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Père version e Sinthome

Jaqueline Moreira Coelho


• A primeira onda se inicia com a introdução mesma desse plural –
nomes do pai – e isso acontece sobre o final do seminário 10. Em sua
última aula Lacan anuncia que o seminário seguinte versará, em
efeito, sobre Os nomes do pai: “se no próximo ano tudo correr de tal
modo que eu possa prosseguir meu seminário de acordo com o
caminho previsto, vou dar-lhes compromisso não só em torno do
nome, mas dos nomes do pai” (Schejtman, 166)

• O S(A/) e o objeto a são os dois reais que obstaculizam


precisamente a premência da qual gozava, até então, o
unitário significante do Nome do Pai. (Schejtman, p. 167)
• A primeira onda de pluralização situamos entre a última aula do
seminário 10 e o início do seminário 21, onde fecharemos o começo
da segunda. Às referências aos nomes do pai, Lacan as acompanha,
invariavelmente, de alusões a esta excomunhão, certamente de uma
crítica à IPA – a qual considera estruturada do mesmo modo que
Freud pensou o exército e a igreja – mas, assim mesmo de uma posta
em questão do próprio desejo de Freud – ao qual não julgou alheio a
tal estrutura ou militar eclesiástica da IPA (Schejtman, p. 166)
• Que o desejo mesmo de Freud fica questionado a partir da
introdução dos nomes do pai é algo que Lacan explicita na primeira
aula do seminário 11: “a histeria nos dá pista de certo pecado original
da análise. (...)o verdadeiro não é, quem sabe, mais que este: o
desejo do próprio Freud, o fato de que algo, em Freud, nunca foi
analisado. Estava eu exatamente nisso quando, por uma peculiar
coincidência, se me colocou no disparate de ter que renunciar ao meu
seminário. O que tinha que dizer sobre os Nomes do Pai, com efeito,
não intentava outra coisa que o questionamento da origem, no capo
da experiência que designa como o inconsciente, a porta de entrada”
(Schejtman, 167)
• E que este desejo não é alheio à psicologia das massas que Lacan
entrevê na estrutura da IPA, só três anos depois é indicada deste
modo na Proposição de 09 de outubro: “Partimos também do fato,
que parece perfeitamente plausível, de que (as sociedades
psicanalíticas existentes) Freud as quis tal como são (...) Está claro
pois que Freud assumiu o risco de certa detenção. Talvez mais: que
viu nelas o único refúgio possível para evitar a extinção da experiência
(...) A natureza dessas sociedades e o modo pelo qual agem, se
esclarece com a promoção de Freud da Igreja e do Exército como
modelos do que concebe como a estrutura do grupo”. ((Schejtman,
167)
• Mas, como assinalávamos, não nos determos aqui mais do que nas
novidades que introduz o que chamamos de segunda onda dessa
pluralização, que se inicia, nos parece, e assim nos antecipamos, no
seminário 21, intitulado, “os não-tolos erram”, homófono em francês,
precisamente, de “os nomes do pai”. (Schejtman, p. 167)
• E bem essa homofonia não é absolutamente alheia ao fato de que
situemos no seminário 21 o começo da segunda onda de pluralização.
Com efeito, frente à reiterada afirmação de Lacan – seguinte à única
aula de os nomes do pai em novembro de 1963 – de que nunca
voltaria a falar disso, temo este seminário – exatamente 10 anos
depois, que eu seu título leva a marca pouco camuflada do assunto
vedado: “Les non dupes errent (os não-tolos erram). Soa raro, não? É
uma pequena mostra do meu estilo (...) a frase soa estritamente da
mesma maneira que “Les noms du père” (os nomes do pai). Quer
dizer, aquilo do qual prometi nunca mais falar”. (Schejtman, 168)
• Essa marca é sem razão? Não acreditamos. Encontramos, em vez
disso, o ponto de partida de uma nova abordagem dos nomes do pai
– a isso chamamos segunda onda no que diz respeito à pluralização –
que terá se ponto cume no seminário seguinte: RSI. (Schejtman, p.
169)
Père - version
• Numa outra perspectiva que se encontra no seu último ensino, Lacan trata
do pai não mais na sua universalidade, mas na sua singularidade. E o que
singulariza um pai se encontra no nível do seu desejo em relação a uma
mulher tomada entre outras. A singularidade de um pai é uma pai-versão
(père-version), ou seja, é a relação de um pai com o que sua função
possui de recusa a toda norma universal. Neste sentido, nos diz Miller, é
que caberia a diferenciação do pai no registro do ser (nível do universal) e
o pai no registro da existência (nível da singularidade).
Père-version
• A função do pai no último ensino de Lacan – RSI: um pai só tem
direito ao respeito, mas também ao amor, se o dito amor, o dito
respeito está – não creiam em seus ouvidos – père-versement
orientado, que dizer que, se faz de uma mulher o objeto a causa de
seu desejo, mas o que esta mulher (com minúscula) a-colhe dele, se
posso me expressar assim, nada tem a ver com a questão. Ela se
ocupa de outros objetos a, que são seus filhos, junto aos quais o pai
todavia intervém, excepcionalmente no melhor dos casos – para
manter na repressão, no justo meio-deus, se me permitem, a versão
(version) que lhes é própria por sua pai-versão (père-version), a única
garantia de sua função de pai” (Lacan, aula de 21 de janeiro de 1975).
(J, F. Peres, p.99).
Père – version = versão até o pai

• Ainda que a introdução do termo père-version (...) seja um pouco


anterior ao seminário 23, só a partir do que é retomado nele por
Lacan, acaba referindo-se ao quarto elo, que, desde o final de RSI, é
considerado imprescindível no laço entre o simbólico, o imaginário e
o real. Passa assim, desse modo, a constituir um outro nome para
aquilo que, como vimos, Lacan denomina de sinthome (Schejtman, p.
110-111).
Nó e nome do pai

• Em outros termos, a função do Nome-do-Pai é de manter junto, para cada


sujeito, um a um, Real; Simbólico e Imaginário, e de lhe permitir fazer consistir
uma realidade sem existência, mas onde pode, no entanto, se desenvolver o laço
social no campo dos discursos (Skriabine, p. 104);

• O Outro é fraco, tanto quanto o sujeito. Não há Outro que seja ao mesmo tempo
completo e consistente. Isso diz respeito à estrutura mesma do significante, que é
diferencial, excluindo por isso a referência absoluta (Skriabine, p. 104);
Nó e nome do pai
• O Outro não existindo, não há garantia última: o significante que garantiria o
Outro falta ao Outro. Deus não poderia garantir o pai. Não há Nome-do-Pai, a
menos que cada sujeito e invente em ponha em jogo aquilo que aí caberia para
ele. Dito de outra maneira, não se tem outra escolha senão a de prescindir-se
dele (do Nome-do-Pai como garantia que não existe), com a condição de servir-se
dele (de colocar em jogo sua função). (Skriabine, p. 104)

• Primeira conclusão: há, estruturalmente, foraclusão do Nome-do-Pai no sentido


de uma medida comum “inata”, normalidade mítica, que material Real, Simbólico
e Imaginário juntos pela graça de um enlace borromeano de três bem sucedido.
Nada os liga a priori. Foraclusão generalizada: “todos débeis”, diz Lacan, indo
além da referência reasseguradora do mito freudiano do pai, inventado para
atenuar a dissociação fundamental, para cada sujeito, dos três registro R.S e I.
(Skriabine, p. 104)
Nó e nome do pai

• Segunda conclusão: a estrutura da experiência humana, e não somente analítica,


deve ser pensada fora de uma referência ao Outro; deve ser pensada a partir das
três únicas categorias da experiência: Real, Simbólico e Imaginário. Lacan,
continua seu avanço, mostra que esta estrutura que se funda sobre um falta,
sobre uma falha original, é topológica, é a estrutura mesma dos nós. Para além da
metáfora, o real dessa estrutura é o real topológico dos nós.

• (Skriabine, p. 104)
Nó e nome do pai
• O nó borromeano de três representa a falta, aquilo que não há: seria o Nome-do-
Pai, se ele existisse. O nó borromeano de três, solução perfeita, é sempre
fracassado. Há foraclusão do nó borromeano como Nome do Pai. É por isso que
ele nos interessa... (Skriabine, p. 105)

• Há muitas maneiras de fazer fracassar a amarração como também de fazer
suplência a esse fracasso, para manter juntos, ainda assim, R, S e I. Há, pois,
muitos Nomes-do-Pai. Lacan demonstra, com a topologia, a necessária
pluralização do Nome-do-Pai: se o Nome-do-Pai fracassa sempre, os Nomes do
Pai, para lhe fazer suplência, são numerosos. (Skriabine, p. 105)
Nó e nome do pai

• É necessário, portanto, ao menos um quarto elemento para fazer suplência à


foraclusão original. Em seu seminário RSI, Lacan desenvolve as suplências, os
nomes do pai, que restituem uma amarração borromeana de quatro: três tipos
privilegiados de suplência, começando pelo sintoma. (Skriabine, p. 105)

• O sintoma, e mais radicalmente o sinthoma, são Nomes do Pai. (Skriabine, p. 105)

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