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Para melhor se compreender o conceito de 'ideologia' sob a ótica marxiana, se faz necessário
primeiramente compreender o significado e a origem de tal termo. Este foi registrado pela
primeira vez pelo filósofo francês Destutt de Tracy em seu livro "Elementos de Ideologia", e
consiste na junção de duas palavras gregas: idea (aparência, protótipo ideal) e logos (estudo),
significando, por sua vez, estudo das ideias, o que representa a ideia original de De Tracy de
criar uma "ciência da gênese das ideias".
Assim como ressaltado por Terry Eagloton em sua obra "Ideologia", palavras que possuem o
sufixo "-logia" tendem a sofrer um curioso processo de inversão de significado, onde deixam de
significar o estudo de algum fenômeno para representar o fenômeno em si. Como formas de
exemplo, cita que quando se diz que "a biologia humana não comporta determinado
fenômeno", não está se referindo ao estudo do corpo humano, mas sim ao corpo em si, da
mesma forma que a geologia de um país diz respeito aos próprios aspectos físicos ao invés do
estudo dos mesmos. Nesse sentido, demonstra-se que "ideologia", deixa de se referir ao estudo
das ideias para se referir ao próprio sistema de ideias, da mesma forma que o ideólogo passa a
ser quem expunha as ideias, e não mais quem as analisava.
Nesse sentido, a ideologia, para De Tracy, surge como "uma investigação racional das leis que
governam a formação e o desenvolvimento das ideias", tendo como programa a função de
trazer para o domínio da pesquisa científica o fenômeno da análise da própria mente. No
entanto, é necessário ressaltar que o próprio conceito de ideologia nasceu em condições já
ideológicas, como uma política racional a fim de bater de frente com o irracionalismo do
Período do Terror existente durante a revolução francesa. Dessa forma, contou desde o
princípio com o apoio de Napoleão Bonaparte, o qual no entanto veio a se reverter
posteriormente quando o autoritarismo do general começa a entrar em confronto com o
liberalismo político e o republicanismo defendidos por De Tracy.
Nesse sentido, a partir do momento que as ideias passam a ser apreendidas como entidades
autônomas e dissociadas das práticas sociais, torna-se fácil naturalizá-las e distorci-las mediante
um processo de inversão, podendo ser erroneamente compreendidas como a própria origem e
fundamento da vida histórica, sendo esse, para Marx, o segredo de toda a ideologia. Assim,
Marx se opõe completamente à filosofia alemã ao afirmar que "não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência".
3. RELIGIÃO PARA MARX
“Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação
sem espírito: a religião é o ópio do povo” - Karl Marx.
Nesse momento, Marx discorda dos hegelianos que culpavam a religião por todas as desgraças
sociais de então: ele diz que a religião de nada tinha culpa pela simples razão de que ela não
fazia mais diferença alguma. Essa divergência é um reflexo da inversão que Marx faz da dialética
de Hegel quando afirma o primado da infraestrutura sobre a super estrutura, na qual a religião
se insere. Esse é, na realidade, o fundamento da crítica religiosa marxiana: o homem faz a
religião, e não a religião faz o homem.
Rubens Alves em “O Que É Religião?” faz uma comparação interessante: assim como o homem
é que faz a religião, é o fogo que produz a fumaça. Então, do mesmo modo que é impossível
apagar o fogo ao assoprar a fumaça, também é impossível mudar a realidade ao criticar a
religião.
Para Marx, bem como para Fauerbach, alienação é uma transferência de nossa consciência para
uma realidade fora de nós. Disso surge a ideia de que o plano religioso nada mais é que um
reflexo invertido do mundo material que vivemos.
Marx afirma que o homem é um animal carente. Para suprir essas necessidades, ele produz
tanto coisas materiais como imateriais. A religião é uma dessas coisas, que serve como apoio
para suportar as condições de vida. Ela surge, principalmente, porque a produção de coisas
materiais não abarca algumas questões da vida, como a morte, por exemplo.
Para Marx, a religião é uma ilusão que consola os fracos e, ao mesmo, tempo, pode ser um
instrumento para legitimar e consolidar o poder dos fortes. Assim, o pensamento religioso é
uma faca de dois gumes: quando o oprimido justifica algo como sendo “a vontade de Deus”, as
injustiças se transformam em algo inevitável produzido por um ser superior misterioso, de
modo que as condições insuportáveis sejam suportadas por meio da esperança da salvação; por
outro lado, os opressores ao pronunciarem as mesmas palavras legitimam seus privilégios e
colocam o mesmo ser superior como o responsável pela exploração conduzida por eles. Afinal,
é vontade de Deus que haja quem explore e quem seja explorado.
Por outro lado, a Teologia da Prosperidade incentiva o luxo e a riqueza. Assim, todos os fieis,
inclusive os que possuem renda mais baixa, são envolvidos pela lógica da compra, da posse, do
sucesso material. Desse modo, nessa ideologia o consumo tem papel central e, aos poucos,
passa a se confundir com felicidade para os crentes. Assim, como concluiria Marx, a IURD não
passa de um instrumento para legitimar e consolidar a ideologia da classe dominante.
Com efeito, Marx vislumbra o fim da religião: ela só existe onde há alienação. Desse modo,
quando não houverem mais opressores e oprimidos, isto é, onde desaparecer a alienação,
desaparecerá também a religião.