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1 – Pressupostos Teóricos

1.1 - Epistemologia e origem do termo "ideologia"

Para melhor se compreender o conceito de 'ideologia' sob a ótica marxiana, se faz necessário
primeiramente compreender o significado e a origem de tal termo. Este foi registrado pela
primeira vez pelo filósofo francês Destutt de Tracy em seu livro "Elementos de Ideologia", e
consiste na junção de duas palavras gregas: idea (aparência, protótipo ideal) e logos (estudo),
significando, por sua vez, estudo das ideias, o que representa a ideia original de De Tracy de
criar uma "ciência da gênese das ideias".

Assim como ressaltado por Terry Eagloton em sua obra "Ideologia", palavras que possuem o
sufixo "-logia" tendem a sofrer um curioso processo de inversão de significado, onde deixam de
significar o estudo de algum fenômeno para representar o fenômeno em si. Como formas de
exemplo, cita que quando se diz que "a biologia humana não comporta determinado
fenômeno", não está se referindo ao estudo do corpo humano, mas sim ao corpo em si, da
mesma forma que a geologia de um país diz respeito aos próprios aspectos físicos ao invés do
estudo dos mesmos. Nesse sentido, demonstra-se que "ideologia", deixa de se referir ao estudo
das ideias para se referir ao próprio sistema de ideias, da mesma forma que o ideólogo passa a
ser quem expunha as ideias, e não mais quem as analisava.

Nesse sentido, a ideologia, para De Tracy, surge como "uma investigação racional das leis que
governam a formação e o desenvolvimento das ideias", tendo como programa a função de
trazer para o domínio da pesquisa científica o fenômeno da análise da própria mente. No
entanto, é necessário ressaltar que o próprio conceito de ideologia nasceu em condições já
ideológicas, como uma política racional a fim de bater de frente com o irracionalismo do
Período do Terror existente durante a revolução francesa. Dessa forma, contou desde o
princípio com o apoio de Napoleão Bonaparte, o qual no entanto veio a se reverter
posteriormente quando o autoritarismo do general começa a entrar em confronto com o
liberalismo político e o republicanismo defendidos por De Tracy.

Dessa forma, os termos "ideologia" e "ideólogos" passam a ser dotados de um sentido


pejorativo a partir de declarações de Napoleão, em que compara os ideólogos aos próprios
metafísicos que eles tanto se esforçaram para desacreditar. Esse significado napoleônico, por
sua vez, viria a ser conservado por Marx posteriormente, ao defender que "o ideólogo é aquele
que inverte as relações entre as ideias e o real. Assim, a ideologia que inicialmente designava
uma ciência natural da aquisição, pelo homem, das ideias calçadas sobre o próprio real, passa a
designar, daí por diante, um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação real com o
real".

A partir de um novo antagonismo político entre o radical liberal de De Tracy e o reacionário


político de Napoleão, o volume final de sua obra Elements trata principalmente da questão da
economia política. Assim, essa concepção da economia política como parte de uma ciência geral
da ideologia contribui para Marx posteriormente adotar o conceito de ideologia que deixa de
ter o sentido de meras ideias abstratas para o de apologia política. Dessa forma, como
destacado por Eagleton, "o termo ideologia gradualmente deixa de denotar um cético
materialismo científico para significar uma esfera de ideias abstratas e desconexas, e é esse
significado da palavra que será então adotado por Marx e Engels".

2 – Ideologia Sob a Ótica Marxiana

Nesse sentido, a partir do momento que as ideias passam a ser apreendidas como entidades
autônomas e dissociadas das práticas sociais, torna-se fácil naturalizá-las e distorci-las mediante
um processo de inversão, podendo ser erroneamente compreendidas como a própria origem e
fundamento da vida histórica, sendo esse, para Marx, o segredo de toda a ideologia. Assim,
Marx se opõe completamente à filosofia alemã ao afirmar que "não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência".
3. RELIGIÃO PARA MARX

3.1 - A Religião como "O Ópio do Povo"

“Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação
sem espírito: a religião é o ópio do povo” - Karl Marx.

Diferentemente de Durkheim que vivenciou o enfraquecimento gradual do poder da Igreja,


Marx viveu em uma época na qual o poder religioso já havia se extinguido. Como diz Rubens
Alves em sua obra “O Que É Religião?”, o mundo do século XIX é sacralizado do começo ao fim e
só conhece a ética do lucro. Apesar de haver água benta nas inaugurações de fábricas e mesmo
que os capitalistas rezem missas pela prosperidade, o sistema capitalista ignora os elementos
espirituais.

Nesse momento, Marx discorda dos hegelianos que culpavam a religião por todas as desgraças
sociais de então: ele diz que a religião de nada tinha culpa pela simples razão de que ela não
fazia mais diferença alguma. Essa divergência é um reflexo da inversão que Marx faz da dialética
de Hegel quando afirma o primado da infraestrutura sobre a super estrutura, na qual a religião
se insere. Esse é, na realidade, o fundamento da crítica religiosa marxiana: o homem faz a
religião, e não a religião faz o homem.

Nesse sentido, o homem encontrou na “realidade fantástica do céu” apenas um reflexo


invertido de si mesmo: Marx define a religião como uma projeção da realidade terrena para um
plano superior metafísico. Esse reflexo é invertido porque o próprio mundo humano é invertido.
Assim, a religião é a autoconsciência do homem, que ainda não conquistou a si mesmo ou já se
perdeu. Desse modo, a luta contra a religião não passa de uma luta contra o próprio mundo.

Como diz Marx em a “crítica da filosofia do direito de Hegel”: o sofrimento religioso é, ao


mesmo tempo, expressão de um sofrimento real e protesto contra um sofrimento real. A
religião é o ópio do povo, suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração,
espírito de uma situação sem espírito. Os homens criam a religião em busca de uma felicidade
ilusória que possa ao menos mitigar a necessidade de uma felicidade real. No mesmo sentido, a
exigência de que se abandone essas ilusões acerca de sua condição é, na realidade, um reflexo
de algo mais urgente: a necessidade de se modificar a realidade que precisa de ilusões para ser
suportada. A crítica do céu, é, fundamentalmente, a crítica da terra. Marx não a criou para
desamparar os homens que veem na religião um refúgio, mas para desengana-los e guia-los à
razão.

Rubens Alves em “O Que É Religião?” faz uma comparação interessante: assim como o homem
é que faz a religião, é o fogo que produz a fumaça. Então, do mesmo modo que é impossível
apagar o fogo ao assoprar a fumaça, também é impossível mudar a realidade ao criticar a
religião.

3.2 Religião como alienação.

“A exigência de que se abandonem as ilusões sobre uma determinada situação é a exigência de


que se abandone uma situação que necessita de ilusões”. - Karl Marx.

Para Marx, bem como para Fauerbach, alienação é uma transferência de nossa consciência para
uma realidade fora de nós. Disso surge a ideia de que o plano religioso nada mais é que um
reflexo invertido do mundo material que vivemos.

Marx afirma que o homem é um animal carente. Para suprir essas necessidades, ele produz
tanto coisas materiais como imateriais. A religião é uma dessas coisas, que serve como apoio
para suportar as condições de vida. Ela surge, principalmente, porque a produção de coisas
materiais não abarca algumas questões da vida, como a morte, por exemplo.

Para Marx, a religião é uma ilusão que consola os fracos e, ao mesmo, tempo, pode ser um
instrumento para legitimar e consolidar o poder dos fortes. Assim, o pensamento religioso é
uma faca de dois gumes: quando o oprimido justifica algo como sendo “a vontade de Deus”, as
injustiças se transformam em algo inevitável produzido por um ser superior misterioso, de
modo que as condições insuportáveis sejam suportadas por meio da esperança da salvação; por
outro lado, os opressores ao pronunciarem as mesmas palavras legitimam seus privilégios e
colocam o mesmo ser superior como o responsável pela exploração conduzida por eles. Afinal,
é vontade de Deus que haja quem explore e quem seja explorado.

É desse modo que as palavras de sofrimento, envolvidas pela sacralidade, se transformam no


ópio, na ilusão do povo, que precisa ser abolida para que a felicidade verdadeira brote.

Um ramo da religião que é alvo de críticas e controvérsias, principalmente no Brasil, é a Igreja


Universal do Reino de Deus. Segundo um estudo realizado por uma estudante de comunicação
social da PUC-Rio, Rosa Maria Mattos, a IURD é a igreja que mais cresce no Brasil. Ela se baseia
na Teologia da Prosperidade, que é “um conjunto de crenças que dá destaque a prosperidade
terrena como sinal de fé e benção divina”. Nos cultos, os pastores garantem concessão divina de
prosperidade material, cura física e emocional, e resolução de problemas familiares e afetivos.
Ou seja, na crença da Teologia da Prosperidade, só não é bem sucedido quem não possui fé ou
não obedece aos ensinamentos da bíblia. Esse sucesso, no entanto, tem um preço: o dízimo é
parte essencial da da ideologia da IURD. Ele é meio pelo qual o crente deve provar a sua fé. Isso
prova a enorme habilidade persuasiva deste ramo religioso. Contudo, é importante ressaltar
que o público alvo da IURD são pessoas fragilizadas, tanto econômica quanto emocionalmente.
Portanto, elas se encaixam nas definições de Marx de população oprimida e alienada, que busca
na religião um amparo para aguentar sua condição.

Por outro lado, a Teologia da Prosperidade incentiva o luxo e a riqueza. Assim, todos os fieis,
inclusive os que possuem renda mais baixa, são envolvidos pela lógica da compra, da posse, do
sucesso material. Desse modo, nessa ideologia o consumo tem papel central e, aos poucos,
passa a se confundir com felicidade para os crentes. Assim, como concluiria Marx, a IURD não
passa de um instrumento para legitimar e consolidar a ideologia da classe dominante.

Com efeito, Marx vislumbra o fim da religião: ela só existe onde há alienação. Desse modo,
quando não houverem mais opressores e oprimidos, isto é, onde desaparecer a alienação,
desaparecerá também a religião.

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