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Fontes para consulta

• DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. A educação jurídica e a crise


brasileira. Cadernos FGV Direito Rio, n. 3, 2009. In: ______. Palavras de um
professor. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
• FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1987.
• GHIRARDI, José Garcez (Org.). Métodos de ensino em direito: conceitos para um
debate. São Paulo: Saraiva, 2009.
• KENNEDY, Duncan. The political significance of the structure of the law school
curriculum. Seton Hall Law Review, v. 14, p. 1-16, 1983-1984.
• SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo:
Cortez, 1987.

Apresentação do módulo

As opções metodológicas refletem as crenças do docente sobre universidade, ciência,


ensino e Direito. Não se pode fugir das opções de fundo – o que ensinar, quando
ensinar, quanto e com que profundidade ensinar e como avaliar. Os docentes fazem
essas escolhas, queiram ou não. Tais questões são decisivas para estabelecer a matriz
a partir da qual os estudantes pensarão o Direito e articularão a sua prática
profissional.

Esta disciplina tem como premissa a ideia de que é essencial ter claro um objetivo de
fundo – por que ensinar? – e que este deve-se articular com o contexto concreto de
ensino-aprendizagem – esforço de localização docente. Portanto, há uma relação entre
os modos de pensar o Direito e os modos de ensiná-lo. O ensino se dá por meio de
um conjunto de práticas cotidianas cujos funcionamento como matriz e reforço de
construções ideológicas não deixam de existir porque são silenciados ou implícitos.
Dessa forma, há aparente consenso no discurso sobre a metodologia de ensino
jurídico, o que esconde um dissenso de fundo.

UNIDADE 1
Ensino de Direito

Os questionamentos sobre a universidade, a ciência, o ensino e o Direito afetam as


opções de fundo que fazemos, invariavelmente, quando lecionamos um curso.

1.1 Tarefa política


Segundo Fernandes:

Cada nação e cada povo possuem a universidade que merecem. Acabaremos muito
mal, nesse terreno, se não soubermos o que queremos e, principalmente, se não
soubermos lutar pelo que queremos.

Clarificar nosso pensamento a esse respeito vem a ser parte de uma situação de luta,
da qual não poderemos ser poupados e nem nos poderemos poupar.
Podemos considerar o ensino do Direito como tarefa política.

Em um país como o nosso, em que o acesso ao Ensino Superior é ainda restrito e


desigual, esse papel político fica ainda mais realçado.

O ensino do Direito implica um posicionamento sobre a função social do


Ensino Superior. Em outras palavras, implica um posicionamento sobre a
própria razão de ser da universidade.

Sugestão de leitura

Para saber mais sobre decisão política, leia:

• FERNANDES, Florestan. A universidade brasileira: reforma ou revolução? Alfa-


Omega: São Paulo, 1979.

O ensino do Direito envolve escolhas e posicionamentos frente a questões muito


sérias. Clique nos botões a seguir para acessar alguns exemplos.

A universidade deve privilegiar o conhecimento especulativo, prioritariamente


conceitual e abstrato OU deve dar maior ênfase ao conhecimento aplicado, voltado a
maximizar a sua possibilidade de utilização prática?
A universidade deve formar um número necessariamente restrito de alunos, de
modo que a competição selecione os cidadãos mais bem formados e intelectualmente
mais capazes OU deve abranger o maior número possível de interessados, ainda que
com desequilíbrio nas formações de base, de modo a fazer coexistirem diferentes
formas de saber dentro dos seus muros?
A universidade deve ser pública e gratuita para todos OU apenas para alguns?
A universidade deve ser pública, mas não gratuita OU a universidade não deve ser
nem pública, nem gratuita? Por quê?
O modo como respondemos aos questionamentos propostos revela as crenças que
temos sobre a universidade, sobre a Ciência, sobre o ensino e, no caso dos cursos
jurídicos, sobre o Direito. As nossas respostas também revelam a visão que temos do
país.

É fácil esquecer essas perguntas na correria do dia a dia. Tais questões, no entanto,
não são meras especulações. Todas elas são questões vitais, de enorme relevância
prática.

Influência nos cursos


Os questionamentos sobre a universidade, a ciência, o ensino e o Direito
afetam as opções de fundo que fazemos, invariavelmente, quando
lecionamos um curso.

Segundo Ghirardi, tais questionamentos afetam, por exemplo:

A seleção de temas que o espaço universitário opera:

O que ensinar?

A ordem de apresentação proposta:

Quando ensinar?

A relevância relativa que estabelece entre áreas:


Quanto e com que profundidade ensinar?

A forma de aferir a efetividade da formação:

Como avaliar?

Para saber mais sobre influência nos cursos, leia:

• GHIRARDI, José Garcez (Coord.). Cadernos Direito GV: avaliação e métodos de


ensino em direito, v. 7, n. 5, set. 2010.

1.2 Desenho do curso

Vejamos, a seguir, um vídeo sobre apontamentos para a elaboração de programas no


ensino jurídico. Depois que o vídeo carregar, clique em play.

Ao lecionar um curso, o primeiro conjunto de escolhas que temos de fazer diz respeito
ao sentido da nossa proposta. Devemos decidir: o que iremos ensinar; por que
desejamos ensinar; por meio de qual método; a que grupo específico de alunos; e em
que momento específico da sua formação.

Em outras palavras, precisamos enfrentar o problema do desenho do curso


e de cada uma das suas aulas para a situação concreta em que nos
encontramos.
O curso não é uma realidade neutra, uma obrigação curricular que nos cabe transferir
aos alunos. Não somos instrumentos do curso, mas os seus autores.

Desse modo, se o jovem docente inicia a sua carreira recebendo um programa pronto,
isso não o exime de analisar, criticamente, o material que tem em mãos. Tal material
deve ser objeto do mesmo rigor a que submetemos qualquer produção acadêmica.

Em geral, lemos, com muito cuidado, artigos, dissertações e teses de colegas.


Buscamos, com esse cuidado, entender o seu argumento central, explorar as suas
contradições e potencialidades.

Essa leitura cuidadosa faz parte da honestidade intelectual que deve caracterizar a
troca entre pares e que deve estar presente também no ensino.

O desenho de um curso é fruto de uma atividade intelectual muito sofisticada. O seu


gênero discursivo, por exemplo, é diferente daquele utilizado em artigos e outros
trabalhos acadêmicos. Ser diferente, no entanto, não significa que a sua complexidade
seja menor.

Ao ministrarmos um programa, a primeira coisa a fazer é analisar a sua lógica de


construção, as suas escolhas implícitas e explícitas, os seus objetivos e propósitos.

Atenção!

É preciso examinar o que o programa inclui e exclui, o que enfatiza e o que minimiza.
A partir daí, é preciso que nos posicionemos.
A atuação do professor também deve considerar a sua:

• adequação ao público a que se destina;


• articulação com outras disciplinas da grade;
• articulação com os objetivos gerais adotados em cada instituição de ensino.
O professor deve não apenas se posicionar sobre a consistência interna do programa
mas também deve ser capaz de fazer e justificar as suas escolhas como as melhores
escolhas possíveis para aquele determinado contexto. Para isso, deve identificar as
respostas mais adequadas às seguintes questões centrais:

O desenho do curso precisa ser coerente com a forma como pensamos


essas questões.

Assista agora a uma cena que se relaciona com o conteúdo desta tela.

Filme

Clique no ícone para acessar as informações sobre o filme O sorriso de Monalisa.


Sugestão de leitura

Para saber mais sobre posicionamento do professor, leia:

• KENNEDY, Duncan. The political significance of the structure of the law school
curriculum, Seton Hall Law Review, v. 14, p. 1-16, 1983-1984.

1.3 Lógica de construção do curso


Em primeiro lugar, o desenho do curso precisa articular-se, harmoniosamente, com o
modo como pensamos a universidade e os múltiplos sujeitos que a constroem.

Posicionamentos diferentes geram diferentes desenhos de curso ‒ ao menos, é


legítimo esperar por essa diferença.

A fim de nos posicionarmos, podemo-nos questionar sobre qual é a função do curso


superior. Navegue pelas setas para acessar algumas possíveis resposta

• Formar profissionais para o mercado, para as carreiras públicas.

• Desenvolver uma consciência crítica não diretamente ligada à prática.

• Criar um ambiente de crescimento intelectual, político e pessoal heterogêneo,


a partir da troca com colegas e professores.

• Certificar para a sociedade que o egresso detém um saber específico.

Exemplo:

Diferentes posicionamentos geram diferentes


desenhos de curso
Sabemos que os diferentes posicionamentos geram diferentes desenhos de curso.
Podemos considerar, a título de exemplo, os casos dos professores Alberto, Beatriz e
Custódio.

Suponhamos que o professor Alberto entenda que a função da universidade seja a de


oferecer uma formação eminentemente prática, voltada a capacitar o aluno a atuar
profissionalmente assim que tiver o diploma nas mãos.

É bem provável que ele decida estruturar o seu curso em torno de escolhas didáticas
que reflitam essa perspectiva.

Dessa forma, é mais do que possível que trabalhe em sala de aula, por exemplo, com
casos concretos e decisões reais, talvez proferidas em lides em que esteve envolvido
como profissional.

Talvez ele solicite aos seus alunos que escrevam peças ou que analisem documentos.

A referência e os comentários à legislação e à jurisprudência tenderão, provavelmente,


a ocupar mais espaço que a discussão conceitual em abstrato ou que o cotejo de
teorias jurídicas concorrentes.

É claro que o debate teórico não estará ausente nas suas aulas. No entanto, como a
sua preocupação é construir um saber e desenvolver habilidades eminentemente
práticas, o debate teórico tenderá a receber menos atenção que a análise de situações
concretas.

Isso não acontece porque o professor Alberto não possui interesse em teorias. Ele
pode até ter grande facilidade e apreço pelas discussões mais abstratas, mas também
sabe que não é possível ensinar tudo e que é preciso fazer escolhas, descartando
algumas estratégias e abraçando outras.

Em seu curso, Alberto não tem tempo para discutir, exaustivamente, teoria e prática.
Por conta disso, ele faz uma escolha que está vinculada à sua crença fundamental
sobre a função da universidade: produzir egressos prontos para atuarem bem no
mercado.

Suponhamos, agora, que a professora Beatriz tenha uma leitura radicalmente


diferente da universidade.

Para ela, o Ensino Superior é, antes de tudo, um espaço de formação teórica, ou seja,
um espaço de desenvolvimento do pensamento crítico e de um arcabouço conceitual
capazes de alavancar discussões muitas vezes desconectadas das questões mais
imediatas do dia a dia.

Beatriz acredita que a prática se aprende na prática – no estágio ou na vida


profissional futura. Para ela, o espaço universitário é um local privilegiado para
desenvolver o domínio de questões conceituais, trabalho difícil ou impossível de ser
realizado no atropelo do cotidiano profissional.

Nesse caso, é bem provável que ela lance mão, sobretudo, de textos teóricos e de
discussões doutrinais como base para o seu curso.

É evidente que isso não significa que o exame de minúcias de casos concretos não
possa surgir algumas vezes, mas, ao menos em princípio, isso se dará com menor
frequência que exposições ou debates versando sobre a teoria e os conceitos
jurídicos.

Isso também não significa que Beatriz não acredite na importância das questões
práticas. Ela apenas entende que a função da universidade não é, prioritariamente, a
de formar com vistas à atuação prática imediata. O seu curso reflete esse
entendimento.

Por fim, suponhamos que o professor Custódio entenda que a função da universidade
seja, antes de qualquer coisa, a de certificar, perante a sociedade, o domínio que o
egresso tem de um saber técnico específico. Nesse caso, é bem provável que organize
o seu curso de forma a dar respostas àquelas ocasiões em que esse saber será
formalmente avaliado, como os concursos públicos, por exemplo.

Resoluções de provas, simulados e comentários sobre questões de exames específicos


terão, possivelmente, muito mais espaço no seu curso que no dos seus colegas
Alberto e Beatriz.
Mais uma vez, isso não significa que Custódio não valorize a teoria ou o conhecimento
prático. Isso significa que ele imagina que a função primordial da formação
universitária seja outra.

Poderíamos multiplicar os exemplos, combinando visões, matizando escolhas.


Poderíamos também discutir se todas as instituições de Ensino Superior têm – ou
deveriam ter – funções idênticas, independentemente do seu contexto e público, ou se
faz sentido que instituições de perfis diversos exerçam funções diferentes.

O que realmente importa sublinhar aqui é a conexão entre o modo de se pensar a


universidade – a sua função social – e o modo de se estabelecer o desenho de cada
curso específico.

Essa visão da universidade articula-se, é claro, com o modo como cada docente
entende a ciência e como enquadra (ou não) o Direito nesse conceito.

Protagonismo do aluno
Vejamos, a seguir, um vídeo sobre o protagonismo do aluno.:

Autonomia, reponsabilidade, cidadania, ética.

1.4 Articulação entre conhecimento, ciência e


ensino

As visões sobre o desenho do curso podem ser muito diferentes entre os docentes. No
entanto, mesmo com a divergência de opiniões, podemos supor que diferentes
docentes concordem com a afirmação de que a universidade é um espaço em que se
constrói e transmite conhecimento.

A partir daí, o problema seria definir, exatamente, o que entendemos por


conhecimento.

Além disso, se acreditamos que há mais de uma forma de conhecer, mais de um tipo
de conhecimento, também é preciso que nos interroguemos sobre o tipo de
conhecimento que acreditamos caracterizar o Ensino Superior.

No caso específico dos professores de Direito, há ainda mais uma tarefa a cumprir:
assumir um posicionamento com relação à ideia do Direito como ciência.

O debate sobre a concepção do Direito como ciência é antigo. No entanto, isso não
significa que esteja superado ou que possa ser evitado. Esse debate não pode ser
evitado porque são essas crenças sobre o conhecimento e a ciência que moldam o
objeto que iremos ensinar.
Quando discutimos metodologia, não estamos discutindo formas diferentes de
ensinar a mesma coisa, muito menos de apresentar um mesmo objeto – que existe
antes e além de qualquer interpretação. Pelo contrário, esse objeto só se constitui a
partir do momento em que falamos sobre ele, em que definimos as suas fronteiras,
em que elegemos os seus traços constitutivos.

Na sala de aula, o objeto sobre o qual nos referimos só se constitui quando


o ensinamos.

No caso do ensino do Direito, o objeto que iremos ensinar se constitui a partir do


momento em que decidimos o que é Direito e o que não é. Isso envolve decidir quais
elementos são essenciais para caracterizar o fenômeno jurídico e quais são acessórios,
quais tipos de saber esse fenômeno engloba e quais exclui, e assim por diante.

Vejamos um exemplo. É comum ouvirmos frases como:

Isto não cabe em um curso de Direito Civil.


Esse argumento caberia em uma aula de Teoria Política, não de Direito Constitucional.
Esta é uma razão moral, não jurídica.

Esse tipo de declaração não faz referência a um conceito anterior objetivo e não
descreve algo que existe no mundo, independentemente do nosso discurso. Pelo
contrário, define, implícita ou explicitamente, o sentido que nós damos ao Direito Civil,
à Teoria Política, ao Direito Constitucional, à moral e ao Direito.

Em outras palavras, esse tipo de frase constrói o objeto no mesmo momento em que
o ensina.

Os dois processos são indissociáveis. É por isso que é tão importante discutir a forma
como entendemos a articulação entre conhecimento, ciência e ensino.

1.5 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.
Ensino de direito : > implica o posicionamento sobe a função social do Ensino
Superior.
> envolve 2 pontos:
1 Escolhas e posicionamentos.
2 Elaboração de proposta de ensino. > abrange 2 pontos:
1 ponto de partida. > que considera: perfil do aluno; expectativa do aluno; objetivos da
instituição.
2 ponto de chegada que abarca o objetivo do ensino e perspectiva metodológica.

UNIDADE 2
Modelo moderno

A matéria de que se fala também importa, mas não é ela que determina se o
conhecimento é científico ou não. O que determina é o modo de tratá-la, o método.

2.1 Conhecimento universitário

Um bom ponto de partida para discutirmos o sentido de conhecimento no espaço


universitário é o filme The paper chase.

Filme

Clique no ícone para acessar as informações sobre o filme The paper chase.
The paper chase
Sinopse

James (BOTTOMS), um estudante de Direito no seu primeiro ano na faculdade, espera


tirar boas notas e conseguir sobreviver ao difícil professor Kingsfield. Com a ajuda dos
colegas, ele se torna um dos melhores da sala, ganhando prestígio junto ao professor.
James logo se apaixona por uma garota, sem saber que ela, na verdade, é filha do
temível mestre.

Esse filme fala muito sobre o ensino e sobre o método específico do professor
Kingsfield, que entende que a sua missão é ensinar os alunos a pensarem de maneira
correta, ao seu modo.

Ficha técnica
THE PAPER CHASE = O HOMEM que eu escolhi. Diretor: James Bridges. Intérpretes:
Timothy Bottoms; Lindsay Wagner; John Houseman; Graham Beckel. Estados Unidos.
1973. 111 min., son., color.

A trama é protagonizada por Kingsfield, um tirânico professor de Harvard que ministra


um curso sobre contratos. A sua reputação pelo brilhantismo intelectual só não é
maior que a notoriedade por humilhar, publicamente, os alunos despreparados.

Navegue pelas setas para conhecer o seu método de ensino.

Nas suas aulas, os alunos são submetidos a uma impiedosa sessão de diálogo
socrático, enfrentando perguntas sempre mais complexas.

Os que não conseguem responder satisfatoriamente às demandas do professor


tornam-se vítimas do seu sarcasmo e são expostos como ignorantes perante toda a
classe.

Kingsfield não tem paciência nem tempo a perder com alunos nos quais falte talento
intelectual ou preparação. Ele não tolera aqueles que julga incapazes de discutir, com
inteligência, os conceitos que apresenta no seu curso.
Kingsfield entende que a sua missão é ensinar os alunos a pensarem de maneira
correta. No entanto, ele está seguro de que é um fato da vida que nem todos sejam
capazes de aprendê-lo.

Para os que não alcançam o resultado esperado, o melhor seria que desistissem logo,
poupando a si e ao professor de um bocado de desgosto.

Se não são capazes de aprender a pensar adequadamente, então o seu lugar não é a
universidade.

Mas, afinal, o que significa pensar de maneira correta? Ou, pelo menos, o que é que
Kingsfield e a linha didática que ele representa entendem por isso?

Observando o seu método de ensino, podemos sugerir que Kingsfield acredita que
exista uma única maneira correta de pensar e que seja possível ensiná-la.

Essa maneira tem pouco ou nada a ver com o senso comum, com o modo de pensar
que utilizamos para refletir sobre os episódios da nossa vida cotidiana.

Pelo contrário – ele acredita que o verdadeiro pensamento científico segue um


procedimento lógico rigoroso, metodicamente construído. Para ele, o conhecimento
científico é uma forma específica de pensar.

Esse procedimento buscaria a formulação de conceitos abstratos universais e não se


prenderia à banalidade dos fatos da vida. Ele seria, em última instância, o
conhecimento que devemos transmitir aos alunos na universidade.

Segundo Kingsfield, a forma de pensar é objetiva e independe do professor ou dos


alunos. Na sua opinião, se quisermos pensar corretamente como advogados, então
temos de pensar assim, e não de outro modo.

Esse saber específico seria o nosso conhecimento acadêmico.

Podemos, é claro, ter outros saberes, outras formas de pensar. Talvez uma aluna seja
uma grande artista, outra seja uma atleta de primeira e uma terceira tenha uma
grande experiência com diferentes culturas. Contudo, para o ambiente universitário,
esses saberes e formas de pensar são absolutamente irrelevantes. A experiência
concreta das pessoas seria secundária em relação à verdade dos conceitos.

A noção de enfiteuse independe de dotes artísticos ou esportivos, bem como da


experiência concreta dos indivíduos. Segundo essa noção, seria desnecessário gastar
tempo com isso.

Kingsfield se filia ao que poderíamos chamar de noção procedimental da verdade


científica. O professor acredita que a ciência e o saber se encontram, sobretudo, no
método.

Atenção!

A matéria de que se fala também importa, mas não é ela que determina se o
conhecimento é científico ou não. O que determina é o modo de tratá-la, o método.
Essa premissa é um dos fundamentos do modo de conhecer da Modernidade e
desdobra-se em uma série de questionamentos muito importantes sobre as relações
entre visões de ciência e visões de ensino.

Para saber mais sobre métodos, leia:

• GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma


hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 2004.

2.2 Conhecimento científico

Na sua acepção moderna, o conhecimento científico apresenta algumas características


específicas. Clique nas características a seguir para obter mais informações.

objetivo
O conhecimento científico não se altera segundo os valores, os desejos ou as crenças
de sociedades e indivíduos. As verdades científicas são supraculturais e
supraindividuais. Elas derivam dos fatos – e os fatos não se curvam à nossa vontade.

Em outras palavras, a verdade científica não se altera porque gostamos dela ou não,
porque ela nos faz felizes ou infelizes.
neutro
Como não reflete uma escolha do sujeito, o conhecimento científico é moralmente
neutro.

As suas aplicações práticas podem ser morais ou imorais, mas a forma de indagação,
de teorização e de comprovação científicas não comportam nenhuma dimensão ética.
universal
O conhecimento científico é o mesmo para todos os seres humanos e em qualquer
lugar do mundo. Se todos raciocinarmos corretamente, fatalmente, chegaremos às
mesmas conclusões.
abstrato
Embora examine eventos concretos, o conhecimento científico não o faz senão para
extrair deles uma teoria geral.

Dessa forma, o episódico e o anedótico não são científicos enquanto não forem
reduzidos a uma lei geral que os apresente como manifestações pontuais de uma
verdade mais ampla.
procedimental
O conhecimento científico reflete a ordem subjacente a todo o universo. Cada
elemento na natureza está judiciosamente posicionado no lugar perfeito para o todo.
Os eventos no mundo estão ligados segundo uma relação de causa e efeito
racionalmente compreensível e axiologicamente neutra.

A razão humana é capaz de compreender essa ordem e, a partir dela, formular


hipóteses e leis gerais. O conhecimento científico espelha esse padrão e constitui-se
em procedimento ou modo de pensar.
eficiente
Os eventos, na natureza, são perfeitamente concebidos para servir a um propósito
específico. Eles revelam a eficiência máxima do desenho universal e servem de
paradigma para o pensamento científico.

O conhecimento deve progredir igualmente, afirmando apenas o que é objetivamente


necessário.
Nas suas aulas, Kingsfield abraça o modelo moderno de ciência e de conhecimento
científico.

O seu método de ensino é resultado direto desse conjunto de crenças a respeito do


verdadeiro saber. É por isso que ele é tão rigoroso e tão impiedoso com os seus
alunos.
Sendo um professor sério e comprometido com o seu ofício, Kingsfield entende que é
necessário fazer com que os alunos entendam que muitos dos elementos que eles
prezam não têm qualquer valor para o verdadeiro intelectual. Pior que isso – acredita
que alguns deles possam até ser nocivos.

O modo como Kingsfield conduz as aulas mostra relações importantes entre as visões
de ciência e de ensino.

Emoções, crenças ou predileções pessoais tendem a nos desviar da isenção necessária


ao pensamento corretamente

Paixões de todo tipo tendem a turvar o nosso entendimento, pois fazem com que
desejemos um resultado em vez de outro, uma resposta em vez de outra.

Para Kingsfield, isso não é ciência, não é conhecimento científico. Isso é o que ele pode
esperar "da pessoa comum, aquela que tem o crânio repleto de gosma, não de um
aluno de Harvard."

A visão de Kingsfield molda, ponto por ponto, a sua forma de ensinar, o que é
absolutamente natural. Se ele entende que a função da universidade é transmitir o
conhecimento científico e se o conhecimento científico é entendido dessa forma, é
preciso estabelecer um método de ensino compatível com esse propósito.

2.3 Professor depositário do saber

A perspectiva filosófica de Kingsfield provoca consequências, algumas delas


especificamente importantes para a sala de aula.
Kingsfield toma como ponto de partida a crença de que, na universidade, somente o
conhecimento científico tem lugar. Estamos falando, é claro, do conhecimento
científico no modo como Kingsfield o entende. Desde o princípio, Kingsfield mostra
aos seus alunos que ele, o professor, é o depositário do saber. O aluno está na
condição de não saber, de ignorância.

Kingsfield não pensa que os seus alunos não sabem nada. Ele tem consciência de que
esses alunos podem ser experts em cinema, beisebol ou criação de búfalos.

No entanto, isso é irrelevante para o ambiente de aula. As diferenças individuais – de


gênero, raça, classe social – e os saberes a elas relativos também são irrelevantes.

Entre as quatro paredes da sala de aula, o único conhecimento que importa é o de


Kingsfield.

Segundo o filme, a missão do professor é transmitir o seu conhecimento ao aluno.


Como o aluno não sabe nada – ou sabe muito pouco – sobre o que interessa, a relação
que se estabelece é vertical.

Clique nos números para ver como ocorre essa relação.

1. O fluxo de informação é unidirecional – o professor ensina ao aluno, não o


inverso. Desse modo, há muito pouco sentido em estabelecer ou permitir trocas
entre alunos
2. A interação aluno-aluno é secundária em relação à interação aluno-professor.
3. As dúvidas não devem ser levadas ao colega do lado, mas ao mestre lá na
frente. Só ele tem autoridade para distinguir o certo do errado.
Transmissão da informação em um contexto
educacional de fluxo unidirecional de informação
O processo de transmissão da informação em um contexto educacional de fluxo
unidirecional de informação pode ser comparado a um corriqueiro download de
arquivos.

Em primeiro lugar, é preciso formatar a unidade que irá receber a informação, isto é,
capacitá-la a entender a linguagem em que se inscrevem os dados para, só depois,
transmitir todo o conteúdo.

No nosso caso, a unidade receptora é o cérebro do aluno. O bom aluno entende bem
e é dócil a essa transmissão. O mau aluno, o aluno obtuso, não consegue formatar a
sua mente para receber, de modo adequado, aquilo que lhe é transmitido.

2.4 Importância da objetividade


De acordo com a visão de ensino de Kingsfield, a relação aluno-professor deve
preservar certa distância. A familiaridade ou a camaradagem entre professores e
alunos pode prejudicar a objetividade que caracteriza o verdadeiro cientista.

A objetividade só é possível porque o objeto de ensino-aprendizagem tem


contornos claramente delimitados. As definições devem ser claras. Não há
lugar para a incerteza ou para a dúvida não metódica.

Exemplo

Objetividade no filme The paper chase


No filme, o brilhante e rebelde estudante Hart revolta-se contra o modo frio e
sarcástico do professor e o insulta em voz alta diante de todos os colegas.

Para a surpresa (e o alívio) de todos, Kingsfield não só não se ofende como se alegra
com a explosão, afirmando que aquela ofensa foi a coisa mais inteligente que Hart
havia dito naquele dia.

O discípulo, finalmente, entendeu que a crueldade intelectual é a expressão de um


método, não de um sentimento pessoal.

Ao final do curso, Hart inicia os aplausos com que a classe, de pé, agradece ao mestre
pela sua arrogância intelectual e postura inflexível.

A estabilidade do objeto de ensino se traduz na possibilidade de realizar avaliações


objetivas. Por meio delas, o professor é capaz de analisar o quanto o aluno sabe sobre
determinado tema. A partir disso, ele estabelece o mínimo indispensável para que se
prossigam os estudos.

À medida que avançamos, o conhecimento se torna cada vez mais sofisticado e as


exigências de rigor científico, cada vez mais apertadas. É natural que, a cada semestre,
um grupo de alunos não aprenda o mínimo suficiente para progredir.

Para Kingsfield, esse é, provavelmente, um dos sinais de sucesso do método. Certo


percentual de reprovações é desejável. Para explicar melhor esse método, Kingsfield
faz uma analogia com o trem. Vejamos como ela funciona:
2.5 Método de Kingsfield

O método desenvolvido por Kingsfield sugere que o objetivo primeiro do aluno seria
igualar-se ao mestre, para depois buscar superá-lo.

Igualar-se ao mestre já é quase impossível. Somente alguém extraordinariamente


talentoso poderá consegui-lo. No entanto, é exatamente essa excelência soberana,
única e que causa um misto de temor, inveja e admiração nos demais que permite que
a geração de Kingsfield se perpetue.

Ele é o grande astro da aula, não os seus alunos. O professor paira acima dos
discípulos, inspirando-os, mas sempre um passo à frente, sempre misteriosamente
melhor.

O silêncio seco com que responde aos aplausos mostra que Kingsfield aceita essa
admiração como um tributo natural que se faz aos superiores.

2.6 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.
UNIDADE 3
Experiência pós-moderna

Indivíduos, culturas e crenças apresentam diferenças profundas, muitas vezes


irreconciliáveis, que não podem ser apagadas ou desconsideradas.

3.1 Ciência versus valores

Ao longo de todo o filme The paper chase, admiramos Kingsfield pelo seu brilhantismo
intelectual, mas o odiamos pela sua arrogância e prepotência.

Essa ambiguidade indica um sentimento de desconforto com relação ao seu método


de ensino e com relação à noção de ciência que lhe serve de base.

Não é com o professor inflexível que o público tende a se identificar, mas com o
personagem do jovem Hart, o aluno-problema. A semelhança sonora com a
palavra heart, que significa coração na língua inglesa, talvez não seja acidental. De
algum modo, as plateias parecem acreditar que ele esteja lutando por valores mais
importantes que o conhecimento abstrato, como:

• a liberdade;
• a afirmação da própria singularidade e
• a possibilidade de expressar e viver seus próprios valores e afetos.

A luta do personagem Hart parece infinitamente mais importante que a insistência de


Kingsfield em afirmar uma suposta verdade universal, neutra e soberana, indiferente
aos indivíduos concretos.
Essa reação do público está em sintonia com um movimento mais amplo que alguns
chamariam de crise da modernidade e outros de pós-modernidade ou modernidade
tardia.

No campo da ciência, esse movimento se caracteriza pela desconfiança quanto ao


modo como Kingsfield constrói o seu pensamento.

Em outras palasvras, caracteriza-se pela problematização das lógicas de reflexão e de


ação que têm por fundamento categorias abstratas e de valor supostamente
universais.

Esse é um debate longo e complexo.

Pós-modernidade
Um dos autores mais influentes na crítica aos moldes tradicionais da ciência moderna,
Jean-François Lyotard, resume assim o problema:

"Simplificando ao extremo, considera-se ‘pós-moderna’ a incredulidade em relação às


meta-narrativas. […] À obsolescência do aparato meta-narrativo de legitimação
corresponde, sobretudo, à crise da Filosofia Metafísica e da instituição universitária
que a tinha por base."

Fonte: LYOTARD, Jean-François. The postmodern condition: a report on knowledge.


Minneapolis: University of Minnesota, 1984. p. xxiv-xxv. Tradução do autor.

Pós-modernidade
Para saber mais sobre pós-modernidade, leia:

• BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.


• SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo:
Cortez, 1987.
• ______. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

3.2 Modelos totalizantes de pensamento e ação

Para muitos, não é mais possível assumir como axiomática e não problemática a
superioridade do universal sobre o particular, ou do abstrato sobre o concreto, pelo
menos, da forma como o faz Kingsfield.

Os indivíduos, as culturas e as crenças se constituem a partir de singularidades e


idiossincrasias que não são acidentais, como postulava, muitas vezes, a perspectiva da
ciência moderna. Desse modo, tais singularidades são essenciais para a forma como
se apresentam no mundo.
Indivíduos, culturas e crenças apresentam diferenças profundas, muitas
vezes irreconciliáveis, que não podem ser apagadas ou desconsideradas.

As acomodações às necessidades das teorias e à sua pretensão de um


discurso universal acarretariam um risco de empobrecimento inaceitável da
reflexão.

Segundo Lyotard, as grandes metanarrativas do saber, da política, da família, entre


outras, constituem modelos totalizantes de pensamento e ação. Tais modelos não
conseguem dar conta justamente daquilo que parece mais precioso ao mundo
moderno: a individualidade e o direito à diferença.

Vários problemas políticos e de Direito são atribuídos à tentativa de impor modelos


universais supostamente neutros a realidades locais muito diferentes. Podemo-nos
questionar, por exemplo:

• Quantos conflitos emergem, por exemplo, da interferência das grandes potências


e da tentativa de imposição do seu modelo cultural?
• Quantos embates talvez estejam ligados ao suposto universalismo das
controversas receitas do FMI e do Banco Mundial?

Para saber mais sobre modelos totalizantes de pensamentos de ação, leia:

• LYOTARD, Jean-François. The postmodern condition: a report on knowledge.


Minneapolis: University of Minnesota, 1984.

3.3 Características da visão pós-moderna

Preferir Hart a Kingsfield – ou seja, preferir um modelo a outro – é uma decisão que
expressa a adesão a uma visão de mundo em detrimento de outra. Fazer essa escolha
significa filiar-se, de maneira mais ou menos consciente, a um sistema de valores e
crenças.

Esse novo sistema tornou-se prevalente a partir do século passado – ao menos em


boa parte do mundo ocidental. Nele há implícita uma visão de ciência que se
contrapõe, ponto a ponto, ao modelo praticado por Kingsfield.

A visão pós-moderna tem grande impacto na forma de se pensar o ensino. Por conta
disso, vale a pena destacarmos algumas das suas características. Clique em cada uma
delas, a seguir, para saber mais.

subjetiva

As circunstâncias individuais do observador, inevitavelmente, impactam a forma como


ele percebe, descreve e atribui valor aos fenômenos. Tais características podem ser
físicas, psicológicas, morais, etc.
Esse impacto refuta a pretensão de objetividade moderna. Em outras palavras, esse
impacto refuta a tese de que seja possível estabelecer um distanciamento absoluto
entre o sujeito que observa e o objeto observado.

cultural

As formas de perceber o mundo se alteram segundo a matriz cultural que as


articula. Isso engloba valores, crenças e instituições das diferentes sociedades e dos
diferentes grupos.

Desse modo, as verdades científicas são marcadas, inevitavelmente, pelas condições


culturais a partir das quais e para as quais emergem. Tais verdades não derivam, de
forma cristalina, das características intrínsecas ao objeto.

político-moral

Como o conhecimento científico reflete o sistema de crenças daquele que o postula,


inevitavelmente, esse conhecimento se reveste, em sentido amplo, de um caráter
político e moral.

As próprias premissas que estruturam o pensamento, as hipóteses e as perguntas que


orientam a observação trazem em si pressupostos e constantes culturais.

Tais pressupostos e constantes culturais dirigem o olhar e orientam os resultados para


um lado ou para outro, para um valor ou para outro.

localizada

As construções teóricas elaboradas em um contexto específico não se traduzem,


imediata e necessariamente, em outros contextos.

A sua validade não se aplica imediatamente a todos os seres humanos. No entanto, os


limites historicamente determinados da cultura e das crenças lhes servem de
fundamento. A sua verdade é antes consensual – em sentido amplo – que objetiva.

visão pós-moderna
Para saber mais sobre visão pós-moderna, leia:

• SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo:


Cortez, 1987.
• __________. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.
UNIDADE 4
Nova concepção de ensino

A nova concepção de ciência submete o modelo anterior a questionamentos. Tudo


isso acarreta consequências profundas para as formas de se pensar o ensino.

4.1 Nova concepção de ciência

A nova concepção de ciência submete o modelo anterior a questionamentos, e tudo


isso acarreta consequências profundas para as formas de se pensar o ensino.

Se ensinar é transmitir conhecimentos ou conduzir a certos modos de formular o


saber, uma nova concepção do que seja conhecer deve conduzir, forçosamente, a um
novo modo de construir o saber e a um novo modo de transmiti-lo.

O universalismo abstrato e austero de um professor como Kingsfield já não é o


paradigma absoluto para a docência.

O tipo de professor implícito nessa nova concepção de ciência pode ser representado
pelo personagem John Keating, do filme Sociedade dos poetas mortos.
John Keating é o nome do personagem interpretado por Robin Williams em Sociedade
dos poetas mortos, de 1989. O seu estrondoso sucesso deve-se, sobretudo, ao fascínio
que o grande público sentiu pelo professor pouco ortodoxo e pelo seu modo
revolucionário de ensinar.

Filme

Clique no ícone para acessar as informações sobre o filme Sociedade dos poetas
mortos.

Sociedade dos poetas mortos


Sinopse

Em 1959, na Welton Academy, uma tradicional escola preparatória, um ex-aluno – John


Keating (WILLIAMS) – torna-se o novo professor de Literatura, mas logo os seus
métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos criam um choque com a
ortodoxa direção do colégio, principalmente, quando ele fala aos seus alunos sobre
a Sociedade dos Poetas Mortos.
Ficha técnica
DEAD Poets Society = SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção: Peter Weir. Intérpretes:
Robin Williams; Robert Sean Leonard; Ethan Hawke; Josh Charles; Gale Hansen; Dylan
Kussman Allelon Ruggiero. Estados Unidos: Touchstone Pictures, 1989. 129 min., son.,
color.

Em grande medida, o método de Keating é o avesso perfeito daquele que vemos em


funcionamento nas aulas de Kingsfield.

A comparação entre os dois pode-nos ajudar a entender melhor as virtudes e os


limites de cada uma dessas duas concepções de ensino.

Além disso, é vantajoso basear essa comparação em produtos da cultura de massa –


como é o caso dos filmes de Hollywood.

Isso nos permite perceber como questões teóricas complexas são apropriadas e
naturalizadas pelo senso comum – muitas vezes, sem grande reflexão.

4.2 Liberdade individual versus opressão

Para despertar a simpatia da plateia pelo herói, o professor Keating, o roteiro do


filme Sociedade dos poetas mortos o apresenta, desde a primeira cena, como o
campeão da liberdade individual.

Navegue pelas setas para conhecer como se configura o filme.

O personagem John Keating é o defensor do direito à autoexpressão e à diferença,


enfrentando, com coragem, um sistema educacional frio e desumano.
Para realçar a dimensão libertária do herói, a escola a que ele chega é apresentada
como um espaço de opressão e violência psicológica.
A instituição desconsidera, programaticamente, as necessidades individuais.
Entre outras regras, os seus alunos:

• têm de utilizar uniformes impecavelmente conservados e sem qualquer


adereço adicional que os diferencie;
• não têm direito à palavra e ao questionamento;
• devem mostrar deferência absoluta aos seus mestres e
• devem guardar silêncio, baixando a cabeça quando advertidos.
• A narrativa da trama faz o público acreditar que os alunos se submetem,
resignados, à perda da sua individualidade. Os alunos se submeteriam porque
foram convencidos, desde cedo, de que essa é a ordem natural das coisas.
• Parece-lhes evidente que aquilo que eles são tem de ficar em suspenso até o
momento em que estiverem formados. A sua personalidade, os seus desejos, as
esperanças e crenças são mantidos sufocados.
• O contexto todo é tão avassalador que os próprios estudantes acreditam que
ainda não atingiram um patamar de completude que lhes autorize a livre
expressão.
• No filme, o direito à palavra é prerrogativa dos mestres e funda-se na autoridade,
que vem do controle do saber. A dinâmica representada em sala de aula é o
resumo mais bem acabado dessa visão hierárquica.
• De um lado, professores severos apresentam, de forma pretensiosa, temas
abstratos a alunos que, em silêncio sepulcral, ouvem, anotam e memorizam.
Esses professores nos remetem ao próprio Kingsfield.
• De outro, alunos que têm medo de perguntar, de revelar a própria ignorância,
buscam, submissos, satisfazer as expectativas alheias e os modelos de
pensamento e conduta que lhes são impostos de fora.
• É esse o quadro que John Keating buscará subverter.

4.3 Singularidades do indivíduo

Desde o início, John Keating apresenta uma perspectiva radicalmente diferente da


adotada pelos outros professores da escola.

Retomando a longa tradição romântica de crítica ao racionalismo, Keating reverte,


justamente, a premissa básica de Kingsfield – a de que o objeto a ser conhecido é
exterior àquele que conhece.

Para Keating, o centro e fundamento de qualquer processo – científico, econômico,


social, político, educacional – é sempre o indivíduo.

As diferenças e singularidades do indivíduo, na perspectiva de Keating, devem ser


estimuladas, e não destruídas ou aplainadas.

Antagonismo entre a perspectiva moderna de


educação e a pós-moderna
No campo da educação, o antagonismo entre as duas perspectivas de ensino pode ser
ilustrado pelo contraste entre a primeira aula dos dois professores.

Em The paper chase, Kingsfield deixa claro aos alunos que abomina a indisciplina,
desconsidera as idiossincrasias pessoais e idolatra a teoria límpida que emerge do uso
rigoroso da razão.

Em Sociedade dos poetas mortos, Keating faz exatamente o inverso. Ele pede aos
alunos que desconsiderem as teorias como fontes apriorísticas de verdade. Ele os
instiga a comprová-las – ou refutá-las – com base na sua experiência pessoal e os
convida a confiar, sobretudo, naquilo que têm de mais idiossincrático e particular.

É essa ruptura radical com o modelo anterior que dá força a uma das cenas
emblemáticas do filme, em que Keating ordena aos alunos que arranquem do livro de
poesia a erudita introdução teórica que precede os versos dos poetas:

"Excremento. Isto é o que penso do senhor J. Evans Pritchard [o respeitado Ph.D. autor
da introdução]. Não estamos fazendo um encanamento, estamos falando de poesia.
Quero que arranquem essa página. […] Digo-lhes mais, cavalheiros, não arranquem
apenas essa página, mas a introdução inteira. Quero que desapareça, suma.
Arranquem tudo. Suma daqui, senhor J. Evans Pritchard, Ph.D. […] Isto não é a Bíblia,
vocês não vão para o inferno por causa disso. […] Chega do Sr. J. Evans Pritchard. Em
minha sala de aula, vocês aprenderão a pensar por si mesmos novamente."

A existência de dois campos irreconciliáveis é acentuada de forma definitiva pela


oposição entre:

caráter universal, abstrato e cerebral do discurso teórico

Representado pelo formalismo do título acadêmico e do nome completo – como J.


Evans Pritchard, Ph.D. –, que desconfia do subjetivo e do singular, e que busca traduzi-
lo em fórmulas gerais.

dimensão individual, concreta e espontânea do discurso poético

Representada pela jovialidade informal dos alunos, desconfia das fórmulas gerais e as
submete ao crivo do subjetivo e do singular.

Keating sintetiza a segunda opção – a escolha fundamental por centrar o processo de


ensino-aprendizagem nas peculiaridades do sujeito que aprende.

A escolha por centrar o processo de ensino-aprendizagem nas peculiaridades do


sujeito que aprende se traduz em uma infinidade de práticas concretas, como:

• as relações professor-aluno e aluno-aluno se modificam;


• a importância do programa se relativiza e
• os instrumentos e modos de avaliação se alteram.

4.4 Debates

A proposta de Keating colide, frontalmente, com a lógica da instituição em que atua.


Para a sua implementação, seria preciso contar com uma estrutura que as formas
tradicionais de educação não podem e nem desejam oferecer.
O filme Sociedade dos poetas mortos ilustra a tensão entre propostas radicalmente
opostas e desenhos institucionais concorrentes.

Essa tensão tornou-se motivo de batalhas educacionais acirradas ao longo do século


XX.

Segundo Neill Summerhill e Ratier, defensores de cada um dos modelos têm-se


confrontado desde, pelo menos, a pioneira experiência da Summerhill School, e os
debates acontecem sempre na tentativa de impor um ou outro modo de ensinar.

Os debates sobre as diferentes propostas educacionais ocorrem da seguinte forma:

Os proponentes do modelo tradicional são frequentemente acusados de:

• oferecer um ensino ineficaz e alienante, tendente a reproduzir e


reforçar os mecanismos de dominação hierárquica que estruturam
a sociedade e
• impedir a criatividade e a imaginação em nome do conformismo e
da padronização.

Os proponentes de modelos alternativos são frequentemente incriminados de:

• propor um ensino sem substância;


• adotar uma visão equivocada da individualidade como valor
absoluto, que impede a efetiva transmissão intergeracional do
saber, e
• formar potencialmente ignorantes autocomplacentes, incapazes de
atuar, produtivamente, no âmbito coletivo.

Sugestão de leitura

Clique no ícone para acessar sugestões de leitura sobre tensão entre propostas
opostas.
Assim como os personagens de Kingsfield e Keating, as acusações também são
caricatas e reduzem, impiedosamente, a complexidade e a riqueza de cada um dos
modelos, pois são simplificações poderosas. Talvez sejam mais eficientes em
convencer-nos dos defeitos alheios que dos méritos próprios.

O resultado é um sentimento de fracasso do projeto educacional como um todo, vindo


da incapacidade absoluta de os modelos existentes oferecerem uma resposta
satisfatória às necessidades do mundo contemporâneo.

Em toda parte, repetem-se os lamentos sobre a queda da qualidade do ensino e sobre


a indigência intelectual de cursos e egressos.

Nos termos de Lyotard, há uma sensação de que faliu a grande narrativa que dava
sentido à educação.

4.5 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.
UNIDADE 5
Modelo de protagonismo do aluno

No modelo de protagonismo do aluno, o objetivo do professor passa a ser criar


condições para que o aluno aprenda por si mesmo e para que desenvolva as suas
próprias estratégias de construção do saber.

5.1 Aluno como sujeito do processo de ensino-


aprendizagem

Para aproveitar os achados e os enganos de cada modelo educacional, propostas de


síntese dos modelos foram formuladas – tanto no campo teórico quanto no prático.

Muitas delas postulavam que a síntese entre a prevalência do objeto universal e a


liberdade do sujeito singular deveria ter o protagonismo do aluno como pedra de
toque.

Como objetivo universal, podemos mencionar a objetividade e o rigor da informação


de Kingsfield.

Como liberdade do sujeito singular, podemos citar a subjetividade de Keating.

Essas propostas sustentavam que o sistema educacional como um todo e cada


instituição em particular deveriam estruturar-se a partir de uma visão do aluno
como sujeito do processo de ensino-aprendizagem.

Paulo Freire, John Dewey, Jean Piaget e Lev Vygotsky são apenas alguns dos teóricos
que formulam sua reflexão sobre o processo educacional a partir do ponto de vista
daquele que aprende.

5.2 Professor como facilitador

Pensar o processo educacional a partir do ponto de vista daquele que aprende


envolve a compreensão do aluno em dois níveis:

1
no nível da sua condição concreta de vida e
2
no nível das suas peculiaridades históricas, psicológicas e sociais.

Essa compreensão ampla é fundamental para o desenho de estratégias de


aprendizagem.

Nesse sentido, o objetivo do professor passa a ser criar condições para que
o aluno aprenda por si mesmo e para que desenvolva as suas próprias
estratégias de construção do saber.

No modelo de processo educacional, a partir do ponto de vista daquele que aprende,


é comum o professor ser percebido como um motivador ou um facilitador, como
alguém que oferece e articula oportunidades de aprendizagem.

Dessa forma, para se tornarem efetivas, as oportunidades de aprendizagem


necessitam de um movimento ativo de apropriação por parte do aluno.

Embora por vezes controvertida no universo acadêmico, a confiança na capacidade de


o sujeito aprender a partir das suas condições específicas de resposta a estímulos
externos tem vida longa e pacífica fora da universidade.

Há séculos, a crença de que o aprendiz se forma observando o mestre, realizando


pequenas tarefas e buscando soluções para dificuldades que lhe são apresentadas
tem grande força.

Comentário

Confiança na capacidade de o sujeito aprender a


partir das suas condições específicas de resposta
a estímulos externos
A prática das corporações de ofício medievais é um bom exemplo da confiança na
capacidade de o sujeito aprender a partir das suas condições específicas de resposta a
estímulos externos.

É preciso lembrar, contudo, que não se esperava que o aprendiz medieval se limitasse
a repetir, mecanicamente, o que fazia o mestre. A observação e a repetição eram
características do seu processo formativo, mas, certamente, não as únicas.

Esperava-se também que o aprendiz medieval fosse capaz de transformar e


aprimorar, pela reflexão, as práticas que observava cotidianamente.
Umberto Eco enfatiza bem essa dimensão criativa da Idade Média quando observa
que os medievais inovavam parecendo repetir, e que os modernos repetem
parecendo inovar.

Fonte: ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Rio de Janeiro: Record, 2010.

5.3 Relação entre teoria e prática

No campo do ensino jurídico, ainda hoje, há um sentimento bastante difundido de que


o Direito se aprende, fundamentalmente, na prática.

Existe a expectativa de que o sujeito, a partir do confronto entre as suas características


individuais e as demandas do mundo real, seja capaz de desenvolver-se sem que haja
um ensino prévio, formal e abstrato dos termos envolvidos em cada situação vivida.

Para alguns, o estágio profissional deveria começar o quanto antes, pois seria a base
para a formação de um jurista de qualidade. Quem abraça esse entendimento crê que
o exercício constante da reflexão sobre a prática é o responsável pelo aprendizado.

Essa perspectiva reforça, de maneira mais ou menos consciente, a tese de que


oferecer ao sujeito situações de aprendizagem é a forma mais efetiva de torná-lo
autônomo e competente no futuro.

Comentário

Estagiários na educação jurídica baseada na


prática
Geralmente, espera-se que o estagiário seja não apenas diligente e atencioso mas
também intelectualmente criativo e que consiga desenvolver-se de forma a oferecer
uma reflexão consistente sobre os problemas jurídicos.

Se, ao longo dos anos, ele não conseguir desenvolver essas habilidades, não será
contratado – ou, pelo menos, não será contratado para uma posição de
responsabilidade, que implique tomar decisões e formular estratégias de ação.

No cotidiano dos estágios profissionais, a expectativa implícita é a de que o estagiário


aprenda a articular esse tipo de ponderação crítica ainda que não haja ninguém que,
formalmente, o ensine a fazê-lo.

A visão sobre a educação jurídica baseada na prática acarreta uma consequência


importante que, muitas vezes, não é explicitada. O cerne do processo de
aprendizagem não está nem na teoria ou na doutrina – que podem tornar-se
abstrações inúteis –, nem na prática cotidiana – que pode tornar-se repetição
mecânica.

O cerne do processo de aprendizagem está na forma como o aluno articula


os termos teoria e prática, na forma como permite que cada um deles
ilumine e desafie o outro.

Essa capacidade de articulação não está na doutrina nem nos casos. Ela é uma
faculdade do sujeito que experimenta e pensa – é a habilidade que ele tem de refletir
sobre o concreto e formular hipóteses sobre o seu sentido.

Para atingir a sua plenitude, a habilidade de articulação entre teoria e prática precisa
ser desenvolvida e refinada. Em outras palavras, essa habilidade precisa ser ensinada.

5.4 Aprofundamento reflexivo individual

As propostas de ensino que têm por base o protagonismo do aluno buscam trazer o
encontro entre teoria e prática para o interior da sala de aula e, a partir daí, qualificam
a capacidade de reflexão de cada indivíduo.

A dimensão prática é essencial para que o aluno se coloque como sujeito diante da
complexidade do mundo real, pois as questões da vida concreta e as escolhas que
fazemos têm implicações de todos os tipos.

O modo como cada aluno olha para tais questões e para as escolhas que faz é de
responsabilidade individual. Em outras palavras, são as opções de fundo que refletem
o percurso e os valores de cada um.
Uma das dimensões que os métodos participativos buscam incorporar é a
ideia de que cada aluno é protagonista da sua história cotidiana, tanto no
âmbito pessoal quanto no profissional. As questões da vida cotidiana
podem ter implicações éticas, econômicas, políticas, sociais, psicológicas,
entre outras.

Deixados à própria sorte, os alunos têm como limite para a sua apreensão e
teorização do real o repertório de estratégias cognitivas que conseguiram desenvolver
individualmente. Esse repertório, na maioria das vezes, é composto de matrizes
fundamentais de pensamento que caracterizam e dão um grau de unidade aos grupos
sociais.

As matrizes partilhadas (senso comum) são incapazes de problematizar e enfrentar,


com profundidade e eficiência, os desafios da vida concreta. É preciso, portanto, que o
aluno seja auxiliado a ampliar e qualificar a sua capacidade de reflexão.

Clique nos números para entender melhor a ideia de aprofundamento reflexivo


individual.

1 A ampliação e a qualificação da capacidade de reflexão não podem acontecer de fora


para dentro, isto é, não podemos aprender a pensar se outros pensam por nós.

2 A proposta do protagonismo do aluno solicita, dessa forma, que o professor adote


estratégias específicas, que propiciem a cada aluno construir o seu caminho de
aprofundamento reflexivo.

12A ampliação e a qualificação da capacidade de reflexão não podem acontecer de


fora para dentro, isto é, não podemos aprender a pensar se outros pensam por
nós.1XA proposta do protagonismo do aluno solicita, dessa forma, que o professor
adote estratégias específicas, que propiciem a cada aluno construir o seu caminho de
aprofundamento reflexivo.2X
Nesse contexto, o protagonismo do aluno não diminui a importância do professor –
embora, certamente, mude o seu sentido, uma vez que a noção tradicional de docente
como detentor de um saber substantivo e específico torna-se insuficiente para esse
modelo.

No modelo de protagonismo do aluno, a proposta é arquitetar estratégias


que permitam ao outro construir conhecimento – e construí-lo de maneira
autônoma.

Para levar o aluno a construir conhecimento de maneira autônoma, é


preciso que a sofisticação nos modos de articular uma proposta de ensino
seja somada à tradicional densidade acadêmica anterior, o que não é fácil.

Comentário
Articulação entre propostas de ensino
Talvez alguns de nós conheçamos intelectuais que sejam brilhantes fora da sala de
aula e muito menos fascinantes dentro delas. O fulgor do seu saber e o agudo das
suas reflexões encantam os alunos, mas parecem constituir objetos únicos,
irrepetíveis. A excelência daquilo que sabem fica muito além daquilo que os seus
alunos aprendem e, nesse intervalo entre o brilho do mestre e o pasmo dos alunos,
muito se perde.

5.5 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.

UNIDADE 6
Métodos de ensino

Falar de métodos de ensino é falar, sobretudo, de uma leitura sobre a relação entre o
objeto de ensino, a forma de ensiná-lo e o público a que se ensina.

6.1 Relação entre objeto, forma e público


Vamos entender melhor a relação entre o objeto de ensino, a forma de ensiná-lo e o
público a que se ensina? Clique nos números a seguir.

1. Na vida cotidiana, as pessoas distinguem diferentes sentidos atribuídos


ao conhecer.

No dia a dia, a ideia de conhecer pode surgir, variadamente, como a capacidade de:

• descrever as propriedades do objeto;


• utilizá-lo ou fazê-lo funcionar de um modo específico e
• compreender o seu sentido simbólico – político, social, psicológico, histórico,
entre outros.

2. Quando alguém me diz "Você não conhece o Carlos", pode estar querendo
dizer:

• que nunca encontrei o Carlos, que não tenho qualquer informação sobre ele,
que não sei quais são as suas feições;
• que, embora talvez o tenha visto, não sou, contudo, capaz de prever as suas
ações e reações ou
• que, embora o tenha visto e tenha certa condição de prever como ele irá agir,
sou incapaz de compreender o porquê de ele agir de um modo ou de outro –
ou seja, não o conheço porque sou incapaz de compreender os seus
sentimentos, as suas motivações e os seus valores mais profundos.

3. Do mesmo modo, nos cursos jurídicos, posso entender que alguém conhece o
Direito se:

• tem um determinado conjunto de informações sobre normas e instituições


jurídicas e sabe quais são as suas características;
• é capaz de fazer funcionar o maquinário jurídico para buscar determinados fins
e prever como se comportará, isto é, se é capaz de atuar profissionalmente ou
• articula uma leitura crítica do Direito tanto na sua dimensão interna, sistêmica,
quanto em relação a outros sistemas e a outras práticas sociais.
• De modo bastante esquemático, podemos dizer que a leitura desses
elementos pode assumir três configurações principais:

• saber

• Entendido como um conjunto bem definido de informações, conceitos ou


dados.
• fazer

• Entendido como um conjunto de práticas utilizado para agir no mundo.

• olhar

• Entendido como uma forma de problematizar a realidade.

• Na prática de sala de aula, as perspectivas saber, fazer e olhar não são


absolutas nem mutuamente excludentes.

• Postular que o meu objeto de ensino seja fundamentalmente um olhar não


significa desconsiderar que ele tenha uma dimensão prática de um fazer nem
deixar de reconhecer que ele constitui também um campo de conceitos ou de
informações conexas – ou seja, um saber.

• Quando selecionamos um método de ensino, no entanto, precisamos ter


clareza de como, para nós, articulam-se e hierarquizam-se essas perspectivas.
Tanto faz se falamos de uma aula ou de um curso.

• Alguns métodos serão mais eficientes para promover determinadas


perspectivas, outros, para promover outras.

• O elemento central na escolha do método de ensino é a avaliação do


seu potencial para a realização dos objetivos pedagógicos
pretendidos.

Exemplo
Escolha de método de ensino aplicado ao ensino
do Direito
Imaginemos, a título de exemplo, que uma professora seja convidada a elaborar um
curso sobre Direitos Humanos e a indicar a metodologia de ensino mais adequada.

A primeira pergunta que ela se colocará, provavelmente, diz respeito ao objeto do seu
curso: O que quero ensinar?

Em seguida, surgem novas questões:

• Quando digo que ensino Direitos Humanos, estou me referindo exatamente a


quê?
• O que exatamente o meu aluno deve aprender para que eu diga que ele
conhece Direitos Humanos?
A partir das respostas dadas a essas questões fundamentais, a professora vai fazer
outra série de perguntas a si mesma.

Dessa vez, as perguntas são relativas à melhor estratégia, ao melhor método para
levar os alunos a apreenderem o objeto segundo a perspectiva que ela privilegia:

• Será que o melhor caminho é ensinar, exaustivamente, toda a legislação sobre


Direitos Humanos – ou seja, todas as leis, os tratados, as regulamentações e os
documentos pertinentes?
• Será que isso é o principal, será que é o bastante?
• Será que devo priorizar o ensino das formas pelas quais o aluno poderá atuar,
profissionalmente, em defesa dos Direitos Humanos?
• Devo prioritariamente trabalhar para torná-lo capaz de impetrar um ‘habeas
corpus’, de acionar efetivamente o Judiciário?
• Será que o mais importante é fazer com que o aluno desenvolva uma leitura
crítica desse tema, que entenda os Direitos Humanos, por exemplo, a partir da
perspectiva mais ampla das relações entre indivíduo, sociedade, Estado e
Direito?

O mais provável é que a docente faça escolhas que apresentem uma mistura de tudo
isso. Haverá, em momentos e atividades diferentes, pesos diferentes para a dimensão
do saber, do fazer e do olhar.

6.2 Priorização do objeto de ensino

Ao desenharmos aulas ou cursos, devemos ter clareza da opção que, como


professores, fazemos com relação a cada momento. É inevitável que façamos tais
opções.

Essas opções – e, portanto, o modo de construir cursos e aulas – não são


consequência do nosso objeto de ensino, mas sim definidoras desse objeto.

É nosso olhar como professor que define a substância daquilo que ensinamos.
Precisamos saber, claramente, qual é o nosso olhar como professor, quais são os seus
fundamentos e fazê-los claros para os alunos.

Os alunos devem compreender quando e por que priorizamos a dimensão


do saber, do fazer ou do olhar.

A priorização de determinada concepção do objeto de ensino tem consequências


metodológicas muito práticas e importantes.

Clique em cada objeto de ensino para saber mais.

SABER
prioridade prioridade método e método escolhido scolhido

Transmissão de informações nas Como o professor tende a priorizar a


aulas, pois, para o professor, o transmissão de informações, é possível que,
objeto é o repertório conceitual da em sala de aula, isso se traduza em exposição,
disciplina. leitura e explicação.

FAZER

priori prioridade dade método e método escolhido scolhido

Desenvolvimento de Como a informação é instrumental para escolha do método,


uma capacidade no mas não é a preocupação central, o professor pode fazer
aluno. escolhas metodológicas diversas, como exposição, leitura,
explicação, além de atividades práticas e exercícios.

OLHAR
prioridade prioridade método e método escolhido scolhido

Desenvolvimento de uma Com o repertório de métodos de ensino mudando de


habilidade ou um modo de configuração, o professor pode assumir o formato de
pensar no aluno. um problema ou de uma simulação.

6.3 Construção de um programa de ensino

Vale a pena apresentarmos e discutirmos métodos de ensino específicos graças à


conexão visceral existente entre as propostas metodológicas e as formas de ver o
próprio objeto e o processo de ensino-aprendizagem.

Os métodos de ensino não são fórmulas, receitas neutras ou práticas que possam ser
mecanicamente aplicadas.

Os métodos de ensino são a tradução concreta de leituras específicas de


saber, de ensino-aprendizagem e de universidade.
Assim como outras construções teóricas, os métodos de ensino se desdobram em
práticas e exigem uma apropriação crítica cuidadosa bem como uma estratégia de
implementação que dê conta das peculiaridades de cada contexto.

Vejamos, a seguir, um vídeo sobre escolhas fundamentais na construção de um


programa de ensino. Depois que o vídeo carregar, clique em play.

ESCOLHAS FUNDAMENTAIS
- JUSTIFIUE O PORQUE DESSA ESCOLHA.
PORQUE ESSA OPÇÃO?
PORQUE ESSA É A MELHOR?
EXEMPLO DAS OPÇÕES: LEI, DOUTRINA OU DECISÕES.

6.4 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.
UNIDADE 7
Métodos participativos

O que confere a unidade dos métodos de ensino participativo é o fato de abraçarem a


noção central de que o aluno é o sujeito do processo de ensino-aprendizagem.

7.1 Métodos de ensino participativo

A opção pela proposta de ensino cujo sujeito do processo é o aluno demanda uma
reflexão muito detida sobre a forma como implementar, consistentemente, essa
proposta.

Nessa reflexão sobre o método, não falamos sobre o método em abstrato, descolado
do seu objeto ou das suas condições de aplicação, mas sobre o método que traduz, na
sua formulação e lógica de aplicação, a sofisticação do olhar a partir do qual o
professor concebe o seu objeto.
No ensino jurídico, a proposta envolve uma reflexão sobre métodos que
articulem uma síntese consistente entre as leituras que cada docente faz do
Direito, do saber e do ensino.

Ao longo do tempo, foi gerado um conjunto de propostas que podem ser reunidas
sobre a rubrica métodos de ensino participativos. Esse conjunto de propostas deriva
dos esforços:

• para construir uma síntese consistente entre as leituras que cada docente faz do
Direito, do saber e do ensino e
• para traduzi-las em uma metodologia que corresponda às suas premissas.

Frutos de reflexão constante e reavaliação crítica, os métodos de ensino participativo


constituem um conjunto mutável, que se expande e se modifica continuamente.

O prestígio atribuído aos métodos de ensino participativo também flutua, pois está
atrelado ao prestígio das molduras conceituais que lhe servem de base.

O que confere a unidade dos métodos de ensino participativo é o fato de abraçarem a


noção central de que o aluno é o sujeito do processo de ensino-aprendizagem.

Dessa forma, apresentam uma dinâmica em que o centro da atividade em sala de aula
está naquele que aprende.

7.2 Diálogo socrático

O diálogo socrático é um dos métodos mais frequentemente lembrados quando


falamos de ensino participativo e protagonismo do aluno. Esse método inspira-se na
estratégia pedagógica adotada por Sócrates, filósofo grego do século V a.C.

A tradição sugere que Sócrates respondia às indagações dos seus discípulos com
novas perguntas, e não com explicações definitivas.

O diálogo socrático gerava uma série de consequências relevantes, entre as quais


podemos destacar a exigência de uma postura ativa por parte do discípulo na sua
busca pelo saber, pela verdade. A crença de que não é possível que alguém aprenda
por nós e pense por nós está implícita nas provocações do diálogo socrático.

A recusa em oferecer uma resposta pronta e acabada impede a atitude passiva


daqueles que desejam descansar, tranquilamente, no magister dicet. Em outras
palavras, daqueles que desejam os frutos – mas não o processo – da reflexão
desenvolvida por outrem.

A consequência de que o método socrático exigia do discípulo uma postura ativa na


sua busca pelo saber é frequentemente esquecida quando discutimos esse método de
ensino.
O diálogo socrático centra-se, sobretudo, nas formas de pensar, de como o
aluno estrutura as suas ideias e de como ele desenvolve os seus
argumentos.

Em um primeiro momento, o diálogo socrático se importa menos com a precisão


substantiva dos conceitos e mais com as etapas do raciocínio que levaram à
construção de tal conceito.

Imprecisões conceituais seriam reflexos de um modo imperfeito de pensar. Se o


pensar for aperfeiçoado, tais imprecisões tendem, naturalmente, a desaparecer,
sendo corrigidas por um raciocínio mais qualificado.

Na prática, no entanto, podemos identificar graus diferentes de ênfase nas exigências


de correção conceitual e articulação argumentativa.

Enquanto alguns professores são mais rigorosos com a pertinência substantiva dos
argumentos, outros estão menos preocupados com isso.

Há duas propostas básicas de aplicação do diálogo socrático. Clique em cada uma


delas para conhecê-las.

STRICTO SENSU
diálogo socrático stricto sensu

O diálogo socrático stricto sensu, inicialmente, atribui importância bastante reduzida à


precisão conceitual.

Aqueles que aplicam o método socrático desse modo priorizam levar o aluno a
entender a dinâmica, os limites e as contradições do seu modo de raciocinar e
argumentar.

O domínio conceitual vem depois, e é maior e mais completo, pois está inserido em
uma moldura de reflexão mais apurada.

LATO SENSU
diálogo socrático lato sensu

O diálogo socrático lato sensu emprega a estratégia de perguntas contínuas para


atingir justamente a precisão conceitual.

Além disso, difere dos métodos tradicionais de apresentação porque:

• não estabelece o conceito como um ponto de partida, mas como um ponto de


chegada e
• conduz o diálogo com os alunos de modo a propiciar uma construção coletiva
e crítica dos conceitos, e não individual.
EXEMPLO.
Diálogo socrático stricto sensu e latu sensu
Para melhor abordarmos o diálogo socrático stricto sensu, suponhamos, a título de
exemplo, que o professor Demétrio aplique, no seu curso, essa versão do método.

Dessa forma, ele pode iniciar a sua aula perguntando, por exemplo, se é legítimo que
um laboratório farmacêutico que detém os direitos de produção de determinado
medicamento decida não o fabricar, ainda que haja pessoas que dele necessitem.

Os alunos respondem, variadamente, que sim ou que não, segundo as suas crenças, e,
possivelmente, lançam mão de conceitos como os de propriedade e interesse público.

É possível também que alguns alunos tenham uma leitura limitada (ou mesmo
equivocada) desses conceitos. Em um primeiro momento, contudo, o professor
Demétrio não vai corrigi-los nem apresentar-lhes uma conceituação precisa.

Por meio de repetidas perguntas, Demétrio vai fazer os alunos refletirem sobre as
premissas dos seus argumentos, sobre as contradições dos seus postulados, a
inconsistência das suas articulações causa-consequência, etc.

Muitas vezes, isso leva ao aperfeiçoamento dos conceitos envolvidos – no caso,


propriedade e interesse público. Isso acontece porque é evidente a insuficiência das
formulações iniciais para darem conta das dificuldades geradas pelas perguntas do
professor. Nessa versão do diálogo socrático, o objetivo central não é esse.

O objetivo central é aprimorar a consciência e o entendimento que o aluno tem do seu


repertório de construções argumentativas e de formulações conceituais, o modo
como articula, por exemplo, o concreto e o abstrato, o particular e o universal, o
gênero e a espécie, a forma como entende uma condição e estrutura uma hipótese.

Dessa forma, ao final da aula, o professor não se sentirá obrigado a definir os


conceitos – mas poderá fazê-lo, se desejar. Afinal, o seu objetivo pedagógico não é a
substância dos institutos, e sim o processo do pensamento.

Por outro lado, se o professor Demétrio preferisse o diálogo socrático lato sensu,
possivelmente, provocaria os alunos com perguntas do tipo:

• Mas então o direito de propriedade não é absoluto? Ou é?


• Se não é, quais são os seus limites?
• E quem os define, em que bases?

A cada intervenção, os alunos iriam aprofundando a sua reflexão e refinando a sua


compreensão do conceito.

Ao final da aula, ao contrário da modalidade stricto sensu, o professor apresentaria o


resultado da discussão coletiva.
Há, no entanto, pontos em comum com a modalidade stricto sensu. São eles:

• a exigência de uma postura ativa dos alunos na construção do conhecimento;


• a ênfase no processo de reflexão e
• a recusa em apresentar o saber como um produto acabado.

7.3 Método do caso

O método do caso é associado, frequentemente, à perspectiva do protagonismo do


aluno. Como exige uma postura ativa dos alunos na análise de decisões judiciais, é
associado à noção de ensino participativo.

O objetivo do método do caso é aperfeiçoar o raciocínio jurídico. Para isso,


solicita que os alunos analisem, criticamente, decisões dos tribunais em
casos reais.

No método do caso, cada decisão deve ser meticulosamente dissecada, para que se
possam conhecer as suas partes constitutivas e a forma como essas partes se
relacionam.

A eleição de um objeto jurídico concreto como ponto de partida é um elemento


central dessa proposta de ensino.

A perspectiva didática do método do caso se estrutura a partir da crença de que as


decisões judiciais devam receber o mesmo tratamento metodológico que as ciências
duras aplicam aos seus objetos.

Dessa forma, sentenças e acórdãos devem ser tratados como espécimes a serem
analisados, e o jurista deve debruçar-se sobre eles com o mesmo cuidado e o mesmo
viés investigativo dos seus colegas de áreas como a Botânica ou a Física, por exemplo.

Sugestão de leitura
Para saber mais sobre método do caso, leia:

• RAMOS, Luciana de Oliveira; SCHORSCHER, Vivian Cristina. Método do caso. In:


GHIRARDI, José Garcez. (org.). Métodos de ensino em direito: conceitos para
um debate. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 49-60.

A partir da análise de casos específicos e da observação de constâncias e
regularidades, é possível estabelecer os princípios gerais que norteiam o Direito.
• Essa proposta não sugere que se ilustre um conceito a partir de um caso, mas
que se adote um modo específico de ensinar a partir desse caso.
• Se a função for meramente ilustrativa, a primazia ainda será da conceituação
abstrata sobre a observação concreta. Langdell buscava evitar que um caso fosse
tomado como exemplo ilustrativo ao longo de uma exposição conceitual.
• O método do caso rejeita a tradição retórica e propõe uma reversão
absoluta das premissas básicas que caracterizam o antigo modo de
exposição.
• Afinal, baseia-se na postura ativa por parte do aluno, no seu engajamento direto
com a análise do real, e não na recepção passiva de conceitos apresentados.

Comentário
Emprego de um caso como exemplo ilustrativo ao
longo de uma exposição conceitual
Em algumas situações, ao longo de uma exposição conceitual, o professor lança mão
de um exemplo ocorrido no seu escritório para esclarecer melhor o instituto jurídico
de que está tratando e para tornar as ideias abstratas mais acessíveis ao homem
comum.

Nessas situações, ele não está aplicando o método do caso, embora possa estar
utilizando um bom recurso pedagógico. Ele está aplicando o modelo clássico da
exposição, que recorre a exemplos para tornar-se mais atraente, para "dar mais
colorido" ao discurso.

Os oradores gregos e os pregadores medievais também ilustravam as suas elocuções


com diversos exemplos para dar graça ao que diziam – o famoso verbi gratia dos
textos jurídicos.

A postura ativa por parte do aluno é central para que ele apreenda tanto o repertório
teórico quanto a forma de pensar que caracterizam o Direito.

Além disso, propicia, sobretudo, o desenvolvimento da capacidade de avaliar a


qualidade de tratamento jurídico que os tribunais deram ao caso concreto, inclusive, a
partir dos questionamentos aplicados ao caso. Por exemplo:

• As normas aplicadas são cabíveis, consistentes com o funcionamento geral do


sistema dentro do qual se inserem?
• Haveria outras linhas de enquadramento capazes de produzir soluções
juridicamente mais sólidas ou mais eficazes?
• As etapas e os instrumentos processuais utilizados são pertinentes e
eficientes? São os mais adequados para dar conta desse caso específico?

A aposta central do método do caso é a de que, ao examinar um caso concreto após o


outro, o aluno desenvolva, gradualmente, um entendimento do funcionamento geral
do sistema jurídico, das suas características e da sua dinâmica.

Comentário
Críticas e controvérsias referentes ao método do
caso
Dadas a sua longa história e a sua ampla aplicação, não é surpresa que o método do
caso tenha-se tornado alvo de críticas e controvérsias.

No entanto, entre acusações de que reduz o entendimento do Direito àquilo que os


tribunais decidem e defesas de que é um modelo ainda produtivo de gerar
conhecimento jurídico, a proposta de Langdell segue sendo uma referência nos
debates sobre ensino jurídico.

7.4 Role-play

Um terceiro método bastante adotado na perspectiva participativa é o role-play.

Segundo Gabbay e Sica, o role-play propõe que cada aluno adote um papel – ou ponto
de vista – e atue, juridicamente, a partir dele. O seu objetivo é desenvolver a
capacidade de formular e desenvolver soluções e instrumentos mais adequados a um
conjunto específico de interesses.

O método role-play tem como premissa o fato de que o conhecimento


jurídico tem por finalidade a ação sobre o real. Esse real é constituído por
interesses diversos – algumas vezes, convergentes e, outras vezes,
conflitantes.

Ao solicitar que se adote um papel, o método role-play exige que cada aluno seja
capaz de avaliar imediatamente o repertório de caminhos jurídicos possíveis para a
promoção de um fim específico.

Isso demanda um domínio conceitual sólido e a capacidade de articular conceitos com


o fim específico que se pretende atingir – tanto jurídico quanto extrajurídico.

Desse modo, o role-play incorpora ao espaço de sala de aula uma noção de


contingência muito recorrente na prática dos escritórios.

No seu cotidiano, os advogados atuam em casos concretos, em defesa dos múltiplos


interesses dos seus clientes. Identificar e entender tais interesses, além de desenhar
uma estratégia eficiente para que possam ser atendidos, é parte constitutiva do que
esse método propõe como conhecimento jurídico.

Ao trazer essa tensão entre arsenal teórico e objetivos práticos para o espaço
universitário, o role-play busca também propiciar ao aluno a supervisão crítica de um
docente qualificado.
Esse docente deve levar a classe a uma reflexão mais sofisticada sobre a prática, a
lógica das escolhas feitas, os seus limites e as suas consequências.

Exemplo

Tarefa do método role-play


Como exercício atrelado ao método role-play, o professor pode pedir, por exemplo,
que os alunos escrevam uma petição ou preparem-se para uma audiência de
conciliação e julgamento adotando o ponto de vista do réu.

Sugestão de leitura
Para saber mais sobre role-play, leia:

• GABBAY, Daniela Monteiro; SICA, Ligia Paula Pires Pinto. Role-play. In:
GHIRARDI, José Garcez (Org.). Métodos de ensino em direito: conceitos para um
debate. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 73-88.

7.5 Simulação

Segundo Gabbay e Sica, a mímese do cotidiano trazida pelo role-play é ainda mais
radical na simulação. A simulação também supõe que cada aluno – ou grupo de
alunos – adote um papel, exatamente como no role-play.

A diferença entre o role-play e a simulação é que o foco central da simulação é o modo


como os alunos se portam na interação entre os diferentes atores. Clique nas abas
para visualizar mais algumas diferenças.

role-play

O role-play propõe ao aluno a adoção de um ponto de vista, da defesa de um grupo de


interesses.
No entanto, o role-play se preocupa, sobretudo, com a adequação dos meios
propostos aos fins pretendidos. Para que esses objetivos sejam atingidos, é possível
que haja diferentes papéis em sala de aula – apesar de não ser necessário.
O professor pode pedir que todos os alunos adotem, por exemplo, a posição do
Ministério Público em uma ação para depois compararem as soluções sugeridas por
cada um deles.

O role-play centra-se, por assim dizer, na lógica interna da solução jurídica elaborada e
na sua adequação à situação concreta.
simulação

A simulação, por sua vez, busca desenvolver, sobretudo, aquelas habilidades


necessárias a uma interação bem-sucedida entre os diversos atores.

A simulação requer que cada participante desenhe uma estratégia de ação.

No entanto, o seu objetivo pedagógico é menos o de avaliar a consistência interna de


tal estratégia e mais o de desenvolver a capacidade de adequá-la segundo as
exigências que emergem do seu confronto com interesses e estratégias contrárias.
A submissão dos alunos a um aspecto de imprevisibilidade é um elemento
central para a realização da simulação.

A simulação pretende desenvolver a capacidade de ativar, segundo as solicitações do


momento, o conhecimento teórico e as estratégias práticas que foram construídas em
outros momentos do curso.

A simulação é um método eminentemente relacional, e o seu foco recai sobre três


aspectos:

1 a qualidade jurídica da atuação de cada um dos envolvidos;


2 a forma como negociam o espaço de conflito e
3 o modo como entendem e exploram o papel institucional que lhes cabe.

7.6 Método Baseado em Problemas (PBL)

O Método Baseado em Problemas (em inglês, Problem Based Learning – PBL) abraça a
mímese de situações reais como melhor caminho para o ensino. Para isso, propõe que
os alunos sejam desafiados com um problema concreto, complexo, cujas possíveis
soluções determinem impactos diversos para as partes envolvidas.

O objetivo do PBL é desenvolver as habilidades de ler cenários amplos, identificar


potencialidades e pontos de tensão. Isso envolve o que diz respeito tanto aos limites
materiais objetivos quanto às vontades em oposição.

O aluno deve ser capaz de fazer a lógica do Direito dialogar com as lógicas
concomitantes da Economia, da Política, etc.

O PBL requer que as soluções jurídicas sejam avaliadas em relação a outras


soluções possíveis.

Quanto à aplicação do método, é possível perceber algumas similaridades com os


modelos role-play e simulação, pois, assim como nesses casos, o professor geralmente
solicita que os alunos enfrentem o problema a partir de um ponto de vista específico.
No entanto, o PLB não direciona ou circunscreve as soluções possíveis ao âmbito
jurídico ou judicial. Ele apresenta aos alunos um conjunto amplo de informações e um
rol definido de interesses afetados, demandando que se engendre uma solução
factível, ou seja, uma solução aceitável por todos os envolvidos e realizável na prática –
seja por meios jurídicos, seja por meios extrajurídicos.

Exemplo

Ponto de vista específico


O ponto de vista específico solicitado pelo professor pode ser o do próprio aluno,
como: Que solução ele acredita, pessoalmente e como profissional, ser a mais
adequada para esse imbróglio?

Pode ser também um ponto de vista sugerido pelo professor: Qual é a solução factível
mais adequada para os exportadores de suco de laranja?

7.7 Métodos participativos ‒ semelhanças

Para a eficácia na sua aplicação, os métodos participativos apresentam semelhanças,


entre elas, a exigência de:

• engajamento permanente dos alunos e

• preparação meticulosa por parte do professor.

No entanto, a demanda por um envolvimento ativo, não raro, torna-se


fonte de resistência à aplicação do método.

Muitos alunos alegam que não têm tempo para se preparar com antecedência ou que
chegam muito extenuados à sala de aula. Em contrapartida, muitos professores
expressam uma visão semelhante sobre os limites que a prática cotidiana impõe à
viabilidade de uma proposta de ensino que solicita trabalho constante.

Essas considerações são pertinentes e mostram a preocupação necessária com as


condições concretas de ensino.

Comentário
Dificuldades na aplicação dos métodos
participativos
A preocupação com as condições concretas de ensino é necessária, mas não é
verdadeiro que precise ter como decorrência lógica ou necessária a crença na
inviabilidade dos métodos participativos para o contexto brasileiro.

Ao centrarem-se justamente na ampliação das habilidades de sujeitos concretamente


considerados, os métodos participativos apresentam enorme flexibilidade e múltiplas
formas de implementação. Isso lhes permite utilização proveitosa em condições de
ensino absolutamente diversas.

Quando bem utilizados, os métodos participativos têm sido fonte de aumento da


motivação discente e docente e da qualidade de formação geral.

A utilidade de qualquer método é uma função do objetivo pedagógico de cada


professor, em cada momento da sua atuação.

Além disso, é um instrumento dentro de uma proposta mais ampla e, por si só, é
demasiado limitado para desobrigar-nos das perguntas fundamentais: O que quero
ensinar? Por que quero ensinar?

O método tampouco nos exime de definir com clareza o que exatamente vale a pena
para nós e o que tem valor no ensino jurídico. Essa é uma resposta individual de cada
docente e deve traduzir-se também na forma como a avaliação é concebida.

Vejamos, a seguir, um vídeo sobre métodos de ensino participativo. Depois que o


vídeo carregar, clique em play.

7.8 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.
UNIDADE 8
Perspectivas, instrumentos e modalidades de avaliação

Avaliar é estabelecer uma distinção entre o que merece ser guardado e o que pode ser
esquecido ou abandonado.

8.1 Função orientadora

A avaliação é a etapa central do processo de ensino-aprendizagem, pois orienta as


expectativas dos alunos, a forma como apreendem e respondem à proposta do curso.

Além disso, sinaliza aquilo que, segundo a perspectiva do docente, realmente tem
valor.

Avaliar significa exatamente dizer o valor, determinar o que é precioso,


relevante e o que não é importante, descartável.

Quando estabelecemos um sistema de avaliação para os nossos cursos – quando


desenhamos os seus instrumentos e as suas modalidades –, estabelecemos também
uma hierarquia entre as diferentes dimensões que constituem a nossa proposta de
base – saber, fazer, olhar.
É justamente essa hierarquização que revela, em larga medida, aquilo que
acreditamos ser o sentido último dos nossos cursos.

No primeiro dia de aula, quase infalivelmente, os alunos perguntam como vai ser a
prova e a composição da nota. Tais questões não significam apenas um interesse
mesquinho, indiferente ao processo e restrito ao resultado final de aprovação ou
reprovação.

É claro que esse resultado é uma preocupação central dos alunos, e nem poderia ser
diferente.

No entanto, ao solicitar explicações sobre o sistema de avaliação, o que eles realmente


nos pedem é que orientemos os seus estudos. Essa resposta indica em que áreas ou
em que habilidades os alunos devem concentrar maior energia.

Ao explicitar o que vai ser valorado, positiva e negativamente, o professor


indica o seu entendimento a respeito dos aspectos mais importantes do
seu projeto de curso. Consequentemente, indica as suas expectativas em
relação aos alunos.

Etapa fundamental do processo de ensino-aprendizagem, a avaliação apresenta as


mesmas características que dão forma às outras dimensões desse processo. Clique
nos números para visualizar mais algumas características da avaliação.

1. A avaliação resiste a simplificações, a fórmulas mágicas, a receitas


prontas, exigindo, pelo contrário, que cada docente formule as suas
próprias soluções e seja capaz de justificá-las como as melhores para o
curso concreto que ministra.
2. As opções individuais são necessariamente diferentes. O seu papel é
revelar a diversidade de olhares e o antagonismo de crenças que tornam
tão rico o debate sobre a educação e a prática na sala de aula.
3. A avaliação não pode ser considerada um não problema, uma atividade
neutra a ser implementada de forma mecânica ou acrítica. Isso
empobreceria irremediavelmente a nossa atuação como docentes.
4. A avaliação reflete os nossos valores educacionais fundamentais e revela,
de modo inequívoco, o modo como nos posicionamos frente ao processo
educativo.
5. A avaliação revela o nosso posicionamento perante o papel que devemos
desempenhar.

8.2 Critérios de avaliação

Os critérios que irão nortear a avaliação devem ser estabelecidos o quanto antes e de
forma clara.
Para realizar uma síntese da nossa visão sobre o processo de ensino-aprendizagem,
devemos, logo no primeiro encontro, sinalizar aos alunos sobre as seguintes
informações:

1
Programa de curso ‒ esclarecer os recortes de temas e conteúdos que julgar
pertinentes.

2
Metodologia

3
Sistema de avaliação ‒ discutir os critérios de avaliação para que todos saibam que
postura frente ao conhecimento será privilegiada.

Atenção!

A falta de reflexão e clareza sobre os objetivos e os critérios de avaliação, não raro,


traduzem falta de reflexão e clareza sobre o próprio curso.
A definição de critérios que nortearão a avaliação não importa apenas pela sua
dimensão de índice de perspectiva didática nem pela dimensão mais teórica de que se
reveste.

Essa definição também gera consequências absolutamente práticas, uma vez que
determina os instrumentos, as modalidades e os momentos avaliativos.

Algumas perguntas frequentes em sala de aula são as seguintes :


8.3 Dimensão ampla da avaliação

Os critérios, as perspectivas, os objetivos, os instrumentos, as modalidades e os


momentos de avaliação devem ser pensados com grande cuidado.

A prática mais corriqueira tende a reduzir ou ignorar essa dimensão mais ampla do
processo avaliativo. Navegue pelas setas para conhecer dois fatores dessa redução.

Limitação do alcance do processo avaliativo no que tange aos seus atores

No cotidiano, é comum que se assuma, tacitamente, que o único ator que está sendo
avaliado é o aluno.

Proposta de que o que se avalia é o quanto de saber cada discente conseguiu


apreender

O fato de encontrarmos, com relativa facilidade, professores que se vangloriam de


reprovar muitos alunos nas suas disciplinas é um testemunho do aspecto corriqueiro
desse entendimento.

Comentário

Satisfação pelo alto índice de reprovação


Alguns professores se gabam de serem considerados durões ou carrascos. No seu
entendimento – talvez um pouco à moda Kingsfield –, um percentual elevado de
fracasso discente é índice da sofisticação do seu modo de pensar.

Alguns consideram que seja um testemunho do seu compromisso inquebrantável com


o rigor acadêmico. Não supõem que o fracasso dos seus alunos possa representar
outra coisa senão a sua própia inépcia intelectual para dar conta das demandas
propostas.

Sob esse ponto de vista, temos que o curso é bom, o professor é bom, os alunos é que
são ruins. Para se sustentar essa visão, o docente precisaria:

• restringir drasticamente o escopo que se atribui à avaliação e aos modos de


interpretá-la;
• ignorar que a avaliação é resultado de um processo complexo, que envolve
diferentes atores e múltiplas variáveis, e
• ignorar o caráter dialógico da avaliação.
• A avaliação é uma atividade relacional, dialógica. Dessa forma, ela diz
tanto sobre aquele que avalia quanto sobre aquele que é avaliado.
• No contexto educacional, conhecemos muito da proposta pedagógica e da
perspectiva metodológica de um docente analisando a perspectiva que ele
adota para avaliar.

• Para tanto, devemos considerar aquilo que o professor:


• Vejamos, a seguir, um vídeo sobre avaliação. Depois que o vídeo carregar,
clique em play.

A AVALIAÇÃO É MERAMENTE CERTIFICATÓRIA E TEM O OBJETIVO DE ME REVELAR SE O


ALUNO CONSEGUIU APRENDER O QUE FOI DADO AO LONGO DO CURSO.

8.4 Perspectiva certificatória

Uma das maneiras mais comuns de se entender a avaliação é na sua dimensão


certificatória, segundo William e Black, também chamada de somativa.

Segundo esse olhar, a função da avaliação é, em primeiro lugar, verificar o grau de


aprendizagem atingido pelos diferentes alunos.

Em seguida, presta-se a certificar que alguns estão aptos a prosseguir porque


atenderam, satisfatoriamente, aos requisitos do curso, enquanto outros, não.

Frequentemente, a avaliação ocorre ao final do curso e, não raro, ocorre em um único


momento, prestando-se a examinar um produto, não um processo.

Nos cursos de Direito, ministra-se, tipicamente, uma prova dissertativa.

Sugestão de leitura

Para saber mais sobre dimensão certificatória, leia:


• WILLIAM, D.; BLACK, Paul. Meanings and consequences: a basis for
distinguishing formative and summative functions of assessment?, British
Educational Research Journal, v. 22, n. 5, pp. 537-548, dez. 1996.
• A avaliação sob a dimensão certificativa, frequentemente, associa-se à noção
de saber objetivo. Isso é feito de tal forma que leva a mensurar o nível de
atendimento individual das demandas do curso com grande precisão (50%,
75%, 63%).

• Esse tipo de avaliação também considera desnecessário fornecer um retorno


avaliativo periódico aos discentes. Isso acontece porque se entende que a
responsabilidade primordial por monitorar o processo de aprendizagem é
deles, e não do professor.

• Segundo a avaliação somativa ou certificativa, cabe ao professor apresentar,


paulatinamente, os elementos que permitirão aos alunos formularem um
produto final satisfatório.

• A mensuração do grau de evolução do aprendizado não está ao


encargo do professor ou ao menos não o suficiente para traduzir-se
em momentos formais de avaliação e reflexão.

• A dimensão certificatória restringe o objeto da avaliação à mensuração do


desempenho do aluno. Ela não se destina a medir a eficácia do processo nem a
qualidade da contribuição docente, mas sim o grau de resposta
discente. Segundo a dimensão certificatória, muitas vezes, é desnecessário que
o docente corrija, ele mesmo, a avaliação que elaborou.

Como a avaliação não diz nada sobre o curso, mas apenas sobre os alunos, não
haveria motivo para que a aferição de desempenho seja efetuada pelo professor. A
sua tarefa termina com a elaboração do instrumento de avaliação.

A correção, muitas vezes, fica a cargo de assistentes ou estagiários.

O professor é formalmente responsável por certificar. No entanto, não lhe é exigido


verificar, pessoalmente, a forma como os seus alunos buscaram responder às suas
demandas.

A dimensão certificatória da avaliação é, indiscutivelmente, muito importante, mas


deve ser ministrada com cautela. A educação se dá em um espaço público e, por isso,
as instituições de ensino têm duas funções centrais:

• indicar para a sociedade o grau de mestria dos seus egressos e


• impedir que sejam certificados aqueles que não apresentam níveis aceitáveis de
competência.

Atenção!
Caso a dimensão certificatória seja transformada em dimensão única, tal perspectiva
poderá empobrecer substancialmente a potencialidade educativa da avaliação.
Falar sobre o aluno, e não para o aluno, faz com que as possibilidades de reflexão
discente sobre os seus próprios resultados sejam reduzidas ou descartadas.

Desse modo, a avaliação contribui pouco para que o próprio aluno se transforme a
partir da análise do seu trabalho.

8.5 Perspectiva formativa

A perspectiva formativa da avaliação foi adotada em resposta às limitações


da dimensão certificatória.

Na proposta formativa, o objetivo da avaliação é, antes de qualquer coisa, avaliar para


o aluno. Em outras palavras, a proposta formativa da avaliação visa oferecer ao aluno
a ocasião de perceber em que estágio se encontra dentro da dinâmica de progressão
estabelecida pelo curso.

Dessa forma, propõe que, ao permitir que o próprio aluno pondere sobre as suas
estratégias de enfrentamento das diferentes questões e problemas, o processo
avaliativo se potencializa como ferramenta para conduzir ao objetivo pedagógico
desenhado pelo professor.

O estabelecimento de retornos avaliativos aos discentes é o elemento


central da avaliação formativa. Caso não haja esse retorno, é impossível
que os discentes possam qualificar a reflexão sobre o próprio processo de
aprendizagem.

Assim como ocorre na avaliação certificatória, a perspectiva formativa também pode


ser expressa por uma nota ou um conceito. Contudo, diferentemente da avaliação
certificatória, a perspectiva formativa supõe, para o seu funcionamento, uma
oportunidade de análise crítica ou uma reflexão sobre o modo como cada um
respondeu aos desafios propostos pelo avaliador.

As perspectivas certificatória e formativa de base podem assumir diferentes nomes e


formatos. De qualquer forma, ambas dialogam de modo importante com a forma de
se pensarem o momento (ou momentos) e os instrumentos de avaliação. Vejamos:

avaliação certificatória

A opção pela avaliação certificatória associa-se, frequentemente, a uma opção por um


único momento avaliativo e pela avaliação de um produto.
avaliação formativa

A avaliação formativa geralmente traduz-se pela atenção dada ao processo, que, para
materializar-se, necessita forçosamente de diferentes momentos, instrumentos e
modelos.

O olhar sobre a avaliação, na perspectiva certificatória, articula-se com a opção por um


momento singular, ao final do curso. Na sua visão quantitativa, a avaliação supõe que
o processo de aprendizagem seja a gradativa acumulação de conhecimentos objetivos.

Clique nos números a seguir para compreender essa visão.

1 As etapas intermediárias têm importância reduzida porque, em si mesmas, elas


significam pouco ou nada, uma vez que, isoladamente, não credenciam o aluno ao
desempenho que lhe fará merecedor da certificação.

2 A acumulação de conhecimentos objetivos seria destinada a capacitar o aluno a


produzir, ao término do percurso, um produto específico.

Comentário

Opção pela avaliação ao fim do curso


A opção pela avaliação ao fim do curso não significa que o professor não se preocupe
com o processo de aprendizagem dos seus alunos.

Isso significa apenas que ele não acredita que seja importante avaliar formalmente tal
processo. Também significa que ele acredita ser possível estabelecer a proficiência de
diversos alunos, com segurança, pela aplicação de um único instrumento e em um
único momento.

Pluralidade de instrumentos
A perspectiva formativa se ocupa daquilo que se conhece e da forma como se
conhece. Além disso, tem como objetivo permitir que os discentes reflitam sobre a sua
capacidade global de resposta, a sua capacidade global de aprender.

Para tanto, é fundamental que os instrumentos sejam variados. Desse modo, os


discentes podem observar como se saem e o quanto desenvolveram as diferentes
habilidades e capacidades que, no conjunto, compõem a sua competência geral para a
construção do saber.

A perspectiva formativa abarca uma diversidade de momentos e também uma


pluralidade de instrumentos de avaliação – provas, debates, role-plays, seminários,
simulações, etc.
Segundo a perspectiva formativa, cada discente deve poder, por meio da reflexão,
aprimorar o seu desempenho. Dessa forma, não faz sentido oferecer uma
oportunidade de avaliação apenas ao final do percurso. Isso frustraria justamente a
possibilidade de retomada e aperfeiçoamento que está no centro dessa proposta.

Atenção!

O aperfeiçoamento se dá pela articulação de habilidades múltiplas.

8.6 Percepção dos sujeitos examinados

As duas perspectivas básicas sobre o processo de avaliação (certificatória e formativa),


o seu objeto e os seus atores tendem também a afetar o modo como se percebem os
sujeitos diretamente examinados pelo instrumento de avaliação.

Clique em cada uma das perspectivas para saber um pouco mais sobre a percepção
da sua avaliação.

CERTIFICATÓRIA
A perspectiva mais tradicional (certificatória) costuma privilegiar avaliações individuais.
A exceção mais costumeira a essa regra é o seminário.

O seu propósito é certificar que cada aluno, individualmente, seja capaz de atender,
adequadamente, às demandas do curso.

Desse modo , não faz sentido desenhar uma avaliação em que as individualidades se
confundam. Isso poderia, no limite, tornar impossível a verificação, com segurança, da
relação aluno-produto, fundamento da proposta certificatória de avaliação.

FORMATIVA
A perspectiva formativa de avaliação tende a reservar mais espaço para trabalhos e
avaliações em grupo.

Essa perspectiva incorpora a habilidade de interagir produtivamente com os outros


como elemento importante de formação.

Comentário

Avaliação de seminários e trabalhos em grupo


O seminário, umas das formas de trabalho em grupo, tem longa história nos nossos
cursos jurídicos. Geralmente, o modo como ele é trabalhado reforça, mais que
desmente, o olhar centrado no produto e na avaliação individual.
Tipicamente, os docentes que abraçam o modelo certificatório não acompanham
todas as etapas de preparação do seminário. Tais etapas se dão, na maior parte das
vezes, longe dos seus olhos.

Alguns professores podem orientar os alunos topicamente. Contudo, habitualmente, a


dinâmica em si de construção do trabalho coletivo não recebe o seu
acompanhamento, a sua crítica nem a sua avaliação.

Em geral, o professor avalia apenas o resultado do seminário, ou seja, a apresentação.


Além disso, trata o grupo como uma unidade, como um sujeito único que receberá
uma nota ou um conceito também único.

A observação por parte do professor quanto ao trabalho em grupo pode ou não


traduzir-se na atribuição de uma nota ou de um conceito para cada participante. Cada
nota ou conceito será diferente do valor que se atribuirá ao produto final.

Independentemente de quantificação, o docente avalia, junto aos seus alunos, o


processo que está no centro da atividade e que aqui é entendido como parte
substantiva daquilo que se busca desenvolver e ensinar.

8.7 Síntese da unidade

A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade.
Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.

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