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BANCA EXAMINADORA
Assinatura:
Nome: Professora Doutora Maria Luisa Luz Tavora (Orientadora)
Instituição: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Assinatura:
Nome: Professora Doutora Marize Malta Teixeira
Instituição: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Assinatura:
Nome: Professor Doutor Carlos de Azambuja Rodrigues
Instituição: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Assinatura:
Nome: Professor Doutor Antonio Pacca Fatorelli
Instituição: Escola de Comunicação – UFRJ.
Assinatura:
Nome: Professora Doutora Maria Teresa Ferreira Bastos
Instituição: Escola de Comunicação – UFRJ;
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço profundamente a professora Dra. Maria Luisa Luz Tavora, por aceitar a
orientação deste trabalho e pelo apoio decisivo nos momentos cruciais de sua
elaboração.
Agradeço ao Dr. Antônio Pacca Fatorelli – ECO/UFRJ que, como membro da banca de
qualificação do meu projeto de pesquisa, sinalizou questões que me ajudaram a pensar o
caminho adotado neste trabalho.
Do mesmo modo, sou grato ao Dr. Tadeu Chiarelli - ECA/USP e a Dra. Laura Malosetti
- IDAES/ Universidad Nacional de San Martín/ Argentina, pelos estímulos e sugestões
no início deste trabalho. Agradeço, ainda, ao Grupo de Estudos Arte & Fotografia –
CAP/ECA/USP e a Fundación OSDE – Buenos Aires/Argentina, que viabilizaram as
primeiras publicações sobre questões relacionadas à minha tese.
Ao fotógrafo brasileiro Luiz Braga, pelo carinho e zelo com que sempre atendeu aos
meus questionamentos e, também, pelas suas observações acertadas que contribuíram
como subsídio para a elaboração deste trabalho, minha gratidão e admiração.
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Nessa caminhada, cheia de claros e escuros, estão os colegas e amigos da UFRJ, cuja
convivência fortaleceu laços afetuosos e agradáveis reflexões: André Dorigo, Luiza
Interlenghi, Marina Menezes, Marília Palmeira, Monica Cauhi e Renata Gesomino. A
eles agradeço o companheirismo e louvo a nossa amizade.
Ao meu irmão Jorge Nery Cesar da Veiga Ferreira, que sempre esteve disponível a me
ouvir e me ajudar nos momentos de estresse e angustia, minha gratidão.
A amiga Maria Helena Nina de Oliveira Santos, que realizou a leitura e revisão do pré-
texto e pós-texto desta tese, meu agradecimento.
1
COUCHOT, Edmond. Les Cahiers de La photographie, nº 8, Paris, 1982, p.108. APUD SOULAGES,
François. Estética da Fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010, p. 125.
8
RESUMO
ABSTRACT
VEIGA NETTO, J. C. The experimentalism of Luiz Braga: the plastic meaning in the
subversion of the conventions and of the photographic method. /Joaquim Cesar da
Veiga Netto. Academic tutoring: PhD Prof. Maria Luisa Luz Tavora. PPGAV/ EBA/
UFRJ, Rio de Janeiro. RJ, 2013.
The research was constructed based upon a delimitation that took into consideration a
group of photographs authored by the Brazilian artist Luiz Braga. The images were
produced between the years 1976 (Series Solitude) and 2012 (Series Night Visions).
The goal of this work is to analyze the relation of his photographs with questions that
belong to the visual art’s universe. The trajectory took the experimentalism developed
by this photographer at different moments of his production as a guideline. The study
points the compositive similarity of these photographs in dialog with the fields of
painting, engraving, sculpture and cinema. It attempts to understand the Amazonic
visuality as the motto of his poetic, that establishes an interaction with a visibility
characterized by other representational forms of the History of Art. The text provides
analyses of eighty photographs authored by this artist and discusses themes of historical,
aesthetical and critical dimension. It takes the context of Brazilian contemporary
photography in dialog with the international artistic production as a parameter.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................15
2.3 Atualizando a cor: a imagem como ponte entre o cultural e o pessoal na aparência
pictórica.........................................................................................................................136
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................218
5.BIBLIOGRAFIA......................................................................................................226
6. ANEXOS...................................................................................................................232
15
INTRODUÇÃO
A visualidade amazônica tem sido o mote da sua produção, que nos anos 80 se
transforma no principal alicerce a partir do qual ele projetará suas fotos nas décadas
seguintes. Com a experiência da fotografia digital, abriu-se uma nova janela da
paisagem amazônica na sua produção. As possibilidades técnicas constitui-se numa
outra maneira de ver o mundo – a paisagem amazônica torna-se uma projeção ficcional
– a imagem tomada, simultaneamente, apresenta-se como transparente e opaca. Assim,
desde 2004 ele vem pesquisando a captura digital e, entre as possibilidades criativas,
optou por um viés raramente utilizado na criação artística fotográfica – a visão noturna,
ou night vision – recurso de origem militar. Dessa maneira, a produção mais recente traz
imagens de uma Amazônia invisível a olho nu.
2
O fotógrafo Luiz Otávio Salameh Braga é belenense e iniciou sua carreira na fotografia aos 11 anos. Em
1975, ele inicia a trajetória profissional nas áreas do retrato e da publicidade. Ingressa na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde se forma em 1983. Atuou como colaborador
no Jornal O Estado do Pará, em 1978, onde cria o tabloide Zeppelin, no qual exerce as funções de editor
e fotógrafo até 1980. Em 1979, Luiz Braga realiza sua primeira mostra individual, I Portfólio, com
retratos, cenas de rua e de trabalhadores ribeirinhos em preto-e-branco. Integra o projeto Visualidade
Popular na Amazônia, promovido pela Fundação Nacional de Arte – FUNARTE/RJ, em 1982. Em 2009,
expôs no Pavilhão Brasileiro da 53a Bienal de Veneza, no período de 04 de Junho a 22 de novembro. Suas
fotografias compõem coleções importantes como a do Museu de Arte de São Paulo, Museu de Arte
Moderna de São Paulo, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Casa das Onze Janelas em Belém-PA,
Museu de Arte Contemporânea da USP, Centro Português de Fotografia, entre outras instituições no
Brasil e no exterior.
16
Solitude) a 2012 (Série Night Visions). Vamos analisar a relação entre fotografia e o
universo das artes visuais - pintura, gravura, escultura e cinema -, presente na poética de
Luiz Braga, a partir de algumas questões de dimensão histórica, estética e crítica. O
estudo tem como parâmetro o contexto da fotografia contemporânea brasileira em
diálogo com a produção artística internacional.
Diante da vasta produção de Luiz Braga e das múltiplas questões que envolvem o seu
trabalho, procuramos delimitar o campo de estudo a partir do seguinte problema: como
se desenvolve a relação entre fotografia e as artes visuais em sua produção? Em outras
palavras, no contexto da fotografia contemporânea brasileira e, especificamente, da
fotografia de Luiz Braga, como se estabelecem certas ressonâncias próprias, ou
próximas dos campos da pintura, gravura, escultura e cinema? Nesse rumo reflexivo,
tomamos três hipóteses como eixos de um panorama elucidativo.
Observamos que a relação entre fotografia e o universo das artes visuais presente nas
imagens de Luiz Braga, tem como base um olhar amazônico repleto de afetos pela
região e seus habitantes. Dessa maneira, a visualidade do lugar impulsionou suas
pesquisas sobre as cores, a luz e a fisionomia amazônica que foi moldando a dimensão
artística dessas fotos - o sentido plástico de sua poética.
3
Rubens Fernades Jr. Labirintos e identidades: panorama da fotografia no Brasil – 1946 – 1998. São
Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 140.
4
Jacques Rancière. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, p. 32-41.
5
(1980) Juca Martins, Nair Benedicto, Mario Cravo Neto, Antônio Saggese, Miguel Rio Branco,
Araquem Alcântara, Pedro Vasquez, Marcos Santilli, Kenji Ota, Luiz Carlos Felizando, Sebastião
Salgado, Cristiano Mascaro, Arnaldo Pappalardo, Carlos Fadow Vicente; (1990) Ed Vigiani, Rubens
Mano, Elza Lima, Cássio Vasconcelos, Celso Oliveira, Valdir Cruz, Gal Oppido, Tiago Santana,
Eustáquio Neves, Luiz Braga, entro outros nomes, também, expressivos que não foram incluídos nesse
recorte.
6
Assim, ao intervirem na imagem fotográfica, Luiz Braga e seus contemporâneos, experimentam
18
percurso histórico, que pode ser revisado a partir de uma nova atitude experimental de
uma olhar documental mais expressivo.
Ressaltamos que nas fotografias de Luiz Braga a correspondência com as artes visuais,
especificamente a pintura, evidencia-se na articulação do conjunto das estruturas que ela
comporta (elementos formais das artes visuais: cores, luzes, materiais, técnica) e a
relação com a história da arte – base da formação do seu olhar. Esta articulação entre os
elementos formais das artes visuais e a relação com a história da arte, em seu projeto
imagético, funcionam como indícios na construção de um sistema de correspondências
com a pintura e com outras linguagens como possibilidade de construção da sua
linguagem fotográfica, ora evidenciando a sedução antropológica do registro
documental da cultura e da geografia, ora cogitando o referente amazônico.
múltiplas possibilidades de uso das câmeras e processos de impressão. Subvertem a normatização dos
equipamentos e materiais, e criam novas possibilidades de imagens. As novas imagens ultrapassam a
semelhança e a presença do real. Neste sentido, a fotografia produzida passa a trazer referências poéticas
que sinalizam para o campo da pintura e de outros campos das artes visuais, algumas vezes de forma
consciente, em outras como consequência da articulação dos elementos compositivos na imagem.
19
relação ganhará destaque na análise de muitas fotos de Luiz Braga, mesmo que a nossa
discussão seja mais ampla e atravesse o campo das artes visuais. Neste sentido, vale
lembrar, por exemplo, que as raízes desta relação da fotografia com a pintura remontam
ao Renascimento, ao momento específico em que a obra é considerada a representação
direta e fiel de um objeto natural, quando passamos a observar instrumentos óticos
usados pelos artistas: máquinas para desenhar, câmara clara, câmara escura e espelhos,
que são, também, sinais de um elo crescente entre arte e ciência. Nesta perspectiva,
Fabris diz:
A relação entre fotografia e pintura, num primeiro momento, é vista como uma forma de
ancorar a imagem fotográfica nos princípios da estética, buscando firmar o estatuto de
arte à imagem fotográfica como no caso do pictorialismo do início do século XX. No
movimento pictorialista a relação entre teoria e técnica tornou-se o eixo das novas
experimentações, pois mostrava uma posição renovadora sem afastar a fotografia do
7
Annateresa Fabris. Uma outra história? A different history of art. In Locus: Revista de História, Juiz de
Fora, v. 15, p. 27-41, 2002, p.31)
8
David Octavius Hill, der Meister der Photographie, 1931.
20
Mesmo que de forma precária, Giulio Carlos Argan não deixa de tecer algumas
considerações sobre a relação entre fotografia e fontes pictóricas no século XIX. Elogia
a atitude de Nadar - fotógrafo francês -, quando diz: “Desde meados do século XIX,
existem personalidades fotográficas (por exemplo, Nadar), da mesma forma que existem
personalidades artísticas.”9 Argan é consciente das diferenças estruturais que existiam
entre as duas técnicas. É, contudo, severo com os fotógrafos “artísticos”, que buscavam
a artisticidade da fotografia em recursos pictóricos, esquecidos que o valor estético
reside nos aspectos intrínsecos da própria técnica fotográfica. Isto é, a fotografia, ao
longo do século XIX, irá frequentemente escamotear suas qualidades fundamentais,
tentando imitar a pintura inclusive no campo da alegoria, sem perceber que a nova
técnica apontava para a nova forma de olhar e dar a ver o mundo. Essas considerações
de Argan serviram como provocação para o aprofundamento de questões do campo
histórico, no presente trabalho.
Em 1886, com as contribuições do fotógrafo inglês Peter Henry Emerson, passa a existir
uma nova voz no debate sobre o caráter artístico da fotografia, isto é, uma tensa
discussão entre os fotógrafos admiradores da imagem naturalista/realista e os fotógrafos
adeptos da “fotografia artística”, que se opunham à verdade documental, derivada da
mecânica, da nitidez, da inumanidade e da objetividade do procedimento. Eles
defendem um regime de verdade baseado no indistinto, na interpretação, na
subjetividade, na arte. Assim, as intervenções no registro fotográfico por meio de
técnicas pictóricas foram amplamente realizadas numa tentativa de adaptar o meio às
concepções clássicas de arte, no que ficou conhecido como pictorialismo. Nesse trajeto,
algumas décadas mais tarde, os anos 1940 tornam-se um momento de virada no que diz
respeito à construção de uma estética moderna na fotografia brasileira e internacional.
Na década de 1950, outra discussão se afirma trazendo na pauta o embate entre
9
Giulio Carlos Argan. Arte moderna. São Paulo: Companhia da Letras, 1992, p. 79.
21
10
O conceito de visibilidade será usado no decorrer do trabalho para identificar a relação de algumas
fotografias com aspectos inerentes aos movimentos de vanguarda, considerando o curso de uma
22
conjuntura histórica.
11
Jacques Rancière. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, p. 9-41. A origem do
texto refere-se a uma conferência proferida pelo filosófo Jacques Rancière no Centre National de La
Photographie, em 31 de Janeiro de 2001. Não é nossa intensão aplicar o sistema de conceitos de Jacques
Rancière, mas tão somente utilizar questões trabalhadas por ele, com o intuito de motivar reflexões sobre
a produção de Luiz Braga. Tal manobra, também será aplicada a outros teóricos de importância nesta tese.
23
O segundo capítulo procura analisar a condição do olhar de Luiz Braga. Traz como
questão significativa o seu carinho pela região e, mais especificamente, o seu encontro
com as cores e nuances da visualidade popular - aproximadamente, em meados da
década de 1970. Contudo, tal motivação estendeu-se ao momento atual e passou a
conjugar diferentes formas de olhar na busca de novas perspectivas poéticas. O estudo
tomou como foco a ocasião específica em que esse fotógrafo é tocado pela visualidade
da periferia da cidade de Belém. Esse período também é abalizado por outros encontros
propulsores na construção de uma poética que o levará a uma fotografia cada vez mais
autoral. Em seguida, procuramos nos aproximar das fotos coloridas da década de 1990 -
momento marcado pela inquietação, no qual ele busca, incessantemente, novas formas e
alfabetos que possibilitem a construção de um jogo poético. Ele opta por um colorismo
que o conduz na construção de um repertório fotográfico. São manobras desenvolvidas
que exploram a temperatura das cores e o filme calibrado em day light. Com essa outra
direção, as suas fotos passam a flertar com uma aparência pictórica no limiar do cultural
e do pessoal. Na análise de sua produção imagética desse período, percebemos uma
aderência simultânea à cultura visual e, ao mesmo tempo, à forma subjetiva de enunciá-
la. Finalizando esse capítulo, o estudo volta-se para um momento mais maduro e
autoral. A análise toma um recorte de sua produção colorida envolvendo imagens de
período de 1990 a 2008. É um tempo razoável e marcado por uma conjuntura de
influências que vão alicerçando sua visão e revelando o fotógrafo comprometido com a
visualidade da região num sentido universal, que será o diferencial da sua maneira de
fotografar.
24
O terceiro capítulo apresentará a ideia de uma Amazônia invisível a olho nu. A partir
das fotografias com infravermelho – as night vision -, procuramos mostrar uma linha
que articula o experimentalismo com a tecnologia digital na busca de uma outra
visualidade com outras questões relacionadas à teoria de uma nova representação, cuja
gênese se encontra na arte moderna e se estende pela contemporaneidade. O aspecto
ficcional dessas imagens gera uma desnaturalização do referente amazônico que desloca
a paisagem daquela região para uma outra maneira de experimentá-la. Inicialmente, a
análise das imagens atinge o exasperado experimentalismo que subverte o uso da
tecnologia, e passa a fotografar sob a luz do dia com um recurso da câmera digital
destinada para fotos noturnas ou em ambientes sem luz. Tomamos como objeto as suas
paisagens monocromáticas que lembram os filmes em preto e branco, mas com “tons
vegetais” - fotos que mostram uma Amazônia misteriosa e protegida por esse olhar
próprio. Na sequência, analisamos um conjunto de cenas que passam por questões
visuais do cinema, da pintura e aproximam-se de campo ficcional. Finalizando o estudo
desse capítulo, a partir dessas fotografias com a tecnologia do infravermelho, tentamos
pensar a questão que passa transversalmente por todas as etapas de sua produção, ou
seja, a necessidade de aproximar essas fotos de um estudo que possa, também, refletir
sobre a ideia de representação. Assim, duas questões tornaram-se importantes: os relatos
de Luiz Braga, quando sinaliza, de forma recorrente, a influência da pintura em sua
formação, e uma abordagem que pudesse sustentar uma “nova teoria da representação”,
que vem se atualizando na produção artística contemporânea. Nessa abordagem, serão
construídas articulações entre as questões apresentadas nos itens anteriores e a produção
das fotos com night vision.
12
Nasceu em Vitória, em 1946. É diplomata, colecionador e fotógrafo. Após comprar uma série de obras
de Diane Arbus, em 1978, deu início a uma coleção de fotografia que hoje é a maior coleção brasileira
privada de fotografia, congregando cerca de 2.200 imagens de 170 fotógrafos brasileiros, bem como 300
imagens de 70 autores estrangeiros. Traduziu a célebre obra de Susan Sontag, Ensaios sobre a
Fotografia, para o português em 1981. (Dados biográficos, segundo PedroVasquez – FUNARTE/Portal
das Artes)
26
depoimentos, textos críticos e ideias estabelecidas nas leituras dos autores estudados.
Tentamos subordinar a base teórica às imagens, e não o contrário. Procuramos alcançar
as contribuições que as ideias do italiano Andrea Bonomi poderiam trazer para pensar a
construção dessas imagens. Contudo, vale ressaltar que outros autores, também
tornaram-se importantes na elaboração deste trabalho, e contribuíram com suas ideias
nas bases teóricas desta pesquisa.
Nossa experiência visual diante das fotos de Luiz Braga traz uma “inquietante
estranheza”. Procuramos estudar a desorientação proporcionada por essas fotografias,
que implica ao mesmo tempo, numa aproximação das referências da realidade fisgadas
pelo olhar, e num afastamento por serem dilaceradas pelas dúvidas geradas dentro de
nós mesmos – fruto das manobras de seu experimentalismo. Isto é, “em todo caso
perdemos algo aí, em todo caso somos ameaçados pela ausência”13, mas ganhamos algo
que se reafirma a cada olhar. Um limiar se abre na visibilidade mesma da paisagem, das
coisas e dos personagens de seu território do olhar.
13
Georges Didi-Huberman. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 231.
14
Jochem Volz, A 53a edição do evento terá 90 artistas, além de 77 representações nacionais. Folha de
São Paulo, Ilustrada E11, 4 de junho de 2009.
27
Destacamos que esta pesquisa é a primeira tese acadêmica sobre a produção deste
artista, cuja relevância do tema reside, principalmente, no estímulo às novas perspectivas
para a historiografia da arte brasileira contemporânea, tendo como foco o significado
nacional e internacional conquistado por sua produção fotográfica, quando muitas
constatações relevantes são evidenciadas por historiadores, críticos e curadores de arte.
28
CAPÍTULO I
O fotógrafo brasileiro Luiz Braga (1956) nasceu na cidade de Belém, capital do Estado
do Pará, situada na área da floresta equatorial – local sedutor para o olhar do visitante de
fora, onde tudo é úmido, brilhante, colorido, perfumado, forte e quente. Neste cenário, o
“olhar fotográfico” de Braga inicia o seu percurso pelo cotidiano brasileiro, onde busca
os gestos do imaginário e os rastros estéticos da “visualidade amazônica”, ou da
“visualidade na Amazônia” 15
. Ele formula estratégias para capturar, com seu olhar
refinado, a beleza, os valores, os prazeres e os gostos dos habitantes da região e aqueles
lugares. Mais do que lugares, mais do que modelos, os referentes amazônicos são
índices de brasilidade explícita numa cultura latino-americana, que encantam o “olhar”
de Luiz Braga desde sempre.
A emergência da lógica formal de suas fotos situa-se num universo que envolve
múltiplas referências e, em especial, o ‘straight photography’ – significativo na
construção da base poética dos seus trabalhos. Neste trânsito, podemos entender a
fotografia, também, como uma unidade repleta de um potencial de comunicação visual.
Ou seja, as fotos trazem enunciados com limites internos – criados pela forma e
“estilo”; e fronteiras estabelecidas pelos discursos, ora plasmado pelo artista nas
imagens, ora como resposta do observador – ambos cumprem uma série de expectativas
formais e conceituais e rompem com outras. Dito de outro modo, a produção imagética
15
O termo “visualidade na Amazônia” foi utilizado por Osmar Pinheiro na conferência apresentada em
1984, no “1° Seminário sobre as Artes Visuais na Amazônia”. O texto do autor tem como título “A
Visualidade Amazônica”. Pinheiro diz: “Preferimos ao invés de Visualidade Amazônica adotar o termo
Visualidade na Amazônia, uma vez que o nosso espaço de observação é bastante restrito diante das
dimensões e variedade de uma região pluri-cultural e pluri-étnica. De resto seria pretensioso e autoritário
fazer uma generalização globalizante”. O Seminário foi um evento paralelo ao 7° Salão de Artes Plásticas
(1984-Manaus). As conferências foram publicadas no livro As Artes Visuais na Amazônia – Reflexões
sobre uma visualidade regional – FUNARTE/SEMEC – Belém – PA, coordenado por Sérgio Vieira
Cardoso – Coordenador de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do
Amazonas.
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de Luiz Braga adere-se a uma cultura visual, e ao mesmo tempo a uma forma subjetiva
de enunciá-la. Desta maneira, seus trabalhos expressam influências de um legado visual
e elaborações diversas das quais derivam. A lógica formal das imagens fundamenta-se
em suas características específicas, presentes nas fotografias em preto e branco,
coloridas e night vision, - nossos objetos de análise nesta tese.
Na sequência, vale evidenciar que o nosso estudo se inscreve numa proposta, onde a
ideia de fotografia sugere que o artista elege um gênero fotográfico e expressa sentidos
mediante um “estilo” – uma maneira própria que se expande em suas pesquisas. Melhor
dizendo, os interesses de sua poética, plasmados em sua produção, articulam de maneira
peculiar questões subjetivas e uma herança comum – modernista -, presente no difuso
cenário da fotografia brasileira. Isto significa dizer que Braga enfrenta o campo da
experimentação imagética com intensa pesquisa. Busca o refinamento técnico, a
atualização dos valores compositivos, e a ressignificação das conquistas e dos eventuais
fracassos.
Neste sentido, este fotógrafo amplia e reposiciona em seus trabalhos uma grande
tradição e outras influências relacionadas à complexa cultura visual, onde foi formando
as bases de sua poética. Assim, ele vai construindo o “roteiro de luz”16 por onde
percorrerá com o seu olhar atento. No percurso, ele se encontra com o dia-a-dia da
região. A partir de elementos identificadores de um “lugar”17 – concepção geográfica
sinalizadora de uma memória visual -, Braga amplia a ideia inicial de visualidade
amazônica e incorpora um espaço impreciso em seus limites, no qual, muitas vezes, a
fronteira se torna um curioso paradoxo na interpretação destas fotografias como
unidades de comunicação visual.
A lógica formal de suas imagens desponta-se ora nas fotografias em preto e branco
(Ilustração 01), ora naquelas com cores intensas, que problematizam a relação entre a
imagem e o seu referente (Ilustração 02), e ainda, suas experiências com infravermelho
16
Expressão usada pelo curador Paulo Herkenhoff, no texto do Catálogo da Exposição “LUIZ BRAGA -
Território do Olhar”. Museu Vale do Rio Doce – 07 de julho a 11 de setembro de 2005 – Vitória –
Espírito Santo. O termo coloca em evidência a refinada pesquisa de luz, que Luiz Braga toma como
caminho no seu projeto imagético.
17
A visualidade amazônica com a conotação poética do espaço íntimo do artista, que se desloca para um
território, muitas vezes, “vago”, ou misterioso.
30
de uma câmera digital (night vision) (Ilustração 03), que será o nosso objeto de análise
no terceiro capítulo deste trabalho.
Os ensaios coloridos marcam com mais ênfase a produção deste artista a partir de 1984,
quando sua pesquisa se volta para as cores puras e simples da ambiência ribeirinha da
cidade de Belém. Nesta ocasião, o fotógrafo participa da oficina “Descolonização do
Olhar”, animada pelos fotógrafos Antonio Augusto Fontes e Walter Firmo, e engaja-se
nas discussões desenvolvidas sobre o “olhar brasileiro”, fomentadas pela III Semana
Nacional de Fotografia18. Estas reflexões motivadas por estes eventos, marco histórico
18
III Semana Nacional de Fotografia foi realizada em Fortaleza (CE), entre 19 e 24 de agosto de 1984.
32
As Semanas foram criadas sob a inspiração das Rencontres Internationales de la Photographie de Arles
(França), primeiro grande encontro de fotografia, criado por Lucien Clergue em 1970. A I Semana
Nacional de Fotografia foi aberta em 16 de agosto de 1982. (FUNARTE – Brasil Memória das Artes)
33
numa viagem que estava fazendo aos Estados Unidos. Braga, como em outras fases de
sua produção, constrói um diálogo desse aparato ótico - militar com outras áreas das
artes visuais – aproxima-a da tradição da gravura. Desta forma, ele gera um
estranhamento da Amazônia ao infiltrar incertezas visuais no olhar.
Com este recuo percebemos que a Amazônia foi e continua sendo um desafio que tem
seduzido olhares de artistas tão distintos. Pintores, fotógrafos, cineastas, poetas e tantos
outros que em suas produções buscaram, ou buscam a fisionomia daquela região como
“mote” em suas produções autônomas. Procuram nas cores, na luz e nos seus encantos
desafiadores um discurso estético autoral. José Veiga Santos, por exemplo, rompeu com
a composição rígida e com a “narrativa-alegórica-grandiloquente” em suas telas.
19
Cf. Osmar Pinheiro. A Visualidade Amazônica; ZÍLIO, Carlos. Claude Monet e a Amazônia;
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Por uma fala amazônica sobre a cultura; CECIM, Vicente. O
colonialismo na Amazônia. In Artes Visuais na Amazônia – Reflexões sobre uma Visualidade Regional,
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985.
20
Farias diz: “Veiga Santos fez parte dos produtores de Belém e que estavam em Belém no tempo do
modernismo brasileiro e sua estética é aquela que pode ser categorizada como eclético-acadêmica-pós-
impressionista, uma vez que em relação a pintura acadêmica havia rompido com a composição rígida e
com a narrativa-alegórica-grandiloquente e de gabinete”. (Ver o paper “O MACRO MICRO MUNDO
DE VEIGA SANTOS”, autoria do pesquisador Edison da Silva Farias – UFPA, Anais do 20º Encontro
Nacional da ANPAP, p. 1684)
21
Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, p. 09, 19 dez. 1946. A Amazônia Desafia Os Pintores. (Biblioteca
Nacional – PR-SPR-115 – ANEXO A, p. 233)
35
(Ilustração 04) Ou, ampliando nosso quadro de referências, poderíamos citar o fotógrafo
Porfírio da Rocha22 (1919-1993), que entre outros neste recuo, também, investiu na
empreitada de um novo olhar na cidade de Belém-PA, explorando as possibilidades
expressivas da fotografia, onde inverte parcialmente os tons das imagens e utiliza
efeitos de solarização. (Ilustração 05).
Ilustração 04: JOSÉ VEIGA SANTOS. “Ver-o-Peso”. Óleo sobre tela, 58 x 73 cm, 1964.
Acervo: Betty Veiga Santos – Belém - Pará
22
Porfírio da Rocha nasceu na cidade de Belém, 30 de outubro de 1919. Iniciou como “vassoura” (boy)
na foto Alemão, de Paulo Levinthal, na Rua João Alfredo (Belém-PA). Trabalhou nos jornais, O Estado
do Pará, A Província. Ganhou o prêmio ESSO de fotojornalismo. (FOTONORTE II, 1998, p. 206)
36
Nesse panorama, os limites internos dessas imagens sinalizam uma linguagem autoral,
presente em suas obras autônomas, que trazem uma realidade auto-referente - além das
“cores cablocas”23. As imagens deste fotógrafo, ora transitam no “charme
antropológico” da fotografia documental do local e dos habitantes da região – flertando
23
A expressão “cores cablocas” foi utilizada por Luiz Braga para definir as “cores simples, puras da
região ribeirinha da cidade de Belém-PA”, presentes no seu projeto imagético. (Entrevista no DVD da
Exposição Antônio, Luiz e Bina – Casa da Gávea – Rio de Janeiro – Agosto de 2010). Acervo da Galeria.
37
com a memória expressiva da cultura e da geografia (Ilustração 07), mas, também, ora
refletem a energia plástica do referente amazônico, conservando-o como presença
poética concreta enquanto imagem, descartando a condição de arquivo ou documento
eficiente para a memória coletiva (Ilustração 08)
A formação do artista plástico, no local onde Braga vive e trabalha deu-se de forma
diversa. Considerando o contexto e as condições mencionadas anteriormente, o seu
contato com a contemporaneidade fez-se de maneira peculiar - por via da literatura, do
cinema, da música e dos impressos diversos. Estes artistas citados por Osmar Pinheiro
(1984) rompem, naquele momento, com o discurso do isolamento, do distanciamento e
“desconhecimento deliberado de questões amplas que dizem respeito a todo o espaço da
arte”25.
Outra questão, Luiz Braga quando nasceu em 1956, a imagem técnica já fazia parte do
cotidiano das pessoas há mais de um século, sendo elemento constitutivo da cultura
visual de sua região natal e de quase todo o planeta. Assim, ele constrói sua forma
24
Osmar Pinheiro Jr. A visualidade amazônica. In OURIQUES, Evandro Vieira (org.). Artes Visuais na
Amazônia: reflexões sobre uma Visualidade Regional. Projeto Visualidade Brasileira – INEP/FUNARTE.
Rio de Janeiro: Funarte, 1985, p.95.
25
Ibid, p. 93
39
Desta maneira, o seu “olhar fotográfico” vai sendo construído a partir de um universo
que envolve múltiplas referências e ultrapassa as fronteiras do discurso da visualidade
amazônica. Este universo vai da imagem estática da fotografia, passando pelo cinema e
televisão, que, também, neste período contribuíam para ampliar ainda mais a
complexidade da cultura visual com a qual este fotógrafo vai construindo as bases de
sua poética. Logo, tão importantes quanto à potencialidade da visualidade amazônica
que absorve o “olhar fotográfico” de Braga, seriam as outras referências que envolvem a
produção de fotógrafos, cineastas e artistas plásticos. Neste sentido, vale observar o que
Chiarelli diz
“Tão importante quanto as produções dos fotógrafos, cineastas e
artistas plásticos com as quais Luiz Braga declara ter dialogado
durante seu processo de formação – David Drew Zingg, Luiz Trípoli,
Maureem Bisilliat, Frederico Fellini, Edward Hopper e outros -,
seriam aqueles outros autores que o fotógrafo não se recorda mais do
nome ou nem das produções.” 26
Vale ressaltar, que a fotografia como um meio não é uma forma de conhecimento que
se aprende apenas nos museus, nos livros ou nas escolas especializadas, como foi com a
pintura e as modalidades artísticas eruditas. O meio que Braga escolheu para explorar
no percurso pelo cotidiano brasileiro é a fotografia e, através dela, busca os gestos do
imaginário e os rastros estéticos da “visualidade amazônica” dentro de um amplo
campo de referências. Desta forma, reafirmamos o que foi dito no início desse texto -
mais do que lugares, mais do que modelos, os referentes amazônicos, neste contexto,
são índices de brasilidade explícita numa cultura latino-americana, que encantam o seu
“olhar” desde sempre, e que o conduz a uma intensa pesquisa, que põe à vista um
sublime refinamento da luz.
26
Tadeu Chiarelli. Luiz Braga e a fotografia opaca. In “Luiz Braga - Retratos amazônicos”. São Paulo:
MAM, 2005. p. 14.
40
Luiz Braga opta por manipular a técnica do seu aparato fotográfico, desloca o encargo
da fotografia refletir (ou reproduzir) o mundo, e segue na direção de uma sedutora
construção estética dessas imagens. É nesse sentido que, tomando distância da
eficiência do registro documental, constrói imagens que demonstram que a fotografia
pode ser mais do que documento, ou mais do que afirmação da identidade de um lugar.
O olhar amazônico de Luiz Braga é o “mote”, o condutor de sua obra autônoma a uma
realidade auto-referente, além das “cores caboclas”, além do “paisagismo amazônico”,
e independente como obra de arte.
Deste modo, Braga como fotógrafo buscou conciliar em seu projeto imagético três
aspectos significativos: a visualidade da/na Amazônia, um universo de múltiplas
referências conscientes e inconscites e questões internacionais. A conjugação destes três
aspectos evocam recuos históricos, estéticos e críticos, que trazem para a sua produção
ecos compositivos de ícones do retrato fotógrafico e pictórico. Estas ressonâncias
encontram-se inscritas em sua memória visual. Contudo, o fotógrafo não se submete a
história e, mantém “algo” do fotógrafo amador, “algo”, talvez, significativo para sua
vida íntima, ou do lugar onde vive e trabalha.
Num cenário amplo, que envolve multiplas referências, a produção desse artista
apresenta influências reconhecidas por ele, e outras que se dão de forma inconsciente.
Assim, revisando um percurso do século XIX ao modernismo, é possível dizer que
muitas de suas fotografias, como por exemplo os retratos, ressoam fundamentos
compositivos que tem sua gênese em personalidades do campo da história da fotografia,
como o francês Nadar (1820-1910), a inglesa Margaret Cameron (1815-1879) e, ícones
da fotografia moderna, como o americano Paul Strand (1890-1976).
27
Julia Margaret Cameron. Coleção Photo Poche. Editor Actes Sud, 2009, p. 33.
42
Ilustração 12: MARGARET CAMERON. Lago, study from an Italian (Angelo Colarossi), 1867.
Albumen print.
National Museum of Photography, Film & Television, Bradford.
43
A mais expressiva ressonância nas imagens de Braga são aquelas legadas do americano
Paul Strand, de quem vai expandir a proposta moderna. Assim, utilizando um
procedimento que o aproxima do “olhar direto” (Ilustrações 13 e 14), mistura a captura
do real com a refinada escolha de ângulos - poses expontâneas ou quase negociadas; e
detalhes ou cortes abruptos.
Dessa forma, é possível perceber um aspecto importante naquele cenário das artes
visuais na Amazônia: o fotógrafo Luiz Braga e o pintor paraense Emmanuel Nassar28 -
amigos e agentes propulsores do ambiente cultural de Belém - tinham como estímulo
para suas respectivas produções, em meados dos anos de 1980 as composições abstrato-
geométicas que repetem cortes e enquadramentos muito típicos da straight photography
de cunho abstrato, ecoando também elementos muito próximos da tradição da pintura
geométrico-construtiva européia e do sudeste brasileiro. É possível considerar que tanto
para a pintura quanto para a fotografia paraense o uso dos esquemas da fotografia
‘abstrata” de Strand significou uma real transformação na forma de refletir e ampliar a
riqueza visual da Amazônia. Esta questão será discutida no Capítulo II.
Além disso, seja a fotografia vista como uma forma de expressar aquilo que reflete, ou
partindo da ideia de uma fotografia que capta coisas do mundo e por meio de cortes
abruptos tem a possibilidade de criar novas realidades visuais, o importante é perceber
que essas duas propostas, na verdade, emergiram como produtos imediatos das
experiências fotográficas vivenciadas por Strand, no início do século passado nos
Estados Unidos. Uma fotografia que, tentando se desvencilhar dos entraves que o
pictorialismo produziu, buscava desenvolver-se de forma menos atrelada à tradição e
organizando um espaço para si mesma. Logo, não podemos deixar de destacar dois
aspectos importantes sobre a straight photography (método bipolar de Paul Strand):
primeiro, alinhava-se à tradição realista da arte ocidental — presente na pintura e em
outras modalidades, desde o primeiro renascimento até o movimento realista de Gustave
Courbet; segundo, a straight photography, também filiava- se à pintura não-figurativa
do início do século XX que, enfatizando a bidimensionalidade do plano, e os elementos
que estruturalmente o constituem (linhas, pontos), tentava construir uma arte não
propriamente abstrata, mas concreta, não-representacional. O certo é que esses dois
caminhos propostos por Strand, aos poucos foram se espalhando pelo mundo,
entendidos como as duas possibilidades para a fotografia moderna “pura”.
28
Emmanuel da Cunha Nassar (Capanema PA 1949).
46
aparência geométrica das artes visuais guardava relações com a presença cada vez maior
da máquina no cotidiano. Enquanto Marcel Duchamp questionava o lugar da pintura na
sociedade moderna industrializada, a fotografia era incorporada aos processos criativos
de artistas construtivistas, dadaístas, futuristas e, um pouco mais tarde, surrealistas.
“De uma maneira geral as duas vertentes que mais têm chamado
a atenção da crítica na fotografia autoral de Luiz Braga são
justamente aquelas que podem ser alinhadas às vertentes da
straight photography proposta por Paul Strand.” 29
Finalizando este primeiro item, onde discutimos o olhar amazônico de Luiz Braga
buscando um sentido plástico para as suas imagens, e consequentemente a elaboração,
ou a emergência de uma lógica formal autoral, é importante chamar atenção para um
aspecto que será aprofundado em outros itens desse trabalho: analisar a visualidade
29
Tadeu Chiarelli, op. cit., p. 15.
47
Tal questão se encontra numa fronteira que convoca um duplo recuo ao modernismo.
Num primeiro momento, ao modernismo convencional – aquele que aponta para o
prestígio dos critérios formais internos ao meio fotográfico, ou seja, que declarasse os
desejos por uma fotografia pura e direta (straight photography), e certa relação
humanística, por parte dos fotógrafos, com os temas registrados - critérios delimitadores
desta tendência, que está relacionada às experiências desenvolvidas por Alfred Stieglitz,
Paul Strand, Edward Weston, André Kertézs e Cartier Bresson.
30
Luiz Braga – Retratos Amazônicos foi a Exposição comemorativa aos 30 anos de carreira do artista
paraense. Realização do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP (17 de fevereiro a 3 de abril
de 2005) e curadoria de Tadeu Chiarelli.
49
Luiz Braga (Ilustração 15), atualmente, com 57 anos, vive e trabalha em Belém, cuja
grande parte da cidade está situada no perímetro do Rio Guamá, onde a paisagem
ribeirinha permeia o imaginário do local. A água é um elemento que estabelece, de
modo preciso, a relação com o tempo e o espaço, a relação com a luz e o tempo que foi
tão cara aos pintores impressionistas. A capital do Estado do Pará tem uma distância
aproximada de cinco horas de voo para São Paulo e Rio de Janeiro – centros de
extravasamento da arte no Brasil e em especial da fotografia. A cidade de Belém - a
metrópole da Amazônia - possui uma paisagem peculiar com belos edifícios do século
XVII e XVIII, castelos residenciais luxuosos, palácios, praças e mercados ecléticos, que
documentam a riqueza e a elegância da cidade no apogeu do ciclo da borracha. A
elegância e o rústico convivem no mesmo cenário. A influência indígena ainda subsiste
no local, no cenário urbano, na culinária, na música, na literatura, no rosto e na pele dos
habitantes da região. Local que possui a sedução da mistura estranha de natureza e
história.
A relação de Luiz Braga com o universo do retrato se inicia muito antes da sua
consagração profissional como fotógrafo. Em 1968, momento que coincide com o início
50
do seu encanto pela fotografia, ele começa uma caminhada prazerosa de familiarização
por esse território, que será marcado pelo manuseio da sua primeira câmera - presente
de um amigo do seu pai – uma Rolleiflex. Ainda criança, divide o seu tempo entre as
brincadeiras e o seu aprendizado num laboratório fotográfico improvisado, no porão da
casa de seus pais. Com um curso por reembolso postal do Instituto Universal Brasileiro,
aprende a revelar as suas fotos. Neste momento, conta as orientações do fotógrafo Oscar
31
do Foto Hollywood em Belém-PA (Ilustração 16) , com quem passa a desvendar os
mistérios das bulas dos filmes.
Seus primeiros retratos (1968) com uma câmera Olympus Trip, ainda num contexto de
“brincadeira de criança”32, são imagens de parentes próximos – suas irmãs. Em seguida,
passa a fotografar os internos do Hospital Juliano Moreira (Ilustração 17), bem como as
obras de melhorias e algumas atividades desta Instituição, para ilustrar os relatórios do
pai, que era médico pisiquiatra daquele Hospital. Após esse primeiro momento de
deslumbre pela fotografia, Braga abandona suas tentativas no campo da imagem, e troca
a câmera por uma guitarra. Cria uma banda de rock e passa a viver uma nova
experiência.
31
Foto apresentada por Luiz Braga no evento: MAC Encontra os Artista - MAC-USP, em 21/08/2012.
32
Relato do fotógrafo no evento: MAC Encontra os Artista - MAC-USP, em 21/08/2012. Disponível em
vídeo: <http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_2/luizbraga_vd.asp>;
acesso em: 12/10/2012.
51
Ilustração 17: LUIZ BRAGA, “No ônibus indo para um passeio no igarapé”, 1969.
Registro dos internos do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira.
Acervo do Artista.
52
Braga começa a sua vida profissional como fotógrafo, num tempo em que a fotografia
anunciava a eminente possibilidade da cor. Nesse contexto, de um lado temos a
existência de uma matriz estética impregnada de realismo e pautada no acento
dramático da imagem em preto e branco, que tinha os seus vestígios na fotografia de
cunho antropológico e documental - afinada com a retórica do fotojornalismo; do outro
lado, o entusiamo por uma atmosfera colorida que a tecnologia mais recente podia
oferecer. A existência da fotografia em preto e branco, nesse momento, encontrava-se
confusa pela oportunidade que as tecnologias mais recentes ofereciam com a imagem
colorida. A pertinência ameaçada da fotografia em preto e branco o levou a uma
pesquisa das possibilidades expressivas do fenômeno da luz existente nessas imagens, e
a recusar sua utilidade voltada especificamente para o fotojornalismo, ou como
documento eficiente para a memória coletiva.
Tendo como foco o gênero “retrato” é importante perceber que a produção em preto e
branco de Luiz Braga não pode ser entendida como uma fase. Ele é o fotógrafo-autoral
marcado pelo experimentalismo, contudo, existe o Luiz Braga fotógrafo publicitário, o
fotógrafo de estúdio, o fotógrafo de moda, indo e voltando de um tipo de fotografia para
outro. Logo, não há uma organização linear, evolutiva e previsível que possa justificar
uma cronologia rígida de fases. A sua produção é marcada por ensaios, séries e
exposições.
Esse retrato é emblemático no percurso do olhar de Luiz Braga. A foto marca o início
dos ensaios em preto e branco, em 1985, quando ele “havia encerrado a série ‘No olho
33
A Série “À Margem do olhar” foi premiada com o Marc Ferrez da Funarte/Brasil em 1988. Em 1987 a
Série foi mostrada na Galeria Fotóptica (São Paulo/SP), e ainda, na Casa de Cultura Laura Alvin (Rio de
Janeiro/RJ) e Galeria Theodoro Braga (Belém/PA). (Luiz Braga, 26/08/2012, ANEXO II).
54
Luiz Braga, num movimento poético, exibe com nobreza o Carregador do porto do sal.
O fotógrafo apresenta o personagem por trás do tombadilho de um barco, onde a área
escura do porão cria um rico contraste de luz e sombra - o preto e branco exagera o
formato, o tom e a forma. Os olhos fotografados, entre o grande plano retangular
horizontal (tombadilho) e o chapéu de palha com abas sinuosas, surgem como um
suplemento ao mesmo tempo insinuante e belo – espelhando o tema da série “À
Margem do Olhar”.
O chapéu de abas sinuosas, dentro dessa imagem, remete o seu sentido a um “extra
campo”36 ao nível do discurso. O personagem ganha um significado que vai além do
aspecto denotativo do carregador daquele porto, lembra a figura do arlequim –
34
Informação prestada pelo artista por e-mail: “[...] Eu havia encerrado a série "No olho da rua" com as
cores da visualidade popular amazônica e mergulhei no preto e branco. [...]” (Ibid, ANEXO B, p. 234).
35
Idem, “[...] minha infância foi cercada de referências que meu pai gostava de nos mostrar: Rembrandt,
Goya, Van Gogh, Rubens, Rugendas. Já atuando como fotógrafo, descobri Hopper, Hockney, Matisse,
Monet. Ou seja, os grandes fotógrafos tanto brasileiros (Maureen, por exemplo) como estrangeiros, eu já
conheci no caminho, pois o acesso era difícil”. (Luiz Braga, 25/07/2010, ANEXO C, pp. 235-236).
36
Roland Barthes, A Câmara Clara, 1984, p. 89.
55
37
Teatro popular improvisado, que começou no século XV. O arlequim é uma personagem da commedia
dell'arte, cuja função no início se restringia a divertir o público durante os intervalos dos espetáculos.
56
Muitos dos retratos deste fotógrafo são declaradamente não posados. Com a câmera
localizada de frente (quase ortogonalmente), ele adere à ângulos “frontais” – manobra
que caracteriza os trabalhos de alguns fotógrafos modernos. Braga não dirige a pose dos
personagens e deixa transparecer que são pessoas comuns na prática dos seus ofícios, ou
no dia-a-dia do seu cotidiano. A única negociação do fotógrafo é pedir aos seus
fotografados que se “mantenham naturais, do jeito que estavam quando os encontrou”
38
. O trabalho de Braga buscando a efemeridade do gesto imprime no habitante do lugar
uma poesia sedutora - o que nos leva a pensar no recorte valorizador citado por Sontag.
38
Informação prestada pelo artista por e-mail: “[...] Peço apenas que se mantenham naturais, do jeito que
estavam quando os encontrei. [...]”. (Luiz Braga, 30/06/2011, ANEXO D, p. 237).
57
39
Roland Barthes, op. cit., p. 46.
40
Philippe Dubois. O ato fotográfico e outros ensaios, 1994, p. 66
58
A atitude artística de Luiz Braga, neste contexto, mescla “recordações da sua infância”
41
e um “sistema imagético” peculiar – emprestando um termo que foi inicialmente
usado por teóricos do cinema. Esse “sistema imagético”, numa definição bastante
simplificada, seria o uso de imagens, elementos e composições recorrentes para
adicionar camadas de significados a uma narrativa, e que podem ser uma ferramenta
poderosa para introduzir temas, motivos e imagens simbólicas, que possam ou não ser
explicitamente tratadas no contexto geral da imagem. Podemos perceber as cenas com
habitantes da região retratando o cotidiano da periferia da cidade de Belém, ou de outras
cidades próximas daquele lugar, como algo característico e marcante nas narrativas de
suas fotografias.
Por outro lado, essa imagem é intrigante. O lugar é sombrio e úmido. No centro da cena,
o alvo avental do barbeiro envolvendo o pequeno corpo do menino - personagem
anônimo da cena – reveste o momento de um sentido, que metaforicamente exala algo
de “sacro” – o rosto angelical da pequena cabeça – quase separada do corpo pelas vestes
brancas, lembra os “santos de roca” 42
. A fisionomia é coroada com uma intensa
fulgência, que estrondeia na linha do horizonte, sobre o garoto - formando um esplendor
41
Informação prestada pelo artista por e-mail“[...] Remete aos sábados em que meu pai me levava ao barbeiro. [...]”
(Luiz Braga, 03/09/2012, ANEXO E, p. 238).
42
O santo de roca é um costume que teve início na Idade Média e que alcançou o apogeu no Brasil durante o século
XVIII. São imagens sacras feitas a partir de uma base articulada, de madeira rústica e leve, que sustenta as poucas
partes expostas da figura: cabeça, mãos e pés, feitos de madeira boa, ou gesso, ou outro material mais nobre. A base
fica escondida sob trajes, que procuram ser realistas o bastante para impressionar o observador.
59
43
A Praça da República é uma das principais áreas livres públicas que a cidade de Belém possui.
60
Nesta fotografia, a figura dos personagens anônimos se encontra centrada num fundo
que conjuga a beleza do espaço, e a ingenuidade, da simplicidade extrema, manifestada
na alegria daqueles gestos. Luiz Braga trabalha com uma cena insólita, onde os corpos
de seus personagens celebram o respeito pelo ser humano num espaço quase sagrado - a
gruta de pedras - iluminada pela luz amazônica. A cena ganha uma dimensão
encantadora - além do aspecto sedutor - o que também foi feito por outros artistas mais
velhos como Mário Cravo Neto. 44
Localizada próxima ao centro histórico, esse espaço se tornou, desde meados do século XIX, uma forte
referência para a organização urbana da cidade e um marco simbólico de um período promissor da capital
paraense. Conhecida originalmente como Largo da Pólvora, a área passou por significativas
transformações em sua estrutura morfológica, sendo a principal no período do intendente Antônio José
Lemos, entre 1897 e 1912. (ver Rubens de Andrade; Vera Regina Tângari. A praça da república e seus
aspectos morfológicos no desenho da paisagem de Belém. In Paisagem Ambiente: ensaios - n. 16. São
Paulo, 2002, p. 48.
44
Mário Cravo Neto. Mário Cravo Neto. Salvador: Ada Galeria de Arte, 1991.
45
Antônio Fatorelli. Fotografia e modernidade. In SAMAIN, Etienne (Org.). O fotográfico. 2ª ed. São
Paulo: Editora Hucitec/Editora Senac São Paulo, 2005. p. 89.
61
No que se refere à temática, Luiz Braga em “Meninos no chafariz” captura uma cena
com movimentos expressivos – a ação dos jovens banhistas na fonte de água. Degas,
também, foi um aficionado pelo movimento expressivo, dedicou predominante parcela
de sua produção à obstinação por retratá-lo, por isso elegeu temas como as corridas de
cavalos, o balé clássico, as lavadeiras, passadeiras, costureiras e outros modelos no
exercício do seu ofício. Neste sentido, é importante perceber que tanto nas pinturas de
Degas, quanto nas fotografias de Luiz Braga, existe uma ênfase nos aspectos subjetivos
da visão e uma crescente virtualização do sujeito. Isto é, quer seja na questão
propriamente moderna da visibilidade impressionista de Degas, ou na amplitude do
contexto relacional 46 , que envolve as estratégias formais de composição de Luiz Braga,
é fato que, historicamente, tais maneiras de perceber o mundo assinalam a existência de
uma ruptura sistêmica entre uma visão estabelecida desde o renascimento e a visão
impressionista – uma mudança da história do olhar e das modalidades de representação.
Podemos perceber similaridades aparentes entre a imagem fotográfica e as outras
modalidades como a pintura perspectivada em suas várias conjunturas. No entanto, tais
similaridades são insignificantes se percebermos a ruptura sistêmica de onde a
fotografia emerge. Vale perceber que
46
Sobre a ideia de contexto relacional que nos referimos quando tratamos das estratégias formais de
composição de Luiz Braga, ver a ideia de posição relacional, apresentada por Rosalind Krauss, em “A
escultura no campo ampliado”, em Gávea, n° 1, Rio de Janeiro, 1985, p. 93.
47
Antonio Fatorelli, op. cit.,p. 92.
62
ruptura com o modelo de representação que reflete o mundo (ou reproduz). O fim do
regime visual do Classicismo coincide com o fim do discurso representativo, que era
profundamente realista, pois a linguagem funcionava como meio de conhecer as coisas.
Acreditava-se que entre palavras e coisas havia uma relação causal, onde as palavras
existiam para representar as coisas. Na modernidade, ao contrário, evidencia-se o fato
de que as palavras não dizem as coisas, não as representam, nem as significam,
transformando-se em meio e fim em si mesmas, ou seja, onde a “verdade” deve ser
destruída para libertar outras, incessantemente, indefinidamente, infinitamente. Talvez,
isto possa contribuir para ampliar o estudo da noção de transparência e opacidade
surgidas nos estudos da norte-americana Rosalind Krauss sobre a escultura moderna, e
analisadas nos estudos do historiador brasileiro Tadeu Chiarelli no contexto “da e na
fotografia”48, no texto “Luiz Braga e a fotografia opaca”, que será um ponto de reflexão
no segundo capítulo deste trabalho.
Natal (Ilustração 22) é um trabalho bastante conhecido do acervo deste fotógrafo. Essa
foto já possui 27 anos (2012), e fez parte da mostra em vários eventos, entre eles a
49
Exposição Arraial da Luz, no Arraial de Nazaré (Belém - 2005), da Exposição
48
Tadeu Chiarelli, op. cit., p. 10.
49
A exposição‚ com curadoria de Rosely Nakagawa‚ fugiu das propostas convencionais, e segundo a
curadora, se aproximou da marca de Braga. Para ela, Braga foi o pioneiro ao realizar a primeira exposição
virtual em Belém‚ e mostrar seus trabalhos em uma danceteria (Signos Club) nos anos 80, ou expor fotos
de corpos nus. “Essa inquietude faz parte de mim. Estou tentando sempre buscar uma forma diferente de
63
A imagem apresenta cinco mulheres – quatro meninas e uma jovem senhora diante do
parapeito da orla de um caudaloso rio. A organização da cena traz questões intrigantes.
As personagens estão de costas para o observador e seus olhares divididos, miram em
direções distintas. Da esquerda para direita, a primeira personagem da cena - separada
do grupo por uma coluna da balaustrada da orla, serenamente tem o olhar fixo para o
lado esquerdo do quadro; a segunda garota, que segura sua boneca ao lado da jovem
senhora, parece contemplar algo a sua frente numa conversa com sua acompanhante;
enquanto as demais garotas olham fixamente para o lado direito do espaço. Assim, a
chegar às pessoas”‚ diz Luiz Braga. A Exposição Arraial da Luz, contou com uma grande estrutura que
recriou os espaços típicos de um arraial - como o carrossel‚ o trem-fantasma‚ o lambe-lambe, e celebrar a
arte da fotografia. A exposição Arraial da Luz‚ que inaugurou no dia 1º de junho de 2005‚ e foi abrigada
em seis grandes espaços revestidos com plotagens gigantes, que poderam ser vistas a grande distância
pelo público. Disponível em: < http://photos.uol.com.br/materias/ver/53657>, em 12/10/2012.
64
cena que parece ter uma unidade – fragmenta-se diante da grande “janela do rio”. O
tempo e o espaço se tornam fracionados pelo gesto breve daqueles olhares – possíveis,
mas incertos.
Luiz Braga, nesta foto como em outras apresentadas até aqui, vai ampliando a ideia do
retrato fotográfico. Moldando a plasticidade da imagem, sua intenção se desloca do
campo de um “retrato formal” 50
– onde o modelo e o fotógrafo têm um conhecimento
consensual do evento e normalmente trabalham juntos para criar a imagem, e alcança a
ideia de “retratos espontâneos” 51
, onde o assunto está alheio ao fotógrafo – uma
atmosfera mais relaxada e natural atravessa a efemeridade do gesto. Nesta imagem, Luiz
Braga como diferentes fotógrafos brasileiros, prefere realizar a captura dos seus
fotografados segundo um conceito estético, onde o fundamental é um pensamento da
imagem que guarda o seu lugar na força da sobreposição de linguagem, natureza da
fotografia, e cultura.
50
David Präkel. Composição. Tradução: Mariana Belloli. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 140.
51
Ibid, p. 140.
52
Caroline Mathieu; Dominique Lobstein; Guy Cogeval, et al. Impressionismo - Paris e a Modernidade,
obras-primas do Musée D’Orsay. São Paulo: Editora EXPOMUS, 2012. p. 50.
65
53
(Ilustração 25) , onde em ambos, os pintores rompem com o retrato tradicional,
representando suas personagens de costas ou quase de costas. Como eles, Braga de
forma simples, insere figuras vistas de costas em paisagens ou em espaços fechados
como em Carinho no balcão. Ainda que em momentos distintos, o interesse desse
fotógrafo e, também daqueles pintores, desloca-se da identidade dessas pessoas e
alcança o gesto, o momento, a visualidade a partir de uma maneira valorizadora de vê-
las. Neste sentido, podemos observar o que Fatorelli diz quando apresenta reflexões
sobre a história dos processos de inscrição,
“Mais do que mobilizar modelos geométricos e óticos, os meios
visuais são a expressão de modelos cognitivos e perceptivos de
uma época, e o são de modo exemplar por ocasião do seu
surgimento, no momento em que sintetizam uma trajetória de
acúmulo de conhecimentos e práticas em diferentes áreas,
quando são de tal modo inéditos que despertam a polêmica e a
incompreensão em diferentes campos.” 54
Além disso, como trazem procedimentos que rompem com a tradição podem gerar
desconfortos quando provocam controvérsia e oposição nos campos da estética e outros.
Com a fotografia, e com aqueles pintores impressionistas, também não foi diferente. Por
volta do ano de 1850, Baudelaire teceu furiosos comentários sobre o novo meio, e as
outras áreas também ficaram abaladas com aquela nova maneira de ver - além da ampla
disseminação entre artistas e outros interessados nas possibilidades que a fotografia
53
Ibid, p. 51.
54
Antonio Fatorelli, op. cit.,p. 83.
55
Pierre Levy. As Tecnologias da Inteligência. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. p. 14.
56
Ibid, p. 14.
57
Ibid, p. 14.
66
Ora, nesse contexto a fotografia passou a ser “um destes dispositivos técnicos pelos
quais percebemos o mundo”58 e, tanto a pintura impressionista quanto a fotografia, são
significativas fontes de imaginário - “entidades que participam plenamente da
instituição do mundo percebido” 59
, de uma maneira profunda que afetou as demais
práticas. Numa via de mão dupla, a pintura passaria a incorporar valores fotográficos e
vice versa. De modo positivo ou negativo, estamos diante de uma situação onde
passamos a ter uma outra visualidade inaugurada por este meio - um tipo de olhar que a
fotografia encarnou de forma ideal.
58
Ibid, p. 15.
59
Ibid, p. 15-16.
67
Ilustração 25: FRÉDÉRIC BAZILLE. O Vestido cor de Rosa. 1864.Óleo sobre tela.
Acervo do Musée D’Orsay - Paris.
68
Na foto Natal há uma suspensão do mundo, daquele momento, daquela situação, por
onde transparece a densidade e as questões relacionais da imagem. Em outras palavras,
a cena retratada volta em tempos e espaços distintos repensando o pensamento da
“gênese automática” 60
da fotografia, isto é, “que o homem não intervém e não pode
intervir sob pena de modificar o caráter fundamental da fotografia.” 61
Braga, mais uma
vez, se recusa a seguir os princípios basilares da fotografia tradicional. Sua intervenção,
nesta imagem dá-se em vários momentos. No momento do fotográfico, quando procura
refletir a efemeridade daquele gesto sinalizador de uma visibilidade impressionista
presente em Degas e em outros, cuja análise traria um conjunto de operações que
marcariam, na história, novos processos de subjetivação associados a outros regimes de
signos. Ele interfere, ainda, no plano do pós-fotográfico - o negativo de 35 mm em preto
e branco, que foi digitalizado e impresso em momentos diversos, seguindo a demanda
das exposições.
Nesse percurso, suas experimentações vão além das inovações das estratégias
compositivas, ou da subversão das informações das bulas dos filmes - ele com um
temperamento inquieto nega-se à naturalização do tempo e gera um descompasso que
nos leva a pensar na observação de Latour: “tudo ocorre por mediação, por tradução e
62
por redes, mas este lugar é o impensável dos modernos”. Braga ao capturar aquela
situação e trazê-la tantas vezes, em outros momentos singulares, adensa a análise da
fotografia simultaneamente como natureza e cultura, reflexo e reflexão, ciência e arte,
magia e técnica. Tudo ao mesmo tempo, rejeitando divisões artificiais que poderiam
gerar a separação entre a natureza e a cultura, do inato e do aprendido, além da distinção
entre as coisas e os objetos. Braga reencontra a noção da mediação de Latour (1994) - o
respeito por outros caminhos e possibilidades diferentes o leva a inventar assim um
empirismo, talvez mais realista e que o impulsiona a experimentar outros sentidos para
suas imagens.
60
Philippe Dubois, op. cit., 1994. p. 85.
61
Roland Barthes. “A Mensagem Fotográfica”, em O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984, p. 86.
62
Bruno Latour. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. p. 43.
69
Tal como na pintura, os fotógrafos adotaram três tipos de retrato – busto, meio corpo e
corpo inteiro – e em cada categoria o retrato podia variar entre a vista de perfil, a três
quartos ou frontal. Contudo, os primeiros retratos do Renascimento Flamengo exibiam
70
Este diálogo entre fotografia e pintura analisado neste retrato - Rosa (1990) -, mostra
que tradicionalmente os fotógrafos recriavam tanto as poses como os cenários
característicos da pintura, e foram buscar muitas das suas referências no Renascimento,
tanto do ponto de vista estrutural como em nível de conteúdo. Tal como no
Renascimento, também a fotografia de retrato surgiu numa época em que o interesse
63
Andreas Beyer, Portraits: a history. Nova Iorque [E.U.A.]: Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 2003. p.
38.
64
Fotografia colorida, ver Ilustração 02.
65
Paulo Herkenhoff. Catálogo da Exposição Luiz Braga - Território do Olhar. Vitória: Museu Vale do
Rio Doce, 2005. p. 4.
71
pela identidade suscitava uma enorme curiosidade, tal como o seu lugar na história e no
tempo.
Luiz Braga, conforme relatos66 apresentados sobre o seu trabalho, edificou a base de sua
poética no experimentalismo. Uma trajetória inquieta e peculiar, onde foi somando
vivências e um universo de múltiplas referências. Num primeiro momento, buscou as
bases compositivas de seus trabalhos na pintura dos grandes mestres, e nas suas
tentativas com o cinema. Entretanto, vale ressaltar ainda, que o “olhar fotográfico” de
Luiz Braga, é um “olhar” emergido e trabalhado no interior de uma sociedade já
permeada pelo discurso da imagem, onde quase toda informação é imagem ou a ela está
relacionada -, e onde a fotografia enquanto imagem técnica é elemento constitutivo da
cultura visual do local onde Braga nasceu e vive.
66
MAC Encontra os Artistas - MAC-USP, em 21/08/2012. Disponível em vídeo:
<http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_2/luizbraga_vd.asp>; acesso
em: 12/10/2012.
67
Muitas de suas pinturas representam pessoas comuns, como “Os Raspadores de Assoalho”, cujo tema
traz operários trabalhando. Essa pintura foi rejeitada no Salão Oficial por tratar de um tema vulgar.
68
Susan Sontag. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
p. 118.
72
Luiz Braga, na sua caminhada como fotógrafo autoral, nunca abandonou o interesse de
um fotógrafo amador. Mantendo-se algumas vezes na posição de observador apresenta
em suas imagens questões relacionadas às narrativas de vidas íntimas, ou cenas do
cotidiano com a presença de pessoas, que nem sempre percebem a presença do
fotógrafo. Essas estratégias lembram em algumas de suas imagens, como já dito, o
caráter voyeurista em Degas. Em Dormitório Antônio Lemos (Ilustração 28), e Serra
dos Carajás (Ilustração 29), o olhar amazônico de Luiz Braga vai construindo um
percurso, um “território” com características marcantes que mostram os seus encontros
com o mundo que o cerca. A fisionomia amazônica - tema de suas produções - amplia-
se e constrói um olhar reflexivo e vivo sobre as questões que envolvem os seus
69
Gabriel Bauret. Approches de la photographie. Paris: Nathan, 2002, p. 51.
70
Maria Eliza Linhares Borges. História & Fotografia. Belo Horizonte: Autentica, 2008. p. 30.
73
referentes. Não são apenas os aspectos do lugar que estão em jogo, mas gestos, objetos,
questões estéticas e sociais. A fotografia em preto e branco significativa no início de sua
carreira, retorna em momentos distintos – com novas imagens, ou aquelas da década de
80, atualizadas em eventos recentes. Essas imagens ganham aspectos além das
características dos referentes amazônicos.
71
A expressão “território do Olhar", originalmente, foi apresentada por Luiz Braga para a Exposição
realizada em 2005, no Museu da Vale, em Vila Velha(ES), sob a curadoria do Paulo Herkenhoff.
75
A produção de Luiz Braga envolve algumas fotos que ainda são pouco conhecidas no
circuito das artes. A Série “Solitude” – “onze imagens realizadas entre 1976 e 2004”72 -
guardam questões que podem ampliar o nosso estudo. As imagens provocam uma
reflexão sobre o seu lugar no mundo contemporâneo – momento marcado pela
abundância de propostas visuais e pela diluição do olhar. Neste contexto, analisaremos
sete fotos dessa Série. São três imagens em preto e branco e quatro coloridas que se
encontravam guardadas entre tantas outras já mostradas nesse capítulo. Xícaras
penduradas. Um vaso de cristal sobre uma toalha de crochê. Cadeiras vazias. Um ferro
de passar roupas. Uma máquina de costura. Um mosquiteiro. Um sofá. Objetos que
representam ausências: a falta de alguém para desfrutar aqueles lugares, aquelas coisas.
Essas fotos estão impregnadas de afeto e adquirem um “outro sentido” e um lugar
especial. Nelas a “falta” não é simplesmente prejuízo, mas torna-se um canal de diálogo
do espectador com aqueles objetos e espaços. Uma conversa com a memória num
momento marcado pela superficialidade diante da abundância desaforada de acúmulos
de informações, da rapidez das redes comunicacionais – a “transparência” levada ao
“êxtase da representação” 73- é como se o ontem não tivesse mais importância.
Sua longa trajetória imagética sempre foi marcada pela forte presença humana – o
habitante da região amazônica. Em “Solitude”, a expressiva aparência dos personagens
se faz inversa. Essas imagens comportam o silêncio, a ausência da figura humana que se
faz presente no objeto, na arrumação dessas coisas no ambiente doméstico, na
organização das flores no centro de mesa da sala, no mosquiteiro engenhosamente
dependurado na alcova. É por meio da falta das pessoas, que estão ligadas
cotidianamente àqueles objetos, que surgem lembranças dos tempos de outrora e do
afeto que existe impresso nas coisas e cômodos daqueles lares.
Luiz Braga configurou sua poética em “Solitude” a partir das referências buscada no
outro, para mencionar a si mesmo. O desejo era externar o quanto esses objetos fizeram
72
Marisa Mokazel. LUIZ Braga: imagens e afetos. In Catálogo do II Prêmio Diário Contemporâneo de
Fotografa: crônicas urbanas / Mariano Klautau Filho et al. Belém: Diário do Pará, 2011. p. 106.
73
Sobre essa ideia de “transparência” e “êxtase da representação”, ver Baudrilard (1983, p. 71).
76
parte da sua vida e o remetem às pessoas queridas, aos momentos especiais, aos lugares
da memória. É um trabalho mais intenso do que um arranjo frio de objetos inanimados.
Neste sentido, Braga diz: “no momento em que eu me lanço nesses objetos, estou em
busca do meu sentimento” 74
. Sobre essa questão é pertinente observar o que Susan
Sontag afirma: “Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo
em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto ao
poder.” 75
Sontag manifesta uma visão moderna e reflete sobre o aspecto da foto ser a experiência
capturada através da câmera, que seria o recurso da consciência nessa busca. No
entanto, desde meados dos anos 70, a teoria da fotografia não raramente volta-se para a
ideia de que fotos podem ser entendidas também como processos de codificação e
significação cultural. A análise pós-modernista tem oferecido outras maneiras ou formas
alternativas de compreender o sentido da fotografia em termos de sua autoria e dos
desenvolvimentos estéticos e técnicos desse veículo, cuja lógica interna e externa sofre
interferências de outros campos, ou experiências. O que fica aparente na Série
“Solitude” é que as fotos proprocionam experiências atreladas às imagens estocadas nos
“bancos de dados” da nossa memória e da memória de Luiz Braga: cenas de família,
cenas de filmes, fotos antigas, peças de mobiliário, pinturas e assim por diante. Existe
algo de profundamente familiar que preenche o vazio deixado pelo silêncio e a ausência
da figura humanana; a chave para captar estes significados vem do nosso próprio
conhecimento cultural de imagens – amalgamados tanto por imagens genéricas do
substrato de nossa cultura visual, como outras específicas. Estas fotos de Luiz Braga
são, de fato, um convite para a consciência do que vemos, de como vemos e de como
essas imagens afetam e dão formas as nossas emoções e ao nosso entendimento de
mundo. A propósito, segundo Cotton
74
Fala do artista, disponível em: http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=128652. Acesso
em: 22/10/2012.
75
Susan Sontag, op. cit., p. 14.
76
Charlote Cotton. Revivido e refeito. In A fotografia como arte contemporânea. Tradução de Maria
Silvia Mourão Netto. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 192.
77
Com a Série “Solitude”, Luiz Braga, foi o fotógrafo convidado do II Prêmio Diário
Contemporâneo de Fotografia77 A curadoria do evento tocada por esse universo
desvelado por estas fotografias, organizou uma mostra a partir de um recorte não
cronológico, “uma vez que não era o ‘quando’ o que mais importava, mas o eixo afetivo
e sensível que as interligavam, além da organização formal não usual e a perspicaz
78
transversalidade de tempos.” A curadoria juntamente com Luiz Braga selecionou as
imagens da mostra, construindo um recorte que trazia uma leitura diferenciada do
repertório de imagens pelo qual esse fotógrafo se tornou conhecido durante sua
trajetória artística – imagens comprometidas com o cenário amazônico, com o refinado
rigor técnico e a expressiva autoria advinda do experimentalismo que se evidenciaria
com o passar do tempo.
77
Com a temática de Crônicas Urbanas o II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia se dedicou no ano de 2011, a
explorar a cidade como lócus da cultura, tema de reflexão e de questionamento sobre o universo urbano e
a presença do artista neste meio. Luiz Braga, como artista convidado, participou desse evento, na cidade
de Belém, com a série “Solitude”. II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografa: crônicas urbanas /
Mariano Klautau Filho... [et al.]. – Belém : Diário do Pará, 2011.
78
Marisa Mokarzel, op. cit., p. 106.
78
Essa visão pós-moderna consolidou uma produção vigorosa e de grande apelo estético,
num momento em que pontos de vista que polarizam realidade-ficção e documento-
imaginação mostram-se cada vez menos eficazes. Uma produção a partir da
subjetividade – através de um olhar polissêmico, orgânico, que não apenas atesta o
tempo-espaço dos fatos, mas adentra em suas tecituras e labirintos. Essa é uma visão
que, certamente tem um acento de influência dos princípios da linguística estrutural e de
seus desdobramentos filosóficos — o estruturalismo e o pós-estruturalismo,
principalmente nas formulações de pensadores franceses como Roland Barthes (1915-
1980) e Michel Foucault (1926-1984). Uma visão na qual o significado de qualquer
imagem não está apenas na realização do trabalho de um autor, nem necessariamente
sob seu controle, mas é determinado também pelas referência de outras imagens ou
sinais presente na cultura e memória.
Tais fotografias mostram como coisas não humanas, em geral objetos muito comuns do
dia a dia podem tornar-se extraordinárias quando fotografadas. Imagens surgidas em
79
Ibid, p. 109.
80
Jean Baudrillard. A arte da desaparição. In BAUDRILLARD, Jean. A Arte da desaparição. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 32.
79
81
Joaquim Paiva (Org.). Visões e Alumbramentos: fotografia contemporânea brasileira na coleção
Joaquim Paiva. São Paulo: BrasilConnects, 2002, p. 36.
81
Ferro (Ilustração: 33) é um bom exemplo para ampliarmos nossa reflexão sobre uma
outra questão presente na Série “Solitude” - a possibilidade de mostrarmos que por meio
da fotografia, a matéria cotidiana pode ser dotada de uma carga visual e de
possibilidades imaginárias que vão além de sua função trivial. Um tratamento simples,
sensível, planos e escala, um contexto típico, e correlações entre formas e formatos. Em
Ferro e Máquina de costura (Ilustração 34) os objetos capturados podem parecer tênues
e transitários, que mal se constituem como um tema fotográfico propriamente dito. No
entanto, de uma maneira geral, não se deve pensar que esse tipo de fotografia dedica-se
basicamente a tornar visível aquilo que é um não-tema, ou as coisas do mundo
desprovidas de simbolismo visual. Não existe um objeto não fotografável ou que não
84
Desde a década de 1960, alguns fotógrafos têm procurado agregar significados aos
objetos capturados, dando sentidos diversos na leitura do seu caráter denonativo. Neste
contexto, além do aspecto documental, antropológico ou de outra natureza, existe um
certo conceitualismo lúdico presente em algumas fotografias de natureza-morta, que
tem se atualizado na cena contemporânea, em sentidos diversos e criando um território
82
que flerta com questões paralelas na esfera da escultura pós-minimalista . Essa
abordagem fotográfica tem-se orientado por tentativas correlatas de criar arte a partir da
matéria da vida cotidiana, rompendo os limites entre o estúdio, a galeria e o mundo. O
82
Uma recusa ao alto grau de simplificação e ao intelectualismo presentes no minimalismo leva alguns
estudiosos a ver no pós-minimalismo uma arte 'antiformalista', que dialoga com diversas tendências
artísticas: com as 'esculturas moles' de Claes Oldenburg, com o expressionismo abstrato, com a arte pop
e, em alguns casos, com o surrealismo (as obras de Lucas Samara, por exemplo).
85
espectador passa a ter uma reação diferente da que é desencadeada pelas tradicionais
obras-primas virtuosísticas da história da arte. Em última análise, e relevante nesse
estudo de “Solitudes”, essas imagens desestabilizam a noção do objeto como uma forma
plástica isolada, desvinculada do ambiente e da história em que se encontra.
Sopro no piano 83(Ilustração 35) é uma imagem que comporta o silêncio e a ausência da
figura humana, como na Série “Solitude”. No entanto, essa ausência humana é quebrada
quando Orozco ativa determinados fios de pensamento no espectador. A fotografia pode
83
Charlote Cotton. Alguma coisa e nada. In op. cit., p. 117.
86
ser vista como uma documentação daquele instrumento músical, em silêncio, naquela
sala. Por outro lado, pelo título da obra, podemos, também, entender essa imagem como
documentação do ato altamente fugidio de respirar sobre a superfície uniformemente
lustrosa de um tampo de piano. De qualquer forma, aquela imagem nos leva a pensar
naquele gesto. Ou verdadeiramente, o que aconteceu, ou acabou de acontecer (talvez
haja apenas um instante) diante da câmera? Essa leitura introduz uma faceta igualmente
importante, tanto na obra de natureza-morta de Gabriel Orozco e de Luiz Braga - a
possibilidade de ver a imagem como imagem, como formas numa superfície, sendo essa
uma das condições fundamentais da ampliação fotográfica que se torna visível para o
expectador.
Braga, referindo-se ao início da sua vida profissional, diz: “as minhas influências como
fotógrafo elas vinham muito mais dos fascículos que eu lia da Editora Abril, com os
mestres da pintura, do que dos fotógrafos”84. Ele sempre reconheceu que suas primeiras
referências no campo compositivo foram com as obras dos pintores da história da arte.
Neste sentido, nos propomos a analisar alguns ecos na Série “Solitude”, que dialogam
com questões da visibilidade impressionista, e outras mais amplas inerentes ao campo
mais genérico da pintura. Ao observarmos Centro de mesa e crochê (Ilustração 36), e
84
Relato do fotógrafo no evento: MAC Encontra os Artista - MAC-USP, em 21/08/2012. Disponível em
vídeo: <http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_2/luizbraga_vd.asp>;
acesso em: 12/10/2012.
87
outras imagens dessa série, parece ser inevitável fazer um recuo à algumas questões da
visibilidade da pintura holandesa de natureza–morta ao século XVII.
85
Seymour Slive, Pintura holandesa, 1600-1800. Tradução de Miguel Lana e Otacílio Nunes. São Paulo:
Cosac & Naify, 1998. p. 280.
86
L. J. Bol. The Bosschaert Dynasty (Leigh-on-Sea, 1960), p. 20
88
Ilustração 37: BOSSCHAERT, O velho: Buquê em janela arqueada. Óleo sobre tela, 1620.
Haia, Mauritshuis. 280
Luiz Braga é sutil no contraste de Centro de mesa e crochê, e cuidadoso com o eixo
axial da composição. Ele reconhece a importância de cada elemento no conjunto da
imagem. Ao mesmo tempo, em que pelo tema, aproxima-se das naturezas-mortas de
pintores como Paul Cezanne (1839-1906), por exemplo, Natureza-morta com Sopeira
(Ilustração 38), que seguiu pintores da escola holandesa e espanhola – artistas atentos à
vida silenciosa, sensíveis à poesia do cotidiano, ao estudo da luz sobre os objetos, as
cores, a construção do espaço pelo jogo de linhas verticais e horizontais. Sobre essa
ideia do contraste na fotografia podemos observar o seguinte
87
David Präkel, op. cit., p. 160.
89
88
Roland Barthes. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 45.
90
transportam um gesto no tempo; aquele momento que se oferece ao olhar, mas, também,
o regresso de um “morto” – lembranças, afetos e sentimentos, que como um fantasma,
como uma existência do passado que se manifesta no presente. Roland Barthes sugere
que ao olharmos para uma fotografia olhamos para algo que já não existe. O momento
passou. Uma fotografia replica sempre aquilo que já perdemos, e acaba por sugerir uma
necessidade de registrar, de tentar reter o mundo e aqueles que nos rodeiam. Não são as
xícaras, as cadeiras, a máquina de costura, ou o ferro de passar roupa que por si só
movimentam os sentimentos de Braga, mas momentos passados repletos de poesia, que
se atualizam no seu cotidiano e o convidam a uma experiência estética cheia de
plasticidade para si, e que se renova em cada espectador. O lugar do objeto fotográfico é
sempre o passado, mas a fotografia, silenciosamente, aponta intensamente para algo,
acabando por dar ao passado uma permanência. O fato de a fotografia ser um rastro de
algo que existiu, a sua ligação à presença material do objeto, por um lado intensifica o
seu estatuto como um prenúncio de morte, mas por outro, e em simultâneo, acaba por se
ligar à vida.
O refinamento do olhar de Luiz Braga que captura com sutileza e elegância a fisionomia
e os gestos dos habitantes da região norte, também, estende-se para a maneira com ele
apreende esses objetos da Série “Solitude”. Neste sentido, podemos observar um
comentário de Caravaggio - mestre revolucionário do Barroco -, que desafiando a
hierarquia estabelecida dos gêneros de pintura, e antecipa em três séculos uma
observação também feita por Matisse. Ele afirma: “era preciso tanto engenho para pintar
um bom quadro de flores quanto para um de figuras.”89 Podemos aplicar essa afirmação
do pintor ao universo mais amplo da imagem, e à foto Centro de mesa e crochê, como
também às demais imagens dessa Série.
89
Giovanni Botari e Stefano Ticozzi, Raccolta di lettere, 6 (Milão, 1822), p. 123: ... “il Caravaggio
disse, che tanta manufatura gli era a fare um quadro buono di Fiori, come di figure” (da carta de
Vicenzo Giustianini a Teodoro Amideni). In Seymour Slive, op.cit., p.337.
91
que constroem, neste contexto, uma hiperpercepção do que excluímos do nosso olhar,
do que não vemos, e portanto não definimos como tema ou conceito que pode ser visto.
Podemos observar Mosquiteiro (Ilustração 41). Essa fotografia, com aquele acessório
engenhosamente dependurado na alcova, dá a essa natureza-morta um subtexto de
intimidade onde percebemos a representação da natureza das relações humanas por
meio dos vestígios da vida doméstica e ao mesmo tempo nos fazem pensar nos atos de
representação pictórica que procuramos discutir até aqui. Essas fotografias de xícaras,
vaso de flores, e outros objetos do cotidiano, como já mencionamos, fazem referências
compositivas à pintura holandesa de naturezas-mortas do século XVII. Um exemplo
significativo é a obra Willem Kalf (1619-1693), Natureza-morta com taça Nautilus e
90
tigela Wan-li (Ilustração 39) , que mais do que refletir aspectos da história da arte
holandesa, ressalta a cultura visual do lugar. Embora Luiz Braga não pretenda levar-nos
à linguagem simbólica específica desses objetos do gênero histórico da pintura, ele com
a Série “Solitude” chama nossa atenção para o potencial metafórico e narrativo dos
objetos domésticos quando são representados como imagem.
Ilustração 39: Willem Kall. Natureza-morta com taça Nautilus e tigela Wan-li, 1962.
Madrid, Fundacion Thyssen-Bornemisza.
90
Seymour Slive, op.cit., p.285
92
A combinação de plasticidade e afetos nessas fotos da Série “Solitudes” cria uma tensão
que desfaz a perspectiva monocular tradicionalmente atribuída à fotografia. Braga
experimenta a perspectiva e planos intercambiantes nessas imagens, como na pintura de
uma natureza-morta em que os objetos estrategicamente são situados em determinados
ângulos para podermos intuir que existe um potencial narrativo nas ligações formais que
os vinculam. Consciente ou inconscientemente, ele faz o uso da sensibilidade pictórica
na composição dessas fotografias de grande beleza, marcadas muitas vezes pela
precariedade das posições de observação. Esse aspecto, no âmbito das narrativas da
natureza-morta doméstica, sugere estados emocionais intensos, términos e rupturas –
atinge as imagens de interiores presentes nas pinturas do século XIX.
Provavelmente não existe tema que não possa ser embelezado; além disso, não há como
suprimir a tendência, inerente a todas as fotos, de conferir valor a seus temas.” 91 A
cuidadosa construção de Braga, envolvendo esse conjunto de objetos secundários,
instiga questões sobre nosso próprio relacionamento com as fotografias: Por que
estamos olhando para isso? Em que ponto da história e de nossa vida um mosquiteiro,
como o representado nessa foto, passou a merecer a nossa atenção? Em que medida essa
imagem precisa ser abstraída por um enquadramento aparentemente inocente a fim de
nos permitir reconhecer uma natureza-morta tão cheia de sentidos? Tais fotografias nos
mostram como as coisas não humanas, em geral objetos muito comuns do dia a dia,
podem se tornar cheias de significados quando fotografadas.
91
Susan Sontag, op. cit., 41.
94
92
Ibid, p. 119.
93
Ibid, loc. cit
95
CAPÍTULO II
Foi no subúrbio da cidade de Belém, na Estrada Nova94, onde o interesse de Luiz Braga
pelas “cores caboclas”95 se iniciou. Aproximadamente em meados da década de 1970,
ele percorria o itinerário comum para ir à Universidade Federal do Pará, onde cursava
Arquitetura e Urbanismo. No caminho pela margem do Rio Guamá96, Braga passou a
ficar encantado com o cenário colorido da periferia paraense – visualidade peculiar que,
certamente, poucos conseguiam valorizar. O olhar particular conferia àquela paisagem a
possibilidade de se tornar o seu primeiro ensaio autoral. Encontrando um caminho
poético através da cor, ele inicia uma Série que resultará na mostra “No Olho da Rua”
97
, exposta nas cidades de São Paulo e Belém, em 1984; e na sequência, também,
algumas imagens dessa mostra foram exibidas na cidade do Rio de Janeiro, numa
coletiva, em 1985, com o título de “Foto-Grafismo” 98.
94
A Estrada Nova (atual Bernardo Sayão) foi uma via construída para resolver os problemas dos bairros
de várzea: Guamá, Jurunas e Condor. Nestes bairros residia a população pobre de Belém. As casas a
maioria barracas de madeira ou de pau-a-pique eram construídas em um nível mais elevado, e eram
ligadas às ruas por pontes. Havia grande número de bares e a venda de doces, tacacá e açaí. eram
construídas em um nível mais elevado, e eram ligadas às ruas por pontes. Informação Disponível em:
http://www.oparanasondasdoradio.ufpa.br/contexto60link17-osbairrosdebelem.htm Acesso em:
19/11/2012.
95
Expressão usada pelo artista para definir “as cores primárias, sem nuances e sem tons ‘pastel’ – o
‘colorismo’ espontâneo presente na visualidade popular amazônica.” (Entrevista no DVD da Exposição
Antônio, Luiz e Bina – Casa da Gávea – Rio de Janeiro – Agosto de 2010). Acervo da Galeria.
96
O Guamá é um grande rio, chamado por alguns poetas como o “rio mar”. Localiza-se no nordeste do
estado do Pará. Na sua margem direita se situa o campus principal da Universidade Federal do Pará, à
altura da cidade de Belém, capital do estado do Pará.
97
Exposição de Fotografia realizada no Centro Cultural São Paulo (parede da fotografia) – Rua
Vergueiro, nº 1000, no período de 19/09/1984 a 07/10/1984; e na Galeria Theodoro Braga – Teatro da
Paz, no período de 16 a 30/11/1984. O Catálogo apresenta texto de Osmar Pinheiro. (ANEXO F, pp. 239-
240)
98
A Exposição Foto-Grafismo foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, na Galeria de Fotografia da
FUNARTE – Rua Araújo Porto Alegre, nº 80 – Centro - sob a Coordenação de Ângela Magalhães e
Nadja Peregrino, no período de 10/04/1985 a 10/05/1985. A Coletiva apresentou trabalhos de oito
fotógrafos: Adriano Mangiavacchi, Cássio Vasconcellos, Edson Meirelles, Israel Abrantes, Luiz Braga,
Luiz Sotomayor, Mauro Fichman e Rochelle Costi. O Catálogo apresenta textos de Décio Pignatari e
Stephania Bril. (ANEXO G, pp. 241-247)
96
Esse momento singular, quando Braga é afetado pela visualidade da periferia da cidade
de Belém, também é abalizado por outros encontros propulsores na construção de uma
poética que busca uma fotografia autoral. Conforme já foi mencionado, o fotógrafo
participou de momentos marcantes na reflexão da visualidade amazônica, e nas
discussões sobre o caráter extremamente visual do Brasil. A III Semana Nacional de
Fotografia (Fortaleza)99 e o I Seminário sobre “As Artes Visuais na Amazônia”
(Manaus)100 são eventos que o fotógrafo sempre evidencia como momentos
motivadores em sua carreira, inclusive o segundo, ele o cita no currículo apresentado no
Catálogo da Exposição “Foto-Grafismo”101 – que é uma mostra simbólica desse
encontro do artista com a cor e a geometria.
99
Ver nota 18.
100
Ver nota 15.
101
Ver ANEXO G, pp. 241-247 – Cópia do Catálogo Foto – Grafismo (1985).
102
Andrea Bonomi. Fenomenologia e estruturalismo. São Paulo: Perspectiva, 2004, pp. 79-91.
103
Bonomi aponta que em relação à constituição do mundo da experiência, pode-se falar de uma
preeminência da intencionalidade funcionante (isto é, por assim dizer, aquela intencionalidade que é
agida antes de ser reflexiva) em relação à intencionalidade temática (que põe reflexivamente o seu
objeto). (Ver Andrea Bonomi, op. cit., p. 82)
104
Ibid, 83.
105
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
12min23seg a 12min50seg. (com adaptações)
97
Nestas fotos106, como podemos notar em Papagaios Amarelos (Ilustração 42), Papagaio
Azul (Ilustração 43) e Bilharito (Ilustração 44), Luiz Braga é tocado por aquele
“mundo” das cores e das formas. Esse ensaio, a partir da ótica desse fotógrafo, remete,
por um lado, a reflexão acerca da dinâmica da expressão popular em confronto com
elementos historicamente modificadores; por outro, sinaliza a superação de uma
perspectiva meramente documental, propondo uma visão que nos convida a estabelecer
uma outra relação com cenário cotidiano. Por ocasião da Exposição “No Olho da Rua”
(1984), na cidade São Paulo, Arlindo Machado, no artigo “A dança cromática nas ruas
de Belém”, publicado na Folha de São Paulo, diz o seguinte
A alegria tão presente nas festas da periferia, na maneira de viver daqueles habitantes,
está impressa nesses objetos – onde a cor é reflexo do afeto particular e coletivo. No
entanto, por meio do corte, ele aproxima essas imagens da estrutura da fotografia
moderna “abstrata”, e ressalta um dado interessante que instiga a reflexão do
observador: o silêncio e ausência da figura humana. De forma paradoxal, essas imagens
transmitem alegria e solidão – mas num contexto diferente daquele mostrado no
primeiro capítulo108. O colorido e as formas capturadas por Braga dão leveza e alegria a
essas imagens solitárias. Susan Sontag, no ensaio “Objetos de Melancolia”, aponta uma
106
As imagens coloridas apresentadas neste item do Capítulo II são da Série “No Olho da Rua”
(Ilustrações 42, 43, 44). Existe uma incompatibilidade de datas e títulos relacionados à produção das
mesmas. No arquivo do CEDOC/FUNARTE/RJ o ano de produção dessas imagens é 1985; no Catálogo
do MAM/SP – Luiz Braga - Retratos Amazônicos (2005), o ano de produção é1982, e ainda, o título da
obra Papagaio Azul (Ilustração 43), neste Catálogo é apresentado como Papagaio na Porta (p. 45); e em
relatos do fotógrafo, por e-mail, em 08/05/2012, as imagens foram feitas em 1983. (ANEXO H, p. 248)
Neste texto, usarei a data informada pelo fotógrafo, contudo, dando o crédito das mesmas ao
CEDOC/FUNARTE/RJ, conforme pesquisa realizada em 11.08.2010 (ANEXO I, pp. 249-251 - Termo de
Responsabilidade para Reprodução de Imagens).
107
Arlindo Machado. Dança cromática nas ruas de Belém. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 set. 1984.
Ilustrada, p. 29.(ANEXO J, p. 252)
108
Neste sentido, é interessante perceber a forma diferenciada de abordar a “solidão” na sua produção. É
um elemento recorrente, que reaparece de maneiras distintas. Por exemplo, Ilustração 18 - Carregador do
Porto Sal (1985); Ilustração 31 – Cadeiras.
98
questão que nos ajuda a interpretar esse aspecto presente nessas fotos - a ausência do
referente humano – elemento que sempre foi marcante na produção de Luiz Braga. Ela
diz
Com sua câmera, Braga busca referências naquela paisagem urbana peculiar. Ele
registra a incessante invenção cotidiana daqueles habitantes – objetos com significados
encarnados que se estendem ao mundo sensível através da cor. Com relação, ainda,
sobre a Exposição “No Olho da Rua”, Stefania Bril, no artigo “O mundo colorido, real
e misterioso de Luiz Braga”, publicado no Jornal O Estado de São Paulo, observa “(...)
Luiz Braga é fotógrafo-andarilho dentro da sua cidade. São ruas feitas de cores, são ruas
feitas de composições geométricas, ruas-quadros-abstratos. Mas sempre existe um
110
detalhe, um punctum que traz o espectador de volta à realidade" . Nessas fotografias
de Luiz Braga, sempre é possível detectar que a imagem aparentemente “abstrata” é, na
verdade, o reflexo do alumbramento de um ângulo interessante que moveu o seu olhar
para atingir uma intenção do seu próprio operar com a câmera. Isso mostra a
incapacidade dessas fotografias “abstratas” se desvencilharem completamente do
referente, aliás, é nesse aspecto que estaria a sua beleza.
Outra questão, mesmo aqueles objetos simples e ingênuos do cotidiano são abordados
por ele como símbolos ou emblemas. São formas quase “Standards”, que podemos
distinguir como "brasileiras" e "regionais" – ou seja, que possuem uma atitude
demarcadora de território, ou ainda, dos costumes e das práticas identificáveis. Nesse
sentido, Jeffrey sinaliza um ponto que possibilita refletirmos sobre essa questão, ele diz
“a fotografia aprofunda os padrões de homogeneidade e estandardização propostos, ao
abolir fronteiras e acentuar a semelhança como ordenação do mundo real.”111 Isto é, a
fotografia altera a inserção do sujeito no mundo. Este passa a vivenciar o mundo (nesse
caso específico, a visualidade da periferia) pela visibilidade que a apreensão fotográfica
109
Susan Sontag, op. cit., p. 70.
110
Stefania Bril. O mundo colorido, real e misterioso de Luiz Braga. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28
set. 1984. p. 19. (ANEXO K, p. 253)
111
Jeffrey, apud Mauro Guilherme Pinheiro Koury. Relações imaginárias: a fotografia e o real. In
ACHUTTI, Luiz Eduardo R. (Org). Ensaios (sobre o) Fotográfico. Porto Alegre, 1998, p. 74.
99
permite, mas em consonância com outros aspectos – como o cultural. Assim, Braga
anuncia nessas imagens uma crítica significativa – tais imagens como posse simbólica
do real, de uma visualidade peculiar (de certa maneira, ainda, presa ao referente),
através de uma manobra imaginária que as situam em uma possível homogeneidade
estandardizada do mundo capitalista da tecnologia da imagem, da fotografia
contemporânea nacional e internacional, ao mesmo tempo, paradoxalmente, permite
situá-las como particular e singular.
Tomando esse percurso, ele constrói a imagem criando uma ponte entre o cultural e o
pessoal, entre a ficção da realidade e a realidade vivida. Dessa maneira, ao mesmo
tempo em que, pela forma de capturar o referente, ele flerta com a tradição da fotografia
moderna norte-americana – o straight photography de aparência “abstrata”, ou
“abstratizante”, também, por meio da valorização da cor, ele permite que essa imagem
ecoe uma visibilidade muito próxima da tradição da pintura geométrico-construtiva
europeia, e a do sudeste brasileiro – o que impõe à imagem outra realidade visual.
Nesta relação mantida com a visualidade do lugar, passa a existir uma trama sensata e
compreensível de “mundo”112. O termo lógos113 pode nos ajudar na interpretação dessa
influência da periferia de Belém, na produção desse artista. O sentido das cores e da
geometria se manifesta no momento que o lugar com seus personagens e objetos afetam
o fotógrafo a partir da experiência, da sua ação, do diálogo renovador do seu olhar com
o visível, que vai construindo uma forma peculiar de “expressão”114 – um ato mediador
de reflexão entre o apelo sensível do visível e as possibilidades de articulação das
características plásticas dos objetos percebidas por ele. Em outras palavras, o sensível se
relança mediante a resposta que Braga lhe dirige. Esse encontro de Braga com o
subúrbio de Belém traduz um olhar atento do fotógrafo com aquele mundo que lhe toca
de maneira simbólica. Neste sentido, podemos observar o que Braga diz,
112
Não é nosso intuito seguir uma visão fenomenológica fechada, no entanto, aqui, é oportuno, buscar o
sentido de mundo a partir da visão de Merleau-Ponty, que distingue mundo e universo. A ideia de
universo está relacionada com “uma totalidade acabada, explícita, onde as relações sejam de
determinação recíproca”, ao passo que o mundo de nossa vida, meio de nossa experiência e de nossa ação,
é “uma multiplicidade aberta e indefinida onde as relações são de implicação recíproca”.(Pascal Dupond.
Vocabulários de Merleau-Ponty. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2010, p. 54)
113
Esse termo que, na língua e na filosofia gregas, significa in— divisivelmente a fala humana e a trama
sensata e inteligível do mundo, é retomado por Merleau-Ponty para ressaltar que o sentido do ser não
pode ser identificado com uma Razão em si, que contenha de antemão tudo o que o conhecimento ali
descobrirá, nem com a operação de uma subjetividade transcendental, que construiria o mundo e nele
encontraria o que ali pôs. ”.(Ibid, p. 53)
114
Como já observamos, anteriormente, não é nosso propósito seguir uma visão fenomenológica
irredutível. Assim, o termo “expressão” que foi usado no texto pode ser mais bem entendido como a ideia
da estrutura das imagens de Luiz Braga, a sua maneira peculiar de capturar esse mundo. Dessa maneira, a
ideia de Merleau-Ponty é a que se aproxima do nosso intuito. Então, podemos dizer que o “milagre da
expressão” ou o “mistério da expressão” resume-se assim: “um interior que se revela no exterior, uma
significação que irrompe no mundo e aí se põe a existir...” (Ibid, p. 29)
115
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
13min27seg a 14min58seg.
102
Essa maneira de Luiz Braga capturar a realidade vivida, naquele momento, torna-se
visível em outros artistas da região norte, como por exemplo, o pintor paraense
Emmanuel Nassar (1949) 116. A foto Carrinho (Ilustração 45) e Bandeira (Ilustração 46)
são situações que podem servir como objeto de análise nessa questão que evidencia o
uso do esquema da fotografia norte-americana como base na estruturação de seus
trabalhos. Emmanuel Nassar e Luiz Braga apresentam como motivo de suas respectivas
produções, os elementos da cultura visual da periferia da cidade de Belém. Consciente
ou inconscientemente, eles utilizam o esquema representacional da fotografia moderna
“abstrata”, do americano Paul Strand, para resolver questões compositivas de suas
imagens, ainda que a finalidade dessas fotos, pelo menos naquelas situações, fossem
distintas.
116
Emmanuel Nassar. E Emmanuel Nassar N. Rio de Janeiro, Barléu Edições, 2011. p. 34, 108.
103
O intuito das imagens de Braga sempre foi o universo da fotografia. As fotos Papagaios
Amarelos (Ilustração 42), Papagaio Azul (Ilustração 43) e Bilharito (Ilustração 44) se
impõem em sua singularidade como ponte entre a realidade da imagem (ficcional) e a
realidade que ela expressa (vivida). Por outro lado, as fotos Carrinho e Bandeira fazem
parte de uma série de fotografias, nas dimensões 100 x 150 cm, que são recriações
digitalizadas de fotografias que Emmanuel Nassar selecionou entre os ensaios
realizados para documentar a pintura geométrica nos subúrbios paraenses, e que serviam
como referências para suas pinturas. Contudo, atualmente, Nassar vem participando,
também, de mostras de fotografias, cuja finalidade das imagens apresentadas é o
universo da fotografia autoral, como por exemplo, Barco Branco (Ilustração 46), que
demonstra uma poética que transita por uma “conduta consumidora”117 da plasticidade
de coisas existentes no seu cotidiano. No entanto, Nassar ao capturar o referente, elege
aquele esquema representacional da fotografia moderna “abstrata”.
117
Tadeu Chiarelli. Emmanuel Nassar: uma conduta consumidora crítica. In Emmanuel Nassar, op. cit.,
p. 17-29.
104
O espaço da fotografia colorida, naquele momento dos anos 80, precisava ser
reconhecido. A fotografia em preto e branco, com uma herança sólida no
118
Ver citação 115.
105
O aprofundamento dessas questões enfatiza o estudo da arte como um objeto que vai
mais além da questão meramente formal. Neste sentido, Chiarelli escreve
Por mais difícil que seja detectar com clareza quais objetos
foram secionados pelo olho do artista, as fotografias “abstratas”
de Braga sempre portarão uma luz indicadora de suas origens,
uma luz tropical que clareia tudo de maneira homogênea,
empenhada em ressaltar as texturas e saliências das superfícies
registradas, respeitando o caráter planar da imagem. 121
119
Diário do Pará. “Todas as cores e nuances de Luiz Braga em oficina – Luiz Braga ministra oficina na
programação do Prêmio Diário de Fotografia”. Disponível em:
http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=85039. Acesso em: 18/11/2012.
120
Stefania Bril, loc. cit
121
Tadeu Chiarelli, op. cit., p 19.
106
fotográfico dessas imagens possibilita uma nova linhagem na produção desse fotógrafo,
que relacionam de forma autoral natureza e cultura. Fotos conformadas por
procedimentos técnicos, mas que tenta se impor enquanto realidade visual válida em si
mesma, e não apenas como veículo para atingir o referente. Uma fotografia que enfatiza
certos aspectos de sua constituição ou de seu processo imagético – ainda que Braga
ressalte tantas vezes o seu fascínio pelo referente, sua preocupação é com ele mesmo
enquanto fotógrafo.
Porta com cadeado (Ilustração 48), Janela Azul (Ilustração 49), Barco dos Milagres
(Ilustração 50) e Tábua de pirulitos (Ilustração 51) são imagens, entre outras, que se
tocam com as estruturas da pintura de cunho abstrato-geométrico europeia - primeira
metade do século XX. O fotógrafo valoriza os planos monocromáticos, o caráter
modular de certas composições e as cores industriais. Inicialmente, tudo tende a remeter
àquele universo erudito e rigoroso. No entanto, como analisamos anteriormente, existe
nessas imagens “certo informalismo” presente nas seqüências de módulos, “algumas
incorreções” geométricas e uma liberdade no uso da cor, que deslocam o quadro de
referências dessas fotos para o desenvolvimento da tradição geométrico-construtiva
brasileira, a partir de meados da década de 1950. Podemos perceber possíveis ligações
dessas fotos com uma visão peculiar da produção neoconcreta, e mesmo com as obras
daqueles artistas que, independentes, também se alinhavam às vertentes construtivas.
Neste sentido, observamos um caráter específico da produção construtiva brasileira, que
ressalta essa energia emanada das imagens da Braga. Vale pontuar que “o
neoconcretismo foi uma importante manobra da produção de arte brasileira no sentido
de conquistar uma autonomia mais ampla em face dos modelos culturais
dominantes.”122 Acrescentamos que “o neoconcretismo foi uma tentativa de renovação
da linguagem geométrica, contra o caráter racionalista e mecanicista que dominava
então.” 123
122
Ronaldo Brito. Neoconcretismo – vértices e rupturas do projeto construtivo brasileiro. São Paulo:
Cosac & Naify. Edições, 1999, p. 64.
123
Ronaldo Brito, loc. cit
107
incentivados pelo Instituto Nacional de Fotografia, 124que passou a realizar ações com a
perspectiva de aprimorar a reflexão sobre a linguagem e a técnica fotográfica. Neste
sentido, a realização da Exposição “Foto-Grafismo” (1985), como resultado de uma
convocatória nacional de portifólio, mobilizou uma grande quantidade de fotógrafos.
124
Instituição ligada a Fundação Nacional de Arte – FUNARTE/RJ (1985).
108
No período dos anos 1950, cabe destacar os trabalhos de Geraldo de Barros (Ilustração
52 e 53) com as suas Fotoformas e Matriz – Negativo. Trabalhos que enfatizam o ritmo
e a modulação do espaço - significativos experimentos deste período assinalado pela
energia da fotografia construtiva, que envolve a criação de forma plástica e a noção de
tempo, condensados no processo fotográfico. Neste contexto, a raiz de uma fotografia
abstrata passa a crescer paulatinamente no interior do fotoclubismo, como uma
produção desviante dos padrões dominantes. Muitos mecanismos eram usados para que
as referências do real fossem retiradas da imagem fotográfica, e através da aproximação
do referente, e do detalhamento de algum elemento, perdesse a sua aparência
totalizante, e realçasse a textura, algum detalhe anguloso da arquitetura ou de um objeto,
a projeção de luz e superfícies com reflexos. A captação do movimento, também, passa
a ganhar destaque na captura. É nesta trajetória sedutora que se inclui o “foto-grafismo”,
as “foto-texturagens”, as “fotomontagens”, as “fotoformas” e tantas outras
possibilidades buscadas pelos fotógrafos que vislumbravam romper com o modelo
dominante através da fotografia de cunho abstrato, que enfatizasse a bidimensionalidade
do plano, e os elementos que estruturalmente o constituem.
A partir desse universo de referências históricas, podemos perceber que o que mobilizou
consciente ou inconscientemente a seleção daquela mostra emblemática na produção de
Luiz Braga (Ilustração 44) e de outros como Cássio Vasconcellos (Ilustração 54) foi o
125
Apresentação do Catálogo “Foto – Grafismo”. (ANEXO G, pp. 241-247)
110
Ilustração 54: CÁSSIO VASCONCELLOS. Sem título, Sem Data. [1985-data aproximada]
Formato 20x30 cm.
CEDOC/FUNARTE/RJ.
112
Tendo como ponto de partida, na busca de uma fotografia autoral, nesses ensaios
coloridos de cunho abstrato, Braga, como outros agentes propulsores daquele cenário
das artes de Belém, opera manobras resignificantes da geometria e das cores dentro da
linguagem artística, no sentido de um envolvimento mais afetivo com o sujeito. Isso se
contrapõe ao que se entende como uma abstração geométrica limitada a exploração das
formas, e a princípio sem nenhum vínculo com o mundo. No entanto, por outro lado,
Mel Gooding no texto Plenitude e Vacuidade - Da Política à Poética: Abstração do
Pós- Guerra, comenta o seguinte: .(...) Entretanto, qualquer arte abstrata que pretende
expressar a experiência da natureza deve reconhecer de alguma maneira suas cores,
126
formas e configurações variadas e cambiantes, sua dinâmica incessante. (...) . Braga
em algumas imagens dessa Série, como por exemplo, Porta com cadeado (Ilustração
48) e Janela Azul (Ilustração 49), opta por um recorte valorizador de elementos
compositivos que dialogam muito próximo de uma matriz neoplástica, entretanto não se
submete a uma pureza abstrata idealista como um dogma formalista. Isso nos remete a
uma outra realidade visual, onde esse mundo, também, pode ser representado em um
imaginário abstrato mantendo resíduos dessa mesma realidade na êxtase arquitetural de
um momento capturado, ou em algo que seja índice de tempo e espaço.
Esse artista percebe as cores e a geometria da região além do formalismo, numa relação
mais complexa. Dai a necessidade de trabalhar no limite e romper com categorias
fechadas. Muitas são as questões que nos levariam a analisar essas imagens de Braga,
ou aquelas de Emmanuel Nassar, a partir desse viés da arte construtiva brasileira. Por
exemplo, um dado significativo apresentado por Brito sobre o neoconcretismo é que
esse “tinha uma dinâmica de laboratório”, o que podemos relacionar com esse
momento, quando esses artistas, em especial Braga, movimentam-se no sentido do
experimentalismo e resaltam qualidades artesanais em suas imagens (tirando partido
unicamente das possibilidades da câmera e da luz – deixando de lado os aparatos
sofisticados da tecnologia fotográfica, seja por questões econômicas, ou poéticas).
Sobre esse caráter discutiremos mais detalhadamente no segundo item desse capítulo.
126
Mel Gooding. Arte Abstrata. São Paulo: Casac & Naify, 2002. p. 83
113
Nesse caminho de análise, podemos dizer que impregnado de referências eruditas (as
tradições construtivas aqui citadas) e populares, o artista usa a segunda metodologia de
captação do real, apontada por Strand para desenvolver seus comentários visuais sobre a
realidade que o cerca. Operarando cortes na captura dessas imagens, ele procura abstrair
a realidade, e enfatizar a rica geometria produzida pela população do norte do Brasil.
Mesmo inconsciente, ele repete, amplia e atualiza aquele esquema visual da straight
photography que, por sua vez, também, sinaliza de forma não explicita aquela mesma
tradição da pintura abstrato-geométrica. Dessa maneira, aprofundando essa reflexão que
parte de relações históricas, que nos aproxima desse diálogo entre fotografia (straight
photography) e pintura (abstrata), é oportuno lembrar o que Fatorelli escreve ao refletir
sobre o trânsito das teses essencialistas à fotografia que se afirmaria como híbrida
Vale ressaltar que os meios não se anulam, ou não se ultrapassam uns aos outros, mas
antes se recompõem em vista de novas situações que vão se articulando. É nesse
percurso que entendemos as manobras de Braga, quando ele percebe com sutileza “uma
inteligência” presente na organização daqueles espaços, e a possibilidade de articulação
desses elementos peculiares no seu projeto imagético. As cores, a estética cabocla
intrínseca na pintura daqueles objetos, ou na forma de se vestirem, nada escapa daquele
momento, que acima de tudo, se reveste de uma paixão pela “beleza do lugar”.
Procurando sempre fotografar aquele cenário de maneira sutil, o fotógrafo percebeu que
poderia aproveitar aqueles detalhes, as fontes de luz daquelas casas espremidas e a
colorida ornamentação dos bares. Surgia o desejo de descobrir e experimentar as
possibilidades de usar a cor como elemento artístico em suas imagens, mantendo certa
distância do aspecto documental.
127
Antonio Fatorelli, op. cit., 83
114
têm uma narrativa poética que valoriza a luz tropical, contudo, empenhadas em ressaltar
texturas, formas, cores e linhas respeitando o caráter planar da imagem.
Estes trabalhos estão situados, em nossas análises, no limite entre a produção que
ressalta a cor e a geometria, quando temos como momentos significativos as Exposições
“No Olho da Rua” e “Foto-Grafismo”, e aqueles outros cujo objetivo é explorar as
temperaturas da cor, que serão nosso objeto de estudo, no segundo item deste capítulo.
A figura humana nessas fotos, também, rompe com princípios da tradição da fotografia,
e dialogam com questões pictóricas, a partir da atenção dada a cor. O punctum128 que
traz o espectador de volta à realidade nessas imagens, não está no homem, mas em
questões relacionadas diretamente à cor, à geometria, ou ao comentário de brasilidade
conjugado à figura humana. Em Tajás, por exemplo, o elemento humano, encontra-se
em um plano distante – não podemos nem entender a posição da mulher como
personagem protagonista da cena, mas simplesmente um elemento figurante por trás do
tema – os tajás. O mesmo acontece com a foto Menino com papagaio. Ainda que o
garoto esteja no primeiro plano, a atenção do observador é afetada pelo pequeno e
modesto brinquedo de papel de seda e talas de miriti. O garoto ergue o papagaio com a
mão, como se fosse o troféu de sua alegria. É, sobretudo, pela forma que Braga trabalha
a luz e o contraste entre cores intensas que bradam o que é brasileiro, e penumbras que
resguardam sempre algo que não pode ser totalmente mostrado, que sabemos tratar-se
de fotografias que são comentários e, ao mesmo tempo, resultado de um espaço/tempo
preciso: a visualidade do norte do Brasil ou, melhor dizendo, a visualidade do Brasil. As
cores do gracioso e frágil brinquedo são as cores simbólicas da nação brasileira. A cena
repleta de encanto, leva-nos a refletir sobre o samba de Ary Barroso129 “Isto aqui, ô ô /
É um pouquinho de Brasil iá iá / Deste Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz, / É também
um pouco de uma raça / Que não tem medo de fumaça iá iá / E não se entrega não
(...)”130
128
O punctum não está relacionado com as intenções do fotógrafo, com a cultura do operator, com sua
visão do mundo. Ele depende do espectador se sentir tocado com algo na imagem, pungido por
determinado elemento. (Ver o conceito de punctum em Roland Barthes, op. cit., p. 46)
129
Compositor, pianista, locutor e apresentador, Ary Barroso nasceu em Ubá MG em 7/11/1903.
130
Composição de Ary Barroso, interpretada por João Gilberto, Caetano Veloso, entre outros. “Isto Aqui,
o que é?” (Sandália de Prata - 1942) Disponível em: < http://letras.mus.br/caetano-veloso/44733/> acesso
em: 27/11/2012.
116
A década dos anos 1990, na produção de Luiz Braga, também, é um momento marcado
pela inquietação. Ele busca, incessantemente, novas formas e alfabetos para construir o
jogo poético no seu trabalho. Nesse percurso, ele descobre um outra maneira de mostrar
o referente amazônico. Com o filme calibrado para day light, exposto à luz de mercúrio,
ele percebe uma distorção de verde, como podemos observar em Babá Patchouli
(Ilustração 57). Esse resultado “inesperado”131 é considerado um erro no processo
fotográfico, uma vez que, o fotógrafo utilizou um filme com sensibilidade adequada
para a luz do dia (day light), sob uma outra iluminação – a luz urbana noturna (luz de
mercúrio).
131
O inesperado, nesta situação, é a cor verde artificial obtida na imagem, e as outras nuances a partir da
exploração da temperatura de cor. Contudo, entende-se que o fotógrafo tinha a intenção do experimento
ao usar um filme calibrado para a luz do dia, sob a luz de mercúrio.
117
aquela cor esverdeada por interferência da luz de mercúrio, ou a cor do céu magenta ao
fundo, mas a foto acumula muitos “erros”, entre eles: a imagem tremida, um
significativo desfoque, os borrões e a artificialidade das cores que motivam uma tensão
visual geradora de uma realidade distante daquela capturada. Essa aparência sofisticada
e irreal é produto de um confronto entre a luz natural e a luz artificial, entre o aspecto
intuitivo do livre olhar do fotógrafo, e os preconceitos e condicionamentos do olhar que
edita e escolhe, que acaba dificultando a fluência do ato, no momento da captura da
imagem. Nesse sentido, Braga diz,
“Guardei a foto por seis meses. (...) Mas depois percebi que
esse erro poderia ser um caminho para constituir minha
linguagem. Se eu tivesse me deixado levar pelos parâmetros da
perfeição técnica, esta foto estaria na gaveta até hoje. Nossa
visão tem que ser imperiosa e não submissa ao manual.” 132
Babá Patchouli abre caminho para outros ensaios133 que buscarão explorar as diferentes
temperaturas de cor diante do filme day light. Grande parte dessas imagens foi premiada
em 1991, nos EUA134. Braga incorpora ao seu repertório essa outra maneira de olhar e,
em decorrência disso, uma das principais características do experimentalismo marcante
do seu trabalho passará a ser a imagem ao entardecer. Sob diferentes fontes de
iluminação e temperatura - as bases técnicas da poesia engendrada nessas fotos, ele
busca em sua produção uma franqueza artística, uma linguagem autoral que explora
declaradamente as possibilidades da luz – tão importante para Monet135 e os pintores
impressionistas ao estabelecerem a relação com a luz e o tempo.
A exploração da cor a partir desse jogo de ressignificação dos erros aproxima essas
imagens, no campo da aparência, da visibilidade da pintura. Dessa forma, mantendo
distância das “manobras pictorialista”136, Braga com uma “ironia fina” 137desestabiliza o
132
Ivan Padovani. Visão Fotográfica – Cássio Vasconcelos, Claudio Edinger e Luiz Braga. In Revista
Digital Photographer Brasil. Edição 19, Abril, 2012, p. 39.
133
O resultado deste trabalho foi mostrado na Exposição Anos-Luz, Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand (SP-1992); Luiz Braga - Fotografias, Centro Cultural Banco do Brasil (RJ-1992); Luiz
Braga Anos – Luz, no Espaço UFF de Fotografia (Niterói-RJ-1994). (ANEXOS L e M, pp. 254-263)
134
O Prêmio Leopold Godowsky Color Photography Awards (1991), concedido pela Boston University.
Disponível em: http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/22. Acesso em: 30/11/2012.
135
Carlos Zílio. Claude Monet e a Amazônia. In OURIQUES, Evandro Vieira (org.), op. cit., pp.73-78.
136
Os diversos métodos utilizados pelos pictorialistas para aproximar a imagem fotográfica dos cânones
da pintura do final do século XIX terminaram afastando-a da sua essência realística. Nas superfícies das
cópias fotográficas eram experimentados vários métodos de manipulação, utilizando desde pincéis,
esponjas, borrachas, escovas até processos mais trabalhosos como bromóleo e a goma bicromatada. Outro
118
atrelamento histórico da fotografia à pintura, que foi herdado de forma mais próxima
dos movimentos do final do século XIX e início do século XX. No entanto, a maneira
como ele trata a cor nessas imagens, certamente, tem algo de pictórico, e tem atraído o
olhar da crítica de arte. Com relação a esta questão podemos considerar o que Ivo
Mesquita (curador da 28a Bienal de São Paulo) apresentou, ao justificar a escolha do
fotógrafo Luiz Braga e do pintor Delson Uchôa para comporem a mostra do Pavilhão
Brasileiro da 53a Bienal de Veneza:
No entanto, não é sua intenção emular aquele meio, mas, brincar com os limites da
visibilidade entre um campo e outro. Assim, a fotografia obtida a partir do
experimentalismo se torna uma totalidade sempre incompleta, que sugere sua
continuidade além dos limites da imagem, transformando-se em meio e fim em si
mesma, ainda quando sua a aparência nos remete à pintura, essas fotos a partir de certos
aspectos de sua constituição ou do seu processo, faz vir à tona elementos próprios de
sua estruturação material. Esses “erros”, em outras palavras, esses sinais de sua
realidade constitutiva, como os efeitos obtidos com o filme calibrado para day light, em
Babá Patchouli, passam a funcionar como dado formador da imagem, tornando-se tão
importante quanto os elementos que sustentam o seu caráter referencial – qualquer
efeito bastante difundido era o flou que consiste em um pequeno desfocador da imagem, causada pela
difusão da luz, cuja técnica pode ser feta durante a captura da imagem ou na impressão da cópia.
137
A ironia fina, nesse contexto, são os deslizamentos de sentidos na imagem, provocados pelo
experimentalismo da técnica da fotografia, e que levam o observador a outras realidades. A ironia de
Braga é um movimento de consciência, de mediação que relaxa a seriedade, a rigidez da técnica e
desconstrói o estereótipo.
138
Folha de São Paulo. Mario Gioia – Da Reportagem Local. Ivo Mesquita leva à Itália artistas
brasileiros que trabalham com a Luz. São Paulo, 4 de junho de 2009, Ilustrada E11. (ANEXO N, p. 264)
119
semelhança com o real. Assim, abrindo mão dos filtros e dos sofisticados acessórios
fotográficos, ele se lança na economia do experimentalismo da luz, desobedece às
observâncias e prescrições de dogmas da fotografia tradicional, e mistura as questões
com um humor e “ironia fina”, produzindo imagens que nos remetem a outras
realidades.
139
Vale ressaltar que Waldemar Henrique (1905-1995) é notável maestro, pianista, compositor e escritor
paraense que se notabilizou no cenário nacional e internacional pelos temas regionais. Waldemar
Henrique era filho de descendente de portugueses e de indígenas. Depois de perder a mãe muito cedo, foi
com o pai para Portugal, retornando ao Brasil em 1918. A partir de então viajou pelo interior da
Amazônia, época em que travou contato com os elementos da cultura e do folclore amazônico que seriam
mais tarde característicos de sua obra musical. Suas obras, entre outras, são: Boi-Bumbá, Tamba-Tajá,
Cabocla Bonita, Uirapuru etc. Cf. ALIVERTI, Márcia Jorge. Uma Visão sobre a interpretação das
canções amazônicas de Waldemar Henrique. Dissertação de mestrado. São Paulo: Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2003.
140
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
03min24seg a 03min34seg. (com adaptações)
141
Tadeu Chiarelli, op. cit., p.22.
120
dos acessórios técnicos. Essa “ironia fina” de Luiz Braga tenta desmistificar os
elementos que definem um trabalho como simples no cenário contemporâneo. É como
que fingisse ignorar tudo o que sabe para tentar descobrir o que não é possível saber.
Ele faz com que sua visão seja imperiosa e não submissa à rigidez dos dogmas da
fotografia. Muitos diante dessas imagens não acreditam que as mesmas não sejam
editadas, ou que o fotógrafo não utilizou sofisticados acessórios técnicos. Nesse sentido,
Braga com o seu jeito de falar, sempre bem humorado e ressoando o carinho pelo seu
trabalho, diz: “tanto que depois eu passei a brincar (...) então eu digo, essa aqui eu
precisei do caminhão gerador; foram duzentas pessoas que eu selecionei até encontrar
essa pessoa para fotografar (...)” Dessa forma, a ironia em seus trabalhos é uma
estratégia, ou uma ferramenta, que o conduz à experimentação de outras possibilidades
de fotografar, como ele manifesta em sua fala “brincar de fotografia - que é o que eu
faço até hoje”142. O humor e a “ironia fina” são meios que Braga utiliza para valorizar
as coisas do seu entorno amazônico. É como que fosse um riso sério do artista. A sua
“ironia fina” está ligada mais a realidade do que ao prazer, mais ao trabalho que ao
lazer, mas ao combate que a uma negociação dócil das diferenças regionais, nacionais e
internacionais no campo da fotografia contemporânea.
Várias fotografias de Luiz Braga são convites para uma história. A partir da imagem, o
espectador se sente motivado a construir uma narrativa. Podemos perceber isso em
Babá Patchouli, onde a imobilidade e o silêncio da imagem são intrigantes. O gesto
parece ser mais importante que os personagens. A mulher e o pequeno menino, numa
relação aparentemente maternal, com tamanhos tão distintos, oferecem a oportunidade
criativa e metafórica com relação à natureza que os envolvem. A cena que parece ter
uma unidade se fragmenta com os olhares, que não parecem se dirigir para o mesmo
ponto. A sombra dos corpos, confundidas se propaga na areia esverdeada e situando o
observador numa atmosfera irreal, como se o verde da floresta trouxesse um
deslocamento para um lugar fantasioso. O vento agita a folhagem sob um céu nublado,
que projeta uma luz púrpura na margem. As duas figuras estão contemplativas diante da
cena convidando o espectador a captar um outro tempo, mais demorado, com outro
andamento, sem a urgência e a busca de um tempo ditado, que rege e impõe um ritmo
de vida diferente. O mar é um elemento marcante que aquela região tão peculiar ao
142
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
03min57seg a 04min00seg. (com adaptações)
121
143
A composição “Belém Pará Brasil” é da banda de rock paraense “Mosaico de Ravena”. As
composições da banda marcaram um período, na segunda metade da década dos anos 80, onde os artistas
do norte Brasil buscavam conquistar um espaço nacional onde suas produções pudessem ser vistas e
valorizadas nacionalmente. Reivindicavam uma maneira que pudesse mostrar as belezas do norte,
respeitando os limites. Desse período, no cenário brasileiro, outros compositores no campo da música e
da poesia se tornam evidentes, entre eles: Fafá de Belém, Rui Barata (Paranatinga) etc. Disponível em:
http://letras.mus.br/mosaico-de-ravena/268048/, acesso em 15/12/2012.
122
Neste cenário com a exploração das cores, Luiz Braga encontra-se com outros ícones da
fotografia brasileira. Miguel Rio Branco144, por exemplo, é conhecido por suas
fotografias coloridas. Empreendendo experimentos com contrastes cromáticos, diluição
dos contornos, jogos de espelhamentos e diversas texturas, ele cria atmosferas diversas
por meio do uso da cor e da luz. A passagem do tempo somada às cores, também, é um
tema constante nas imagens desse fotógrafo, como podemos definir em Vermelho, Azul
e Verde (Ilustração 61) e que a aproxima de questões pictóricas. A passagem do tempo
será marcante em muitas imagens de Luiz Braga, na sequência, por exemplo, Bar Azul e
Meninos e Açaí.
144
Cf. Miguel Rio Branco. Miguel Rio Branco. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
123
A percepção de Luiz Braga está relacionada à atitude corpórea do seu envolvimento, ora
com o cotidiano daqueles lugares, ora com os seus fotografados. As sensações
provocadas por estas relações são aspectos importantes nesse processo que o conduz às
escolhas. Assim, traríamos à discussão uma nova compreensão de sensação que nos
leva, também, a uma nova compreensão da noção de percepção. Neste caso, diferente
daquela proposta apresentada pelo pensamento objetivo, fundado no empirismo e no
intelectualismo, cuja descrição da percepção ocorre através da causalidade linear, ou
seja, de estímulo-resposta. Nessa concepção da percepção, a apreensão dos referentes
pelo sentido ou pelos sentidos é operada pelo corpo/sensação, e tratando-se de uma
expressão criadora como a do fotógrafo, se constitui segundo os seus diferentes olhares
sobre o mundo, que se encontra submerso numa bagagem sedimentada por múltiplas
experiências. Sua percepção materializada em suas imagens não é simplesmente uma
resposta diante de um e outro referente, ou lugar.
Braga explora de forma extensa as possibilidades expressivas de cada lugar e dos seus
experimentos. Ele diz em alguns relatos que tanto as suas fotografias em preto e branco,
quanto as fotos coloridas, mostradas até aqui, foram feitas “na mesma faixa territorial”.
A Preferida, Meninos e Açaí, Barqueiro, Parque e Bar Azul, entre outras, são fotos
feitas em lugares frequentados pelo fotógrafo. Ele sempre está ali no mesmo território, é
o caso da Estrada Nova – lugar onde ele desenvolveu e desenvolve muitas de suas
127
séries. Braga mais do que buscar novas paisagens ou referentes, ele se preocupa em
desenvolver novos olhares, explorando o máximo das possibilidades expressivas. Neste
sentido podemos observar o seguinte
146
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
21min44seg a 22min24seg. (Texto com adaptações)
147
Marcel Proust. O tempo redescoberto. Tradução de Lúcia Miguel Pereira. 7ª Edição. Porto Alegre –
Rio de Janeiro: Editora Globo, 1983, p. 139.
128
determinadas transferências para esses atos de conhecimento de mundo. Por outro lado,
os exercícios do olhar nos aproximam da percepção de fenômenos que, por sua vez,
oferecem certas ligações visuais entre os objetos do mundo. Uma experiência desse tipo
tem o intuito de estruturar a criação artística visual de tal forma que possa desencadear
um desdobramento de muitos outros atos relativos ao processo poético. Braga fotografa
diversos lugares em suas viagens pelo mundo. No entanto, explora as possibilidades
expressivas do olhar daquela “faixa territorial”, que se tornou simbólica em sua
produção.
Ponta D`Areia (Ilustração 64), Porto Pureza (Ilustração 65) e Barco Iluminado
(Ilustração 66) são imagens que estão intimamente ligadas a este alicerce da visualidade
amazônica, e sinalizam os fatores responsáveis pela formação da visão do artista: a sua
formação cultural, os costumes, as tradições, as experiências, entre tantos outros. Com
relação a essa questão, ele diz
Seguindo esse percurso da “cor inflamada” da região amazônica, Luiz Braga passa a ser
reconhecido pela crítica de arte brasileira, como um fotógrafo que a partir do apego à
região desenvolve uma fotografia que traz uma Amazônia auto-referente, autônoma
como obra de arte e que se distancia da fotografia documental eficiente para a memória
coletiva. Braga reconhece a energia do referente amazônico, contudo engendra um jogo
de ressignificações a partir dos erros experimentados, que seriam a sua forma própria de
construir um repertório autoral subvertendo alguns princípios da fotografia tradicional.
Neste contexto, ele afirma
148
Ivan Padovani, op. cit., p. 37.
129
“uma coisa que acabou por destacar meu trabalho foi à forma
natural de tratar uma região que, ao longo do tempo, foi objeto
de olhares apressados ou superficiais. Ao longo de minha
carreira eu me deixei embeber desse caldo de inspiração
riquíssimo que é a Amazônia. Impregnar de subjetividade
minhas imagens acabou por me distinguir no cenário da
fotografia contemporânea.”149
149
Ivan Padovani, loc cit
150
Marcel Proust, loc. cit.
130
Luiz Braga, afirma em seus relatos, que é essencial o seu contato próximo, prolongado e
de forma intensa e profunda com o assunto que pretende fotografar. Por isso o seu
território palpável é restrito - aquele mostrado em sua produção reconhecida como
artística, e sinalizadora de um envolvimento que o afeta. Assim, ele comenta
No entanto, podemos observar que além desse envolvimento intenso com o tema, Luiz
Braga é o fotógrafo marcado pelo experimentalismo – sempre inquieto, vai explorando
com profundidade as qualidades expressivas das temperaturas de cor diante da luz
natural e artificial. Essa manobra o leva a rejeitar a fotografia produzida com
deslocamentos de luz, com flash ou filtros. Isso proporcionou o amadurecimento do seu
trabalho e uma linguagem própria. Nesse sentido, é importante identificar que Luiz
Braga sempre nomeia como referências, no seu percurso como fotógrafo, ícones da
pintura. Dessa maneira, ele diz
151
Ivan Padovani, op. cit., p. 39.
152
Ibid, loc. cit.
153
As ideias de transparência e opacidade apresentadas nesse trabalho estão realacionadas aos estudos da
historiadora norte-americana Rosalind Krauss, sobre a escultura do século XX. A historiadora apresenta
um contraponto entre as ideias de “transparência” relacionada a escultura tradicional, e a ideia de
opacidade relacionada a escultura moderna, que ressaltava a materialidade como indíces constitutivos da
obra, levando o espectador a perceber o sentido da obra, não “através dela”, mas em sua própria estrutura
física. Ou seja, contra a ‘transparência”, como caráter de canal condutor ao belo ideal da escultura
tradicional, a escultura moderna propunha seu caráter “opaco”, transformando-se em meio e fim em si
mesma, ainda quando sua forma remetesse a uma “verdade” anterior à sua execução, como por exemplo o
132
Chuva é uma fotografia que foi feita numa esquina da cidade de Belém – num carrinho
de cachorro quente – típico comércio miúdo daquele local. A figura à direita, é uma
passante que foi avistada pelo fotógrafo antes da captura. Para registrar a cena esperada,
Luiz Braga aguarda o momento da sua passagem pelo plástico que protege o carrinho da
chuva. Sob a luz de mercúrio, a sombrinha da transeunte ganha o efeito de um verde
resplandecente. E a luz incandescente da barraca produz o efeito dourado que envolve a
imagem. A conjugação do efeito da luz de mercúrio e da luz incandescente
proporcionaram uma atmosfera poética. Luiz Braga utiliza o plástico que protege a
banca de lanche e os outros personagens da chuva, como um “filtro natural”. O
resultado é uma fotografia “opaca”, cujos sinais precisos de sua realidade constitutiva
o corpo humano. Essa ideia de transparência e opacidade relacionada as fotografias de Luiz Braga foram
apresentadas no texto “Luiz Braga e a fotografia opaca”, de autoria de Tadeu Chiarelli, curador da
“Exposição Luiz Braga Retratos Amazônicos” – MAM/SP, 2005. Cf. Rosalind E Krauss. Caminhos da
escultura moderna. 2ª Ed. Tradução Julio Fisher. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção A); Tadeu
Chiarelli. Luiz Braga e a fotografia opaca. In “Luiz Braga - Retratos amazônicos”. São Paulo: MAM,
2005.
133
tornam-se tão ou mais importantes quanto os elementos que sustentam seu caráter
referencial. Nesse sentido é importante perceber o que Baudrillard diz “ora, uma
fotografia bem-sucedida é aquela que força você a vê-la assim.”154
A questão trazida por Luiz Braga, a partir desses experimentos com as temperaturas da
cor e da opacidade engendrada pelos erros ressignificados nesse jogo poético, é a
possibilidade de pensarmos suas fotografias, e na sequência o conceito de fotografia,
além dos parâmetros da fotografia tradicional. Essa empreitada leva-nos ao próprio
estatuto da imagem na contemporaneidade, quando existe um acúmulo de informações
através de imagens, que transbordam em fluxos acelerados nas redes comunicacionais -
numa intrigante trama de espaços preenchidos e sobrepostos com diferentes
possibilidades imagéticas. É nesse contexto, quando o olhar, no mundo contemporâneo,
se dilui, e sem conseguir se fixar se perde na busca de se encontrar, que Braga busca
outras maneiras de experimentar o referente amazônico, não num contexto isolado,
fechado pelo anacronismo de um pensamento regionalista, mas aberto para ver e ser
visto. Nesse sentido, Baudrillard diz “(...) A imagem tem como desafio livrar o real
dessa ganga de objetividade (...)” 155
Chuva entre outras imagens desse fotógrafo, provoca-nos a pensar na direção entre o
sujeito e o objeto. Não se trata apenas de uma reflexão ou refração, mas tudo junto.
Uma anulação dos polos respectivos ou de uma dualidade. A questão, no entanto, é
conseguir saber se essa dualidade que tentamos discutir nessa imagem reflete um
confronto dual entre a transparência da realidade e sua opacidade. O referente
amazônico, a cena do cotidiano daqueles lugares por onde Braga busca suas imagens,
agrega um problema atual: como o mundo inteiro se tornou imagem, é cada vez mais
difícil encontrar o ponto de partida de onde colocaríamos esse mundo em suspenso pela
imagem. Ainda que, Chuva guarde uma opacidade que a distancia do referente, como
fruto do experimentalismo do fotógrafo, ela guarda um significado do lugar que vai
além do visível, e que afeta Braga a partir do seu envolvimento com os aromas, a
temperatura, as cores, as texturas e suas percepções.
154
Jean Baudrillard. De um fragmento ao outro. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. São
Paulo: Zouk, 2003, p. 119.
155
Jean Baudrillard, op. cit., p. 67.
134
Isto aconteceria só com essa foto? Ou também com as outras? Braga ao fotografar o
universo ao seu redor: o mundo habitual, comum, banal, com três dimensões, sem
pressa, vai desvelando uma riqueza, que se encontra numa “infra-realidade”, num outro
mundo mais sutil, mais secreto, mais subjetivo, que o levaria a um olhar de quem edita e
escolhe essas imagens e esses lugares, aproximando-os do campo da ilusão. Um mundo
paralelo com pontos de contato, pontos de surgimento de uma outra forma de
experimentar a luz e a cor, por exemplo. A partir do próprio lugar, ele constrói uma
forma peculiar de aparição de uma outra realidade. É nesse sentido que Luiz Braga
aponta a necessidade do seu envolvimento com o lugar. Baudrillard nessa questão pode
nos ajudar com a seguinte reflexão: “A imagem é a traição do princípio da realidade, ela
revela que esse princípio não é assim tão seguro quanto se possa acreditar.” 156
Essa
questão será aprofundada no terceiro capítulo, quando analisaremos as fotos com night
vision.
O mundo restrito de Luiz Braga - a Estrada nova, por exemplo, que ele diz visitar
incessantemente, usando um termo provocativo, esse envolvimento intenso poderia
levá-lo a uma nulidade do lugar, mas num sentido de fascínio, de encantamento ou de
sedução. Chuva e outras imagens podem ser exemplos da incapacidade dessas fotos
serem condutoras fiéis de um sentido exterior a elas. Através da exploração das
temperaturas de cor, dos tons demais intensos, essas fotos provocam uma
problematização do referente, ou até a desnaturalização do referente. A beleza reside
nesse aspecto, na administração da ilusão, dessa maneira artística – plástica que vem da
subversão dos princípios da fotografia tradicional, mas sem deixar de servir-se com
ênfase da aura de que está aparelhada a prática artística. O experimentalismo leva-o a
brincar com os limites.
Em relato sobre sua produção, Braga diz que quando ele mostra as fotos para os seus
fotografados, eles geralmente não gostam. Eles não encontram nessas fotos um registro
prosaico e “fiel”, a potência das cores e o antinaturalismo dos tons se opõem ao que se
poderia esperar do tema. O interessante nessas imagens é a dúvida que elas provocam
sobre a dimensão do sentido, que vem de uma articulação mental do fotógrafo entre a
luz natural e a artificial, como em Babá Patchouli, ou entre o olhar que edita e escolhe
156
Jean Baudrillard, op. cit., p. 122.
135
como em Chuva. Essas fotos são produtos de uma articulação mental de questões
amalgamadas na formação do fotógrafo. É isso que remete a uma ilusão de realidade, ou
de outra realidade. Neste sentido, com relação àquelas fotos coloridas produzidas na
década de 1980, por Luiz Braga, Stefania Bril faz uma reflexão que se aplica a todas as
fases desse fotógrafo:
“Sem dúvida são fotos pensadas. Luiz ensaísta sabe de antemão
o que vai registrar e... sai à procura da imagem: o encontro
acontece. Então o cérebro dá o sinal, a percepção entra em ação
e... clic: a foto é instantânea. Nada é produzido; mas tudo é
pensado, percebido, recortado.” 157
Todas essas variáveis apresentadas constituem uma equação da forma como Luiz Braga
interpreta o mundo e a maneira encontrada por ele para expressar a sua visão através da
fotografia. Mas não podemos esquecer que a formação de nossa visão, também, é
fortemente influenciada pelas referências que absorvemos dentro e fora da fotografia.
Para Braga, cortes e recortes são maneiras de destacar, ou dar significado ao que o
interessava, e construir sua maneira especifica de ver o lugar – a visualidade da
“Amazônia de Luiz Braga”.
157
Stefania Bril, loc. cit
136
Com relação à produção dos retratos coloridos ele diz “nesse momento eu faço uma
série de retratos que ainda não acabei de fazer”158. O processo criativo dessas imagens
de Luiz Braga tem como mote o habitante da região. Provavelmente, as nossas
motivações, paixões e aptidões naturais, dentre todos os fatores já mencionados até aqui
contribuem para formar as bases da poética de um artista. Neste sentido, Luiz Braga
lembra
A poética desse fotógrafo envolve algumas questões tão particulares, que apenas ele é
capaz de evidenciá-las. Independentemente de ser o fotógrafo de moda, publicitário ou
de estúdio, por exemplo, ele reconhece suas motivações e aptidões que o levam a
produção autoral, autônoma como obra de arte. Essa conjuntura de influências vai
alicerçando sua visão, e revelando o fotógrafo comprometido com a visualidade da
região num sentido universal - o diferencial da sua maneira de fotografar.
158
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
38min28seg a 38min30seg. (com adaptações)
159
Ivan Padovani, op. cit., p. 36.
137
Banhista (Ilustração 68) é uma foto bastante conhecida desse período dos retratos
coloridos de Luiz Braga. Nesta imagem a tradição “realista” da straight photography160
de Paul Strand cresce, se atualiza no universo das cores, e ao expandir suas proposições
na cena contemporânea, cruza-se com a tradição pictórica, mantendo-se straigh. Essa
conjugação de campos, serve para evidenciar uma via de mão dupla, e ao mesmo tempo
mostra o quanto as relações entre a pintura e a fotografia podem ser produtivas sem
superar uma a outra, mas se recompondo em vista de outras possibilidades. Nessa foto e
em outras, que mostraremos a seguir, Luiz Braga assume seu lugar como um dos
principais fotógrafos brasileiros de sua geração.
160
Ver sobre a straight photography na lógica formal das fotografias de Luiz Braga, em pp. 44-45.
138
Banhista, como outros retratos de Luiz Braga, joga com a ambiguidade das semelhanças
e a instabilidade das dessemelhanças. Ele desposa um olhar compositivo, cujo
dinamismo plástico tem sua base na pintura, mas acende a capacidade combinatória
com outros campos – a visualidade do lugar e o olhar de tantos outros fotógrafos161
expressivos nas décadas de 1980 a 1990. A foto encontra-se no limiar de um olhar de
Velàzquez e Rembrandt – pintores admirados por esse fotógrafo. A nobreza e elegância
da personagem numa cena corriqueira parece ativar um paradoxo prazeroso. Mas isso só
é possível porque nós a vemos com um olhar que também passou pela apreciação dos
retratos dos mestres da pintura espanhola e holandesa, e ainda pela apreciação de outras
referências da fotografia brasileira e internacional.
Analisamos essa imagem tentando situar algumas questões apresentadas por Jacques
Rancière quando classifica as imagens expostas em museus e galerias, em três grandes
grupos: “imagem nua, ostensiva e metamórfica”162. Três maneiras de vincular ou
desvincular o poder de mostrar e o poder de significar, o atestado da presença e o
testemunho da história. Três formas de selar ou recusar a relação entre arte e imagem.
Mas o que se torna mais importante em Banhista e em outras fotos de Braga, a partir
das três formas defendidas por Rancière, é que
A jovem banhista de Luiz Braga não se dedica unicamente ao testemunho, mas visa
algo além do que ela representa. Não é só a fisionomia do lugar que está em jogo, mas a
enorme trama de referências do fotógrafo e de quem usufrui dessa imagem. Assim,
Banhista tece uma solidariedade entre as operações da arte, as formas de imagens e a
discursividade dos elementos que a compõe. E isso pode se ampliar à medida que
passamos a dialogar com outros campos – a crítica de arte.
161
Na forma de retratar seus personagens, ainda que não mencione esses nomes em seus relatos, Luiz
Braga ecoa o olhar de retratos como o de Cristiano Mascaro – Sem Título, Cuiabá, MT (1980); Camila
Butcher - Tom e Martim de pijamas (1995), Fifi Tong entre outros.
162
Para Rancière a imagem nua é aquela que reúne os rastros da história e o testemunho de uma
realidade; a imagem ostensiva é aquela que suscita outras interpretações que vão além do que ela
representa; a imagem metamórfica provoca uma quebra do limite entre os campos da imagem e da arte.
163
Jacques Rancière, op. cit., p. 36.
139
Nas obras de Matisse, por exemplo, há a persistência no uso da figura humana somada a
sobreposição das cores puras, onde começa a saltar a matéria corpórea das massas
coloridas. Braga em Rapaz e cão em Carananduba, joga com planos coloridos verticais
e horizontais criando, de maneira sutil, uma atmosfera silenciosa na apresentação do
jovem modelo, que se encontra distante do primeiro plano. No entanto, essa manobra na
estruturação da cena, que traz ecos das composições de Matisse, transborda também o
olhar voyeurístico de Degas, que confere a cena um sensualismo tímido presente em
outras imagens como em Uyandara (Ilustração 71), ou Menina em Verde (Ilustração
72). Isto faz com que o “olhar direto” de Braga ganhe força nesse território, que vai
sendo construído a partir da conjugação de referências múltiplas.
164
Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867), mais conhecido simplesmente por Ingres, foi um
celebrado pintor e desenhista francês, atuando na passagem do Neoclassicismo para o Romantismo.
165
Henri-Émile-Benoît Matisse (1869-1954), foi um artista francês, conhecido por seu uso da cor e sua
arte de desenhar fluida e original. Foi um desenhista, gravurista e escultor, mas é principalmente
conhecido como um pintor.
142
Em outras fotos, como Parque (Ilustração 62) e Bar Azul (Ilustração 63) a criança,
também se faz presente como personagem da cena. Neste sentido, fazendo um recuo
histórico sobre o legado da fotografia que se cruza com a pintura, vale relembrar que os
primeiros retratos fotográficos foram essencialmente de jovens, ou jovens adultos de
classe média, em poses muito eretas, pouco naturais, sobre um fundo escuro. Embora,
inicialmente, não procurassem tirar fotografias dos seus filhos em vida, era frequente
fazerem-se fotografias ‘post-mortem’ de crianças para as quais não existia nenhum
outro tipo de registro visual. Contudo, as cores que envolvem os púberes modelos
parecem cumprir um papel alegórico sobre o futuro, onde apenas esses jovens ou
aquelas crianças chegarão a conhecer.
A dimensão adotada nesses retratos soma-se às outras questões que estão associadas a
esse diálogo das fotos de Luiz Braga com o universo das artes visuais, em especial com
a pintura. O formato proporciona a essas imagens a necessidade de visualizá-las como
quadros. Nesse sentido, para melhor compreender esse aspecto que se encontra
vinculado ao momento ocupado pela fotografia na cena contemporânea - Charlotte
Cotton, em seu livro A Fotografia Como Arte Contemporânea, ressalta que estamos
vivendo um momento excepcional para a fotografia, pois hoje o mundo da arte a acolhe
como nunca o fez, e diz, ainda, “os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte
144
o espaço natural para expor seu trabalho”166. Assim, ao falarmos da relação dessas
fotografias com algumas correspondências e semelhanças peculiares ao campo da
pintura, evidenciamos que como todo grande fotógrafo, a luz-pintura de Braga
representa corpos, objetos e paisagens, não para documentá-los, mas para transformá-
los em “obras”, ou seja, são momentos capturados pelo olhar sensível, onde como não
hesitou em afirmar Paulo Herkenhoff “a única promessa da obra de Luiz Braga é
permanecer como presença poética concreta”167. Assim, articulando o lúdico, o
imaginário e o simbólico, a dimensão pictórica desses retratos atualiza questões
compositivas, no limiar de dois mundos: o figurativo, que traz a particularidade, a
concretude das coisas, os rostos dos indivíduos e é portando carregado de pessoalidade,
e a subjetividade, que expressa uma dimensão mais ampla, que se encontra com a
formação do seu olhar e com as referências amalgamadas.
Em outras fotos mais recentes, ele toma distância do conceito de retrato tradicional e
busca o gesto na cena, onde captura o tempo, como em Carregador Noturno (Ilustração
73) – mas o personagem amazônico está ali. Lança mão dos recursos técnicos para
causar em algumas imagens efeitos de diluição do movimento, em que a figura
mostrada sofre desagregação e a perda da corporeidade na ameaça da dissolução da
forma. Há uma contundência expressiva, manipulação do tempo de exposição,
diminuição da velocidade e profundidade de campos gerando o desfoque dos primeiros
planos, ou desfoque do fundo, ou ainda a utilização do recurso day ligtht sob a luz de
mercúrio, como podemos ver em Babá Patchouli.
O “Carregador Noturno” foi iluminado apenas pela luz do lugar o que pode ser
percebido pelo jogo de luz e sombra da composição. Tanto em “Carregador Noturno”
quanto em “Vendedor de Balões” (Ilustração 08) é muito provável que o fotógrafo
tenha lançado mão de uma sincronização lenta. Com a iluminação do próprio lugar e
uma exposição longa, ele captura o movimento e o ambiente. Neste sentido, é
importante perceber como Braga se aproxima de algumas questões próprias do cinema
como planos de ambientação, enquadramento, plano médio ou plano geral, além do uso
do “close-up médio” ou “close-up extremo”, como em algumas fotografias de Bruce
166
Charlotte Cotton, op. cit., p. 7.
167
Hatoum, Milton. Desenhos do Olhar. In: Braga, Luiz. Fotoportatil. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
145
Diferente do cinema, onde as cenas são construídas com deslocamentos de luz e outras
manobras, Braga não dirige a pose desses trabalhadores e deixa transparecer que são
pessoas comuns no exercício cotidiano dos seus afazeres. Assim, nessas imagens, os
fotografados ganham um caráter de "personagens", onde a identidade destacada está
mais no plano cultural da fisionomia amazônica repleta de plasticidade, do que da
identidade de pessoa física. Ou seja, a foto revela um tipo físico da região, uma atitude,
uma ambiência, sua potência plástica.
168
Bruce Conner foi um americano artista renomado por seu trabalho onde conjugava, filme , desenho,
escultura , pintura , colagem e fotografia , entre outras disciplinas.
146
169
Rubens Fernandes Junior. Luiz Braga. IrisFoto, São Paulo, n. 453, abr. /maio 1992, p. 34-39.
170
Arlindo Machado. A ilusão especular – introdução à fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984,
p.62.
171
Vilém Flusser. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo:
Relume Dumará, 2002, p. 14.
147
artista, tem o seu contraponto nas sombras, ora provocadas pelos filtros naturais da
umidade das chuvas, ora pela exuberância sombria da escuridão da floresta. O tempo da
região norte é um tempo cíclico, diferente do tempo dirigido pelas quatro estações, por
exemplo. O tempo da Amazônia é o tempo das marés, das luas e da luz do sol. O pôr do
sol de cada dia exprime a energia ficcional que ele precisa para materializar a sua
poética da luz. Esse momento cíclico da natureza, juntamente com a luz de mercúrio
reveste algumas imagens com o clima de artificialidade. A luz faz de cada uma dessas
fotografias um espaço de clareza, e ao mesmo tempo vago. Nesse sentido, Paulo
Herkenhoff diz
172
Texto do crítico de arte Paulo Herkenhoff para a exposição “Luiz Braga - Fotografias”. São Paulo:
Masp (1992); Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil (1992); Belém: Galeria Theodoro Braga,
(1992);(ANEXOS L, pp. 254-259)
148
(...) é estar em cumplicidade com o que quer que a torne um tema interessante e digno
de se fotografar (...)” 173
Dessa maneira, o caminho encontrado por ele para aferir um
reconhecimento mais universal nessas imagens, e, consequentemente, a valorização
desses referentes, foi experimentar possibilidades expressivas, que ora transitam pelas
fotos em preto e branco, ora pelas coloridas, ou ainda pelas com night vision. A cor,
nesses retratos, lhe ofereceu a possibilidade de incandescer os corpos de energia vital. É
essa potência da luz tão intimanente ligada a pintura pela formação do olhar do artista
que como diz Paulo Herkenhoff, “revela nos corpos o leque do desejo, a economia da
libido, o investimento físico do trabalho.”174 Ainda que a pintura tenha servido de
inspiração a Luiz Braga, seu trabalho se afasta do gênero pelo senso de urgência de sua
auto-referência.
Em João silhueta e bandeira (Ilustração 74), Braga captura o seu fotografado quase de
perfil. Com esse precedimento ressalta a silhueta do homem que se encontra diante da
Bandeira Brasileira – símbolo da nação. Assim, procura indicar o sujeito por sua forma,
postura e grau de dignidade como parte da pátria brasileira. A silhueta é um modo de
registro usado em outros retratos, como Rosa no Arraia (Ilustração 02). Isto faz com
que Paulo Herkenhoff observe o seguinte:
173
Susan Sontag, op. cit., p. 23.
174
Paulo Herkenhoff. Pele-Luz. In LUIZ BRAGA - Território do Olhar, op. cit., pp. 2-4.
175
Paulo Herkenhoff. Contraluz e silhueta. In op. cit., 4.
149
Ou ainda, mesmo que o olhar de Luiz Braga, como ele declara tantas vezes, tenha uma
cultura visual com referências nas artes plásticas, esses retratos, como diz Paulo
Herkenhoff, “é ‘morenice’, polpa de fruta e oxido do sólo.”178 Tudo encontra-se situado.
176
Sobre o “voyeurismo sadio” ver a citação 159.
177 Otto Walter Beck, Art Principles in Portrait Photography. Open Library, 1907, p. 15. “Photography
enters the field of art guided by the pictorial principle. Photo-portraiture should strive to attain the depths,
the tactile quality, the logic and the completeness of balance that delight us in masterpieces of drawing or
painting in monochrome.”
178
Paulo Herkenhoff. Pele-Luz. loc. cit
150
O projeto das fotografias de Luiz Braga incluem também as paisagens. Nessas séries,
sua experimentação, que vai da câmera analógica à digital, busca incorporar a pesquisa
refinada dos princípios compositivos, utilizando a técnica e o enquadramento clássico
que muitas vezes lembra a solução de algumas pinturas conhecidas na história da arte.
Ele conjuga os fundamentos da imagem, explora os elementos formais, a organização
do espaço a partir da percepção criadora e subverte as regras.
151
Barracão Laranja (Ilustração 76) e Lona Azul (Ilustração 77) são paisagens. Fotos feitas
com câmera analógica. As fotografias exalam um vazio e a ausência dos seus jovens
personagens. São imagens que evidenciam o delirante experimento com a luz. Sem luz
não há cor. Essas imagens da década de 1990, no que diz respeito à estética utiliza cores
“dissonantes” diretamente opostas: tons de azul, laranja e verde. O fotógrafo busca uma
situação de equilíbrio entre a temperatura psicológica das cores - “quentes” e “frias”.
Cores diferentes, mas com o mesmo brilho ou saturação. Em Barracão Laranja e Lona
Azul, ele posiciona o assunto no centro e o mais próximo possível das margens do
quadro para acentuar as cores, o tema e o equiliíbrio desejado. O limiar entre figuração
e abstração, entre objetividade e subjetividade estão presentes nestas imagens. Em
Barracão Laranja as linhas verticais e horizontais são evidentes na composição visual,
lembrando, de certa maneira, as vibrantes grades de Mondrian. O equilíbrio dinâmico é
um dos princípios mais importantes nesta fotografia. Braga precisa mostrar o que não é
visível ao olho – o dinamismo da luz do norte. Todos os elementos formais estão
cuidadosamente enquadrados e organizados num esquema quase pictórico.
Luiz Braga ao focalizar a cultura visual amazônica, a luz e as cores dos mercados, dos
portos, barcos e elementos visuais desta paisagem, mostra, simultaneamente à sua
dimensão comprobatória (a de ser uma prova da existência “ontológica” de um objeto),
e a outra natureza, a puramente simbólica, que desarticula o real. Promove e incentiva
179
O Ver-o-Peso é um mercado situado na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará, estando
localizada na travessa Boulevard Castilho Franca, Cidade Velha, às margens da baía do Guajará. Ponto
turístico e cultural da cidade, é considerada a maior feira ao ar livre da América Latina.
153
Nas paisagens Porto Grande Noturno (Ilustração 80) e Corvina Salinas (Ilustração 81),
outra questão se faz significativa – o aspecto ficcional que nos remete a uma paisagem
quase onírica, sem abandonar totalmente o referente. Esse caráter é determinado mais
por uma situação inesperada que se fez presente em suas buscas, do que pelo desejo
primeiro de experimentar a cor em outra dimensão. Na última década, a violência
urbana da cidade de Belém, restringiu muito o seu trabalho naquele caminho já
conhecido, onde fotografou algumas séries importantes de sua produção. No entardecer,
ou durante a noite, ele inicia outra forma de capturar o referente amazônico – mote de
sua produção. Nesses trabalhos, ele atualiza a cor sem se afastar da tradição tão peculiar
na sua poética – o diálogo com a pintura e a straight photography.
oblitera a sua liberdade de transitar naqueles lugares – Estrada Nova. Mesmo com a
perda de chão, ele continua seus experimentos durante a noite, em outros lugares mais
interioranos. Assim, o cenário daquelas imagens mostradas no item anterior desse
capítulo, como Bar Azul (Ilustração 62), são permutados por outros, como podemos
observar nas imagens Porto Grande Noturno e Corvina Salinas.
180
Poema de Ruy Barata (1920 – 1990). Poeta, político, advogado, professor e compositor paraense.
Disponível em: http://ronaldofranco.blogspot.com.br/2010/07/antes-que-matem-os-rios-e-as-matas-
por.html.Acesso em 26/12/2012.
156
A plasticidade amazônica tem sido o mote das fotos de Luiz Braga. Uma fisionomia que
se encontra tatuada com as cores da região. Não apenas as cores dos objetos que Braga
fotografa na Estrada Nova no encontro com a “cor cabocla”, mas as cores que fazem
parte de uma cultura visual onde a luz é o principal elemento. As fotos de Luiz Braga
são resignificações da “dança cromática”182 de um povo. A maneira como ele descreve
o processo de manipulação do equipamento e do aproveitamento das luzes para compor
suas fotografias mostra um envolvimento que desestabiliza concepções que se
encontram num percurso histórico da fotografia. Sua busca de diferentes possibilidades
181
Arlindo Machado. Dança cromática nas ruas de Belém, loc. cit
182
Idem.
157
Em relatos, Braga diz que sempre foi tímido, e que a fotografia foi a maneira que
encontrou para comunicar-se de forma intensa, mais aberta. Essa linguagem é, também,
a forma que ele encontrou para pronunciar a região norte de maneira peculiar e
transmiti-la ao mundo. A partir dessas imagens, ele busca defender a dignidade do lugar
e, como artista procura afirmar sua identidade na cena contemporânea. Não apenas a
identidade, mas, também, a sua força criativa como um artista da região norte. Ele diz
“por que todo mundo que tem um sonho, tem que mudar de endereço, de CEP, pra ir
atrás dele? Por que o CEP não pode ser o 66000 ? [Código de Endereçamento Postal da
cidade de Belém] O meu CEP até hoje é o 66000... eu moro em Belém, vivo em
Belém.”184
183
ALUNORTE (Org.); TEIXEIRA, Romeu do Nascimento (Org.); DANGELO, Jota (Texto); BRAGA,
Luiz (Ilustrador). Belém do Pará – É preciso sonhar. São Paulo: Graf. Ed. Hamburg, 1995, p111.
184
Transcrição da fala do artista no vídeo da Exposição Antônio, Luiz e Bina, de 26 de agosto a 30 de
setembro de 2010. Galeria da Gávea – Rua Marques de São Vicente, 431 – Gávea - Rio de Janeiro – RJ.
Intervalo de 12min57seg a 13min15seg. (com adaptações)
158
CAPÍTULO III
Luiz Braga, a partir de 2005, mais uma vez expande seu campo experimental. Inicia um
percurso sondando novas perspectivas poéticas. A lógica formal de suas imagens passa
a atender, além das fotografias em preto e branco e as coloridas, outras com
características da tecnologia digital. O resultado dessa pesquisa foi mostrado,
recentemente, na Exposição “LUIZ BRAGA | NIGHTVISIONS” 185·.
Em relatos, Braga sempre comenta que o alvejar noturno das transmissões televisivas da
Guerra do Iraque o tocaram. Naquela ocasião, estava em trânsito numa viagem aos
Estados Unidos e, pungido pelas imagens, experimentou esse conhecimento técnico em
suas fotos. Incorporando o infravermelho da câmera digital, ou o “aparato ótico-militar”
185
Exposição realizada na Galeria Leme. Avenida Valdemar Ferreira, nº 130. Butantã – SP. (ANEXO O,
p. 265). A primeira mostra exclusiva das imagens com Night Vision. Algumas dessas imagens já haviam
sido mostradas em outras exposições que congregavam trabalhos do artista.
186
Paulo Herkenhoff. Night Vision. In LUIZ BRAGA - Território do Olhar, op. cit., p. 11.
159
como diz Herkenhoff, Luiz Braga propôs afrontar a utilidade bélica desse recurso
imagético, sem perder de vista a sua intensidade ideológica. Encheu de incertezas o
campo estético, e construiu outro diálogo para além da pintura - com quem sempre
manteve fortes relações nas sua composições. Essas imagens passaram a fletar com a
tradição monocromática da gravura em água-forte. Assim, após ressignificar os “erros”,
como foi apresentado no capítulo anterior, a night vision produz nova permutação por
estranhamento. Traz uma Amazônia invisível infiltrada de incertezas visuais no olhar,
que constrói um caminho abalizado pelo conhecimento. Nesse sentido, para ajudar-nos
a pensar sobre essas fotos podemos observar o que Brissac diz,
Nessas imagens, Braga distante das cores primárias que marcaram suas composições
nas séries anteriores - desenvolvidas na mesma faixa territorial que algumas dessas
night visions, como veremos mais adiante, ele constrói um diálogo próximo com a
sensação da pintura. Aliás, vale ressaltar que a pintura não evoca coisa alguma, ao
contrário, ela dá existência visível àquilo que a visão humana não consegue ver. É,
portanto, no limite do visível que a pintura nos faz ver. Outro elemento importante
nessas imagens são as nuvens que nos excita a pensar naquelas feitas por paisagistas do
século XVIII e enfatizadas por Constable. Aliás, alguns teóricos como Damisch188 se
debruçaram mais intensamente sobre as reflexões desse elemento celeste presente nas
pinturas. Para ele toda a história da pintura moderna poderia ser contada a partir das
nuvens, que serviu para problematizar a perspectiva e uma nova teoria da representação.
187
Nelson Brissac Peixoto. Paisagens urbanas. São Paulo: Editora SENAC São Paulo: Editora Marca
D’Água, 1996, p. 15.
188
Cf. H. Damisch. Théorie Du nuage. Paris: Ed. Du Seuil, 1972.
160
reinventa Luiz Braga como artista e redefine a paisagem equatorial. Imagens que
possuem uma frieza monocromática, diferente das suas obras conhecidas pela cor
saturada.
Igarapé do Macaco (Ilustração 83), outra paisagem dessa série, apresenta uma visão da
região do rio Tapajós, floresta que está distante daquela idealizada. É a mata amazônica
de Luiz Braga, íntima e familiar, onde a questão ficcional se intensifica. É uma alegoria
que reflete a nostalgia de um paraíso perdido, reencontrado na imaginação do artista e
oferecida ao mundo. Como já observamos anteriormente, a ambientação, inicialmente
noturna, passou a ser diurna. O efeito dos filtros polarizadores fizeram que essas
fotografias conjugassem questões da pintura e aspectos da gravura ao apresentar a
floresta amazônica, ou a Amazônia de Luiz Braga - uma paisagem misteriosa que
lembra a “tundra asiática”, ou a “estepe russa”, assoladas pelo gelo. O aspecto de
gravura reside na monocromia e num outro elemento presente nessas imagens,
Em Igarapé do Macaco, e em outras imagens dessa série, como Igapó (Ilustração 84) na
região do Rio Negro e Ajuruteua (Ilustração 85) o verde da floresta amazônica que
sempre é visto do alto como uma extensa e imperiosa superfície vegetal, tem seu
panorama alterado, e passa a ser visto como uma floresta que navega no silêncio, na
placidez de seus igarapés, ou que caminha nas cinzas de seus incêndios. Inicialmente,
essas imagens eram tonalizadas pelo verde da floresta que tudo contamina, como
poderemos ver em algumas fotos que serão apresentadas mais à frente. As imagens mais
recentes, como essas apresentadas na Exposição “LUIZ BRAGA | NIGHTVISIONS”
são frutos de cuidadosa edição (Ilustração 86), e se aproximam mais das imagens em
preto e branco, permanecendo, no entanto, a frieza e a natureza artificiosa. É importante
observar que Igapó é uma imagem que marca o outro olhar de Luiz Braga sobre a
Amazônia. Braga ressalta que esse lugar o tocou de forma intensa e diferente – um lugar
magestoso, plácido e mágico. É a partir dessa foto que ele passa a intensificar a
atmosfera atemporal do lugar.
189
Catálogo do Prêmio de Artes Plásticas Marcatonio Vilaça 2009. Rio de Janeiro: Funarte, 2009, p. 18.
162
Ilustração 86: Processo de produção das fotos do projeto “Verde – Noite, 11 raios na Estrada Nova” –
Catálogo do Prêmio Marcatonio Vilaça 2009, p. 20.
190
O Projeto contou com recursos do Prêmio Marcantonio Vilaça 2009, da Fundação Nacional de Artes.
191Ver a citação 132.
192
O Mangal das Garças, inaugurado em 12 de janeiro de 2005, está localizado às margens do rio Guamá, em pleno
centro histórico de Belém do Pará, no entorno do Arsenal da Marinha. O parque ecológico é resultado da
revitalização de uma área de 40.000 m², uma síntese do ambiente amazônico no coração da capital paraense. As
matas de várzea, os animais da região e mais de trezentas espécies de árvores nativas estão presentes no espaço.
164
Nesse lugar, segundo Braga, é onde se concentra o modo de vida do ribeirinho, por isso,
ele resolveu revisitá-lo. Nesse retorno, ele vai além da cor e passa a usar a técnica que,
segundo ele, Paulo Herkenhoff definiu como ‘night vision’. O resultado dessa nova
pesquisa são imagens de visão noturna adaptada para a câmera fotográfica e que
produzem um efeito que altera a realidade - como já observamos no início desse
capítulo.
Cf. François Soulages. Estética da fotografia – perda e permanência. São Paulo: Editora SENAC,
195
Como o conceito de fotograficidade pode nos ajudar nessa empreitada de pensar essas
fotos com a técnica night vision? Na verdade, não queremos nesse último capítulo trazer
uma discussão nova. A ideia de Soulages, nesse contexto, é uma proposta de
continuidade das reflexões iniciadas nos capítulos anteriores, como aquelas sobre a
straight photography – método bipolar de Strand, a transparência e opacidade a partir
dos estudos da historiadora norte-americana Rosalind Krauss, o campo prático-
perceptivo do Andrea Bonomi, entre outras, que sustentam a discussão de uma
fotografia que seja vista como meio e fim em si mesma, ainda quando essas imagens
remetam a uma “verdade” anterior à sua execução, como a paisagem dos igarapés,
igapós, rios e habitantes da região, vista na Série Night Visions.
As imagens com night vision conjugam, exacerbadamente, o aspecto ficcional que vai
além da simples opção do fotógrafo, mas que é determinado por uma tática cujo uso se
engendrou pela violência urbana que passou a dificultar o seu trabalho nos lugares que
antes eram o seu “território de afeto”, e, assim, o desloca para o interior – regiões
afastadas daqueles espaços de então. Esse outro posicionamento, adotado diante da
captura dessas imagens apresenta um fato curioso – uma certa “falência” da relação do
fotógrafo com o fotografado, ou com os seus lugares de afeto. Algo gerado,
primeiramente, por esse fato social externo que contamina o experimentalismo com o
196
Cf. TODOROV, T. “Qu’est-ce que le structuralisme?” Em Poétique. Paris: Seuil, 1969. (APUD
apresentado por François Soulages, op. cit., p.375).
197
Todorov, 1969 APUD François Soulages, op. cit., p. 129.
167
infravermelho. Essa tática o afasta de uma visão humanista, contudo, sem desativá-la
por completo. Dessa maneira, ele se aproxima da Amazônia, da vegetação, dos igarapés
e rios. Contudo, afastando-se da ideia de representação convencional – imitação do real.
Ele constrói um outro olhar, e gera uma assimetria com a abordagem humanista, que se
poderia esperar de sua relação de empatia com esses referentes.
198
François Soulages, op. cit., pp. 131-132.
168
A realização concreta das fotos com a night vision provém conjuntamente de uma
escolha – nova fase do seu experimentalismo -, e, também, da necessidade de encontrar
outras possibilidades que pudessem superar a “crise” da violência urbana que se instalou
naquele antigo território de afetos – chão das fotos em preto e branco e as coloridas.
199
Na Exposição Amazônia Ciclos de Modernidade, no Centro Cultural Banco do Brasil/RJ, no período
de 28 de maio a 22 de julho de 2012, sob a curadoria de Paulo HerKenhoff, na primeira sala da mostra
apresentou grandes monitores com uma sequência dessas imagens: Igapó, Igarapé dos Macacos foram
alguns dos slides exibidos.
200
CF. BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984, e “A Mensagem Fotográfica”, em O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984; DUBOIS, P. O
ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994; BAZIN, André. Ontologia da imagem
fotográfica. In XAVIER, Ismail (Org.). A Experiência do Cinema: Antologia. Rio de Janeiro:
Graal/Embrafilme, 1983; FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia
da fotografia. São Paulo: Relume Dumará, 2002. SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precária: sobre o
dispositivo fotográfico. Campinas: Papirus, 1996; COLLIER, John. Antropologia visual: a fotografia
como método de pesquisa. São Paulo: EPV, 1973. A citação desses autores tem como foco as presentes
obras, e vale observar, ainda, que Dubois nos trabalhos mais recentes apresenta um enfoque diferenciado.
169
todo caso, mesmo desnaturalizando a aparência dos seus referentes, memória e ficção
parecem fazer um acordo e são articuladas com certa familiaridade dentro do contexto
dessas imagens, e formam uma unidade interessante e diferenciadora.
Como se pode observar em Árvore no Tapajós (Ilustração 82) - e nas demais fotos
apresentadas -, não estamos na Amazônia quente, colorida e forte, mas, estamos numa
Amazônia fria, monocromática e onírica (fictícia). Aproximando-se dessa estética da
ficção essas imagens deixam de ser para o espectador apenas uma referência da
memória fiel para reviver o passado, mas passam a ser um ponto de partida para a
apreciação de uma Amazônia recriada, que, também, pode ser um outro lugar, uma
outra região. Contudo, este aspecto não faz com que essas imagens deixem de ser algo
presente. O efeito do infravermelho é o presente dessas imagens e não mais o passado,
simplesmente, vinculado a uma ideia de memória como algo fiel, verdadeiro e
documental. Dessa forma, as imagens quebram uma ordem não apenas marcada pela
subversão da tecnologia do infravermelho da câmera digital (indicada para ser usada na
ausência de luz), mas, também, a ordem do estereótipo que reina na cabeça de quem um
dia já esteve na Amazônia. Ele engendra a experiência da dúvida que proporciona uma
desorientação no “território do olhar”. Passam a ser a articulação entre o que se perde, o
que permanece e o que foi acrescentado a partir do efeito da night vision –
desestabilização do recurso tecnológico.
A lógica formal das fotografias de Luiz Braga congrega momentos com negativos e
digitalização de negativos - como se pode perceber nas séries em preto e branco e
coloridas; e, também, coincide com esse momento atual da tecnologia digital com o
experimentalismo do infravermelho. Assim, as dimensões da fotograficidade se
manifestam de forma integrada em ocasiões distintas. Quer seja na fase do negativo
representada pelo experimentalismo com o filme day light e a exploração das
temperaturas de cor, ou nessas imagens com night vision resoam uma exploração e
aproveitamento de possibilidades infinitas, como já foi falado, recentemente as imagens
dessa série com infravermelho foram apresentadas com a tecnologia do backlight – isso
reforça a dimensão do inacabável que conjuga a ideia de uma outra representação e a
diversidade de suportes.
atinge um campo das imagens virtuais como: a imagem mediatizada pela tecnologia da
câmera digital, a imagem psíquica do fotógrafo, as imagens latentes e as imagens
possíveis a partir da manipulação do registro. O experimentalismo de Luiz Braga
transita por campos diversos das artes visuais. Essa forma subversiva de ver e explorar o
mundo intensifica a natureza híbrida da fotografia.
Luiz Braga, arquiteto por formação e fotógrafo por profissão, articula olhares distintos
nesse seu trajeto artístico. Sua produção ressoa afinidades com os códigos da pintura, da
escultura, da gravura, do cinema e da fotografia do século XIX e século XX. Braga
permite-se, como outros artistas na contemporaneidade, movimentar-se sem culpa pelos
gêneros da fotografia e da sintaxe das artes visuais. Se pensarmos de forma mais
distante, historicamente, perceberemos que a gênese dessa forma de articulação tem
suas raízes na ética de vanguarda da primeira metade do século XX, quando as práticas
permitem esse trânsito com liberdade pelos gêneros. Nesse sentido, vale observar o que
Laura González Flores diz “a crítica moderna deslocou a qualidade da artisticidade da
obra para o seu criador. O eixo da arte não é mais o domínio da tekhné ou ars de um
gênero – seja ela pintura ou fotografia -, mas a criação.” 201
Com esse panorama, por exemplo, Man Ray, em seu trajeto artístico, ainda, propõe sua
criação com disjunções entre gêneros: a sua obra ou é pintura ou é fotografia. Contudo,
o espírito da vanguarda é essencialmente transgenérico (misto). Muitos artistas
vanguardistas, além de Man Ray – Picasso, Dali, Moholy-Nagy, El Lissitzky e outros
mais recentes como David Hockney, lembrados como referências na formação do olhar
de Luiz Braga, ou cuja produção artística repercute em suas fotografias – não
trabalharam a partir de uma disjuntiva de gêneros (fotografia e pintura), mas, sim a
partir da conjunção destes (fotografia pintura).
Os avanços do conceito de Arte em direção a uma identificação desta com uma visão
transgenérica e com a ação do artista pode parecer um paradoxo, se identificarmos a
crítica moderna com a efetivação dos gêneros autônomos como sustentou Greenberg.
No entanto, o paradoxo é apenas aparente como afirma Laura González Flores:
201
Laura González Flores. Fotografia e pintura: dois meios diferentes? Tradução Danilo Vilela Bandeira.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. 178.
172
Muitos dos artistas das vanguardas apontados por Luiz Braga como referências na
construção do seu olhar manifestaram sua criatividade em diferentes gêneros atísticos.
E produziram obras misturando-os. Desse avanço conceitual, elabora-se a ideia de
“obras de arte” como linguagens híbridas – fotografia e pintura, fotografia e tipografia,
fotografia e fotografia -, como seria o caso da mistura de fotografia artística e comercial
– obras com duas versões da mesma linguagem.
Historicamente, a partir das vanguardas, será cada vez mais comum e ampla a utilização
de gêneros mistos nas obras concebidas desde o princípio como Arte. Atualmente, a
integração formal ou visual da fotagrafia com outros meios visuais é cada vez mais
comum e rica. As night visions de Luiz Braga encontram na ficção fotográfica, cujo
realismo é presente, um campo fértil para atingir outras realidades. Ele utiliza a
monocromia com tons esverdeados mais ou menos intensos, cujo aspecto é trivial na
gravura, e gera uma irrupção violenta do espaço “real” da visualidade amazônica, que se
torna “ireal” no campo da lógica fotográfica tradicional. Ele encontra na mistura das
aparências – efeitos da subversão da tecnologia digital -, o seu próprio princípio de
“artistificação”.
202
Laura González Flores, loc. cit.
173
(fotografia documental), a ideia geral de Luiz Braga poderia ser expressa como “isso
aconteceu porque eu o inventei” (fotografia como criação) – uma Amazônia única, que
é a Amazônia Ártica de Luiz Braga. Nessas imagens, o importante não é se existem
marcas ou sinais de manipulação, mas a relativização da linguagem fotográfica por
meio de uma alteração da utilização da tecnologia adotada pelo fotógrafo.
Outro aspecto importante nas paisagens dessa série, como se pode perceber em Fonte
Lua de Prata (Ilustração 87) e nas outras mostradas até aqui, é o vazio - como se esses
lugares estivessem abandonados. Esse aspecto ressoa algo de metafórico que tem sua
origem em questões já apresentadas nesse trabalho - a violência urbana que levou o
fotógrafo a desenvolver uma tática para vencer seus objetivos plásticos. Ora, nos
primeiros ensaios em preto e branco e nos coloridos, Braga desenvolvia estratégias na
busca de uma linguagem autoral. Vale perceber a diferença entre a ideia de estratégia e
tática nesse contexto. As estratégias artísticas de Luiz Braga, num primeiro momento de
sua produção, visavam organizar sua ação para atingir um resultado – a captura do gesto
e da cor a partir de um envolvimento prazeroso com o lugar. Dessa forma, ele explorou
as possibilidades expressivas daqueles referentes. A tática, por sua vez, na linguagem do
dia a dia, refere-se ao conjunto de meios usados para chegar a um fim. Nesse caso, a
utilização da tecnologia do infravermelho nessa série de Luiz Braga está mais próxima
da concepção de tática, que alude uma diversidade de ações desenvolvidas em função
das circunstâncias que passaram a existir, e se opõe à ideia de estratégia, tão peculiar
174
nos seus ensaios fotográficos na década de 1980. A tática da night vision significa o
modo que ele encontra para administrar aquele conflito - enfrentado em seu todo.
Assim, a palavra tática parece ser mais adequada para entender alguns aspectos dessas
imagens como consequência daquela violência urbana, que se foi instalando nos espaços
por onde o artista buscava os gestos e as cores dos referentes amazônicos. Nesse
sentido, vale observar o que Luiz Braga diz sobre o vazio metafórico dessas paisagens,
que se inicia nas fotos coloridas onde ele explorou as temperaturas de cor, e em seguida
se estendeu a essas com a tecnologia da night vision
Esse relato de Braga leva a pensar no percurso histórico desenvolvido pela fotografia
como imagem, memória e realidade construída. Não se trata apenas de documentar ou
registrar uma cena. A imagem, desejada mentalmente, envolve um conjunto de
características que influenciam na escolha da situação, das condições de luz, ponto de
vista, organização do espaço e tempo. A construção acontece no plano mental para que
em seguida aconteçam os registros possíveis.
203
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
44min31seg a 45min02seg. (com adaptações)
204
Essa foto não foi incluída nesse trabalho. A imagem é a capa do livro “A cidade Ilhada” de autoria de
Milton Hatoum.
205
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
45min28seg a 45min30seg. (com adaptações)
175
Ilustração 87: LUIZ BRAGA Fonte Lua de Prata, da Série NightVisions – 2007.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão.
Acervo do Artista.
A maneira de construção dessas imagens, onde é importante perceber que não podemos
falar da captura, vai além de duas importantes teorias da fotografia, as de Roland
Barthes e Susan Sontag, que abordam a ontologia do meio seguindo essa mesma linha
de raciocínio. Ambos, como já tivemos a oportunidade de analisar em outros capítulos
dessa tese, veem a essência da fotografia – aquilo que a distingue de outros meios de
representação – em sua qualidade de rastro - o que não daria conta para sustentar as
articulações dessas imagens com nigth vision. A relação dessas imagens com a realidade
não é de semelhança.
176
Seguindo essa linha de pensamento, nada se destaca na foto, isto é, o seu significado
não está nela mesma, mas na realidade da qual ela surge e da qual é contingente. Dessa
forma, parece que, na proposta de Barthes, a foto funciona como a imago romano. A
explicação de Barthes concentra-se na fascinação que a foto exerce sobre nós, ou seja,
parte do mesmo fundamento lógico das imagine romanas: para ele, a foto é, como elas,
um vestigium.
206
Uma “imagem”, em Roma, era um objeto material. Os romanos designavam com o termo imago uma
figura de cera que se moldava a partir do cadáver de determinada pessoa. A imago funcionava como um
“dublê de corpo” físico cuja utilização transcendia a de mera comemoração: dependendo do status e da
importância da pessoa, a imago constituía uma verdadeira presença física e legal. (Ver Laura González
Flores, op. cit., p. 116)
207
Roland Barthes.“A Mensagem Fotográfica”, em O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984.
208
Roland Barthes. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 34.
177
As night visions de Luiz Braga fazem um caminho de mão dupla: capturam o real e dele
se afastam - desestabilizam essa linha de raciocínio. Braga não vê esses lugares de
forma passiva, mas pensa e reage a eles de maneira imprevísivel. Suas andanças
constituem-se num empreendimento de aprendizagem dos códigos visuais. Tornam-se
metáforas vivas – um trabalho de construção de outros sentidos a partir das imagens da
cultura amazônica.
A ideia de um autor que não é passivo por trás da câmera e diante da realidade, leva a
pensar, como já foi observado, anteriormente, que o eixo da fotografia como arte não é
apenas o domínio da técnica, mas, o processo de criação como um todo. O manejo
consciente e voluntário, ou a subversão da sintaxe e das normas, implica, portanto, que
a fotografia assumiu a existência de um autor e de uma codificação relativa – ampla.
Seria uma postura contrária à épica da fotografia documental. Ao se aceitar a existência
do autor, a fotografia não apenas funciona plenamente como uma linguagem, mas,
também, de acordo com as caracteristicas concretas desta, e sua “artisticidade” – que
passou por várias fases até chegar à contemporaneidade. E, este, como no caso da
pintura, vale lembrar que, é um argumento construído através do tempo e de uma série
209
Boris Kossoy. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
178
Embora, como falamos antes, se possa dizer que a fotografia funcionou, ou ainda
funciona para alguns profissionais como testemunho da realidade, o contrário, também,
é certo: ela pode falsificar o testemunho de diversas maneiras. Com um recuo histótrico
é possível perceber isto no século XIX, quando alguns fotógrafos engendravam uma
espécie de farsa na representação do real. Por exemplo, em O Afogado (Ilustração 88),
um ano após a divulgação da invenção de Daguerre (1839), Hippolyte Bayard se
inscreve com essa atitude. Com essa foto, ele transita pelo campo da criação artística
movido por um sentimento de contestação ao governo da França pelas benesses
dedicadas a Daguerre. A história dessa imagem é bem conhecida: em 1841, ele
distribuiu uma foto na qual ele próprio aparece afogado e escreveu, no verso, um texto.
Utilizou uma técnica fotográfica muito pouco sensível, e precisou posar sem se mexer
durante vários segundos, com os olhos bem fechados. Bayard usou essa encenação para
fingir que está morto. Muitos vêem esse gesto irônico de Bayard como algo patético,
longe de ser uma lúcida constatação das possibilidades de criação fotográfica. No
entanto, O Afogado constitui não apenas a primeira performance fotográfica, mas
também a primeira mostra de subversão da veracidade fotográfica em prol da
legitimação de uma mentira, que se inscreveria no campo da arte.
Com essa foto, Bayard constata em pleno o século XIX que com a fotografia surgem
duas possibilidades simultaneas e contrárias: documentar uma realidade e criá-la. Esse
processo de criação passou pela habilidade da fotografia moderna e atingiu a ação na
contemporaneidade. Nesse sentido, vale ressaltar que
Nos Estados Unidos, por exemplo, a fotografia moderna está ligada a busca formal
relacionada, principalmente, com um trabalho de enquadramento. Dessa maneira, a
fotografia norte-americana concentra-se na forma inspirada no puro-visualismo, na
forma significativa e na objetividade. Nesse sentido, serão desenvolvidos conceitos de
Fotografia Pura Americana, que serão os pilares da futura fotografia de museu, que
mostrará uma tendência a privilegiar a experimentação com formas e técnicas
fotográficas em detrimento dos trabalhos com um tema de fundo (mais associado ao
trabalho documental). Assim, a fotografia norte-americana moderna também manterá
uma ligação formal com a antiga classificação das imagens segundo seu gênero (nu,
natureza-morta, paisagem, retrato). Por outro lado, a corrente europeia, manifestou uma
maneira mais heterogênea do que a americana. É difícil falar da fotografia moderna na
Europa, pois, por um lado, seus autores estavam integrados a diferentes grupos de
vanguarda e, por outro, poucos deles se consideravam fotógrafos. A produção
fotográfica europeia está mais ligada à “vanguarda”. As imagens dessa época
caracterizam-se pela ruptura, exagero ou intolerância em relação às convenções
artísticas e sociais. Nesse momento, a fotografia será um recurso comum de pintores,
escultores, músicos e escritores de vanguarda. Com se viu no primeiro capítulo, as
fotografias de Luiz Braga, num primeiro momento, dialogam de forma muito próxima
com straight photography - corrente da fotografia moderna norte-americana que se
opunha ao pictorialismo.
210
Laura González Flores, op. cit., p. 167.
180
Nos relatos sobre a experiência com o infravermelho, Luiz Braga tem mostrado sua
paixão pela exploração das possibilidades da tecnologia digital. Isso exemplifica o
deslocamento em direção à artisticidade fotográfica a partir da exploração do recurso
tecnológico. Nesse sentido, vale citar um pequeno recorte de um texto de Léger, que
evidentemente, não era fotógrafo, mas cujo fundamento atingiu a arte de uma maneira
geral no período das vanguardas, e atualizando-se na contemporaneidade. Ele diz “O
caso da evolução do automóvel é um exemplo destacado de meu argumento; é um fato
curioso que quanto mais as funções utilitárias da máquina se aperfeiçoam, mais bela ela
se torna.”211 Assim, pode-se perceber que enquanto a tendência americana ocultava a
mecanicidade do meio por trás de um discurso que idealizava e subjetivava o uso da
câmera, a Fotografia vanguardista europeia estava fascinada justamente pela
mecanicidade do novo meio. Isso não parecia ser um obstáculo para que uma obra
tivesse uma aura artística. Na Europa, diferente dos Estados Unidos, os avanços
mecânicos foram elementos importantes para que o artista vanguardista pudessem
propor uma nova técnica. É nesse sentido, que aproximamos esse momento da produção
com o infravermelho ao desejo do fotógrafo pela capacidade experimental do
equipamento. No entanto, ele não perde a pintura de vista, se antes a pictoridade de suas
fotos estavam na subverção dos materiais e das normas do equipamento, que buscavam
explorar os elementos compositivos, e que subvertiam a aparência do referente
amazônico, nessas nigth visions ele busca a sensação da pintura. Nesse sentido, com
relação as fotos coloridas, mas, que se aplica a todas as séries de sua produção,
considerando as especificidades de cada situação, Braga diz: “é pintura com a luz, é a
maneira como eu pinto”. 212
211
Léger APUD Laura González Flores, op. cit., p. 172.
212
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
99min56seg a 100min04seg. (com adaptações)
181
Comecemos esse item por uma foto que abriu a possibilidade da experimentação com a
night vision: Fé em Deus (Ilustração 89). Essa imagem marca, simbolicamente, outro
olhar sobre a Amazônia. Como Babá Patchouli (Ilustração 57) – analisada no segundo
capítulo -, emblemática naquelas outras experimentações com o filme day light, que
exploraram as temperaturas de cor.
O olhar do século XXI reconhece nessa foto uma beleza misteriosa. A cena transita por
questões muito próximas do olhar de um cineasta – talvez, aqueles que Braga afirma
terem sido importantes na formação da sua cultura visual. No entanto, o mais
importante é o plano de ambientação obtido nessa imagem com uma distância focal, que
influência nas características visuais, bem como, a profundidade de campo nesse lugar
aberto onde sugere que haverá uma próxima ação, um desenrolar de uma história. O
silêncio presente nas outras imagens dessa série, aqui é quebrado pela ação.
Dessa forma, a diferença entre Babá Patchouli e Fé em Deus não se deve simplesmente
à oposição entre momentos distintos de inspiração do fotógrafo. Ao contrário, pelo
percurso de estudo adotado nessa pesquisa, almejamos deixar claro que elas pertencem
a campos visuais com influências internas e externas distintas. Para usar um
vocabulário, ainda, mais contemporâneo, poderíamos dizer que, enquanto
representações elas operam em dois espaços discursivos distintos, que se organizam em
dois discursos diferentes. Babá Patchouli, por exemplo, pertence a um momento mais
empírico, quando Braga reconstrói uma cena amazônica a partir de algumas estratégias
213
A música “Maria, Maria” é interpretada pelo cantor brasileiro Milton Nascimento. Essa composição
em conjunto com outras, como Coração de Estudante, trazem questões sociopolíticas de reivindicações.
Essas músicas marcaram um período de 1978-1985, mas ainda hoje traduzem a voz daqueles que
sobrevivem em meio às dificuldades.
183
motivadoras da exploração dos erros e das temperaturas de cor obtidas pela subversão
da utilização do filme day light. Fé em Deus pertence a um momento no qual o
conhecimento da tecnologia digital exige outro comportamento, como foi explorado no
primeiro item desse capítulo, a partir da abordagem de Soulages.
Não é mais a necessidade de emulação da pintura que está em jogo nessa manobra que
pensa o espaço expositivo, também, não é a conquista de um status porque a fotografia
já goza de um estatuto próprio e privilegiado no circuito das artes. O que está em jogo,
nesse momento dinâmico, é a relação entre campos no interior do território das artes
visuais – híbrido e com abundante demanda de forças e intensidades. As imagens Babá
Patchouli e Fé em Deus, ainda, que se situem em campos visuais distintos, tornam-se
representantes do mesmo espírito de investigação – o experimentalismo -, que as
aproxima do discurso estético, que flerta com o espaço de exposição, ou sobre ele
reflete buscando outras possibilidades de representação como será mais bem estudada
no último item desse capítulo sob a visão de Giannotti. O importante aqui é perceber
que essas questões tocam momentos diversos no decorrer da história da arte, e mais
especificamente do estudo da imagem.
214
Rosalind Krauss. Os espaços discursivos da fotografia. In FERREIRA, Glória; VENÂNCIO FILHO,
Paulo (Org.). Arte & Ensaios n. 13. Rio de Janeiro, PPGAV/EBA, UFRJ, 2006, p. 156.
184
No cinema, o campo de visão relativamente amplo de um plano médio, como este onde
acontece a cena dessa foto, é ideal para estabelecer relacionamentos visuais entre os
personagens e entre estes e o ambiente. A natureza inexata do acontecimento capturado
pela câmera de Luiz Braga impede o observador de desvendar o mistério do gesto e a
conclusão da narrativa - técnica recorrente utilizada em filmes de ação e drama. O
registro do movimento das crianças na bicicleta feito por Luiz Braga, considerando as
diferenças, lembra um travelling usado para acompanhar Antoine (Jean – Pierre Léaud)
por cerca de 80 segundos quando foge de um reformatório, ao ser submetido a um
exame da psicologia adolescente, no filme “Os incompreendidos” de François Truffaut
(1959)215.
Na sequência dessas questões que passam pelo cinema, pela pintura e aproxima essas
imagens de um campo mais ficcional, observaremos duas fotos da Série Night Visions:
Lavadeira no Xumucuí (Ilustração 91) e Procissão em Caraparú (Ilustração 92). A
primeira, num primeiro olhar, sugere uma atmosfera bucólica – a personagem encontra-
se integrada à natureza de maneira singela e pura. Sobre essa foto, Braga diz: “eu
demorei muitos anos perseguindo essa cena da lavadeira que eu tinha na minha cabeça.
Eu fiz muitas e muitas fotos, até que um dia, eu encontrei essa mulher nessa
216
circunstância.” Esse dado apresentado pelo fotógrafo, analisado conjuntamente com
outros relatos em que ele afirma ter aprendido o seu ofício mais com os pintores do que
com os fotógrafos, leva-nos a perceber uma coerência que se evidencia no decorrer do
seu amadurecimento profissional. O tema, por exemplo, parece ter impregnações que
passam por vários pintores ou movimentos artísticos que fazem parte do repertório de
Luiz Braga. Degas, por exemplo, entusiasmado pelo registro do movimento, optou por
215
Gustavo Mercado. O olhar do cineasta: aprenda (e quebre) as regras da composição cinematográfica.
Rio de Janeiro, 2011, p.154.
216
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
59min30seg a 59min42seg. (com adaptações)
186
217
temas como as lavadeiras, passadeiras, costureiras entre outros. Os pintores
impressionistas e pós-impressionistas, também, foram entusiasmados pelo tema das
lavadeiras como podemos observar em Lavadeira (Ilustração 24). Contudo, vale
ressaltar que no caso específico desses pintores as cenas com as lavadeiras eram uma
motivação para o estudo da luz e da cor. A personagem nesses quadros é importante por
estar ao ar livre e permitir a observação do fenômeno luminoso. Luiz Braga com a
utilização do infravermelho intensifica sua pesquisa sobre as possibilidades de
experimentar o fenômeno da luz na fotografia. O seu encantamento por essa cena é
diferente da forma como ele se envolvia nas séries anteriores. A luz é um elemento
primordial e o discurso em torno da personagem se diferencia, por exemplo, daquele
presente na série À Margem do Olhar. A lavadeira na ação do seu ofício apresenta
braços musculosos – um ser de um universo quase mitológico pela formosura do gesto.
Nessa foto, mais importante que a lavadeira é o gesto e a luz. Entretanto, se essa
imagem flerta com a tradição, também existe um outro elemento relevante: o diálogo
com o cinema presente no plano de ambientação – a situação sugere um desenrolar ao
espectador. A diagonal que parte da margem inferior esquerda guia a visão do
espectador como que exigindo uma dilatação temporal da atenção. O fundamento
compositivo de Braga nessa imagem reside no tratamento do ponto de vista e na
perspectiva do espaço – rico de profundidade e nitidez ainda que numa visão onírica.
217
Ver segundo parágrafo da pagina 34 – onde tratamos da foto Meninos no chafariz (Ilustração 21)
218
Ver mais detalhes sobre a procissão em Diário do Pará online: Disponível em:
<http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=121708>; acesso em 11.02.2013.
187
Ilustração 93: Círio no Rio Caraparú, Município de Santa Isabel – PA, 2012.
Diário do Pará online.
189
As relações dessas imagens atingem outros campos das artes visuais, além da tradição
monocromática da gravura. Para melhor entender as questões apresentadas nesse item,
oferecemos a visualização das imagens seguintes: Sombrinha (Ilustração 94), Sacos
(Ilustração 98), Trapiche (Ilustração 99) e Cestos (Ilustração 100). Esses trabalhos são
da Série “Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova, 2009” – projeto viabilizado através do
Prêmio Marcantonio Vilaça – Funarte. Como já foi observado nesse trabalho, entre os
objetivos desse projeto, estava o retorno do fotógrafo à Estrada Nova – local onde se
deu o seu encontro com a “cor cabocla”219 na década de 1970.
Mesmo num momento tão específico como esse da fotografia com a tecnologia digital,
a formação do olhar de Luiz Braga, cujas bases encontram-se na pintura, revela um
refinamento compositivo, temático e estrutural próprio daquele campo, ou que a ele se
abeira. Em Sombrinha 220, tanto o tema, quanto a composição da cena, além do acessório
que dá nome à foto, podemos observar elementos estruturais recorrente nas pinturas
impressionistas e pós-impressionistas, como na pintura Mulher com sombrinha
(Ilustração 94) e Rua de Paris (Ilustração 95). Nas pinturas, ou na foto Sombrinha, a
atenção à cena e menos à identidade, o desfoque e borrões que sinalizam outra figuração
que conjumina formas mais ou menos abstratas ou abstratizantes com formas
individualizadas pela visibilidade são significativos. Nesse percurso, essas fotos com
nigth vision promovem a individualidade através das suas próprias projeções e não mais
com a intenção de imitar, ou registrar fielmente o referente – o tema busca ser cogitado.
Avaliando as especificidades, o questionamento da ideia de representação como a
imagem fiel da coisa foi uma consequência indireta da ação do impressionismo e do
cubismo. O impressionismo ao abordar a natureza como fenômeno luminoso afasta-se
da ideia de profundidade e do recurso da perspectiva renascentista. O cubismo passa a
criar no quadro uma realidade que não parte mais da observação do espaço colocado e
nem da ideia de profundidade – afasta-se da ideia de figura e fundo ou do ser e objeto. E
ainda, a sombrinha como assunto, tem estado em outros momentos da produção de Luiz
Braga – seja como memória afetiva, ou como diálogo com temas das pinturas
219
Ver notas 80 e 81.
220
Uma cópia desse trabalho foi doado ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade São Paulo em
21/08/2012, e a partir de 25/08/2012 faz parte da Coleção juntamente com as obras seguintes: Bicicleta,
2010; Carregador e Paneiros, 2010; Carregando o Cesto, 2010; Carroça, 2010; Cestos, 2010; Frestas,
2010; Futebol, 2010; Menina subindo o Barco, 2010; Sacos, 2010; Trapiche, 2010. Cf.
<http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/exp/doacoesrecentes/47.asp>.
190
Ilustração 94: LUIZ BRAGA. Sombrinha, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
.
Ilustração 96: CLAUDE MONET. Mulher com sombrinha, 1875. Óleo sobre tela.
Musée D’Orsay.
Ilustração 97: GUSTAVE CAILLEBOTTE. Rua de Paris, 1877. Óleo sobre tela.
Musée D’Orsay.
192
Nessa relação entre a foto Sombrinha e as pinturas Mulher com sombrinha e Rua de
Paris, alguns aspectos visuais tornam-se interessantes: o ângulo apresentado a partir de
um ponto de vista incomum que revela uma profundidade. No caso das pinturas, este
enquadramento mais casual é uma influência direta da fotografia, que no período de
desenvolvimento do impressionismo começava a ser explorada pelos artistas. Outro
aspecto, o instante, o flagrante, a imagem de um momento efêmero. As poses são
naturais e espontâneas.
Na sequência, Sacos (Ilustração 98), Trapiche (Ilustração 99) e Cestos (Ilustração 100) -
trabalhos da Série “Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova” -, são fotos que nos ajudam
a ampliar a nossa visão sobre as questões marcantes nesse outro olhar que Luiz Braga
articula sobre a Amazônia. Dessa forma, vale relembrar que essas fotos foram feitas na
mesma zona de afeto, onde foram realizadas muitas daquelas imagens coloridas das
décadas de 1970 a 1990 – na Estrada Nova. Se a faixa territorial é a mesma, o olhar
desse fotógrafo é outro – agora, a paisagem é projetada.
As night visions estabeleceram uma mudança radical na sua produção. Tendo como
ponto de partida uma mudança social – a violência urbana nas periferias da cidade de
Belém, ele desloca o seu olhar desses lugares para as regiões interioranas da Amazônia.
Nessa nova etapa da sua trajetória, ele desenha esse outro território e seus personagens a
partir de uma visão mais ficcional. Em alguns momentos, os personagens desaparecem
totalmente das cenas, e em outros são vistos à distância pelo olhar de Braga. Antes era
possível perceber um envolvimento do fotógrafo com o lugar e os seus fotografados. A
relação estabelecida entre eles tinha como base a conivência e a sintonia, como podem
ser percebidas em: A Preferida (Ilustração 58), Meninos e Açaí (Ilustração 59),
Vendedor de Amendoim, (Ilustração 70) entre outras. Nesse sentido, Braga lamenta,
Sacos, Trapiche e Cestos são fotos significativas, onde podemos sentir o distanciamento
221
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
66min54seg a 67min15seg. (com adaptações)
193
entre o fotógrafo e seus fotografados, ou quase a ausência dos mesmos - como podemos
notar em Cestos. Essa situação de distanciamento é a maneira encontrada para
sobreviver naquela zona de instabilidade. A ficção foi a maneira firmada a partir desse
embate com o seu entorno. É como se a cumplicidade e a empatia tão significativas na
base da operação que funda a fotografia humanista, estivesse num processo de falência.
A ficção nessas imagens não é o ponto de partida para outra etapa de sua produção,
como poderíamos pensar a um primeiro olhar, e como é com muitos fotógrafos
contemporâneos, mas, uma tática de sobrevivência que o levou a encontrar outra
maneira de pronunciar a poesia das suas zonas de afeto.
Ilustração 98: LUIZ BRAGA. Sacos, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
Por um lado se a ficção é uma reação diante de uma situação, que gerou um afastamento
dos seus personagens, no entanto, por outro o aproximou da floresta – da ideia que se
espera de um fotógrafo que reside naquela região. A paisagem amazônica passa a ter um
lugar mais marcado nessa etapa da sua produção a partir de uma forma diferenciada de
falar sobre o real.
194
Ilustração 99: LUIZ BRAGA. Trapiche, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
horizontal produz um peso visual dos sacos que se tornam mais significativos do que o
elemento humano. Em Trapiche o distanciamento é firmado pela diagonal forte que
confere maior dinamismo ao processo de falência da relação humanista estabelecida em
outras séries desse fotógrafo.
Ilustração 100: LUIZ BRAGA. Cestos, Série Verde-noite, 11 raios na Estrada Nova. 2010.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
Em Curuçá (Ilustração 101) observamos mais uma das imagens da Série Night Visions.
Nela, como naquelas que marcam a experiência da cor, podemos perceber muitos “erros
técnicos”: a imagem está tremida, desfocada e com borrões significativos que geram a
desnaturalização da paisagem e do personagem. A imagem, neste caso, se afirma, num
primeiro momento, a partir de uma trama que envolve os elementos constitutivos
(assunto, fotógrafo e tecnologia), e em seguida, a fotografia e as coordenadas da
situação (espaço e tempo). A imagem traz um universo que possibilita lidar com um
rastro, isto é, exige contemplar o que restou, dentro de um campo onde algo se perde.
O assunto é peculiar no percurso poético de Luiz Braga – pelo menos num primeiro
olhar. O personagem da cena assemelha-se com um “catador de caranguejos”222 no
mangue. No entanto, nessa situação específica o fotografado é um brincante do
222
O “catador de caranguejos” são na maioria das vezes homens, que “pescam” os caranguejos na lama
do mangue. Atividade muito presente na cidade de Curuçá, no estado do Pará. Essa forma de capturar os
caranguejos nos mangues do Brasil é artesanal e diferente da adotada em regiões dos Estados Unidos da
América, onde utilizando caixas com iscas, atraem os animais.
197
tradicional bloco carnavalesco “Pretinhos do Mangue” 223 (Ilustração 102 e 103), que se
encontra isolado num cenário diferente de uma festa de carnaval. Braga escolheu um
lugar cuja localização exata não é facilmente identificável, sugerindo antes um canto de
um rio, numa floresta qualquer. A imagem é desorientadora e existe uma cumplicidade
no registro – o homem parece estar posando para o fotógrafo. A lama envolve
totalmente o seu corpo e lhe confere uma fisionomia estranha como a do “Curupira”224 –
um dos mais antigos mitos amazônicos do folclore nacional. Neste sentido, Braga diz:
“essa figura, pra mim, é a representação de uma coisa que me apavorava na infância – o
Curupira -, papai adorava contar estórias de Matinta Pereira, Curupira... e quando eu vi
essa foto eu disse: é o Curupira”. 225
Uma questão interessante de ser observada, naquele relato de Braga, é que algumas
relações só se tornam possíveis no decorrer da seleção das fotos. Provavelmente, Braga
fez várias fotos desse personagem, senão do carnaval de Curuçá. Deve ter adotado
ângulos diferentes para que depois pudesse escolher aquela que seria a obra Curuçá.
Essa operação de mais de um registro, que possa lhe permitir uma seleção posterior à
captura do objeto, é algo presente em todas as imagens mostradas nesse trabalho. Outro
fato importante na fala daquele relato, e presente em outras séries do artista, é a relação
com sua infância. Nesse sentido ele diz: “no final, eu estou falando é de tudo o que eu
gosto, do que eu vi, do que eu passei, principalmente, sobre a minha infância, as
223
O bloco foi fundado na terça-feira de carnaval de 1989, quando um grupo resolveu comer caranguejo,
no entanto, como não encontraram o saboroso crustáceo no mangue da região, então, resolveram voltar
com o corpo inteiro sujo de lama, como forma de protesto. A partir de então, nasceu o bloco Pretinhos do
Mangue. Em 2013, aproximadamente 15 mil pessoas participaram do bloco. Disponível em:
http://www.clicsalinas.com.br; acesso em 24.02.2013. (com informações do Diário do Pará)
224
Um dos mais populares e espantosos entes fantásticos das matas brasileiras, também, é temido como o
“demônio da floresta”. Do Maranhão para o sul até o Espírito Santo, o seu apelido constante é Caipora.
(Cf. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro.9º ed. São Paulo: Global, 2000. )
225
Transcrição da fala do artista no evento O MAC Encontra os Artistas, op. cit., no intervalo de
55min58seg a 56min13seg. (com adaptações)
198
Nessa imagem, podemos alcançar que a tecnologia com infravermelho que viabiliza
tecnicamente o registro torna-se parte de uma trama responsável por esse
distanciamento da aparência do objeto –, que causa a desnaturalização mencionada
anteriormente, gerada pela ação do fotógrafo e suas motivações como autor – razões de
ordem pessoal e profissional que atingem o campo das idealizações e elaborações
através de um intricado processo cultural, estético e técnico – etapas que configuram a
expressão plástica da imagem fotográfica. Seguindo esse raciocínio, vale observar o que
Kossoy diz,
Essa imagem, seja em função de um desejo individual de expressão do seu autor, seja
pelo comissionamento específico advindo da relação conflituosa do espaço/tempo que o
afastou do centro e da periferia, e o forçou ir para dentro da região, para os interiores,
revela outro discurso estético que visa uma dimensão plástica a partir de uma paisagem
projetada, que se distancia totalmente do caráter documental e atinge a abstração - é fato
que essa foto e as demais dessa Série Night Visions acentuam o aspecto ficcional da
imagem e a desnaturalização da cultura.
226
Ibid, no intervalo de 53min56seg a 54min06seg. (com adaptações)
227
Boris Kossoy, op. cit., p27.
199
frente atingindo o artifício ou o aspecto ficcional, ora flertam com um passado datado
por códigos quer seja no campo da gravura, da pintura, ou da própria fotografia do
século XIX. As imagens que antes eram resultado da subversão da técnica, do
experimentalismo das temperaturas de cor, do filme day light – agora são resultado não
apenas do experimentalismo, mas geram a subversão do estereótipo da Amazônia e
atingem uma dimensão atemporal – o campo das sensações. Se antes tínhamos ecos
pictóricos, agora temos o enigma da pintura. Por isso a questão da dimensão pictórica
não se esgota, mas instiga a reflexão sobre que influências a pintura e os pintores, de
fato, deixaram no trabalho autoral de Braga. Seja nas fotos em preto e branco, nas
coloridas ou nessas da série Night Visions a questão da representação se torna presente.
Como isso se dá, será o nosso objetivo no terceiro item deste capítulo.
Promesseiros (Ilustração 104) é mais uma das imagens da série com infravermelho. No
entanto, a aparência é quase de uma foto em preto e branco, distante do tom esverdeado
próprio da night vision da câmera digital. Braga, conscientemente, operou uma redução
na saturação e retirou a intensidade do verde. Com esse processo, ele desatrelou a
imagem da ideia que o verde faria parte da poética – e, inevitavelmente, uma relação
mais decisiva com à floresta amazônica. Essa relação feita pelo olhar do espectador ao
ver as fotos esverdeadas com night vision, parecia ser lógica, tratando-se da produção de
um fotógrafo reconhecido pelo seu afeto pela Amazônia, no entanto, não deixavam
201
essas fotos terem uma vida mais intensa, e autônoma como produto de uma tecnologia
digital. O verde presente nas primeiras imagens, como na série “Verde-noite, 11 raios na
Estrada”, não tinha uma proposta consciente de relação com a floresta, mas, apenas era
um efeito do peculiar recurso utilizado.
branca, gelada e coberta de neve. O momento de extrema força, marcado pelos gestos
dos romeiros, ganha uma leveza angelical. A imagem precisa ser observada no
conjunto, sob pena de possibilitar leituras profanas. Entre eles desaparem as diferenças.
Os corpos daqueles jovens estão molhados de suor. Misturam-se uns com os outros
transformando-se num só corpo. As cabeças repousam suavemente sobre os ombros dos
companheiros marcando o cansaço da caminhada. Naquele momento, a forte fé
masculina não comporta preconceitos –é o êxtase da fé ardente.
Em Promesseiros e nas demais fotos dessa série tem uma dimensão onírica que subverte
o estereótipo da paisagem e do personagem – subversão da ideia de representação como
imitação do real. A sensação da pintura não está mais na cor, mas numa questão
atemporal que se instala nessa outra maneira de olhar. Uma segunda realidade que nos
remete ao campo da imaginação – realidade do mundo da imagem, que não deixa de ser
documento, mesmo que não seja eficaz como memória coletiva. Isto nos leva a pensar
numa imagem que se encontra num limiar onde tempo e espaço passam a ser aspectos
significativos. Algo que se encontra entre continuidade e ruptura, unidade e dispersão,
mas, numa dimensão plástica e, também política, em especial, no que se refere nessa
tática que o leva a estabelecer um outro olhar.
230
Boris Kossoy, op. cit., p. 52.
203
Sua maneira de capturar o mundo nos incita a pensar sobre o conceito de representação.
Procuramos dar ênfase às condições de produção dessas imagens – o estudo da própria
foto em sua realidade mais material -, bem como, os espaços onde esses trabalhos
passaram a ser mostrados (bienais, museus, galerias) que, também, influenciam
diretamente o discurso dessas imagens.
A necessidade de aproximar essas fotos de um estudo que possa, também, refletir sobre
a ideia de representação é motivado por duas questões: a primeira, está pautada nos
relatos de Luiz Braga, quando sinaliza, de forma recorrente, a influência da pintura em
sua formação e, especificamente, a figura de David Hockney231 entre os pintores que lhe
serviram como referência. Tal afirmação sempre nos motivou a examinar que
influências são essas, entendidas pelo fotógrafo, como as bases de sua poética. Que
contribuição, por exemplo, Hockney agregou ao seu trabalho além da aparência
pictórica? O segundo ponto ajusta-se a um texto publicado, de autoria do filósofo José
Arthur Giannotti, no qual a partir das pinturas de Hockney, procurou sustentar uma
abordagem de uma “nova teoria da representação”232, que tem sido atualizada na
produção artística contemporânea. Nesse contexto, sentimos a necessidade de construir
articulações entre as questões apresentadas nos itens anteriores e essa que Giannotti
ressalta, não menos importante que as demais.
Ora quer seja nas pinturas do artista inglês, objeto de análise de Giannotti, quer seja nas
fotografias de Braga da série apresentada nesse capítulo, sentimos a conjugação de
formas mais ou menos abstratas com formas individualizadas pela visualidade e
visibilidade. Uma visualidade que tem endereço, uma localização marcada em seu
231
Ver a nota 18.
232
José Arthur Giannotti. A nova teoria da representação. In CAVALCANTI, Ana; TAVORA, Maria
Luisa (org.) Arte & Ensaios n. 20. Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/Escola
de Belas Artes. UFRJ, Julho de 2010, pp. 141-167.
205
A Amazônia mostrada com a night vision não é tema para ser desenvolvido, mas para
ser cogitado. Aliás, não poderia ser diferente num mundo em crise, no qual um discurso
híbrido vem se alinhando com o universo dessas imagens, em espaços caracterizados
pelos acúmulos de informações e da rapidez das redes comunicacionais, sobrepostos por
diferentes cenários e imagens, onde o olhar, nesse mundo contemporâneo, se dilui e sem
conseguir se fixar permanece perdido na ânsia de dominar o estado de excessos em que
se encontra.
Parece ingênua a ideia de que o objeto artístico precisava alterar sua forma para obter
uma visibilidade mais adequada à aparência, de acordo com o ponto de vista do
observador, no entanto, Platão a partir do seu conceito achava isso aberrante, e contrária
àquilo que a arte, no seu entendimento, se propunha a fazer.
Giannotti chama a atenção para como Gombrich, em Arte e ilusão, trata essa “polêmica
de Platão”. Gombrich entende essa maneira de pensar de Platão como uma reação ao
aparecimento de algo novo na cultura ocidental - o relato como história. Essa nova
maneira de fazer história não trata apenas de pegar em flagrante um acontecimento
como se dá por seu conhecimento racional, mas conta um andamento, um
desenvolvimento, um processo. Ele, segundo Giannotti, relembra, por exemplo, como
as guerras persas aconteceram, e aponta as diferenças dos povos bárbaros em relação ao
povo grego. Giannotti diz, “Pela primeira vez no mundo ocidental surge a ideia de uma
narração conectada; a aparência das ações humanas adquire uma consistência até então
inconcebível.”234 A Amazônia de Luiz Braga com night vision, tão atual, longe desse
contexto mostrado por Giannotti, segundo Gombrich, não pode ser entendida como uma
descrição, mas senão como uma Amazônia narrada. Ele nessas imagens comenta o lugar
de forma narrativa cheia de subjetividade - a visualidade regional que se apresentava
pronta para ser comentada de forma descritiva. Ele não usa os esquemas da fotografia
ou da pintura “realistas”, mas aqueles da pintura e da fotografia “abstratas” ou
233
José Arthur Giannotti. op. cit., p. 143.
234
José Arthur Giannotti. loc. cit
207
O que Giannotti pretende mostrar nesse texto, torna-se importante para pensarmos essas
relações mantidas entre Braga e as influências de Hockney. Tanto as fotos deste artista,
quanto as pinturas de Hockney coloca-nos diante de uma nova relação entre a imagem e
o seu referente. Nos trabalhos deste fotógrafo, a imagem da Amazônia com night vision
vai além da fisionomia do lugar. Não se trata de um documento fiel - imitação da
floresta, da natureza ou do habitante. Devemos considerar um sistema de projeções
ficcional, que leva essas imagens e a ideia de Amazônia para outros lugares, e não mais
o inverso, como na produção das primeiras décadas – ainda que, aquelas já sinalizavam
esse novo paradigma. Nesse percurso, o artista é aquele que a “representa” revelando
seu sistema complexo de influências e projeções, que dão autonomia ao trabalho - uma
fotografia que se impõe em sua singularidade, e não mais uma foto que trafegar entre a
realidade da imagem e a realidade que ela “expressa”.
Observando a Amazônia mostrada nessas imagens com a night vision, percebemos que
a fisionomia do lugar não se completa como tal, e não se completando, não permite que
apareça como aquela Amazônia já conhecida em outras fases de sua produção. Em
contrapartida, encontramos uma espécie de potência do referente, como se fosse
necessária essa outra imagem, essa outra aparência, para que o referente na sua
visibilidade máxima apresentasse a fisionomia não mais do lugar, mas da Amazônia
autoral de Luiz Braga. Essas imagens afastam-se da visualidade tão conhecida, que
revela um lugar úmido, colorido, brilhante e quente. Elas passam a existir como meio e
fim em si mesmas, onde a Amazônia dá lugar à imagem que passa a valer por si, e em
si.
Não apenas essas imagens com a night vision, mas todas as demais fases, considerando
a peculiaridade de cada momento. Seguindo a reflexão de Giannotti, um aspecto da
história da arte se torna importante, nesse contexto, e relevante para pensarmos sobre
qual a influência daqueles pintores sobre a produção de Braga. Giannotti diz
A grande lição desses inúmeros pintores que Braga reconhece como importantes na sua
formação como fotógrafo é a revelação que o impressionismo, o cubismo e os outros
movimentos sinalizaram através de seus artistas. A pintura deixa de ser a representação,
o processo em que algo fica no lugar de algo, mas o conjunto de relações que concorre
com o lugar em que o objeto se tece. Esses artistas não pintam objetos, não pintam jarra
e guitarra. No Cubismo, o que eles pretendem pintar é a cumplicidade da jarra com a
guitarra e dessas várias aparências, a forma como uma se dá para as outras e vice versa.
Essa é a lição que Braga diz que aprendeu com os pintores. As fotos com a night vision
são exemplos desse aprendizado.
235
Ibid, p.147.
209
Não é o nosso interesse interpretar essas imagens seguindo a história da pintura, nem
seguir o caminho que Giannotti buscou para interpretar as pinturas de Hockney –
abraçando uma visão mais de cunho filosófico. A partir dessas questões expostas pelo
estudioso, queremos pensar a ideia de representação nessas imagens, na
contemporaneidade.
Giannotti no início de sua reflexão, no texto mencionado, observa que vai tomar alguns
trabalhos de David Hockney para pensar o que está acontecendo com a nova
experiência figurativista. Para isso, ele sente a necessidade de partir do velho conceito
de representação e diz:
Essa ideia, por muito tempo, também norteou as discussões sobre as relações do
fotógrafo com o referente no campo da fotografia. O valor e o significado da imagem é
algo bastante expressivo no retrato. Se fugirmos desta simples ideia de substituição e
formos aos poucos analisar o que se passou na história da arte, percebemos que essa
relação é mais complexa. Giannotti para esclarecer sua linha de pensamento sobre a
ideia de representação, toma dois exemplos retirados do livro do Gombrich - Arte e
ilusão, e que pensamos ser importante mencionar aqui. O primeiro exemplo, que é sobre
a história de um baixo-relevo egípcio (aproximadamente 1450 a.C.). Esse trabalho foi
encomendado pelo faraó Thutmose III para representar uma série de plantas novas
levadas por ele para o Egito, após sua campanha na Síria. Ao término do trabalho dos
seus escultores, ele foi verificar o resultado e confirmou a veracidade da imagem. No
entanto, atualmente, nem os egiptólogos, nem os botânicos são capazes de reconhecer
qualquer uma dessas espécies. Aquela veracidade autenticada pelo faraó e conseguida
por todos os seus escultores, não é mais a nossa veracidade.
236
Ibid, p. 141.
210
Dando continuidade a essas ideias, vamos observar as fotos: Roda Gigante (Ilustração
105) e Canoa em Porto de Minas (Ilustração 106). Braga ao falar dessas imagens
observa que o caráter ficcional é resultado de uma ação interna e externa, isto é, das
condições de produção e daquela situação de violência urbana que se instalou nos
lugares por onde costumava buscar os seus referentes. Temos a presença máxima da
ilusão, de uma aparência que não se sustenta quando aferida. A ideia de uma região fria
se desmorona quando passamos a aferir detalhes e dados sobre a imagem. A presença da
coisa na sua visibilidade desvinculada de qualquer paradigma anterior adotado pelo
fotógrafo.
Essas imagens nos levam a pensar justamente sobre aquilo que ainda é visível – a
Amazônia invisível, ou a Amazônia possível -, como resultado de uma produção, feita
na base de um paradigma anterior que recebeu a influência de HocKney e de tantos
outros, que formaram a cultura visual de Braga, isto é, antes de qualquer experiência.
Nas suas fotos em preto e branco, ou nas coloridas a identidade do mundo e a identidade
dos objetos permanecem. É precisamente essa identidade que desaparece nessas
imagens quando causam um deslocamento de sensações como a ideia de neve ou frio –
tão distante daquela realidade. Esse deslocamento admirável, também, pode ser
observado em trabalhos do pintor inglês David Hockney. Braga, nessas imagens,
conserva um afeto pelo lugar, mas desaparece a impressão de um mundo que marcou
sua produção nas décadas anteriores. Essas fotografias de Luiz Braga autenticam a
ideia, cuja gênese se encontra na pintura, para a qual a representação não é o processo
em que algo fica no lugar de algo, mas o conjunto de relações que determina o lugar em
que o objeto se tece.
211
Ilustração 106: LUIZ BRAGA. Canoa em Porto de Minas, da Série NightVisions – 2012.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
Canoa em Porto de Minas é outra imagem marcante da Série Night Visions. A água fria
se escurece tomando uma tonalidade quase preta.O ponto de vista do fotógrafo é muito
importante nessa imagem. A mesma cena poderia ficar diferente com um ponto de vista
mais alto, ou mais baixo. Esse é um meio importante encontrato por Braga para destacar
o assunto e o seu caráter narrativo, se distanciando do descritivo.
Em Casa e Barco no Combú (Ilustração 107) e Rio Guamá (Ilustração 108) a night
vision ressoa referências conceituais da arte e também discussões de uma região
ameaçada pelos olhares de fora.
214
Ilustração 107: LUIZ BRAGA. Casa e Barco no Combú, da Série NightVisions – 2007.
Impressão a jato de tinta com pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 70 cm.
Acervo do Artista.
É uma Amazônia em mudança que precisa ser preservada. A Série Night Visions mostra
a floresta, ou recortes da natureza cuja densidade, e a maneira como ele as enquadra,
cria uma aura de meditação. Os elementos orgânicos parecem todos ligados entre si e
impossíveis de desemaranhar. A representação de Luiz Braga é uma ferramenta
destinada a provocar no observador um diálogo interno e uma atitude “contemplativa” –
ressalta como o homem vive em harmonia com lugar. Os lugares reverberam a
inteligência dos seus habitantes – ainda que sejam ausentes nessas fotos. Braga escolhe
lugares cuja localização exata não é facilmente identificável visualmente e que tão
pouco é marcado pelo exotismo, a não ser pela referência dos títulos. Lugares
desorientadores com uma beleza que exala uma energia pictórica.
Nos retratos analisados no segundo capítulo, Braga a partir da fisionomia jovem de seus
fotografados gerou a metáfora do futuro. Como a night vision ele questiona o real. Estas
imagens sinalizam uma alegoria do real invisível - questão tão viva no momento em que
o fluxo da imagem se intensifica no mundo virtual, no campo da imagem digital. E
ampliando o que Giannotti apresentou a partir da “nova teoria da representação”, cujos
fundamentos dialogam com os pintores que Braga diz terem influenciado na sua
formação como fotógrafo, podemos afirmar que, nesse contexto, a verdade não
representa mais uma solução – imitação. Mas, talvez possamos falar em uma resolução
– decisão poética diante do mundo real, muito próxima daquela mostrada pela história
da linguagem. A nova representação daqueles pintores, tal como se desenvolveu nas
teorias, em particular de Saussure237. Nesse percurso, ele subverte o estereótipo da
Amazônia para pronunciar o referente de forma não tradicional. Ao mesmo tempo, ele
se aproxima da paisagem pictórica e fotográfica do século XIX e avança no sentido de
uma reorganização ficcional da paisagem e dos seus personagens. Como diz Baudrillard
ao falar do assassinato do real: “Isso significa uma mutação crucial de um estado crítico
para um estado catastrófico. (...) Mas, o estado catastrófico é diferente. Ele não significa
apocalipse, nem aniquilação (...)”238. O sentido ficcional presente na linguagem dessas
fotos é o resultado de um mundo marcado pelo desaparecimento do real, não por causa
de sua ausência – ao contrário, é porque existe realidade em abundância.
237
Como diz Giannotti, por exemplo, a palavra mesa, nesse contexto, deixa de ser algo que está no lugar
da mesa, mas significa algo na medida em que se diferencia de outras tantas palavras contextuais. (Ver
José Arthur Giannotti. op. cit., p. 147).
238
Jean Baudrillard. O assassinato do real. In. BAUDRILLARDA, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, p. 73.
216
Enfim, a nossa intenção nesse capítulo foi evidenciar algumas articulações que
marcaram a Série Night Visions de Luiz Braga e, de certa forma, as outras séries
analisadas nesse trabalho. O nosso foco foi pensar como esses pintores, entre eles
Hockney, influenciaram no percurso de sua produção fotográfica, além dos ecos
pictóricos das cores, temas ou composições. Almejamos mostrar apenas como “a nova
figuração” dos artistas plásticos caminha muito próximo da nova semântica, muito
próximo de uma nova filosofia, que não quer pensar apenas nas diferenças, mas além
delas. Uma “figuração” que pretende refletir a conivência das coisas idênticas consigo
mesmas, com suas diferenças e além delas. Braga olhou para pintores que desenvolviam
uma nova figuração, conforme seus relatos, e que conjuminavam formas mais ou menos
abstratas com formas individualizadas pela visibilidade. Suas referências se situam num
novo domínio em que a figuração é ela própria um processo de fazer o objeto, promover
a individualidade através das suas próprias projeções – num campo ficcional além do
documento -, como é o caso das fotos com a night vision. Sua preocupação não se
encontra na paisagem e no personagem tão peculiar em outras séries de décadas
passadas, mas na conveniência desses lugares e desses personagens numa rede de
relação onde a aparência se dá, ou pode se dar de forma inacabável.
218
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi possível mostrar no decorrer do desenvolvimento deste trabalho, Luiz Braga é
um fotógrafo celebrado pela crítica de arte do nosso tempo. A sua relação com um
universo de múltiplas referências – seus afetos, ora pela Amazônia, ora pelos ícones da
pintura, ou sua obsessão pelo experimentalismo fotográfico - articularam reflexões
sobre sua produção em sentidos diversos. Construíram argumentos que possibilitaram
pensar suas imagens para além de uma visão que fortalecesse categorias e hierarquias
genéricas. Sinalizaram a oportunidade de pensar seus trabalhos no contexto mais amplo
da fotografia contemporânea.
Partimos de um breve recuo, que possibilitou conhecer suas primeiras experiências com
a fotografia. Suas tentativas nesse campo iniciaram-se muito cedo - ainda em forma de
brincadeira. Naquela ocasião, com apenas onze anos de idade, ele começou o processo
de sensibilização do olhar e do seu afeto pelo ato de fotografar. Foi uma experiência
significativa marcada por fotos de paisagens, retratos de familiares e alguns registros
dos internos do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, na cidade de Belém, local onde
seu pai trabalhava. Fotos simples e despretensiosas, mas que guardaram a intensidade
do alvorecer de um olhar, que já se materializava num fazer e pensar que movimentou
escolhas, critérios e registros a partir das experimentações operadas. Assim, a imagem
dos internos daquele Hospital Psiquiátrico (Ilustração 17), uma das poucas que o
fotógrafo conseguiu resgatar sobre esse período da sua vida, chegou a nos fazer lembrar
alguns estudos realizados por Diane Arbus, inclusive a série com os deficientes mentais.
No entanto, não avançamos nesse sentido, por falta de um maior número de imagens,
219
que pudessem nos proporcionar um panorama desse viés da sua produção, e por outro
lado, os objetivos que motivaram Luiz Braga, naquele momento, eram outros bem
distintos de Arbus, cuja densidade poética, na década de 1970, gozava de uma
consagração no campo da fotografia.
O estudo das fotos apresentadas neste trabalho, sinalizadoras de uma dimensão plástica
sobrevinda do experimentalismo operado por Luiz Braga, proporcionaram relações com
as artes visuais num sentido amplo – além da fotografia. Essas imagens passaram a
ecoar questões do campo da pintura, escultura, gravura e cinema. Ressonâncias que nos
levaram a pensar o campo das artes visuais como algo que congrega modos por meio
dos quais as imagens passam por um processo ideologizado e, dessa maneira, passam a
220
se expressar por peculiaridades técnicas e sintáticas – fato que, muitas vezes, nos leva a
encontrar o tão propalado apelo às composições pictóricas, ou à visualidade amazônica.
Dessa forma, não foi nosso interesse analisar as fotografias de Luiz Braga como uma
visão autônoma e unívoca (no sentido moderno), e nem tampouco encará-las com uma
visão dispersiva e incerta (no sentido contemporâneo). Mas, entendê-las no trânsito, que
ao mesmo tempo aproxima-se e distancia-se desses extremos. Talvez seja mais coerente
dizer que tentamos pensá-las no limite. Não quisemos abordá-las nem a partir da
desestabilização da ideia de significação do referente amazônico – o que poderia nos
levar a uma crítica da estrutura de pensamento metafísico, nem a partir da dispersão do
signo – tão presente na crítica contemporânea. O nosso trabalho foi exatamente
encontrar um meio-termo para montar o jogo de aproximar a teoria à prática, ou
encontrar relações entre o nosso quadro teórico e o processo poético de Luiz Braga. O
nosso desafio se expressou, algumas vezes, como uma ação disjuntiva diante de modos
aparentemente contraditórios (nem sempre conciliatórios) de inserção de suas imagens
na atividade artística contemporânea, que conta com meios e recursos distintos de
outros momentos. Nesse trabalho, a provocação, a angústia e ao mesmo tempo, a
vitalidade do momento atual foram estímulos para conceber a arte, e não apenas a
fotografia, de maneira mais ampla.
A visualidade amazônica filtrada pelo seu olhar construiu um tráfego por questões de
cunho antropológico/documental e, também, um de caráter “abstratizante”, que
conduziu essas fotos para outro campo, onde os sinais da sua realidade constitutiva,
221
enquanto imagem, tornaram-se tão ou mais importante que os elementos que sustentam
o seu caráter referencial. Neste sentido, passamos a entender as fotografias de Braga
como imagens que ressignificam os referentes amazônicos e ganham um valor
independente como obras de arte – passando distante dos estereótipos e da ideia de foto
como documento fiel da realidade. O seu olhar amazônico buscou um sentido plástico
para as imagens, através de uma lógica formal autoral, onde foi possível perceber
relações espaciais e temporais que estão intensificadas no limiar de uma forma de
registro, envolvendo valores situados entre a prática analógica e a digital. Esse limiar
convocou um duplo recuo histórico ao modernismo – ou seja, primeiramente, ao
modernismo convencional – aquele que aponta para o prestígio dos critérios formais
internos ao meio fotográfico e que declarou os desejos por uma fotografia pura e direta
(straight photography - método do americano Paul Strand), bem como certa relação
humanística por alguns temas retratados. Pareceu-nos, no desenvolvimento do estudo,
serem estes critérios delimitadores de uma tendência situada no modernismo tradicional
- relacionada às experiências desenvolvidas por Alfred Stieglitz, Paul Strand, Edward
Weston, André Kertézs e Cartier Bresson. Num segundo momento, foi necessário um
recuo ao modernismo influenciado pelos movimentos das vanguardas, onde certos
traços distintivos são priorizados e deslocados para uma nova ambiência, mobilizando o
experimentalismo que revestiu suas imagens de outros significados, onde os sinais de
sua realidade constitutiva (escolhas, cortes e ângulos inusitados) tornaram-se tão ou
mais importantes que o referente amazônico. Então, passamos a perceber que as obras
desse fotógrafo, em especial os que foram apresentados no desenvolvimento do presente
trabalho, situam-se a meio-caminho entre convicções consagradas pela prática
tradicional (enquadramento, por exemplo), já tida como uma forte convenção, e as
potencialidades de uma modalidade de experiência que convoca outras formas de
percepção e pensamento – fruto do experimentalismo.
Todas essas variáveis apresentadas formam uma “equação” da forma como Luiz Braga
interpreta o mundo, e da maneira que ele encontrou para expressar a sua visão através
da fotografia. Para ele, cortes e recortes são maneiras de destacar, ou dar significado ao
que o interessava, e construir sua maneira especifica de ver a Amazônia. Percebemos
que a plasticidade amazônica representada pelos elementos compositivos mais intensos
223
nesse contexto – como a cor e a luz, tornaram-se o mote de suas fotos, a fisionomia que
se encontra tatuada com as cores da região, não apenas as cores dos objetos que ele
fotografou na Estrada Nova, no seu encontro com a “cor cabocla”, mas, também, as
cores que fazem parte da cultura visual onde a luz é o principal elemento, de tal
maneira, que essas fotos passaram a ser ressignificações da dança cromática de um povo
– da sua alegria festiva. Contudo, a maneira como ele manipulou o equipamento e
aproveitou as luzes para compor suas fotografias mostrou um envolvimento
desestabilizante das concepções que se encontram no percurso histórico da fotografia.
Sua busca de diferentes possibilidades de capturar os elementos da região - o seu
inquietante experimentalismo -, visou apresentá-los de forma universal e, ao mesmo
tempo, impor essa aparência de forma poética.
A fotografia para Luiz Braga foi a maneira que ele encontrou para se comunicar de
forma intensa, mais aberta e de superar sua timidez diante do mundo – como ele
ressaltou em relatos. Esta linguagem permitiu-lhe pronunciar a visualidade da região
norte de maneira peculiar e transmiti-la ao mundo. A partir dessas imagens, ele buscou
defender a dignidade do lugar e, como artista, procurou afirmar sua identidade na cena
contemporânea, bem como a sua força criativa como um artista da região norte.
Analisando alguns relatos sobre a Série Night Visions, percebemos que Luiz Braga tem
mostrado sua paixão pela exploração das possibilidades da tecnologia digital. Isso
exemplifica o seu deslocamento em direção a artisticidade fotográfica a partir da
exploração do recurso digital. Assim, a partir do superficial panorama histórico,
podemos perceber que, enquanto a tendência americana ocultava a mecanicidade do
meio por trás de um discurso que idealizava e subjetivava o uso da câmera, a fotografia
vanguardista europeia estava fascinada justamente pela mecanicidade do novo meio. Na
visão das vanguardas europeias, a tecnologia não parecia ser um obstáculo para que uma
224
obra tivesse uma aura artística. É nesse sentido que aproximamos o momento da
produção com o infravermelho ao desejo do fotógrafo pela capacidade experimental do
equipamento. Entretanto, Braga não extingue de todo a questão pictural; se antes a
pictoridade de suas fotos estava na subversão dos materiais e das normas do
equipamento que buscavam explorar os elementos compositivos e subvertiam a
aparência do referente amazônico, nas fotografias com a tecnologia do infravermelho
ele busca a sensação da pintura.
objeto, promover a individualidade através das suas próprias projeções – num campo
ficcional além do documento -, como é o caso das fotos com a night vision. Sua
preocupação não se encontra mais na paisagem e na fisionomia do personagem tão
peculiar em outras séries de décadas passadas, mas na conveniência desses lugares e
desses personagens numa rede de relação onde a aparência se dá, ou pode se dar de
forma inacabável.
Enfim, a nossa intenção com essa pesquisa foi a construção de um percurso a partir de
oitenta obras de autoria de Luiz Braga. Procuramos relativizar o papel do código
fotográfico na história, com o intuito de estabelecer certas relações entre fotografias
distintas, em momentos igualmente distintos, onde as imagens apresentadas serviram
como referências para pensarmos certos entrecruzamentos de processos artísticos -
especificamente entre os campos da fotografia e os campos da pintura, da escultura, da
gravura e do cinema. Dessa maneira, procuramos perceber a dimensão histórica, estética
e crítica presente no desdobramento da produção fotográfica de Luiz Braga – repleta de
imagens autorais, que ressignificam e atualizam questões próprias. Assim, apresentamos
a ideia de uma fotografia numa sociedade saturada de imagens que sofre interferências
plurais e, onde o artista contemporâneo passa a habitar territórios diversos - todas as
formas de arte – consciente ou inconscientemente. Sociedade esta, onde o problema
maior, não é produzir novas formas de arte, mas saber se relacionar com formas de arte
já historiadas - reativando-as, ressignificando-as, atualizando-as a partir de outros
campos culturais. O nosso objetivo foi ampliar o campo de análise dessas fotos para
além dos dogmas da simplificação classificatória de fotografia documental, ou artística.
Encontrando a necessidade imediata de recuperar modos de pensar que permitam
superar a versão analítica fechada, que se sustenta em alternativas ou distinções:
fotografia, pintura, gravura, escultura, cinema, meios objetivos ou subjetivos, teoria ou
prática, arte ou documento – para chegar à compreensão da complexidade e da riqueza
das possíveis conjugações presentes nas fotografias de Luiz Braga.
226
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVROS:
DISSERTAÇÕES
ALIVERTI, Márcia Jorge. Uma Visão sobre a interpretação das canções amazônicas
de Waldemar Henrique. Dissertação de mestrado. São Paulo: Escola de
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VEIGA SANTOS, O grande Paisagista da Amazônia que Tanto Sucesso Obteve Nos
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de Janeiro, 13 dez. 1946, p. 05. (Biblioteca Nacional – PR-SPR-130)
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Ilustrada E11.
VOLZ, Jochem. A 53a edição do evento terá 90 artistas, além de 77 representações
nacionais. Folha de São Paulo. São Paulo, 4 de junho de 2009, Ilustrada E11.
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232
ANEXOS (DOCUMENTOS)
J - Folha de S. Paulo, Ilustrada, p. 29, São Paulo, 25 set. 1984. Arlindo Machado. Dança
cromática nas ruas de Belém.
K - O Estado de S. Paulo, p. 19. São Paulo, 28 set. 1984. Stefania Bril. O mundo
colorido, real e misterioso de Luiz Braga.
L – Catálogo Luiz Braga - Fotografias, Centro Cultural Banco do Brasil (RJ-1992).
N - Folha de São Paulo, Ilustrada E11, São Paulo, 4 de junho de 2009, Mario Gioia –
Da Reportagem Local. Ivo Mesquita leva à Itália artistas brasileiros que trabalham com
a Luz.
ANEXO A
234
ANEXO B
235
ANEXO C (Página 1)
236
ANEXO C (Página 2)
237
ANEXO D
238
ANEXO E
239
ANEXO F (Página 1)
240
ANEXO F (Página 2)
241
ANEXO G (Página 1)
242
ANEXO G (Página 2)
243
ANEXO G (Página 3)
244
ANEXO G (Página 4)
245
ANEXO G (Página 5)
246
ANEXO G (Página 6)
247
ANEXO G (Página 7)
248
ANEXO H
249
ANEXO I (Página 1)
250
ANEXO I (Página 2)
251
ANEXO I (Página 3)
252
ANEXO J
253
ANEXO K
254
ANEXO L (Página 1)
255
ANEXO L (Página 2)
256
ANEXO L (Página 3)
257
ANEXO L (Página 4)
258
ANEXO L (Página 5)
259
ANEXO L (Página 6)
260
ANEXO M (Página 1)
261
ANEXO M (Página 2)
262
ANEXO M (Página 3)
263
ANEXO M (Página 4)
264
ANEXO N
265
ANEXO O
266
ANEXO P