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A VERDADE SOBRE O RESTAURANTE!!!

Falar de restaurante é até um certo ponto um pouco embaraçoso p'ra algumas pessoas, tendo em
conta o lugar onde cresceram e o modo como foram educadas. Pisei num restaurante pela
primeira vez em 2002, aos 13 anos, na Cidade de Maputo. Tudo começou quando a minha mãe
se casou com o meu padrasto, um branco, português (pessoa de Portugal). Antes disso vivíamos
na Cidade de Xai-Xai com o nosso pai, mas depois fomos carregados no machimbombo da
extinta transportadora "Oliveiras", eu e as minhas duas lindas irmãs, p'ra viver no famoso bairro
da Sommerchield, na casa do nosso padrasto, o branco. Foi numa noite de Sábado, que a família
decidiu ir jantar no restaurante, e não foi p'ra menos, pois foi no famoso restaurante
"MIMMO'S", de origem italiana e especializado em pizza's, localizado nas imediações do bairro
"Central", p'ra quem conhece a Cidade de Maputo. Como nunca tinhamos ido a um restaurante
na vida, nem sabiamos como nos vestir e usamos roupas normais do dia-a-dia, sem saber que era
preciso usar "roupa da festa". A minha mãe e o meu padrasto já estavam lá fora e as portas do
"BMW" já estavam abertas p'ra a família sair. Ao ver que estavamos a demorar sair do quarto, a
minha mãe manda o meu padrasto tocar a buzina e começamos a sair já às pressas, sendo que a
minha irmã mais nova chegou mesmo a cair de tanta pressa. Qual não foi o espanto da minha
mãe ao nos ver vestidos de qualquer maneira! De imediato ela gritou em Changana: «XIH!
NAKO INGAKU HMONISSINGUITA JURO! FAMBANI MUYA LHIVILA A N'SILA
LEYO, MITA FAMBAKA MUNIDANISSA MINA NINGANI NUNA WAMULUNGU!», o
que traduzido p'ra o Português quer dizer: «VOCÊS DEVEM SER UNS PARANÓIAS
MESMO! VÃO JÁ TIRAR ESSA SUJIDADE DE ROUPA, ANTES QUE ME
ENVERGONHEM DIANTE DO MEU MARIDO BRANCO!». Acho que devem todos saber
que um quarto de crianças geralmente é desleixado, e o nosso quarto não era diferente, aliás eu
dormia com as minhas duas irmãs no mesmo quarto. Elas dormiam numa "beliche" (duas camas
sobrepostas em rés do chão e primeiro andar), e eu dormia numa cama simples ao lado. O quarto
estava revirado e a roupa estava toda suja...LEMBRO-ME QUE TIVE QUE USAR UNIFORME
ESCOLAR P'RA IR AO TAL DE RESTAURANTE QUE NEM SABIA O QUE ERA!!! Nós
sempre tivemos medo da nossa mãe, em vez de respeitá-la, pois aquèla Senhora batia-nos e
berrava por tudo e por nada. Parecia um verdadeiro vulcão a entrar em errupção. Chegados ao
restaurante, quando descemos do carro fiquei atrás e todos começaram a entrar e a ocupar as
cadeiras. Adivinhem qual foi a cadeira que tinha restado p'ra mim! Isso mesmo, a cadeira à frente
da minha mãe...eu estava cara-a-cara com ela. Logo chega um senhor de barba grande, o tal de
garçon, a trazer o menu p'ra escolhermos a comida. Então a minha mãe diz ao meu padrasto:
«TANAKA, DEIXE OS MIÚDOS ESCOLHEREM PESSOALMENTE O QUE VÃO
COMER». Então começamos a folhear o menu, mas sem entender nada porque nunca tinhamos
estado lá. Por ver a demora na escolha do prato a minha mãe reclama: «MHOYETLELA?
AMISWIKOTI KU LERHA? HAIN'WINA MIDONDZAKA XKOLA? MINGAFANA NA
MINA NIKA NINGAFUNDANGA?», o que traduzido p'ra Português quer dizer: «ESTÃO A
DORMIR? NÃO CONSEGUEM LER? NÃO SÃO VOCÊS QUE VÃO À ESCOLA? NÃO
ERA SUPOSTO QUE SUPERASSEM A MIM QUE NEM À ESCOLA FUI?». É engraçado que
a minha mãe sempre nos repreendia em Changana, p'ra o meu padrasto não entender nada! É
claro que conseguiamos ler, mas isso é muito diferente de perceber o que estava escrito lá. Por
exemplo eu lia "COZIDO À PORTUGUESA", "LASANHA COM NATAS", "BACALHAU
GRELHADO", etc. Eu até lia muito bem o que estava escrito, mas simplesmente não sabia o que
era lasanha, cozido à portuguesa, bacalhau, etc. Se eu nem sequer sabia o que era cozido à
portuguesa, ela esperava que eu soubesse o que era bacalhau? Na minha vida eu só conhecia
peixe carapau e peixe seco de Massingir. E quanto mais grelhado? Eu só sabia que as coisas
cozem-se, fritam-se ou assam-se no lume. Que as coisas podem ser grelhadas eu não sabia, aliás
eu nunca antes tinha ouvido a palavra "grelhado". Então a minha irmã mais velha escolheu massa
esparguete com carne moída, eu comi uma pizza e a minha irmã mais nova comeu bife grelhado
com batatas fritas e ovos estrelados. Estava criado o cenário p'ra um "stress" sem fim, quando
devia ser o contrário, ou seja, ir ao restaurante p'ra ir relaxar, comer à vontade e conversar
alegremente. A primeira vítima foi a minha irmã mais velha, que escolheu comer massa
esparguete. Ela tirava a massa do prato com o garfo e levava logo p'ra a boca, sendo que ficavam
de fora fios longos de massa. Em vez de cortar aqueles fios compridos de massa com os dentes,
ela começou a puxar pela boca até ao fim, sendo que até se ouvia o barulho da boca quando ela
puxava o ar p'ra dentro p'ra engolir toda a massa. Logo a minha mãe reagiu: «HAWENA
LAURA, A MASSA VHADLISSA SWOLESWO UDLISSAKA SWONA! AUSWIKOTI KU
TSONDZEELA A MASSA KA GARFO ANZÉ U HELA SE UGAMA U PETA KA LEXO XA
NOMO WA WENA?», o que traduzido p'ra Português quer dizer: «OLHA LAURA, A MASSA
COME-SE ASSIM COMO ESTÁS A COMER? NÃO CONSEGUES ENROLAR A MASSA
NO GARFO ATÉ AO FIM E DEPOIS INTRODUZIRES NESSA TUA BOCA?». A segunda
vítima foi a minha irmã mais nova. A carne estava rija e coitada da miúda, começou a comer os
ovos estrelados e as batatas fritas até acabar, e quase que não mexia no bife. Vendo isso a minha
mãe não demorou reagir: «SÊ LESWI UDLAKA MAZAMBANI NI MATANDZA HINKWAU
U HETA, A NYAMA UYISSIYELA MANI?», o que traduzido p'ra Português quer dizer: «JÁ
QUE ESTÁS A COMER TODOS OS OVOS E AS BATATAS DUMA VEZ, P'RA QUEM
ESTÁS A DEIXAR A CARNE?». A minha irmãzinha começou a lutar com a carne sem
conseguir e o pedaço escorregou das mãos e caiu no chão. Outras famílias que haviam ocupado
outras mesas, começaram a olhar p'ra nós como se estivessem a dizer: «MAS ESTA SENHORA
PAH! SERÁ QUE SÃO FILHOS DELA MESMO? COITADAS DAS CRIANÇAS», e quando a
minha mãe se apercebeu disso ficou envergonhada. O meu padrasto não falava nada porque
também tinha medo da minha mãe e era dominado por ela. Realmente regras sobre como comer
são ensinadas em casa, não na praça pública. Eu nunca tinha comido pizza e nem sabia como
começar a comer, razão pela qual enquanto ela ainda berrava p'ra as minhas irmãs, eu fiquei
parado sem comer, mas logo que ela se virou p'ra mim peguei imediatamente nos talheres mas
mesmo assim fiquei aflito e a tremer os pés sem saber por onde começar. Peguei na faca com
mão esquerda e no garfo com a mão direita, mas dizem que é o contrário, se você não for
canhoto. Comecei a picar os cogumelos e os outros ingredientes da pizza com o garfo. Limpei
toda a superfície da pizza usando o garfo e ficaram apas brancas sem nada. A faca ainda estava
limpa assim como o garçon a trouxe, apenas segurei-a na mão esquerda como enfeite, mas nem
sequer a usei. Como sempre que fôssemos ao restaurante eu nunca ficava sácio porque comia
com medo, tive que arranjar um plano "B" p'ra não dormir à fome nos dias em que se comia fora.
Quando soubesse que jantariamos fora, eu roubava comida e escondia em baixo da minha cama
p'ra comer à noite quando voltassemos do maldito restaurante. Este truque foi aplaudido pelas
minhas irmãs e também passaram a fazer o mesmo. Se não tivesse comida preparada
compravamos "chips", chamussas, bolachas ou pão e "badjia" (pastéis de feijão-nhemba), p'ra
comermos à noite, no regresso do restaurante, pois lá ninguém saciava. Eu odiava a palavra
"RESTAURANTE" só de ouvir, por causa deste "stress" de infância que passei na casa do meu
padrasto, o branco. Tinhamos tudo naquèla casa: comiamos do melhor, tinhamos direito a
mesada, vestiamos em lojas caras da "Shoprite" e estudavamos em escolas privadas, mas
simplesmente NÃO ÉRAMOS FELIZES PORQUE TINHAMOS UMA MÃE INFELIZ!
Tinhamos uma mãe chata que pensava que estava certa em tudo. Pensava que estava a educar-
nos da melhor maneira quando na verdade estava a viciar-nos. Tinhamos medo daquela Senhora,
ela era uma verdadeira cobra "Mamba" dentro de casa. Quando ela viajasse até cantávamos
glórias e cada minuto era aproveitado ao máximo porque sabiamos que a independência acabaria
no dia em que ela voltasse. Veja também o artigo «A VERDADE SOBRE A COMIDA»,
publicado aqui no facebook, na página "A VERDADE SOBRE", da autoria de Luka Miguel.
Próximo artigo: «A VERDADE SOBRE O PERFUME»!!!

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