dessa mesma realidade na êxtase arquitetural de
um momento capturado, ou em algo que seja índice de tempo e espaço.

Esse artista percebe as cores e a geometria da região além do formalismo, numa relação
mais complexa. Dai a necessidade de trabalhar no limite e romper com categorias
fechadas. Muitas são as questões que nos levariam a analisar essas imagens de Braga,
ou aquelas de Emmanuel Nassar, a partir desse viés da arte construtiva brasileira. Por
exemplo, um dado significativo apresentado por Brito sobre o neoconcretismo é que
esse “tinha uma dinâmica de laboratório”, o que podemos relacionar com esse
momento, quando esses artistas, em especial Braga, movimentam-se no sentido do
experimentalismo e resaltam qualidades artesanais em suas imagens (tirando partido
unicamente das possibilidades da câmera e da luz – deixando de lado os aparatos
sofisticados da tecnologia fotográfica, seja por questões econômicas, ou poéticas).
Sobre esse caráter discutiremos mais detalhadamente no segundo item desse capítulo.

126
Mel Gooding. Arte Abstrata. São Paulo: Casac & Naify, 2002. p. 83
113

Nesse caminho de análise, podemos dizer que impregnado de referências eruditas (as
tradições construtivas aqui citadas) e populares, o artista usa a segunda metodologia de
captação do real, apontada por Strand para desenvolver seus comentários visuais sobre a
realidade que o cerca. Operarando cortes na captura dessas imagens, ele procura abstrair
a realidade, e enfatizar a rica geometria produzida pela população do norte do Brasil.
Mesmo inconsciente, ele repete, amplia e atualiza aquele esquema visual da straight
photography que, por sua vez, também, sinaliza de forma não explicita aquela mesma
tradição da pintura abstrato-geométrica. Dessa maneira, aprofundando essa reflexão que
parte de relações históricas, que nos aproxima desse diálogo entre fotografia (straight
photography) e pintura (abstrata), é oportuno lembrar o que Fatorelli escreve ao refletir
sobre o trânsito das teses essencialistas à fotografia que se afirmaria como híbrida

Ao longo das décadas subsequentes, a fotografia, ela própria


viria a modificar-se em decorrência da presença de outros tipos
de imagens, como a imagem em movimento, apresentando
novos deslocamentos, por exemplo, os movimentos futuristas e
cubistas no que significaram quanto à introdução de um efeito
cinemtático possível as imagens estáticas. 127

Vale ressaltar que os meios não se anulam, ou não se ultrapassam uns aos outros, mas
antes se recompõem em vista de novas situações que vão se articulando. É nesse
percurso que entendemos as manobras de Braga, quando ele percebe com sutileza “uma
inteligência” presente na organização daqueles espaços, e a possibilidade de articulação
desses elementos peculiares no seu projeto imagético. As cores, a estética cabocla
intrínseca na pintura daqueles objetos, ou na forma de se vestirem, nada escapa daquele
momento, que acima de tudo, se reveste de uma paixão pela “beleza do lugar”.
Procurando sempre fotografar aquele cenário de maneira sutil, o fotógrafo percebeu que
poderia aproveitar aqueles detalhes, as fontes de luz daquelas casas espremidas e a
colorida ornamentação dos bares. Surgia o desejo de descobrir e experimentar as
possibilidades de usar a cor como elemento artístico em suas imagens, mantendo certa
distância do aspecto documental.

Em outras imagens, de ensaios posteriores como podemos perceber em Tajás


(Ilustração 55) e Menino com papagaio (Ilustração 56), ele inicia a busca da conjugação
da cor com a figura humana. Mas, ainda muito preocupado com o colorismo. As fotos

127
Antonio Fatorelli, op. cit., 83
114

têm uma narrativa poética que valoriza a luz tropical, contudo, empenhadas em ressaltar
texturas, formas, cores e linhas respeitando o caráter planar da imagem.

Ilustração 55: LUIZ BRAGA. Tajás, Belém PA, 1988.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

Ilustração 56: LUIZ BRAGA. Menino com Papagaio, 1986.


Câmera nikon, objetiva 35mm.
Coleção do Artista.
115

Estes trabalhos estão situados, em nossas análises, no limite entre a produção que
ressalta a cor e a geometria, quando temos como momentos significativos as Exposições
“No Olho da Rua” e “Foto-Grafismo”, e aqueles outros cujo objetivo é explorar as
temperaturas da cor, que serão nosso objeto de estudo, no segundo item deste capítulo.
A figura humana nessas fotos, também, rompe com princípios da tradição da fotografia,
e dialogam com questões pictóricas, a partir da atenção dada a cor. O punctum128 que
traz o espectador de volta à realidade nessas imagens, não está no homem, mas em
questões relacionadas diretamente à cor, à geometria, ou ao comentário de brasilidade
conjugado à figura humana. Em Tajás, por exemplo, o elemento humano, encontra-se
em um plano distante – não podemos nem entender a posição da mulher como
personagem protagonista da cena, mas simplesmente um elemento figurante por trás do
tema – os tajás. O mesmo acontece com a foto Menino com papagaio. Ainda que o
garoto esteja no primeiro plano, a atenção do observador é afetada pelo pequeno e
modesto brinquedo de papel de seda e talas de miriti. O garoto ergue o papagaio com a
mão, como se fosse o troféu de sua alegria. É, sobretudo, pela forma que Braga trabalha
a luz e o contraste entre cores intensas que bradam o que é brasileiro, e penumbras que
resguardam sempre algo que não pode ser totalmente mostrado, que sabemos tratar-se
de fotografias que são comentários e, ao mesmo tempo, resultado de um espaço/tempo
preciso: a visualidade do norte do Brasil ou, melhor dizendo, a visualidade do Brasil. As
cores do gracioso e frágil brinquedo são as cores simbólicas da nação brasileira. A cena
repleta de encanto, leva-nos a refletir sobre o samba de Ary Barroso129 “Isto aqui, ô ô /
É um pouquinho de Brasil iá iá / Deste Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz, / É também
um pouco de uma raça / Que não tem medo de fumaça iá iá / E não se entrega não
(...)”130

128
O punctum não está relacionado com as intenções do fotógrafo, com a cultura do operator, com sua
visão do mundo. Ele depende do espectador se sentir tocado com algo na imagem, pungido por
determinado elemento. (Ver o conceito de punctum em Roland Barthes, op. cit., p. 46)
129
Compositor, pianista, locutor e apresentador, Ary Barroso nasceu em Ubá MG em 7/11/1903.
130
Composição de Ary Barroso, interpretada por João Gilberto, Caetano Veloso, entre outros. “Isto Aqui,
o que é?” (Sandália de Prata - 1942) Disponível em: < http://letras.mus.br/caetano-veloso/44733/> acesso
em: 27/11/2012.
116

2.2 Explorando a cor: o jogo da ressignificação dos erros na construção do repertório


fotográfico.

A década dos anos 1990, na produção de Luiz Braga, também, é um momento marcado
pela inquietação. Ele busca, incessantemente, novas formas e alfabetos para construir o
jogo poético no seu trabalho. Nesse percurso, ele descobre um outra maneira de mostrar
o referente amazônico. Com o filme calibrado para day light, exposto à luz de mercúrio,
ele percebe uma distorção de verde, como podemos observar em Babá Patchouli
(Ilustração 57). Esse resultado “inesperado”131 é considerado um erro no processo
fotográfico, uma vez que, o fotógrafo utilizou um filme com sensibilidade adequada
para a luz do dia (day light), sob uma outra iluminação – a luz urbana noturna (luz de
mercúrio).

Ilustração 57: LUIZ BRAGA. Babá Patchouli, 1989.


Cibachrome print. 40 x 60 cm.
Coleção do Artista.

No entanto, se compararmos essa imagem com as fotos em preto e branco, e as


coloridas mostradas no item anterior – com foco nítido e nuances de tons equilibrados,
observamos que Babá Patchouli não apresenta apenas uma distorção que produziu

131
O inesperado, nesta situação, é a cor verde artificial obtida na imagem, e as outras nuances a partir da
exploração da temperatura de cor. Contudo, entende-se que o fotógrafo tinha a intenção do experimento
ao usar um filme calibrado para a luz do dia, sob a luz de mercúrio.
117

aquela cor esverdeada por interferência da luz de mercúrio, ou a cor do céu magenta ao
fundo, mas a foto acumula muitos “erros”, entre eles: a imagem tremida, um
significativo desfoque, os borrões e a artificialidade das cores que motivam uma tensão
visual geradora de uma realidade distante daquela capturada. Essa aparência sofisticada
e irreal é produto de um confronto entre a luz natural e a luz artificial, entre o aspecto
intuitivo do livre olhar do fotógrafo, e os preconceitos e condicionamentos do olhar que
edita e escolhe, que acaba dificultando a fluência do ato, no momento da captura da
imagem. Nesse sentido, Braga diz,

“Guardei a foto por seis meses. (...) Mas depois percebi que
esse erro poderia ser um caminho para constituir minha
linguagem. Se eu tivesse me deixado levar pelos parâmetros da
perfeição técnica, esta foto estaria na gaveta até hoje. Nossa
visão tem que ser imperiosa e não submissa ao manual.” 132

Babá Patchouli abre caminho para outros ensaios133 que buscarão explorar as diferentes
temperaturas de cor diante do filme day light. Grande parte dessas imagens foi premiada
em 1991, nos EUA134. Braga incorpora ao seu repertório essa outra maneira de olhar e,
em decorrência disso, uma das principais características do experimentalismo marcante
do seu trabalho passará a ser a imagem ao entardecer. Sob diferentes fontes de
iluminação e temperatura - as bases técnicas da poesia engendrada nessas fotos, ele
busca em sua produção uma franqueza artística, uma linguagem autoral que explora
declaradamente as possibilidades da luz – tão importante para Monet135 e os pintores
impressionistas ao estabelecerem a relação com a luz e o tempo.

A exploração da cor a partir desse jogo de ressignificação dos erros aproxima essas
imagens, no campo da aparência, da visibilidade da pintura. Dessa forma, mantendo
distância das “manobras pictorialista”136, Braga com uma “ironia fina” 137desestabiliza o

132
Ivan Padovani. Visão Fotográfica – Cássio Vasconcelos, Claudio Edinger e Luiz Braga. In Revista
Digital Photographer Brasil. Edição 19, Abril, 2012, p. 39.
133
O resultado deste trabalho foi mostrado na Exposição Anos-Luz, Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand (SP-1992); Luiz Braga - Fotografias, Centro Cultural Banco do Brasil (RJ-1992); Luiz
Braga Anos – Luz, no Espaço UFF de Fotografia (Niterói-RJ-1994). (ANEXOS L e M, pp. 254-263)
134
O Prêmio Leopold Godowsky Color Photography Awards (1991), concedido pela Boston University.
Disponível em: http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/22. Acesso em: 30/11/2012.
135
Carlos Zílio. Claude Monet e a Amazônia. In OURIQUES, Evandro Vieira (org.), op. cit., pp.73-78.
136
Os diversos métodos utilizados pelos pictorialistas para aproximar a imagem fotográfica dos cânones
da pintura do final do século XIX terminaram afastando-a da sua essência realística. Nas superfícies das
cópias fotográficas eram experimentados vários métodos de manipulação, utilizando desde pincéis,
esponjas, borrachas, escovas até processos mais trabalhosos como bromóleo e a goma bicromatada. Outro
118

atrelamento histórico da fotografia à pintura, que foi herdado de forma mais próxima
dos movimentos do final do século XIX e início do século XX. No entanto, a maneira
como ele trata a cor nessas imagens, certamente, tem algo de pictórico, e tem atraído o
olhar da crítica de arte. Com relação a esta questão podemos considerar o que Ivo
Mesquita (curador da 28a Bienal de São Paulo) apresentou, ao justificar a escolha do
fotógrafo Luiz Braga e do pintor Delson Uchôa para comporem a mostra do Pavilhão
Brasileiro da 53a Bienal de Veneza:

“Veneza é a terra de pintores como Ticiano, Tiepolo, Veronese,


entre tantos outros que criaram o estilo veneziano de pintura,
marcadamente colorista e luminoso desde o Renascimento. Foi
pensando nisso que escolhi Luis Braga e Delson Uchôa, pois se
tratam de dois artistas que trabalham magnificamente, com a luz
e a cor, mas a partir de uma experiência brasileira. A fotografia
de Braga é sobre pintura pela maneira que constrói e
articula suas imagens, distanciando-se dos conteúdos
sociológicos ou antropológicos que se poderia esperar de um
artista da Amazônia. Uchôa, por sua vez, trabalha com uma
palheta estridente de cores onde se mesclam tradição erudita e
cultura popular, num claro processo de pintura hoje,
empregando estratégias de apropriação, colagem e intenso
processo manual. Ambos discutem pintura a partir de uma
perspectiva conceitual.” 138 (grifo do autor)

No entanto, não é sua intenção emular aquele meio, mas, brincar com os limites da
visibilidade entre um campo e outro. Assim, a fotografia obtida a partir do
experimentalismo se torna uma totalidade sempre incompleta, que sugere sua
continuidade além dos limites da imagem, transformando-se em meio e fim em si
mesma, ainda quando sua a aparência nos remete à pintura, essas fotos a partir de certos
aspectos de sua constituição ou do seu processo, faz vir à tona elementos próprios de
sua estruturação material. Esses “erros”, em outras palavras, esses sinais de sua
realidade constitutiva, como os efeitos obtidos com o filme calibrado para day light, em
Babá Patchouli, passam a funcionar como dado formador da imagem, tornando-se tão
importante quanto os elementos que sustentam o seu caráter referencial – qualquer

efeito bastante difundido era o flou que consiste em um pequeno desfocador da imagem, causada pela
difusão da luz, cuja técnica pode ser feta durante a captura da imagem ou na impressão da cópia.
137
A ironia fina, nesse contexto, são os deslizamentos de sentidos na imagem, provocados pelo
experimentalismo da técnica da fotografia, e que levam o observador a outras realidades. A ironia de
Braga é um movimento de consciência, de mediação que relaxa a seriedade, a rigidez da técnica e
desconstrói o estereótipo.
138
Folha de São Paulo. Mario Gioia – Da Reportagem Local. Ivo Mesquita leva à Itália artistas
brasileiros que trabalham com a Luz. São Paulo, 4 de junho de 2009, Ilustrada E11. (ANEXO N, p. 264)
119

semelhança com o real. Assim, abrindo mão dos filtros e dos sofisticados acessórios
fotográficos, ele se lança na economia do experimentalismo da luz, desobedece às
observâncias e prescrições de dogmas da fotografia tradicional, e mistura as questões
com um humor e “ironia fina”, produzindo imagens que nos remetem a outras
realidades.

Esse humor e “ironia fina”, algumas vezes, se evidenciam no discurso do fotógrafo


sobre sua produção, deixando à mostra a consciência dos deslizamentos de sentidos
presentes nessas imagens. Ele esboça com alegria, no trejeito do falar, a tão peculiar
forma festiva do nortista, que está tatuada através das cores e formas, nos objetos,
paisagens e habitantes da região amazônica. No evento O MAC Encontra os Artistas
(2012), Braga inicia a sua fala com humor e diz “(...) essa parte que eu ia fazer a
introdução tocando Waldemar Henrique139, eu vou pular e já vou começar (...) a falar da
fotografia”140. Ele deixa transbordar em sua fala cheia de humor, a ironia que motiva o
seu experimentalismo em busca não da visualidade amazônica, mas da sua visualidade
amazônica – auto-referente, repleta de independência em sua obra de arte e distante dos
limites puramente documental. Aqueles que não conhecem a produção de Braga,
algumas vezes se frustram quando se deparam com suas fotos. Diante dessas imagens,
aqueles que chegam procurando o regionalismo dos temas amazônicos, encontram uma
outra Amazônia – aquela construída com “as cores da fotografia de Luiz Braga”141.

O experimentalismo com luz nessas imagens, que gera deslizamentos de sentidos,


desobedece a princípios e dogmas da fotografia. Assim gera um colapso da rigidez ou
de qualquer vestígio purista e subverte os limites do “olhar amazônico” presente em
seus trabalhos – universalizando-o. “Caçoa” daqueles princípios por demais rígidos,
falseia a própria técnica e desenvolve fotografias “erradas” - operadas com economia

139
Vale ressaltar que Waldemar Henrique (1905-1995) é notável maestro, pianista, compositor e escritor
paraense que se notabilizou no cenário nacional e internacional pelos temas regionais. Waldemar
Henrique era filho de descendente de portugueses e de indígenas. Depois de perder a mãe muito cedo, foi
com o pai para Portugal, retornando ao Brasil em 1918. A partir de então viajou pelo interior da
Amazônia, época em que travou contato com os elementos da cultura e do folclore amazônico que seriam
mais tarde característicos de sua obra musical. Suas obras, entre outras, são: Boi-Bumbá, Tamba-Tajá,
Cabocla Bonita, Uirapuru etc. Cf. ALIVERTI, Márcia Jorge. Uma Visão sobre a interpretação das
canções amazônicas de Waldemar Henrique. Dissertação de mestrado. São Paulo: Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2003.
140
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
03min24seg a 03min34seg. (com adaptações)
141
Tadeu Chiarelli, op. cit., p.22.
120

dos acessórios técnicos. Essa “ironia fina” de Luiz Braga tenta desmistificar os
elementos que definem um trabalho como simples no cenário contemporâneo. É como
que fingisse ignorar tudo o que sabe para tentar descobrir o que não é possível saber.
Ele faz com que sua visão seja imperiosa e não submissa à rigidez dos dogmas da
fotografia. Muitos diante dessas imagens não acreditam que as mesmas não sejam
editadas, ou que o fotógrafo não utilizou sofisticados acessórios técnicos. Nesse sentido,
Braga com o seu jeito de falar, sempre bem humorado e ressoando o carinho pelo seu
trabalho, diz: “tanto que depois eu passei a brincar (...) então eu digo, essa aqui eu
precisei do caminhão gerador; foram duzentas pessoas que eu selecionei até encontrar
essa pessoa para fotografar (...)” Dessa forma, a ironia em seus trabalhos é uma
estratégia, ou uma ferramenta, que o conduz à experimentação de outras possibilidades
de fotografar, como ele manifesta em sua fala “brincar de fotografia - que é o que eu
faço até hoje”142. O humor e a “ironia fina” são meios que Braga utiliza para valorizar
as coisas do seu entorno amazônico. É como que fosse um riso sério do artista. A sua
“ironia fina” está ligada mais a realidade do que ao prazer, mais ao trabalho que ao
lazer, mas ao combate que a uma negociação dócil das diferenças regionais, nacionais e
internacionais no campo da fotografia contemporânea.

Várias fotografias de Luiz Braga são convites para uma história. A partir da imagem, o
espectador se sente motivado a construir uma narrativa. Podemos perceber isso em
Babá Patchouli, onde a imobilidade e o silêncio da imagem são intrigantes. O gesto
parece ser mais importante que os personagens. A mulher e o pequeno menino, numa
relação aparentemente maternal, com tamanhos tão distintos, oferecem a oportunidade
criativa e metafórica com relação à natureza que os envolvem. A cena que parece ter
uma unidade se fragmenta com os olhares, que não parecem se dirigir para o mesmo
ponto. A sombra dos corpos, confundidas se propaga na areia esverdeada e situando o
observador numa atmosfera irreal, como se o verde da floresta trouxesse um
deslocamento para um lugar fantasioso. O vento agita a folhagem sob um céu nublado,
que projeta uma luz púrpura na margem. As duas figuras estão contemplativas diante da
cena convidando o espectador a captar um outro tempo, mais demorado, com outro
andamento, sem a urgência e a busca de um tempo ditado, que rege e impõe um ritmo
de vida diferente. O mar é um elemento marcante que aquela região tão peculiar ao

142
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
03min57seg a 04min00seg. (com adaptações)
121

fotógrafo – o rio Amazonas. De costas para o observador, a mulher e o menino


contemplam o horizonte num cenário que pode referir-se à Amazônia, mas que pode,
também, ser outro: um dos tantos lugares no imaginário de quem vê a fotografia. Em
Babá Patchouli, a abordagem com suave-contraste ajuda a enfatizar as qualidades
gráficas dessa composição panorâmica e quase simétrica da paisagem amazônica.
Assim, Braga opta por trabalhar tons suaves e ao mesmo tempo utiliza cores
diretamente opostas como verde e magenta.

E ainda sobre Babá Patchouli, é importante compreender alguns dados referentes ao


título da obra. Babá é uma forma de tratamento carinhoso dado às velhas amas que
cuidavam das crianças como prolongamento dos afetos maternos. O patchouli é uma
raiz perfumada cujo aroma é marcante na perfumaria e, em especial, na cultura do norte
onde é conhecida como “Cheiro do Pará”. Essa “mãe perfumada” que protege, cuida e
revela os afetos não apenas da personagem, reverbera o olhar da floresta que exala os
afetos de Luiz Braga pela Amazônia. O gesto do olhar da babá e da criança, capturado
por Luiz Braga, é marcante nessa imagem - entrega ao olhar do observador as questões
estéticas herdadas do colonizador – valorizadoras da beleza do lugar que nos levou ao
exotismo, e ao mesmo tempo, ecoa uma herança nativa que olha para a natureza
reverenciando-a com o respeito de quem entende o seu valor. Essa imagem vai além da
luz naturalista da fotografia direta e da aparência do lugar e atinge algo mais amplo
como a dignidade humana. Babá Patchouli é um convite ao olhar, e exala uma
musicalidade do norte, mas longe do lirismo de Waldemar Henrique. Ela nos leva a
pensar a Amazônia num outro momento, talvez no futuro, no devir. Como os seus
outros conterrâneos artistas daquela década, em Belém, ele busca evidenciar a região
norte do Brasil quem sabe a partir da música Belém Pará Brasil “o nortista só queria
fazer parte da nação (...) quem quiser venha ver, mas só um de cada vez, não queremos
nossos jacarés tropeçando em vocês (...)” 143

143
A composição “Belém Pará Brasil” é da banda de rock paraense “Mosaico de Ravena”. As
composições da banda marcaram um período, na segunda metade da década dos anos 80, onde os artistas
do norte Brasil buscavam conquistar um espaço nacional onde suas produções pudessem ser vistas e
valorizadas nacionalmente. Reivindicavam uma maneira que pudesse mostrar as belezas do norte,
respeitando os limites. Desse período, no cenário brasileiro, outros compositores no campo da música e
da poesia se tornam evidentes, entre eles: Fafá de Belém, Rui Barata (Paranatinga) etc. Disponível em:
http://letras.mus.br/mosaico-de-ravena/268048/, acesso em 15/12/2012.
122

Luiz Braga segue explorando as diferentes temperaturas de cor e construindo imagens


ao entardecer. Desta maneira, tendo a luz como seu objeto de experimentação, ele vai
brincando com a plasticidade das cores e aproximando-se da aparência pictórica. A
Preferida (Ilustração 58), Meninos e Açaí (Ilustração 59), Barqueiro (Ilustração 60),
Parque (Ilustração 62) e Bar Azul (Ilustração 63), são fotos marcantes desse período,
que vão construindo um percurso imagético singular e abrindo outras possibilidades no
seu repertório.

Neste cenário com a exploração das cores, Luiz Braga encontra-se com outros ícones da
fotografia brasileira. Miguel Rio Branco144, por exemplo, é conhecido por suas
fotografias coloridas. Empreendendo experimentos com contrastes cromáticos, diluição
dos contornos, jogos de espelhamentos e diversas texturas, ele cria atmosferas diversas
por meio do uso da cor e da luz. A passagem do tempo somada às cores, também, é um
tema constante nas imagens desse fotógrafo, como podemos definir em Vermelho, Azul
e Verde (Ilustração 61) e que a aproxima de questões pictóricas. A passagem do tempo
será marcante em muitas imagens de Luiz Braga, na sequência, por exemplo, Bar Azul e
Meninos e Açaí.

Ilustração 58: LUIZ BRAGA. A Preferida, Belém PA, 1988.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

144
Cf. Miguel Rio Branco. Miguel Rio Branco. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
123

Ilustração 59: LUIZ BRAGA. Meninos e Açaí, Belém PA, 1991.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

Ilustração 60: LUIZ BRAGA. Barqueiro, Belém PA, 1992.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.
124

Ilustração 61: MIGUEL RIO BRANCO. Vermelho, Azul e Verde,1994.


Série Academia Santa Rosa, Matriz - Positivo.
Coleção do Artista.

A multiplicidade das experimentações fotográficas na contemporaneidade vai do uso


das formas tradicionais aos recursos digitais. A poética, o processo de construção de um
projeto fotográfico envolve fases distintas que se entrelaçam na continuidade da
materialização dessas imagens. Especificamente, nas fotografias de Luiz Braga a
correspondência entre fotografia e pintura sinalizada pela crítica de arte brasileira se
evidencia mais na articulação do conjunto das estruturas que ela comporta, com relação
à história da arte a partir da utilização de arquétipos pictóricos utilizados pelo artista –
amalgamados por suas vivências145 como foi comentado anteriormente, do que
propriamente pelo desejo de imitar ou competir com a linguagem pictórica. É nessa
medida, a partir das articulações com a história da arte, com a visualidade amazônica e
com o universo de multiplas referências que a produção desse artistas, rompendo com as
barreiras do regionalismo penetra no campo mais geral da arte brasileira e internacional.
145
Ver citação 32.
125

Ilustração 62: LUIZ BRAGA. Parque, Belém PA, 1990.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

Ilustração 63: LUIZ BRAGA. Bar Azul, ca. 1996.


Câmera nikon, objetiva 28mm.
Coleção do Artista.
126

Estas articulações funcionam como indícios na estruturação de um sistema de


correspondências que se estabelece como possibilidade de edificação da sua linguagem
fotográfica. O cotidiano, o visível no campo prático-perceptivo, é o mundo que o
fotógrafo busca capturar. No caso da produção de Braga, a construção da sua linguagem
se dá a partir de dois momentos: o pré-fotográfico e o pós-fotográfico. No primeiro
momento, situa-se a refinada educação do seu olhar com base em alguns critérios quase
pictóricos, que interferem na escolha daquilo que será retratado e envolve a riqueza e a
finura do equilíbrio presente no enquadramento, nas texturas, nas tonalidades, na
composição e a na experimentação da luz. No segundo momento, a sua linguagem é
influenciada pela maneira como se dá o registro e a reprodução da imagem. Então, é
justamente nessa mediação entre a vontade criadora e o processo mecânico que reside a
maneira singular da fotografia de Luiz Braga em termos de percepção e de produção
artística.

A percepção de Luiz Braga está relacionada à atitude corpórea do seu envolvimento, ora
com o cotidiano daqueles lugares, ora com os seus fotografados. As sensações
provocadas por estas relações são aspectos importantes nesse processo que o conduz às
escolhas. Assim, traríamos à discussão uma nova compreensão de sensação que nos
leva, também, a uma nova compreensão da noção de percepção. Neste caso, diferente
daquela proposta apresentada pelo pensamento objetivo, fundado no empirismo e no
intelectualismo, cuja descrição da percepção ocorre através da causalidade linear, ou
seja, de estímulo-resposta. Nessa concepção da percepção, a apreensão dos referentes
pelo sentido ou pelos sentidos é operada pelo corpo/sensação, e tratando-se de uma
expressão criadora como a do fotógrafo, se constitui segundo os seus diferentes olhares
sobre o mundo, que se encontra submerso numa bagagem sedimentada por múltiplas
experiências. Sua percepção materializada em suas imagens não é simplesmente uma
resposta diante de um e outro referente, ou lugar.

Braga explora de forma extensa as possibilidades expressivas de cada lugar e dos seus
experimentos. Ele diz em alguns relatos que tanto as suas fotografias em preto e branco,
quanto as fotos coloridas, mostradas até aqui, foram feitas “na mesma faixa territorial”.
A Preferida, Meninos e Açaí, Barqueiro, Parque e Bar Azul, entre outras, são fotos
feitas em lugares frequentados pelo fotógrafo. Ele sempre está ali no mesmo território, é
o caso da Estrada Nova – lugar onde ele desenvolveu e desenvolve muitas de suas
127

séries. Braga mais do que buscar novas paisagens ou referentes, ele se preocupa em
desenvolver novos olhares, explorando o máximo das possibilidades expressivas. Neste
sentido podemos observar o seguinte

“naquele mesmo velho caminho, que se chama Estrada Nova,


que é o caminho que vai pra Universidade, (...) é como se eu
atravessasse a ponte Eusébio Matoso durante oito anos e meio,
e ao longo desses oito anos e meio, ou doze, ou quinze, eu fosse
mudando a minha fotografia, mas eu sempre estou ali, no
mesmo território, eu nunca fui um fotógrafo muito viajante,
como tem tantos fotógrafos como Henri Cartier-Bresson (...).
No meu trabalho, o território palpável é bem restrito.” 146

Braga inflama a fisionomia amazônica daqueles lugares e dos seus referentes.


Ressignifica-a incessantemente – explorando o preto e branco, a cor em suas múltiplas
possibilidades e a nigtht vision - sempre num território restrito. Com isso consegue que
o espectador diante de suas fotos possa ir para longe da aparência do lugar, e além do
pessoal. Assim, a linguagem inexata dos afetos pessoais passa a ser um dado importante
nessa trama imagética. Neste sentido, a reflexão de Marcel Proust pode nos ajudar na
compreensão dessa questão

“Até nos prazeres artísticos, não obstante os busquemos pela


impressão que provocam, achamos logo meios de deixar de
lado, como inexprimível, o que precisamente constitui essa
impressão, e de nos arrimar ao que permite desfrutar o prazer
sem conhecê-lo até o fundo, e nos dá a ilusão de comunicá-lo a
outros apreciadores com os quais a conversa se tornará possível
por falarmos de algo idêntico para eles e para nós, tendo sido
suprimida a raiz pessoal de nossa própria impressão.”147

Ao trazer outra maneira de desfrutar o referente amazônico, Braga o aproxima de


diferentes olhares, numa manobra inconsciente ou consciente de internacionalização de
sua produção. Nesse sentido, podemos dizer que o olhar tudo pode ver, e seu exercício,
primeiramente, é um ato de afastamento de considerações que, em si mesmas, formam
um todo a partir de suas estruturas: o sujeito não é um observador absoluto que, no seu
sobrevoo, fotografa, pinta ou desenha, por exemplo, semelhanças urbanas entre cidades
como Belém, São Paulo, Rio de Janeiro e Paris, equacionando uma linguagem-modelo e

146
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
21min44seg a 22min24seg. (Texto com adaptações)
147
Marcel Proust. O tempo redescoberto. Tradução de Lúcia Miguel Pereira. 7ª Edição. Porto Alegre –
Rio de Janeiro: Editora Globo, 1983, p. 139.
128

determinadas transferências para esses atos de conhecimento de mundo. Por outro lado,
os exercícios do olhar nos aproximam da percepção de fenômenos que, por sua vez,
oferecem certas ligações visuais entre os objetos do mundo. Uma experiência desse tipo
tem o intuito de estruturar a criação artística visual de tal forma que possa desencadear
um desdobramento de muitos outros atos relativos ao processo poético. Braga fotografa
diversos lugares em suas viagens pelo mundo. No entanto, explora as possibilidades
expressivas do olhar daquela “faixa territorial”, que se tornou simbólica em sua
produção.

Ponta D`Areia (Ilustração 64), Porto Pureza (Ilustração 65) e Barco Iluminado
(Ilustração 66) são imagens que estão intimamente ligadas a este alicerce da visualidade
amazônica, e sinalizam os fatores responsáveis pela formação da visão do artista: a sua
formação cultural, os costumes, as tradições, as experiências, entre tantos outros. Com
relação a essa questão, ele diz

“nossa visão é formada justamente por estas camadas de vida


que adquirimos ao longo do percurso. Sempre fui daqueles que
‘comem’ a vida com os olhos. O cotidiano sempre me
interessou: as cenas simples, a religiosidade da minha terra,
tudo isso ajudou na formação de meu olhar.” 148

A década de 1990 se apresenta como um momento intenso na experimentação da cor no


trabalho de Braga, após a década de 1980, quando a composição em preto e branco
dominava e era difícil mostrar que poderia ser diferente.

Seguindo esse percurso da “cor inflamada” da região amazônica, Luiz Braga passa a ser
reconhecido pela crítica de arte brasileira, como um fotógrafo que a partir do apego à
região desenvolve uma fotografia que traz uma Amazônia auto-referente, autônoma
como obra de arte e que se distancia da fotografia documental eficiente para a memória
coletiva. Braga reconhece a energia do referente amazônico, contudo engendra um jogo
de ressignificações a partir dos erros experimentados, que seriam a sua forma própria de
construir um repertório autoral subvertendo alguns princípios da fotografia tradicional.
Neste contexto, ele afirma

148
Ivan Padovani, op. cit., p. 37.
129

“uma coisa que acabou por destacar meu trabalho foi à forma
natural de tratar uma região que, ao longo do tempo, foi objeto
de olhares apressados ou superficiais. Ao longo de minha
carreira eu me deixei embeber desse caldo de inspiração
riquíssimo que é a Amazônia. Impregnar de subjetividade
minhas imagens acabou por me distinguir no cenário da
fotografia contemporânea.”149

A imagem tremida, o significativo desfoque, os borrões e a artificialidade das cores,


somadas à passagem do tempo destacada pela abertura da lente e do ponto focal
selecionado pelo fotógrafo, proporcionam uma conjunção única que dá graciosidade a
detalhes que deixam de lado, como “inexprimível”, o que precisamente constitui as
impressões diretas do referente, e nos aproximam a outros detalhes, ou efeitos que nos
levam a desfrutar do prazer além da aparência do real, como bem nos apresentou Marcel
Proust150 ao refletir sobre os prazeres artísticos. Assim, as imagens desse fotógrafo
provocam uma emoção tanto mais forte, na medida em que é imperfeita, fortuita,
fragmentária.

Ilustração 64: LUIZ BRAGA. Ponta D`Areia, Belém PA, 1992.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

149
Ivan Padovani, loc cit
150
Marcel Proust, loc. cit.
130

Ilustração 65: LUIZ BRAGA. Porto Pureza, Belém PA, 1988.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

Ilustração 66: LUIZ BRAGA. Barco Iluminado, 1992.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.
131

Luiz Braga, afirma em seus relatos, que é essencial o seu contato próximo, prolongado e
de forma intensa e profunda com o assunto que pretende fotografar. Por isso o seu
território palpável é restrito - aquele mostrado em sua produção reconhecida como
artística, e sinalizadora de um envolvimento que o afeta. Assim, ele comenta

“É preciso se deixar envolver com o tema, seja uma pessoa, um


ambiente ou um sentimento. Tenho o privilégio de ter escolhido
ficar na minha terra. Sou um cara que praticamente fotografa o
universo ao meu redor. Este é um processo extremamente rico.
Caso contrário, você terá um olhar de quem tem pressa, um
olhar passageiro.” 151

No entanto, podemos observar que além desse envolvimento intenso com o tema, Luiz
Braga é o fotógrafo marcado pelo experimentalismo – sempre inquieto, vai explorando
com profundidade as qualidades expressivas das temperaturas de cor diante da luz
natural e artificial. Essa manobra o leva a rejeitar a fotografia produzida com
deslocamentos de luz, com flash ou filtros. Isso proporcionou o amadurecimento do seu
trabalho e uma linguagem própria. Nesse sentido, é importante identificar que Luiz
Braga sempre nomeia como referências, no seu percurso como fotógrafo, ícones da
pintura. Dessa maneira, ele diz

“Fui a uma exposição do pintor Edvard Munch em Paris. O que


me fascinou é que ele pintava sete ou oito vezes a mesma cena.
Parecia uma prova de contato, todas as versões fabulosas! Ele
pintava exaustivamente a mesma coisa durante anos. Ou seja:
existe todo um percurso para desenvolver um trabalho genuíno,
autêntico e com sinceridade artística.” 152

A busca de uma sinceridade artística o levou ao desenvolvimento de uma fotografia


autoral. O experimentalismo, a inquietação diante dos materiais, das regras e dos
procedimentos fotográficos, o levou a construir imagens, como Chuva (Ilustração 67).
Essa imagem impregnada de ruídos internos, que dificultam a “transparência”153 do real,

151
Ivan Padovani, op. cit., p. 39.
152
Ibid, loc. cit.
153
As ideias de transparência e opacidade apresentadas nesse trabalho estão realacionadas aos estudos da
historiadora norte-americana Rosalind Krauss, sobre a escultura do século XX. A historiadora apresenta
um contraponto entre as ideias de “transparência” relacionada a escultura tradicional, e a ideia de
opacidade relacionada a escultura moderna, que ressaltava a materialidade como indíces constitutivos da
obra, levando o espectador a perceber o sentido da obra, não “através dela”, mas em sua própria estrutura
física. Ou seja, contra a ‘transparência”, como caráter de canal condutor ao belo ideal da escultura
tradicional, a escultura moderna propunha seu caráter “opaco”, transformando-se em meio e fim em si
mesma, ainda quando sua forma remetesse a uma “verdade” anterior à sua execução, como por exemplo o
132

também, possibilita pensar a fotografia além dos parâmetros tradicionais e da straight


photography defendido por Paul Strand e seus seguidores.

Ilustração 67: LUIZ BRAGA. Chuva, Belém PA, 1985.


Matriz-positivo.
Coleção do Artista.

Chuva é uma fotografia que foi feita numa esquina da cidade de Belém – num carrinho
de cachorro quente – típico comércio miúdo daquele local. A figura à direita, é uma
passante que foi avistada pelo fotógrafo antes da captura. Para registrar a cena esperada,
Luiz Braga aguarda o momento da sua passagem pelo plástico que protege o carrinho da
chuva. Sob a luz de mercúrio, a sombrinha da transeunte ganha o efeito de um verde
resplandecente. E a luz incandescente da barraca produz o efeito dourado que envolve a
imagem. A conjugação do efeito da luz de mercúrio e da luz incandescente
proporcionaram uma atmosfera poética. Luiz Braga utiliza o plástico que protege a
banca de lanche e os outros personagens da chuva, como um “filtro natural”. O
resultado é uma fotografia “opaca”, cujos sinais precisos de sua realidade constitutiva

o corpo humano. Essa ideia de transparência e opacidade relacionada as fotografias de Luiz Braga foram
apresentadas no texto “Luiz Braga e a fotografia opaca”, de autoria de Tadeu Chiarelli, curador da
“Exposição Luiz Braga Retratos Amazônicos” – MAM/SP, 2005. Cf. Rosalind E Krauss. Caminhos da
escultura moderna. 2ª Ed. Tradução Julio Fisher. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção A); Tadeu
Chiarelli. Luiz Braga e a fotografia opaca. In “Luiz Braga - Retratos amazônicos”. São Paulo: MAM,
2005.
133

tornam-se tão ou mais importantes quanto os elementos que sustentam seu caráter
referencial. Nesse sentido é importante perceber o que Baudrillard diz “ora, uma
fotografia bem-sucedida é aquela que força você a vê-la assim.”154

A questão trazida por Luiz Braga, a partir desses experimentos com as temperaturas da
cor e da opacidade engendrada pelos erros ressignificados nesse jogo poético, é a
possibilidade de pensarmos suas fotografias, e na sequência o conceito de fotografia,
além dos parâmetros da fotografia tradicional. Essa empreitada leva-nos ao próprio
estatuto da imagem na contemporaneidade, quando existe um acúmulo de informações
através de imagens, que transbordam em fluxos acelerados nas redes comunicacionais -
numa intrigante trama de espaços preenchidos e sobrepostos com diferentes
possibilidades imagéticas. É nesse contexto, quando o olhar, no mundo contemporâneo,
se dilui, e sem conseguir se fixar se perde na busca de se encontrar, que Braga busca
outras maneiras de experimentar o referente amazônico, não num contexto isolado,
fechado pelo anacronismo de um pensamento regionalista, mas aberto para ver e ser
visto. Nesse sentido, Baudrillard diz “(...) A imagem tem como desafio livrar o real
dessa ganga de objetividade (...)” 155

Chuva entre outras imagens desse fotógrafo, provoca-nos a pensar na direção entre o
sujeito e o objeto. Não se trata apenas de uma reflexão ou refração, mas tudo junto.
Uma anulação dos polos respectivos ou de uma dualidade. A questão, no entanto, é
conseguir saber se essa dualidade que tentamos discutir nessa imagem reflete um
confronto dual entre a transparência da realidade e sua opacidade. O referente
amazônico, a cena do cotidiano daqueles lugares por onde Braga busca suas imagens,
agrega um problema atual: como o mundo inteiro se tornou imagem, é cada vez mais
difícil encontrar o ponto de partida de onde colocaríamos esse mundo em suspenso pela
imagem. Ainda que, Chuva guarde uma opacidade que a distancia do referente, como
fruto do experimentalismo do fotógrafo, ela guarda um significado do lugar que vai
além do visível, e que afeta Braga a partir do seu envolvimento com os aromas, a
temperatura, as cores, as texturas e suas percepções.

154
Jean Baudrillard. De um fragmento ao outro. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. São
Paulo: Zouk, 2003, p. 119.
155
Jean Baudrillard, op. cit., p. 67.
134

Isto aconteceria só com essa foto? Ou também com as outras? Braga ao fotografar o
universo ao seu redor: o mundo habitual, comum, banal, com três dimensões, sem
pressa, vai desvelando uma riqueza, que se encontra numa “infra-realidade”, num outro
mundo mais sutil, mais secreto, mais subjetivo, que o levaria a um olhar de quem edita e
escolhe essas imagens e esses lugares, aproximando-os do campo da ilusão. Um mundo
paralelo com pontos de contato, pontos de surgimento de uma outra forma de
experimentar a luz e a cor, por exemplo. A partir do próprio lugar, ele constrói uma
forma peculiar de aparição de uma outra realidade. É nesse sentido que Luiz Braga
aponta a necessidade do seu envolvimento com o lugar. Baudrillard nessa questão pode
nos ajudar com a seguinte reflexão: “A imagem é a traição do princípio da realidade, ela
revela que esse princípio não é assim tão seguro quanto se possa acreditar.” 156
Essa
questão será aprofundada no terceiro capítulo, quando analisaremos as fotos com night
vision.

O mundo restrito de Luiz Braga - a Estrada nova, por exemplo, que ele diz visitar
incessantemente, usando um termo provocativo, esse envolvimento intenso poderia
levá-lo a uma nulidade do lugar, mas num sentido de fascínio, de encantamento ou de
sedução. Chuva e outras imagens podem ser exemplos da incapacidade dessas fotos
serem condutoras fiéis de um sentido exterior a elas. Através da exploração das
temperaturas de cor, dos tons demais intensos, essas fotos provocam uma
problematização do referente, ou até a desnaturalização do referente. A beleza reside
nesse aspecto, na administração da ilusão, dessa maneira artística – plástica que vem da
subversão dos princípios da fotografia tradicional, mas sem deixar de servir-se com
ênfase da aura de que está aparelhada a prática artística. O experimentalismo leva-o a
brincar com os limites.

Em relato sobre sua produção, Braga diz que quando ele mostra as fotos para os seus
fotografados, eles geralmente não gostam. Eles não encontram nessas fotos um registro
prosaico e “fiel”, a potência das cores e o antinaturalismo dos tons se opõem ao que se
poderia esperar do tema. O interessante nessas imagens é a dúvida que elas provocam
sobre a dimensão do sentido, que vem de uma articulação mental do fotógrafo entre a
luz natural e a artificial, como em Babá Patchouli, ou entre o olhar que edita e escolhe

156
Jean Baudrillard, op. cit., p. 122.
135

como em Chuva. Essas fotos são produtos de uma articulação mental de questões
amalgamadas na formação do fotógrafo. É isso que remete a uma ilusão de realidade, ou
de outra realidade. Neste sentido, com relação àquelas fotos coloridas produzidas na
década de 1980, por Luiz Braga, Stefania Bril faz uma reflexão que se aplica a todas as
fases desse fotógrafo:
“Sem dúvida são fotos pensadas. Luiz ensaísta sabe de antemão
o que vai registrar e... sai à procura da imagem: o encontro
acontece. Então o cérebro dá o sinal, a percepção entra em ação
e... clic: a foto é instantânea. Nada é produzido; mas tudo é
pensado, percebido, recortado.” 157

Todas essas variáveis apresentadas constituem uma equação da forma como Luiz Braga
interpreta o mundo e a maneira encontrada por ele para expressar a sua visão através da
fotografia. Mas não podemos esquecer que a formação de nossa visão, também, é
fortemente influenciada pelas referências que absorvemos dentro e fora da fotografia.
Para Braga, cortes e recortes são maneiras de destacar, ou dar significado ao que o
interessava, e construir sua maneira especifica de ver o lugar – a visualidade da
“Amazônia de Luiz Braga”.

157
Stefania Bril, loc. cit
136

2.3 Atualizando a cor: a imagem como ponte entre o cultural e o pessoal na


aparência pictórica.

O período a partir de 1990, também, é marcado pelos retratos e paisagens de Luiz


Braga. São importantes experimentos que vão se materializando num percurso onde a
cronologia não é rígida. O desenvolvimento dessas séries coloridas acontece,
simultaneamente, no campo de experimentação desse fotógrafo, que congrega sua
produção autoral, mas, além disso, a sua produção profissional como fotógrafo
publicitário, de estúdio e de moda.

Com relação à produção dos retratos coloridos ele diz “nesse momento eu faço uma
série de retratos que ainda não acabei de fazer”158. O processo criativo dessas imagens
de Luiz Braga tem como mote o habitante da região. Provavelmente, as nossas
motivações, paixões e aptidões naturais, dentre todos os fatores já mencionados até aqui
contribuem para formar as bases da poética de um artista. Neste sentido, Luiz Braga
lembra

“quando pequeno, as pessoas me consideravam uma criança


‘olhuda’. Eu sempre estava procurando enxergar por uma
brecha, por cima do muro, pela janela ou pela fresta da porta.
Acho que é justamente através deste exercício de ‘voyeurismo
sadio’ que constituímos de fato nosso olhar. Uma pessoa que
não seja imbuída de curiosidade e vontade de ver o outro lado
dificilmente vai conseguir desenvolver o olhar. Até pode ser
tecnicamente um bom fotógrafo, mas não será capaz de
transmitir esta visão de que estamos falando.”159

A poética desse fotógrafo envolve algumas questões tão particulares, que apenas ele é
capaz de evidenciá-las. Independentemente de ser o fotógrafo de moda, publicitário ou
de estúdio, por exemplo, ele reconhece suas motivações e aptidões que o levam a
produção autoral, autônoma como obra de arte. Essa conjuntura de influências vai
alicerçando sua visão, e revelando o fotógrafo comprometido com a visualidade da
região num sentido universal - o diferencial da sua maneira de fotografar.

158
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
38min28seg a 38min30seg. (com adaptações)
159
Ivan Padovani, op. cit., p. 36.
137

Banhista (Ilustração 68) é uma foto bastante conhecida desse período dos retratos
coloridos de Luiz Braga. Nesta imagem a tradição “realista” da straight photography160
de Paul Strand cresce, se atualiza no universo das cores, e ao expandir suas proposições
na cena contemporânea, cruza-se com a tradição pictórica, mantendo-se straigh. Essa
conjugação de campos, serve para evidenciar uma via de mão dupla, e ao mesmo tempo
mostra o quanto as relações entre a pintura e a fotografia podem ser produtivas sem
superar uma a outra, mas se recompondo em vista de outras possibilidades. Nessa foto e
em outras, que mostraremos a seguir, Luiz Braga assume seu lugar como um dos
principais fotógrafos brasileiros de sua geração.

Ilustração 68: LUIZ BRAGA. Banhista, 1996.


Câmera Hasselblad, objetiva 150mm.
Coleção do Artista.

160
Ver sobre a straight photography na lógica formal das fotografias de Luiz Braga, em pp. 44-45.
138

Banhista, como outros retratos de Luiz Braga, joga com a ambiguidade das semelhanças
e a instabilidade das dessemelhanças. Ele desposa um olhar compositivo, cujo
dinamismo plástico tem sua base na pintura, mas acende a capacidade combinatória
com outros campos – a visualidade do lugar e o olhar de tantos outros fotógrafos161
expressivos nas décadas de 1980 a 1990. A foto encontra-se no limiar de um olhar de
Velàzquez e Rembrandt – pintores admirados por esse fotógrafo. A nobreza e elegância
da personagem numa cena corriqueira parece ativar um paradoxo prazeroso. Mas isso só
é possível porque nós a vemos com um olhar que também passou pela apreciação dos
retratos dos mestres da pintura espanhola e holandesa, e ainda pela apreciação de outras
referências da fotografia brasileira e internacional.

Analisamos essa imagem tentando situar algumas questões apresentadas por Jacques
Rancière quando classifica as imagens expostas em museus e galerias, em três grandes
grupos: “imagem nua, ostensiva e metamórfica”162. Três maneiras de vincular ou
desvincular o poder de mostrar e o poder de significar, o atestado da presença e o
testemunho da história. Três formas de selar ou recusar a relação entre arte e imagem.
Mas o que se torna mais importante em Banhista e em outras fotos de Braga, a partir
das três formas defendidas por Rancière, é que

“é significativo que nenhuma das três formas assim definidas


possa funcionar encerrada em sua própria lógica. Cada uma
delas encontra em seu funcionamento um ponto de
indecidibilidade que a obriga a tomar alguma coisa emprestada
das outras.”163

A jovem banhista de Luiz Braga não se dedica unicamente ao testemunho, mas visa
algo além do que ela representa. Não é só a fisionomia do lugar que está em jogo, mas a
enorme trama de referências do fotógrafo e de quem usufrui dessa imagem. Assim,
Banhista tece uma solidariedade entre as operações da arte, as formas de imagens e a
discursividade dos elementos que a compõe. E isso pode se ampliar à medida que
passamos a dialogar com outros campos – a crítica de arte.

161
Na forma de retratar seus personagens, ainda que não mencione esses nomes em seus relatos, Luiz
Braga ecoa o olhar de retratos como o de Cristiano Mascaro – Sem Título, Cuiabá, MT (1980); Camila
Butcher - Tom e Martim de pijamas (1995), Fifi Tong entre outros.
162
Para Rancière a imagem nua é aquela que reúne os rastros da história e o testemunho de uma
realidade; a imagem ostensiva é aquela que suscita outras interpretações que vão além do que ela
representa; a imagem metamórfica provoca uma quebra do limite entre os campos da imagem e da arte.
163
Jacques Rancière, op. cit., p. 36.
139

Em fotos como Rapaz e cão em Carananduba (Ilustração 69) e Vendedor de Amendoim,


(Ilustração 70), as cenas são trabalhadas com uma iluminação homogênea, sem gerar
tons intensos a partir da temperatura de luz como foi explorado pelo fotógrafo nas
imagens analisadas no item anterior – não existem estranhamentos como em Babá
Patchouli (Ilustração 57). Contudo, essas fotos parecem reiterar uma certa melancolia e
abandono dos retratados como algo metáforico, também presente, nos retratos em preto
e branco, e em outras imagens coloridas. Nessas fotos, a geometria da composição
fotográfica não está exposta na estrutura dos objetos retratados como em Papagaios
Amarelos (Ilustração 42) e Bilharito (Ilustração 44). No entanto, a geometria se
apresenta de maneira elegante e refinada na conjugação dos planos da imagem, no
cruzamento das linhas verticais e horizontais que formam grades quase invisíveis para
um olhar menos atento, ou nas diagonais que direcionam o olhar, e estruturam a maioria
das cenas captadas pelo artista.

Ilustração 69: LUIZ BRAGA. Rapaz e cão em Carananduba, 1991.


Cromo 60 x 60 cm, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.
140

É justamente o rigor das verticais e horizontais como em Rapaz e cão em Carananduba,


ou uma diagonal insinuante que dá sentido ao olhar, dentro do plano fotográfico, como
em Vendedor de Amendoim que conferem à certas fotos de Luiz Braga os ecos
compositivos relacionados aos ícones da pintura. Estas estruturas compositivas podem
gerar outros sentidos se forem associadas às questões como tranquilidade e abandono,
além da forma como na maioria das vezes esses fotografados se entregam à câmera –
posições ‘quase posadas’. O caráter silencioso e solene dessas fotos coloridas ganham
um acento mais pictórico do que dramático, por exemplo, se confrontarmos os retratos
em preto e branco e Vendedor de Amendoim podemos peceber esse detalhe. Esta
imagem traz ainda uma propriedade que tem sido vista como algo específico - a posição
quase frontal. A posição do fotografado potencializa a força comunicativa do retrato,
realçando a intimidade da recepção que era mais usada em retratos de família, ou de
santos.

Ilustração 70: LUIZ BRAGA. Vendedor de Amendoim, 1990.


Cibachrome a partir de cromo 35mm, formato 56,2 x 40 cm.
Coleção do MAM/SP.
141

Tanto as fotos Vendedor de Amendoim e Rapaz e cão em Carananduba, entre outras,


ecoam as estruturas de pinturas de artistas reconhecidos na história da arte ocidental,
como por exemplo, Ingres164 ou Matisse165. Ingres como neoclássico trilhou um
caminho impregnado da temática romântica, que deu delicadeza a seus retratos. Braga
em Vendedor de Amendoim atravessa o enquadramento clássico, também, presente nos
retratos fotográficos do Modernismo convencional - aquele vanguardeado por Stieglitz,
que se importava, sobretudo, com a valorização dos critérios formais internos ao meio,
que legitimassem os anseios por uma fotografia pura e direta, e com sutileza alcança um
equilíbrio entre o erudito e o popular, que traz para estas imagens uma troca de olhares
cheia de romantismo, que capta a vaidade nativa e a simplicidade dos gestos na busca
do belo nestas pessoas anônimas, plenas de dignidade no seu trabalho.

Nas obras de Matisse, por exemplo, há a persistência no uso da figura humana somada a
sobreposição das cores puras, onde começa a saltar a matéria corpórea das massas
coloridas. Braga em Rapaz e cão em Carananduba, joga com planos coloridos verticais
e horizontais criando, de maneira sutil, uma atmosfera silenciosa na apresentação do
jovem modelo, que se encontra distante do primeiro plano. No entanto, essa manobra na
estruturação da cena, que traz ecos das composições de Matisse, transborda também o
olhar voyeurístico de Degas, que confere a cena um sensualismo tímido presente em
outras imagens como em Uyandara (Ilustração 71), ou Menina em Verde (Ilustração
72). Isto faz com que o “olhar direto” de Braga ganhe força nesse território, que vai
sendo construído a partir da conjugação de referências múltiplas.

Estes retratos apresentam uma composição mais próxima do campo do retrato


fotógráfico. Braga associando um enquadramento clássico com a clareza do tema faz
com que essas imagens sustentem a elegância dos personagens. Mas, estes retratos
trazem sempre algo de intrigante - a maioria dos seus fotografados são jovens, “jovens
adultos”, ou crianças. No entanto, a maneira que ele os fotografa os fazem repletos de
uma grandeza onde a fragilidade da idade dá lugar à imponência do personagem, como
nas fotos Banhista, Rapaz e cão em Carananduba, Vendedor de Amendoim, Uyandara e

164
Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867), mais conhecido simplesmente por Ingres, foi um
celebrado pintor e desenhista francês, atuando na passagem do Neoclassicismo para o Romantismo.
165
Henri-Émile-Benoît Matisse (1869-1954), foi um artista francês, conhecido por seu uso da cor e sua
arte de desenhar fluida e original. Foi um desenhista, gravurista e escultor, mas é principalmente
conhecido como um pintor.
142

Menina em Verde, mostradas nessa sequência.

Ilustração 71: LUIZ BRAGA. Uyandara, 1991.


Câmera Hasselblad, objetiva 150mm.
Coleção do Artista.

Ilustração 72: LUIZ BRAGA. Menina em Verde, 2003.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão, formato 60 x 90 cm.
Coleção do Artista.
143

Em outras fotos, como Parque (Ilustração 62) e Bar Azul (Ilustração 63) a criança,
também se faz presente como personagem da cena. Neste sentido, fazendo um recuo
histórico sobre o legado da fotografia que se cruza com a pintura, vale relembrar que os
primeiros retratos fotográficos foram essencialmente de jovens, ou jovens adultos de
classe média, em poses muito eretas, pouco naturais, sobre um fundo escuro. Embora,
inicialmente, não procurassem tirar fotografias dos seus filhos em vida, era frequente
fazerem-se fotografias ‘post-mortem’ de crianças para as quais não existia nenhum
outro tipo de registro visual. Contudo, as cores que envolvem os púberes modelos
parecem cumprir um papel alegórico sobre o futuro, onde apenas esses jovens ou
aquelas crianças chegarão a conhecer.

Luiz Braga é um profissional que tem se evidenciado no campo da fotografia de moda,


de estúdio e publicitária. Ele retratou muitos jovens e crianças pertencentes às famílias
da aristocracia paraense. Por outro lado, as imagens selecionadas para essas séries,
mostram-nos outros modelos pertencentes às classes sociais menos favorecidas –
crianças e jovens de origem social humilde, mas repletos de beleza. Dessa maneira,
Braga desestabiliza uma questão histórica, isto é, no cruzamento com a pintura, no
século XIX o retrato fotográfico era equiparado à pintura a óleo. Ou seja,
tradicionalmente, o retrato a óleo era um objeto de posse elitista, que se desenvolvia ao
longo do tempo, e em estudos sucessivos divididos por sessões. A sua representação
formal mostrava a essência da personalidade do retratado e confirmava o seu estatuto de
pessoa importante. Nessas imagens, Braga leva para as exposições nacionais e
internacionais a imagem desses jovens e crianças como confirmação do seu estatuto de
brasilidade e sua importância. A captura desses modelos é uma forma de representação
do teor essencialmente democrático da imagem no mundo contemporâneo.

A dimensão adotada nesses retratos soma-se às outras questões que estão associadas a
esse diálogo das fotos de Luiz Braga com o universo das artes visuais, em especial com
a pintura. O formato proporciona a essas imagens a necessidade de visualizá-las como
quadros. Nesse sentido, para melhor compreender esse aspecto que se encontra
vinculado ao momento ocupado pela fotografia na cena contemporânea - Charlotte
Cotton, em seu livro A Fotografia Como Arte Contemporânea, ressalta que estamos
vivendo um momento excepcional para a fotografia, pois hoje o mundo da arte a acolhe
como nunca o fez, e diz, ainda, “os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte
144

o espaço natural para expor seu trabalho”166. Assim, ao falarmos da relação dessas
fotografias com algumas correspondências e semelhanças peculiares ao campo da
pintura, evidenciamos que como todo grande fotógrafo, a luz-pintura de Braga
representa corpos, objetos e paisagens, não para documentá-los, mas para transformá-
los em “obras”, ou seja, são momentos capturados pelo olhar sensível, onde como não
hesitou em afirmar Paulo Herkenhoff “a única promessa da obra de Luiz Braga é
permanecer como presença poética concreta”167. Assim, articulando o lúdico, o
imaginário e o simbólico, a dimensão pictórica desses retratos atualiza questões
compositivas, no limiar de dois mundos: o figurativo, que traz a particularidade, a
concretude das coisas, os rostos dos indivíduos e é portando carregado de pessoalidade,
e a subjetividade, que expressa uma dimensão mais ampla, que se encontra com a
formação do seu olhar e com as referências amalgamadas.

Em outras fotos mais recentes, ele toma distância do conceito de retrato tradicional e
busca o gesto na cena, onde captura o tempo, como em Carregador Noturno (Ilustração
73) – mas o personagem amazônico está ali. Lança mão dos recursos técnicos para
causar em algumas imagens efeitos de diluição do movimento, em que a figura
mostrada sofre desagregação e a perda da corporeidade na ameaça da dissolução da
forma. Há uma contundência expressiva, manipulação do tempo de exposição,
diminuição da velocidade e profundidade de campos gerando o desfoque dos primeiros
planos, ou desfoque do fundo, ou ainda a utilização do recurso day ligtht sob a luz de
mercúrio, como podemos ver em Babá Patchouli.

O “Carregador Noturno” foi iluminado apenas pela luz do lugar o que pode ser
percebido pelo jogo de luz e sombra da composição. Tanto em “Carregador Noturno”
quanto em “Vendedor de Balões” (Ilustração 08) é muito provável que o fotógrafo
tenha lançado mão de uma sincronização lenta. Com a iluminação do próprio lugar e
uma exposição longa, ele captura o movimento e o ambiente. Neste sentido, é
importante perceber como Braga se aproxima de algumas questões próprias do cinema
como planos de ambientação, enquadramento, plano médio ou plano geral, além do uso
do “close-up médio” ou “close-up extremo”, como em algumas fotografias de Bruce

166
Charlotte Cotton, op. cit., p. 7.
167
Hatoum, Milton. Desenhos do Olhar. In: Braga, Luiz. Fotoportatil. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
145

Conner (1933-2008)168, que reinventam a ideia de narrativa cinematográfica.

Diferente do cinema, onde as cenas são construídas com deslocamentos de luz e outras
manobras, Braga não dirige a pose desses trabalhadores e deixa transparecer que são
pessoas comuns no exercício cotidiano dos seus afazeres. Assim, nessas imagens, os
fotografados ganham um caráter de "personagens", onde a identidade destacada está
mais no plano cultural da fisionomia amazônica repleta de plasticidade, do que da
identidade de pessoa física. Ou seja, a foto revela um tipo físico da região, uma atitude,
uma ambiência, sua potência plástica.

Ilustração 73: LUIZ BRAGA. Carregador Noturno, 2007.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão.
Coleção do Artista.

A obra de Luiz Braga emerge como linguagem e, ora evidenciando a sedução


antropológica do registro documental da cultura e da geografia, ora tenciona o referente
amazônico. Assim, o crítico Fernandes Junior diz:

168
Bruce Conner foi um americano artista renomado por seu trabalho onde conjugava, filme , desenho,
escultura , pintura , colagem e fotografia , entre outras disciplinas.
146

"Apesar de desenvolver uma temática regional, a fotografia de


Luiz Braga está sintonizada com os movimentos visuais
contemporâneos. Com cores saturadas e tons harmônicos, ele
assume uma fantástica visão, apreendida com respeito e
encantamento. Experimental na técnica e clássico no
enquadramento, Braga é o artista atento, que registra a região
amazônica e seu habitante sem o exotismo do olhar estrangeiro.
Trabalhando a questão da cor com domínio, síntese e
maturidade, ele consegue evidenciar uma luz misteriosa que
estimula a imaginação. O confronto da luz natural com luz
artificial registra a ambiguidade do momento da passagem da
luz do dia para a luz da noite, e provoca a incômoda sensação
de questionar as fronteiras entre realidade e ficção".169

O efeito da ‘realidade’ das fotografias deste artista tendem sempre a se superpor à


percepção dos arranjos experimentados. Luiz Braga busca uma conjugação entre o
domínio da técnica, fruto de muita pesquisa e experimentação, e o enquadramento
tradicional, que muitas vezes lembra a solução de composições reconhecidas no campo
da pintura, e emblemáticas da história na arte ocidental. Neste sentido, podemos afirmar
que ele, em muitos trabalhos, consegue soluções a partir desses arquétipos ‘construído
ao longo de suas vivências’ ou da vivência coletiva ocidental.

Considerando a formação da sua cultura visual e de um contorno mais amplo deste


aspecto da subjetividade relacionado à fotografia, vale perceber que todo fotógrafo
quando cria uma imagem técnica, consciente ou inconscientemente, utiliza sua bagagem
cultural e ideológica. Neste sentido, ao se referir às fotografias jornalísticas, Arlindo
Machado ressalta que a imagem “tenha depositado seu impacto na coincidência –
acidental ou premeditada - com certos arquétipos pictóricos que povoam o inconsciente
de nossa civilização” 170
. E, ainda, Flusser afirmou que “a aparente objetividade das
imagens técnicas é ilusória, pois na realidade são tão simbólicas quanto o são todas as
imagens. Devem ser decifradas por quem deseja captar-lhes o significado.” 171

O experimentalismo de Luiz Braga explora, simultaneamente na mesma imagem, a


intermediação entre a luz natural equatorial e as fontes artificiais. A luz da região norte
é intensa. Essa luz impetuosa quase cegante, própria desse ambiente tão peculiar do

169
Rubens Fernandes Junior. Luiz Braga. IrisFoto, São Paulo, n. 453, abr. /maio 1992, p. 34-39.
170
Arlindo Machado. A ilusão especular – introdução à fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984,
p.62.
171
Vilém Flusser. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo:
Relume Dumará, 2002, p. 14.
147

artista, tem o seu contraponto nas sombras, ora provocadas pelos filtros naturais da
umidade das chuvas, ora pela exuberância sombria da escuridão da floresta. O tempo da
região norte é um tempo cíclico, diferente do tempo dirigido pelas quatro estações, por
exemplo. O tempo da Amazônia é o tempo das marés, das luas e da luz do sol. O pôr do
sol de cada dia exprime a energia ficcional que ele precisa para materializar a sua
poética da luz. Esse momento cíclico da natureza, juntamente com a luz de mercúrio
reveste algumas imagens com o clima de artificialidade. A luz faz de cada uma dessas
fotografias um espaço de clareza, e ao mesmo tempo vago. Nesse sentido, Paulo
Herkenhoff diz

“(...) Um lampejo é agora o verbo, princípio da linguagem da


fotografia. A luz tornar-se-ia questão central explícita da obra
de Luiz Braga. Sua fotografia só marginalmente produziria
simulacros. Braga sabe que a foto não ilumina como uma fonte
de emissão de luz, mas é resultante de uma operação da luz. Seu
desafio é explicitar isso, mesmo quando há remanescentes do
antigo ‘páthos’ do modelo caboclo ou vestígios do recorte da
cultura material amazônica".172

Braga ao apresentar esses personagens, cuja beleza encontra-se na jovialidade da


fisionomia amazônica e no refinado olhar compositivo, que dialoga com arquétipos da
pintura, não constrói qualquer inflexão heróica comum no fotojornalismo das décadas
de 1970 e 1980, que insistia em retratar com detalhes sublimes as condições de vida dos
brasileiros menos endinheirados. O projeto desse fotógrafo busca um nivelamento entre
aspectos de discriminação do belo e do feio, entre o respeitável e o desprezível. Nesse
sentido, ainda que não seja a sua intenção, ele subverte e desconstrói estereótipos.

Braga questiona esses limites. A preocupação dele com elementos extrínsecos à


fotografia fizeram com que essas imagens dialogassem com incertezas. Assim, é
possível perceber que outro tipo de consciência está presente nessas fotos, que as
impede de serem percebidas como exemplares genuínos de uma cultura coletiva do
norte do país. Não podemos dizer que os temas trabalhados por ele são modelos de um
pensamento regional, contudo estão impregnados das suas vivências com os habitantes
da floresta. Sontag diz que “tirar uma foto é ter um interesse pelas coisas como elas são

172
Texto do crítico de arte Paulo Herkenhoff para a exposição “Luiz Braga - Fotografias”. São Paulo:
Masp (1992); Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil (1992); Belém: Galeria Theodoro Braga,
(1992);(ANEXOS L, pp. 254-259)
148

(...) é estar em cumplicidade com o que quer que a torne um tema interessante e digno
de se fotografar (...)” 173
Dessa maneira, o caminho encontrado por ele para aferir um
reconhecimento mais universal nessas imagens, e, consequentemente, a valorização
desses referentes, foi experimentar possibilidades expressivas, que ora transitam pelas
fotos em preto e branco, ora pelas coloridas, ou ainda pelas com night vision. A cor,
nesses retratos, lhe ofereceu a possibilidade de incandescer os corpos de energia vital. É
essa potência da luz tão intimanente ligada a pintura pela formação do olhar do artista
que como diz Paulo Herkenhoff, “revela nos corpos o leque do desejo, a economia da
libido, o investimento físico do trabalho.”174 Ainda que a pintura tenha servido de
inspiração a Luiz Braga, seu trabalho se afasta do gênero pelo senso de urgência de sua
auto-referência.

Em João silhueta e bandeira (Ilustração 74), Braga captura o seu fotografado quase de
perfil. Com esse precedimento ressalta a silhueta do homem que se encontra diante da
Bandeira Brasileira – símbolo da nação. Assim, procura indicar o sujeito por sua forma,
postura e grau de dignidade como parte da pátria brasileira. A silhueta é um modo de
registro usado em outros retratos, como Rosa no Arraia (Ilustração 02). Isto faz com
que Paulo Herkenhoff observe o seguinte:

“A contraluz foi uma conquista do olhar fotográfico, que


desloca o meio para a eficiência do registro documental na
direção da construção estética. Seus efeitos sedutores
transformaram-no em marca canônica do fotoclubismo nos anos
40 e 50 do século 20 ou “pela influência das fotos clássicas em
p&b, especialmente da era Fotoclube”, evocada por Luiz
Braga.”175

O tratamento da luz nessas imagens, traz uma aspecto sensorial - o realce da


temperatura do ambiente, do filme e da energia dos corpos de seus personagens, que
contagia o olhar do fotógrafo e daquele que observa essas imagens. Dessa maneira, a
fotografia de Braga requisita um espectador que seja sujeito do olhar inflamado pela luz
do lugar. A fotografia de Luiz Braga coloca os personagens sob a luz, de perfil em
contre-jour – valorizando, também, os pontos de transição da luz para a sombra, a
penumbra que resguarda sempre algo que não pode ser entregue completamente ao

173
Susan Sontag, op. cit., p. 23.
174
Paulo Herkenhoff. Pele-Luz. In LUIZ BRAGA - Território do Olhar, op. cit., pp. 2-4.
175
Paulo Herkenhoff. Contraluz e silhueta. In op. cit., 4.
149

espectador. Nessa maneira simbólica de entregá-lo ao olhar, o fotógrafo define o lugar


desse sujeito da região norte, num contexto brasileiro, sulamericano e universal. Essas
imagens resgatam do esquecimento a fisionomia da região e tornam-se o ponto entre o
silêncio e a expectativa. Diante do real, ele negocia com campos distintos sem criar
hierarquias. Num retrato existe sempre a tentativa de fixar o que se tem medo de perder,
e nesse sentido, sempre serviu para resguardar a memória. Assim, essas imagens de
Braga vão além do poder documental.

E, ainda, o caráter dos retratos não posados e o exercício de “voyeurismo sadio”176 do


olhar de Luiz Braga, acentuam-se em Puxador de Carro (Ilustração 75). O personagem
parece surpreso com a ação do fotógrafo, que executada o registro pela janela de um
carro. A imagem apresenta uma composição que articula a beleza do corpo daquele
jovem no exercício do seu trabalho à potencialidade cromática do entorno. Emergindo
de um fundo amarelo que contrasta com o verde da vegetação, revestidos de pistas
simbólicas de brasilidade, esse retrato passa a existir para além de um mundo palpável,
finito e concreto. O conjunto dos elementos que estruturam a comunicação da imagem,
resoa algo que vai além da temporalidade material, e projeta-a para o futuro. Mesmo
que a tradição do retrato seja repleta de questões que se cruzam com a plasticidade
pictórica, como sugeriu Otto Walter Beck,

“a fotografia entra no campo da arte guiada pelo princípio


pictórico. O retrato fotográfico deve lutar para atingir a
profundidade, a qualidade tátil, a lógica e a plenitude do
equilíbrio que nos deleitam nas obras-primas do desenho ou da
pintura num registro monocromático”177

Ou ainda, mesmo que o olhar de Luiz Braga, como ele declara tantas vezes, tenha uma
cultura visual com referências nas artes plásticas, esses retratos, como diz Paulo
Herkenhoff, “é ‘morenice’, polpa de fruta e oxido do sólo.”178 Tudo encontra-se situado.

176
Sobre o “voyeurismo sadio” ver a citação 159.
177 Otto Walter Beck, Art Principles in Portrait Photography. Open Library, 1907, p. 15. “Photography
enters the field of art guided by the pictorial principle. Photo-portraiture should strive to attain the depths,
the tactile quality, the logic and the completeness of balance that delight us in masterpieces of drawing or
painting in monochrome.”
178
Paulo Herkenhoff. Pele-Luz. loc. cit
150

Ilustração 74: LUIZ BRAGA. João silhueta e bandeira, 2001.


Negativo 35mm em cor, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.

Ilustração 75: LUIZ BRAGA. Puxador de Carro, 2002.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão, formato 70 x 190 cm.
Coleção do Artista.

O projeto das fotografias de Luiz Braga incluem também as paisagens. Nessas séries,
sua experimentação, que vai da câmera analógica à digital, busca incorporar a pesquisa
refinada dos princípios compositivos, utilizando a técnica e o enquadramento clássico
que muitas vezes lembra a solução de algumas pinturas conhecidas na história da arte.
Ele conjuga os fundamentos da imagem, explora os elementos formais, a organização
do espaço a partir da percepção criadora e subverte as regras.
151

Barracão Laranja (Ilustração 76) e Lona Azul (Ilustração 77) são paisagens. Fotos feitas
com câmera analógica. As fotografias exalam um vazio e a ausência dos seus jovens
personagens. São imagens que evidenciam o delirante experimento com a luz. Sem luz
não há cor. Essas imagens da década de 1990, no que diz respeito à estética utiliza cores
“dissonantes” diretamente opostas: tons de azul, laranja e verde. O fotógrafo busca uma
situação de equilíbrio entre a temperatura psicológica das cores - “quentes” e “frias”.
Cores diferentes, mas com o mesmo brilho ou saturação. Em Barracão Laranja e Lona
Azul, ele posiciona o assunto no centro e o mais próximo possível das margens do
quadro para acentuar as cores, o tema e o equiliíbrio desejado. O limiar entre figuração
e abstração, entre objetividade e subjetividade estão presentes nestas imagens. Em
Barracão Laranja as linhas verticais e horizontais são evidentes na composição visual,
lembrando, de certa maneira, as vibrantes grades de Mondrian. O equilíbrio dinâmico é
um dos princípios mais importantes nesta fotografia. Braga precisa mostrar o que não é
visível ao olho – o dinamismo da luz do norte. Todos os elementos formais estão
cuidadosamente enquadrados e organizados num esquema quase pictórico.

Ilustração 76: LUIZ BRAGA Barracão Laranja, 1990.


Cromo 35 mm, digitalizado e impresso em papel Fuxiflex.
Coleção do Artista.
152

Ilustração 77: LUIZ BRAGA. Lona Azul, 1991.


Cibachrome a partir de cromo 35mm, formato 37 x 56,5 cm.
Coleção do MAM/SP

Em “Chuva no Ver-o-Peso” (Ilustração 78), Braga se vale da textura, do tema e da


iluminação para obter efeitos que visualmente dão ao espectador a aparência de uma
arte pictural que flerta com a tradição dos quadros de paisagens. A imagem foi feita com
uma câmera digital. Ele explora as possibilidades do equipamento utilizado, como por
exemplo, o “grão” – chamado ruído, que pode deixar a imagem mais rica quando a
exposição é longa e com pouca luz. Neste caso, o ruído do sensor é tão significativo
quanto o sinal da imagem que está sendo gravada. A textura obtida pelo “grão” do meio
digital se soma à expressividade da chuva – elemento temático na imagem do Ver-o-
Peso179 na cidade de Belém-PA.

Luiz Braga ao focalizar a cultura visual amazônica, a luz e as cores dos mercados, dos
portos, barcos e elementos visuais desta paisagem, mostra, simultaneamente à sua
dimensão comprobatória (a de ser uma prova da existência “ontológica” de um objeto),
e a outra natureza, a puramente simbólica, que desarticula o real. Promove e incentiva

179
O Ver-o-Peso é um mercado situado na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará, estando
localizada na travessa Boulevard Castilho Franca, Cidade Velha, às margens da baía do Guajará. Ponto
turístico e cultural da cidade, é considerada a maior feira ao ar livre da América Latina.
153

laços com o inconsciente. As fotografias não deixam de perturbar a consciência dos


espectadores com visões artificiais daquilo que foi fotografado, e passam a ser menos
ameaçadoras ao se afastar de um supra-realismo advindo do obturador. Há, portanto, um
duelo entre o realismo fotográfico, o efeito do inesperado provocado pelo obturador e o
ato de pintar com a luz e cor. Em outras palavras, é o conflito entre a cena registrada e o
que ela carrega de memória e de associações que possibilitam este ato de refinada
experimentação técnica em suas fotografias.

Dentro do cenário internacional, essas paisagens de Luiz Braga encontram significativas


confluências com a poética do fotógrafo Joel Meyerowitz. Esse colega mais velho de
Braga, também, é um fotógrafo que tem um apreço pelas cenas de rua e por paisagens
marcantes de sua região. Ele começou a fotografar em cores em 1962 e como Luiz
Braga na cidade de Belém, na década de 1980, também foi um defensor do uso da cor,
durante uma época em que havia uma resistência significativa à ideia de que a fotografia
a cores não era uma “arte séria”. A partir de 1970, ele experimenta possibilidades
expressivas com suas paisagens coloridas que ressoam outras realidades, como em
Provincitown (Ilustração 79).

Ilustração 78: LUIZ BRAGA. Chuva no Ver-o-Peso, 2008.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão.
Acervo do Artista.
154

Ilustração 79: JOEL MEYEROWITZ. Provincitown, 1977/85.


Lanbda Pint. Nova York.

Nas paisagens Porto Grande Noturno (Ilustração 80) e Corvina Salinas (Ilustração 81),
outra questão se faz significativa – o aspecto ficcional que nos remete a uma paisagem
quase onírica, sem abandonar totalmente o referente. Esse caráter é determinado mais
por uma situação inesperada que se fez presente em suas buscas, do que pelo desejo
primeiro de experimentar a cor em outra dimensão. Na última década, a violência
urbana da cidade de Belém, restringiu muito o seu trabalho naquele caminho já
conhecido, onde fotografou algumas séries importantes de sua produção. No entardecer,
ou durante a noite, ele inicia outra forma de capturar o referente amazônico – mote de
sua produção. Nesses trabalhos, ele atualiza a cor sem se afastar da tradição tão peculiar
na sua poética – o diálogo com a pintura e a straight photography.

O resultado é a cisão entre teoria e práxis que o leva irremediavelmente às lúcidas


experimentações da visualidade do seu entorno, que gera um estremecimento no seu
processo artístico. Ele se depara com o aspecto ficcional da subjetividade, mas não se
sente debilitado pelo encanto da região. A violência urbana daquela faixa territorial, o
levou a construir imagens que ecoam um vazio metafórico. A violência o coíbe e
155

oblitera a sua liberdade de transitar naqueles lugares – Estrada Nova. Mesmo com a
perda de chão, ele continua seus experimentos durante a noite, em outros lugares mais
interioranos. Assim, o cenário daquelas imagens mostradas no item anterior desse
capítulo, como Bar Azul (Ilustração 62), são permutados por outros, como podemos
observar nas imagens Porto Grande Noturno e Corvina Salinas.

A relação direta entre o referente e a imagem se encontra problematizada nessas fotos -


algo que parece obstruir os dois polos. A transparência da imagem encontra-se
comprometida pelos experimentos operados com a luz no entardecer – manobra
expressiva que ampliou sua linguagem fotográfica. Consequências de uma situação
urbana extrínseca – a violência que o impulsionou ao deslocamento do antigo território
poético para outros, onde recuperou o seu envolvimento com o entorno e sua
cumplicidade com lugar. Esse envolvimento, esse apego de Braga com a região norte,
nos lembra o poema de Ruy Barata “Antes que matem os rios e as matas por onde
andei, antes que cubram de lixo, o lixo da nossa lei, deixa que eu cante contigo,
debruçado em peito amigo; As coisas que tanto amei, as coisas que tanto amei.”180

Ilustração 80: LUIZ BRAGA. Porto Grande Noturno, 2008.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão, formato 70 x 105 cm.
Coleção do Artista.

180
Poema de Ruy Barata (1920 – 1990). Poeta, político, advogado, professor e compositor paraense.
Disponível em: http://ronaldofranco.blogspot.com.br/2010/07/antes-que-matem-os-rios-e-as-matas-
por.html.Acesso em 26/12/2012.
156

Ilustração 81: LUIZ BRAGA. Corvina Salinas, 2008.


Pigmento sobre papel fotográfico de algodão, formato 70 x 105 cm.
Coleção do Artista.

Essas imagens, na sua trama são arquiteturas desmaterializadas, construídas com


articulações da luz. Nesse sentido, podemos observar o que Arlindo Machado comenta
ao se referir ao início da carreira profissional de Luiz Braga, em 1984, ele diz

“A observação de Émile Zola segundo a qual só vemos


realmente as coisas quando as fotografamos, vem bem a calhar
a respeito das fotos de Luiz Braga. Mas o que exatamente
fotografa Braga, o que ele quer restituir a visão?” 181

A plasticidade amazônica tem sido o mote das fotos de Luiz Braga. Uma fisionomia que
se encontra tatuada com as cores da região. Não apenas as cores dos objetos que Braga
fotografa na Estrada Nova no encontro com a “cor cabocla”, mas as cores que fazem
parte de uma cultura visual onde a luz é o principal elemento. As fotos de Luiz Braga
são resignificações da “dança cromática”182 de um povo. A maneira como ele descreve
o processo de manipulação do equipamento e do aproveitamento das luzes para compor
suas fotografias mostra um envolvimento que desestabiliza concepções que se
encontram num percurso histórico da fotografia. Sua busca de diferentes possibilidades

181
Arlindo Machado. Dança cromática nas ruas de Belém, loc. cit
182
Idem.
157

de capturar os elementos da região visa apresentá-los de forma universal, e ao mesmo


tempo impor essa aparência de forma poética. A propósito, vale lembrar o que Jota
Dangelo, no livro Belém do Pará, ilustrado por Luiz Braga diz

“Se for possível, deixe-me ficar aqui, à sombra desta vegetação,


olhos perdidos no perfil longínquo da ilha das Onças. Não me
peça para ver como a cidade cresceu. Não estou duvidando.
Apenas não me apresente aos verticais de vidro rayban.” 183

Em relatos, Braga diz que sempre foi tímido, e que a fotografia foi a maneira que
encontrou para comunicar-se de forma intensa, mais aberta. Essa linguagem é, também,
a forma que ele encontrou para pronunciar a região norte de maneira peculiar e
transmiti-la ao mundo. A partir dessas imagens, ele busca defender a dignidade do lugar
e, como artista procura afirmar sua identidade na cena contemporânea. Não apenas a
identidade, mas, também, a sua força criativa como um artista da região norte. Ele diz
“por que todo mundo que tem um sonho, tem que mudar de endereço, de CEP, pra ir
atrás dele? Por que o CEP não pode ser o 66000 ? [Código de Endereçamento Postal da
cidade de Belém] O meu CEP até hoje é o 66000... eu moro em Belém, vivo em
Belém.”184

183
ALUNORTE (Org.); TEIXEIRA, Romeu do Nascimento (Org.); DANGELO, Jota (Texto); BRAGA,
Luiz (Ilustrador). Belém do Pará – É preciso sonhar. São Paulo: Graf. Ed. Hamburg, 1995, p111.
184
Transcrição da fala do artista no vídeo da Exposição Antônio, Luiz e Bina, de 26 de agosto a 30 de
setembro de 2010. Galeria da Gávea – Rua Marques de São Vicente, 431 – Gávea - Rio de Janeiro – RJ.
Intervalo de 12min57seg a 13min15seg. (com adaptações)
158

CAPÍTULO III

3. A AMAZÔNIA INVISÍVEL DE LUIZ BRAGA: AS NIGHT VISIONS E O ASPECTO


HIBRÍDO DA IMAGEM.

3.3 O experimentalismo buscando outra visualidade.

Luiz Braga, a partir de 2005, mais uma vez expande seu campo experimental. Inicia um
percurso sondando novas perspectivas poéticas. A lógica formal de suas imagens passa
a atender, além das fotografias em preto e branco e as coloridas, outras com
características da tecnologia digital. O resultado dessa pesquisa foi mostrado,
recentemente, na Exposição “LUIZ BRAGA | NIGHTVISIONS” 185·.

A “night-vision” é um dispositivo das câmeras digitais indicado para fotografias em


ambientes escuros. No entanto, ele subverte o uso da tecnologia e passa a fotografar sob
a luz do dia. O resultado são imagens monocromáticas que lembram os filmes em preto
e branco, mas com “tons vegetais” – uma Amazônia cheia de mistérios e protegida por
esse olhar próprio. São imagens oníricas, frias e fantasmagóricas, que trazem uma
natureza totalmente artificiosa. Nesse sentido, vale rever o que Paulo Herkenhoff fala
sobre essas imagens, em 2005, no texto do Catálogo da Exposição “Luiz Braga –
Território do Olhar”:

“Essa tecnologia de visão noturna vem do aparato ótico- militar


usado pelas corporações de comunicações para transmitir
notícias de conflitos bélicos em verde-penumbra. As guerras
aparecem “sem sangue” e não chocam o público.” 186

Em relatos, Braga sempre comenta que o alvejar noturno das transmissões televisivas da
Guerra do Iraque o tocaram. Naquela ocasião, estava em trânsito numa viagem aos
Estados Unidos e, pungido pelas imagens, experimentou esse conhecimento técnico em
suas fotos. Incorporando o infravermelho da câmera digital, ou o “aparato ótico-militar”

185
Exposição realizada na Galeria Leme. Avenida Valdemar Ferreira, nº 130. Butantã – SP. (ANEXO O,
p. 265). A primeira mostra exclusiva das imagens com Night Vision. Algumas dessas imagens já haviam
sido mostradas em outras exposições que congregavam trabalhos do artista.
186
Paulo Herkenhoff. Night Vision. In LUIZ BRAGA - Território do Olhar, op. cit., p. 11.
159

como diz Herkenhoff, Luiz Braga propôs afrontar a utilidade bélica desse recurso
imagético, sem perder de vista a sua intensidade ideológica. Encheu de incertezas o
campo estético, e construiu outro diálogo para além da pintura - com quem sempre
manteve fortes relações nas sua composições. Essas imagens passaram a fletar com a
tradição monocromática da gravura em água-forte. Assim, após ressignificar os “erros”,
como foi apresentado no capítulo anterior, a night vision produz nova permutação por
estranhamento. Traz uma Amazônia invisível infiltrada de incertezas visuais no olhar,
que constrói um caminho abalizado pelo conhecimento. Nesse sentido, para ajudar-nos
a pensar sobre essas fotos podemos observar o que Brissac diz,

“O invisível não é, porém, alguma coisa que esteja para além do


que é visível. Mas é simplesmente aquilo que não conseguimos
ver. Ou ainda: é aquilo que torna possível a visão. O enigma
que a pintura celebra — lembra Merleau-Ponty — não é outro
senão o da visibilidade.”187

Nessas imagens, Braga distante das cores primárias que marcaram suas composições
nas séries anteriores - desenvolvidas na mesma faixa territorial que algumas dessas
night visions, como veremos mais adiante, ele constrói um diálogo próximo com a
sensação da pintura. Aliás, vale ressaltar que a pintura não evoca coisa alguma, ao
contrário, ela dá existência visível àquilo que a visão humana não consegue ver. É,
portanto, no limite do visível que a pintura nos faz ver. Outro elemento importante
nessas imagens são as nuvens que nos excita a pensar naquelas feitas por paisagistas do
século XVIII e enfatizadas por Constable. Aliás, alguns teóricos como Damisch188 se
debruçaram mais intensamente sobre as reflexões desse elemento celeste presente nas
pinturas. Para ele toda a história da pintura moderna poderia ser contada a partir das
nuvens, que serviu para problematizar a perspectiva e uma nova teoria da representação.

Em Árvore no Tapajós (Ilustração 82), o artista fotografou uma paisagem da região


norte. Sob uma luz invisível, possível de ser vista, somente, com o infravermelho,
percebe-se que onde a luz do sol incide as coisas adquirem frieza ártica, como neve em
plena a Amazônia. Nessa imagem, tudo o que é frio parece escurecer. A água adquire
uma tonalidade quase preta. Esta foto faz parte de uma série de fotografias que

187
Nelson Brissac Peixoto. Paisagens urbanas. São Paulo: Editora SENAC São Paulo: Editora Marca
D’Água, 1996, p. 15.
188
Cf. H. Damisch. Théorie Du nuage. Paris: Ed. Du Seuil, 1972.
160

reinventa Luiz Braga como artista e redefine a paisagem equatorial. Imagens que
possuem uma frieza monocromática, diferente das suas obras conhecidas pela cor
saturada.

Ilustração 82: LUIZ BRAGA. Árvore no Tapajós, da Série Nightvisions – 2007.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.

Igarapé do Macaco (Ilustração 83), outra paisagem dessa série, apresenta uma visão da
região do rio Tapajós, floresta que está distante daquela idealizada. É a mata amazônica
de Luiz Braga, íntima e familiar, onde a questão ficcional se intensifica. É uma alegoria
que reflete a nostalgia de um paraíso perdido, reencontrado na imaginação do artista e
oferecida ao mundo. Como já observamos anteriormente, a ambientação, inicialmente
noturna, passou a ser diurna. O efeito dos filtros polarizadores fizeram que essas
fotografias conjugassem questões da pintura e aspectos da gravura ao apresentar a
floresta amazônica, ou a Amazônia de Luiz Braga - uma paisagem misteriosa que
lembra a “tundra asiática”, ou a “estepe russa”, assoladas pelo gelo. O aspecto de
gravura reside na monocromia e num outro elemento presente nessas imagens,

“O outro componente inovador em relação à minha produção é


a sua forma de impressão, feita com jato de tinta sobre papel de
algodão de leve textura, no formato de 50 x 70 cm e que muito
161

remete à gravura em água forte, referências de minha infância,


presentes nos livros de arte que meu pai mantinha em sua
biblioteca.”189

Em Igarapé do Macaco, e em outras imagens dessa série, como Igapó (Ilustração 84) na
região do Rio Negro e Ajuruteua (Ilustração 85) o verde da floresta amazônica que
sempre é visto do alto como uma extensa e imperiosa superfície vegetal, tem seu
panorama alterado, e passa a ser visto como uma floresta que navega no silêncio, na
placidez de seus igarapés, ou que caminha nas cinzas de seus incêndios. Inicialmente,
essas imagens eram tonalizadas pelo verde da floresta que tudo contamina, como
poderemos ver em algumas fotos que serão apresentadas mais à frente. As imagens mais
recentes, como essas apresentadas na Exposição “LUIZ BRAGA | NIGHTVISIONS”
são frutos de cuidadosa edição (Ilustração 86), e se aproximam mais das imagens em
preto e branco, permanecendo, no entanto, a frieza e a natureza artificiosa. É importante
observar que Igapó é uma imagem que marca o outro olhar de Luiz Braga sobre a
Amazônia. Braga ressalta que esse lugar o tocou de forma intensa e diferente – um lugar
magestoso, plácido e mágico. É a partir dessa foto que ele passa a intensificar a
atmosfera atemporal do lugar.

Ilustração 83: LUIZ BRAGA. Igarapé do Macaco, da Série Nightvisions – 2009.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.

189
Catálogo do Prêmio de Artes Plásticas Marcatonio Vilaça 2009. Rio de Janeiro: Funarte, 2009, p. 18.
162

Ilustração 84: LUIZ BRAGA. Igapó, da Série Nightvisions – 2010.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.

Ilustração 85: LUIZ BRAGA. Ajuruteua, da Série Nightvisions – 2011.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.
163

Ilustração 86: Processo de produção das fotos do projeto “Verde – Noite, 11 raios na Estrada Nova” –
Catálogo do Prêmio Marcatonio Vilaça 2009, p. 20.

A pesquisa dessa série explorando a tecnologia digital foi intensificada a partir do


Projeto “Verde-Noite, 11 raios na Estrada Nova” 190
. O Projeto apresentou como
resultado onze imagens realizadas nesse lugar - marcante na produção de várias séries,
como, por exemplo, nas fotos que assinalam o seu encontro com a cor em 1984 – que
foram apresentadas no segundo capítulo desta tese. Aliás, é importante observar que na
sua produção “o território palpável é bem restrito” 191. Este projeto, abrangeu uma faixa
192
territorial que vai desde a Universidade Federal do Pará, até o Mangal das Garças .

190
O Projeto contou com recursos do Prêmio Marcantonio Vilaça 2009, da Fundação Nacional de Artes.
191Ver a citação 132.
192
O Mangal das Garças, inaugurado em 12 de janeiro de 2005, está localizado às margens do rio Guamá, em pleno
centro histórico de Belém do Pará, no entorno do Arsenal da Marinha. O parque ecológico é resultado da
revitalização de uma área de 40.000 m², uma síntese do ambiente amazônico no coração da capital paraense. As
matas de várzea, os animais da região e mais de trezentas espécies de árvores nativas estão presentes no espaço.
164

Nesse lugar, segundo Braga, é onde se concentra o modo de vida do ribeirinho, por isso,
ele resolveu revisitá-lo. Nesse retorno, ele vai além da cor e passa a usar a técnica que,
segundo ele, Paulo Herkenhoff definiu como ‘night vision’. O resultado dessa nova
pesquisa são imagens de visão noturna adaptada para a câmera fotográfica e que
produzem um efeito que altera a realidade - como já observamos no início desse
capítulo.

Como foi comentado no segundo capítulo, o aspecto ficcional é intensificado nessas


imagens - a partir de uma situação externa – a violência urbana, que passou a dominar o
lugar por onde Braga caminhava despreocupado em busca de luzes e gestos. Assim, ele
opta por essa outra possibilidade expressiva, que lhe permite usufruir daquele lugar tão
significativo em seu projeto imagético – a Estrada Nova, e, muitas vezes, também,
passou a ser o mote na busca de outras imagens, quando se desloca para lugares mais
distantes e se encontra com a paisagem dos igarapés, igapós e dos municípios vizinhos
da cidade de Belém.

A proposta do prêmio Marcantonio Vilaça foi motivar o retorno do fotógrafo a esse


lugar de descobertas e de encantamento da cor – a Estrada Nova. As obras produzidas
dentro do Projeto “Verde-Noite, 11 raios na Estrada Nova” passaram a fazer parte do
“acervo do Museu das Onze Janelas”193, na cidade de Belém, para compor a primeira
coleção de 45 fotografias de autoria de Luiz Braga. Juntamente com outras cópias dessa
série, a obra Sombrinha foi doada ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP,
no dia 21 de agosto de 2012.194

A produção de Luiz Braga é extensa, mesmo acontecendo numa “faixa territorial


restrita”. Os caminhos possíveis para analisar essas imagens são muitos. Dessa forma,
delimitamos o nosso quadro de conceitos e, nesse texto, adotaremos a seguinte
estratégia para pensarmos sobre as fotos com night vision: primeiro, através da
contribuição da abordagem de Soulages195 aproximamos essas fotos do conceito de

Localiza-se na Passagem Carneiro da Rocha - Cidade Velha, Belém - PA


193
Ver Diário Oficial da Imprensa Oficial do Estado do Pará – 09.12.2010 - Nos relatos de Luiz Braga, ele diz que o
resultado do Projeto “Verde – Noite, 11 raios na Estrada Nova” foram onze imagens, contudo, o Diário Oficial
apresenta 13 fotos como obras vinculadas ao resultado do referido Projeto. (ANEXO P, p.266)
194 Ver relato do artista em O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de 01min42seg a 02min26seg.

Cf. François Soulages. Estética da fotografia – perda e permanência. São Paulo: Editora SENAC,
195

2010, pp. 123-152.


165

fotograficidade. O autor utiliza tal enfoque para tratar da fotografia fotoquímica, na


década de 1990, no entanto, pensamos ser possível utilizá-lo para pensarmos a produção
de Braga contemporaneamente. A partir dessa reflexão, nos propomos a analisar a
questão ficcional, a desnaturalização, o caráter híbrido da imagem e as ressonâncias da
nova teoria da representação, nos itens seguintes desse capítulo.

Como o conceito de fotograficidade pode nos ajudar nessa empreitada de pensar essas
fotos com a técnica night vision? Na verdade, não queremos nesse último capítulo trazer
uma discussão nova. A ideia de Soulages, nesse contexto, é uma proposta de
continuidade das reflexões iniciadas nos capítulos anteriores, como aquelas sobre a
straight photography – método bipolar de Strand, a transparência e opacidade a partir
dos estudos da historiadora norte-americana Rosalind Krauss, o campo prático-
perceptivo do Andrea Bonomi, entre outras, que sustentam a discussão de uma
fotografia que seja vista como meio e fim em si mesma, ainda quando essas imagens
remetam a uma “verdade” anterior à sua execução, como a paisagem dos igarapés,
igapós, rios e habitantes da região, vista na Série Night Visions.

A fotograficidade para Soulages designa, naquele momento, “a propriedade abstrata que


faz a singularidade do fato fotográfico”. Com outras palavras, seria aquilo que indica o
que é fotográfico na fotografia, mesmo quando essa fotografia passa a transitar por
caminhos diversos e suportes diferenciados. A fotograficidade caracteriza-se pela
articulação do irreversível e do inacabável. Na abordagem de Soulages, o irreversível é
o negativo obtido pelo ato fotográfico, que pressupõe interatividade entre o fotógrafo e
o objeto, e em seguida as operações químicas necessárias para sua obtenção; e o
inacabável é a possibilidade de se conseguir diferentes cópias a partir deste negativo,
também considerando a sequência química de diferentes etapas de sua produção. No
entanto, como a nossa intenção é pensar a produção de Luiz Braga na Série Night
Visions, onde ele opta por uma tecnologia digital que já se encontra mais distante da
fotografia fotoquímica, vamos apresentar algumas observações sobre a ideia de
fotograficidade, segundo Soulages, para em seguida resolver as questões dessas fotos de
Luiz Braga.

Para Soulages o conceito de fotograficidade designa o que é fotográfico na fotografia, e


segundo ele, podemos acrescentar uma segunda característica que torna a
166

fotograficidade simétrica com a literalidade de que fala Todorov em Poétique196;assim,


a ciência estrutural “preocupa-se não mais com a literatura real, mas com a literatura
possível, em outras palavras, com essa propriedade abstrata que faz a singularidade do
fato literário, a literalidade”197; seguindo esse raciocínio, a fotograficidade determina
como dito a qualidade abstrata que faz a singularidade do fato fotográfico - e para
Soulages, esse fato remete tanto à imagem no campo documental quanto no campo
artístico. Esse raciocínio, partindo da proposição de Todorov e do conceito de
fotograficidade, leva-me a pensar não só na fotografia real, mas também na fotografia
possível, e até nas potencialidades fotográficas, o que seria aplicado a artistas que não
são fotógrafos e utilizam a fotografia como suporte de sua arte, por exemplo, a brasileira
Rosângela Rennó. Nesse rumo, então passa-se a perceber a fotografia dentro de um
campo aberto, pois, justamente uma das características da fotograficidade é o
inacabável, ou seja, o fato de ter potencialidades sempre manifestáveis ao infinito. É
esse contexto que me interessa para pensar nessas fotos com a night vision, onde a
fotografia passa a ser entendida como a arte do possível, tomada em seu sentido próprio.

Se a segunda característica acrescentada ao conceito de fotograficidade tem uma


simetria com a literalidade de que fala Todorov, por outro lado, a Série Night Visions
remete a uma assimetria entre duas abordagens: a humanista e a materialista. Elas não
podem ser vistas simplesmente em relação ao homem fotógrafo na relação com a
câmera e seus referentes, nem tampouco como herdeiras de uma visão valorizadora do
registro digital, edição e impressão da imagem.

As imagens com night vision conjugam, exacerbadamente, o aspecto ficcional que vai
além da simples opção do fotógrafo, mas que é determinado por uma tática cujo uso se
engendrou pela violência urbana que passou a dificultar o seu trabalho nos lugares que
antes eram o seu “território de afeto”, e, assim, o desloca para o interior – regiões
afastadas daqueles espaços de então. Esse outro posicionamento, adotado diante da
captura dessas imagens apresenta um fato curioso – uma certa “falência” da relação do
fotógrafo com o fotografado, ou com os seus lugares de afeto. Algo gerado,
primeiramente, por esse fato social externo que contamina o experimentalismo com o

196
Cf. TODOROV, T. “Qu’est-ce que le structuralisme?” Em Poétique. Paris: Seuil, 1969. (APUD
apresentado por François Soulages, op. cit., p.375).
197
Todorov, 1969 APUD François Soulages, op. cit., p. 129.
167

infravermelho. Essa tática o afasta de uma visão humanista, contudo, sem desativá-la
por completo. Dessa maneira, ele se aproxima da Amazônia, da vegetação, dos igarapés
e rios. Contudo, afastando-se da ideia de representação convencional – imitação do real.
Ele constrói um outro olhar, e gera uma assimetria com a abordagem humanista, que se
poderia esperar de sua relação de empatia com esses referentes.

É nesse percurso que aproximamos essas imagens do conceito de fotograficidade.


Partindo dessa assimetria entre a visão humanista e materialista, encontramos uma
articulação do irreversível e do inacabável, que também pode dialogar com uma nova
teoria da representação como discutiremos no último item desse acapítulo. Desse modo,
para chegarmos a outras questões, pensamos ser interessante perceber o que Soulages
diz

A fotograficidade é portanto, essa articulação surpreendente do


irreversível e do inacabável. É a articulação, por um lado, da
irreversível obtenção generalizada do negativo — constituída
em primeiro lugar pelo ato fotográfico, ou seja, por esse
confronto de um sujeito que fotografa com algo a ser
fotografado, graças à mediação do material fotográfico ou, em
outras palavras e de maneira mais geral, pelas condições de
possibilidade da produção do filme exposto e a realização dessa
exposição, e em seguida pela obtenção restrita do negativo, isto
é, essas cinco outras operações que o produzem (revelação,
banho interruptor, fixação, lavagem e secagem) — e, por outro
lado, do inacabável trabalho com o negativo — a partir do
mesmo negativo inicial, pode-se obter um número infinito de
fotos totalmente diferentes, ao intervir de maneira particular
durante as seis operações que produzem a foto (exposição,
revelação, banho interruptor, fixação, lavagem e secagem). Para
compreender a fotograficidade, é preciso, portanto, passar de
uma concepção humanista a uma concepção materialista da
fotografia. 198

Esse posicionamento de Soulages, sobre a fotograficidade, é um caminho possível para


analisar essas imagens de Luiz Braga com a tecnologia do infravermelho da câmera
digital. Contudo, precisamos estar atentos que o autror está falando de fotografia feita a
partir de um negativo – processo analógico -, mas, que podemos usar esses argumentos
para pensar o processo da tecnologia digital. E, na sequência, é preciso fazer um
deslocamento e passar do resultado que seria a foto à relação existente entre a matriz
inicial (registro digital na nigth vision) e o produto (foto) que dela podemos obter. Essa

198
François Soulages, op. cit., pp. 131-132.
168

relação, uma das caracteríticas da fotograficidade, envolve infinitas possibilidades, que


na produção de Luiz Braga, em momentos distintos, materializou-se nas fotos em preto
e branco, coloridas, night vision, slides, backlight199 e tantos outros suportes presentes
na lógica formal dessas imagens.

A realização concreta das fotos com a night vision provém conjuntamente de uma
escolha – nova fase do seu experimentalismo -, e, também, da necessidade de encontrar
outras possibilidades que pudessem superar a “crise” da violência urbana que se instalou
naquele antigo território de afetos – chão das fotos em preto e branco e as coloridas.

Ao articular o irreversível (registro) e o inacabável (a foto como produto) Braga toca o


cerne do problema apresentado por Soulages ao falar da fotograficidade. Essas imagens
podem ser analisadas a partir do vivido pelo fotógrafo, envolvendo uma abordagem
humanista que dialoga muito próximo com a ideia de uma essência da fotografia
defendida por teóricos como Barthes, Dubois, Bazin, Flusser, Schaeffer e Collier200 que
se debruçaram significativamente para a identificação dos elementos próprios
constitutivos da imagem fotográfica; por outro lado essas mesmas imagens podem ser
analisadas, também, a partir de uma abordagem materialista que sinaliza o uso
específico do recurso tecnológico adotado não apenas para o registro da imagem, mas,
também a para sua posterior edição. Nesse sentido, vale observar que as suas primeiras
experimentações com infravermelho mostravam um tom esverdeado, que foi alterado
pelo fotógrafo para aproximá-las da lógica formal das fotos em preto e branco, no
entanto, mantendo um aspecto onírico desestabilizador da visualidade amazônica, tão
marcante nas fotos das séries anteriores. As fotos com night vision tornaram-se
projeções da Amazônia detentoras de um aspecto ficcional. Como projeções essas
imagens deixam de ser um documento que expressa uma fiel memória coletiva. Em

199
Na Exposição Amazônia Ciclos de Modernidade, no Centro Cultural Banco do Brasil/RJ, no período
de 28 de maio a 22 de julho de 2012, sob a curadoria de Paulo HerKenhoff, na primeira sala da mostra
apresentou grandes monitores com uma sequência dessas imagens: Igapó, Igarapé dos Macacos foram
alguns dos slides exibidos.
200
CF. BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984, e “A Mensagem Fotográfica”, em O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984; DUBOIS, P. O
ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994; BAZIN, André. Ontologia da imagem
fotográfica. In XAVIER, Ismail (Org.). A Experiência do Cinema: Antologia. Rio de Janeiro:
Graal/Embrafilme, 1983; FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia
da fotografia. São Paulo: Relume Dumará, 2002. SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precária: sobre o
dispositivo fotográfico. Campinas: Papirus, 1996; COLLIER, John. Antropologia visual: a fotografia
como método de pesquisa. São Paulo: EPV, 1973. A citação desses autores tem como foco as presentes
obras, e vale observar, ainda, que Dubois nos trabalhos mais recentes apresenta um enfoque diferenciado.
169

todo caso, mesmo desnaturalizando a aparência dos seus referentes, memória e ficção
parecem fazer um acordo e são articuladas com certa familiaridade dentro do contexto
dessas imagens, e formam uma unidade interessante e diferenciadora.

Como se pode observar em Árvore no Tapajós (Ilustração 82) - e nas demais fotos
apresentadas -, não estamos na Amazônia quente, colorida e forte, mas, estamos numa
Amazônia fria, monocromática e onírica (fictícia). Aproximando-se dessa estética da
ficção essas imagens deixam de ser para o espectador apenas uma referência da
memória fiel para reviver o passado, mas passam a ser um ponto de partida para a
apreciação de uma Amazônia recriada, que, também, pode ser um outro lugar, uma
outra região. Contudo, este aspecto não faz com que essas imagens deixem de ser algo
presente. O efeito do infravermelho é o presente dessas imagens e não mais o passado,
simplesmente, vinculado a uma ideia de memória como algo fiel, verdadeiro e
documental. Dessa forma, as imagens quebram uma ordem não apenas marcada pela
subversão da tecnologia do infravermelho da câmera digital (indicada para ser usada na
ausência de luz), mas, também, a ordem do estereótipo que reina na cabeça de quem um
dia já esteve na Amazônia. Ele engendra a experiência da dúvida que proporciona uma
desorientação no “território do olhar”. Passam a ser a articulação entre o que se perde, o
que permanece e o que foi acrescentado a partir do efeito da night vision –
desestabilização do recurso tecnológico.

A perda nessas imagens encontra-se relacionada às circunstâncias que envolveram o ato


fotográfico, o momento da captura, o objeto (as pessoas e lugares) a ser fotografado e a
obtenção do registro que repercute um tempo passado atualizado no presente a partir
dos efeitos ocasionados pela subverção do infravermelho. Então, a perda temporal ou
circunstancial conjugada com o expertimentalismo da tecnologia da câmera digital,
também, gera uma aparência duvidosa que a perda da característica da visualidade que
se poderia esperar da região amazônica. Algo se perde, porém, algo é acrescentado.
Assim, a permanência não se circunscreve apenas ao registro, mas, às características
como elementos que passam a contribuir para engendrar uma espécie de farsa – uma
Amazônia ártica – artificiosa. Dessa maneira, a perda (circunstâncias/algumas
características da visualidade), a permanência (registro/algumas características) e os
acréscimos (efeitos artificiosos do infravermelho) implicam na articulação do tempo, do
lugar e de uma nova forma de representação – resignificação do real.
170

A lógica formal das fotografias de Luiz Braga congrega momentos com negativos e
digitalização de negativos - como se pode perceber nas séries em preto e branco e
coloridas; e, também, coincide com esse momento atual da tecnologia digital com o
experimentalismo do infravermelho. Assim, as dimensões da fotograficidade se
manifestam de forma integrada em ocasiões distintas. Quer seja na fase do negativo
representada pelo experimentalismo com o filme day light e a exploração das
temperaturas de cor, ou nessas imagens com night vision resoam uma exploração e
aproveitamento de possibilidades infinitas, como já foi falado, recentemente as imagens
dessa série com infravermelho foram apresentadas com a tecnologia do backlight – isso
reforça a dimensão do inacabável que conjuga a ideia de uma outra representação e a
diversidade de suportes.

Proporcionalmente, para as imagens com infravermelho, o equivalente do negativo,


usado nas séries anteriores, é o registro digital. A exploração desse registro pode ser tão
intensa quanto a exploração do negativo, se consideramos a ideia de inacabável
(possibilidades infinitas de novas experimentações). Mas, são caminhos diferentes, se
examinarmos as peculiaridades de cada um. A imagem digital permite um
aproveitamento – prático e estético – mais complexo e potencialmente mais rico. A
estética digital é uma estética da hibridação com capacidade ilimitada. Ainda que se
possa fazer relações entre as diferentes séries fotográficas de Braga, torna-se importante
perceber que as fotos com night vision trazem uma nova ordem visual e uma nova
maneira de produção, de comunicação e recebimento.

Passamos da lógica da marca à da simulação. Mas, o que é importante evidenciar não


são as modalidades de relação com o real nessa série e nas anteriores. A forma como
esse real subsiste rompendo com uma relação que era própria da lógica fotográfica
documental, isto é, essas imagens geram um distanciamento do real existente diante da
câmera e dos olhos do fotógrafo. Os efeitos artificiosos do infravermelho manipulado
por Luiz Braga desestabilizam a ideia que a imagem fotográfica fosse algo invariável,
dotadas de características únicas como apresentavam as teorias que se sustentavam na
ideia de uma essência fotográfica como mostramos anteriormente (décadas de 1960 e
1980). Assim, num percurso que as aproxima de uma cultura híbrida, a Série Night
visions amplia a ideia da foto como imagem da imagem. Elas vão além dessa ordem.
Acentuam a ideia de uma foto como imagem de imagens, ao mesmo tempo em que
171

atinge um campo das imagens virtuais como: a imagem mediatizada pela tecnologia da
câmera digital, a imagem psíquica do fotógrafo, as imagens latentes e as imagens
possíveis a partir da manipulação do registro. O experimentalismo de Luiz Braga
transita por campos diversos das artes visuais. Essa forma subversiva de ver e explorar o
mundo intensifica a natureza híbrida da fotografia.

Luiz Braga, arquiteto por formação e fotógrafo por profissão, articula olhares distintos
nesse seu trajeto artístico. Sua produção ressoa afinidades com os códigos da pintura, da
escultura, da gravura, do cinema e da fotografia do século XIX e século XX. Braga
permite-se, como outros artistas na contemporaneidade, movimentar-se sem culpa pelos
gêneros da fotografia e da sintaxe das artes visuais. Se pensarmos de forma mais
distante, historicamente, perceberemos que a gênese dessa forma de articulação tem
suas raízes na ética de vanguarda da primeira metade do século XX, quando as práticas
permitem esse trânsito com liberdade pelos gêneros. Nesse sentido, vale observar o que
Laura González Flores diz “a crítica moderna deslocou a qualidade da artisticidade da
obra para o seu criador. O eixo da arte não é mais o domínio da tekhné ou ars de um
gênero – seja ela pintura ou fotografia -, mas a criação.” 201

Com esse panorama, por exemplo, Man Ray, em seu trajeto artístico, ainda, propõe sua
criação com disjunções entre gêneros: a sua obra ou é pintura ou é fotografia. Contudo,
o espírito da vanguarda é essencialmente transgenérico (misto). Muitos artistas
vanguardistas, além de Man Ray – Picasso, Dali, Moholy-Nagy, El Lissitzky e outros
mais recentes como David Hockney, lembrados como referências na formação do olhar
de Luiz Braga, ou cuja produção artística repercute em suas fotografias – não
trabalharam a partir de uma disjuntiva de gêneros (fotografia e pintura), mas, sim a
partir da conjunção destes (fotografia  pintura).

Os avanços do conceito de Arte em direção a uma identificação desta com uma visão
transgenérica e com a ação do artista pode parecer um paradoxo, se identificarmos a
crítica moderna com a efetivação dos gêneros autônomos como sustentou Greenberg.
No entanto, o paradoxo é apenas aparente como afirma Laura González Flores:

201
Laura González Flores. Fotografia e pintura: dois meios diferentes? Tradução Danilo Vilela Bandeira.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. 178.
172

“a conjunção de gêneros como proposta artística produz-se não


apenas como resultado da definição dos gêneros pela
consciência moderna, mas também como um processo
simultâneo e interdependente desta. A produção fotográfica não
ficou isenta dessa transformação.”202

Muitos dos artistas das vanguardas apontados por Luiz Braga como referências na
construção do seu olhar manifestaram sua criatividade em diferentes gêneros atísticos.
E produziram obras misturando-os. Desse avanço conceitual, elabora-se a ideia de
“obras de arte” como linguagens híbridas – fotografia e pintura, fotografia e tipografia,
fotografia e fotografia -, como seria o caso da mistura de fotografia artística e comercial
– obras com duas versões da mesma linguagem.

A ideia de transgenérico vai se ampliando, se antes consideravamos as obras cuja a


legenda no espaço expositivo apresentava-as como técnica mista de gêneros diferentes,
hoje podemos considerar aquelas que, ainda sejam fotografias, discutem os gêneros
conceitualmente ou visualmente.

Historicamente, a partir das vanguardas, será cada vez mais comum e ampla a utilização
de gêneros mistos nas obras concebidas desde o princípio como Arte. Atualmente, a
integração formal ou visual da fotagrafia com outros meios visuais é cada vez mais
comum e rica. As night visions de Luiz Braga encontram na ficção fotográfica, cujo
realismo é presente, um campo fértil para atingir outras realidades. Ele utiliza a
monocromia com tons esverdeados mais ou menos intensos, cujo aspecto é trivial na
gravura, e gera uma irrupção violenta do espaço “real” da visualidade amazônica, que se
torna “ireal” no campo da lógica fotográfica tradicional. Ele encontra na mistura das
aparências – efeitos da subversão da tecnologia digital -, o seu próprio princípio de
“artistificação”.

O campo no qual Luiz Braga se inscreve com essa atitude de exploração do


infravermelho é o campo da criação artística. Com Igarapé dos Macacos, Igapó,
Ajuruteua e as demais fotos da Série Night Visions, ele constata que com essas imagens
surgem possibilidades plurais, simultâneas e contraditórias: documentar uma realidade e
resignificá-la. Se o noema de Barthes e dos seus seguidores é “isso aconteceu”

202
Laura González Flores, loc. cit.
173

(fotografia documental), a ideia geral de Luiz Braga poderia ser expressa como “isso
aconteceu porque eu o inventei” (fotografia como criação) – uma Amazônia única, que
é a Amazônia Ártica de Luiz Braga. Nessas imagens, o importante não é se existem
marcas ou sinais de manipulação, mas a relativização da linguagem fotográfica por
meio de uma alteração da utilização da tecnologia adotada pelo fotógrafo.

A aparência da Amazônia “assolada pelo gelo” não depende, apenas, da exterioridade


(violência urbana que o afastou do seu território de afeto) e dos sujeitos receptores
(códigos e simbolizações), mas, envolve outros aspectos de significativa importância:
artístico, estético e histórico. Dificilmente, essa visibilidade depende unicamente de
uma concepção humanista da relação do fotógrafo com os seus referentes, mas,
primordialmnente, depende da condição de produção, da articulação do registro e das
possibilidades de edição e da reprodução das imagens em suportes diferentes – um
complexo processo de experimentalismo. Dessa forma, a maneira de recepção dessa
Amazônia como tundra assiática, ou com diálogos com o universo da gravura, portanto,
não pode ser objeto de afirmações universalizáveis, válidas para toda e qualquer
recepção no campo de outras fotografias, mas própria de um campo que amplia e
resignifica a ideia de fotografia documental e alcança outras possibilidades de criação.

Outro aspecto importante nas paisagens dessa série, como se pode perceber em Fonte
Lua de Prata (Ilustração 87) e nas outras mostradas até aqui, é o vazio - como se esses
lugares estivessem abandonados. Esse aspecto ressoa algo de metafórico que tem sua
origem em questões já apresentadas nesse trabalho - a violência urbana que levou o
fotógrafo a desenvolver uma tática para vencer seus objetivos plásticos. Ora, nos
primeiros ensaios em preto e branco e nos coloridos, Braga desenvolvia estratégias na
busca de uma linguagem autoral. Vale perceber a diferença entre a ideia de estratégia e
tática nesse contexto. As estratégias artísticas de Luiz Braga, num primeiro momento de
sua produção, visavam organizar sua ação para atingir um resultado – a captura do gesto
e da cor a partir de um envolvimento prazeroso com o lugar. Dessa forma, ele explorou
as possibilidades expressivas daqueles referentes. A tática, por sua vez, na linguagem do
dia a dia, refere-se ao conjunto de meios usados para chegar a um fim. Nesse caso, a
utilização da tecnologia do infravermelho nessa série de Luiz Braga está mais próxima
da concepção de tática, que alude uma diversidade de ações desenvolvidas em função
das circunstâncias que passaram a existir, e se opõe à ideia de estratégia, tão peculiar
174

nos seus ensaios fotográficos na década de 1980. A tática da night vision significa o
modo que ele encontra para administrar aquele conflito - enfrentado em seu todo.
Assim, a palavra tática parece ser mais adequada para entender alguns aspectos dessas
imagens como consequência daquela violência urbana, que se foi instalando nos espaços
por onde o artista buscava os gestos e as cores dos referentes amazônicos. Nesse
sentido, vale observar o que Luiz Braga diz sobre o vazio metafórico dessas paisagens,
que se inicia nas fotos coloridas onde ele explorou as temperaturas de cor, e em seguida
se estendeu a essas com a tecnologia da night vision

“um vazio de perda de chão, perda de possibilidade de vida,


porque imagina tirar essa possibilidade de troca que a fotografia
me deu. Porque eu era uma pessoa estupidamente tímida, a
fotografia acabou sendo pra mim uma máscara, um escudo, uma
forma de me colocar. Então, quando eu começo a perceber que
a violência vai me deixando acuado, eu cabo fugindo para as
noites do interior.” 203

Outra questão importante na produção de Braga, especialmente nessas imagens, é a


ideia de tempo - despendido para realizar a captura e o registro de algumas fotos. Ele
nem sempre consegue resolver a foto de imediato, algumas levam um processo longo
como se pode perceber em um relato seu sobre a foto Anoitecer no porto de
Santarém204, que mostra o barco Oriximiná se preparando para partir, “eu tentei fazer
essa foto por quase 10 anos.” 205

Esse relato de Braga leva a pensar no percurso histórico desenvolvido pela fotografia
como imagem, memória e realidade construída. Não se trata apenas de documentar ou
registrar uma cena. A imagem, desejada mentalmente, envolve um conjunto de
características que influenciam na escolha da situação, das condições de luz, ponto de
vista, organização do espaço e tempo. A construção acontece no plano mental para que
em seguida aconteçam os registros possíveis.

203
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
44min31seg a 45min02seg. (com adaptações)
204
Essa foto não foi incluída nesse trabalho. A imagem é a capa do livro “A cidade Ilhada” de autoria de
Milton Hatoum.
205
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
45min28seg a 45min30seg. (com adaptações)
175

Ilustração 87: LUIZ BRAGA Fonte Lua de Prata, da Série NightVisions – 2007.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.

A maneira de construção dessas imagens, onde é importante perceber que não podemos
falar da captura, vai além de duas importantes teorias da fotografia, as de Roland
Barthes e Susan Sontag, que abordam a ontologia do meio seguindo essa mesma linha
de raciocínio. Ambos, como já tivemos a oportunidade de analisar em outros capítulos
dessa tese, veem a essência da fotografia – aquilo que a distingue de outros meios de
representação – em sua qualidade de rastro - o que não daria conta para sustentar as
articulações dessas imagens com nigth vision. A relação dessas imagens com a realidade
não é de semelhança.
176

Aqui poderiamos lembrar, na concepção platônica, onde a qualidade mimética das


imagens as faz ter caráter ilusório, e não real. No entanto, em outro momento da
história, por exemplo na concepção romana, a imagine tem caráter metonímico e,
portanto, funcionam como objetos reais. Dessa maneira, uma imago206 é um índice, uma
parte do todo, um testemunho com capacidade legal. A sua qualidade mais significativa
constitui-se em estar, não em parecer. Barthes considera que nessa relação imediata da
foto com a realidade está a sua maior característica de autenticação do real como prova
de verdade: mais do que traduzir a realidade, a fotogafia poderia ser entendida como um
rastro desta. A característica indicial do meio fotográfico usado por Barthes, em seu
famoso ensaio “A mensagem fotográfica”207, serve para definir a fotografia como uma
“mensagem sem código”. Segundo ele, dado que na foto há uma ausência de “marcas”
ou de algo que se destaque na imagem, não há descontinuidade com a realidade e,
portanto, a foto não pode ser considerada um signo:

“A fotografia é inclassificável pelo fato de que não há razão


para marcar uma de suas circunstâncias em concreto; talvez ela
quisesse se tornar algo tão grande, seguro e nobre como um
signo, o que lhe permitiria alcançar a dignidade de uma língua;
mas para haver signo é necessário haver marca; privadas de um
princípio de marcação, as fotos são signos que não se encaixam,
que coalham, como o leite. Seja o que for que ela ofereça à vista
e qualquer que seja sua maneira de ser empregada, uma foto é
sempre invisível: não é ela que vemos.” 208

Seguindo essa linha de pensamento, nada se destaca na foto, isto é, o seu significado
não está nela mesma, mas na realidade da qual ela surge e da qual é contingente. Dessa
forma, parece que, na proposta de Barthes, a foto funciona como a imago romano. A
explicação de Barthes concentra-se na fascinação que a foto exerce sobre nós, ou seja,
parte do mesmo fundamento lógico das imagine romanas: para ele, a foto é, como elas,
um vestigium.

206
Uma “imagem”, em Roma, era um objeto material. Os romanos designavam com o termo imago uma
figura de cera que se moldava a partir do cadáver de determinada pessoa. A imago funcionava como um
“dublê de corpo” físico cuja utilização transcendia a de mera comemoração: dependendo do status e da
importância da pessoa, a imago constituía uma verdadeira presença física e legal. (Ver Laura González
Flores, op. cit., p. 116)
207
Roland Barthes.“A Mensagem Fotográfica”, em O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984.
208
Roland Barthes. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 34.
177

Historicamente, em nossa cultura ocidental, a imagem foi e se ainda não é, o


equivalente, o vestígio ou o “índice”de algo que existe ou existiu na realidade material –
a evidência do documento. Durante décadas muitos teóricos defenderam a (pseudo)
imparcialidade da câmera. Em função disto, a fotografia se prestaria para legitimar
certas práticas que passariam a inculcar certos valores e normas de comportamento com
relação a imagem. Dessa forma, contribuindo com o raciocínio dessas ideias, podemos
ver o que Kossoy diz

A chamada evidência documental é o mais ardiloso estratagema


sobre o qual se apoia o sistema de representação fotográfica. É a
evidência documental que estabelece, de imediato, seu vínculo
material com o real. Se admitirmos que a evidência comprova
os tempos da fotografia, ela não pode, entretanto, atestar a
veracidade daquilo que se vê na imagem. No entanto, quando as
técnicas e métodos científicos de identificação foram
incorporados pela polícia, já nas primeiras décadas do século
XX, a fotografia reforçou o conceito tradicional de ela ser um
‘testemunho fidedigno’, funcionando como prova do crime nas
perícias policiais.209

As night visions de Luiz Braga fazem um caminho de mão dupla: capturam o real e dele
se afastam - desestabilizam essa linha de raciocínio. Braga não vê esses lugares de
forma passiva, mas pensa e reage a eles de maneira imprevísivel. Suas andanças
constituem-se num empreendimento de aprendizagem dos códigos visuais. Tornam-se
metáforas vivas – um trabalho de construção de outros sentidos a partir das imagens da
cultura amazônica.

A ideia de um autor que não é passivo por trás da câmera e diante da realidade, leva a
pensar, como já foi observado, anteriormente, que o eixo da fotografia como arte não é
apenas o domínio da técnica, mas, o processo de criação como um todo. O manejo
consciente e voluntário, ou a subversão da sintaxe e das normas, implica, portanto, que
a fotografia assumiu a existência de um autor e de uma codificação relativa – ampla.
Seria uma postura contrária à épica da fotografia documental. Ao se aceitar a existência
do autor, a fotografia não apenas funciona plenamente como uma linguagem, mas,
também, de acordo com as caracteristicas concretas desta, e sua “artisticidade” – que
passou por várias fases até chegar à contemporaneidade. E, este, como no caso da
pintura, vale lembrar que, é um argumento construído através do tempo e de uma série

209
Boris Kossoy. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
178

de passos, que descrevemos em seguida, e ajuda-nos a pensar as night visions de Luiz


Braga como uma outra maneira de representar a Amazônia – a partir de um contexto
híbrido que vem sendo desenhado na história.

Embora, como falamos antes, se possa dizer que a fotografia funcionou, ou ainda
funciona para alguns profissionais como testemunho da realidade, o contrário, também,
é certo: ela pode falsificar o testemunho de diversas maneiras. Com um recuo histótrico
é possível perceber isto no século XIX, quando alguns fotógrafos engendravam uma
espécie de farsa na representação do real. Por exemplo, em O Afogado (Ilustração 88),
um ano após a divulgação da invenção de Daguerre (1839), Hippolyte Bayard se
inscreve com essa atitude. Com essa foto, ele transita pelo campo da criação artística
movido por um sentimento de contestação ao governo da França pelas benesses
dedicadas a Daguerre. A história dessa imagem é bem conhecida: em 1841, ele
distribuiu uma foto na qual ele próprio aparece afogado e escreveu, no verso, um texto.
Utilizou uma técnica fotográfica muito pouco sensível, e precisou posar sem se mexer
durante vários segundos, com os olhos bem fechados. Bayard usou essa encenação para
fingir que está morto. Muitos vêem esse gesto irônico de Bayard como algo patético,
longe de ser uma lúcida constatação das possibilidades de criação fotográfica. No
entanto, O Afogado constitui não apenas a primeira performance fotográfica, mas
também a primeira mostra de subversão da veracidade fotográfica em prol da
legitimação de uma mentira, que se inscreveria no campo da arte.

Ilustração 88: HIPPOLYTE BAYARD. O Afogado, 1840.


179

Com essa foto, Bayard constata em pleno o século XIX que com a fotografia surgem
duas possibilidades simultaneas e contrárias: documentar uma realidade e criá-la. Esse
processo de criação passou pela habilidade da fotografia moderna e atingiu a ação na
contemporaneidade. Nesse sentido, vale ressaltar que

Em um sentido estrito, não se pode falar de uma corrente


moderna em Fotografia, mas de muitas, e essa multiplicidade
obedecerá a fatores semelhantes aos observados anteriormente
na Pintura: cada tendência gerará e difundirá, a partir de sua
perspectiva, uma teoria própria sobre o meio. Embora essas
tendências tenham como denominador comum o desejo de obter
uma linguagem fotográfica autônoma concentrando-se na
experimentação visual, essa intenção se manifestará de modos
muito diferentes na América e na Europa.210

Nos Estados Unidos, por exemplo, a fotografia moderna está ligada a busca formal
relacionada, principalmente, com um trabalho de enquadramento. Dessa maneira, a
fotografia norte-americana concentra-se na forma inspirada no puro-visualismo, na
forma significativa e na objetividade. Nesse sentido, serão desenvolvidos conceitos de
Fotografia Pura Americana, que serão os pilares da futura fotografia de museu, que
mostrará uma tendência a privilegiar a experimentação com formas e técnicas
fotográficas em detrimento dos trabalhos com um tema de fundo (mais associado ao
trabalho documental). Assim, a fotografia norte-americana moderna também manterá
uma ligação formal com a antiga classificação das imagens segundo seu gênero (nu,
natureza-morta, paisagem, retrato). Por outro lado, a corrente europeia, manifestou uma
maneira mais heterogênea do que a americana. É difícil falar da fotografia moderna na
Europa, pois, por um lado, seus autores estavam integrados a diferentes grupos de
vanguarda e, por outro, poucos deles se consideravam fotógrafos. A produção
fotográfica europeia está mais ligada à “vanguarda”. As imagens dessa época
caracterizam-se pela ruptura, exagero ou intolerância em relação às convenções
artísticas e sociais. Nesse momento, a fotografia será um recurso comum de pintores,
escultores, músicos e escritores de vanguarda. Com se viu no primeiro capítulo, as
fotografias de Luiz Braga, num primeiro momento, dialogam de forma muito próxima
com straight photography - corrente da fotografia moderna norte-americana que se
opunha ao pictorialismo.

210
Laura González Flores, op. cit., p. 167.
180

Se num primeiro momento, as fotografias de Luiz Braga dialogam de forma


descontraida com a tendência de Paul Strand - straight photography -, nessa série com
night vision, a paixão pelo experimentalismo do infravermelho lhe permite um flerte
mais evidente na direção das vanguardas europeias com a estética da máquina agregada
a uma nova teoria da representação que falaremos no terceiro item desse capítulo.

Nos relatos sobre a experiência com o infravermelho, Luiz Braga tem mostrado sua
paixão pela exploração das possibilidades da tecnologia digital. Isso exemplifica o
deslocamento em direção à artisticidade fotográfica a partir da exploração do recurso
tecnológico. Nesse sentido, vale citar um pequeno recorte de um texto de Léger, que
evidentemente, não era fotógrafo, mas cujo fundamento atingiu a arte de uma maneira
geral no período das vanguardas, e atualizando-se na contemporaneidade. Ele diz “O
caso da evolução do automóvel é um exemplo destacado de meu argumento; é um fato
curioso que quanto mais as funções utilitárias da máquina se aperfeiçoam, mais bela ela
se torna.”211 Assim, pode-se perceber que enquanto a tendência americana ocultava a
mecanicidade do meio por trás de um discurso que idealizava e subjetivava o uso da
câmera, a Fotografia vanguardista europeia estava fascinada justamente pela
mecanicidade do novo meio. Isso não parecia ser um obstáculo para que uma obra
tivesse uma aura artística. Na Europa, diferente dos Estados Unidos, os avanços
mecânicos foram elementos importantes para que o artista vanguardista pudessem
propor uma nova técnica. É nesse sentido, que aproximamos esse momento da produção
com o infravermelho ao desejo do fotógrafo pela capacidade experimental do
equipamento. No entanto, ele não perde a pintura de vista, se antes a pictoridade de suas
fotos estavam na subverção dos materiais e das normas do equipamento, que buscavam
explorar os elementos compositivos, e que subvertiam a aparência do referente
amazônico, nessas nigth visions ele busca a sensação da pintura. Nesse sentido, com
relação as fotos coloridas, mas, que se aplica a todas as séries de sua produção,
considerando as especificidades de cada situação, Braga diz: “é pintura com a luz, é a
maneira como eu pinto”. 212

211
Léger APUD Laura González Flores, op. cit., p. 172.
212
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
99min56seg a 100min04seg. (com adaptações)
181

3.2 O aspecto ficcional e a desnaturalização do referente amazônico.

Comecemos esse item por uma foto que abriu a possibilidade da experimentação com a
night vision: Fé em Deus (Ilustração 89). Essa imagem marca, simbolicamente, outro
olhar sobre a Amazônia. Como Babá Patchouli (Ilustração 57) – analisada no segundo
capítulo -, emblemática naquelas outras experimentações com o filme day light, que
exploraram as temperaturas de cor.

O olhar do século XXI reconhece nessa foto uma beleza misteriosa. A cena transita por
questões muito próximas do olhar de um cineasta – talvez, aqueles que Braga afirma
terem sido importantes na formação da sua cultura visual. No entanto, o mais
importante é o plano de ambientação obtido nessa imagem com uma distância focal, que
influência nas características visuais, bem como, a profundidade de campo nesse lugar
aberto onde sugere que haverá uma próxima ação, um desenrolar de uma história. O
silêncio presente nas outras imagens dessa série, aqui é quebrado pela ação.

Ilustração 89: LUIZ BRAGA. Fé em Deus, da Série NightVisions – 2006.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.
182

A imagem mostra um barco no primeiro plano, sendo empurrado energicamente para o


rio por cinco homens. A extrema precisão descritiva dessa imagem confere uma riqueza
de detalhes alucinantes, de modo que a água, a vegetação, as nuvens e os personagens,
confirmam a fisionomia amazônica. A cena parece ser uma rotina daquela população
ribeirinha. Outras embarcações já se encontram navegando. A foto pode sugerir uma
alegoria da aventura de viver, da sobrevivência de um povo cuja fé alimenta-se numa
tradição católica. A Fé em Deus, nessas regiões do estado do Pará, é pronunciada pela
intensa devoção por Nossa Senhora de Nazaré, a força desses personagens lembra a
música “(...) Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre, quem
traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria (...)” 213 A fé desse povo
não guarda preconceitos, vai além da razão estabelecida pelos códigos – precisa ser
tatuada no coração e nos seus objetos de afeto, como o barco e a casa, por exemplo.

Entretanto, o infravermelho somado as possibilidades de edição dessa foto produzida


com a tecnologia digital, deu-lhe a impressão de um lugar irreal. O espaço parece
onírico e sinalizador de um trajeto que envolve um caminho de mão dupla. Em alguns
momentos Luiz Braga opera apoiando-se especificamente nos códigos da fotografia
com ecos do século XIX, tal como apresentados pela história da arte, em outros
distancia-se deles e se encontra com a tecnologia digital com força e intensidade
particular, que constrói uma região a partir de uma visão ficcional. A desnaturalização
do lugar e dos personagens confere um deslocamento de um ambiente quente, úmido e
colorido para outro – uma realidade monocromática, fria e seca.

Dessa forma, a diferença entre Babá Patchouli e Fé em Deus não se deve simplesmente
à oposição entre momentos distintos de inspiração do fotógrafo. Ao contrário, pelo
percurso de estudo adotado nessa pesquisa, almejamos deixar claro que elas pertencem
a campos visuais com influências internas e externas distintas. Para usar um
vocabulário, ainda, mais contemporâneo, poderíamos dizer que, enquanto
representações elas operam em dois espaços discursivos distintos, que se organizam em
dois discursos diferentes. Babá Patchouli, por exemplo, pertence a um momento mais
empírico, quando Braga reconstrói uma cena amazônica a partir de algumas estratégias

213
A música “Maria, Maria” é interpretada pelo cantor brasileiro Milton Nascimento. Essa composição
em conjunto com outras, como Coração de Estudante, trazem questões sociopolíticas de reivindicações.
Essas músicas marcaram um período de 1978-1985, mas ainda hoje traduzem a voz daqueles que
sobrevivem em meio às dificuldades.
183

motivadoras da exploração dos erros e das temperaturas de cor obtidas pela subversão
da utilização do filme day light. Fé em Deus pertence a um momento no qual o
conhecimento da tecnologia digital exige outro comportamento, como foi explorado no
primeiro item desse capítulo, a partir da abordagem de Soulages.

Babá Patchouli e Fé em Deus pressupõem expectativas diferentes por parte do


espectador e veiculam dois tipos distintos de saber. Contudo, o discurso estético
desenvolvido por Luiz Braga organiza-se cada vez mais em torno daquilo que se
poderia chamar de espaço da arte, ou de exposição – sinalizador de uma tradição que
vem sendo atualizada e ressignificada pelos fotógrafos na cena contemporânea. Neste
sentido, considerando essa tradição histórica podemos fazer um recuo e observar o que
Rosalind Krauss diz, “O discurso estético desenvolvido no século 19 organizou-se cada
vez mais em torno daquilo que se poderia chamar de espaço de exposição.”214 Essa
forma de incorporar a dinâmica dos espaços expositivos em suas maneiras de
elaborarem seus trabalhos vai se expandindo no decorrer da história, e
contemporaneamente reflete-se, não apenas na poética, mas na condução dessa
produção num sentido que possibilite firmar-se no circuito artístico.

Não é mais a necessidade de emulação da pintura que está em jogo nessa manobra que
pensa o espaço expositivo, também, não é a conquista de um status porque a fotografia
já goza de um estatuto próprio e privilegiado no circuito das artes. O que está em jogo,
nesse momento dinâmico, é a relação entre campos no interior do território das artes
visuais – híbrido e com abundante demanda de forças e intensidades. As imagens Babá
Patchouli e Fé em Deus, ainda, que se situem em campos visuais distintos, tornam-se
representantes do mesmo espírito de investigação – o experimentalismo -, que as
aproxima do discurso estético, que flerta com o espaço de exposição, ou sobre ele
reflete buscando outras possibilidades de representação como será mais bem estudada
no último item desse capítulo sob a visão de Giannotti. O importante aqui é perceber
que essas questões tocam momentos diversos no decorrer da história da arte, e mais
especificamente do estudo da imagem.

214
Rosalind Krauss. Os espaços discursivos da fotografia. In FERREIRA, Glória; VENÂNCIO FILHO,
Paulo (Org.). Arte & Ensaios n. 13. Rio de Janeiro, PPGAV/EBA, UFRJ, 2006, p. 156.
184

Ilustração 90: LUIZ BRAGA. Meninos na Bicicleta, Série NightVisions. 2009.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Na sequência, a foto Meninos na Bicicleta (Ilustração 90), também, como Fé em Deus,


registra um momento no qual a composição atravessa a sensibilidade do olhar de um
cineasta, ou de um fotógrafo cuja visão encontra-se impregnada por referências de
outros campos – o cinema, por exemplo. Braga acosta-se em elementos como planos de
ambientação, enquadramento e plano geral. A distância necessária para incluir
totalmente os personagens torna o plano geral não tão ideal para mostrar as nuances
comportamentais e emocionais por meio das expressões faciais, mas por outro lado,
serviu para adicionar suspense e tensão à cena capturada. Outros fotógrafos como Bruce
Conner (1933-2008) reinventam em suas poéticas a ideia de narrativa cinematográfica.

Em Meninos na Bicicleta, no primeiro plano, vemos um menino e uma menina indo


para algum lugar. O ambiente capturado com desfoques e borrões provocados pela
velocidade do obturador e o rápido deslocamento daquele transporte na escura pista de
asfalto, dificulta perceber uma localização mais precisa. Luiz Braga posicionado a
margem da estrada, acompanhou o rápido movimento da cena com a câmera.
185

No cinema, o campo de visão relativamente amplo de um plano médio, como este onde
acontece a cena dessa foto, é ideal para estabelecer relacionamentos visuais entre os
personagens e entre estes e o ambiente. A natureza inexata do acontecimento capturado
pela câmera de Luiz Braga impede o observador de desvendar o mistério do gesto e a
conclusão da narrativa - técnica recorrente utilizada em filmes de ação e drama. O
registro do movimento das crianças na bicicleta feito por Luiz Braga, considerando as
diferenças, lembra um travelling usado para acompanhar Antoine (Jean – Pierre Léaud)
por cerca de 80 segundos quando foge de um reformatório, ao ser submetido a um
exame da psicologia adolescente, no filme “Os incompreendidos” de François Truffaut
(1959)215.

Meninos na Bicicleta aguça uma interpretação multidisciplinar. Sua mensagem é


sofisticada e carregada de ambíguos e sedutores apelos na sua proposta em busca do
tema. Não é apenas a relação com o cinema que ecoa nessa imagem e em Fé em Deus,
mas a relação com a pintura no que se refere a uma nova representação do real, que se
faz presente em movimentos como impressionismo, cubismo e futurismo, onde
desaparece a representação como imagem que está no lugar de alguma coisa.

Na sequência dessas questões que passam pelo cinema, pela pintura e aproxima essas
imagens de um campo mais ficcional, observaremos duas fotos da Série Night Visions:
Lavadeira no Xumucuí (Ilustração 91) e Procissão em Caraparú (Ilustração 92). A
primeira, num primeiro olhar, sugere uma atmosfera bucólica – a personagem encontra-
se integrada à natureza de maneira singela e pura. Sobre essa foto, Braga diz: “eu
demorei muitos anos perseguindo essa cena da lavadeira que eu tinha na minha cabeça.
Eu fiz muitas e muitas fotos, até que um dia, eu encontrei essa mulher nessa
216
circunstância.” Esse dado apresentado pelo fotógrafo, analisado conjuntamente com
outros relatos em que ele afirma ter aprendido o seu ofício mais com os pintores do que
com os fotógrafos, leva-nos a perceber uma coerência que se evidencia no decorrer do
seu amadurecimento profissional. O tema, por exemplo, parece ter impregnações que
passam por vários pintores ou movimentos artísticos que fazem parte do repertório de
Luiz Braga. Degas, por exemplo, entusiasmado pelo registro do movimento, optou por

215
Gustavo Mercado. O olhar do cineasta: aprenda (e quebre) as regras da composição cinematográfica.
Rio de Janeiro, 2011, p.154.
216
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
59min30seg a 59min42seg. (com adaptações)
186

217
temas como as lavadeiras, passadeiras, costureiras entre outros. Os pintores
impressionistas e pós-impressionistas, também, foram entusiasmados pelo tema das
lavadeiras como podemos observar em Lavadeira (Ilustração 24). Contudo, vale
ressaltar que no caso específico desses pintores as cenas com as lavadeiras eram uma
motivação para o estudo da luz e da cor. A personagem nesses quadros é importante por
estar ao ar livre e permitir a observação do fenômeno luminoso. Luiz Braga com a
utilização do infravermelho intensifica sua pesquisa sobre as possibilidades de
experimentar o fenômeno da luz na fotografia. O seu encantamento por essa cena é
diferente da forma como ele se envolvia nas séries anteriores. A luz é um elemento
primordial e o discurso em torno da personagem se diferencia, por exemplo, daquele
presente na série À Margem do Olhar. A lavadeira na ação do seu ofício apresenta
braços musculosos – um ser de um universo quase mitológico pela formosura do gesto.
Nessa foto, mais importante que a lavadeira é o gesto e a luz. Entretanto, se essa
imagem flerta com a tradição, também existe um outro elemento relevante: o diálogo
com o cinema presente no plano de ambientação – a situação sugere um desenrolar ao
espectador. A diagonal que parte da margem inferior esquerda guia a visão do
espectador como que exigindo uma dilatação temporal da atenção. O fundamento
compositivo de Braga nessa imagem reside no tratamento do ponto de vista e na
perspectiva do espaço – rico de profundidade e nitidez ainda que numa visão onírica.

Em Procissão no Caraparú (Ilustração 92) o fotógrafo registra uma romaria218 cujo


encanto maior passa a ser o aspecto artificioso da imagem provocado pela subversão do
infravermelho da câmera digital – uma projeção do real. A romaria acontece com o
traslado da imagem da santa, levada e seguida por barcos à remo pelo rio Caraparú
(Ilustração 93). Ao longo do trajeto há murmúrios de orações e também o silêncio que,
aqui e ali, era quebrado pelo estrondo dos fogos de artifício. A movimentação para a
romaria inicia aos poucos naquele lugar. Antes das cinco horas da manhã, rapazes
vestidos de marinheiros começam a circular pelas ruas próximas ao conhecido balneário
- personagens importantes naquela manifestação de fé. São eles que irão amarrar os seus
barcos a embarcação que conduz a imagem de Nossa Senhora. Eles remam pelo rio de
águas escuras, rebocando e conduzindo a embarcação principal.

217
Ver segundo parágrafo da pagina 34 – onde tratamos da foto Meninos no chafariz (Ilustração 21)
218
Ver mais detalhes sobre a procissão em Diário do Pará online: Disponível em:
<http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=121708>; acesso em 11.02.2013.
187

Como em Fé em Deus e Meninos na Bicicleta, Procissão no Caraparú ecoa diálogos


com as questões do cinema - seja na ambientação, ou no tratamento do plano geral. As
características da imagem, visível tanto na fisionomia dos seus fotografados quanto na
paisagem, desloca-a para um campo da ficção – do artifício que abrange um universo
amplo. A Amazônia e seus referentes são transferidos de contexto. Uma nova realidade
é criada a partir desse outro olhar diante da natureza. A situação na imagem gera uma
compreensão diferente dos fatos que tece uma trama com outras verdades – a
desnaturalização do lugar e dos seus habitantes. A Amazônia quente e úmida se torna
seca e gelada. Tudo parece estar coberto de neve. A solidão presente em tantos retratos
no decorrer de sua trajetória dá lugar à ação de um aglomerado humano sob um pesado
céu repleto de nuvens. Braga explora as possibilidades compositivas pelo sofisticado
tratamento do ponto de vista e da perspectiva. Como em Lavadeira no Xumucuí o olhar
é guiado pela diagonal que parte da margem inferior esquerda construindo o sentido da
romaria. A escala é um outro fundamento forte na narrativa dessa foto. O tamanho
descomunal da árvore quase ao centro da vista retangular dessa imagem passaria
despercebida se não fossem os pequenos romeiros em seus barcos na procissão fluvial.
A grande copa fria da árvore poderia ser o “grande cogumelo” da bomba de Hiroshima.
Sem esse ponto de referência a foto poderia ser uma paisagem como tantas outras.

Ilustração 91: LUIZ BRAGA. Lavadeira no Xumucuí, da Série NightVisions – 2011.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
188

Ilustração 92: LUIZ BRAGA. Procissão no Caraparú, da Série NightVisions – 2010.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Ilustração 93: Círio no Rio Caraparú, Município de Santa Isabel – PA, 2012.
Diário do Pará online.
189

As relações dessas imagens atingem outros campos das artes visuais, além da tradição
monocromática da gravura. Para melhor entender as questões apresentadas nesse item,
oferecemos a visualização das imagens seguintes: Sombrinha (Ilustração 94), Sacos
(Ilustração 98), Trapiche (Ilustração 99) e Cestos (Ilustração 100). Esses trabalhos são
da Série “Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova, 2009” – projeto viabilizado através do
Prêmio Marcantonio Vilaça – Funarte. Como já foi observado nesse trabalho, entre os
objetivos desse projeto, estava o retorno do fotógrafo à Estrada Nova – local onde se
deu o seu encontro com a “cor cabocla”219 na década de 1970.

Mesmo num momento tão específico como esse da fotografia com a tecnologia digital,
a formação do olhar de Luiz Braga, cujas bases encontram-se na pintura, revela um
refinamento compositivo, temático e estrutural próprio daquele campo, ou que a ele se
abeira. Em Sombrinha 220, tanto o tema, quanto a composição da cena, além do acessório
que dá nome à foto, podemos observar elementos estruturais recorrente nas pinturas
impressionistas e pós-impressionistas, como na pintura Mulher com sombrinha
(Ilustração 94) e Rua de Paris (Ilustração 95). Nas pinturas, ou na foto Sombrinha, a
atenção à cena e menos à identidade, o desfoque e borrões que sinalizam outra figuração
que conjumina formas mais ou menos abstratas ou abstratizantes com formas
individualizadas pela visibilidade são significativos. Nesse percurso, essas fotos com
nigth vision promovem a individualidade através das suas próprias projeções e não mais
com a intenção de imitar, ou registrar fielmente o referente – o tema busca ser cogitado.
Avaliando as especificidades, o questionamento da ideia de representação como a
imagem fiel da coisa foi uma consequência indireta da ação do impressionismo e do
cubismo. O impressionismo ao abordar a natureza como fenômeno luminoso afasta-se
da ideia de profundidade e do recurso da perspectiva renascentista. O cubismo passa a
criar no quadro uma realidade que não parte mais da observação do espaço colocado e
nem da ideia de profundidade – afasta-se da ideia de figura e fundo ou do ser e objeto. E
ainda, a sombrinha como assunto, tem estado em outros momentos da produção de Luiz
Braga – seja como memória afetiva, ou como diálogo com temas das pinturas

219
Ver notas 80 e 81.
220
Uma cópia desse trabalho foi doado ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade São Paulo em
21/08/2012, e a partir de 25/08/2012 faz parte da Coleção juntamente com as obras seguintes: Bicicleta,
2010; Carregador e Paneiros, 2010; Carregando o Cesto, 2010; Carroça, 2010; Cestos, 2010; Frestas,
2010; Futebol, 2010; Menina subindo o Barco, 2010; Sacos, 2010; Trapiche, 2010. Cf.
<http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/exp/doacoesrecentes/47.asp>.
190

impressionistas ou pós-impressionista, o acessório tem sido um elemento recorrente na


composição de seu repertório, como podemos perceber em Sombrinha estampada e
anjos (Ilustração 95).

Ilustração 94: LUIZ BRAGA. Sombrinha, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
.

Ilustração 95: LUIZ BRAGA. Sombrinha estampada e anjos, 1999.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.
191

Ilustração 96: CLAUDE MONET. Mulher com sombrinha, 1875. Óleo sobre tela.
Musée D’Orsay.

Ilustração 97: GUSTAVE CAILLEBOTTE. Rua de Paris, 1877. Óleo sobre tela.
Musée D’Orsay.
192

Nessa relação entre a foto Sombrinha e as pinturas Mulher com sombrinha e Rua de
Paris, alguns aspectos visuais tornam-se interessantes: o ângulo apresentado a partir de
um ponto de vista incomum que revela uma profundidade. No caso das pinturas, este
enquadramento mais casual é uma influência direta da fotografia, que no período de
desenvolvimento do impressionismo começava a ser explorada pelos artistas. Outro
aspecto, o instante, o flagrante, a imagem de um momento efêmero. As poses são
naturais e espontâneas.

Na sequência, Sacos (Ilustração 98), Trapiche (Ilustração 99) e Cestos (Ilustração 100) -
trabalhos da Série “Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova” -, são fotos que nos ajudam
a ampliar a nossa visão sobre as questões marcantes nesse outro olhar que Luiz Braga
articula sobre a Amazônia. Dessa forma, vale relembrar que essas fotos foram feitas na
mesma zona de afeto, onde foram realizadas muitas daquelas imagens coloridas das
décadas de 1970 a 1990 – na Estrada Nova. Se a faixa territorial é a mesma, o olhar
desse fotógrafo é outro – agora, a paisagem é projetada.

As night visions estabeleceram uma mudança radical na sua produção. Tendo como
ponto de partida uma mudança social – a violência urbana nas periferias da cidade de
Belém, ele desloca o seu olhar desses lugares para as regiões interioranas da Amazônia.
Nessa nova etapa da sua trajetória, ele desenha esse outro território e seus personagens a
partir de uma visão mais ficcional. Em alguns momentos, os personagens desaparecem
totalmente das cenas, e em outros são vistos à distância pelo olhar de Braga. Antes era
possível perceber um envolvimento do fotógrafo com o lugar e os seus fotografados. A
relação estabelecida entre eles tinha como base a conivência e a sintonia, como podem
ser percebidas em: A Preferida (Ilustração 58), Meninos e Açaí (Ilustração 59),
Vendedor de Amendoim, (Ilustração 70) entre outras. Nesse sentido, Braga lamenta,

“eu sinto falta de ter essas pessoas na cena, de ter a


cumplicidade delas, a reciprocidade... porque muitas dessas
pessoas, que eu fotografei, eu acabei me tornando próximo, as
vendo crescer, acompanhando-as.”221

Sacos, Trapiche e Cestos são fotos significativas, onde podemos sentir o distanciamento

221
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
66min54seg a 67min15seg. (com adaptações)
193

entre o fotógrafo e seus fotografados, ou quase a ausência dos mesmos - como podemos
notar em Cestos. Essa situação de distanciamento é a maneira encontrada para
sobreviver naquela zona de instabilidade. A ficção foi a maneira firmada a partir desse
embate com o seu entorno. É como se a cumplicidade e a empatia tão significativas na
base da operação que funda a fotografia humanista, estivesse num processo de falência.
A ficção nessas imagens não é o ponto de partida para outra etapa de sua produção,
como poderíamos pensar a um primeiro olhar, e como é com muitos fotógrafos
contemporâneos, mas, uma tática de sobrevivência que o levou a encontrar outra
maneira de pronunciar a poesia das suas zonas de afeto.

Ilustração 98: LUIZ BRAGA. Sacos, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Por um lado se a ficção é uma reação diante de uma situação, que gerou um afastamento
dos seus personagens, no entanto, por outro o aproximou da floresta – da ideia que se
espera de um fotógrafo que reside naquela região. A paisagem amazônica passa a ter um
lugar mais marcado nessa etapa da sua produção a partir de uma forma diferenciada de
falar sobre o real.
194

Ilustração 99: LUIZ BRAGA. Trapiche, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

O distanciamento entre o fotógrafo e os personagens dessas imagens é desenhado a


partir de alguns fundamentos próprios da composição fotográfica, mas que servem para
ecoar a sensação da pintura na maneira como ele resolve essa representação do real. Em
Sacos e Trapiche o significado do lugar dos seus personagens está em questionamento
nessa outra Estrada Nova - inquieta pela violência urbana. Nesse sentido, ele diz “nessas
imagens eu não consigo mais sentir a quietude que existe nas outras dos anos 80 até os
anos de 90...”. Essa questão é explorada pelo fotógrafo a partir do ponto de vista que
conduz o olhar em um movimento de baixo para cima na imagem. Ambas apresentam
um forte efeito de deslocamento que estimula o espectador. Em Sacos a cena encontra-
se dividida entre o elemento humano e não humano - o garoto e os sacos. A grande
195

horizontal produz um peso visual dos sacos que se tornam mais significativos do que o
elemento humano. Em Trapiche o distanciamento é firmado pela diagonal forte que
confere maior dinamismo ao processo de falência da relação humanista estabelecida em
outras séries desse fotógrafo.

Outro fundamento compositivo importante nessas imagens é a escala. Os extremos de


tamanho fascinam o olhar e podem ser fortes mecanismos de discurso. Nesse sentido,
desde os primórdios da fotografia a câmera, não raramente, tem sido usada para
produzir imagens que diminuem ou exageram a relação de tamanho. O tamanho dos
elementos humanos e não humanos, nessas fotos, só podem ser definidos ao compará-
los como objetos identificáveis dentro do campo visual. Nesse sentido, Braga é perfeito
na relação estabelecida entre os personagens e as coisas. A escala nas imagens Sacos e
Trapiche é um importante elemento estético e ideológico dentro dessa cultura
pronunciada por ele. O elemento humano está distante e quase engolido pelas coisas do
lugar. O título das imagens refere-se ao elemento não humano da cena, como nas outras
imagens dessa série mostradas na sequência: Sombrinha e Cestos. Esses elementos não
humanos assumem qualidades icônicas, totalmente distanciadas de suas funções do dia
a dia.

Em Cestos (Ilustração 100), como em Trapiche, encontramos pistas da representação da


profundidade. Como imagem bidimensional – por exemplo, as linhas convergentes da
rua na primeira, e da rampa na segunda, formam ângulos acentuados. Na primeira
imagem, as colunas de cestos retrocedentes, em primeiro plano, deslocam a atenção do
elemento humano para aqueles objetos enquanto artefatos daquela cultura. Geram um
distanciamento do homem, que passa a ser um componente quase irrelevante na cena.
Assim, existem, de um lado, as soluções técnicas adotadas, que restringem a busca por
outras formas e, de outro, as intenções que deslocam a imagem para o campo da ficção e
do devaneio.

Braga, nessas fotos com night vision, ultrapassa a oposição subjetiva/objetiva,


arte/documento, a fim de que a experiência se dê não mais centrada em uma
convergência e um consenso – representação como imitação fiel do real, ou do discurso
verossímil, mas tendo em vista a aceitação de um dissensão, que não descarta a busca de
compreensão e incompreensão que a imagem tem a oferecer.
196

Ilustração 100: LUIZ BRAGA. Cestos, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Em Curuçá (Ilustração 101) observamos mais uma das imagens da Série Night Visions.
Nela, como naquelas que marcam a experiência da cor, podemos perceber muitos “erros
técnicos”: a imagem está tremida, desfocada e com borrões significativos que geram a
desnaturalização da paisagem e do personagem. A imagem, neste caso, se afirma, num
primeiro momento, a partir de uma trama que envolve os elementos constitutivos
(assunto, fotógrafo e tecnologia), e em seguida, a fotografia e as coordenadas da
situação (espaço e tempo). A imagem traz um universo que possibilita lidar com um
rastro, isto é, exige contemplar o que restou, dentro de um campo onde algo se perde.

O assunto é peculiar no percurso poético de Luiz Braga – pelo menos num primeiro
olhar. O personagem da cena assemelha-se com um “catador de caranguejos”222 no
mangue. No entanto, nessa situação específica o fotografado é um brincante do

222
O “catador de caranguejos” são na maioria das vezes homens, que “pescam” os caranguejos na lama
do mangue. Atividade muito presente na cidade de Curuçá, no estado do Pará. Essa forma de capturar os
caranguejos nos mangues do Brasil é artesanal e diferente da adotada em regiões dos Estados Unidos da
América, onde utilizando caixas com iscas, atraem os animais.
197

tradicional bloco carnavalesco “Pretinhos do Mangue” 223 (Ilustração 102 e 103), que se
encontra isolado num cenário diferente de uma festa de carnaval. Braga escolheu um
lugar cuja localização exata não é facilmente identificável, sugerindo antes um canto de
um rio, numa floresta qualquer. A imagem é desorientadora e existe uma cumplicidade
no registro – o homem parece estar posando para o fotógrafo. A lama envolve
totalmente o seu corpo e lhe confere uma fisionomia estranha como a do “Curupira”224 –
um dos mais antigos mitos amazônicos do folclore nacional. Neste sentido, Braga diz:
“essa figura, pra mim, é a representação de uma coisa que me apavorava na infância – o
Curupira -, papai adorava contar estórias de Matinta Pereira, Curupira... e quando eu vi
essa foto eu disse: é o Curupira”. 225

Talvez, essa lembrança na memória do autor tenha motivado a composição da cena


nesse registro isolado do personagem – distante do cenário que se pode esperar para um
grande bloco de foliões do carnaval de Curuçá. A conjugação do espaço e das
características da imagem proporciona uma sensação pictórica ao observador, ao mesmo
tempo em que evocam emoções e convidam a um passeio pelas fantasias da mente.

Uma questão interessante de ser observada, naquele relato de Braga, é que algumas
relações só se tornam possíveis no decorrer da seleção das fotos. Provavelmente, Braga
fez várias fotos desse personagem, senão do carnaval de Curuçá. Deve ter adotado
ângulos diferentes para que depois pudesse escolher aquela que seria a obra Curuçá.
Essa operação de mais de um registro, que possa lhe permitir uma seleção posterior à
captura do objeto, é algo presente em todas as imagens mostradas nesse trabalho. Outro
fato importante na fala daquele relato, e presente em outras séries do artista, é a relação
com sua infância. Nesse sentido ele diz: “no final, eu estou falando é de tudo o que eu
gosto, do que eu vi, do que eu passei, principalmente, sobre a minha infância, as

223
O bloco foi fundado na terça-feira de carnaval de 1989, quando um grupo resolveu comer caranguejo,
no entanto, como não encontraram o saboroso crustáceo no mangue da região, então, resolveram voltar
com o corpo inteiro sujo de lama, como forma de protesto. A partir de então, nasceu o bloco Pretinhos do
Mangue. Em 2013, aproximadamente 15 mil pessoas participaram do bloco. Disponível em:
http://www.clicsalinas.com.br; acesso em 24.02.2013. (com informações do Diário do Pará)
224
Um dos mais populares e espantosos entes fantásticos das matas brasileiras, também, é temido como o
“demônio da floresta”. Do Maranhão para o sul até o Espírito Santo, o seu apelido constante é Caipora.
(Cf. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro.9º ed. São Paulo: Global, 2000. )
225
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
55min58seg a 56min13seg. (com adaptações)
198

brincadeiras, os lugares...”226 A poética de Luiz Braga é um acordo complexo entre arte,


cultura e técnica. Essas relações ultrapassam o campo da aparência, e, através da
sutileza artificiosa imbricada na cultura visual atingem a plasticidade.

Nessa imagem, podemos alcançar que a tecnologia com infravermelho que viabiliza
tecnicamente o registro torna-se parte de uma trama responsável por esse
distanciamento da aparência do objeto –, que causa a desnaturalização mencionada
anteriormente, gerada pela ação do fotógrafo e suas motivações como autor – razões de
ordem pessoal e profissional que atingem o campo das idealizações e elaborações
através de um intricado processo cultural, estético e técnico – etapas que configuram a
expressão plástica da imagem fotográfica. Seguindo esse raciocínio, vale observar o que
Kossoy diz,

“Na imagem fotográfica, encontram-se indissociavelmente


incorporados componentes de ordem material que são os
recursos técnicos, ópticos, químicos ou eletrônicos,
indispensáveis para a materialização da fotografia e, os de
ordem imaterial, que são os mentais e os culturais. Estes
últimos se sobrepõem hierarquicamente aos primeiros e, com
eles, se articulam na mente e nas ações do fotógrafo ao longo de
um complexo processo de criação.” 227

Essa imagem, seja em função de um desejo individual de expressão do seu autor, seja
pelo comissionamento específico advindo da relação conflituosa do espaço/tempo que o
afastou do centro e da periferia, e o forçou ir para dentro da região, para os interiores,
revela outro discurso estético que visa uma dimensão plástica a partir de uma paisagem
projetada, que se distancia totalmente do caráter documental e atinge a abstração - é fato
que essa foto e as demais dessa Série Night Visions acentuam o aspecto ficcional da
imagem e a desnaturalização da cultura.

A relação do mundo real e ficcional adquire um universo complexo – um imbricamento


bem peculiar contemporaneamente. Uma única imagem passa reunir, em seu conteúdo,
uma série de elementos icônicos que fornecem informações para diferentes campos, e
gerando interpretações multidisciplinares – técnica, estética e cultural. Ora olham para

226
Ibid, no intervalo de 53min56seg a 54min06seg. (com adaptações)
227
Boris Kossoy, op. cit., p27.
199

frente atingindo o artifício ou o aspecto ficcional, ora flertam com um passado datado
por códigos quer seja no campo da gravura, da pintura, ou da própria fotografia do
século XIX. As imagens que antes eram resultado da subversão da técnica, do
experimentalismo das temperaturas de cor, do filme day light – agora são resultado não
apenas do experimentalismo, mas geram a subversão do estereótipo da Amazônia e
atingem uma dimensão atemporal – o campo das sensações. Se antes tínhamos ecos
pictóricos, agora temos o enigma da pintura. Por isso a questão da dimensão pictórica
não se esgota, mas instiga a reflexão sobre que influências a pintura e os pintores, de
fato, deixaram no trabalho autoral de Braga. Seja nas fotos em preto e branco, nas
coloridas ou nessas da série Night Visions a questão da representação se torna presente.
Como isso se dá, será o nosso objetivo no terceiro item deste capítulo.

Ilustração 101: LUIZ BRAGA. Curuçá, da Série NightVisions – 2009.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
200

Ilustração 102: Bloco Pretinhos do Mangue, Município de Curuçá - PA2013.


Diário do Pará online.

Ilustração 103: Bloco Pretinhos do Mangue, Município de Curuçá - PA2013.


Diário do Pará online.

Promesseiros (Ilustração 104) é mais uma das imagens da série com infravermelho. No
entanto, a aparência é quase de uma foto em preto e branco, distante do tom esverdeado
próprio da night vision da câmera digital. Braga, conscientemente, operou uma redução
na saturação e retirou a intensidade do verde. Com esse processo, ele desatrelou a
imagem da ideia que o verde faria parte da poética – e, inevitavelmente, uma relação
mais decisiva com à floresta amazônica. Essa relação feita pelo olhar do espectador ao
ver as fotos esverdeadas com night vision, parecia ser lógica, tratando-se da produção de
um fotógrafo reconhecido pelo seu afeto pela Amazônia, no entanto, não deixavam
201

essas fotos terem uma vida mais intensa, e autônoma como produto de uma tecnologia
digital. O verde presente nas primeiras imagens, como na série “Verde-noite, 11 raios na
Estrada”, não tinha uma proposta consciente de relação com a floresta, mas, apenas era
um efeito do peculiar recurso utilizado.

O infravermelho usado na captura dessas imagens proporciona uma deslocamento do


real para uma dimensão onírica. Esse efeito provocado pela especificidade da
tecnologia, num primeiro momento, está mais ligada as imagens das transmissões
televisivas da Guerra do Iraque, como já foi dito anteriormente. No decorrer do
processo, essas fotos vão, gradativamente, desvinculando-se da aparência esverdeada -
do “verde invisível” – gerador da espectativa de uma paisagem da floresta –
e,consequentemente, vai construindo uma trama mais complexa entre realidade e ficção,
artfício e simulacro presente na abordagem mais recente desse fotógrafo.

A foto Promesseiros oferece ao espectador um registro dos pagadores de promessas,


que puxam a corda da Berlinda, na Procissão do Círio de Nazaré228, na cidade de Belém,
lugar onde Luiz Braga reside e trabalha. O clima do local é quente e úmido. O cortejo
percorre as principais ruas com frondosas árvores - símbolos da revitalização urbana e
da história da cidade. O caminho da romaria vai da Catedral Metropolitana à Basílica de
Nazaré. A procissão acontece pela manhã, sempre no segundo domigo do mês de
outubro. A temperatura do lugar, nesse horário, varia em torno de 35º C. Com relação a
essa manifestação religiosa, Jota Dangelo diz: “gente festeira, que desde os idos de
1973, acompanham a berlinda da virgem do Círio de Nazaré, possuída de uma
compulsão de fé, agarrada à corda como à própria vida, como se ela fosse a escada do
Paraíso.”229

Esse cenário quente, repleto de gestos extravagante, empurrões e muita fé, é


tranformado pelo olhar de Luiz Braga. A cena ganha uma frieza ártica. As grandes
copas das árvores – as centenárias mangueiras de Belém– tornam-se uma floresta
228
O Círio de Nazaré, é uma grandiosa manifestação em devoção a Nossa Senhora de Nazaré, é a maior
procissão religiosa Católica do Brasil, e o maior evento religioso do mundo, reunindo cerca de seis
milhões de pessoas de todos os cultos e religiões. A Berlinda que transporta a pequena escultura –
imagem da Santa é puxada por uma corda gigante, tão grande quanto a fé dos paraenses por Nossa
Senhora de Nazaré. Possui em média de 400 metros de comprimento e pesa aproximadamente 700 quilos,
de puro sisal torcido. De um lado, os homens, e do outro lado, as mulheres – todos descalços e com
roupas leves para suportar o extravagante calor.
229
Jota Dangelo, op. cit., p.95.
202

branca, gelada e coberta de neve. O momento de extrema força, marcado pelos gestos
dos romeiros, ganha uma leveza angelical. A imagem precisa ser observada no
conjunto, sob pena de possibilitar leituras profanas. Entre eles desaparem as diferenças.
Os corpos daqueles jovens estão molhados de suor. Misturam-se uns com os outros
transformando-se num só corpo. As cabeças repousam suavemente sobre os ombros dos
companheiros marcando o cansaço da caminhada. Naquele momento, a forte fé
masculina não comporta preconceitos –é o êxtase da fé ardente.

Nessa imagem, Braga opera uma intermediação de forma significativa e, ao mesmo


tempo, sutil. A sua maneira particular de compreensão do real, bem como o seu
repertório visual e sua ideologia de mundo interferem poeticamente na foto. Mesmo
tocado pela religiosidade e cultura da sua cidade, ele não transforma aquele gesto numa
representação eficaz do real. O seu interesse não é a foto documental de cunho
antropológico como se poderia esperar. Essas fotografias com night vision são, como já
abordamos nesse trabalho, algo que resulta de um processo de criação – contrução
técnica, cultural e estética que se abre para outras possibilidades. Nesse sentido, Kossoy
sustenta, “a imagem de qualquer objeto ou situação documentada pode ser dramatizada
ou estetizada, de acordo com a ênfase pretendida pelo fotógrafo em função da finalidade
ou aplicação a que se destina.” 230

Em Promesseiros e nas demais fotos dessa série tem uma dimensão onírica que subverte
o estereótipo da paisagem e do personagem – subversão da ideia de representação como
imitação do real. A sensação da pintura não está mais na cor, mas numa questão
atemporal que se instala nessa outra maneira de olhar. Uma segunda realidade que nos
remete ao campo da imaginação – realidade do mundo da imagem, que não deixa de ser
documento, mesmo que não seja eficaz como memória coletiva. Isto nos leva a pensar
numa imagem que se encontra num limiar onde tempo e espaço passam a ser aspectos
significativos. Algo que se encontra entre continuidade e ruptura, unidade e dispersão,
mas, numa dimensão plástica e, também política, em especial, no que se refere nessa
tática que o leva a estabelecer um outro olhar.

230
Boris Kossoy, op. cit., p. 52.
203

Ilustração 104: LUIZ BRAGA. Promesseiros, da Série NightVisions – 2006.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Assim, nossa empreitada foi a de reconhecer a presença da imagem fotográfica num


universo mais amplo, além do registro físico-químico ou eletrônico do objeto
fotografado. A fotografia como representação a partir do real, contudo, numa
perspectiva de um lugar híbrido, com sua potência de amalgamar linguagem, natureza e
cultura, de ser um processo poético que simultaneamente naturaliza e desnaturaliza
questões que vão desde a fisionomia do lugar, até os fundamentos do retrato dos
habitantes da região. Essas imagens, e mais enfaticamente estas da Série Nigth Visions,
estimulam a reflexão, e as situam no meio, no espaço, entre princípios consagrados e
outros, que produzem um curto-circuito, um tipo de ausência, de suspensão do mundo,
por onde escapam a espessura e a tessitura da imagem. Vale questionar: estamos falando
de que representação? Essa será a nossa tarefa no item seguinte.
204

3.3 As articulações do processo das Night Visions:

As artes visuais, especificamente a pintura, têm sido um campo de diálogo na produção


de Luiz Braga. Dessa maneira, conjugando a abordagem desenvolvida no início desse
capítulo e a reflexão de Soulages aqui apresentada, ambicionamos encontrar uma linha
de continuidade dessas ideias na cena contemporânea.

Sua maneira de capturar o mundo nos incita a pensar sobre o conceito de representação.
Procuramos dar ênfase às condições de produção dessas imagens – o estudo da própria
foto em sua realidade mais material -, bem como, os espaços onde esses trabalhos
passaram a ser mostrados (bienais, museus, galerias) que, também, influenciam
diretamente o discurso dessas imagens.

A necessidade de aproximar essas fotos de um estudo que possa, também, refletir sobre
a ideia de representação é motivado por duas questões: a primeira, está pautada nos
relatos de Luiz Braga, quando sinaliza, de forma recorrente, a influência da pintura em
sua formação e, especificamente, a figura de David Hockney231 entre os pintores que lhe
serviram como referência. Tal afirmação sempre nos motivou a examinar que
influências são essas, entendidas pelo fotógrafo, como as bases de sua poética. Que
contribuição, por exemplo, Hockney agregou ao seu trabalho além da aparência
pictórica? O segundo ponto ajusta-se a um texto publicado, de autoria do filósofo José
Arthur Giannotti, no qual a partir das pinturas de Hockney, procurou sustentar uma
abordagem de uma “nova teoria da representação”232, que tem sido atualizada na
produção artística contemporânea. Nesse contexto, sentimos a necessidade de construir
articulações entre as questões apresentadas nos itens anteriores e essa que Giannotti
ressalta, não menos importante que as demais.

Ora quer seja nas pinturas do artista inglês, objeto de análise de Giannotti, quer seja nas
fotografias de Braga da série apresentada nesse capítulo, sentimos a conjugação de
formas mais ou menos abstratas com formas individualizadas pela visualidade e
visibilidade. Uma visualidade que tem endereço, uma localização marcada em seu

231
Ver a nota 18.
232
José Arthur Giannotti. A nova teoria da representação. In CAVALCANTI, Ana; TAVORA, Maria
Luisa (org.) Arte & Ensaios n. 20. Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/Escola
de Belas Artes. UFRJ, Julho de 2010, pp. 141-167.
205

discurso, e a visibilidade que flerta com essas questões da pintura – da representação.


Braga atualiza e resignifica questões plásticas do campo das artes visuais em seus
trabalhos – aproxima-se de um universo de múltiplas referências que envolvem, entre
outras, questões do campo da pintura, da gravura e do cinema.

A Amazônia mostrada com a night vision não é tema para ser desenvolvido, mas para
ser cogitado. Aliás, não poderia ser diferente num mundo em crise, no qual um discurso
híbrido vem se alinhando com o universo dessas imagens, em espaços caracterizados
pelos acúmulos de informações e da rapidez das redes comunicacionais, sobrepostos por
diferentes cenários e imagens, onde o olhar, nesse mundo contemporâneo, se dilui e sem
conseguir se fixar permanece perdido na ânsia de dominar o estado de excessos em que
se encontra.

As night visions surgem, principalmente, de um esquema que envolve entre outras


referências, também aquelas imagens sobre a guerra do Iraque que tocaram Luiz Braga.
Podemos entender que, nesse caso, antes do ver do fotógrafo – responsável por essas
capturas de paisagens, temos o conhecer que envolve a sua ideia sobre a fisionomia do
lugar. Anterior à visibilidade da região, existe esse esquema, ou uma trama de questões
que envolvem o tema. O problema é como interpretá-lo. A anterioridade representada
nessa trama, cria, portanto, uma espécie de oposição entre a fisionomia particular do
lugar e o real. A fisionomia se torna perene e preside a própria constituição da imagem e
do fazer. Contudo, a ação do fotógrafo apresenta-se como um fazer intermediado por
articulações que não mais tem o papel de imitar o referente. A imagem da Amazônia
está distante de uma organização racional responsável por uma aparência verossímil.

Estabelecendo uma reflexão mais ampla, podemos fazer um recuo e perguntarmos se o


estranhamento da paisagem mostrada nessas fotos com infravermelho que, em alguns
momentos, são responsáveis por discussões na cena contemporânea não seriam um
prolongamento de questões anacrônicas - aquelas discussões contra os artistas, que
foram estabelecidas no contexto grego. Neste sentido, Giannotti diz o seguinte:

Já podemos começar a entender o sentido mais imediato da


polêmica de Platão contra os pintores e os artistas em geral.
Dizia o seguinte: se o leito construído pelo carpinteiro é como
tal a imagem de uma ideia de leito, de uma forma de leito, o que
206

vem fazer o artista ao pintar a imagem do leito real?


Simplesmente embaralhar nossa relação com as imagens e com
o real, permitindo que, em vez de passarmos deste leito
concreto e daquele outro leito concreto para a visão do leito
real, aquele paradigmático – porque ele deu uma dimensão à
imagem – demoremos no simulacro das coisas e não façamos
esse percurso essencial para o conhecimento e para a própria
vida que é sair da aparência e chegar à essência, à ideia.233

Platão, naquele momento, estava presenciando a uma expressiva revolução na arte


grega. Os artífices gregos deixavam de ser paradigmáticos e passavam a se deter na
aparência, buscando a visibilidade das coisas. Deixavam de dar importância ao modelo
e se preocupavam com a maneira pela qual o observador passaria a ver a coisa e ter a
impressão dela.

Parece ingênua a ideia de que o objeto artístico precisava alterar sua forma para obter
uma visibilidade mais adequada à aparência, de acordo com o ponto de vista do
observador, no entanto, Platão a partir do seu conceito achava isso aberrante, e contrária
àquilo que a arte, no seu entendimento, se propunha a fazer.

Giannotti chama a atenção para como Gombrich, em Arte e ilusão, trata essa “polêmica
de Platão”. Gombrich entende essa maneira de pensar de Platão como uma reação ao
aparecimento de algo novo na cultura ocidental - o relato como história. Essa nova
maneira de fazer história não trata apenas de pegar em flagrante um acontecimento
como se dá por seu conhecimento racional, mas conta um andamento, um
desenvolvimento, um processo. Ele, segundo Giannotti, relembra, por exemplo, como
as guerras persas aconteceram, e aponta as diferenças dos povos bárbaros em relação ao
povo grego. Giannotti diz, “Pela primeira vez no mundo ocidental surge a ideia de uma
narração conectada; a aparência das ações humanas adquire uma consistência até então
inconcebível.”234 A Amazônia de Luiz Braga com night vision, tão atual, longe desse
contexto mostrado por Giannotti, segundo Gombrich, não pode ser entendida como uma
descrição, mas senão como uma Amazônia narrada. Ele nessas imagens comenta o lugar
de forma narrativa cheia de subjetividade - a visualidade regional que se apresentava
pronta para ser comentada de forma descritiva. Ele não usa os esquemas da fotografia
ou da pintura “realistas”, mas aqueles da pintura e da fotografia “abstratas” ou

233
José Arthur Giannotti. op. cit., p. 143.
234
José Arthur Giannotti. loc. cit
207

abstratizante, também, presente em Hockney, estudado por Giannotti.

O que Giannotti pretende mostrar nesse texto, torna-se importante para pensarmos essas
relações mantidas entre Braga e as influências de Hockney. Tanto as fotos deste artista,
quanto as pinturas de Hockney coloca-nos diante de uma nova relação entre a imagem e
o seu referente. Nos trabalhos deste fotógrafo, a imagem da Amazônia com night vision
vai além da fisionomia do lugar. Não se trata de um documento fiel - imitação da
floresta, da natureza ou do habitante. Devemos considerar um sistema de projeções
ficcional, que leva essas imagens e a ideia de Amazônia para outros lugares, e não mais
o inverso, como na produção das primeiras décadas – ainda que, aquelas já sinalizavam
esse novo paradigma. Nesse percurso, o artista é aquele que a “representa” revelando
seu sistema complexo de influências e projeções, que dão autonomia ao trabalho - uma
fotografia que se impõe em sua singularidade, e não mais uma foto que trafegar entre a
realidade da imagem e a realidade que ela “expressa”.

Observando a Amazônia mostrada nessas imagens com a night vision, percebemos que
a fisionomia do lugar não se completa como tal, e não se completando, não permite que
apareça como aquela Amazônia já conhecida em outras fases de sua produção. Em
contrapartida, encontramos uma espécie de potência do referente, como se fosse
necessária essa outra imagem, essa outra aparência, para que o referente na sua
visibilidade máxima apresentasse a fisionomia não mais do lugar, mas da Amazônia
autoral de Luiz Braga. Essas imagens afastam-se da visualidade tão conhecida, que
revela um lugar úmido, colorido, brilhante e quente. Elas passam a existir como meio e
fim em si mesmas, onde a Amazônia dá lugar à imagem que passa a valer por si, e em
si.

Não apenas essas imagens com a night vision, mas todas as demais fases, considerando
a peculiaridade de cada momento. Seguindo a reflexão de Giannotti, um aspecto da
história da arte se torna importante, nesse contexto, e relevante para pensarmos sobre
qual a influência daqueles pintores sobre a produção de Braga. Giannotti diz

“O que significaram o Impressionismo e o Cubismo?


Desaparece a representação como imagem que está no lugar de
alguma coisa. Morre a representação tal como tinha sido
elaborada pelo Renascimento, a representação de uma natureza-
208

morta que está no lugar de um arranjo de objetos. Temos um


arranjo de objetos que pretende ser sobretudo arranjo e depois
objetos, porque, no fundo, objeto real é o próprio quadro.”235

Considerando o argumento específico da reflexão de Giannotti – esse é o novo


momento em que a obra deixa de existir por suas relações com a realidade, e a realidade
passa a ser a própria obra. Nesse contexto histórico, percebemos que de um lado, o
Impressionismo rompe com o objeto representado a partir de uma outra premissa – a
efemeridade do movimento da luz; e por outro lado, o Cubismo busca a potencialização
do objeto. Dessa maneira, ambos rompem com a ideia de arte que vale pela sua
aparência do objeto como se fosse imitação do mesmo – distanciamento da captação do
real e aproximação de um fenômeno mutante. Ideias materializadas no olhar de Luiz
Braga e ressignificadas em momentos específicos de sua produção.

A grande lição desses inúmeros pintores que Braga reconhece como importantes na sua
formação como fotógrafo é a revelação que o impressionismo, o cubismo e os outros
movimentos sinalizaram através de seus artistas. A pintura deixa de ser a representação,
o processo em que algo fica no lugar de algo, mas o conjunto de relações que concorre
com o lugar em que o objeto se tece. Esses artistas não pintam objetos, não pintam jarra
e guitarra. No Cubismo, o que eles pretendem pintar é a cumplicidade da jarra com a
guitarra e dessas várias aparências, a forma como uma se dá para as outras e vice versa.
Essa é a lição que Braga diz que aprendeu com os pintores. As fotos com a night vision
são exemplos desse aprendizado.

É importante salientar que simultaneamente a esse momento, no que se refere ao


aspecto formal, a nova representação, também, se desenvolve nas teorias da linguagem,
em particular, com Saussure. A palavra deixa de ser algo que está no lugar do objeto,
mas significa algo na medida em que se diferencia de uma série de outras palavras
contextuais. Este jogo da diferença faz com que a palavra possa adquirir outros
significados. O quadro passa a ter um conjunto de relações e a linguagem vai ser
entendida como uma espécie de jogo de xadrez, que não precisa como tal de nenhuma
atitude basicamente representativa, pelo menos como imitação do real.

235
Ibid, p.147.
209

Não é o nosso interesse interpretar essas imagens seguindo a história da pintura, nem
seguir o caminho que Giannotti buscou para interpretar as pinturas de Hockney –
abraçando uma visão mais de cunho filosófico. A partir dessas questões expostas pelo
estudioso, queremos pensar a ideia de representação nessas imagens, na
contemporaneidade.

Giannotti no início de sua reflexão, no texto mencionado, observa que vai tomar alguns
trabalhos de David Hockney para pensar o que está acontecendo com a nova
experiência figurativista. Para isso, ele sente a necessidade de partir do velho conceito
de representação e diz:

“A primeira ideia de representação, mais simples, diz que algo


está em lugar de algo. Mas logo vem a pergunta: o que está no
lugar de algo e o que é esse algo? Podemos afirmar que se trata
de uma planta que está no lugar de uma planta, de um leão que
está no lugar de um leão.” 236

Essa ideia, por muito tempo, também norteou as discussões sobre as relações do
fotógrafo com o referente no campo da fotografia. O valor e o significado da imagem é
algo bastante expressivo no retrato. Se fugirmos desta simples ideia de substituição e
formos aos poucos analisar o que se passou na história da arte, percebemos que essa
relação é mais complexa. Giannotti para esclarecer sua linha de pensamento sobre a
ideia de representação, toma dois exemplos retirados do livro do Gombrich - Arte e
ilusão, e que pensamos ser importante mencionar aqui. O primeiro exemplo, que é sobre
a história de um baixo-relevo egípcio (aproximadamente 1450 a.C.). Esse trabalho foi
encomendado pelo faraó Thutmose III para representar uma série de plantas novas
levadas por ele para o Egito, após sua campanha na Síria. Ao término do trabalho dos
seus escultores, ele foi verificar o resultado e confirmou a veracidade da imagem. No
entanto, atualmente, nem os egiptólogos, nem os botânicos são capazes de reconhecer
qualquer uma dessas espécies. Aquela veracidade autenticada pelo faraó e conseguida
por todos os seus escultores, não é mais a nossa veracidade.

Um esquema preconcebido precede à percepção – sem querermos atestar uma visão


metafísica, mas realçar um enfoque que vislumbre uma cultura visual que se ressignifica

236
Ibid, p. 141.
210

e atualiza. A questão da representação pictórica ou no caso da fotografia, não é


simplesmente chegar diante do objeto e substituir este objeto visto, por outro objeto
escrito a lápis, a tinta, ou por um processo de impressão. Isso reforçaria a ideia
apresentada por Soulages sobre a fotografia possível com suas potencialidades.

Dando continuidade a essas ideias, vamos observar as fotos: Roda Gigante (Ilustração
105) e Canoa em Porto de Minas (Ilustração 106). Braga ao falar dessas imagens
observa que o caráter ficcional é resultado de uma ação interna e externa, isto é, das
condições de produção e daquela situação de violência urbana que se instalou nos
lugares por onde costumava buscar os seus referentes. Temos a presença máxima da
ilusão, de uma aparência que não se sustenta quando aferida. A ideia de uma região fria
se desmorona quando passamos a aferir detalhes e dados sobre a imagem. A presença da
coisa na sua visibilidade desvinculada de qualquer paradigma anterior adotado pelo
fotógrafo.

Essas imagens nos levam a pensar justamente sobre aquilo que ainda é visível – a
Amazônia invisível, ou a Amazônia possível -, como resultado de uma produção, feita
na base de um paradigma anterior que recebeu a influência de HocKney e de tantos
outros, que formaram a cultura visual de Braga, isto é, antes de qualquer experiência.

Nas suas fotos em preto e branco, ou nas coloridas a identidade do mundo e a identidade
dos objetos permanecem. É precisamente essa identidade que desaparece nessas
imagens quando causam um deslocamento de sensações como a ideia de neve ou frio –
tão distante daquela realidade. Esse deslocamento admirável, também, pode ser
observado em trabalhos do pintor inglês David Hockney. Braga, nessas imagens,
conserva um afeto pelo lugar, mas desaparece a impressão de um mundo que marcou
sua produção nas décadas anteriores. Essas fotografias de Luiz Braga autenticam a
ideia, cuja gênese se encontra na pintura, para a qual a representação não é o processo
em que algo fica no lugar de algo, mas o conjunto de relações que determina o lugar em
que o objeto se tece.
211

Ilustração 105: LUIZ BRAGA. Roda Gigante, da Série NightVisions – 2011.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
212

Ilustração 106: LUIZ BRAGA. Canoa em Porto de Minas, da Série NightVisions – 2012.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Em Roda Gigante a imagem do brinquedo solitário quase que abandonado no meio do


parque de diversões sobre uma suspensão do tempo e se torna uma metáfora da emoção
do fotógrafo em experimentar a night vision como uma mameira de compensar a sua
fuga para lugares mais distantes e solitários por causa da violência urbana que se
instalou nos lugares por onde ele capturava suas imagens. Esse trabalho flerta com as
213

fotos coloridas dos parques de diversões na série em Braga experimenta as temperaturas


de cor com o filme day light.

A imagem é intrigante. A solidão e o aspecto cinematográfico da ambientação é


acentuado pelas densas nuvens que dão a sensação de um grande turbilhão no céu,
muito baixo, que se projeta em direção do chão. Tudo é frio. A paisagem lembra a cena
de um filme de ficção de uma guerra nuclear. A ausência humana exala o abandono do
lugar. Num plano distante do trabalho, o telhado brilhante em forma piramidal revela
que a captura da foto foi feita com a luz do dia.

Canoa em Porto de Minas é outra imagem marcante da Série Night Visions. A água fria
se escurece tomando uma tonalidade quase preta.O ponto de vista do fotógrafo é muito
importante nessa imagem. A mesma cena poderia ficar diferente com um ponto de vista
mais alto, ou mais baixo. Esse é um meio importante encontrato por Braga para destacar
o assunto e o seu caráter narrativo, se distanciando do descritivo.

A solidão em Canoa em Porto de Minas é quebrada com o nome “ELÁDIO” tatuado no


tronco da árvore, onde o pequeno barco se encontra parado. O nome deriva de
ELLÁDA – grécia. A cena ressoa um aroma vegetal e úmido com algo mitológico. A
floresta tem seus mistérios. A imagem do estreito pedaço de um rio isolado gera um
delicado equilíbrio entre o aspecto romântico e sublime da paisagem – aparência
marcante das paisagens dessa série. De modo significativo, a tática praticada por esse
fotógrafo nessas imagens com a night vision, mantém diálogos expressivos com suas
estrátégias exercidas nas fotos em preto e branco, mas, também delas se distancia –
circunstância marcante do caráter híbrido da imagem.

Em Casa e Barco no Combú (Ilustração 107) e Rio Guamá (Ilustração 108) a night
vision ressoa referências conceituais da arte e também discussões de uma região
ameaçada pelos olhares de fora.
214

Ilustração 107: LUIZ BRAGA. Casa e Barco no Combú, da Série NightVisions – 2007.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.

Ilustração 108: LUIZ BRAGA. Rio Guamá, da Série NightVisions – 2007.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
215

É uma Amazônia em mudança que precisa ser preservada. A Série Night Visions mostra
a floresta, ou recortes da natureza cuja densidade, e a maneira como ele as enquadra,
cria uma aura de meditação. Os elementos orgânicos parecem todos ligados entre si e
impossíveis de desemaranhar. A representação de Luiz Braga é uma ferramenta
destinada a provocar no observador um diálogo interno e uma atitude “contemplativa” –
ressalta como o homem vive em harmonia com lugar. Os lugares reverberam a
inteligência dos seus habitantes – ainda que sejam ausentes nessas fotos. Braga escolhe
lugares cuja localização exata não é facilmente identificável visualmente e que tão
pouco é marcado pelo exotismo, a não ser pela referência dos títulos. Lugares
desorientadores com uma beleza que exala uma energia pictórica.

Nos retratos analisados no segundo capítulo, Braga a partir da fisionomia jovem de seus
fotografados gerou a metáfora do futuro. Como a night vision ele questiona o real. Estas
imagens sinalizam uma alegoria do real invisível - questão tão viva no momento em que
o fluxo da imagem se intensifica no mundo virtual, no campo da imagem digital. E
ampliando o que Giannotti apresentou a partir da “nova teoria da representação”, cujos
fundamentos dialogam com os pintores que Braga diz terem influenciado na sua
formação como fotógrafo, podemos afirmar que, nesse contexto, a verdade não
representa mais uma solução – imitação. Mas, talvez possamos falar em uma resolução
– decisão poética diante do mundo real, muito próxima daquela mostrada pela história
da linguagem. A nova representação daqueles pintores, tal como se desenvolveu nas
teorias, em particular de Saussure237. Nesse percurso, ele subverte o estereótipo da
Amazônia para pronunciar o referente de forma não tradicional. Ao mesmo tempo, ele
se aproxima da paisagem pictórica e fotográfica do século XIX e avança no sentido de
uma reorganização ficcional da paisagem e dos seus personagens. Como diz Baudrillard
ao falar do assassinato do real: “Isso significa uma mutação crucial de um estado crítico
para um estado catastrófico. (...) Mas, o estado catastrófico é diferente. Ele não significa
apocalipse, nem aniquilação (...)”238. O sentido ficcional presente na linguagem dessas
fotos é o resultado de um mundo marcado pelo desaparecimento do real, não por causa
de sua ausência – ao contrário, é porque existe realidade em abundância.

237
Como diz Giannotti, por exemplo, a palavra mesa, nesse contexto, deixa de ser algo que está no lugar
da mesa, mas significa algo na medida em que se diferencia de outras tantas palavras contextuais. (Ver
José Arthur Giannotti. op. cit., p. 147).
238
Jean Baudrillard. O assassinato do real. In. BAUDRILLARDA, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, p. 73.
216

A Série Night Visions apresenta a paisagem de duas cidades longe da Amazônia.


Lugares que despertaram a atenção do fotógrafo pelos laços de afeto que marcam a
cultura do norte: Paris e Rio de Janeiro. Santa Mônica (Ilustração 109) é uma dessas
imagens. O olhar de Braga foi pungido pela peculiaridade daquele lugar, quando
percebeu que se tratava de uma praia para carros. Existe uma confluência de tempos
nessa foto: a natureza é quase que engolida pelos veículos. A paisagem amazônica em
total harmonia com o homem ribeirinho, tão reverenciado por Luiz Braga nas outras
imagens em preto e branco e coloridas, em Santa Mônica é dedicada à máquina. A sua
escolha em fotografar aquele balneário durante o dia e não à noite, com um aparato
“ótico-militar”, dá uma visão mágica e ao mesmo tempo, um olhar frio de uma
sociedade, cujo crescimento obedece a regras e formas complexas além da alteridade.
Numa sociedade onde o mundo virtual, o real, o referente, o sujeito e seu objeto não
podem mais ser apresentados de forma tradicional como na primeira ideia de
representação – discutida a partir da visão de Giannotti, no início deste item.

Ilustração 109: LUIZ BRAGA. Santa Monica, da Série NightVisions – 2012.


Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
217

Enfim, a nossa intenção nesse capítulo foi evidenciar algumas articulações que
marcaram a Série Night Visions de Luiz Braga e, de certa forma, as outras séries
analisadas nesse trabalho. O nosso foco foi pensar como esses pintores, entre eles
Hockney, influenciaram no percurso de sua produção fotográfica, além dos ecos
pictóricos das cores, temas ou composições. Almejamos mostrar apenas como “a nova
figuração” dos artistas plásticos caminha muito próximo da nova semântica, muito
próximo de uma nova filosofia, que não quer pensar apenas nas diferenças, mas além
delas. Uma “figuração” que pretende refletir a conivência das coisas idênticas consigo
mesmas, com suas diferenças e além delas. Braga olhou para pintores que desenvolviam
uma nova figuração, conforme seus relatos, e que conjuminavam formas mais ou menos
abstratas com formas individualizadas pela visibilidade. Suas referências se situam num
novo domínio em que a figuração é ela própria um processo de fazer o objeto, promover
a individualidade através das suas próprias projeções – num campo ficcional além do
documento -, como é o caso das fotos com a night vision. Sua preocupação não se
encontra na paisagem e no personagem tão peculiar em outras séries de décadas
passadas, mas na conveniência desses lugares e desses personagens numa rede de
relação onde a aparência se dá, ou pode se dar de forma inacabável.
218

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi possível mostrar no decorrer do desenvolvimento deste trabalho, Luiz Braga é
um fotógrafo celebrado pela crítica de arte do nosso tempo. A sua relação com um
universo de múltiplas referências – seus afetos, ora pela Amazônia, ora pelos ícones da
pintura, ou sua obsessão pelo experimentalismo fotográfico - articularam reflexões
sobre sua produção em sentidos diversos. Construíram argumentos que possibilitaram
pensar suas imagens para além de uma visão que fortalecesse categorias e hierarquias
genéricas. Sinalizaram a oportunidade de pensar seus trabalhos no contexto mais amplo
da fotografia contemporânea.

Esta pesquisa procurou analisar a produção de Braga, em três momentos: as fotografias


em preto e branco, as coloridas e outras com o recurso digital do infravermelho. Nos
estudos e nas análises de suas imagens consideramos sempre as suas vivências e o seu
cotidiano, isto é, o seu contato com a Amazônia e com o mundo. Um conjunto aberto de
coisas que foram sendo percebidas, manipuladas, transformadas e desejadas. E, neste
sentido, cotejamos o seu contato com os livros de arte, a sua admiração pelos pintores e
sua incessante curiosidade no manuseio do equipamento fotográfico.

Partimos de um breve recuo, que possibilitou conhecer suas primeiras experiências com
a fotografia. Suas tentativas nesse campo iniciaram-se muito cedo - ainda em forma de
brincadeira. Naquela ocasião, com apenas onze anos de idade, ele começou o processo
de sensibilização do olhar e do seu afeto pelo ato de fotografar. Foi uma experiência
significativa marcada por fotos de paisagens, retratos de familiares e alguns registros
dos internos do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, na cidade de Belém, local onde
seu pai trabalhava. Fotos simples e despretensiosas, mas que guardaram a intensidade
do alvorecer de um olhar, que já se materializava num fazer e pensar que movimentou
escolhas, critérios e registros a partir das experimentações operadas. Assim, a imagem
dos internos daquele Hospital Psiquiátrico (Ilustração 17), uma das poucas que o
fotógrafo conseguiu resgatar sobre esse período da sua vida, chegou a nos fazer lembrar
alguns estudos realizados por Diane Arbus, inclusive a série com os deficientes mentais.
No entanto, não avançamos nesse sentido, por falta de um maior número de imagens,
219

que pudessem nos proporcionar um panorama desse viés da sua produção, e por outro
lado, os objetivos que motivaram Luiz Braga, naquele momento, eram outros bem
distintos de Arbus, cuja densidade poética, na década de 1970, gozava de uma
consagração no campo da fotografia.

Esse conjunto de acontecimentos e outros que, talvez, passaram despercebidos no


decorrer da organização desta pesquisa, foram convertendo Luiz Braga ao caminho da
fotografia autoral. Ele começa a compreender que a união do seu olhar à obsessão de
experimentar era mais importante que a câmera. Dá início, então, a ensaios que foram
mostrando o que seus olhos viram. Por detrás das lentes, foi construindo olhares,
filtrando emoções, transpirando afetos e irradiando luz. Percebemos que nesse caminho
ele encontrou o sentido plástico, expressivo e poético de suas imagens. Nada foi
banalizado no roteiro do seu olhar - mesmo aquelas cenas mais corriqueiras do
cotidiano, como “Meninos no Chafaris”, ou “Natal”, ganharam uma dimensão
artística, ou expressiva. Então, começamos a perceber que as suas fotos situam-se para
além do sentido de artefato como testemunho visual da aparência e se recusam a
registrar o mundo como documento eficiente para a memória coletiva. Braga foi
capturando o referente amazônico, ora através da busca da dignidade de seus
personagens, ora por meio da temperatura das “cores caboclas”, ou recorrendo às
projeções ficcionais com o infravermelho. Registrou a vida ao longo do percurso do seu
olhar, indo além da fisionomia das pessoas, da paisagem, dos objetos do seu cotidiano,
das cores e dos rastros dos habitantes do lugar. Assim, ele foi construindo uma realidade
auto-referente, que passou a disseminar uma independência de suas imagens como obra
de arte. Distanciou-se da fotografia documental, ora pela forma de capturar o gesto e
pela articulação dos elementos compositivos, ora pela desnaturalização da cor, ou pelos
cortes abruptos que ampliaram o sentido da realidade visual, ou ainda, buscando as
possibilidades a partir do equipamento digital.

O estudo das fotos apresentadas neste trabalho, sinalizadoras de uma dimensão plástica
sobrevinda do experimentalismo operado por Luiz Braga, proporcionaram relações com
as artes visuais num sentido amplo – além da fotografia. Essas imagens passaram a
ecoar questões do campo da pintura, escultura, gravura e cinema. Ressonâncias que nos
levaram a pensar o campo das artes visuais como algo que congrega modos por meio
dos quais as imagens passam por um processo ideologizado e, dessa maneira, passam a
220

se expressar por peculiaridades técnicas e sintáticas – fato que, muitas vezes, nos leva a
encontrar o tão propalado apelo às composições pictóricas, ou à visualidade amazônica.
Dessa forma, não foi nosso interesse analisar as fotografias de Luiz Braga como uma
visão autônoma e unívoca (no sentido moderno), e nem tampouco encará-las com uma
visão dispersiva e incerta (no sentido contemporâneo). Mas, entendê-las no trânsito, que
ao mesmo tempo aproxima-se e distancia-se desses extremos. Talvez seja mais coerente
dizer que tentamos pensá-las no limite. Não quisemos abordá-las nem a partir da
desestabilização da ideia de significação do referente amazônico – o que poderia nos
levar a uma crítica da estrutura de pensamento metafísico, nem a partir da dispersão do
signo – tão presente na crítica contemporânea. O nosso trabalho foi exatamente
encontrar um meio-termo para montar o jogo de aproximar a teoria à prática, ou
encontrar relações entre o nosso quadro teórico e o processo poético de Luiz Braga. O
nosso desafio se expressou, algumas vezes, como uma ação disjuntiva diante de modos
aparentemente contraditórios (nem sempre conciliatórios) de inserção de suas imagens
na atividade artística contemporânea, que conta com meios e recursos distintos de
outros momentos. Nesse trabalho, a provocação, a angústia e ao mesmo tempo, a
vitalidade do momento atual foram estímulos para conceber a arte, e não apenas a
fotografia, de maneira mais ampla.

Esta pesquisa procurou organizar momentos da extensa produção fotográfica de Luiz


Braga; trabalhos marcantes dos últimos 30 anos do seu roteiro, no qual percorreu o
cotidiano brasileiro para registrar gestos do imaginário e cortes estéticos sobre o real;
fotos que se tornaram índices de brasilidade pelos seus referentes: os habitantes da
região norte, seus valores, seus prazeres e seus gostos sintetizados na construção de
olhares. Foram analisadas fotografias de diversos períodos, tornando-se possível
perceber aspectos históricos como, por exemplo, o diálogo de alguns momentos de sua
produção com a proposta moderna do fotógrafo americano Paul Strand – importante
para compreender o sentido plástico da visualidade amazônica presente em algumas
imagens. Dessa maneira, foi possível atentar para uma importante questão da pesquisa,
ou seja, como Luiz Braga atualizou esses aspectos históricos em sua fotografia autoral.

A visualidade amazônica filtrada pelo seu olhar construiu um tráfego por questões de
cunho antropológico/documental e, também, um de caráter “abstratizante”, que
conduziu essas fotos para outro campo, onde os sinais da sua realidade constitutiva,
221

enquanto imagem, tornaram-se tão ou mais importante que os elementos que sustentam
o seu caráter referencial. Neste sentido, passamos a entender as fotografias de Braga
como imagens que ressignificam os referentes amazônicos e ganham um valor
independente como obras de arte – passando distante dos estereótipos e da ideia de foto
como documento fiel da realidade. O seu olhar amazônico buscou um sentido plástico
para as imagens, através de uma lógica formal autoral, onde foi possível perceber
relações espaciais e temporais que estão intensificadas no limiar de uma forma de
registro, envolvendo valores situados entre a prática analógica e a digital. Esse limiar
convocou um duplo recuo histórico ao modernismo – ou seja, primeiramente, ao
modernismo convencional – aquele que aponta para o prestígio dos critérios formais
internos ao meio fotográfico e que declarou os desejos por uma fotografia pura e direta
(straight photography - método do americano Paul Strand), bem como certa relação
humanística por alguns temas retratados. Pareceu-nos, no desenvolvimento do estudo,
serem estes critérios delimitadores de uma tendência situada no modernismo tradicional
- relacionada às experiências desenvolvidas por Alfred Stieglitz, Paul Strand, Edward
Weston, André Kertézs e Cartier Bresson. Num segundo momento, foi necessário um
recuo ao modernismo influenciado pelos movimentos das vanguardas, onde certos
traços distintivos são priorizados e deslocados para uma nova ambiência, mobilizando o
experimentalismo que revestiu suas imagens de outros significados, onde os sinais de
sua realidade constitutiva (escolhas, cortes e ângulos inusitados) tornaram-se tão ou
mais importantes que o referente amazônico. Então, passamos a perceber que as obras
desse fotógrafo, em especial os que foram apresentados no desenvolvimento do presente
trabalho, situam-se a meio-caminho entre convicções consagradas pela prática
tradicional (enquadramento, por exemplo), já tida como uma forte convenção, e as
potencialidades de uma modalidade de experiência que convoca outras formas de
percepção e pensamento – fruto do experimentalismo.

Na medida em que fomos nos envolvendo com as fotos de diferentes momentos,


identificamos o substrato do seu projeto imagético como uma sedimentação de
múltiplas referências. A cultura da imagem, de onde emergiram suas fotos, tem como
suporte um regime visual peculiar, que dialoga com um universo expressivo - substrato
do seu “território do olhar”. Neste contexto, a dimensão da visualidade amazônica
presente nas imagens analisadas, ora transitam por uma fotografia de cunho documental,
ora por questões antropológicas, construíram um sistema imagético peculiar, cujo
222

“território do olhar”, tem como motivação a relação com a pintura, a gravura, a


escultura, o cinema e outros tantos universos que, de forma ideologizada, interferiram
no campo da aparência do espaço. São ecos gerados a partir das escolhas dos objetos e
ângulos, mas, sobretudo pela articulação dos elementos formais e pela subversão das
normas e do método fotográfico.

Na estratégia adotada para analisar suas imagens, deparamo-nos com o seu


temperamento sempre inquieto, que a cada movimento busca outras maneiras de ver o
mundo. Assim, avançando mais um pouco no seu universo das imagens, começamos a
manusear as fotografias coloridas. Analisamos as fotos que ressaltam a cor e a
geometria, apresentadas nas Exposições “No Olho da Rua” e “Foto-Grafismo”. Em
seguida, consideramos como objeto de estudo as imagens onde ele explorou as
temperaturas da cor. Um dado importante foi observado nessas imagens coloridas: a
figura humana rompe com princípios da tradição da fotografia e as fotos passam a
dialogar de forma mais próxima com questões pictóricas, a partir da exploração da cor e
da ressignificação dos “erros”, que ampliaram o seu repertório fotográfico. Assim,
algumas vezes o punctum dessas imagens não está no homem, mas em questões
relacionadas diretamente à cor, à geometria, ou ao comentário de brasilidade conjugado
à figura humana. Por exemplo, em Tajás (Ilustração 55), o elemento humano encontra-
se em um plano distante – não podemos nem entender a posição da mulher como
personagem protagonista da cena, mas simplesmente como um elemento figurante atrás
do tema – os tajás. De maneira semelhante, em Menino com papagaio (Ilustração 56),
Braga construiu a cena por detrás das lentes, de tal maneira que, mesmo que o garoto
esteja no primeiro plano, a atenção do observador é afetada pelo pequeno e modesto
brinquedo de papel de seda e talas de miriti, que o menino ergue com a mão, como um
troféu de sua alegria. E é, sobretudo, pela forma com que Braga trabalhou a luz e o
contraste entre cores intensas que essa imagem clama pelo o que é brasileiro. As cores
do gracioso e frágil brinquedo são as cores simbólicas da nação brasileira.

Todas essas variáveis apresentadas formam uma “equação” da forma como Luiz Braga
interpreta o mundo, e da maneira que ele encontrou para expressar a sua visão através
da fotografia. Para ele, cortes e recortes são maneiras de destacar, ou dar significado ao
que o interessava, e construir sua maneira especifica de ver a Amazônia. Percebemos
que a plasticidade amazônica representada pelos elementos compositivos mais intensos
223

nesse contexto – como a cor e a luz, tornaram-se o mote de suas fotos, a fisionomia que
se encontra tatuada com as cores da região, não apenas as cores dos objetos que ele
fotografou na Estrada Nova, no seu encontro com a “cor cabocla”, mas, também, as
cores que fazem parte da cultura visual onde a luz é o principal elemento, de tal
maneira, que essas fotos passaram a ser ressignificações da dança cromática de um povo
– da sua alegria festiva. Contudo, a maneira como ele manipulou o equipamento e
aproveitou as luzes para compor suas fotografias mostrou um envolvimento
desestabilizante das concepções que se encontram no percurso histórico da fotografia.
Sua busca de diferentes possibilidades de capturar os elementos da região - o seu
inquietante experimentalismo -, visou apresentá-los de forma universal e, ao mesmo
tempo, impor essa aparência de forma poética.

A fotografia para Luiz Braga foi a maneira que ele encontrou para se comunicar de
forma intensa, mais aberta e de superar sua timidez diante do mundo – como ele
ressaltou em relatos. Esta linguagem permitiu-lhe pronunciar a visualidade da região
norte de maneira peculiar e transmiti-la ao mundo. A partir dessas imagens, ele buscou
defender a dignidade do lugar e, como artista, procurou afirmar sua identidade na cena
contemporânea, bem como a sua força criativa como um artista da região norte.

Se, num primeiro momento, as fotografias de Luiz Braga dialogaram de forma


descontraida com o método do americano Paul Strand - straight photography -, no
momento mais recente, a série com o recurso do infravermelho da câmera digital, e a
paixão pelo experimentalismo permitiu-lhe flertar, de forma mais evidente, com as
vanguardas europeias. Passou a valorizar a estética da máquina - uma outra maneira de
representar o mundo advinda da tecnologia.

Analisando alguns relatos sobre a Série Night Visions, percebemos que Luiz Braga tem
mostrado sua paixão pela exploração das possibilidades da tecnologia digital. Isso
exemplifica o seu deslocamento em direção a artisticidade fotográfica a partir da
exploração do recurso digital. Assim, a partir do superficial panorama histórico,
podemos perceber que, enquanto a tendência americana ocultava a mecanicidade do
meio por trás de um discurso que idealizava e subjetivava o uso da câmera, a fotografia
vanguardista europeia estava fascinada justamente pela mecanicidade do novo meio. Na
visão das vanguardas europeias, a tecnologia não parecia ser um obstáculo para que uma
224

obra tivesse uma aura artística. É nesse sentido que aproximamos o momento da
produção com o infravermelho ao desejo do fotógrafo pela capacidade experimental do
equipamento. Entretanto, Braga não extingue de todo a questão pictural; se antes a
pictoridade de suas fotos estava na subversão dos materiais e das normas do
equipamento que buscavam explorar os elementos compositivos e subvertiam a
aparência do referente amazônico, nas fotografias com a tecnologia do infravermelho
ele busca a sensação da pintura.

Assim, nossa empreitada foi a de reconhecer a presença da imagem fotográfica num


universo mais amplo, além do registro físico-químico ou eletrônico do objeto
fotografado. A sua produção com o infravermelho possibilitou a oportunidade de revisar
a ideia da fotografia como representação a partir do real. Contudo, numa perspectiva de
um lugar híbrido, com sua potência de amalgamar linguagem, natureza e cultura. De ser
um processo poético que, simultaneamente, naturaliza e desnaturaliza questões que vão
desde a fisionomia do lugar, até os fundamentos do retrato dos habitantes da região. A
Série Nigth Visions foi um estímulo à reflexão e a possibilidade de situá-la no meio, no
espaço entre princípios consagrados e outros, que produzem uma desestabilização, um
tipo de ausência, de suspensão do mundo, por onde escapam a espessura e a tessitura da
imagem.

Procuramos evidenciar algumas articulações que marcaram a Série Night Visions de


Luiz Braga, e de certa forma, as outras séries analisadas nesse trabalho, com a intenção
de analisar a tão discutida dimensão pictórica dos seus trabalhos. O nosso foco foi
pensar como os pintores, entre eles Hockney, poderiam ter influenciado o percurso de
sua produção fotográfica, além dos ecos pictóricos das cores, temas ou composições.
Partimos, então, de alguns aspectos da teoria da “nova figuração”, e percebemos como a
“nova figuração” dos artistas plásticos, caminha muito próximo da nova semântica, de
uma nova filosofia que não quer pensar apenas nas diferenças, mas além delas. Uma
“figuração” que pretende refletir a conivência das coisas idênticas consigo mesmas, com
suas diferenças e além delas. Dessa forma, conforme relatos de Luiz Braga, percebemos
que os pintores que tanto o influenciaram como Hockney, desenvolveram em suas
pinturas uma “nova figuração”, e que conjuminavam formas mais ou menos abstratas
com formas individualizadas pela visibilidade. Logo, as referências de Luiz Braga
situam-se num novo domínio em que a figuração é ela própria um processo de fazer o
225

objeto, promover a individualidade através das suas próprias projeções – num campo
ficcional além do documento -, como é o caso das fotos com a night vision. Sua
preocupação não se encontra mais na paisagem e na fisionomia do personagem tão
peculiar em outras séries de décadas passadas, mas na conveniência desses lugares e
desses personagens numa rede de relação onde a aparência se dá, ou pode se dar de
forma inacabável.

Enfim, a nossa intenção com essa pesquisa foi a construção de um percurso a partir de
oitenta obras de autoria de Luiz Braga. Procuramos relativizar o papel do código
fotográfico na história, com o intuito de estabelecer certas relações entre fotografias
distintas, em momentos igualmente distintos, onde as imagens apresentadas serviram
como referências para pensarmos certos entrecruzamentos de processos artísticos -
especificamente entre os campos da fotografia e os campos da pintura, da escultura, da
gravura e do cinema. Dessa maneira, procuramos perceber a dimensão histórica, estética
e crítica presente no desdobramento da produção fotográfica de Luiz Braga – repleta de
imagens autorais, que ressignificam e atualizam questões próprias. Assim, apresentamos
a ideia de uma fotografia numa sociedade saturada de imagens que sofre interferências
plurais e, onde o artista contemporâneo passa a habitar territórios diversos - todas as
formas de arte – consciente ou inconscientemente. Sociedade esta, onde o problema
maior, não é produzir novas formas de arte, mas saber se relacionar com formas de arte
já historiadas - reativando-as, ressignificando-as, atualizando-as a partir de outros
campos culturais. O nosso objetivo foi ampliar o campo de análise dessas fotos para
além dos dogmas da simplificação classificatória de fotografia documental, ou artística.
Encontrando a necessidade imediata de recuperar modos de pensar que permitam
superar a versão analítica fechada, que se sustenta em alternativas ou distinções:
fotografia, pintura, gravura, escultura, cinema, meios objetivos ou subjetivos, teoria ou
prática, arte ou documento – para chegar à compreensão da complexidade e da riqueza
das possíveis conjugações presentes nas fotografias de Luiz Braga.
226

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SLIVE, Seymour. Pintura holandesa, 1600-1800. Tradução de Miguel Lana e Otacílio
Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 1998.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo:
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SOULAGES, François. Estética da fotografia – perda e permanência. São Paulo:
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229

DISSERTAÇÕES

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de Waldemar Henrique. Dissertação de mestrado. São Paulo: Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2003.

DICIONÁRIOS:

PRÄKEL, David. Diccionario visual de fotografía. Barcelona, BLUME, 2010.


SCHÖPKE, Regina. Dicionário filosófico: conceitos fundamentais. São Paulo: Martins
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a 30 de setembro de 2010. Galeria da Gávea – Rua Marques de São Vicente, 431 –
Gávea - Rio de Janeiro – RJ – Brasil – Fone: (21) 22745200 -
www.galeriadagavea.com.br.
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Doce, 2010. 136 p.: il. (algumas color).
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MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. Cover = reecenação + repetição.
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fotografia nos anos 50 [seleção e edição das fotografias para a exposição e catálogo –
Evandro Ouriques; Nadja Peregrino; Pedro Vasquez; texto de Paulo Herkenhoff]. Rio
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FUNARTE - FOTONORTE II. Amazônia: o olhar sem fronteiras. Rio de Janeiro:
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MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. LUIZ BRAGA - Retratos
amazônicos. São Paulo: Museu De Arte Moderna De São Paulo, 2005.
MUSEU VALE DO RIO DOCE. LUIZ BRAGA - Território do Olhar. Catálogo da
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DIÁRIO DO PARÁ. Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografa: crônicas urbanas /
Mariano Klautau Filho... [et al.]. – Belém: Diário Do Pará, 2011. (Texto consultado:
Marisa Mokazel. LUIZ Braga: imagens e afetos).
NADAR – O Retratista de um Século. 2ª Ed. Coleção Carlos Leal. Rio de Janeiro:
Gabinete de Artes Edições Ltda.
CAIXA CULTURAL RIO DE JANEIRO. O Brasil na visualialidade popular. Rio de
Janeiro: Caixa Cultural Rio De Janeiro, 2007. 134 p.: il. color.
PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO. O mais parecido possível:
retrato/[curadoria e texto Diógenes Moura]. São Paulo: Pinacoteca Do Estado De São
Paulo, 2012. 96 p.: il. color.
MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. Panorama da arte brasileira:
contraditório. São Paulo: Museu De Arte Moderna De São Paulo, 2007. 183 p.: il. color.
PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Percursos e afetos: fotografias 1928-
2011 – Coleção Rubens Fernandes Junior. São Paulo: Pinacoteca Do Estado De São
230

Paulo, 2012. 116 p.: il. (algumas color).


FUNARTE. Prêmio de Artes Plásticas Marcatonio Vilaça 2009. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 2009. 178 p.: il. color.

JORNAIS

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Estados Unidos Será Enfim Conhecido Pelos Cariocas. Jornal Correio da Manhã, Rio
de Janeiro, 13 dez. 1946, p. 05. (Biblioteca Nacional – PR-SPR-130)
A AMAZÔNIA DESAFIA OS PINTORES. Jornal A Noite, Rio de Janeiro, p. 09, 19
dez. 1946. (Biblioteca Nacional – PR-SPR-115)
MACHADO, Arlindo. Dança cromática nas ruas de Belém. Folha de São Paulo. São
Paulo, 25 set. 1984. Ilustrada, p. 29.
BRIL, Stefania. O mundo colorido, real e misterioso de Luiz Braga. O Estado de São
Paulo. São Paulo, 28 set. 1984. p. 19.
GIOIA, Mario – Da Reportagem Local. Ivo Mesquita leva à Itália artistas brasileiros
que trabalham com a Luz. Folha de São Paulo. São Paulo, 4 de junho de 2009,
Ilustrada E11.
VOLZ, Jochem. A 53a edição do evento terá 90 artistas, além de 77 representações
nacionais. Folha de São Paulo. São Paulo, 4 de junho de 2009, Ilustrada E11.

REVISTAS

DIGITAL PHOTOGRAPHER BRASIL. Edição 19, Brasil, abril de 2012, p. 36-39.


TODAVIA – Pensamento e Cultura em America latina. Edición Nº 27, Argentina, mayo
de 2012, 76-81.

DOCUMENTOS ELETRÔNICOS:

FABRIS, Annateresa. Uma outra história? A different history of art. Locus: Revista De
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http://www.ufjf.br/locus/files/2010/01/26.pdf>, acesso em 28 nov. 2012.
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A EXPOSIÇÃO Arraial da Luz. Portal Photos UOL. Disponível em: <
http://photos.uol.com.br/materias/ver/53657>, em 12/10/2012.
SÉRIE “SOLITUDE”. Diário do Pará. Disponível em:
<http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=128652>. Acesso em:
231

22/10/2012.
O MOVIMENTO impressionista. Paris e Modernidade. Disponível em:
<www.impressionismoparisemodernidade.com>. Acessso em 03/11/2012.
IMAGENS E TEXTOS. Itaú Cultural. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 11/11/2012.
SÉRIE “NO OLHO DA RUA”. Diário do Pará. Disponível em:
http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=85039. Acesso em: 11/11/2012.
FOTOS Luiz Braga. Galeria de Leme. Disponível em:
<http://galerialeme.com/artist/luiz-braga/>. Acesso em: 14/11/2012.
III Semana Nacional de Fotografia. FUNARTE – Brasil Memória das Artes.
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/infoto/iii-
semana-nacional-da-fotografia/>. Acesso em: 10/10/2012.
TODAS AS CORES e nuances de Luiz Braga em oficina. Diário do Pará. Disponível
em: http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=85039. Acesso em:
18/11/2012.
BAIRROS DA CIDADE de Belém. UFPA. Disponível em:
<http://www.oparanasondasdoradio.ufpa.br/contexto60link17-osbairrosdebelem.htm>.
Acesso em: 19/11/2012.
VELOSO, Caetano. “Isto Aqui, o que é?”. Letras e Músicas. Disponível em:
http://letras.mus.br/caetano-veloso/44733/ acesso em: 27/11/2012.
POEMAS e poesias de Ruy Barata. Blog do Poeta Ronaldo Franco. Disponível em:
<http://ronaldofranco.blogspot.com.br/2010/07/antes-que-matem-os-rios-e-as-matas-
por.html>. Acesso em: 05.02.2013.
DOAÇÕES de Fotos de Luiz Braga para o MAC - USP: MAC – USP. Disponível em:
<http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/exp/doacoesrecentes/47.asp>. Acesso em:
02.03.2013.
232

ANEXOS (DOCUMENTOS)

A - Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, p. 09, 19 dez. 1946. A Amazônia Desafia Os


Pintores. (Biblioteca Nacional – PR-SPR-115).

B – E-mail enviado por Luiz Braga, 26/08/2012.

C - E-mail enviado por Luiz Braga, 25/07/2010.

D – E-mail enviado por Luiz Braga, 30/06/2011.

E – E-mail enviado por Luiz Braga, 03/09/2012.

F – Catálogo da Exposição de Fotografia realizada no Centro Cultural São Paulo


(parede da fotografia) – Rua Vergueiro, nº 1000, no período de 19/09/1984 a
07/10/1984; e na Galeria Theodoro Braga – Teatro da Paz, no período de 16 a
30/11/1984.

G – Catálogo da Exposição Foto-Grafismo foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, na


Galeria de Fotografia da FUNARTE – Rua Araújo Porto Alegre, nº 80 – Centro - sob a
Coordenação de Ângela Magalhães e Nadja Peregrino, no período de 10/04/1985 a
10/05/1985.

H - E-mail enviado por Luiz Braga, 08/05/2012.

I - Termo de Responsabilidade para Reprodução de Imagens – CEDOD/FUNARTE,


11.08.2010.

J - Folha de S. Paulo, Ilustrada, p. 29, São Paulo, 25 set. 1984. Arlindo Machado. Dança
cromática nas ruas de Belém.

K - O Estado de S. Paulo, p. 19. São Paulo, 28 set. 1984. Stefania Bril. O mundo
colorido, real e misterioso de Luiz Braga.
L – Catálogo Luiz Braga - Fotografias, Centro Cultural Banco do Brasil (RJ-1992).

M – Catálogo Luiz Braga Anos – Luz, no Espaço UFF de Fotografia (Niterói-RJ-1994).

N - Folha de São Paulo, Ilustrada E11, São Paulo, 4 de junho de 2009, Mario Gioia –
Da Reportagem Local. Ivo Mesquita leva à Itália artistas brasileiros que trabalham com
a Luz.

O – Convite da Exposição realizada na Galeria Leme. Avenida Valdemar Ferreira, nº


130. Butantã – SP.

P - Diário Oficial da Imprensa Oficial do Estado do Pará – 09.12.2010.


233

ANEXO A
234

ANEXO B
235

ANEXO C (Página 1)
236

ANEXO C (Página 2)
237

ANEXO D
238

ANEXO E
239

ANEXO F (Página 1)
240

ANEXO F (Página 2)
241

ANEXO G (Página 1)
242

ANEXO G (Página 2)
243

ANEXO G (Página 3)
244

ANEXO G (Página 4)
245

ANEXO G (Página 5)
246

ANEXO G (Página 6)
247

ANEXO G (Página 7)
248

ANEXO H
249

ANEXO I (Página 1)
250

ANEXO I (Página 2)
251

ANEXO I (Página 3)
252

ANEXO J
253

ANEXO K
254

ANEXO L (Página 1)
255

ANEXO L (Página 2)
256

ANEXO L (Página 3)
257

ANEXO L (Página 4)
258

ANEXO L (Página 5)
259

ANEXO L (Página 6)
260

ANEXO M (Página 1)
261

ANEXO M (Página 2)
262

ANEXO M (Página 3)
263

ANEXO M (Página 4)
264

ANEXO N
265

ANEXO O
266

ANEXO P

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