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inclusão...
A Educação Especial tem sido uma área fértil para nos países escandinavos no final da década de 50, resul-
o aparecimento de polêmicas, propostas inovadoras e tando na proposta do princípio de normalização. A idéia
modismos. Revela, na realidade, uma área para a qual de permitir que o deficiente possa dispor de condições
dirigem atenção, muitas vezes com intenso envolvimento, de vida o mais próximo possível das de pessoas comuns
as pessoas com as mais variadas necessidades ou inte- teve rápida repercussão, consolidando práticas
resses, desde o cientista até a própria pessoa diretamente integracionistas como o movimento de mainstreaming2 ,
afetada pelo problema da deficiência. Aliás, a questão nos Estados Unidos.
da deficiência sempre comportou paixões e temores, A partir da década de 70, no Brasil, os serviços des-
ensejando muitas reações ambivalentes das pessoas. tinados a deficientes passaram a ser vistos sob a ótica da
Um tema hoje obrigatório, em discussões na área dimensão integração/segregação. A defesa da normali-
da Educação Especial, é a inclusão. Esse tema é tratado zação como objetivo a ser alcançado, através do proces-
como uma inovação que representa avanços em rela- so de integração, gerou muitas discussões com interpre-
ção a assuntos semelhantes, tratados no passado recen- tações equivocadas, resultando nas mais variadas práti-
te, como a normalização e a integração. Esses assuntos cas pretensamente integracionistas. Não raras vezes pra-
já são referidos, por alguns, como coisas do passado, ticou-se a normificação em vez da normalização, isto é,
superadas por não atenderem a necessidades atuais de os deficientes foram encorajados a passar por normais,
enfrentamento das questões relativas ao tratamento que administrando informações a seu respeito, no sentido de
a sociedade deve dispensar a deficientes. não tornar conhecida a sua condição de excepcionalidade.
A história do tratamento dispensado pelas socieda- Na Educação Especial brasileira, nas décadas de 70
des aos seus deficientes confunde-se com a história das e 80, um aspecto notável, marcantemente presente em
conquistas dessas sociedades, em direção à melhoria na muitas discussões apaixonadas acerca da integração, fo-
qualidade de vida das populações. Houve formas extre- ram as críticas a recursos e modalidades de atendimento,
mas de segregação praticadas em relação a deficientes, interpretados como sendo segregativos, o que gerou até
em épocas difíceis para a maioria das pessoas comuns. proposta de sua eliminação. A colocação em instituições
Os deficientes deixaram de ser abandonados à pró- residenciais foi indiscriminadamente criticada, entenden-
pria sorte, conquistando direito à vida. Iniciaram um lon- do-se que o ambiente familiar é necessariamente melhor
go percurso em direção à conquista do direito à vida que o de grandes instituições totais. Criticaram-se as es-
digna e integral, abandonando os porões, asilos e gran- colas especiais por promoverem a segregação. Até as
des instituições residenciais. As crianças e jovens defi- classes especiais, integradas à rede pública de ensino co-
cientes conquistaram direito à educação escolar, freqüen- mum, passaram a ser severamente criticadas, como se a
tando a mesma escola ou até a mesma classe junto com segregação de seus usuários fosse inevitável.
alunos não deficientes. Os deficientes adultos conquis- Na década de 80, surgiram, entre os educadores
taram direito ao trabalho, assistido ou não. Ainda assim, norte-americanos, muitos descontentamentos em rela-
o tratamento dispensado ao deficiente vem sendo alvo ção a resultados obtidos a partir da implementação de
de sérias críticas por permitir a segregação deles pela medidas integracionistas. O mainstreaming acabou por
própria forma de atendimento praticada. demonstrar que os alunos deficientes, mesmo sendo
O movimento atual em direção à inclusão total de mantidos em classes comuns para serem escolarizados
deficientes talvez tenha origem nas medidas adotadas junto com pares não deficientes, eram segregados. Co-
1
Professor do Departamento de Educação Especial da UNESP/Marília/SP.
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Refere-se à política integracionista que se tornou palavra de ordem nas décadas de 60 e 70, recomendando que os alunos
deficientes fossem escolarizados no ambiente o mais normalizador possível, evitando a sua colocação em ambientes
estigmatizantes e segregativos. Assim, a manutenção de alunos deficientes em classes de ensino comum era encorajada
por constituírem estas o ambiente normal de escolarização. O encaminhamento a alternativas mais restritivas como classes
especiais só poderia ocorrer quando estritamente necessário, e mediante consentimento dos pais do aluno (Gottlieb, 1981).
meçaram a surgir propostas alternativas em busca da de ensino regular, causando uma crescente inquietação entre
eliminação de segregação. Apontou-se a necessidade profissionais e estudiosos da área. Dois problemas têm
de o ensino comum e o ensino especial compartilharem sido constantemente discutidos e estudados: (1) os critérios
melhor a responsabilidade pela educação de alunos de- de encaminhamento de alunos a classes de Educação Es-
ficientes. Essas propostas foram conhecidas como Re- pecial e (2) a permanência demasiadamente prolongada
gular Education Initiative (REI) ou General desses alunos em classes especiais, muitas vezes sem pers-
Education Initiative (GEI). Propostas mais radicais pectiva nenhuma de retorno ao ensino comum.
sugeriram a fusão entre o ensino comum e o ensino es- O processo de encaminhamento de alunos a clas-
pecial (Steinback & Steinback, 1984). Acrescente-se que ses de Educação Especial depende de julgamentos de
alguns autores já falavam em full inclusion. competência de crianças, realizados sob a influência de
Nos recentes anos, os educadores especializados determinadas condições que podem enviesá-los. Essas
brasileiros passaram a fazer amplo uso do conceito de crianças são comumente desacreditadas socialmente em
inclusão, sobretudo a partir da Declaração de Salamanca função das condições familiares e sócio-econômicas
(1994). Há entusiasmo generalizado e ao mesmo tempo precárias. Outras condições, que seguramente não man-
temor e desconfiança com relação a propostas de ensino têm nenhuma relação com a competência escolar ou
inclusivo. A coletânea organizada por Mantoan (1997) é intelectual, como comportamentos considerados inade-
uma feliz e oportuna reunião de pontos de vista de alguns quados e até a sua baixa atratividade física, podem in-
importantes autores brasileiros acerca da inclusão. fluir decisivamente nos julgamentos realizados por pro-
Pretende-se, no presente texto, proceder a uma fessores, sob a forte influência de estereótipos associa-
breve análise das críticas ao atendimento segregativo e dos a grupos minoritários.
do fracasso ou enorme dificuldade em promover a No Estado de São Paulo, o encaminhamento de alu-
integração no Brasil, bem como apontar algumas ques- nos a classes de Educação Especial está rigorosamente
tões que poderão contribuir para fomentar novas dis- disciplinado por dispositivos legais. A Deliberação CEE nº
cussões acerca da inclusão. 13/73 estabelece, no Artigo 1º, parágrafo 2º, que “O aluno
O atendimento segregativo e o fracasso da somente será considerado como excepcional quando essa
integração no Brasil condição for caracterizada por profissionais credenciados
A partir da década de 70, houve expansão notável que recomendem a conveniência de encaminhá-lo à edu-
nos serviços públicos de atendimento educacional a de- cação especial”. Essa exigência é também expressa na
ficientes, criando-se numerosas classes especiais na rede Resolução SE nº 73/78, que, além disso, estabelece
pública de ensino, notadamente na área da deficiência parâmetros para a caracterização de deficientes mentais,
mental. Essa expansão foi acompanhada do surgimento auditivos, visuais e físicos, elegíveis para os recursos de
de novos cursos de formação de professores Educação Especial. A Resolução SE nº 247/86, que revo-
especializados no ensino de deficientes. Essa formação gou a Resolução SE nº 73/78, altera a caracterização da
docente passou a ser oferecida por meio de diferentes clientela elegível para a Educação Especial, porém reitera
modalidades de ensino, destacando-se aí a Educação a necessidade de avaliação por profissionais credenciados.
Especial como habilitação de cursos de Pedagogia, cur- Já a Portaria Conjunta CENP/CEI/COGSP/DAE, de 24-
sos de especialização em nível universitário e estudos 12-86, exige que essa avaliação seja feita por equipe
adicionais em nível de segundo grau. interdisciplinar e, somente na impossibilidade de contar com
Ainda no decorrer da década de 70, começaram a essa equipe, pode ser realizada por profissionais
avolumar-se críticas em relação a práticas altamente credenciados de cada área específica.
segregativas que estavam ocorrendo no atendimento edu- A questão dos critérios de encaminhamento de alu-
cacional a deficientes, sobretudo na área da deficiência nos a classes especiais para deficientes mentais já deu
mental. Tais práticas eram interpretadas como um proces- origem a várias investigações e foi motivo de muitas dis-
so de exclusão progressiva de determinados alunos da rede cussões, nem sempre confortáveis, em reuniões de edu-