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Metodologia

Científica

TARSO BONILHA MAZZOTI


CYNTHIA PAES DE CARVALHO
MONICA RABELLO DE CASTRO
WANIA GONZALEZ
LAÉLIA MOREIRA
GISELLE FERREIRA
ORGANIZAÇÃO

ALDA JUDITH ALVES MAZZOTTI

2ª edição
rio de janeiro  2014
Comitê editorial externo  cynthia paes de carvalho e alda judith alves mazzotti

Comitê editorial interno  magda maria ventura e william nunes martins

Organizador do livro  alda judith alves mazzotti

Autores dos originais  tarso bonilha mazzoti (capítulo 1), cynthia paes de carvalho (capítulo 2),
monica rabello de castro (capítulo 3), wania gonzalez (capítulo 4), laélia moreira e giselle
ferreira (capítulo 5)

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira

Projeto gráfico  paulo vitor fernandes bastos

Diagramação  paulo vitor fernandes bastos

Supervisão de revisão  aderbal torres bezerra

Redação final e desenho didático  roberto paes

Revisão linguística  pricilla basilio e michele paiva

Capa  thiago lopes amaral

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M593 Metodologia científica


Magda Maria Ventura [organizador].
— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013.
128 p

isbn: 978-85-60923-10-6

1. Metodologia. 2. Conhecimento. 3. Pesquisa. 4. Formação profissional. I. Título.

cdd 001.42

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
Sumário

Apresentação 7

1. O Conhecimento Científico 9

Princípios e meios organizadores dos raciocínios ou argumentos 14


As situações sociais e suas técnicas para estabelecer o verossímil 16
Como distinguir os conhecimentos científicos de outros também confiáveis? 18
Como apreender os conhecimentos confiáveis pelo exame de seus argumentos? 20
Gêneros ou tipos de ciências 24
Há conhecimentos confiáveis que não são científicos, mas todo
conhecimento científico é confiável 27
Esquemas ou figuras para dizer o que é real: os de ligação, de dissociação
de noções e a ironia 31
Resumindo 33

2. Conhecimento e pesquisa na universidade 37

Conhecimento e Sociedade 38
A prática científica 39
Conhecimento e Educação 43
Conhecimento Científico e Universidade — um pouco de história 45
A universidade e o desenvolvimento da ciência no Brasil 48
Desafios para a Ciência e a Universidade na Sociedade do Conhecimento 54

3. Metodologia para a elaboração de trabalho científico 57

Procedimentos de elaboração do TCC 58


Revisão de literatura 59
Como fazer um resumo 61
Passos para a confecção de um resumo 62
Como fazer um fichamento 63
Exemplo de fichamento 64
Como fazer ou utilizar-se de uma resenha 65
A pesquisa científica e o TCC 67
Explorando a pesquisa bibliográfica 69
Panorama sobre diferentes metodologias 72
O Trabalho de Conclusão de Curso: roteiro para sua elaboração
e normas técnicas 74
Roteiro para a elaboração de produtos 74
Roteiro para elaboração de uma monografia: introdução 75
Roteiro para elaboração de uma monografia: escolha do tema 75
Roteiro para elaboração de uma monografia: questão problema
e/ou hipótese 76
Roteiro para elaboração de uma monografia: fundamentos
teóricos e metodológicos 79
Roteiro para elaboração de uma monografia: coleta e produção de dados 80
Roteiro para elaboração de uma monografia: avaliação das questões
e as conjecturas possíveis 80
Roteiro para elaboração de uma monografia: conclusões 81
Roteiro para elaboração de uma monografia: referências bibliográficas 81

4. Técnicas de pesquisa 85

Como a pesquisa está presente no nosso dia a dia? 86


Dados qualitativos e quantitativos 89
Quais cuidados devemos ter ao buscar dados para uma pesquisa na internet,
na biblioteca e nas instituições? 89
Como pesquisar nas bibliotecas 90
Como pesquisar nas instituições 91
Quais as técnicas de coleta de dados mais apropriadas para
o pesquisador iniciante? 92
A pesquisa feita para uma monografia 93
Como obteremos os dados de que precisamos para fazer a pesquisa?
Qual a melhor maneira de obtê-los? 93
Pesquisa documental 93
Pesquisa bibliográfica 95
Pesquisa empírica 96
Observação 96
O que devemos fazer para tornar a observação uma técnica de
coleta de dados que tenha rigor científico? 97
Entrevista 98
Entrevista dirigida ou estruturada 99
Entrevista semidirigida ou semiestruturada 99
Entrevista não dirigida, não estruturada, não diretiva ou aprofundada 100
Quem deverá participar das entrevistas? 101
Questionário 102
A realização de pesquisas na internet: os estudos em redes sociais 103
Recomendações éticas que deverão nortear a coleta de dados 104
5. Conhecimento, pesquisa e formação profissional:
projeto pedagógico de curso superior 107

Sobre as atividades propostas 109


Pesquisa, Educação Superior e Formação Profissional 110
A educação superior no Brasil 111
Educação superior, pesquisa e formação profissional 112
Projeto Pedagógico: um guia para sua trajetória acadêmica 116
Conhecendo o Projeto Pedagógico de seu curso 118
Resumo 122
Comentários sobre as atividades deste capítulo 123
Apresentação
A perspectiva de desenvolvimento econômico e social no século xxi tem colocado na agen-
da educacional de todas as nações a necessidade de ampliar a qualidade da educação e da
formação de novos profissionais, em particular no Ensino Superior, de forma articulada
ao desenvolvimento da pesquisa científica, da tecnologia e da inovação. O desafio da uni-
versidade e do ensino superior em geral, num contexto em constante mudança marcado
pelas novas tecnologias que afetam todo o planeta e todas as áreas e condições da atividade
humana e da sociedade, é preparar futuros profissionais para uma atitude de permanente
aprendizado, atentos e críticos, que possam contribuir com consistência científica e criati-
vidade para as transformações num mundo cada vez mais volátil, cujo futuro sustentável é
responsabilidade de todos.
Ao longo da sua graduação no ensino superior você usará cada vez mais conhecimento
científico nas diferentes disciplinas e áreas de conhecimento para se formar um profissio-
nal especializado e atualizado, apto a ingressar e fazer carreira com sucesso no mercado de
trabalho. Entretanto, isso é apenas o patamar inicial de sua formação, pois, cada vez mais,
a sociedade e o mercado vão exigir que você se atualize, o que supõe uma atitude atenta e
crítica às informações e às experiências que se vivencia cotidianamente.
Essa atitude pode e deve ser construída no seu processo de formação, no contato com
os processos de construção do conhecimento científico. Sua participação em atividades
de pesquisa nesse período vai desafiar sua criatividade e desenvolver sua compreensão do
mundo, capacitando-o para nele intervir de forma consistente, inovadora e sustentável.
Este livro pretende guiar o início de seu caminho nessa direção. Ele foi organizado em
cinco capítulos que se integram e complementam. Como os capítulos foram redigidos por
diferentes autores, você notará que os estilos são individualizados, ainda que todos se ar-
ticulem no mesmo sentido. Em cada um deles são propostas atividades para apoiar sua
reflexão e o pleno aproveitamento da disciplina.
No primeiro capítulo você encontrará os principais instrumentos para identificar o
conhecimento científico, distinguindo-o de outros tipos de conhecimento. Para isto, são
apresentados os procedimentos utilizados na produção e validação dos conhecimentos no
âmbito da ciência, bem como os meios para identificar os casos mais comuns de comu-
nicações enganosas que se definem “científicas”. Saber distinguir os procedimentos uti-
lizados pelos cientistas é necessário tanto para evitar a propaganda enganosa e as fraudes
quanto para compreender uma ciência, constituindo, portanto, o ponto de partida para a
formação universitária.
O segundo capítulo continua a discussão sobre a ciência e o conhecimento que ela pro-
duz, particularmente aquele que é construído nas instituições de ensino superior. Nele
você refletirá sobre a prática científica e seguirá um pouco da trajetória da atividade cientí-
fica nas sociedades ocidentais. Em seguida, abordaremos o surgimento da universidade e
como se desenvolveu historicamente o espaço da pesquisa científica no ambiente universi-
tário. O capítulo é concluído com uma discussão sobre a importância da formação científi-
ca no ensino superior como parte de sua formação profissional e apresenta sinteticamente
as oportunidades que você encontrará para isso no seu curso de graduação.
O capítulo três retoma as ideias desenvolvidas nos dois primeiros capítulos no que se
refere às diferenciações entre trabalhos científicos, mostrando suas implicações práticas.

7
O capítulo apresentará passos para elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso
(tcc), mostrando como organizar uma monografia ou desenvolver um produto, por exem-
plo. Para isso, discute momentos importantes desse trabalho: a revisão de literatura, como
elaborar resenhas, resumos, fichamentos e selecionar bibliografia, entre outros. Coloca em
relevo a importância de compreender que, para falar de um assunto, deve-se conhecê-lo e
conhecer seus principais autores. Discute a importância de se ter uma parceria na elabora-
ção do tcc e, sobretudo, o papel da metodologia para o desenvolvimento de uma pesquisa
ou de um produto. Para isso, há exemplos práticos da utilização de diversas ferramentas.
O quarto capítulo busca oferecer indicações para que você possa desenvolver sua pró-
pria pesquisa. São fornecidas orientações acerca dos cuidados que o pesquisador iniciante
deve ter ao buscar dados para sua pesquisa na internet, na biblioteca e nas instituições.
O capítulo privilegia a observação, a realização de entrevistas e a aplicação de questioná-
rio como técnicas de coleta de dados mais usadas pelos alunos de graduação. Destaca-se a
tendência crescente de utilização da internet nas pesquisas acadêmicas, tanto por meio de
informações obtidas nos sites, como do uso das redes sociais. Na parte final, são apresenta-
das algumas recomendações do ponto de vista ético, que deverão nortear a coleta de dados,
com o intuito de esclarecer o que é considerado fraude acadêmica.
O quinto capítulo apresenta uma análise da relação entre a pesquisa e a construção do
conhecimento no contexto da formação profissional oferecida na educação superior. Para
isso, além de uma discussão sobre a formação profissional, a pesquisa e o ensino superior,
discute a importância do Projeto Pedagógico de curso e explora as possibilidades de apren-
dizagem oferecidas durante as aulas e também a partir da participação dos alunos nas di-
versas atividades extracurriculares específicas de cada curso. Como se trata de um capítulo
de fechamento deste livro, algumas atividades são propostas com o objetivo de apoiar os
estudos e auxiliar a consolidação dos conhecimentos construídos ao longo da disciplina.
Esperamos que você aproveite nosso esforço de síntese e se engaje no desafio da participa-
ção em atividades científicas como uma oportunidade estratégica de formação profissional.

alda judith alves mazzotti e cynthia paes de carvalho


rio de janeiro, fevereiro de 2014.

8
1 O conhecimento
científico

tarso bonilha mazzotti


1 CURIOSIDADE
O conhecimento científico

Para compreender o caráter do conhecimento científico, podemos co-


meçar com um jogo de perguntas e respostas, como a seguir.
Homem de palha
PERGUNTA
Podemos confiar no conhecimento científico?

Nem sempre, pois essa expressão, muitas vezes, é apenas uma eti-
queta usada para dar credibilidade a uma afirmação, como as que se en-
contram em rótulos de produtos de limpeza e cuidados com o cabelo,
pele e saúde, por exemplo.

PERGUNTA
Como saber se é apenas uma etiqueta?

Uma pista é o uso de expressões como comprovado cientificamente


Atualmente, a expressão homem de pa- para nos persuadir acerca da boa qualidade de alguma coisa sem apre-
lha não é muito clara, salvo se lembrar- sentar as fontes ou evidências que sustentam a alegação de cientificidade.
mos de que na Idade Média os cavalei- Nesse caso, desconfie.
ros treinavam para as guerras usando Frequentemente encontramos afirmações de que certo produto garan-
um boneco de palha como oponente. A te a cura disso ou daquilo, que foi desenvolvido cientificamente por fulano,
palavra falácia deriva do latim, que signi- mas que a ciência oficial e os laboratórios farmacêuticos não aprovam por-
fica falhas, enganos dos mais diversos. que ganham dinheiro com um produto similar ou por serem conservadores.
Podemos estender a noção e acrescen- Mais uma vez, é preciso desconfiar. É um truque antigo, em vez de
tar um termo: são as falácias argumen- mostrar o valor de algo, atacam-se os que mostram que é inócuo ou per-
tativas. Há uma falácia muito comum: nicioso. Outro truque antigo é fazer uma caricatura da posição dos ad-
do consequente afirma-se o anteceden- versários, pois assim fica mais fácil destruí-la. Essa maneira de proceder
te, que geralmente tem origem na per- foi denominada falácia do homem de palha.
cepção. Por exemplo, como depois da
chuva o chão fica úmido, então quando PERGUNTA
nos deparamos com a umidade no solo
dizemos que choveu. O consequente, a Certo, mas podemos recorrer ao Google, por exemplo, para encon-
umidade do solo, não decorre necessa- trar as referências que faltam e verificar a validade da informação
riamente do afirmado, a chuva, pois há de que o tal produto foi cientificamente comprovado, não é?
outras possibilidades que levam o solo
a ficar úmido. Podemos, mas como saber se as afirmações encontradas são cientifi-
camente sustentáveis? Será que esses mecanismos de busca têm filtros
para selecionar a validade dos argumentos? Claro que não, nós precisa-
mos avaliar, discernir. é preciso selecionar o que tem valor.

10 • capítulo 1
Este raciocínio é
circular: a pessoa é
confiável porque
confiamos nela, mas
não se diz por que
confia. O raciocínio
circular é um engano
argumentativo ou
lógico denominado
petição de princípio
(ver Weston, 2005,
referência completa ao
fim do capítulo).

Certo, confiamos em nossos professores e em outros especialistas das disciplinas vin-


culadas à informação que recebemos; se for de Biologia, perguntamos ao professor de
Biologia, por exemplo. Simples. Mas será que seu professor estudou aquele assunto es-
pecífico para poder dar um parecer acerca da validade da comunicação que se apresenta
como científica?
Não sabemos. Mas ele dirá se estudou ou não. Não podemos duvidar da integridade de
nossos professores. Não é duvidar da integridade de seu professor, mas ter em mente que
nem sempre ele domina aquele assunto em que você está interessado.

REFLEXÃO
Nesse caso, é preferível confiar nas comunicações publicadas em periódicos científicos referendados pela
comunidade de cientistas do que nas de divulgação e outras similares. Essa confiança procede do modo
de operar das editorias dos periódicos científicos: cada artigo é avaliado por, pelo menos, dois cientistas in-
dependentes que dão seus pareceres favoráveis ou não à publicação. Mas só isso não é suficiente. Depois
de publicado, outros cientistas avaliam a comunicação e procuram verificar a sua validade e pertinência, às
vezes replicando a pesquisa, isto é, refazendo o mesmo percurso e usando as mesmas técnicas que o autor
disse ter empregado, para verificar se chega aos mesmos resultados.

PERGUNTA
Então, só depois da reavaliação pelos cientistas pode ser
admitido um conhecimento como sendo científico?

Exatamente. Por isso, uma das etapas mais importantes no trabalho dos cientistas é o
que se denomina revisão bibliográfica, publicada em periódicos especializados. Cabe, aqui,
uma dica: leia atentamente as revisões bibliográficas ou os estados da arte, de preferência
as mais recentes, pois neles são apresentados os estudos de interpretações anteriores atu-
alizadas, que confirmam ou eliminam argumentos até então admitidos. No decorrer deste
livro, você aprenderá mais sobre isso.

capítulo 1 • 11
AUTOR PERGUNTA
Thomas Kuhn Já ouvi dizer que, no fundo, os cientistas sempre defendem suas
Thomas Kuhn posições, buscam manter o poder e o status entre seus colegas, e
(1922-1996) for- que não há como escapar dessas disputas. Assim, dizem, a decisão
mou-se em Física em torno da validade dos argumentos científicos não é racional,
pela Universidade mas subjetiva. É isso mesmo?
de Harvard, onde
também fez seu Ah! Sim. Você está se referindo a uma corrente que se autodenomina
mestrado e doutora- pós-moderna, construtivista social ou relativista, cujos defensores alegam
do. Lecionou História da Ciência em Har- não haver critérios objetivos para decidir a respeito do valor das teorias.
vard, tendo sido também professor nas Essa posição tem como ponto de partida os estudos de Thomas Kuhn
universidades de Berkeley, Princeton e acerca da substituição de uma teoria científica por outra. Kuhn exami-
mit. Seu livro, A estrutura das revoluções nou essa questão no âmbito da Física em seu livro A estrutura das revo-
científicas (1962), é uma obra clássica luções científicas, no qual afirma que as teorias são deixadas de lado por
sobre o pensamento científico e a histó- não serem capazes de resolver suas anomalias, ou seja, os casos em que
ria da ciência. suas explicações não se aplicam ao observado (experimentos).
Em uma ciência madura, segundo Kuhn, os cientistas procuram re-
solver o quebra-cabeça representado pela dificuldade de relacionar a
COMENTÁRIO teoria dominante com os fatos observados e, caso não consigam, surge
Relativismo radical uma nova teoria, supostamente mais eficaz do que as anteriores. Kuhn
O relativismo radical afirma que se os denominou paradigma o acordo entre os cientistas acerca do que consi-
fatos são estabelecidos pelas teorias e deram ser os argumentos e modos de fazer apropriados para desenvol-
estas são de livre escolha dos cientistas, ver a nova teoria, ou seja, a sua matriz disciplinar, que se encontra nos
então não há critérios lógicos ou racio- manuais e livros didáticos.
nais para decidir quanto à validade das
teorias, todas têm o mesmo valor. Se for RESUMO
assim, então todo o esforço de Kuhn
para apresentar evidências que susten- Para Kuhn, a adoção de uma nova teoria não depende da validade de seus argu-
tam a sua narrativa seria um discurso mentos, mas da adesão de novos cientistas. Por outro lado, os paradigmas não são
persuasivo para conquistar adeptos, e comparáveis entre si, os critérios do velho não se aplicam aos novos, por isso são
não um conhecimento confiável. “O fei- incomensuráveis, não podem ser medidos uns pelos outros; logo, não há como dizer
tiço volta contra o feiticeiro”. se um é ou não superior ao outro. Isto conduziu a um relativismo radical.

PERGUNTA
Mas as ciências são feitas por pessoas que têm interesses e
defendem alguma causa, alguma ideologia. Assim, a escolha da
teoria está condicionada por suas crenças. Tanto é assim que as
teorias defendidas em uma época são deixadas de lado em outra.
Não é isso mesmo?

Você tem razão quanto à instabilidade das teorias científicas, bem


como quando afirma que os cientistas são pessoas que têm interesses

12 • capítulo 1
pessoais e sociais. Exatamente por isso é preciso que exista alguma ma- CONCEITO
neira de controlar os interesses pessoais e dos grupos sociais, assim
como para afirmar se uma teoria deve ser substituída por outra. Problema da validação
O problema da validação, ou de justifica-
ATENÇÃO ção do que se diz, requer que a contradi-
ção não dependa do que essa ou aque-
Recorde-se que uma teoria é composta por um conjunto organizado de argumentos, la pessoa diga a seu respeito, mas dos
sendo alguns mais centrais, os ditos fundamentais, sobre os quais os demais se procedimentos necessários para elimi-
sustentam. Por isso, não há como contraditar teorias, mas se pode contradizer os nar as qualidades contrárias atribuídas
seus argumentos, especialmente os fundamentais. Contraditar os argumentos de ao sujeito de uma proposição, o que é
uma teoria para verificar se podem continuar sendo admitidos é o que se diz ser do interesse tanto dos cientistas quanto
problema da validação. dos não cientistas na vida cotidiana.

Como assim? Por que na vida cotidiana teríamos interesse na validade
dos conhecimentos? Vamos usar um exemplo para ilustrar a necessidade
de validação em uma situação que deve ser de seu conhecimento.

EXEMPLO

TESE ARGUMENTO CONTRA-ARGUMENTO

Suponha que alguém Certo, mas no judiciário Essa afirmação supõe


seja acusado de ter um criminoso pode ser que o réu foi inocentado
matado uma pessoa. Se considerado inocente mesmo sendo criminoso,
não for possível verificar porque tem recursos ou seja, que ele só foi
e validar as evidências para pagar advogados inocentado por ter
acerca desse ato, então caros, corromper o júri e dinheiro suficiente para
o julgamento será assim por diante. Logo, corromper o julgamento.
inteiramente subjetivo, não é objetivo. Nesse caso, como
ou seja, dependente do podemos validar a nossa
que cada um considera afirmação de que o réu
verdadeiro. inocentado era criminoso
e deveria ser punido?
Não sabemos...

capítulo 1 • 13
COMENTÁRIO COMENTÁRIO
Princípio da identidade Este é o problema de validação. Para que outros possam ter a mesma certe-
Quando usamos o termo acusação para za é preciso que haja critérios comuns para examinar os indícios, as evidên-
falar de princípio da identidade, equiva- cias e estabelecer uma narrativa que quase todos, inclusive os advogados
le a qualquer afirmação de que o sujeito de defesa, possam concordar que o réu é criminoso. Para estabelecer a
da proposição é isto ou aquilo, pois pre- legitimidade da acusação são necessários princípios e meios que organizem
dicado ou categoria significam o que se explicitamente os nossos raciocínios, como veremos a seguir.
acusa o sujeito de ser. Estabelecer a
identidade do sujeito de uma frase pode
ser simples na linguagem cotidiana, mas
é mais complicado nas Ciências. Isto por- Princípios e meios organizadores dos
que o sujeito do enunciado precisa ser tão
bem definido que as qualidades ou predi-
raciocínios ou argumentos
cados que lhes são atribuídos sejam úni- O primeiro é o princípio da identidade, o qual requer que o sujeito acu-
cos, não podem estar presentes em ou- sado de um ato seja perfeitamente identificável, caso contrário, não se
tros. Por isso, as definições científicas são poderá dizer: fulano (sujeito da frase) matou beltrano (a acusação ou
muito estritas, formalizadas, o que dificulta predicado). Esse princípio vale para outros sujeitos das proposições ou
sua tradução para a linguagem comum. frases de acusação, inclusive os relacionados com os seres naturais não
humanos e os entes conceituais, como os das matemáticas.
As disputas entre os cientistas geralmente partem da definição do
COMENTÁRIO sujeito de seus enunciados, e estes sujeitos são denominados objetos da
pesquisa, uma vez que é o tema o que se quer saber, logo, é o objeto de
Contradição x incompatibilidade discussão para dizer o que é alguma coisa.
A contradição, o dizer contra, ocorre Nessa disputa acerca do objeto ou sujeito de um enunciado é preciso
quando duas qualidades contrárias são obedecer o princípio da não contradição. Esse princípio aplica-se nas
atribuídas ao mesmo sujeito de uma definições formalizadas ou lógicas, que são diferentes das argumenta-
proposição e na mesma situação de acu- ções acerca do que se faz ou das práticas sociais, como as que se dão no
sação. A incompatibilidade, por sua vez, âmbito da ética (política). Nesses casos, as disputas se dão em torno de
não é um dizer contra, não é lógica, mas opostos incompatíveis.
quase lógica e se assemelha à contradi- No exemplo de alguém ter ou não ter cometido homicídio é preciso,
ção. Na incompatibilidade é preciso de- como foi dito, que o réu seja individualizado (princípio da identidade),
cidir entre duas proposições que dizem depois se houve homicídio (tipificação, que recorre ao mesmo princí-
respeito a situações contingentes, ou pio) e que este pode ser legitimamente atribuído ao réu. Nesse, como
seja, aquelas que não são absolutas, que em outros casos, o sujeito da proposição não pode receber duas qualidades
dependem das circunstâncias, que são contrárias na mesma situação de acusação, ou seja, deve obedecer o princí-
relativas ao que se pretende fazer, às leis pio da não contradição.
naturais ou às decisões humanas. Quer Sendo assim, pergunta-se: Fulano é criminoso ou não é criminoso?
um exemplo? Imagine que você torça O contraditório, seguindo as regras ou normas próprias de cada situa-
pelo time A e seu principal rival é o time ção, deve estabelecer qual das alternativas é a mais plausível ou veros-
B. Em um jogo entre B x C (outro time), é símil, ou seja, a que se pode confiar na situação. Caso não se consiga
possível que, naquela situação, você tor- excluir uma das qualidades, então os envolvidos no debate ficam em um
ça pelo time C. Isso não é contradição, beco sem saída, ou aporia (impasse).
é uma incompatibilidade que deixou de
existir durante aquele jogo específico.

14 • capítulo 1
REFLEXÃO
No judiciário, o beco sem saída favorece o réu; nas ciências, a discussão permanece aberta até que uma
solução seja considerada satisfatória ou a melhor possível.

Por fim, é necessário considerar o princípio do terceiro excluído, o qual determina que
apenas duas qualidades podem ser atribuídas ao sujeito da proposição, não há uma ter-
ceira em disputa. Sendo assim, é preciso reduzir todas as qualidades contrárias a duas e
apenas duas, caso contrário, não há como decidir.

RESUMO
Em suma, os três princípios fundamentais para estabelecer a verossimilhança, ou seja, as qualidades (pre-
dicados ou categorias) atribuídas ao sujeito da proposição e admissíveis na circunstância do debate são:
o princípio da identidade, o princípio da não contradição e o princípio do terceiro excluído.

Por isso, no debate regulamentado é preciso um árbitro que atue, garantindo a lisura
dos debates, a pertinência e a validade das evidências, e com poder de veto.

PERGUNTA
Essa é uma descrição resumida de um tribunal de júri,
mas o que tem a ver com as ciências?

Tudo, pois as normas éticas e as do debate a respeito de proposições contraditórias são


as mesmas. Os cientistas não inventaram a arte do debate, que foi desenvolvida muito antes
do século xviii, quando as ciências modernas se afirmaram, como você verá no próximo
capítulo. Ela se mostrou eficaz para determinar as disputas acerca dos mais variados assun-
tos humanos, particularmente nos julgamentos de crimes.

ATENÇÃO
Além disso, há um conjunto de normas éticas ou de condutas, sobre as quais destacamos 3 delas:

1) Os envolvidos no debate devem ter o mesmo conhecimento do assunto para


estabelecer qual é a qualidade pertinente ao sujeito da proposição.

Para participar do debate científico é preciso conhecer tanto as técnicas necessárias para produzir
os conhecimentos, que são as suas proposições, quanto estar atualizado com os seus problemas.

2) No debate é proibido atacar o adversário.

Um cientista não vence um debate ao acusar moralmente o seu adversário: quem faz isso mostra
que não tem argumentos para enfrentar o oponente.

3) Qualquer assunto que não tenha vinculação direta com o caso deve ser deixado de
fora, vale o que está no processo.

Os juízes nessa situação são os outros cientistas que têm as qualificações necessárias para
capítulo 1 • 15
analisar as comunicações e os procedimentos utilizados pelos oponentes.
COMENTÁRIO
3) Qualquer assunto que não tenha vinculação direta com o caso
Camisa de força deve ser deixado de fora, vale o que está no processo.

A metáfora camisa de força condensa


Os juízes nessa situação são os outros cientistas que têm as qualificações
essa concepção que considero inade-
necessárias para analisar as comunicações e os procedimentos utilizados
quada, uma vez que as regras metódicas pelos oponentes.
libertam as pessoas de seus preconceitos
e permitem a intersubjetividade ou a obje-
tividade, o que é do interesse comum. Algumas pessoas consideram que essas regras restringem demasia-
damente a subjetividade. Por isso, elas consideram que as regras do mé-
todo são uma camisa de força.
CONCEITO Pense no caso de você ser acusado de um crime que não cometeu.
Você reivindicará um julgamento justo, objetivo, não a livre manifesta-
Verdade ção dos desejos de seus acusadores. De outro lado, você pode ler essas
Há muita discussão acerca do signifi- regras pelo avesso: o que hoje é afirmado como necessário expressa os
cado da palavra verdade. Atualmente erros de ontem; logo, foram historicamente constituídas.
admite-se que apenas nas lógicas e
matemáticas é admissível utilizar aquela PERGUNTA
palavra, nas demais ciências é preferível
considerar que seus argumentos são Essa técnica ou arte de debater tem um nome?
plausíveis ou verossímeis.
Tem, é dialética, qual seja, a arte de estabelecer a verossimilhança ou
plausibilidade de argumentos por meio de um debate regulamentado.
Ser verossímil ou plausível difere do que se denomina a verdade, cujo sig-
nificado comum afirma se tratar de algo absoluto, em si e por si, indepen-
dente do espaço e do tempo, que vale sempre, ou seja, que não é relativo.

As situações sociais e suas técnicas para


estabelecer o verossímil

PERGUNTA
Então, os conhecimentos científicos são estabelecidos nos debates?

Isso mesmo, é sempre pelo debate que são estabelecidos os argu-


mentos, e há duas situações em que isso ocorre: a situação dialética e
a situação retórica. Uma terceira situação é a da exposição (didascália),
na qual não há debate e os conhecimentos considerados confiáveis são
apresentados aos que não conhecem. Examinemos, de maneira sumá-
ria, cada uma dessas situações.

16 • capítulo 1
Debate que pode se dar entre duas pessoas, por um tempo extenso, ou mesmo
por uma pessoa quando pensa os prós e os contras a respeito de algum
SITUAÇÃO problema; é a que predomina na produção de conhecimentos científicos. Nessa
DIALÉTICA situação há um conjunto de técnicas ou modos de fazer que visam eliminar a
contradição estabelecida pela afirmação de duas qualidades contrárias; logo,
seu objetivo é estabelecer o verossímil.

É a contraparte da dialética, requer técnicas que têm por objetivo persuadir ou


SITUAÇÃO convencer um público amplo, em um tempo curto, a adotar os posicionamentos
RETÓRICA apresentados pelo orador, os quais serão admitidos (ou não) pelo auditório que
é o juiz do que dizem os oradores.

Também denominada didascália, tem por objetivo apresentar o considerado


conhecimento confiável aos que precisam ou querem aprendê-lo; logo, é uma
comunicação unilateral, e os aprendizes não estão autorizados a decidir a
SITUAÇÃO
respeito do exposto. Para produzir a comunicação é preciso analisar os
DE EXPOSIÇÃO conhecimentos estabelecidos nas situações retórica e dialética para eliminar
incongruências, contradições e organizar a exposição de maneira encadeada.
Estes procedimentos deram origem ao que atualmente denominamos lógica.

Essas três técnicas não são estanques. É admissível usar técnicas retóricas para persu-
adir o auditório acerca do valor conceitual de argumentos científicos, ainda que isso im-
plique modificações relevantes naqueles e, em muitas situações, resulte em importantes
distorções conceituais. Além disso, em um debate dialético é possível introduzir argumen-
tos formados com base na Lógica ou na Matemática, desde que os demais admitam, para
eliminar argumentos contrários.

EXEMPLO
Técnicas retóricas
Na situação de julgamento de fraudes científicas, por exemplo, recorre-se à retórica judicial, em que os
cientistas são instituídos dos poderes de juízes e de jurados.

RESUMO
Em resumo, na técnica dialética a situação social requer uma decisão a respeito de duas qualidades
contrárias que se afirma pertencerem ao sujeito de uma proposição. Essa situação social envolve poucas
pessoas, as que conhecem bem o tema, e, no limite, apenas uma pessoa; além disso, não há um tempo
predeterminado para obter uma decisão.
A técnica retórica tem por objetivo propor alguma decisão a muitas pessoas, por isso os seus argumentos
precisam ser breves e diretos, pois o auditório não tem como acompanhar longos desenvolvimentos argu-
mentativos. Além disso, o tempo concedido aos oradores é bem demarcado, o que exige argumentos muito
bem escolhidos e breves. Algumas restrições que cabem na situação dialética, como é o caso das ciências,
não são impostas na situação retórica. Por exemplo, pode-se atacar a pessoa para destruir as propostas
do adversário, caso o auditório admita este procedimento.

capítulo 1 • 17
COMENTÁRIO O estabelecido nas situações dialética e retórica pode ser ensinado aos que não
sabem. Nesta situação, a relação social é muito diferente, pois quem sabe expõe
Teoria das assinaturas o que sabe aos que aprendem, os quais não deliberam acerca da validade do
Os defensores da teoria das assinatu- apresentado, mesmo que não concordem. É uma situação unilateral e o tempo da
ras (o semelhante cura o semelhante) exposição é muito variável.
dizem que apenas algumas pessoas
especiais conseguem ver os sinais. Essas três situações sociais sustentam as três técnicas argumentati-
Sendo assim, não há como estabelecer vas que foram aperfeiçoadas desde o século v a.C., constituindo o solo
um conhecimento intersubjetivo ou obje- comum da argumentação racional, ou seja, pensada, refletida. Esses
tivo, apenas seus adeptos podem ver procedimentos são comuns, mas raramente pensamos a seu respeito,
os sinais, logo, é preciso converter-se ou seja, fazemos sem pensar. Por isso, é preciso estudar essas técnicas
em uma pessoa especial. para se tornar hábil tanto na análise quanto na produção de argumentos
a favor e contra alguma proposta ou proposição em uma situação social
e, em particular, na situação em que se busca admitir e produzir conhe-
cimentos científicos e outros conhecimentos confiáveis.

Como distinguir os conhecimentos


científicos de outros também confiáveis?

EXEMPLO
Considere o seguinte exemplo: na medicina tra-
dicional prescreve-se a infusão (chá) da casca do
salgueiro-branco ou chorão (Salix alba) ou das fo-
lhas e flores rainha-dos-prados, também conhecida
por erva-das-abelhas (Filipendula ulmaria ou Spira-
ea ulmaria), para tratar os sintomas da gripe, bem
como do reumatismo e dores de cabeça. Este é um
conhecimento prático muito antigo e confiável, mas
não é científico.

Você deve estar se perguntando por que não é científico esse conhe-
cimento, não é? Provavelmente você já deva saber a resposta. A explica-
ção da eficácia terapêutica sustenta-se em um conjunto de afirmações
não verificáveis, que se referem à semelhança entre a doença e a planta.
Essa explicação, conhecida como teoria das assinaturas, afirma que há
um sinal, um signo que liga um órgão humano a uma parte de alguma
planta, assinalando que ali se encontra o remédio para suas doenças.
O conhecimento empírico acerca do valor terapêutico do salgueiro
-branco e da erva-das-abelhas é confiável, mas tem limitações incontor-
náveis. Uma das limitações é que não é possível saber qual a dosagem
adequada para o tratamento; outra limitação, não há como verificar

18 • capítulo 1
ou controlar as afirmações acerca da semelhança entre os órgãos e as AUTOR
doenças. Logo, não se tem uma explicação confiável do que produz a
redução dos sintomas das doenças para as quais são indicados. Edward Stone
Edward Stone (1702-1768) nasceu na
PERGUNTA Inglaterra e estudou na Universidade
de Oxford, entre outras. Seu procedi-
Há uma explicação científica para a eficácia desse fitoterápico? mento científico que deu origem ao
ácido salicílico foi criar um pó a com
A explicação científica foi constituída ao longo dos séculos xviii e base na casca da Salix alba, sendo
xix pelo exame das substâncias químicas dos extratos de casca do sal- esse extrato aplicado a 50 indivíduos
gueiro-branco. A primeira descrição desse fármaco foi apresentada por inicialmente. Após várias tentativas e
Edward Stone em 1763, no Reino Unido, indicando que o seu princípio observações, conseguiu determinar a
ativo é o ácido salicílico, que, em 1828, foi isolado em sua forma cristalina. quantidade exata do composto e o in-
Em 1897, o laboratório farmacêutico Bayer juntou o ácido salicílico com tervalo de aplicação, obtendo resulta-
acetato e criou o ácido acetilsalicílico (aas), que é menos tóxico do que a dos comprovadamente eficazes.
substância original. O aas foi o primeiro fármaco sintetizado.
Esse exemplo mostra que um conhecimento prático confiável pode
ser explicado de muitas maneiras, mas a melhor explicação permite am-
pliar e aperfeiçoar o que se sabia. Ao isolar o ácido salicílico deu-se um
passo para ajustar a dosagem e verificar seu nível de toxicidade, e a sín-
tese com o acetato reduziu essa toxicidade, bem como permitiu a sua
produção em tabletes com dosagens definidas e controláveis. O AAS é
um produto sintético, não se encontra na natureza, e, portanto, destrói
a sustentação da teoria das assinaturas.
O conhecimento científico parte de uma hipótese testável: se o pó
do extrato produz um efeito terapêutico, qual é a substância que pro-
duz esse efeito? Essa questão implica analisar, separar os elementos do
composto para identificar o que nele é eficaz, descrevendo-o de tal ma-
neira que outros possam produzi-lo e testá-lo.

ATENÇÃO
Essa condição é fundamental, pois as proposições de um cientista precisam ser
analisadas e testadas por outros para serem admitidas. Essa revisão por pares, ou
seja, por outros cientistas que não têm relações diretas entre si, descarta muitas
comunicações e retém algumas que são as defensáveis.

Aqui aparece outra diferença entre o conhecimento científico e os


demais: o científico sempre se sustenta no conjunto de conhecimentos
validados de uma área, não é a manifestação dos desejos e crenças de
uma pessoa, de um sujeito. Daí se dizer que o conhecimento científico
não é subjetivo, mas intersubjetivo ou objetivo.

capítulo 1 • 19
COMENTÁRIO Como apreender os conhecimentos
Operador lógico todo
confiáveis pelo exame de seus argumentos?

As explicações a respeito de alguma prática bem-sucedida são afirma-


ções organizadas de tal maneira que as pessoas são convencidas da sua
validade. De fato, seja qual for a prática, as pessoas procuram justificar
tanto o sucesso quanto o fracasso.

EXEMPLO
Por exemplo, a afirmação Todo cisne é No exemplo do salgueiro-branco, a explicação antiga apoiava-se em uma concepção
branco foi destruída quando se encon- bem ampla: Deus dispôs no mundo os remédios para todos os males, os quais são
trou um cisne negro. Como dito, afirma- encontrados por quem é capaz de identificar os seus sinais (signos). Nessa cos-
ções absolutas ou singulares tendem à movisão há uma ordem no mundo, nada ocorre por acaso, tudo está em seu devido
imprecisão. A título de curiosidade, o lugar, inclusive a doença e seus remédios. Essa explicação total, ou holística, tem
cisne-negro (Cygnus atratus) é originá- inúmeros defeitos. Um deles foi mostrado antes: há fármacos que não se encontram
rio da Austrália. livremente na natureza, foram sintetizados. Outro defeito é afirmar que o mundo é
perfeitamente ordenado, em que nada ocorre por acaso.

PERGUNTA
Por que é um defeito, afinal tudo tem uma causa?

Porque basta um caso em que alguma coisa tenha ocorrido aciden-


talmente para destruir essa afirmação muito geral. De fato, as afirma-
ções gerais, as que usam o operador lógico todo, são facilmente destru-
ídas pela apresentação de um caso não congruente com o que foi dito.

PERGUNTA
Há evidências de que o mundo não é perfeitamente ordenado?

Você, como eu, já assistiu a partidas de futebol em que o locutor en-


tusiasmado afirma, com autoridade, no início do jogo: “A Seleção bra-
sileira jogou N vezes contra a Seleção argentina; venceu X, perdeu Y,
empatou Z; então, hoje, a Seleção brasileira deve vencer.” Será? Só sabe-
remos no apito final.

PERGUNTA
É verdade, jogo é jogo, mas tudo tem uma causa…

20 • capítulo 1
Muitos dizem isso, afirmam que não foi por acaso que aconteceu isto COMENTÁRIO
ou aquilo, por isso que o jogo foi ganho por uma das equipes. Essa afirma-
ção supõe que há algo como uma mão invisível que a tudo comanda, o que Efetividade e Inferencial
exige a fé nessa afirmação. Isso pode ser adequado para as religiões, mas A efetividade é avaliada pela realização
não para produzir conhecimento científico. O uso do salgueiro-branco dos objetivos do fazer. Se os objetivos
mostra que a explicação pré-científica sustenta-se na fé, e que a científica foram alcançados, então se diz que foi
permite uma melhor explicação e uso do fármaco. efetivo, ou seja, eficaz e eficiente. Um
procedimento pode ser eficaz e muito
PERGUNTA dispendioso, logo, ineficiente. A relação
custo/benefício refere-se à eficiência
Isso quer dizer que das práticas é possível de um processo de produção eficaz.
produzir conhecimentos científicos? Assim, a efetividade é constituída por
duas qualidades: a eficácia e a eficiên-
Sim, das práticas é possível constituir conhecimentos científicos, cia. Já o aspecto inferencial é de outra
pois em qualquer prática há duas dimensões, uma delas se refere às ex- natureza, refere-se aos argumentos uti-
plicações, logo aos argumentos que justificam as relações em questão. lizados para explicar porque são efica-
Quando tudo corre como o esperado, ficamos satisfeitos, geralmente zes e eficientes.
não nos preocupamos em explicar os procedimentos que funcionam,
salvo quando alguém nos pede para ensinar como fazer. Seja para re-
solver um problema na execução, seja para ensinar os procedimentos,
quem se dedica à explicação sabe que as práticas têm duas dimensões:
(a) a da efetividade e (b) a inferencial.

PERGUNTA
O que é inferência?

Usarei um exemplo utilizado pelos antigos gregos: um cachorro per-


seguia uma presa por uma estrada e a perdeu de vista em uma encruzi-
lhada. O cachorro, então, farejou o caminho à direita, ao centro e dis-
parou pela esquerda. Essa decisão é uma inferência, uma dedução que
excluiu as alternativas ou as hipóteses.

REFLEXÃO
O esquema geral da inferência é denominado silogismo, palavra grega que significa
tanto inferência quanto dedução. Mesmo se você não se lembrar do termo formal
(silogismo), você o conhece, pois o utiliza. Veja o exemplo:

• Todo homem é mortal – premissa maior ou proposição afirmativa inicial;


• Sócrates é homem – premissa menor, termo médio, pelo qual se chega à conclusão;
• Logo, Sócrates é mortal – conclusão.

Observe que o dito na premissa maior acerca dos homens, o predicado mortal, apa-
rece na conclusão porque o particular Sócrates é caracterizado como homem (que é

capítulo 1 • 21
AUTOR o sujeito da premissa maior, o qual recebeu o predicado mortal), por isso a premissa
menor, também denominada termo médio, transfere os significados da maior para a
Ludwig Wittgenstein conclusão. O valor de verdade das premissas determina a qualidade da conclusão. Isso
Ludwig Joseph você pode estudar nos manuais como no de Weston, indicado no final deste capítulo.
Johann Wittgens-
tein (1889-1951) é Geralmente os argumentos não aparecem nessa forma, e a sua expli-
considerado um dos citação depende da situação, a qual é muito importante quando avalia-
filósofos mais im- mos uma comunicação. Observe que a palavra premissa pode ser subs-
portantes do século tituída por princípio.
xx. Publicou um livro em vida (Tractatus É preciso observar a forma da premissa maior, caso seja universal
Logico-PhilosophicusI, 1922); Investi- (todos e cada um), então pode ser enganosa ou mesmo falsa. Por exem-
gações Filosóficas (1953) foi publicado plo, afirmar que os brasileiros (o mesmo que todos os brasileiros) são faná-
após sua morte, com base em escritos ticos por futebol é demasiado, uma vez que muitos brasileiros sequer se
compilados do autor. interessam por esse esporte.

EXEMPLO
Jogo é jogo
Vamos a um exemplo a respeito de inferência a partir de uma prática humana. Mui-
tos afirmam que a disposição dos jogadores de futebol na forma 4, 4, 3 é melhor
porque (esta palavra é um marcador da inferência sustentada por quem fala) nesta
é possível defender e atacar eficazmente. Esse argumento decorre do exame das
partidas com aquela e outras disposições, o que levou a julgar, inferir, ser a melhor
disposição dos jogadores. Como se trata de jogo, não há muito o que discutir acerca
da validade lógica dessa inferência, isso porque pode ser eficaz na maior parte das
partidas e não em outras; logo, é plausível ou verossímil.

Por falar em jogo, essa palavra pode ser utilizada para designar ativi-
dades muito diversas, por isso Ludwig Wittgenstein disse que ela apre-
senta um ar de família de significados.
Aqui nos interessa o uso da palavra jogo na expressão teoria dos jogos,
por meio da qual se procura formalizar as situações em que os adversá-
rios ganham ou perdem, reexaminando dilemas dos mais diversos para
encontrar uma solução. Não cabe, aqui, apresentar essa teoria. Cabe, no
entanto, apresentar pelo menos duas situações de decisão a partir de ar-
gumentos que são tratados na teoria dos jogos, a dita decisão salomônica
e o dilema do mentiroso.

REFLEXÃO
Você conhece a célebre história do bebê atribuída a Salomão?
Nela, duas mulheres reivindicaram a maternidade de uma
criança perante ele, e este, para resolver o dilema, ordenou a
um soldado que cortasse a criança ao meio e distribuísse as
partes entre as mulheres. Uma delas abriu mão da criança,

22 • capítulo 1
dizendo que prefereriria ver o filho nos braços de outra mãe a vê-lo morto. Salomão, AUTOR
então, entregou a criança a essa mulher por considerar esta a mãe verdadeira.
Galileu Galilei
O problema, nesse caso, é que esses tipos de declarações não permi- Galileu Galilei
tem uma decisão lógica, racional, pensada. Por quê? Porque os argumen- (1574-1642), con-
tos acerca deles mesmos ou autorreferentes não se resolvem pela escolha de siderado o precursor
uma das afirmações. do método científi-
co, reuniu as observações astronômicas
REFLEXÃO com a geometria e cálculos descreven-
do as órbitas de maneira mais acurada.
Um exemplo similar é conhecido como o dilema do mentiroso: Seus cálculos permitiram definir que o
Todos os minoicos são mentirosos (disse o minoico Epimênides). Sol é o centro do sistema e não a Ter-
Se quem disse todos os minoicos são mentirosos é um minoi- ra, confirmando o heliocentrismo de Co-
co então: (a) ou diz a verdade, logo nem todos são mentirosos; pérnico, o que contrariou as posições da
(b) ou mente, então não é verdade que todos os minoicos Igreja Católica. Além disso, Galileu Ga-
sejam mentirosos. lilei demonstrou que corpos com pesos
(massas) diferentes caem com a mesma
Voltemos ao caso da disputa da maternidade. Será que a decisão de velocidade quando não há atrito. Dentre
Salomão resolveu corretamente o dilema? Na narrativa, sim; mas pode- seus livros destacam-se Discorsi e Di-
mos nos perguntar se a mãe que abriu mão da criança o fez por ser mais mostrazioni Matematiche Intorno a Due
esperta do que a mãe biológica, que ficou tão chocada que não soube re- Nuove Scienze (1638), na Holanda,
agir. Nunca saberemos. A lição é: os argumentos que falam a respeito deles considerada a sua obra mais importante,
mesmos não são resolvidos por meio de uma análise lógica, são necessários na qual discute as leis do movimento e a
outros recursos. estrutura da matéria (ver foto).

PERGUNTA
Está dizendo que um argumento racional, bem constituído,
pode não ter validade prática, empírica?

Exatamente. Há argumentos perfeitamente lógicos que não são váli-


dos do ponto de vista experimental ou empírico. Considere o argumen-
to: Duas esferas, uma pesando dois quilos e a outra um quilo, são soltas si-
multaneamente: a de dois quilos cai duas vezes mais rápido. Lógico, mas
errado. Galileu demonstrou que os corpos caem na mesma velocidade
caso se desconsidere o atrito do ar.
Esse é um exemplo de como um conhecimento científico é contrain-
tuitivo, e mostra que um argumento perfeitamente lógico pode não ser
pertinente ao que se refere.

PERGUNTA
Então não é suficiente que um argumento seja
lógico para ser admitido como científico?

capítulo 1 • 23
COMENTÁRIO Exatamente, ser lógico não implica ser pertinente a uma situação.
Não fosse assim as ciências seriam um encadeamento de argumentos
Epistemológico perfeitamente lógicos.
A palavra epistemologia resulta da
reunião de dois vocábulos gregos: epis- PERGUNTA
temé, com o significado de conheci-
mento verdadeiro, confiável, científico; Mas a Matemática é assim, ela então não é uma ciência?
e, lógos, na acepção de discurso, nar-
rativa, estudo. Os gregos antigos não Sua pergunta requer que eu introduza uma distinção entre as ciências,
utilizavam essa palavra, que foi criada caso contrário, ficaremos em um beco sem saída (aporia, lembra?). Va-
pelo filósofo escocês James Frederick mos então explorar a próxima seção deste capítulo para falar do assunto.
Ferrier (1808-1864) para designar o
estudo de problemas tais como os exa-
minados neste capítulo. Gêneros ou tipos de ciências

Há dois grandes tipos, ou gêneros, de ciências: (a) as construtivas; e
(b) as reconstrutivas. Vejamos um primeiro quadro geral de distinção:

As construtivas são as Matemáticas e as Lógicas, que se


CIÊNCIAS caracterizam por desenvolverem seus argumentos uns
CONSTRUTIVAS sobre os outros com base em axiomas ou hipóteses de
partida, construindo os argumentos válidos.

CIÊNCIAS As reconstrutivas são todas as demais. Nelas se procura


RECONSTRUTIVAS reconstruir ou reconstituir os fenômenos para explicá-los.

Como foi dito acerca das práticas, o aspecto inferencial é uma re-
constituição do que se fez e faz para explicar a razão do fracasso, logo,
saber como realizar algo de maneira eficaz e eficiente. Os argumentos uti-
lizados nas ciências reconstrutivas não são válidos por serem lógicos, mas
por serem adequados e pertinentes ao que se está estudando. O exemplo
anterior acerca da queda dos corpos na superfície da Terra, na escala
humana, mostra o que acabo de dizer.

PERGUNTA
Acontece que a Física, por exemplo, usa muita matemática,
então ela é uma ciência construtiva?

Essa confusão decorre de como a Física é ensinada, não de seu caráter


epistemológico. É fato que os físicos descrevem os fenômenos utilizando
instrumentos emprestados da Matemática. Por exemplo, você estudou que
a força é definida pela multiplicação da massa pela aceleração (f = m.a). Essa
relação define a força, logo estabelece uma identidade (princípio da identi-
dade) em que o sujeito da proposição (força) não é em si e por si (absoluto),
é definido pela relação multiplicativa da massa pela aceleração. Essa relação

24 • capítulo 1
é bem simples: a força é a medida do deslocamento/aceleração da massa, AUTOR
quanto maior a massa mais força é necessária para a acelerar/deslocar.
Charles Darwin
REFLEXÃO Charles Robert Darwin
(1809-1882) alcan-
A fórmula é uma abstração reflexiva, raciocinada, acerca dos fenômenos físicos da çou notoriedade ao
mecânica na escala humana. Caso mudemos de escala, aquela fórmula não descre- publicar o livro A
verá adequadamente os fenômenos, sendo necessárias outras reconstruções. origem das espécies
(1859), no qual propôs a evolução a
Considere outra reconstrução contraintuitiva de fenômenos, agora com base em um ancestral comum por
no âmbito da Biologia. Intuitivamente, os seres vivos parecem que sem- meio de seleção natural. Essa obra e
pre foram tal como os conhecemos. No entanto, criadores de animais e demais trabalhos de Darwin consolida-
agricultores modificam as espécies que criam e cultivam. Logo, pode- ram a posição de um cientista influen-
mos afirmar que os seres vivos nem sempre tiveram a forma e os com- ciou inúmeros desenvolvimentos cientí-
portamentos que conhecemos, uma vez que os domesticados foram mo- ficos, em especial no campo da Biologia.
dificados pela ação intencional dos homens.

PERGUNTA
Como os homens fazem isso?

Em um grupo de animais ou de plantas há indivíduos que têm as ca-


racterísticas que interessam ao criador ou ao agricultor. Então, eles os
separam e os mantêm para reprodução, desprezando os demais. Esse
processo de seleção de alguns indivíduos que interessam aos homens
produziu e produz novas espécies: as que só reproduzem entre si; ou va-
riedades, as que se reproduzem com outras espécies.
Com base nessa constatação, Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet,
Cavaleiro de Lamarck (1744-1829), sustentou que as espécies existentes
procedem das anteriores que se modificaram para se adaptarem ao ha-
bitat ou meio. A explicação de Lamarck foi refinada por Charles Darwin
que propôs que a sucessão das espécies em um habitat decorre da sele-
ção natural e da seleção sexual.

ATENÇÃO
A seleção natural é similar à realizada pelos agricultores e pecuaristas, salvo por um
aspecto: não é intencional, se dá por acaso. Logo, a seleção natural é uma metáfora
resultante da comparação entre o tema (o assunto que está em exame, para o qual
ainda não se tem um conjunto de propriedades definidas, neste caso, a variedade
das espécies observadas em diversos lugares do mundo); e o foro (uma noção da
qual se extrai os significados a serem transportados ao tema, fornecendo as proprie-
dades que permitam defini-lo, atendendo ao princípio da identidade, aqui definido
como a seleção de animais e plantas intencionalmente realizada pelos homens).

capítulo 1 • 25
CONCEITO Como a seleção natural não é intencional, então é impróprio dizer:
A natureza fez isto ou aquilo, pois não há intenção na natureza. A seleção
Princípio de parcimônia natural ocorre por mudanças ambientais (até a primeira metade do sé-
É um princípio atribuído a Guilherme culo xx usava-se a expressão habitat) que forçaram o desaparecimento
de Occam (1285-1347), frade fran- de indivíduos bem adaptados ao meio e permitiram a sobrevivência dos
ciscano, filósofo e lógico inglês, o qual não muito adaptados ao anterior. Assim, não é preciso evocar alguma
recomenda recorrer apenas às pre- explicação mais complicada a respeito da sucessão das espécies.
missas estritamente necessárias para Darwin utilizou um dos critérios da argumentação científica conhe-
explicar algum fenômeno. Tal princípio cido como a navalha de Occam (princípio da parcimônia). O sentido des-
surgiu com base na máxima “plurali- sa recomendação é que as explicações concisas e conclusivas (rigorosas)
dades não devem ser postas sem ne- apresentam poucas hipóteses que podem ser verificadas ou testadas,
cessidade” (em latim, pluralitas non est enquanto as explicações complexas, com muitas premissas e pressu-
ponenda sine neccesitate). postos, são impossíveis de serem verificadas.
No entanto a teoria da sucessão das espécies (este é o nome correto da
teoria de Charles Darwin) em um habitat não se deve apenas à seleção na-
COMENTÁRIO tural, uma vez que o autor precisou de outro princípio argumentativo para
explicar o que aquele não consegue. Esse outro princípio, ou hipótese ex-
Peguntas ambíguas ou complexas plicativa ou premissa, é a seleção sexual, segundo o qual as fêmeas selecio-
Imagine a seguinte pergunta sendo fei- nam os machos, mantendo as características da espécie. Não se trata de
ta a você: “Você parou de beber?”. Se uma escolha intencional, mas sensorial (estética, de aistethesis, sensação,
você responder “sim”, pressupõe-se que percepção), de apreensão das características próprias da espécie.
você bebia, provavelmente em grande Assim, de um lado há a conservação pela seleção sexual e de outro,
quantidade (subentendido). Se respon- as mudanças acidentais no ambiente aniquilam grande número de in-
der “não”, pressupõe-se que você conti- divíduos adaptados ao anterior e, com sorte, alguns que não eram tão
nua bebendo, provavelmente um alcóla- adaptados sobrevivem na nova situação.
tra (subentendido).
Para bem conduzir o raciocínio, é preciso ATENÇÃO
perguntar quais as qualidades que legiti-
mamente podem ser atribuídas ao sujei- De um mesmo ponto de partida, as espécies não são fixas, chega-se a pelo menos
to de uma proposição. Uma das armadi- duas explicações: a de Lamarck e a de Darwin. A decisão a respeito do valor argu-
lhas envolvidas nas perguntas é o duplo mentativo de ambas não depende da fama de seus autores, mas das investigações
significado, como vimos no exemplo. que permitam dizer qual delas é mais completa ou, para dizer de maneira técnica,
qual delas é concisa e conclusiva ou, o que significa a mesma coisa, rigorosa.

Uma explicação concisa, em que os argumentos são claros e diretos,


sem volteios e ornamentos, apresenta claramente a hipótese sobre a
qual se sustenta e conclui com base nessa premissa, ou seja, cumpre as
recomendações de Occam (princípio da parcimônia).
Assim, os adversários podem testar a validade da hipótese apresen-
tada. Como as hipóteses são apresentadas como questões, nas quais é
preciso apresentar duas respostas contrárias (princípio do terceiro ex-
cluído), então a forma da pergunta é decisiva, considerando-se a preocu-
pação de evitar perguntas ambíguas.
Temos, então, mais um critério para saber se um conhecimento é ou
não científico. Caso o conhecimento apresente explicitamente a hipótese ou

26 • capítulo 1
premissa sobre a qual sustenta a conclusão, então ele pode ser confiável. Pode COMENTÁRIO
ser não significa que é, pois é preciso que outros especialistas corroborem,
tendo verificado a pertinência da hipótese e da conclusão por meio de obser- Alquimia
vações controladas ou experimentos. Logo, o conhecimento científico não é Para os alquimistas, as explicações
a expressão da subjetividade de uma pessoa, mas o resultado de um coletivo. que temos para a vida na escala hu-
mana valiam para o universo inteiro,
para o cosmo. Assim, eles diziam que
Há conhecimentos confiáveis que não os raios do Sol fecundam a Terra como

são científicos, mas todo conhecimento o esperma fecunda a fêmea, em uma


cosmovisão integralmente vinculada
científico é confiável à reprodução sexual. Essa concepção
holística (totalizante) sustenta que a
A explicação rigorosa, concisa e conclusi- Terra é como uma mulher, e o Sol é
va própria das ciências é testável por qual-
A diferença como um homem.
quer pessoa que domine os procedimen- entre um e outro
tos metodológicos e técnicos necessários. decorre dos
Além disso, os conhecimentos cien- procedimentos EXEMPLO
tíficos reconstrutivos referem-se a fe-
utilizados para
nômenos delimitados no espaço e no Procedimentos
tempo, e têm validade na escala estabe-
validá-los. Os procedimentos experimentais da Fí-
lecida em cada ciência; logo, não são generalizáveis para além ou aquém sica, por exemplo, nem sempre são úteis
do que dizem. Isso significa que as explicações ou teorias constituídas nas pesquisas a respeito de seres vivos.
para a escala humana não são aplicáveis às escalas micro ou macro. Um
exemplo de impropriedade de passagem de uma escala para a outra é a
alquimia, que dominou o horizonte intelectual dos séculos xvii e xviii.
Essa concepção holística, como vimos nos alquimistas, aparece em
muitos discursos contemporâneos, como a afirmação de que a Terra vin-
ga-se das ações dos homens, ou que a Terra, Gaia, é mulher, uma mãe. São
concepções animistas, pois consideram os seres inanimados como se fos-
sem dotados de alma e afirmam que tudo está ligado a tudo, censurando
as ciências por recortarem a realidade de tal maneira que se perde o todo.

PERGUNTA
Haveria um método geral para produzir conhecimentos confiáveis?

Há regras gerais de conduta e de análise dos argumentos, pois elas


são necessárias em qualquer situação que tem por objetivo estabelecer a
verdade ou verossimilhança do que se diz acerca do sujeito de uma pro-
posição, como vimos. Mas não há um e apenas um método científico.
Isso porque o método é um conjunto de procedimentos vinculados ao
objeto, sujeito das proposições, de cada ciência.
As ciências reconstrutivas estabelecem os seus objetos por meio da
comparação entre o tema, assunto que se quer explicar, com alguma
noção que se conhece ou o foro da comparação.

capítulo 1 • 27
CONCEITO PERGUNTA
Modus tollens Por que é preciso estabelecer o foro de comparação?
Modus tollens (modo de tirar) é uma for-
ma de organizar o raciocínio que exclui Porque o tema ou o objeto da investigação precisa ser definido (princí-
sucessivamente as hipóteses até que pio da identidade), o que requer um conjunto delimitado de propriedades
reste apenas uma, a que melhor explica ou categorias para falar a seu respeito: as proposições utilizadas nas ex-
o afirmado na premissa maior. plicações (princípios da não contradição e do terceiro excluído). Recorde-se
que proposição é uma frase que afirma ou nega alguma coisa.
Por exemplo, na afirmação A Terra é como um organismo vivo, tal como
o corpo humano, compara-se duas noções diferentes para transportar os
significados admitidos acerca do corpo humano (foro da comparação)
para o tema que se quer significar ou ressignificar, o planeta. Transfe-
re-se, por exemplo, os significados de sentimentos humanos ao planeta
para afirmar: A Terra se vinga.

PERGUNTA
Não se pode confiar nessa comparação, não há
evidências de que o planeta tenha sentimentos.

Você pôs em dúvida a comparação que deu origem àquela proposi-


ção, logo utilizou um esquema de pensamento denominado ironia. Esse
tipo de questionamento é necessário tanto para produzir conhecimen-
tos científicos quanto para avaliar os apresentados sob esse rótulo.
Retornemos ao que foi apresentado no início deste capítulo, o es-
quema dialético necessário para estabelecer se alguém cometeu ou não
homicídio e acrescentando outro que permite decidir acerca da melhor
explicação ou hipótese: o modus tollens (modo de tirar).
Vamos ver como isso se daria em um caso hipotético, a título de ilus-
tração. No exemplo de uma acusação de homicídio, o esquema poderia
ser o seguinte:

PREMISSA MAIOR
Fulano está morto

PREMISSA MENOR E PREMISSA MENOR E PREMISSA MENOR E


PRIMEIRA HIPÓTESE SEGUNDA HIPÓTESE TERCEIRA HIPÓTESE
Fulano morreu Fulano não morreu, mas,
Fulano foi assassinado
naturalmente sim, seu irmão gêmeo

CONCLUSÃO
Não há conclusão enquanto não se excluir as hipóteses concorrentes
restando apenas uma, a que melhor explique o fato fulano está morto.

28 • capítulo 1
Esse exemplo é muito simples, pois só apresenta três hipóteses contrárias e delimita-
das. A decisão acerca da pertinência de se admitir a hipótese que melhor explique o cons-
tatado (a premissa maior) é estabelecida pelos especialistas que argumentam acerca dos
indícios, comparando com as situações conhecidas para alcançarem uma conclusão de-
fensável e confiável. Esse debate pode ocorrer, como já foi dito, na situação social denomi-
nada dialética.

PERGUNTA
Afinal, por que você diz situação dialética e não método dialético?

Porque as técnicas argumentativas estão condicionadas pelo que se quer e se pode fazer
em uma situação social, não no mundo aquém ou além dos humanos. É a instituição ou a
situação social que permite avaliar e estabelecer conhecimentos admissíveis para todos os
interessados, e isso requer que os envolvidos tenham ampla liberdade para discordar, para
contraditar os argumentos. Certamente os envolvidos precisam ter os mesmos conheci-
mentos acerca do assunto, caso contrário a discussão não será produtiva.

PERGUNTA
Por que é preciso que seja assim?

Para evitar que as conclusões sejam a expressão dos desejos e crenças de uma pessoa ou
de um grupo. Essa regra é uma extensão daquela que estabelece que a verdade não depende
de alguma autoridade, seja ela qual for, mas das evidências estabelecidas pelos argumen-
tos acerca dos indícios e evidências.

PERGUNTA
Ah! Então trata-se de um consenso, de um acordo entre as partes?

Uma vez que o plausível foi estabelecido por meio de um debate em que as partes tive-
ram ampla liberdade para discordar, então o seu resultado não é um consenso, pois muitos
argumentos foram destruídos, o que não ocorre em um consenso político, por exemplo.

PERGUNTA
Por que o conhecimento científico não é um consenso? Kuhn não afirmou que o pa-
radigma é um consenso?

É certo que Thomas Kuhn afirmou que as ciências constituem-se sobre consensos. Mas esse
consenso sustenta-se no quê e no como fazer, não é análogo aos estabelecidos nas situações
parlamentares, por exemplo, em que os enunciados são ambíguos o suficiente para que todos
concordem. Há consenso acerca da teoria que estabelece o tema a ser estudado, como investi-
gar e sobre os procedimentos, mas os resultados das pesquisas caracterizam-se pela destruição de

capítulo 1 • 29
hipóteses contrárias. Uma vez que os argumentos admitidos resultam da destruição de outros,
então não se pode falar em consenso.

PERGUNTA
Então é preciso saber quais as diferenças entre as situações sociais em que essa ou
aquela técnica argumentativa é válida. Qual é, então, a situação social que permite esta-
belecer os conhecimentos científicos?

Em princípio, os cientistas estão interessados em estabelecer a pertinência e adequa-


ção dos argumentos aos fenômenos que estudam. Certamente os cientistas, que são tão
humanos quanto você e eu, não querem perder as subvenções para suas pesquisas, seus
postos nas universidades e empresas, nem os poderes decorrentes. Mas isso não determina
o valor das proposições que compõem uma teoria científica.

REFLEXÃO
Na situação social que permite produzir os argumentos científicos, os envolvidos têm um conhecimento
similar e podem deliberar livremente, portanto é uma situação regida pelos valores da democracia. Caso
a situação seja regulada pelos valores da nobreza de sangue, pelas filiações partidárias, ou seja uma
situação na qual uma autoridade tem a palavra final, então não há condições para a constituição de conhe-
cimentos científicos, ainda que nelas se produzam outros tipos de conhecimentos.

Em uma situação de livre debate, qualquer proposição pode ser questionada por não
obedecer às regras da lógica, como o modus tollens, que elimina as hipóteses concorrentes
para ficar com a que melhor explica o fenômeno. Já vimos que a situação em que são de-
finidas as qualidades próprias do sujeito de uma proposição utiliza-se da arte dialética; a
situação em que se estabelecem consensos políticos é própria da arte retórica.

PERGUNTA
E a retórica é a arte da mentira, do engano…

De fato, como toda técnica, os esquemas retóricos podem ser utilizados para enganar,
mas são necessários para estabelecer os pontos de partida dos argumentos, particularmen-
te o que se diz ser o real, a coisa a ser investigada, para atender o princípio da identidade.
Isso se faz por meio de figuras ou esquemas próprios da retórica: que tem por operadores a
ligação e a dissociação de noções, as quais podem ser questionadas pela ironia.

REFLEXÃO
Por isso, as técnicas retóricas também são utilizadas na situação dialética e nesta são operadas para aten-
derem outros objetivos: a busca do verossímil ou plausível, por meio das figuras ou esquemas que afirmam
o que é o real, a coisa, o sujeito da proposição (princípio da identidade).

30 • capítulo 1
PERGUNTA
Você quer dizer que as qualidades que definem o sujeito de uma proposição têm
origem em esquemas retóricos? Por que não são dialéticos, como vinha dizendo?

De fato, os mesmos esquemas são utilizados por essas duas técnicas. A diferença entre
a retórica e a dialética está nos objetivos de cada uma na situação social. O objetivo da retó-
rica é persuadir um auditório extenso a respeito da pertinência de uma recomendação ou
conselho; o objetivo da arte dialética é definir o que se considera verossímil para um grupo
restrito de pessoas que têm o mesmo conhecimento acerca de um assunto. Em ambas as
situações é preciso dizer do que se trata, qual o problema que requer a deliberação de um
grande auditório (ou até mesmo de um grupo pequeno), no limite da pessoa argumentando
consigo mesma. Para isso se recorre aos esquemas que permitem dizer o que é a realidade.

Esquemas ou figuras para dizer o que é real: os de


ligação, de dissociação de noções e a ironia

São os esquemas de ligação e de dissociação de noções. A ligação entre noções apare-


ceu nos exemplos anteriores em que se afirmou, por exemplo, que a Terra é semelhante
ao corpo humano. A dissociação faz o inverso, divide uma noção tradicionalmente uni-
da em dois termos para compará-los. Por exemplo, ao dizer: fulano é um pseudomédico,
afirma-se que haveria médicos “de verdade”, os quais possuiriam qualidades superio-
res e desejáveis da profissão.
Esses dois esquemas são necessários para dizer o que é?, ou seja, estabelecer a identidade
do que está em disputa, em debate numa situação social qualquer; logo, também na científica.

PERGUNTA
O que está em questão quando se debate?

Não os significados das palavras, uma vez que esses são menos ou mais convencionais.
Nem se discute o que aparece para todos como um fato, como inquestionável. O centro dos
debates é a comparação utilizada para constituir uma metáfora ou uma metonímia origi-
nada do esquema de ligação, bem como uma dissociação utilizada para comparar o que
se diz ser melhor ou superior. Um exemplo extraído da História das Ciências será útil para
apreender o que eu disse.

EXEMPLO
No início do século xx havia um grande debate a respeito da composição da matéria. Steven Weinberg
(nascido em 1933) foi um dos físicos que se envolveu nesse debate, propondo que a matéria seria com-
posta por corpúsculos individuais que se comportariam como um enxame de insetos, logo, produziu uma
metáfora: as partículas elementares são como um enxame de insetos. Seus adversários ironizaram essa

capítulo 1 • 31
metáfora dizendo que a física de Weinberg é uma zoologia, destruindo a comparação que sustentava argu-
mento, mas não atingindo a pessoa.

É comum confundir ironia com sarcasmo, o que não é correto, pois este atinge as qualidades da
pessoa para destruir os seus argumentos, enquanto a ironia tem por alvo o argumento.

Em suma, o procedimento dos cientistas é o mesmo das demais pessoas quando preci-
sam significar ou ressignificar alguma coisa: comparam um tema, o que se quer significar
ou ressignificar, com um foro, do qual são extraídos alguns significados para o tema, o que
pode produzir uma metáfora ou uma metonímia.

ATENÇÃO
Os cientistas denominam esse procedimento de modelagem, do qual se obtém um modelo. O modelo e a
metáfora estão no lugar da realidade estudada, constituindo o núcleo argumentativo de teorias estabeleci-
das pelos cientistas, portanto se sustentam na comparação que fizeram.

Isso significa que é preciso identificar o foro de uma comparação para poder avaliar se
os argumentos podem ser admitidos. Já no caso da constituição de acordos éticos, ou seja,
das normas éticas ou políticas, recorre-se aos debates que têm por técnica a retórica, e o
resultado é obtido por votação ou por consensos, sempre precários.
As ciências constituem-se por meio da arte dialética, afirmando a plausibilidade de uma
hipótese que explica melhor o que se observa ou o fenômeno, eliminando as hipóteses con-
correntes; na situação retórica, pode-se obter um consenso por meio do voto, afirmando o
que se considera desejável ou preferível, o que vale a pena sustentar (valores).

PERGUNTA
Então as ciências são neutras?

Se neutro significar desprovido de valores, então não são neutras, pois obedecem àque-
les requeridos na situação dialética; mas, se por valores se quer significar a defesa de uma
política partidária ou de alguma confissão religiosa, então a ciência precisa ser neutra. Os
enunciados científicos não atendem aos imperativos éticos defendidos por seus críticos, os
quais exigem que aqueles enunciados sejam adaptados ao que eles consideram importan-
te, mesmo que outros grupos sociais não concordem com eles.

REFLEXÃO
De fato, um argumento científico é valioso por si mesmo ao sustentar que as coisas são dessa ou
daquela maneira, sem que o desejável para os cientistas particulares tenha algum valor. Recorde o
caso da acusação de homicídio, mesmo se o réu for uma pessoa indesejável não pode ser considerada
culpada por essa razão.

32 • capítulo 1
A objetividade não é algo acima ou abaixo do humano, é desejável por ser necessária
para organizarmos nossa vida diária. O cientista pode desejar algo que suas pesquisas mos-
tram ser irreal, caso ele não reporte isso, então cometerá uma fraude, pois distorceu os
fatos para atender aos seus desejos (ver Pracontal, 2004).

Resumindo
As ciências diferem dos demais modos de dizer alguma coisa acerca do mundo por seu
modo de produzir os conhecimentos, os quais podem ser alterados sempre que se mos-
trem inadequados ou pouco explicativos. As ciências são produzidas por pessoas comuns
que se dedicam ativamente às tarefas coletivas que têm por objetivo esclarecer os fenôme-
nos tratados em cada uma delas, segundo seus critérios de validação.
Além disso, o desejável na vida social democrática também regula as condutas metodo-
lógicas dos cientistas. Isso porque os procedimentos dialéticos sustentam-se nas normas
da democracia que são muito anteriores ao modo de conhecer utilizado pelos cientistas.

RESUMO
As suas principais diretivas éticas são:
(a) nunca atacar a pessoa para atingir os seus argumentos;
(b) todas as pessoas que tenham o mesmo conhecimento acerca de um assunto podem deliberar a seu respeito;
(c) a fraude, a mentira, a dissimulação devem ser rigorosamente punidas.

Por isso, quando alguém argumenta contra uma teoria, apresentando uma lista de más
qualidades da pessoa que a expôs, é preciso ficar mais atento, uma vez que quem acusa
provavelmente não tem argumento melhor ou nem sabe como contraditar.

RESUMO
A situação social em que os conhecimentos científicos são desenvolvidos e em que são comunicados
obedece às regras anteriores, bem como as da argumentação raciocinada, a qual tem por fundamento os
seguintes princípios:
• da identidade – o sujeito de uma proposição deve ser claramente delimitado ou definido: o sujeito de
uma acusação é o sujeito aqui presente e tem tais e quais qualidades (predicados);
• da não contradição – as qualidades atribuídas ao sujeito de uma proposição não podem ser contrárias na
mesma situação de acusação ou atribuição daquelas qualidades ou de predicação. Por exemplo, ou fulano é
criminoso ou não é criminoso, não pode ser criminoso e não ser criminoso na mesma situação de acusação;
• do terceiro excluído – determina que apenas duas qualidades contrárias podem ser atribuídas ao sujei-
to da proposição, não há uma terceira em disputa.
Sendo assim, é preciso reduzir todas as qualidades contrárias a duas e apenas duas, caso contrário
não há como decidir, sempre obedecendo ao princípio da parcimônia (navalha de Occan, lembra?), ou
seja, apresentar apenas e tão somente as premissas consideradas pertinentes e de maneira direta,
clara, sem ornamentos.

capítulo 1 • 33
CONCEITO O argumento é um silogismo, palavra de origem grega que pode ser
traduzida por dedução. O estudo do silogismo e das suas figuras ou es-
Modus tollens quemas não foi apresentado aqui, só apresentamos uma delas: o modus
tollens, por ser a que interessa ao procedimento de constituição de ar-
gumentos que tenham por objetivo estabelecer a plausibilidade.
As disputas para estabelecer os conhecimentos confiáveis recorrem
à arte ou técnica dialética, que requer uma decisão a respeito de duas
qualidades contrárias e que se afirmam pertencer ao sujeito de uma pro-
posição. Essa situação social envolve poucas pessoas (as que conhecem
bem o tema) e, no limite, apenas uma pessoa; além disso, não há um
tempo predeterminado para obter uma decisão.
A técnica retórica tem por objetivo persuadir muitas pessoas, por
isso os argumentos precisam ser breves e diretos, pois o auditório não
tem como acompanhar longos desenvolvimentos argumentativos; bem
Como já vimos, o modus tollens é um como o tempo concedido aos oradores é bem demarcado, o que exige
esquema silogístico que se carateriza argumentos muito bem escolhidos e breves. Algumas restrições que
por apresentar várias hipóteses con- cabem na situação dialética não são impostas na situação retórica. Por
correntes a respeito do afirmado na exemplo, caso o auditório assim admita, pode-se atacar a pessoa para
premissa maior para excluir as impro- destruir as propostas do adversário.
váveis e estabelecer uma e apenas
uma que se apresenta como a melhor RESUMO
explicação. Se uma premissa menor
explicativa não for testável, então se O estabelecido na situação dialética, bem como nas deliberações que ocorreram
pode desconfiar da validade do argu- na situação retórica podem ser ensinadas ou expostas aos que não sabem. Essa
mento. Por exemplo, a classificação outra situação implica uma relação social diferente, pois quem sabe expõe o que
das pessoas com base em testes de se sabe aos que aprendem, os quais não deliberam acerca da validade do apre-
inteligência não é válida, pois não há sentado, mesmo quando não concordam. É uma situação unilateral e o tempo da
evidência de que tais instrumentos exposição é muito variável.
meçam o que se denomina inteligência
(ver, por exemplo, Gould, 2003). Na Você já percebeu que o problema da verificação do valor argumen-
foto você vê um exemplo de uma ma- tativo de alguma comunicação científica só pode ser sustentado caso a
triz com arrumação lógica de figuras, comunidade tenha critérios que independam dos gostos de cada um.
utilizada para aferição de q.i. (quocien- Esses critérios encontram-se nas metodologias e técnicas científicas, as
te de inteligência). que você estudará nos capítulos seguintes.

34 • capítulo 1
BIBLIOGRAFIA
ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas Ciências Naturais e Sociais. 1ª ed. São Paulo:
Pioneira, 1998.
ARISTÓTELES. Elencos sofísticos. Lisboa: Guimarães Editores, 1986.
GOULD, S. J. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação. A Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
PRACONTAL, M.l de. A impostura científica em dez lições. São Paulo: Unesp, 2004.
WESTON, A.. A Arte de Argumentar. Lisboa: Gradiva, 2005. Edição digital gratuita em: <http://www.mazzotti.pro.br/
styled/page14/files/a-arte-de-argumentar-a.pdf>.

IMAGENS DO CAPÍTULO
p. 10 Ghent Altarpiece p. 20 Cisnes negros p. 25 Darwin
Jan van Eyck · Wikimedia . dp Adrian Pingstone · Wikimedia . dp Cortesia da University of Texas
Libraries · Wikimedia . dp
p. 11 Diálogo p. 22 Ludwig Wittgenstein
Victor Maia · Estácio Autor desconhecido · Wikimedia . dp p. 34 Exemplo de matriz
progressiva de Raven
p. 12 A estrutura das revoluções p. 22 Ícone do Rei Salomão,
Paulo Vitor Bastos · Estácio
científicas Monastério de Kizhi, Rússia
Divulgação · Editora Perspectiva Autor desconhecido · Wikimedia . dp

p. 13 Alcatraz p. 23 Epimenides
Barnellbe · Wikimedia . cc Autor desconhecido · Wikimedia . dp

p. 18 Folhas de Salix Alba p. 23 Discorsi e Dimostrazioni


MPF · Wikimedia . cc Matematiche
Autor desconhecido · Wikimedia . dp

capítulo 1 • 35
2
Conhecimento
e pesquisa na
universidade

cynthia paes de carvalho


2 COMENTÁRIO
Conhecimento e pesquisa
na universidade
No primeiro capítulo, discutimos a respeito da natureza do conheci-
mento científico e sobre como é possível diferenciá-lo de outras formas
Em situação de compreensão do mundo, estabelecendo critérios e procedimentos
De fato, desde a língua com a qual pen- para identificar a confiabilidade do conhecimento. Neste capítulo, con-
samos e nos comunicamos, até a nossa tinuaremos discutindo sobre a ciência e o conhecimento que ela pro-
capacidade de perceber muitos tons de duz; particularmente, aquele que é construído nas instituições de ensi-
uma mesma cor guarda relações es- no superior ou universidades.
treitas com nossa experiência pessoal
no contexto em que vivemos. Para um
canadense, por exemplo, é comum re- Conhecimento e Sociedade
conhecer como o branco da neve varia;
para um brasileiro que nunca tenha visto Em uma perspectiva mais tradicional do que seja ciência, você pode
neve, tudo pareceria “a mesma coisa”. pensar que a construção do conhecimento científico começa com o
interesse ou a curiosidade de alguém — o cientista — sobre alguma
coisa que ocorre no contexto em que vive, desde a queda de uma pe-
dra, a cor verde da folha de uma planta, a falta de chuva ou uma doen-
ça que afeta alguém da família.
Com base nesse interesse, o cientista examina os fatos e constrói re-
lações de causa e consequência para desenvolver uma explicação sobre
o fenômeno. O passo seguinte é prever consequências para testar a ex-
plicação construída. As consequências previstas devem então ser opera-
cionalizadas de forma que possam ser verificadas de alguma maneira,
como em um experimento, por exemplo.

REFLEXÃO
O questionamento mais frequente a essa maneira de ver o conhecimento científico
considera que os cientistas ou pesquisadores em geral também são movidos por
sentimentos, emoções e interesses, como todos nós.

Mais ainda, como qualquer ser humano, eles também estão sempre
em situação, ou seja, são necessariamente limitados pelo contexto so-
cial, cultural e pelo momento histórico em que vivem.
Da mesma forma, os problemas ou fenômenos da natureza ou da
sociedade que achamos importante compreender também estão rela-
cionados às vivências e escolhas com base no que cada um de nós vive e
pensa. Estamos todos sempre necessariamente imersos em um conjun-
to de circunstâncias culturais e ambientais, em determinado momento
da história da humanidade.

38 • capítulo 2
REFLEXÃO COMENTÁRIO
Nesse sentido, tanto a seleção do que se quer estudar quanto a maneira como o Fraude
fazemos, estaria contaminada por essa condição humana, que limitaria as possibi- É comum encontrarmos relatos de frau-
lidades de análise objetiva dos fatos. A própria comunidade científica, que seria a de em pesquisas ou atividades científi-
referência para validação dos conhecimentos construídos, também é composta por cas. Segundo matéria da Folha Online
pessoas com suas respectivas limitações e interesses. Uol (30/10/2013), caderno "Ciência",
cresce número de artigos científicos
Desse ponto de vista, uma nova teoria ou um resultado de pesquisa acusados de fraude ou erro. Na mesma
poderia ser questionado, não com base em uma análise rigorosa de seu matéria, cita um jornalista americano da
mérito científico ou de sua contribuição para o conhecimento, mas por revista Science que enviou para mais de
ser contrária ao pensamento majoritário em uma área ou até por con- 300 revistas científicas de acesso livre
trariar interesses relativos ao financiamento de outras pesquisas ou de um estudo científico falso: metade das
suas aplicações na sociedade. revistas o aceitou.
Por outro lado, como grande parte das pesquisas são desenvolvidas
em universidades atualmente, o contexto de crescente pressão pela
publicação de resultados como condição da continuidade de apoio ao CONCEITO
trabalho do pesquisador pode, inclusive, favorecer fraudes com falsifi-
cação de resultados. Revolução Industrial
Mesmo levando em conta toda a discussão do Capítulo 1 sobre a con-
fiabilidade do conhecimento e as considerações anteriores, sua relevân-
cia social está consagrada. Desde a Revolução Industrial, no século xviii
e xix, até as primeiras décadas do século xxi, os impressionantes avanços
da ciência em todas as áreas — da Física à Medicina ou às Tecnologias de
Informação e Comunicação que inundam nosso cotidiano — consolida-
ram a centralidade do conhecimento no mundo contemporâneo.
Por isso é importante entender como se desenvolve o conhecimento
científico, particularmente no ambiente universitário, desde o início do
curso de graduação. Esperamos que, dessa forma, você possa aprender a Foi um conjunto de rápidas transforma-
consumir o conhecimento científico já acumulado e disponibilizado de ções econômicas que se iniciou na Grã
forma mais criteriosa e consciente. -Bretanha, em torno de 1760, a partir
da introdução em escala crescente da
ATENÇÃO ciência e tecnologia nos processos pro-
dutivos, mudando radicalmente a ma-
Mais do que isso, acreditamos que assim você poderá desenvolver uma formação pro- neira como eram produzidas as merca-
fissional que também abra perspectivas para participar da construção desse conheci- dorias (tecidos, máquinas, ferramentas
mento e compreender sua inserção futura no mundo do trabalho com maior qualidade. etc.), bem como das formas e condições
de vida na sociedade com a introdução
das máquinas a vapor, da iluminação
elétrica, do telégrafo etc. Na foto você
A prática científica vê a máquina a vapor de James Watt,
construída em 1859.
Muita gente acha que os cientistas caminham rapidamente da curiosi-
dade sobre determinado problema ou fenômeno para a elaboração de uma
teoria que o explica, mas, na verdade, a prática científica não é bem assim.

capítulo 2 • 39
CONCEITO Frequentemente o interesse sobre um problema vem de pesquisas feitas
antes, pelo próprio cientista ou por outros, que nem sempre conseguem
Resposta alcançar respostas satisfatórias ou consistentes. Assim, não é raro que a
O Antropólogo Carlos Rodrigues Bran- prática científica comece pela resposta e não propriamente pela pergunta.
dão afirma que a realidade muitas vezes
nos coloca respostas difíceis de per- REFLEXÃO
guntar (1983, p. 130).
É comum nos depararmos com situações na natureza ou na sociedade que não
compreendemos, e não é simples construir as sequências de perguntas que corres-
pondam a respostas que expliquem a situação. Por isso, o maior desafio é aprender
a formular perguntas que possam corresponder àquelas respostas que a natureza
ou a sociedade nos apresentam.

Assim, você pode partir da observação de um conjunto de fatos


e tentar desenvolver uma explicação de por que isso acontece. Por
exemplo: no Brasil, a maior parte dos estudantes de Pedagogia é mu-
lher, e a maioria dos engenheiros é homem. Com base nessa cons-
tatação, vamos rascunhar um esquema investigativo para usar como
exemplo do que acabamos de ver?

MULHERES HOMENS
A maioria dos estudantes de A maioria dos estudantes de
Pedagogia é mulher Engenharia é homem

INTERPRETAÇÃO DO SENSO COMUM


Mulheres gostam de crianças; homens, de cálculo

ESFORÇO CIENTÍFICO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO


Possíveis perguntas para construir o conhecimento sobre os fatos

A causa do fenômeno seria


então apenas uma questão de O valor do salário médio das 2
características de ser homem profissões é semelhante?
ou mulher?

Qual a origem social e a


As 2 profissões possuem a
escolaridade dos estudantes de
mesma valorização na sociedade?
cada um desses cursos?

O grau de dificuldade associado


ao acesso a cada curso é ... e tantas outras perguntas...
semelhante?

40 • capítulo 2
RESUMO
Enfim, de pergunta em pergunta, surgem novas pistas de investigação que pouco a pouco poderão
conduzi-lo a uma compreensão mais completa e consistente do que você observou. Para formular essas
perguntas, inicialmente você tem de reunir algumas hipóteses explicativas (como se o sexo da pessoa
determina o gosto por crianças ou por matemática?), verificar suas implicações e testar sua adequação
ao fenômeno que você quer entender. Se as explicações não parecerem satisfatórias ou suficientes, é
preciso rever as perguntas e os caminhos que você seguiu com elas para que as respostas que você
encontrar façam sentido.

Frequentemente precisamos construir novas perguntas para analisar outros aspectos


de uma situação ou fenômenos que ainda não foram estudados. É dessa forma que seu
conhecimento vai se ampliando e você começa a construir algumas conclusões — sempre
provisórias —, até que consiga identificar outros aspectos e testar se as respostas encontra-
das realmente se encaixam ou correspondem às perguntas que você formulou.

ATIVIDADE
Esta é a primeira sugestão de atividade relacionada ao tema. Vamos fazer?
1)  Procure na internet — de preferência em sites de jornais de grande circulação, que quase sempre possuem
seções específicas sobre ciência — duas notícias sobre descobertas científicas. Não se limite apenas a sua área
de formação, busque também notícias sobre uma descoberta científica de uma área diferente da sua.

2)  Lendo com atenção as notícias, procure identificar, em cada caso, que fatos se desejava explicar (as
respostas da realidade) e que sequência de perguntas ou hipóteses foram feitas pelos cientistas para
construir a explicação sobre tais fatos.

O encaixe entre os fatos observados (as respostas da realidade) e as hipóteses de explica-


ção (as perguntas que você formula para tentar entender) precisam ser operacionalizados
em um encadeamento lógico de causas e consequências, que possam ser postos à prova em
várias situações.

REFLEXÃO
Muitas vezes o conhecimento vai progredir mais quando o que você esperava que acontecesse não ocorre
— caso sua hipótese explicativa estivesse correta —, do que o contrário. Bachelard (1996) nos lembra que
a realidade é feita de luzes e sombras, e mesmo quando você acha que conseguiu lançar alguma luz sobre
um problema e assim compreendê-lo melhor, essa mesma luz mostra sombras (limites do que consegui-
mos ver ou compreender) que estão ancoradas nos erros encontrados no conhecimento que tínhamos
anteriormente, contra o qual o novo conhecimento se desenvolve.

Desse ponto de vista, a formação de um cientista ou pesquisador, mais do que um pro-


cesso acadêmico, se faz pelo desenvolvimento de um conjunto de atitudes ou posturas
intelectuais face ao contexto e frente a si mesmo. Podemos dizer que o mesmo se aplica
atualmente a qualquer profissional, especialmente se considerarmos o turbilhão de infor-

capítulo 2 • 41
COMENTÁRIO mações e de novas tecnologias e desafios postos no mundo do trabalho
e na vida social em geral. Isso vale particularmente para profissionais de
Trajetória pessoal nível superior, como você será.
Além disso, a atitude questionadora e curiosa frente à realidade que
nos cerca também pode ser considerada uma condição de cidadania,
na medida em que favorece a tomada de decisão informada, reflexiva e
consequente, fundamental em qualquer âmbito da atividade humana.

ATIVIDADE
Esta atividade é uma extensão da primeira. Desta vez, recomendamos
que você:
É preciso fazer um esforço permanente 1)  Escolha uma notícia recente de jornal;
de análise da bagagem social e cultu- 2)  Construa um conjunto de perguntas sobre os fatos relatados para reunir infor-
ral que você carrega, em um movimento mações confiáveis;
de autoconhecimento, para entender as 3)  Reflita sobre qual poderia ser seu posicionamento consistentemente informado
razões e o contexto que formaram suas como cidadão.
convicções, seus interesses e suas in-
terpretações do mundo em que vive, do No seu processo de formação universitária, você vai perceber que o
seu ambiente de trabalho, de sua circu- trabalho intelectual não pode ser separado da vida. No exemplo que dis-
lação social e familiar ou de seu lazer. cutimos anteriormente neste capítulo, provavelmente tanto as hipóteses
explicativas sobre as escolhas de cursos universitários, quanto o próprio
interesse pelo tema, estão relacionados à trajetória pessoal de quem co-
COMENTÁRIO loca o problema, como ao fato dessa pessoa ser mulher ou homem.
Esse esforço de reflexão pode ser muito importante para que você
Provisório desenvolva sua capacidade de formular perguntas que correspondam às
Nesse sentido, como vimos no Capítulo respostas dadas pela realidade, para compreendê-la melhor e agir sobre
1, o paradigma do conhecimento cientí- ela com base nas próprias reflexões. Portanto, você deverá desenvolver
fico aponta para o caráter sempre data- uma atitude questionadora das interpretações fáceis e tantas vezes equi-
do da ciência e para a possibilidade de vocadas do senso comum, com disposição para rever o conhecimento
sua crítica de forma rigorosa e sistemá- acumulado, que é sempre provisório, construído historicamente e me-
tica como uma das principais condições diado por contextos e culturas.
de validade e possibilidade de seu de- É preciso não perder de vista que dados são sempre construídos,
senvolvimento. Ou seja, o conhecimento pois não se podem coletar informações sem instrumentos adequados.
científico é sempre provisório. Os instrumentos, por sua vez, são elaborados em uma articulação entre
o arsenal existente testado em outras pesquisas da área e a sensibilida-
de e experiência de cada pesquisador. Sua capacidade de registro siste-
mático e rigoroso dos passos percorridos, possibilitando a exposição do
caminho trilhado e a crítica dos demais pesquisadores, será a base para
uma elaboração consistente de sua investigação.

Já que mencionamos a palavra instrumento, vejamos um texto sobre ensino de


Física que trata de um deles, denominado termômetro. Esse texto ilustra bem a
necessidade de termos instrumentos adequados para o que queremos medir:

42 • capítulo 2
Através de seus sentidos, o homem trava conhecimento com o mundo físico que o cerca. A pri-
meira noção de temperatura de um sistema é estabelecida a partir da sensação térmica que o tato
proporciona, traduzida pelos termos frio, quente, gelado etc. O conhecimento empírico do calor e
da temperatura foi se acumulando desde tempos muito longínquos na evolução da humanidade.
No entanto, para fins científicos, o critério "sensitivo" para avaliação das temperaturas é vago e
impreciso, pois depende da pessoa e das condições nas quais a mesma se encontrava anterior-
mente. Além de ser um instrumento "diferencial" (uma vez que só consegue distinguir entre "mais
frio" e "mais quente" em relação à sua própria temperatura), o corpo humano induz facilmente o
observador ao erro, dado que é sensível a outras grandezas, como a condutividade térmica (uma
maçaneta metálica "parece mais fria" ao tato do que a madeira da porta onde se encontra colo-
cada, apesar de estarem ambas à mesma temperatura). Daí a necessidade de se estabelecer um
instrumento padronizado de medida de temperatura que independa do sentido do tato. Chama-se
termômetro o instrumento para medir a temperatura dos corpos. Ele faz uso de comparações
entre a variação de propriedades das substâncias como volume, pressão, resistência elétrica,
variação de cor etc. para relacioná-las com a variação da temperatura. (PIRES, D. P. L.; AFONSO,
J. C. e CHAVES, F. A. B. A termometria nos séculos XIX e XX. In: Revista Brasileira do Ensino
de Física, 2006, v. 28, n.1, p. 101).

A construção do conhecimento científico e sua difusão na universidade, que discutire-


mos em seguida neste capítulo, ocorrem no espaço de interlocução sistemática e rigorosa
que deve constituir esse ambiente. Essa construção se desenvolve em uma sucessão de per-
guntas, respostas, novas perguntas e novas respostas.

REFLEXÃO
Esse processo de construção do conhecimento, como você viu no Capítulo 1, se desenvolve segundo
regras definidas e legitimadas pela comunidade científica. Trata-se de um diálogo crítico permanente com
os pares e com os ímpares, ou seja, uma interlocução com a comunidade acadêmica de cada campo do
conhecimento em toda sua pluralidade de perspectivas e interpretações, que nem sempre são consensu-
ais e, por vezes, são até paradoxais.

É no exercício da crítica dentro de cada área de conhecimento e entre diferentes áreas, as-
sim como nos processos de argumentação e debate também entre os pontos de vistas discor-
dantes, que novos conhecimentos se deixam questionar e podem se consolidar — até serem
superados por outros — no desafio dos jogos de luz e sombra, como nos propõe Bachelard.

Conhecimento e Educação
A educação e a escola devem promover a socialização metódica das novas gerações, pos-
sibilitando sua participação na herança cultural da sociedade em cada momento histórico.
Uma parte importante e mais explícita dessa herança cultural é constituída pelo que deno-
minamos conhecimento científico, ele mesmo também construído historicamente, tanto
em termos de conteúdo, como de legitimidade ou importância social.

capítulo 2 • 43
COMENTÁRIO REFLEXÃO
Segunda Guerra Mundial A relevância social e econômica do conhecimento científico está consagrada na con-
temporaneidade com consideráveis avanços em todas as áreas — da Física à Medicina
ou às Tecnologias de Informação e Comunicação que inundam nosso cotidiano.

Vivemos há várias décadas em um contexto que, sobretudo a partir da


Segunda Guerra Mundial, tem trazido, em uma dimensão global, a acele-
ração cada vez maior da produção e do consumo de produtos que incor-
poram conhecimentos de base científica transformados em tecnologia.
Nesse contexto, o desenvolvimento científico-tecnológico aplicado
à produção, distribuição e consumo de bens e serviços tem se tornado
cada vez mais a principal chave do êxito econômico das nações.
Foi um conflito militar de escala global,
entre 1939 e 1945, no qual a maioria ATENÇÃO
das nações do mundo esteve envolvida.
Como consequência direta ou indireta Quanto mais avançada é a economia de um país, maior é o papel do conhecimento
desse conflito, diversos avanços tec- científico e mais importante sua produção e disponibilidade, enquanto ciência e pes-
nológicos surgiram: sistemas de segu- quisa básica ou como tecnologia e inovação, que garantem vantagens competitivas
rança da informação (criptografia/des- no mercado em escala global.
criptografia), primeiros computadores
programáveis, armamento nuclear (ver Conhecimento e informação são fatores estratégicos para a acumu-
foto), entre outros. lação e reprodução da riqueza. É nesse sentido que o processo de glo-
balização aponta para o lugar central ocupado pelo conhecimento na
sociedade contemporânea e, consequentemente, para o lugar estratégi-
COMENTÁRIO co de sua produção e distribuição por meio do sistema educacional, em
particular no âmbito do Ensino Superior.
Tecnologia A responsabilidade social da universidade como uma das principais
Já não podemos imaginar viver sem o instituições encarregadas da produção e disseminação do conhecimento
celular ou uma televisão, sem energia científico é cada vez maior nesse contexto. Tanto a pesquisa científica re-
elétrica — que quando falta pode invia- alizada na universidade, quanto seu trabalho de formação de profissionais
bilizar todo o transporte de uma cidade e de novos pesquisadores nas diferentes áreas de conhecimento, passam a
grande, por exemplo. Tudo o que acon- ter um caráter estratégico para o desenvolvimento e o bem-estar das nações.
tece em nossa cidade ou país torna-se
rapidamente conhecido por milhões de ATIVIDADE
pessoas conectadas em diferentes redes
sociais por meio da internet. Usar um cai- 1)  Você sabe o que é a UNESCO? Procure se informar no site oficial da Organização.
xa eletrônico para sacar dinheiro ou pa-
gar contas tornou-se quase que parte de 2)  Leia o trecho a seguir do documento da UNESCO na Conferência Mundial sobre
um processo de alfabetização básica na Educação Superior (1998).
modernidade. No Brasil, há vários anos,
até o voto nas eleições é eletrônico. No limiar de um novo século, há uma demanda sem precedentes e uma grande
diversificação na educação superior, bem como maior consciência sobre a
sua importância vital tanto para o desenvolvimento sociocultural e econômico

44 • capítulo 2
COMENTÁRIO
como para a construção do futuro, diante do qual as novas gerações deverão
estar preparadas com novas habilitações, conhecimentos e ideais. (...) Sem uma Idade Média
educação superior e sem instituições de pesquisa adequadas que formem a
massa crítica de pessoas qualificadas e cultas, nenhum país pode assegurar um
desenvolvimento endógeno genuíno e sustentável e nem reduzir a disparidade
que separa os países pobres e em desenvolvimento dos países desenvolvidos.
O compartilhar do conhecimento, a cooperação internacional e as novas tecno-
logias podem oferecer oportunidades novas para reduzir esta disparidade. (...) A
educação superior tem dado ampla prova de sua viabilidade no decorrer dos sé-
culos e de sua habilidade para se transformar e induzir mudanças e progressos
na sociedade. Devido ao escopo e ritmo destas transformações, a sociedade
tende paulatinamente a transformar-se em uma sociedade do conhecimento,
de modo que a educação superior e a pesquisa atuam agora como componen- Apenas uma pequena parcela da po-
tes essenciais do desenvolvimento cultural e socioeconômico de indivíduos, co- pulação que fazia parte do clero ou da
munidades e nações. A própria educação superior é confrontada, portanto, com hierarquia da Igreja Católica, bem como
desafios consideráveis e tem de proceder à mais radical mudança e renovação alguns comerciantes e parte dos nobres
que porventura lhe tenha sido exigido empreender, para que nossa sociedade, que eram proprietários de terras, sabiam
atualmente vivendo uma profunda crise de valores, possa transcender as meras ler e escrever (na imagem você vê um
considerações econômicas e incorporar as dimensões fundamentais da mora- vitral representando um membro do cle-
lidade e da espiritualidade. (UNESCO. Declaración mundial sobre la educación ro, um cavaleiro e um camponês).
superior en el siglo XXI: visión y acción. Paris: UNESCO, 1998).

3)  O que você achou da proposta da UNESCO para a Educação Superior no Século
XXI? Reflita sobre a formação universitária que você está começando a desenvolver
e a responsabilidade social que corresponderá a ela no futuro.

Cabe, portanto, entender melhor como se desenvolve e se interage


com o conhecimento científico no ambiente universitário, de forma que
não o consuma apenas criticamente, mas também para que sua forma-
ção profissional abra perspectivas de participar do desenvolvimento fu-
turo desse conhecimento em sua área de atuação profissional.

Conhecimento Científico e Universidade —


um pouco de história

Geralmente, a compreensão do passado é um caminho útil para entender o


presente e visualizar os desafios do futuro. É nesse sentido que vamos explo-
rar um pouco da história da atividade científica e da universidade no mun-
do ocidental e no Brasil, buscando chaves de compreensão do que acontece
atualmente e pistas para entender melhor os desafios do século xxi.
Nas sociedades ocidentais até a Idade Média, os profissionais que hoje
identificamos como cientistas ou pesquisadores eram fundamentalmente

capítulo 2 • 45
COMENTÁRIO filósofos que estudavam as obras da Antiguidade Clássica, desenvolvendo
suas pesquisas nos mosteiros com base no estudo da teologia, filosofia, li-
Visão religiosa do mundo teratura e eventos naturais, no contexto de uma visão religiosa do mundo,
O controle eclesiástico sobre a atividade balizada pela leitura da Bíblia. O estudo da herança dos filósofos clássicos
científica naquele período limitou a maior contrabalançou em alguma medida o misticismo excessivo da sociedade
parte do esforço de pesquisa às tentati- medieval, ensejando a discussão sobre as formas de ordenar o conheci-
vas de explicar o universo sem contradi- mento e organizar o pensamento lógico.
ções com o que estava descrito nas Sa- As poucas escolas medievais eram instaladas e geridas pelas paró-
gradas Escrituras. Todas as explicações quias e mosteiros. A expansão do comércio a partir do século xii trouxe a
que não corroborassem isso eram consi- necessidade de que mais pessoas soubessem ler, escrever e realizar ope-
deradas heresias e passíveis de punição rações numéricas básicas, o que favoreceu a valorização social dessas
com perseguição e até morte. competências. Pouco a pouco, com a maior importância e necessidade
da socialização do conhecimento, começam a surgir mais escolas, nem
todas completamente controladas pela Igreja Católica.
CONCEITO No ano 1088, estudantes de Direito — provenientes de diferentes
cidades e países europeus — se organizaram em grupos ou escolas na
Universidade cidade de Bolonha, na Itália, para aprofundar seus conhecimentos
A denominação universidade parece ter (a Universidade de Bolonha é considerada, por muitos estudiosos, a
origem no termo universitas, que era primeira universidade). A Universidade de Paris, fundada em 1208,
usado como sinônimo de conjunto de foi organizada com base na associação de professores e estudantes de
artesãos de determinado ofício: no caso diversas disciplinas em uma corporação com alguma autonomia em
da universitas docens et discens, era a relação à Igreja e ao Estado, guardando similaridades com o que hoje
corporação de docentes e discentes. se considera uma universidade.
Os estudos universitários, inicialmente, tinham por objetivo a for-
mação para os ofícios, dos profissionais que poderiam prestar os ser-
COMENTÁRIO viços de que a sociedade precisava. Os docentes dessas novas corpora-
ções eram contratados para ensinar seus ofícios, e muitos deles eram
Reforma Protestante considerados sábios e atuavam também como o que hoje chamamos de
Movimento de caráter religioso iniciado cientistas, cujos interesses eram vistos como exóticos, em um contexto
no século XVI que se opôs à diversas marcado por constantes guerras, epidemias e crises econômicas.
práticas e crenças da Igreja Católica. Do Somente a partir do século xvi, com a Reforma Protestante e a efer-
ponto de vista da contextualização his- vescência do pensamento cético com o Renascimento, ganhou maior
tórica do desenvolvimento da ciência a impulso uma cultura de reflexão e investigação com mais liberdade de
partir do Renascimento, o aspecto mais crítica frente aos dogmas da doutrina da Igreja e ao poder político, ainda
importante foi a defesa da perspectiva que isso não tenha ocorrido sem retrocessos e dificuldades.
teológica de que Cristo vive no coração A retomada do estudo sobre o ceticismo, presente em diversos pen-
de cada pessoa, portanto não são neces- sadores da Antiguidade Clássica com base em questionamentos sobre
sários intermediários (como o clero e a a verdade e o conhecimento colocados pelos líderes da Reforma Pro-
hierarquia da Igreja Católica) para a inter- testante no século xvi, amplificou o debate público sobre a ciência. A
pretação da palavra de Deus registrada divulgação desses debates em língua vernácula, apoiada na difusão da
nas Sagradas Escrituras. recente invenção do tipo mecânico móvel para impressão, que permitiu
a produção em massa de livros impressos, foi outro fator fundamental
no desenvolvimento do que muitos chamam de Revolução Científica.

46 • capítulo 2
ATENÇÃO CONCEITO
Vale lembrar que as demandas de soluções tecnológicas para o desenvolvimento Ceticismo
mercantil europeu em direção à Ásia, à África e às Américas, também propiciaram O ceticismo moderno surgiu no século
um terreno fértil para o desenvolvimento científico posterior. XVI com o renascimento do conheci-
mento e do interesse pelo antigo ceti-
Por outro lado, cabe assinalar que a ciência empírica não era va- cismo pirrônico grego, numa época em
lorizada no ambiente universitário até o século xvii. Assim, alguns que uma questão fundamental a respei-
cientistas formavam sociedades ou associações, nas quais se reuniam to do conhecimento religioso fora levan-
periodicamente para discutir pesquisa empírica. Muitas vezes essas as- tada pela Reforma e Contrarreforma:
sociações e seus membros contavam com o apoio dos governantes para como distinguir o verdadeiro conheci-
o desenvolvimento de conhecimentos práticos, o que hoje chamaría- mento religioso de perspectivas falsas
mos de tecnologia ou ciência aplicada (navegação, guerra, controle ou ou duvidosas?
cura de doenças etc.).

ATENÇÃO COMENTÁRIO
Para muitos desses pesquisadores, a atividade científica era concebida como Progressiva institucionalização
expressão de uma nova visão sobre o mundo, na qual a investigação racional e a A fundação da Universidade de Berlim,
observação empírica se combinavam no esforço de compreender o ser humano na Alemanha, em 1810, estabeleceu
e a natureza. um marco neste sentido, ao acolher inú-
meros cientistas e instituir a atividade de
O ambiente cultural mais plural dos países da Europa do Norte pos- pesquisa como qualificação necessária
sibilitou a expansão e a consolidação institucionalizada da atividade para a carreira docente. Esse modelo
de pesquisa científica nas universidades. Particularmente nos séculos institucional, posteriormente replicado
xviii e xix, floresceram estudos e pesquisas em todas as áreas de conhe- no restante da Europa e nos Estados
cimento, com notáveis aplicações tecnológicas, que apoiaram a expan- Unidos (séculos XIX e XX), viabilizou a
são e a consolidação do domínio europeu nas Américas e na Ásia, bem organização da atividade científica nas
como possibilitaram a instauração da Revolução Industrial. universidades, promovendo sua profis-
A crescente demanda de novas tecnologias para a indústria e o comér- sionalização e crescente especialização
cio, equacionando problemas do setor produtivo e aumentando sua efi- (VELHO, 1996).
ciência, favoreceu o desenvolvimento do conhecimento científico e sua
progressiva institucionalização a partir do século xix. Foi um processo
longo e diferenciado, tanto entre países como do ponto de vista temporal.
O estreitamento da relação da pesquisa científica com o desenvol-
vimento de tecnologia para a produção e a sociedade em geral con-
solidou-se mais profunda e amplamente nos Estados Unidos, após a
Segunda Guerra Mundial.
Grande parte das mais tradicionais universidades americanas se or-
ganizou para formar intelectuais e profissionais para um mercado de
trabalho que demandava cada vez mais pessoas com formação em pes-
quisa. Pouco a pouco elas criaram também institutos ou centros de pes-
quisa e desenvolvimento vinculados aos departamentos acadêmicos.

capítulo 2 • 47
COMENTÁRIO ATENÇÃO
Vinda da Corte Portuguesa Essa estreita colaboração com as empresas e com o Estado — inclusive com forte
financiamento público, em particular das forças armadas — rapidamente colocaram
os EUA em uma posição pioneira na competição internacional, crescentemente de-
pendente do desenvolvimento científico-tecnológico.

Embora seja difícil falar no desenvolvimento das universidades eu-


ropeias, uma vez que em cada país as instituições sempre possuíram
características específicas, pode-se afirmar que, apesar da experiência
positiva com as aplicações da pesquisa científica, desenvolveu-se nesse
contexto um debate mais acirrado sobre a pertinência ou não do desen-
Quando o Brasil passa a ser o centro po- volvimento da ciência aplicada na universidade.
lítico do Império Português com a vinda Dessa forma, na primeira metade do século xx acabou prevalecen-
da Corte, logo são instalados os primei- do no continente europeu o desenvolvimento da pesquisa aplicada
ros cursos superiores. Foram então fun- no campo das engenharias em instituições separadas, como forma de
dadas escolas de Ensino Superior com preservar a pesquisa acadêmica e sua autonomia face às pressões do
um caráter eminentemente profissional setor produtivo e do Estado (VELHO, 1996).
ou técnico para atender às necessida-
des de quadros para a administração da ATIVIDADE
coroa e, posteriormente, para o Império.
Na pintura, você vê uma reprodução da E você, o que acha sobre o desenvolvimento da tecnologia nas universidades em
chegada da Corte ao Brasil. colaboração com empresas, por exemplo? Quais seriam as vantagens? E quais
seriam as desvantagens?

A universidade e o desenvolvimento da ciência no Brasil

O desenvolvimento da educação e do conhecimento científico no Brasil


ocorreu em condições muito diferentes das demais colônias americanas em
razão do estilo de exploração aqui implementado pela Coroa portuguesa.

RESUMO
Desde o início da colonização, a responsabilidade pela educação no Brasil foi dos jesu-
ítas, que aqui organizaram um sistema educacional como uma ação deliberadamente
civilizadora na perspectiva da militância evangelizadora inaciana (inspirada em Santo Iná-
cio, fundador da Companhia de Jesus, ordem religiosa católica fundada em 1534, cujos
membros são conhecidos como jesuítas), que tinha na instrução sua principal ferramen-
ta de intervenção social e cultural tanto junto aos nativos, como junto aos colonizadores.

Embora não se desconhecesse a relevância da atividade científica


e da formação em nível superior, esta foi praticamente cerceada até a
vinda da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808.

48 • capítulo 2
As universidades brasileiras só foram organizadas há pouco menos COMENTÁRIO
de um século, a partir de 1920. Até então o sistema de Ensino Supe-
rior era composto por escolas autônomas, voltadas para a formação de Ensino Superior
profissionais liberais (advogados, médicos, engenheiros, agrônomos), Nesse contexto, a pesquisa científica
cuja titulação legitimava a posição social, a cultura e o poder dos gru- era realizada principalmente em ins-
pos dominantes, em um contexto econômico marcadamente agrário titutos criados e mantidos pelo poder
(recém-escravista), exportador de matéria-prima e importador de arti- público, geralmente focalizados na in-
gos manufaturados, principalmente da Europa. vestigação de questões de interesses
Desde o século xix, o intercâmbio com pesquisadores europeus e voltados ao desenvolvimento econômi-
americanos era intenso. Entre outras influências, foi notável a dissemi- co e social do país, como as relativas
nação do Positivismo no Brasil no final do século xix e nas primeiras ao controle de pragas na agricultura,
décadas do século xx. A rejeição a uma visão especulativa ou contempla- estudo de doenças endêmicas para a
tiva da realidade promovida pelo Positivismo encorajou os brasileiros a criação de vacinas etc. São exemplos
aceitar as novas técnicas e os novos conhecimentos, enfatizando uma importantes o Instituto Agronômico
perspectiva pragmática do conhecimento científico como ferramenta de Campinas, para pesquisa agrícola
para o desenvolvimento econômico e social. (1887); o Instituto Vacinogênico, para
Essas concepções influenciaram a criação de vários institutos de pes- o desenvolvimento de vacinas (1892);
quisa e escolas de Ensino Superior no Brasil, principalmente no estado o Instituto Bacteriológico (1893); o
de São Paulo, no final do século xix e nas primeiras décadas do século xx. Museu Paulista (1893); o Museu Pa-
Muitos intelectuais brasileiros completavam sua formação no exterior, raense (1894); o Instituto Butantã,
especialmente na França, bem como vários cientistas que dirigiam ins- um centro para pesquisa de venenos
tituições de pesquisa brasileiras vinham da França e da Alemanha (espe- e produção de antídotos (1899). Em
cialmente em São Paulo, a partir da década de 1930). 1900, foi criado no Rio de Janeiro o
A expansão gradativa das possibilidades de formação em nível supe- Instituto de Manguinhos, para a pes-
rior no Brasil, a partir da segunda metade do século xix, correspondia quisa biomédica.
também ao crescimento das oportunidades de mobilidade social da pe-
quena fração de indivíduos livres que não eram proprietários de terras
e escravos. Essa camada intermediária ampliou-se pouco a pouco com CONCEITO
base no desenvolvimento da lavoura cafeeira no Sudeste, e dos investi-
mentos em outros setores da economia, inclusive na infraestrutura ur- Positivismo
bana, com o florescimento do comércio e da burocracia, no seio do pro- O Positivismo é uma filosofia criada
cesso de urbanização da população acentuado durante o Império. pelo francês Auguste Comte (1798-
1857), que propõe como método
ATENÇÃO científico a observação dos fenôme-
nos, subordinando a imaginação à
A emergência desses novos atores sociais, que percebiam o valor da educação observação. O Positivismo teve fortes
como instrumento de ascensão social, implicou o aumento progressivo da demanda influências no Brasil, tendo como sua
pela educação escolar. No caso das camadas médias urbanas, crescia também a de- representação máxima a adaptação
manda pelo Ensino Superior, que garantia certo prestígio social e abria perspectivas do lema positivista de Comte em plena
de conquista de poder político. bandeira brasileira (o lema, em francês,
é L'amour pour principe et l'ordre pour
A partir de 1920, influenciado pelo movimento modernista e pela base; le progrès pour but; em portu-
atuação articulada de cientistas e educadores, amplia-se o debate pú- guês, O amor por princípio e a ordem
blico sobre a necessidade de instituições universitárias que aliassem por base; o progresso por fim).
o ensino para a formação de profissionais à pesquisa desinteressada.

capítulo 2 • 49
CONCEITO Na década de 1930, foi criada a Universidade de São Paulo nessa pers-
pectiva, reunindo escolas profissionais antes isoladas e institutos de
Estado Novo pesquisa sob a coordenação de um Instituto de Filosofia, Ciências e
Letras, responsável pela formação de futuros docentes e pesquisado-
res, inspirado na experiência francesa.
A centralização e burocratização do serviço público a partir da dita-
dura do Estado Novo (1937–1945) dificultou a consolidação da ativida-
de científica regular nas poucas universidades federais recém-criadas.
A complexidade crescente da investigação empírica exigia investimen-
tos crescentes e sistemáticos, o que nem sempre, e tampouco em todas
Regime político brasileiro fundado por as áreas, podia ser garantido (em particular durante o esforço bélico da
Getúlio Vargas em 10 de novembro de Segunda Guerra Mundial). A disponibilidade de recursos dependia fre-
1937, com base em um suposto plano quentemente de um complexo jogo político e de redes de contatos com
comunista articulado às eleições presi- personagens influentes da burocracia estatal.
denciais de 1938. Tal regime durou até
29 de outubro de 1945, e caracterizou- EXEMPLO
se pela centralização do poder, pelo
nacionalismo utópico, pela luta contra a Após a Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1950 a 1980, o país viveu pro-
“ameaça comunista” e pelo autoritarismo. fundas transformações em seu sistema produtivo, deixando de ser uma sociedade
Na imagem, você vê um quadro que re- eminentemente rural, com uma economia baseada na agricultura e exportação de
trata o encontro de Getúlio Vargas com matéria-prima, para tornar-se um país cada vez mais urbano e industrializado.
Franklin Roosevelt (então presidente dos No ambiente do pós-guerra dissemina-se a ideologia desenvolvimentista e o otimismo
Estados Unidos), em Natal, 1943. sobre o poder da ciência para o desenvolvimento das nações. No quadro a seguir, você
vê um exemplo de indicadores que mostram mudanças estruturais ocorridas no Brasil:

MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA ENTRE 1950 E 1980


Cerca de Cerca de
1950 1980
População em cidades com mais de 20.000 habitantes 21,0% 46,0%

Emprego no setor primário 60,0% 30,0%

Empregos técnicos, administrativos e similares 10,0% 19,0%

Empregos na indústria 13,0% 21,0%

Café, como percentagem do total de exportações 60,0% 13,0%

Produtos industrializados, como porcentagem do total


— 57,0%
de exportações

População alfabetizada (10 anos ou mais de idade) 43,0% 74,5%

População com 8 ou mais anos de educação (19 anos 1,9%


22,8%
ou mais de idade) (1940)
Matrículas em instituições de Ensino Superior (% do
0,9% 10,0%
grupo etário)

Fonte: SCHWARTZMAN, S. Um Espaço para a Ciência: A formação da comuni-


dade científica no Brasil. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: http://www.schwartz-
man.org.br/simon/spacept/espaco.htm - Capítulo 8, p. 2 (adaptado)

50 • capítulo 2
Como observamos no quadro, no início da década de 1980 am- CONCEITO
pliou-se a escolaridade da população, embora no caso do Ensino Su-
perior o atendimento ainda ficasse restrito a cerca de 10% da popula- CNPq
ção. Ainda assim, a atividade científica teve dificuldade para superar A ideia de criar uma entidade governa-
a tradição utilitarista do período anterior, que priorizava apenas o mental específica para fomentar o desen-
apoio às pesquisas vinculadas a necessidades imediatas da socieda- volvimento científico no país surgiu bem
de ou do Estado. antes da criação do CNPq — Conselho
Mesmo diante desse cenário, existia a preocupação com a ne- Nacional de Pesquisa. Desde os anos
cessidade de apoiar o esforço científico para além de sua aplicação 1920, integrantes da Academia Brasilei-
imediata, o que mobilizou um conjunto importante de intelectuais a ra de Ciências (ABC) falavam no assunto
criar, em 1948, a sbpc (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ci- ainda como consequência dos anos que
ência), para afirmar a importância da ciência no país e angariar apoio sucederam a Primeira Guerra Mundial. Po-
junto aos governantes e à sociedade na garantia de condições ade- rém, somente a partir da Segunda Guerra
quadas para o trabalho científico, especialmente o financiamento Mundial, quando os avanços da tecnologia
regular das atividades. bélica, aérea, farmacêutica e principalmen-
No mesmo período, também foram criadas diversas instituições pú- te a energia nuclear, que os países pas-
blicas de fomento à pesquisa científica, como o CNPq (Conselho Nacio- saram a dar mais importância à pesquisa
nal de Pesquisa), em 1951, voltado, sobretudo, para o financiamento das científica. Apesar de detentor de recursos
pesquisas em física nuclear, e a fapesp (Fundação de Amparo à Pesqui- minerais estratégicos, o Brasil não tinha a
sa do Estado de São Paulo), em 1960, em resposta à pressão dos pesqui- tecnologia necessária para seu aproveita-
sadores da usp e da sbpc. mento. Depois de intensos debates entre
membros do governo e cientistas repre-
ATENÇÃO sentados pela SBPC, foi criado em 1951
o CNPq, com a finalidade de promover e
A criação dessas instituições se constituiu em um marco fundamental no processo estimular o desenvolvimento da investiga-
de institucionalização da atividade científica e expressão do início de uma política ção científica e tecnológica, mediante a
nacional de Ciência e Tecnologia no país. concessão de recursos para pesquisa, for-
mação de pesquisadores e técnicos, coo-
Em 1964 é criada a fapergs — Fundação de Amparo à Pesquisa do peração com as universidades brasileiras e
Estado do Rio Grande do Sul — e, na década de 1980, são criadas funda- intercâmbio com instituições estrangeiras.
ções estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) também no Rio de Janeiro,
Santa Catarina e Minas Gerais. Entre 1990 e 2012, foram criadas funda-
ções similares em quase todos os demais estados da federação. ATIVIDADE
Essas instituições têm desenvolvido um relevante trabalho de fo-
mento à pesquisa científica nos estados, por meio da concessão de bol- FAPs
sas para pesquisadores, financiamento de equipamentos e custeio de Procure no site do Conselho Nacional
atividades científicas e de desenvolvimento de soluções tecnológicas das Fundações de Amparo à Pesquisa
inovadoras nas mais diversas áreas de conhecimento. (CONFAP) informações sobre a fun-
Apesar da mobilização crescente de recursos e do discurso governa- dação de amparo à pesquisa de seu
mental favorável ao desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia em ar- estado e verifique as oportunidades
ticulação também com o sistema produtivo, prevaleceu até os dias atu- (premiações, bolsas de iniciação cien-
ais uma considerável desvinculação. tífica, editais públicos de fomento ao
desenvolvimento de pesquisas e à ino-
vação tecnológica etc.).

capítulo 2 • 51
CONCEITO REFLEXÃO
CAPES Enquanto as atividades científicas se desenvolvem nas universidades e institutos
A Campanha Nacional de Aperfeiço- de pesquisa, as empresas públicas e privadas produzem bens e serviços utilizando
amento de Pessoal de Nível Superior tecnologias frequentemente importadas ou desenvolvidas diretamente em seus pró-
(CAPES) foi criada em 1951, com o prios centros de pesquisa ou laboratórios.
objetivo de assegurar a existência de
pessoal especializado em quantidade Como vimos, no final da década de 1960, o modelo universitário foi
e qualidade suficientes para atender às modernizado e fortalecido com base na reforma universitária de 1968,
necessidades dos empreendimentos promovida pelo Governo Militar. As atividades de pesquisa se integra-
públicos e privados que visam ao de- ram à nova organização departamental das universidades e se fortale-
senvolvimento do país. A partir do final ceram com a institucionalização da pós-graduação, incentivada pela
da década de 1960, a CAPES ganha capes e pelo apoio financeiro fornecido pelo cnpq. A partir de 1968, a
novas atribuições e meios orçamentá- CAPES passa a se responsabilizar pela formação de docentes para o En-
rios para multiplicar suas ações e inter- sino Superior e pela avaliação da pós-graduação.
vir na qualificação do corpo docente das Na década seguinte, a generalização do tempo integral ou do regime
universidades brasileiras, colaborando de dedicação exclusiva criou condições mais favoráveis ao desenvolvi-
para a expansão da pós-graduação e mento da pesquisa, especialmente nas universidades públicas. Por ou-
responsabilizando-se por seu acompa- tro lado, a urbanização acelerada da população, bem como a expansão
nhamento. Posteriormente, em 2007, das comunicações e o consumo de massa, contribuíram para o cresci-
a CAPES também passa a induzir e fo- mento ainda maior da demanda social por educação — e os privilégios
mentar a formação inicial e continuada a ela associados.
de professores para a educação básica. Para atender essa demanda, o governo federal construiu uma rede
de universidades federais e surgiram também diversas instituições pri-
vadas. Ainda que as instituições possuíssem, em especial as universida-
COMENTÁRIO des, autonomia acadêmica e de gestão, seu funcionamento era e conti-
nua sendo regulamentado pelo Ministério da Educação e pelo Conselho
Demanda social por educação Federal de Educação.
Embora o mercado de trabalho em ex- Todo o período seguinte foi marcado pela contínua expansão do aces-
pansão nas décadas de 1960 e 1970 so ao Ensino Superior, com crescente abertura de vagas em instituições
precisasse de mais engenheiros, ad- privadas e a consolidação progressiva das atividades de pesquisa vincula-
vogados, médicos e professores, os da à pós-graduação com consideráveis investimentos do poder público.
grupos sociais emergentes queriam al-
cançar prestígio social e a renda corres- REFLEXÃO
pondente a uma boa situação profissio-
nal, para a qual a melhor garantia era (e A concessão do financiamento se pautava pela qualificação do pesquisador e fluía
continua sendo) um título universitário praticamente sem controle da instituição, favorecendo a diferenciação entre gru-
(SCHWARTZMANN, 2001). pos de pesquisa: alguns bem mantidos e qualificados academicamente priorizando
a pesquisa e o ensino de pós-graduação, e outros deficientes, estabelecendo uma
grande heterogeneidade interna a cada instituição e também entre elas.

Por outro lado, a expansão do Ensino Superior não obteve o mesmo


apoio financeiro e foi progressivamente sendo realizada por meio do
crescimento do ensino privado. A extraordinária ampliação do aten-
dimento à demanda pelo ensino superior, com escassez de recursos

52 • capítulo 2
públicos e controle de qualidade insuficiente, resultou em uma oferta COMENTÁRIO
de um serviço educacional altamente diversificado, que muitas vezes
não corresponde ao modelo de universidade de pesquisa previsto na Oferta privada
legislação (SCHWARTZMANN, 2001). Em 2008, segundo o Censo da Educa-
Ao longo do período entre 2001 e 2010, manteve-se a tendência de cres- ção Superior realizado pelo INEP (Ins-
cimento da oferta privada de Ensino Superior, embora nos últimos anos tituto Nacional de Estudos e Pesquisas
tenha-se observado um aumento da oferta pública (SPELLER, et. al., 2012). Educacionais Anísio Teixeira), 75% das
No que se refere à produção do conhecimento científico, o Brasil matrículas estavam na rede privada e
conseguiu também avanços significativos, consolidando um sistema apenas 25% na rede estatal. A expan-
bem qualificado de pós-graduação e alcançando o 13º lugar mundial são do acesso ao Ensino Superior prati-
em quantidade de publicações em revistas científicas indexadas, em camente atendeu à demanda existente,
2009 (cf. PACKER, 2011). embora não se tenha ampliado, na mes-
ma velocidade, o número de profissionais
ATENÇÃO com nível superior em todas as áreas.

O considerável crescimento da produção científica, no entanto, não tem sido acompanha-
do de uma maior articulação entre os grupos de pesquisa, que funcionam na maior parte
dos casos nas universidades, e nas empresas, mesmo no campo das ciências naturais.

No contexto dos desafios contemporâneos gerados pelo avanço da


globalização tecnológica, econômica e cultural, as universidades têm
sido convocadas a contribuir cada vez mais para a formação de quadros
qualificados e para o desenvolvimento da investigação científica na pers-
pectiva do desenvolvimento socialmente justo e sustentável do país.
A perspectiva de desenvolvimento econômico e social no século xxi
supõe, necessariamente, que cada país amplie seu investimento em edu-
cação de qualidade de forma articulada à políticas de desenvolvimento
da pesquisa científica, da tecnologia e da inovação, seja em termos de
condições de infraestrutura, seja em termos de formação de recursos
humanos (SPELLER, et. al., 2012).
Portanto, o desafio para a universidade e o Ensino Superior em geral,
em um contexto de constante mudança acelerada pelas novas tecnologias
— que afetam todo o planeta e, praticamente, todas as áreas e condições da
atividade humana e da sociedade —, é preparar futuros profissionais para
uma atitude de permanente aprendizado, atento e crítico, para participar
com autonomia intelectual e criatividade das transformações em um mun-
do cada vez mais volátil, cujo futuro sustentável é responsabilidade de todos.

ATIVIDADE
Você pesquisador: está em suas mãos
Ao longo de sua formação profissional na universidade, você poderá acessar diver-
sas oportunidades de envolvimento em atividades de pesquisa científica com seus
professores. São exemplos importantes para você explorar e, após essa leitura,
buscar informações e participar:

capítulo 2 • 53
COMENTÁRIO 1)  Atividades de iniciação científica (IC) – pelas quais estudantes de graduação
são contemplados com bolsas e participam de pesquisas coordenadas por seus pro-
Atitude fessores. Essas bolsas são oferecidas pelas próprias instituições de Ensino Superior,
Essa atitude pode e deve ser construída pelo CNPQ, pela CAPES e pelas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa;
na sua formação, durante o contato com 2)  Intercâmbios internacionais por meio do Programa Ciências Sem Fronteiras;
os processos de construção do conhe- 3)  Além desses, no final do seu curso de graduação você deverá apresentar
cimento científico. Sua participação em um TCC — Trabalho de Conclusão do Curso — cuja elaboração será uma
atividades de pesquisa no âmbito de sua oportunidade importantíssima para você participar de uma atividade de pesquisa
formação universitária vai desafiar sua científica na sua área de formação. Sobre esse último item, você verá mais nos
criatividade e habilidade de fazer per- próximos capítulos.
guntas, localizar respostas e descobrir
novas perguntas, desenvolvendo cada
vez mais sua compreensão do mundo e
o capacitando para nele intervir de forma Desafios para a Ciência e a Universidade
consistente, inovadora e sustentável.

na Sociedade do Conhecimento

Como você pôde verificar, a caminhada foi longa e o panorama do co-


nhecimento científico e da universidade no século xxi mudou muito no
Brasil e no mundo. Se de um lado podemos afirmar que existe muito
mais ciência e tecnologia no Brasil de hoje do que há trinta anos, tam-
bém é verdade que, para a maioria das pessoas, mesmo algumas das
quais possuem formação superior, não é óbvia a importância social da
ciência, ou a relevância da formação científica na universidade.

ATENÇÃO
Na verdade, essa é, de certa forma, a razão de ser deste livro e de muitas ativi-
dades que você irá desenvolver na sua formação universitária com base no que
aprender com ele.

Ao longo da sua graduação universitária, você deverá entrar em con-


tato e usar o conhecimento científico nas diferentes disciplinas e áreas
de conhecimento, para se formar um profissional especializado e atua-
lizado apto a ingressar e fazer carreira com sucesso no mercado de tra-
balho. Entretanto, isso é apenas o patamar inicial de sua formação, pois
cada vez mais a sociedade e o mercado vão exigir que você se atualize, o
que supõe uma atitude atenta e crítica às informações e às experiências
que se vivenciam cotidianamente.
A experiência com a investigação científica — participando de um
grupo de pesquisa coordenado por um de seus professores ou mesmo
elaborando o tcc — vai preparar você para o exercício de uma cidadania
responsável, tanto do ponto de vista social como ambiental, articulando
valores éticos no uso de conhecimentos científicos para contribuir para
uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva.

54 • capítulo 2
Na continuidade deste livro, você discutirá sobre o rigor que é preciso desenvolver no pro-
cesso de interlocução com os conhecimentos já sistematizados em cada campo científico,
explicitando conceitos e limites tanto na construção das estratégias de investigação, como
na análise dos dados coletados. Você conhecerá os diversos cuidados metodológicos que
precisam ser considerados nos processos de pesquisa, sobre os quais os próximos capítulos
apresentarão em detalhes as orientações mais importantes para que você vivencie essa ex-
periência como uma parte estratégica de sua formação profissional, qualificando-se para o
exercício criativo e consistente das competências que você irá adquirir no Ensino Superior.

BIBLIOGRAFIA
BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BRANDÃO, C. R. O Ardil da Ordem: caminhos e armadilhas da educação popular. Campinas: Papirus, 1983, p. 130.
PACKER, A. L. Os periódicos brasileiros e a comunicação da pesquisa nacional. In: Revista USP, 2011, n. 89, p. 26-61.
PIRES, D. P. L.; AFONSO, J. C. e CHAVES, F. A. B. A termometria nos séculos XIX e XX. In: Revista Brasileira do Ensino
de Física, 2006, v. 28, n.1, p. 101
SCHWARTZMAN, S. Um espaço para a Ciência: A formação da comunidade científica no Brasil. Rio de Janeiro,
2001. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/spacept/espaco.htm.
SPELLER, P., ROBL, F. e MENEGHEL, S. M. (orgs.) Desafios e perspectivas da educação superior brasileira para a
próxima década. Brasília: UNESCO, CNE, MEC, 2012.
UNESCO. Declaração de Santo Domingo: a ciência para o século XXI; uma visão nova e uma base de ação.
Conferência Mundial sobre Ciências, Santo Domingo,10-12 mar. 1999. Santo Domingo: UNESCO, 1999.
UNESCO. Declaración mundial sobre la educación superior en el siglo XXI: visión y acción. Paris: UNESCO, 1998.
Disponível em: <http://www.Unesco.org/education/educprog/wche/declaration_spa.htm#marco>
VELHO, S. Universidade-Empresa: desvelando mitos. Campinas: Autores Associados, 1996.

IMAGENS DO CAPÍTULO
p. 39 Máquina à vapor
Nicolás Pérez · Wikimedia . cc

p. 42 Crossroads Sign
nicubunu · openclipart.org

p. 44 Bomba de Nagasaki
Charles Levy · Wikimedia . dp

p. 45 Clérigo, Cavaleiro e Trabalhador


Autor desconhecido · Wikimedia . dp

p. 48 Embarque da Família Real Portuguesa


Autor desconhecido · Wikimedia . dp

p. 50 Vargas com Roosevelt


Raymond P. R. Neilson, Agência Brasil · Wikimedia . cc

capítulo 2 • 55
3
Metodologia para
a elaboração de
trabalho científico

monica rabello de castro


3 COMENTÁRIO
Metodologia para a elaboração
de trabalho científico
Neste capítulo, iniciaremos discutindo modos de fazer o TCC. Em segui-
da, vamos avaliar a importância de uma boa revisão de literatura, ativi-
TCC dade que deve integrar de forma contínua o processo de elaboração de
Cada curso tem suas normas para a qualquer produção científica. Você ainda saberá como realizar uma re-
confecção do TCC. Você deve con- visão de literatura para deixá-la disponível: elaborar resenhas, resumos,
sultar o coordenador de seu curso a fichamentos e bibliografias. Discutiremos como a relação entre você, seu
respeito. As normas, no entanto, obe- orientador, seus professores e colegas pode ajudar na elaboração do TCC.
decem a critérios que são os mesmos Ao final, vamos esclarecer o papel da metodologia e dos demais passos da
em qualquer lugar do mundo. Neste ca- elaboração de um trabalho científico, que serão detalhados no Capítulo 4.
pítulo, você encontrará sugestões para
organizar seu trabalho.
Procedimentos de elaboração do TCC
Produzir um trabalho científico é de grande importância para o estu-
dante de graduação, já que todo mundo que se forma em um curso de
nível superior vai manusear informações, que devem ser confiáveis, em
seu futuro trabalho. A melhor maneira de identificar informações con-
fiáveis é saber como produzi-las, e é a experiência da elaboração de um
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de graduação que vai fazer com
que você aprenda como fazer e identificar um trabalho científico.
É sempre bom lembrar que o TCC é um trabalho científico, que
deve ser reconhecido como um conhecimento confiável por quem vai
ter acesso a ele. Hoje em dia, existe algum acesso aos TCCs, que ficam
disponíveis às vezes em sites de universidades ou de busca (como, por
exemplo, o site do scribd), bem como em sites de bibliotecas. No míni-
mo, será possível encontrar o resumo do que foi feito, e pesquisadores
de todo o mundo terão acesso ao que você fez.

ATENÇÃO
Existem na internet muitos modelos para a confecção do TCC, e muitos deles dis-
ponibilizados mediante pagamento. Porém, o melhor é ter bom senso e fazer você
mesmo seu TCC, já que não é algo fora de seu alcance e vai empliar as chances na
sua vida profissional. Aprender a fazer um trabalho científico vai destacá-lo entre
outros candidatos a um emprego, por exemplo.

Conforme foi visto no Capítulo 1, o conhecimento científico é dife-


rente de outros tipos de conhecimentos, pelo modo como é produzido
e por outras características que você vai aprender durante a sua forma-
ção. Uma das características do trabalho científico é que, na realidade,

58 • capítulo 3
ele não nasce de uma mente iluminada, mas de um diálogo entre você COMENTÁRIO
e outros que se interessaram pelo mesmo tema.
A escolha de um orientador em alguns cursos nem sempre é pos- Diálogo
sível, mas se no seu caso for, será um trunfo importante para você. O Escrever pode ser algo bem novo para
orientador é aquele que vai acompanhar seu trabalho, alguém que já quem faz um curso de graduação. Pode
passou por essa etapa e se preparou para auxiliá-lo em seu percurso. Al- acontecer que você sinta muita dificulda-
guns cursos têm vários professores para esta tarefa, outros nem tanto. de, sobretudo, para começar. Ter alguém
A dica é que, se encontrar alguém, um professor, por exemplo, que en- que leia o que você escreve, que faça
tenda do assunto que você escolheu para seu TCC, converse com ele e comentários sobre o andamento do seu
proponha que ele o oriente. Se não for possível, encontre um professor produto ou sobre a escrita de sua disser-
que entenda do assunto. tação, que se interesse em fornecer lei-
É bom destacar que ele é a pessoa que vai se interessar em ler o que turas que esclareçam os melhores cami-
você escreve, avaliar seu produto, e isso é fundamental para que o traba- nhos a tomar, é um grande privilégio. Seu
lho fique bem feito. O interesse é seu, então você deve procurá-lo sempre parceiro é uma espécie de cúmplice, com
que tiver dúvidas sobre o que fazer. Você vai sentir muito orgulho após quem você deve contar nessa tarefa. Se
ter feito um bom trabalho. achar mais de um, melhor ainda.

Revisão de literatura COMENTÁRIO


É necessário ler As discussões entre você e seus par- Professor
os trabalhos que ceiros não nascem do nada. É pre- Todo professor quer dialogar sobre o
ciso conhecer o assunto que se está TCC de um aluno que vai trabalhar com
já foram feitos por
querendo trabalhar. As conversas o tema que ele domina e, para você,
outros sobre o tema. nascem justamente quando se co- essa é a pessoa mais indicada para
meça a conhecer o que já existe sobre o assunto. Chamamos esse primeiro essa tarefa. Esse professor pode ler e
trabalho de revisão de literatura. Não importa que tipo de trabalho você direcionar seu trabalho e, se fizer isso,
está fazendo para o seu TCC, nem qual curso está fazendo em sua gradua- será um parceiro. Um orientador-parcei-
ção, a revisão de literatura sempre tem de ser feita. Ela se estende do primei- ro de TCC, além de ter interesse sobre
ro dia em que começa o trabalho do seu TCC até o último, pois esse é um o tema que escolheu para trabalhar, tem
processo contínuo de produção para qualquer trabalho científico. que ser uma pessoa com quem você
O ponto de partida, a leitura que mais nos interessa, é aquela sobre goste de conversar e de trocar ideias.
o tema mais próximo ao que nos propomos a trabalhar. Para se falar de
um assunto, é preciso conhecê-lo e conhecer seus principais autores.
Quem está pesquisando sobre o assunto? A que conclusões chegou? COMENTÁRIO
Quais as consequências dessas conclusões? A revisão de literatura vai
permitir que você fale do assunto que escolheu com propriedade e pro- Revisão da literatura
duza um conhecimento confiável sobre ele. A revisão de literatura pode simplificar
muito um trabalho de pesquisa ou a
ATENÇÃO confecção de um produto. Muitas vezes
acontece de nos embrenharmos em
Os órgãos governamentais têm integrado cada vez mais a pesquisa aos seus uma pesquisa, às vezes com poucos re-
planejamentos. Os Ministérios, as Secretarias, o IBGE e, mesmo a Câmara e o cursos, para descobrirmos depois que
Senado, realizam pesquisas que valem a pena consultar. Devem ser consultadas ela já foi realizada de modo muito mais
também universidades, bibliotecas e até mesmo empresas privadas. A maioria das criterioso por outro grupo de pesquisa.

capítulo 3 • 59
COMENTÁRIO universidades mantêm centros de pesquisa e muitas deixam disponíveis a pro-
dução de seus alunos e professores em seu sites. São alternativas de fonte de
Autores pesquisa que devem ser exploradas.
Você pode até citar os autores que leu,
mas as citações só são feitas para tornar Algum cuidado, no entanto, deve
mais preciso um conceito ou para ilustrar O TCC não é um ser tomado com relação à utiliza-
alguma ideia do autor, mesmo assim, trabalho de recorte ção da revisão de literatura em
quando o que ele diz é dito de forma que e colagem. seu TCC. Além de não ser um
não se pode parafrasear, isto é, escrever simples “copiar e colar” da inter-
com suas palavras a ideia de outro. net, não é tampouco um trabalho em que se enumera a opinião de vários
autores. Seu trabalho deve refletir as suas conclusões acerca das leituras
que fez, e não as dos autores que leu.
CONCEITO Alguns alunos de graduação cometem o erro de apenas citar diferen-
tes autores sem dar nenhuma contribuição pessoal para a comunidade
Palavras-chave científica, como se o TCC fosse um trabalho feito apenas para satisfazer
Imagine que você deseja realizar uma um quesito imposto pelo MEC. Grande engano: como dissemos antes,
pesquisa cujo objetivo é o de determi- fazer um TCC bem feito vai distinguir você de outros candidatos na hora
nar as condições de vida e trabalho de de concorrer a uma vaga de emprego, ou de obter algum auxílio ou bolsa
pessoas que trabalham em canaviais. de estudos junto aos órgãos de fomento.
Quais seriam as palavras-chave? De Para fazer a consulta, é preciso que já se tenha bem definido o
imediato, só em relação ao objetivo, po- tema da pesquisa. Existe um sistema de palavras-chave que classi-
demos determinar três palavras-chave: fica as pesquisas, sistema esse que funciona no mundo inteiro. As
trabalho em canaviais, trabalhador rural palavras-chave são, em geral, uma única palavra ou expressões que
e perfil populacional. Pronto! Com essas situam a temática da pesquisa.
palavras, você será capaz de encontrar As pesquisas na internet devem se limitar a sites confiáveis. Hoje to-
diversos outros trabalhos que poderão dos escrevem na internet sobre qualquer assunto, então devemos saber
ser interessantes para sua pesquisa. reconhecer quando o site é confiável, pois um trabalho acadêmico deve
se basear em outros trabalhos acadêmicos. É claro que alguns temas vão
requerer pesquisas em fontes de outra natureza, mas, de maneira geral,
deve-se buscar os sites que apresentam TCCs, dissertações, teses e arti-
gos, de preferência, recentes.

EXEMPLO
Estudando um caso
Imagine o seguinte tema de pesquisa: análise do processo de produção do livro digital
voltado para aprendizagem. Você, na condição de pesquisador, poderia iniciar uma revi-
são de literatura a partir de pesquisa pela internet, em sites recomendados para esse
fim, utilizando palavras-chave. Claramente, a primeira palavra-chave que se destaca é
livro digital, o que permitirá levar a resultados como o que segue (um livro sobre o tema):

GRUSZYNSKI, A. et al. Livro digital: objeto de estudo de múltiplos olhares. In: Con-
gresso do Livro Digital, v.4, São Paulo, 2013.

60 • capítulo 3
Usando as palavras-chave nos sites, você vai selecionar uma série de LINK
trabalhos relacionados ao tema que escolheu. Os sites sempre utilizam
esses buscadores. O número de trabalhos a serem lidos vai variar segundo Sites recomendados
o assunto e será resultado de uma consulta feita ao orientador, que vai O Google pode ser consultado, mas
fazer várias sugestões para você procurar e lhe dizer quais devem ser lidos. sempre com orientação. Existem tam-
Das referências selecionadas com o seu orientador, você vai ler os re- bém sites específicos para cada área,
sumos para fazer uma nova seleção. Você verá que os resumos trazem o geralmente das associações profissio-
essencial do texto para essa nova seleção. Dessa forma, reduz-se o volume nais e de pesquisa, além dos sites das
de títulos a serem lidos a somente aqueles que interessam. O ideal é que, universidades próprios de cada curso.
nesse momento, você faça o fichamento ou resenha do conteúdo dos tra- Nesse caso, é bom saber quais locais
balhos que leu. Isso deixará sua leitura disponível para quando precisar. se dedicam a pesquisar o assunto que
você vai estudar e quais desses são
ATIVIDADE mais importantes na área.
Recomendamos os seguintes sites
Experimentando fazer uma revisão de literatura para pesquisa (lembre-se de que eles
1)  Escolha um assunto e, em seguida, escolha para ele 5 palavras-chave; podem mudar de endereço ou serem
2)  Vá até um dos sites de busca recomendados e encontre 5 artigos ou disserta- descontinuados):
ções mais próximos do tema escolhido;
3)  Agora escolha um segundo site e faça o mesmo. http://www.inep.gov.br
http://www.cnpq.br
COMENTÁRIO http://scholar.google.com.br
http://www.periodicos.capes.gov.br
A busca nos sites recomendados exibirá muitas opções. Para escolher os http://www.scielo.org/
artigos ou dissertações mais aderentes ao seu tema, um dos procedimen- http://prossiga.ibict.br
tos recomendados é ler os resumos daqueles que aparentam ser os mais
próximos.
COMENTÁRIO
Autores
Para que a leitura de textos fique arma-
Como fazer um resumo zenada de modo a ser utlizada por você
quando precisar, insistimos que, durante
O resumo diz o essencial do conteúdo de uma obra, ele apresenta as e após a leitura, você faça fichas de lei-
principais ideias do autor. É uma informação rápida que permite co- tura. Neste capítulo, vamos apresentar
nhecer um texto no que ele tem de fundamental. Aprendendo a fazer algumas opções, com destaque para re-
o resumo, você vai também aprender a identificar quais textos estão sumos, fichamentos ou resenhas. Essas
corretos e quais não dão as informações necessárias ao trabalho de formas de armazenamento são utilizadas
revisão de literatura. também em outras áreas, não só na aca-
dêmica. O que vamos ensinar aqui servirá
COMENTÁRIO para os trabalhos acadêmicos.

O resumo não pode conter nenhuma cópia do texto do autor, deve ser escrito
por você, caso o autor não o deixe mais disponível ou caso o local de publicação
a retire do catálogo.

capítulo 3 • 61
COMENTÁRIO ATENÇÃO
Referências O resumo não deve ser extenso. Em geral, limita-se a 250 palavras, ou a 1.500 ca-
Existem sites que disponibilizam resu- racteres com espaço ou a 10 linhas. Para facilitar, os programas de edição de texto
mos, mas não os textos originais. Se permitem contar palavras — vá ao menu revisão, depois contar palavras. Essa mes-
fizer alguma referência que dependa ma função fornece as três informações (número de palavras, linhas e caracteres),
do texto, o leitor vai ficar sem saber que além de outras informações quantitativas sobre o texto.
referência é essa caso o texto original
tenha sua publicação suspensa. Caso
o texto não traga ficha catalográfica, é
sempre útil fazer a identificação comple- Passos para a confecção de um resumo
ta do texto e acrescentar ao resumo. A
Identificação do texto tem os seguintes O resumo geralmente é feito em espaço simples. Não se usa parágrafo e
elementos: nome do(s) autor(es), título, o texto do resumo não pode ser dividido, ele se apresenta como um “ti-
local, editora, data e palavras-chave. Ela jolo”. Eventualmente pode conter indicação dos autores ou abordagens
pode conter também uma referência com as quais o texto dialoga, mas não faz sentido ter referências que não
mais específica sobre o(s) autor(es) ou sejam descritas nele mesmo, pois geralmente elas são consultadas in-
sobre o texto em relação à totalidade da dependentemente do texto principal. Existem sites que disponibilizam
obra do(s) autor(es). O mais importante resumos, mas não os textos originais. Se fizer alguma referência que de-
é que ele deve conter as informações penda do texto, o leitor vai ficar sem saber que referência é essa.
que alguém interessado no assunto,
como você, vá encontrar quando fizer a ATENÇÃO
revisão de literatura.
Passo a passo para confecção de resumo
1)  O resumo começa revelando o objetivo do texto: se o texto não traz o objetivo
explicitamente, quem faz o resumo deve escrevê-lo. O objetivo diz para que o texto
foi escrito, qual foi a intenção do autor, o que ele pretendeu;
2)  O passo seguinte é revelar como o autor fez para cumprir seu objetivo. Qual foi o
desenvolvimento que ele usou, que argumentos foram articulados para defender as
ideias, ou seja, você deve dizer como o autor desenvolveu o texto. Em outras pala-
vras, dizer qual é a fundamentação teórica e metodológica do trabalho;
3)  O último passo é assinalar quais foram as conclusões do autor. As conclusões
referem-se sempre ao objetivo. O autor se propôs a escrever sobre algo e as conclu-
sões devem se referir ao que ele se propôs.

A seguir você verá um resumo de artigo escrito por Ana Luisa Noguei-
ra de Amorim e Adelaide Alves Dias intitulado Organização dos espaços
nas creches: possibilidades e limites, publicado em 2013 na Revista Edu-
cação e Cultura Contemporânea (v.10, n. 21. p.224-254).

O objetivo desse texto é discutir a importância da organização dos espaços


destinados às crianças nas creches, tomando por base a compreensão de que
a organização dos ambientes destinados à Educação Infantil interfere nas prá-
ticas educativas, podendo ou não favorecer o desenvolvimento das crianças.

62 • capítulo 3
COMENTÁRIO
O texto apresenta parte dos resultados de pesquisa de campo realizada
em tese de doutorado, desenvolvida a partir de observação realizada em Fichamento
creches públicas de um município paraibano. Os dados produzidos na pes- Podemos dizer que são fichas de lei-
quisa foram registrados em diário de campo e enriquecidos com fotos que tura que registram informações que
registraram alguns ambientes das creches. A análise dos dados indicou a nós mesmos pretendemos usar em
desconsideração dos parâmetros nacionais estabelecidos e a falta de pla- outra ocasião, por isso, o tamanho não
nejamento e organização dos espaços. Na maioria das creches, constata- é determinado. Passado algum tempo
mos a falta de equipamentos, brinquedos, objetos e materiais, indispensáveis depois de termos lido um livro ou um
para a realização de um trabalho pedagógico de boa qualidade, capaz de artigo, esquecemos alguns aspectos às
favorecer o desenvolvimento pleno e integral das crianças. Tais análises evi- vezes importantes da leitura. O ficha-
denciaram os descompassos identificados entre os documentos nacionais e mento guarda essas informações.
locais e aquilo que ocorria nas creches; retomando a discussão sobre a não
superação da dicotomia cuidar e educar, e da concepção assistencialista
de Educação Infantil que ainda permeia as concepções sobre crianças e a
organização das instituições no contexto municipal.

ATIVIDADE
Fazendo um resumo
Esta atividade vai servir para experimentar os conhecimentos que você obteve sobre
os resumos.
1)  Escolha um texto sobre o seu tema com aproximadamente 12 páginas. Após sua
leitura, faça um resumo seguindo os passos sugeridos.
2)  Embora os resumos possam variar quanto ao número de palavras ou caracteres,
neste primeiro, utilize as indicações feitas nos passos anteriores.

COMENTÁRIO
A maior parte dos resumos tem como objetivo informar ao leitor, brevemen-
te, o conteúdo do trabalho. Assim, deve-se evitar qualquer cópia do texto ou
informações que informem detalhes sobre o conteúdo.

Como fazer um fichamento


O fichamento é feito para armazenar outros dados sobre o texto que se-
rão úteis a trabalhos que você venha a fazer depois. Você terá mais liber-
dade para fazer um fichamento do que para o resumo, pois são menos
regras a seguir, já que o fichamento é feito para o seu próprio consumo,
enquanto o resumo geralmente é utlizado por muitos, uma vez que de-
verá ficar disponível para consulta. O fichamento deve conter, além do
resumo do texto, os seguintes itens:

capítulo 3 • 63
Síntese das ideias do autor que não estão contempladas no resumo, mas que
você julga serem importantes.

Citações, ou seja, partes do texto que você pretende citar em seu trabalho, já
que podem estar relacionadas ao que você pretende dizer nele. Em geral,
devem ser escolhidas de acordo com o objetivo da leitura e podem ser
precedidas de algum esclarecimento (ou motivo da escolha). Não esqueça de
colocar a citação entre aspas, caso tenha menos de quatro linhas, e inserir o
número da página onde a citação ocorre.

Boas perguntas que podem ser formuladas e que o texto não responde,
indicando a possível necessidade de outras leituras ou conexões com
outros textos.

Comentários pessoais, que expressam sua compreensão e reflexão crítica


sobre a obra, baseando-se ou não em outros autores e em outras obras, com
observações que seriam úteis para o seu trabalho posterior.

Exemplo de fichamento

Identificação: ALVES-MAZOTTI, ALDA J. O planejamento de pesquisas qualitativas. In: ALVES


-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa
quantitativa e qualitativa. 1ª ed. São Paulo: Pioneira, 2000. Palavras-chave: ciências; ciências so-
ciais; método; metodologia científica.
Resumo: o principal objetivo da autora é apresentar pontos importantes no que se refere à discus-
são do paradigma qualitativo. Tal problemática, que permeia o título e, basicamente, todo o texto,
faz referência à discussão da ideia de que, para ser ciência, um estudo deve ser neutro, objetivo
e racional e, para tanto, as Ciências Sociais devem almejar o rigor se quer conquistar o respeito
entre as demais ciências. Em sua argumentação, a autora discute três paradigmas: empirismo
lógico, teoria crítica e relativismo. Em sua conclusão, a autora enfatiza a curiosidade metodológica,
acreditando que se deve ter certa objetividade, sim, nas ciências sociais, mas que a complexidade
dos estudos desse tipo de ciência não deve ser descartada.
Minha crítica: acredito que a parte final do texto seja a mais relevante para meu projeto de pesquisa,
e que me ajudará para a construção da monografia, por se tratar mais diretamente da pesquisa na
minha área e da crise que gira em torno da pesquisa, suas delimitações e coerência A autora frisa
que o panorama atual da pesquisa em ciências sociais, de uma forma geral, é bastante complexo.
Entre os inúmeros problemas, ela destaca: a pobreza teórico-metodológica na abordagem dos temas
de pesquisa, a pulverização e irrelevância dos temas escolhidos, adoção crítica de modismos na

64 • capítulo 3
seleção de quadros teórico-metodológicos, preocupação com a aplicabilidade imediata dos resul-
tados e divulgação restrita dos resultados e pouco impacto sobre as práticas. Isso tudo é produto
das incertezas e falsas certezas em torno do modelo tradicional de ciência, que desorientou os
pesquisadores ao longo do tempo, refletindo-se nos dias de hoje, mas deve-se lutar para que esse
quadro mude, apesar de totalmente compreensível. Não se deve usar isso como justificativa para
que não se tenha rigor na pesquisa. É por isso que se pode afirmar que a parte final é a mais re-
levante para os estudos de graduação, e deve ser usado não só como parte da monografia, como
também inserido no pensamento, para toda a vida acadêmica e de pesquisa.
Citação a ser utilizada: "planejamentos menos estruturados são mais adequados para o estudo de
realidades muito complexas e/ou pouco conhecidas" (p.148).
Boas perguntas: Como garantir o rigor em pesquisas na graduação?

Não é obrigatório fazer todos os itens que indicamos, e é bom lembrar que o fichamento
é feito para que nós tenhamos acesso a informações que nós mesmos iremos utilizar.

ATIVIDADE
Fazendo um fichamento
Esta atividade vai servir para experimentar os conhecimentos que você obteve sobre os fichamentos.
1) Escolha um texto sobre um tema de seu interesse com aproximadamente 20 páginas. Após sua leitura,
faça o resumo dele seguindo os passos sugeridos;
2) Também seguindo as orientações que você acabou de ver, faça o fichamento do texto. É importante que
preencha todos os itens na primeira vez que se faz um fichamento, para justamente experimentar cada
passo e “calibrar” essa prática.

COMENTÁRIO
Os fichamentos são para consumo próprio. Por isso, escreva todas as suas dúvidas, guarde todas
as páginas do texto que pretende citar, faça boas perguntas e procure respondê-las perguntando
a quem sabe. Não se esqueça de evitar qualquer cópia do texto no resumo, observe que os passos
contemplam as citações que pretende usar. É importante também fazer comentários sobre o texto,
pois eles serão importantes na hora da escrita de seu trabalho.

Como fazer ou utilizar-se de uma resenha


Uma resenha serve para, em poucas páginas, descrever o conteúdo de um livro ou outro
trabalho qualquer, que tenha a característica de ser grande e complexo. Serve para divulgar
ou armazenar esse conteúdo, de modo a ser utilizado com facilidade. Difere de um ficha-
mento porque traz uma síntese completa da obra. Neste capítulo, vamos nos ater à resenha
que você deverá fazer dos livros que pretende utilizar no TCC.

capítulo 3 • 65
A resenha de um livro pode meramente descrever seu conteúdo como também pode
conter avaliações pessoais de quem a faz. No caso específico da resenha que se faz para
consumo próprio (no seu caso, visando ao TCC), é sempre interessante que ela já tenha sua
crítica. A crítica em uma resenha tem o objetivo de apontar tantos os aspectos positivos,
quanto os negativos do texto.

REFLEXÃO
A crítica, como já vimos no Capítulo 1, é um procedimento necessário do trabalho científico. Ela dá con-
fiabilidade ao seu trabalho. No Brasil, não temos o hábito de usar a crítica desse modo, normalmente a
interpretamos como desmerecimento. Em trabalhos científicos, ela faz parte do processo de validação
e dá confiabilidade ao que foi escrito. Ela faz parte dos procedimentos que tornam um conhecimento
produzido por nós, científico.

Veja a seguir uma sugestão de roteiro para resenha:

Localize e inclua os seguintes elementos:


IDENTIFICAÇÃO
a) nome do(s) autor(es); b) título; c) local de publicação; d) editora; e) data de
DO TEXTO publicação (incluir nº da edição, se for o caso); e) palavras-chave.

SÍNTESE DAS Compilação das principais ideias do autor, organizadas em temas, se for o caso.
IDEIAS DO Uma boa prática para “treinar” essa ação e ler sublinhando as partes que
AUTOR chamam sua atenção.

Aqui aparecerão suas opiniões sobre o texto, que devem ser fundamentadas. É
AVALIAÇÃO
uma análise crítica (comentada, avaliada) das principais ideias do texto,
CRÍTICA geralmente baseada em outras leituras.

Fazer um quadro organizativo dos aspectos mais importantes da obra,


destacando o que é mais importante (do ponto de vista do que você pretende
OPCIONAL fazer com a resenha, se divulgação ou armazenamento de informação) de
forma resumida.

Como a resenha vai ficar disponível para outros, comece fazendo fichamentos e resu-
mos; deixe as resenhas para um momento em que você conheça mais sobre o tema. Aquele
que faz uma resenha tem de estar por dentro do assunto. Tem de conhecer alguns autores
que escrevem sobre o tema, o que se tem dito sobre ele... Enfim, para fazer uma crítica bem
fundamentada, você deve já ter, no mínimo, lido sobre o assunto.

ATENÇÃO
É importante ter em mente que a resenha vai servir como material para futuras consultas, tanto suas quan-
to de qualquer outra pessoa. É possível, inclusive, publicar resenhas em periódicos, e isso é interessante
para alunos de graduação, pois as agências de fomento identificam essas resenhas como uma produção
do aluno. Para futuros pedidos a essas agências, a resenha publicada tem um grande valor.

66 • capítulo 3
As formas comumente usadas para armazenar um conteúdo, visan- COMENTÁRIO
do à escrita de um trabalho científico, vão servir para vários fins em sua
vida. Seu orientador tem também a função de sugerir obras que ele já leu Técnicos
e que sabe que serão importantes para o seu trabalho. Por isso, durante Mesmo em cursos técnicos, o TCC pode
a revisão de literatura conte com ele, siga suas sugestões, converse so- ser uma monografia que explora a utili-
bre o que já leu, explore esse canal privilegiado de interação. Lembre-se zação de um produto. Na sequência do
sempre de que, quanto mais informado sobre seu trabalho, melhores texto, você encontrará alguns exemplos.
sugestões o orientador poderá lhe dar. Os cursos geralmente têm orientado os
alunos na escolha do tema e do tipo de
TCC que irão desenvolver. Seu orienta-
A pesquisa científica e o TCC dor irá fazer algumas sugestões entre
as quais o curso disponibiliza.
Uma vez feita a revisão de literatura, o próximo passo é escolher o tipo de
TCC que você vai fazer. Nas áreas ligadas às Ciências Humanas e Sociais,
geralmente o TCC é uma monografia, relacionada a uma pesquisa. Em
cursos ditos técnicos, o trabalho final costuma ser um produto, como um
banco de dados, um software, um modelo de organização para departa-
mento de pessoal, uma máquina, um protótipo, um projeto de arquitetu-
ra, a testagem de um novo medicamento em animais etc.
Tudo em um TCC é feito para que o leitor possa compreender seu
trabalho, por isso é importante fazê-lo, pois vai aprender a se comunicar
por escrito com um público que tem a mesma formação que você. É um
conhecimento importante para profissionais de todas as áreas. Vejamos
abaixo alguns exemplos de temas e respectivos resumos/descrições:

EXEMPLO
Exemplo 1 (TCC do Curso de Informática para negócios)
Título: Projeto de banco de dados, apresentando as vantagens da implementação
de aplicações no banco de dados.
Resumo: hoje em dia o conceito de banco de dados vem sendo amplamente utiliza-
do em diversos projetos, inclusive para o desenvolvimento de aplicações, implemen-
tando a lógica do negócio, segurança como controle de acessos, regras de negócios
e outras funcionalidades no próprio banco de dados. Isso vem sendo possível com
o avanço dos desenvolvedores de SGBDs (Sistemas de Gerenciadores de Banco
de Dados), que vem agregando todas essas funcionalidade ao SGBD. O objetivo é
estudar e demonstrar as vantagens da implementação lógica de uma aplicação, em
um banco de dados, por meio da pesquisa e aplicação da teoria em um projeto no
SGBD Sql Server com interface VB.
(Fonte: http://fateczl.edu.br/TCC/2010-2/TCC-001.pdf)

capítulo 3 • 67
EXEMPLO
Exemplo 2 (TCC em Design Gráfico)
Título: Projeto de criação de embalagem para a cooperativa de produtores de cachaça de São João de Boa Vista.
Descrição: objetivo do projeto foi a criação de marca e embalagem para uma nova marca da cachaça de
São João da Boa Vista e para o lançamento de uma única marca para o mercado da Grande São Paulo.
(Fonte: http://pt.slideshare.net/vicentedesign/apresentao-tcc-pesquisa-conceito-e-produto-cachaa-raiz)

EXEMPLO
Exemplo 3 (TCC em Direito)
Título: Investigação de paternidade: quando a paternidade socioafetiva sobrepõe a biológica.
Resumo: o presente trabalho de conclusão de curso trata do reconhecimento da paternidade socioafetiva,
em uma ação de investigação de paternidade, quando esta estiver em conflito com a paternidade biológica.
Cabendo ao julgador prestigiar a paternidade socioafetiva quando o filho já vive a posse de estado de filho, e
preenche todos os requisitos que caracterizam tal estado. São diversas circunstâncias que exteriorizam a condi-
ção de filho, porque quando educa, cria e zela, aquele que considera como filho, está manifestando a função de
pai publicamente, somente dessa forma a paternidade socioafetiva poderá se sobrepor à paternidade biológica.
(Fonte: http://www.jurisway.org.br/monografias/monografia.asp?id_dh=11386)

EXEMPLO
Exemplo 4 (TCC em Engenharia Elétrica)
Título: Aplicação de painéis solares fotovoltaicos como fonte geradora complementar de energia elétrica
em residências.
Resumo: o presente trabalho investiga a viabilidade econômica da implementação de um sistema fotovoltaico co-
nectado à rede elétrica de baixa tensão na cidade de Curitiba/PR, para suprir parcialmente o consumo de energia
elétrica de uma residência de médio/alto padrão com quatro habitantes, cujo consumo mensal é de aproximada-
mente 400 kWh. Considerando que a barreira técnica para a disseminação dessa forma de produção de energia
descentralizada já foi superada, estudar a viabilidade econômica de sua instalação poderá ajudar na propagação
dessa tecnologia no país. A questão de busca de fontes alternativas e renováveis de produção de energia elétrica,
que não ocasionam graves problemas ambientais, há muito tempo deixou de ser uma utopia. Já é uma realidade
concreta e confiável, visível em muitos países considerados desenvolvidos. Hoje em dia, é possível encontrar te-
lhados fotovoltaicos em edificações de diversos tipos em centros urbanos dos principais países da Europa, nota-
damente Alemanha e Espanha, gerando energia limpa. No Brasil, a energia solar fotovoltaica ainda não conseguiu
superar a barreira econômica, pois a energia gerada pelos módulos fotovoltaicos continua tendo um custo elevado
em comparação à geração hidrelétrica, principal fonte energética na matriz de geração do país. Analisando os re-
sultados obtidos na análise do projeto proposto, este trabalho mostra que a produção de energia solar fotovoltaica
está em vias de se tornar um investimento ao alcance da população de classe média alta, mas ainda necessita de
um ambiente mais favorável para sua expansão, onde incentivos fiscais e de produção sejam concedidos por parte
do governo, justificado pelo impacto ambiental que a disseminação desta tecnologia proporcionaria.
(Fonte: http://www.eletrica.ufpr.br/p/tcc:listagem)

68 • capítulo 3
Os trabalhos de conclusão de cursos de graduação, no caso das mono- CONCEITO
grafias, são reflexões feitas a com base em dados de pesquisa. Os critérios
para classificação das pesquisas têm sido criados pelas práticas dos pesqui- Pesquisa bibliográfica
sadores. Algumas se relacionam com os campos em que têm sido aplicadas, A pesquisa bibliográfica investiga
como na Educação, na História, na Medicina, na Matemática ou na Biologia, ideias e conceitos que comparam as
por exemplo. Outras se relacionam com os objetivos da pesquisa: descrever, posições de diversos autores em re-
prever, encontrar as causas de um fenômeno. Outras ainda se relacionam lação a um tema específico, estabe-
com o lugar de realização da pesquisa, em campo ou em laboratório, ou ain- lecendo uma reflexão crítica sobre as
da em relação à sua aplicação, como a pesquisa pura ou aplicada. ideias e conceitos escolhidos e defen-
dendo uma ou várias afirmativas, que
REFLEXÃO podemos caracterizar como argumen-
tos. Ela começou com os estudos da
Existem ainda aquelas relacionadas aos recursos de coleta de dados, como questioná- Sociologia do Conhecimento e, hoje,
rios, testes, entrevistas, bibliografias ou aos métodos para estabelecer relações, como a tem sido utilizada em outros campos.
correlacional, a experimental e mais uma infinita lista de categorias. Na prática, o pesqui-
sador utiliza às vezes mais de um tipo de pesquisa, ou faz adaptações dos vários tipos.

Explorando a pesquisa bibliográfica


No próximo capítulo, você encontrará alguns tipos de pesquisa. Neste,
vamos nos dedicar a apenas um deles, que é muito utilizado em mono-
grafias, e pode ser considerado uma extensão da revisão de literatura.
Trata-se da pesquisa bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica geralmente é delimitada pelo tema das obras,
pelo período em que foram escritas e por alguns conceitos e ideias que
analisa. Uma vez delimitada, a pesquisa será feita com base na seleção das
obras que a integrarão, por sua leitura e análise. Essas obras serão lidas
a com base no que foi considerado nessa delimitação, isto é, pelo tema,
período e conceitos e ideias que se pretende analisar. Vejamos um passo
a passo para elaboração de uma pesquisa bibliográfica:

REFLEXÃO
1)  Delimitação do que será analisado na pesquisa bibliográfica – nesse passo, será
definido o tema, o período e o tipo de produção científica que será analisada: artigos,
monografias, teses etc.

Por exemplo, para o tema sugerido pelo título trabalho cooperativo em redes
sociais, como é um tema recente, o indicado seria trabalhar com um período
próximo (por exemplo, os últimos três anos anteriores ao início da pesquisa).
Como devem ser poucos os livros escritos sobre o assunto, uma boa escolha
seria o estudo de dissertações sobre o tema.

capítulo 3 • 69
CONCEITO 2) Delimitação dos conceitos e ideias a serem analisados – há duas formas de
escolher as ideias e os conceitos a serem analisados nas obras: ou eles serão esco-
Estado da arte lhidos anteriormente à leitura das obras, por se tratarem de um interesse do pesqui-
Esse é o termo utilizado para designar sador; ou eles serão escolhidos após a leitura dos textos, por serem as ideias e os
um tipo de pesquisa bibliográfica que conceitos que caracterizam o tema ou o período da análise.
procura descrever e analisar tudo o que
foi escrito sobre um tema em um perí- Por exemplo: a) os objetivos da análise; b) o tipo mais comum de pesquisa
odo determinado, de modo a informar feita sobre o tema ou o que mais se pesquisou sobre o tema; c) as referên-
outros pesquisadores do mesmo cam- cias teóricas utilizadas pelos autores, se eles utilizam os mesmos autores e
po sobre a produção científica daquele mesmos conceitos, ou se são pesquisas com referências muito diferentes e
tema. Fazer o estado da arte significa quais são elas; d) os resultados alcançados ou se os resultados são coeren-
informar, criticamente, como se encon- tes entre si e quais são os mais relevantes etc.
tra a produção de artigos, livros, mono-
grafia, teses, dissertações e resenhas, 3)  Análise dos dados – o trabalho de análise de qualquer pesquisa bibliográfica
dependendo da delimitação feita. deve ser organizado com base nos conceitos e ideias que foram selecionados. Um
quadro comparativo pode ajudar nesse momento, levantando os conceitos utilizados,
as ideias mais frequentes, as lacunas deixadas pelos autores etc.

Nesse quadro, você deve fazer um levantamento de quais ideias e concei-


tos são tratados na bibliografia estudada, descrever como os autores tratam
cada um deles. O exame desse quadro pode fornecer o que esses autores
consideram essencial. É importante ainda levantar os principais achados das
pesquisas e as conclusões a que chegaram.

Esse tipo de pesquisa também pode se apresentar como estado da arte


sobre algum tema. A delimitação, nos estados da arte, é feita do mesmo
modo que qualquer pesquisa bibliográfica. A diferença é que a análise vai
procurar dar conta de tudo o que foi produzido sobre o assunto, de maneira
crítica. Os estados da arte apontam o que já foi pesquisado, quais perguntas
foram respondidas e o que ainda está por fazer. É sempre bom lembrar que
outros pesquisadores irão se servir dos dados encontrados por eles.

EXEMPLO
Exemplo 1 de pesquisa bibliográfica (TCC em Pediatria)
Título: Doença celíaca: revisão bibliográfica.
Resumo: a doença celíaca é uma afecção inflamatória do intestino delgado associada à
intolerância permanente ao glúten, que ocorre em indivíduos geneticamente suscetíveis.
Pensava-se ser uma doença rara da infância caracterizada pela diarreia. Mas a doença
celíaca é uma desordem multissistêmica que ocorre em consequência de uma resposta
imune ao glúten ingerido em indivíduos geneticamente predispostos. Estudo de scree-
ning tem revelado que a DC é comum em pacientes assintomáticos. Embora o progresso
científico considerável em compreender a doença celíaca e em impedir ou curar suas
manifestações, uma dieta isenta de glúten é o único tratamento para doença celíaca.

70 • capítulo 3
O diagnóstico precoce e o tratamento, junto com visitas regulares a um nutricionista, são necessários para
assegurar adequada dieta e para impedir a desnutrição ao aderir à dieta isenta de glúten durante toda a vida.
A finalidade desta revisão é fornecer informação atualizada sobre a doença celíaca, sua apresentação clínica
diversa, prevalência aumentada, a forte predisposição genética à doença celíaca e seu diagnóstico.
(Fonte: http://www.paulomargotto.com.br/documentos/Monografia_doen%C3%A7a%20cel%C3%ADaca.pdf)

EXEMPLO
Exemplo 2 de pesquisa bibliográfica (TCC em Ciências Contábeis)
Título: A influência da substituição tributária do ICMS no custo das mercadorias em uma empresa do
segmento de comércio de equipamentos de telecomunicações.
Resumo: este estudo monográfico intitulado A Influência da Substituição Tributária do ICMS no custo das
Mercadorias em uma Empresa do Segmento de Comércio de Equipamentos de Telecomunicações tem
como objetivo realizar uma pesquisa sobre o instituto tributário, chamado Substituição Tributária, adotado
pelo Governo na cobrança do ICMS, e apresentar sua influência nos custos das mercadorias de uma em-
presa no ramo do comércio de equipamentos de telecomunicação. Para desenvolvimento do referido estu-
do, utilizou-se primeiramente o método de pesquisa bibliográfica com o objetivo de apresentar os conceitos
dos vários elementos que compõem a substituição tributária, por meio de livros e artigos que abordam este
assunto. Após todo o estudo realizado, foi possível constatar que a substituição tributária influencia sim no
custo das mercadorias, deixando mais oneroso. E quando as duas tributações são comparadas, observa-se
que a carga tributária efetiva é maior na tributação de substituição tributária. Por consequência, na compa-
ração dos resultados, a margem operacional é menor na tributação de substituição tributária sendo menos
lucrativa que a tributação normal. Isso leva a concluir que o regime de substituição tributária beneficia em
maior proporção o Sujeito Ativo, facilitando na cobrança do tributo ao Sujeito Passivo.
(Fonte: http://www.flf.edu.br/revista-flf/monografias-contabeis/monografia-rafael-barros.pdf)

EXEMPLO
Exemplo 3 de pesquisa bibliográfica (Especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde)
Título: Estresse e o trabalho do enfermeiro: uma revisão bibliográfica.
Resumo: trata-se de uma revisão bibliográfica sobre o estresse e o trabalho do enfermeiro hospitalar.
Objetivos: apresentar uma revisão bibliográfica dos estudos epidemiológicos existentes sobre estresse e
trabalhadores de enfermagem, realizados a partir do ano de 1990. Foram examinadas as prevalências e os
fatores de risco para o estresse no trabalho hospitalar.
Método: pesquisa de revisão bibliográfica, em que foram incluídos na revisão artigos indexados, publica-
dos desde 1990, escritos em português, que determinaram a prevalência do estresse nos enfermeiros
hospitalares. Resultados e conclusão: Constatou-se que os enfermeiros que atuam em unidades de en-
fermaria obtiveram maior nível de estresse do que aqueles que trabalham em unidades fechadas, como
as unidades de terapia intensiva, e praticamente a atuação relacionada à administração de pessoal foi
considerada estressante para a totalidade de enfermeiros. É necessária a educação do enfermeiro para
minimizar esses fatores estressantes.
(Fonte: http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2011alves-acgc.pdf)

capítulo 3 • 71
COMENTÁRIO ATIVIDADE
Metodologia Experimente os conhecimentos que você obteve sobre a pesquisa bibliográfica!
Entrar em campo sem definir a meto- 1)  Descreva um tema pelo qual se interesse em um parágrafo. Escolha 3 palavras-
dologia é um desperdício de tempo e chave para ele. Faça uma busca em sites confiáveis e tente levantar 20 títulos sobre
de investimento. Enfim, a metodologia o tema;
não é algo que se possa descartar, ela é 2)  Agora limite o período para as obras escolhidas, por exemplo, os últimos cinco
necessária para você saber o que fazer, anos. Das 20 obras encontradas, verifique quantas estão no período escolhido. Leia
que caminhos trilhar para desenvolver o resumo das que ficaram e verifique se o interesse nelas permanece. Os títulos que
seu TCC. Deve-se escolher uma meto- ficaram devem ser armazenados para futura leitura.
dologia em qualquer caso de trabalho
científico, seja uma monografia ou o de- COMENTÁRIO
senvolvimento de um produto. O capítu-
lo seguinte vai mostrar alguns exemplos O procedimento de encontrar obras sobre um tema determinado pode ser
de ferramentas metodológicas utiliza- enriquecido com outros que você ache pertinentes. Isto se deve ao fato de
das em Trabalhos de Conclusão de Cur- que cada assunto tem características próprias. Por exemplo, pode ser que
so, no caso das monografias. sua pesquisa seja histórica e que muitos autores tenham escrito sobre o
tema em uma década determinada. Pode acontecer de haver muita literatura
sobre um produto na época em que foi criado. Esses são fatores que depen-
dem diretamente do tema e que não podem ser padronizados. É importante,
portanto, usar seu conhecimento sobre o assunto e sua intuição.

Panorama sobre diferentes metodologias


Uma vez definido o tipo de pesquisa que será feita, a próxima escolha
a fazer é qual metodologia utilizar para coletar os dados da pesquisa. A
metodologia de pesquisa a ser adotada é uma escolha do pesquisador,
porém, deve estar em sintonia com os objetivos do trabalho e de acordo
com a questão que você pretende estudar, pois ela é escolhida para res-
ponder tal questão. A metodologia determina como a pesquisa será rea-
lizada e deve ser pensada antes de iniciar a pesquisa, pois ela indicará os
caminhos a serem seguidos.
A seleção das ferramentas metodológicas de pesquisa é feita depois
que forem estabelecidas as questões e as hipóteses de pesquisa. Assim,
você escolherá com seu orientador o procedimento a ser utilizado, ou
seja, como fazer e por que fazer de um determinado jeito.

ATENÇÃO
É importante saber por que usar tal método ou técnica, e qual tipo de informação
aquele método ou aquela técnica permitem obter, de forma a viabilizar um material
realmente útil para sua pesquisa. É nessa etapa que você deverá também identificar

72 • capítulo 3
a população a ser investigada, que chamamos sujeitos da pesquisa, caso seja uma COMENTÁRIO
pesquisa com pessoas. Nesse caso, você e seu orientador precisarão definir algum
critério para a escolha dos sujeitos de pesquisa, ou seja, por que escolher determi- Problemas enfrentados
nados sujeitos e não outros. Ao contrário do que possa parecer,
descrever os problemas enfrentados
não é uma falha do pesquisador, mas
EXEMPLO um dos elementos mais cobiçados por
quem se inicia na pesquisa ou em um
Exemplo 1 (TCC em Letras) tipo de pesquisa que lhe é pouco co-
Título: análise comparativa das diferentes abordagens das gramáticas normativas nhecido, e isso vale inclusive para pes-
sobre o emprego dos pronomes relativos em francês e português. quisadores experientes.
Metodologia utilizada: foi feita uma análise comparativa das gramáticas de língua
portuguesa.
(Fonte: http://www.letras.ufpr.br/documentos/graduacao/monografias/ss_2007/
Julio_Cesar_Araujo.pdf)

Exemplo 2 (TCC em Direito)


Título: a importância da retórica para o direito para uma justificação razoável das
decisões.
Metodologia utilizada: pesquisa bibliográfica.
(Fonte: http://www.academia.edu/1166990/A_importancia_da_retorica_para_o_
direito_para_uma_justificacao_razoavel_das_decisoes)

Exemplo 3 (TCC em Engenharia Civil)


Título: alternativas sustentáveis para a circulação urbana – estudo de caso as cida-
des de Guaratinguetá e Lorena.
Metodologia utilizada: estudo de caso.
(Fonte: http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/tcc/beg/19386/2011/
oliveira_bc_tcc_guara.pdf)

Exemplo 4 (TCC em Geografia)


Título: quilombos urbanos, segregação espacial e resistência em Porto Alegre/RS:
uma análise a partir dos Quilombos do Areal e da Família Silva.
Metodologia utilizada: pesquisa de campo de cunho etnográfico.
(Fonte: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/1600

Como você pode observar nos exemplos, a metodologia serve para


você saber como deve proceder em cada caso. Geralmente os pesquisa-
dores usam um capítulo para descrever os procedimentos metodológi-
cos utilizados para coletar os dados. Este capítulo é muito importante
para outros pesquisadores.
Dizer como foi feita a pesquisa, baseada em que prática, de qual pes-
quisador e quais foram os problemas enfrentados, vai auxiliar outros pes-
quisadores na hora de planejar suas pesquisas e avaliar os resultados da
sua, na perspectiva da intersubjetividade, como você viu no Capítulo 1.

capítulo 3 • 73
O Trabalho de Conclusão de Curso: roteiro para sua
elaboração e normas técnicas

No Brasil, o órgão que regulamenta as regras utilizadas para padronizar os trabalhos cien-
tíficos é a ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas. As regras da ABNT são facil-
mente encontradas em sites de universidades, periódicos científicos e outros que utilizam
esse tipo de informação. Tais regras foram pensadas para facilitar a produção de trabalhos
científicos e a comunicação entre os pesquisadores.

ATENÇÃO
A construção de um TCC depende muito do que ele vai ser, se uma monografia ou um produto. As regras
para elaborar um TCC, no entanto, são as mesmas para qualquer um dos casos. Para ambos, você deve
começar pela revisão de literatura, já que outros passos podem variar.

Roteiro para a elaboração de produtos

Desenvolver um produto depende principalmente a que ele se propõe. Um banco de dados,


por exemplo, pode ter muitas utilidades e o objetivo de sua criação é que vai determinar os
passos a serem dados. A revisão de literatura também vai indicar modos de desenvolver seu
produto. De um modo geral, consideramos os seguintes passos:

Passo 1: definição do produto


A definição do que será o produto a ser desenvolvido será sempre uma decisão tomada pelo
aluno em conjunto com seu orientador. A escolha deve ser feita levando em conta a sua
carreira e aquilo que interessa a você.

ATENÇÃO
Assim que se defina o produto a ser desenvolvido, iniciar a revisão de literatura, procurando
trabalhos de desenvolvimento, ou de produtos similares ou do mesmo, conforme o caso.
Essa leitura vai economizar muito trabalho, pois esclarecerá o estado a importância do de-
senvolvimento de seu produto, sua aceitação e possíveis caminhos a serem tomados.

Passo 2: desenvolvimento do produto

Nessa etapa, seu orientador é a pessoa mais importante para você manter um diálogo.
Ele vai fazer sugestões que vão dirigir o que deve ser feito e como.

74 • capítulo 3
Passo 3: testagem do produto COMENTÁRIO
Uma vez que o produto esteja desenvolvido, ele deve ser testado para
que se tenha ideia se está funcionando do jeito esperado. Escolha do tema
O tema deve ser definido em poucas
páginas e deve descrever todos os ele-
Passo 4: homologação do produto mentos necessários à compreensão da
Após a testagem, seu produto deve ser apresentado a outros para sofrer crí- questão que será investigada. A escrita
ticas ou possíveis ajustes. Como dito anteriormente, a crítica faz parte de de um texto que explique o tema aju-
um trabalho científico, ela é um dos quesitos para validar o que foi feito. da a torná-lo claro inclusive para você.
Por isso, um bom exercício é escrever
algumas páginas e contar com seus
Roteiro para elaboração de uma monografia: introdução parceiros (seu orientador, colegas de
curso etc.) para a leitura delas. Se ficar
Os passos que vamos apresentar foram pensados a partir da experiência claro para eles, é um bom sinal; caso
de orientadores de monografias e outros trabalhos científicos. Aconse- contrário, será preciso voltar e escrever
lhamos que você siga os passos indicados, pois só depois que se apren- de forma mais clara.
de como fazer o primeiro trabalho científico, é possível inventar, fazer
diferente. Para começar é mais prudente seguir os passos e entendê-los,
pois eles são fundamentais para a elaboração do seu trabalho. Vamos
discutir cada um deles separadamente de modo que fique bem claro o
que deve conter uma monografia.

Roteiro para elaboração de uma monografia: escolha do tema

Fazer uma monografia supõe uma pesquisa que será orientada, sobre-
tudo, pela revisão de literatura. Somente iniciamos a revisão de litera-
tura após a escolha do tema, pois ele é que vai fornecer o conjunto de
palavras-chave necessário para a revisão da literatura. A escolha do tema
é o primeiro passo na elaboração de uma monografia, pois permitirá a
sistematização das ideias que levará à necessidade de investigação.

EXEMPLO
Exemplo 1 (TCC em Tecnologia em Redes de Computadores)
Título: TV digital interativa
Resumo: o objetivo do trabalho foi levantar a trajetória de implantação da TV digital
no Brasil. O trabalho explica o funcionamento de uma TV digital interativa.
(Fonte: http://pt.slideshare.net/JooXimenes/apresentao)

Exemplo 2 (TCC em Ciências Econômicas)


Título: Fordismo: uma análise aplicada aos casos do Brasil e Japão.
Resumo: o presente trabalho tem por objetivo caracterizar o Modelo de Desenvol-
vimento Fordista de Produção nas economias dos Estados Unidos, Brasil e Japão.
Serão caracterizadas as principais políticas adotadas pelos países referentes à política

capítulo 3 • 75
COMENTÁRIO de defesa da concorrência, desenvolvimento econômico, implantação de novas tecno-
logias, mudanças organizacionais, o papel do Estado na adoção de políticas industriais,
Título bem como um comparativo entre os padrões de desenvolvimento brasileiro e japonês
Normalmente o título de um trabalho vigorados entre os anos de 1950 a 1970. A partir daí, serão identificados, avaliados
científico é definido ao final, quando e comparados os principais resultados oriundos das políticas adotadas no Brasil e
praticamente toda a pesquisa foi reali- Japão, durante o processo de vigência do modelo de produção estabelecido na época,
zada. É exceção à regra um título inicial por cada um desses países.
permanecer o mesmo até o encerra- (Fonte: http://tcc.bu.ufsc.br/Economia300197)
mento da pesquisa. Entretanto, é impor-
tante estabeler um, ainda que provisó- Vejamos algumas dicas:
rio, inclusive para ajudar a quem irá ler
e também para dar coerência ao tema •  A definição do tema é o passo inicial que possibilita a revisão de literatura;
de pesquisa. •  Tema confuso, sem clareza, leva à perda de tempo e a fracasso no percurso;
•  O tema, por si só, não define o problema. O problema é a questão que
será investigada;
CONCEITO •  O bom tema é aquele que temos fácil acesso, boa familiaridade (ou
interesse) e facilidade em problematizar;
Problematização •  É importante definir um título para o trabalho, ainda que provisório.
O conjunto de perguntas para as quais
não temos uma explicação satisfatória
ou suficiente é o que lançamos mão ATIVIDADE
para a problematização.
Treinando a escrita sobre um tema
1)  Escreva quatro páginas descrevendo seu tema de pesquisa. Selecione um colega
ou professor para ler criticamente.
2)  Com base nas críticas de seu leitor, reescreva o texto, agora com seis páginas.

COMENTÁRIO
A escrita é a forma melhor para se esclarecer um tema. Não existe receita
para isso, o mais indicado é contar com um leitor, pode ser um professor ou
um colega que se interesse por seu tema. Ter alguém para conversar sobre
o tema ajuda a organizar as ideias sobre ele. Só se aprende a escrever,
escrevendo. Portanto, faça esse esforço inicial, você verá que quanto mais
escreve, mais aprende sobre o assunto.

Roteiro para elaboração de uma monografia: questão


problema e/ou hipótese

O tema, uma vez escolhido, é seguido do que chamamos problema-


tização: relacionamos alguns sinais para os quais não temos explicação

76 • capítulo 3
ou que desconfiamos da explicação aceita com excessiva naturalidade COMENTÁRIO
e, para isso, uma sugestão é elaborar um conjunto de boas perguntas
sobre o fenômeno que desejamos estudar. Problema
As perguntas devem ser relativas àqueles sinais que identificamos ou ao Em nossas relações sociais, usamos a
que a revisão de literatura apontou como mal explicado, incompleto ou, até palavra problema para designar fatos
mesmo, sem uma explicação. Por isso, A construção de que nos incomodam, pessoas inconve-
uma vez que temos esse conjunto de nientes, empecilhos ao trabalho, desa-
um problema
perguntas, procuramos respondê-las. fios e mais uma infinidade de coisas que
Aquelas que nos parecem já bem res- supõe a formulação nos apresentam, na maioria das vezes,
pondidas, devem ser abandonadas. de boas perguntas. como negativas. Problema é um termo
Qual é o inconveniente de uma dada situação, qual é a sua origem? que pode ser usado com uma grande
Existem causas? A quem atinge? Algumas respostas podem ser de fácil variedade de sentidos no linguajar co-
identificação, outras vão depender da realização de uma pesquisa pré- tidiano. Em todos esses usos, no en-
via, outras ainda vão gerar um conjunto distinto de perguntas, e pode tanto, problema é um dado imediato: ou
haver perguntas que não requerem resposta alguma. identificamos um problema, ou alguém
causa problemas, ou algo é um proble-
REFLEXÃO ma. Enfim, não precisamos de grandes
esforços para chegar ao problema e ele
É importante, porém, assumir sempre uma atitude de desconfiança em relação à nos parece sempre evidente.
resposta imediata única. Frequentemente, o que temos é um conjunto de respostas.
Algumas mais complexas. Outras mais simples. Você deve procurar sempre os mo-
tivos que sustentam uma delas como sendo a resposta melhor. Na construção do COMENTÁRIO
problema é importante definir bem um conjunto de perguntas e respostas, seja em
termos de possibilidade ou em termos de escolha. Construção do problema
Um problema mal formulado acarre-
Quando escolhemos um tema e um conjunto de boas perguntas, temos tará respostas inúteis. É importante
o esboço de um problema. O tema de uma pesquisa será sempre um modo, você gastar tempo e esforço cons-
dentre outros, de olhar para um problema. A problematização do tema par- truindo bem a questão de estudo. É
ticulariza um ponto de vista. Não existe o problema associado a um tema, preciso estar atento ao fato de que
a construção de um problema já é resultado de uma reflexão sobre o tema. cada pergunta levanta um ponto de
No trabalho científico, problema é um conceito fundamental e pre- vista e, mesmo que esse ponto de vis-
ciso, não é um dado imediato nem evidente. O dado imediato é sempre ta não seja relevante, ele dimensiona
um sintoma de um problema: uma dada situação pode apresentar in- e esclarece mais o problema.
convenientes, obstáculos e mais um conjunto de sinais indesejáveis, e
esses serão um motivador para a construção do problema. Nesse caso,
definir um problema significará, na realidade, construir um problema.
Não é possível definir um problema quando não se tem uma análi-
se da situação que serve de pano de fundo ao tema. A contextualização
da situação que deu origem ao tema faz parte também da construção
do problema. A necessidade da pesquisa nasce a partir da construção
do problema, e este definirá a necessidade ou não da realização de uma
pesquisa que informe um bom conjunto de perguntas e respostas. O
momento dessa construção é, portanto, de fundamental importância.

capítulo 3 • 77
COMENTÁRIO EXEMPLO
Hipóteses Imagine uma pesquisa cujo tema versa sobre a saúde de meninos de rua. Podemos
A hipótese é inventada para sugerir um partir daquilo que é incômodo, daquilo que é visível. Morrem muitos meninos de rua.
caminho e lançar luz sobre ele. Mesmo Mas eles morrem de quê? Pois se morrem assassinados, não teremos um problema
não podendo responder definitivamente relacionado à saúde, mas um problema de justiça. De que morrem os meninos de
às perguntas levantadas pela pesquisa, rua? Respostas: de doença, assassinato, acidente de trânsito, de má nutrição. Mas,
a hipótese orienta o estudo sobre os digamos que se quer ainda analisar a saúde de outros pontos de vista. As condições
tipos de resposta que a pesquisa pode de saúde afetam a escolaridade dos meninos? Impedem-nos de estudar? As condi-
encontrar e estabelecer uma hierarquia ções de saúde afetam o lazer dos meninos? Meninos de rua se divertem? E a saúde
entre eles. É um exercício lógico, em que mental? Como já foi dito, cada pergunta levanta um ponto de vista e ele dimensiona
um conhecimento prévio da situação é e esclarece mais o problema.
organizado. A importância das hipóteses
levantadas vai depender dos dados con- Além das boas perguntas, a construção do problema pode requerer
seguidos a partir da revisão bibliográfica, uma análise prévia da situação. Pode até ser preciso fazer uma pesquisa
dos conhecimentos que o grupo de pes- para formular outras perguntas. A construção do problema gera a neces-
quisa (seus parceiros) tem sobre a situa- sidade de explorar a situação para elaborar um conjunto o mais comple-
ção e de como você consegue articular to possível de boas perguntas.
estes conhecimentos. O ideal é que as
hipóteses sejam discutidas em grupo e, ATENÇÃO
é claro, com o seu orientador.
Com base em de perguntas que possam ser respondidas pela investigação, baseadas
na reflexão sobre as ideias iniciais e na investigação sobre o tema, devem ser criados
argumentos de defesa do problema e sua importância que justificam o estudo.

Quando se vivencia um problema, na maioria das vezes, algumas


hipóteses são levantadas sobre a realidade a ser estudada, mas não é
necessário que isso ocorra. Pode-se querer simplesmente colher mais
informações sobre a questão. As hipóteses são afirmativas que aposta-
mos serem verdadeiras. A pesquisa não demonstra a hipótese, mas pode
fortalecê-la. Uma hipótese é um pré-lançamento, seguindo algum faro,
que por isso é essencialmente aberto. A hipótese mal feita ou mal defini-
da leva a caminhos variados e mesmo contraditórios.
Pode acontecer de a realidade não estar de acordo com a previsão
dos pesquisadores. Nesse caso, as hipóteses levantadas serão enfraque-
cidas pela pesquisa. Como vimos no Capítulo 1, sobretudo nas ciências
reconstrutivas, como as Ciências da Natureza e as Ciências Humanas e
Sociais, a confiabilidade do conhecimento científico é dada pelo rigor
no uso da metodologia.
O momento de análise dos dados, nesse caso, é de fundamental
importância. Se a análise dos dados é feita sem critérios e sem método,
pode conduzir o pesquisador e seus parceiros de investigação a organi-
zarem os dados de maneira que suas hipóteses sejam fortalecidas. Mui-
tas vezes, ocorre uma sucessão de equívocos que começam a partir da
própria construção da questão do estudo. Para esse tipo de erro, o me-

78 • capítulo 3
lhor é contar com a coerência entre os objetivos e a metodologia escolhi- CONCEITO
da. Se a pesquisa está bem planejada, diminuímos as possibilidades de
induzir resultados. Boas hipóteses geralmente são obtidas na revisão de Fundamentação teórica
literatura, quando analisamos resultados de pesquisas assemelhadas. A fundamentação teórica vem também
da necessidade de desenvolver uma
RESUMO argumentação para sustentar a res-
posta da questão escolhida e fortale-
•  A questão problema (e hipótese) inicia-se com o levantamento de boas perguntas; cer a hipótese. Por isso, ela certamente
•  São perguntas abertas, feitas para direcionar o percurso; não é um enfeite. Ela serve exatamente
•  Apontam algum problema que gostaríamos de enfrentar, alguma pergunta que para que a argumentação que será fei-
mereceria resposta, algum objetivo ainda não explorado; ta para defender suas conclusões seja
•  Têm a finalidade de orientar o trabalho dentro de certo caminho que imaginamos fortalecida.
promissor, permitindo também selecionar bibliografia, conceitos-chave, procedimen-
tos metodológicos.

Roteiro para elaboração de uma monografia: fundamentos


teóricos e metodológicos

O quadro teórico é o modo pelo qual definimos os termos utilizados para


descrever a questão a ser estudada. A teoria define os termos que usamos
para olhar uma determinada problemática, mostra como esses termos se
relacionam, o que possibilita o rigor necessário ao trabalho científico.

EXEMPLO
Por exemplo, se queremos pesquisar as atitudes democráticas de professores em
sala de aula, temos de ter definido o que são as atitudes democráticas, como pode-
mos identificá-las e qual é a relação desses termos com os outros necessários para
explicar esse fenômeno.

A fundamentação teórica tem de nos dizer como é que cada termo se


apresenta para nós, pois temos de saber identificar, pela definição dos
termos, o que olhar. É a fundamentação teórica escolhida que define
os termos usados em uma monografia, e esses termos devem estar de
acordo com ela. Um mesmo problema pode ser tratado por diferentes
pontos de vista, por diferentes teorias, e o resultado da pesquisa que elas
sustentam será restrito ao seu poder explicativo. Você deve evitar usar
uma teoria muito rebuscada, pois o mais importante é que você saiba o
significado dos conceitos que vai usar.

capítulo 3 • 79
COMENTÁRIO RESUMO
Procedimento •  Definir os termos que serão utilizados para explicar a questão escolhida;
Sabendo o que você quer ou precisa co- •  Montar uma argumentação a partir das leituras feitas na revisão de literatura;
letar, você deve procurar os instrumentos •  Como o trabalho científico é também um exercício de argumentação, quanto mais
adequados. Muitas vezes, é preciso refor- sucinto, melhor. Lembre-se do princípio da parcimônia, discutido no Capítulo 1;
mular os instrumentos durante a execu- •  Saber argumentar de forma consistente e bem fundamentada tanto do ponto de
ção da pesquisa. Por outro lado, podem vista teórico como empírico é, portanto, o fator mais decisivo.
ocorrer situações em que você encontra
dificuldades na coleta de dados em razão
de uma possível inadequação dos instru-
mentos. Em alguns casos, convém adap- Roteiro para elaboração de uma monografia: coleta e
tá-los, em outros, deve-se buscar outros
produção de dados
instrumentos.

Quando você já tem as questões, as hipóteses e os termos definidos,
deve escolher o procedimento a ser utilizado, ou seja, como fazer para
encontrar dados para a explicação da questão. É importante saber por
que usar tal método ou técnica, qual o tipo de informação aquele méto-
do ou aquela técnica permite obter.

ATENÇÃO
Importante: o dado já é, ele mesmo, construído, um produto teórico, pois indica a
parte da realidade que foi considerada importante para sua coleta e tratamento.

Para que os dados sejam confiáveis, o melhor é que sejam submeti-


dos à crítica, pois ela traz confiabilidade ao trabalho científico. Segundo
Alves-Mazzotti (2000, p. 123),

Ao contrário do que supõe o senso comum, na atividade científica, a crítica


não é uma forma de destruir o conhecimento, e sim uma forma de construí
-lo. As áreas do saber que mais progridem são aquelas que mais se expõem
e que mais naturalmente aceitam a crítica mútua como prática essencial ao
processo de produção do conhecimento. Nesse sentido, criticar o trabalho
de um aluno ou de um colega é uma demonstração de respeito a esse tra-
balho e de reconhecimento da maturidade do pesquisador que o realizou.

Roteiro para elaboração de uma monografia: avaliação das


questões e as conjecturas possíveis

Avaliar questões e conjecturas significa verificar se as perguntas foram


respondidas ou se a promessa da hipótese se sustenta ou não. Lembre-se

80 • capítulo 3
que não se buscam resultados definitivos, mas sim evidências e argumen- COMENTÁRIO
tos inteligentes que revelem capacidade explicativa, habilidade de escre-
ver um texto com profundidade, competência metodológica para ordenar Ao longo do texto
um tema e oferecer-lhe corpo elaborado. As referências feitas ao longo do texto
servem para que o leitor saiba de qual
autor você está falando. Tais referências
Roteiro para elaboração de uma monografia: conclusões resumem a fonte de consulta completa
que irá constar ao final do texto.
Nas conclusões, procuramos responder a pergunta que fizemos, proble-
matizando o tema. Trata-se de uma reflexão crítica e lógica sobre os da-
dos obtidos em função do problema de pesquisa. Nesse momento, você
deve se preocupar com a divulgação dos resultados (para o que existem
muitos instrumentos).

Roteiro para elaboração de uma monografia: referências


bibliográficas

As referências bibliográficas são feitas segundo as normas da ABNT, as


quais determinam que, ao longo do texto, faz-se uma menção breve e, ao
final, coloca-se a obra completa que é descrita.

EXEMPLO
As referências ao longo do texto devem ser colocadas da seguinte forma:
1)  Quando o autor faz parte do texto:
Para Demo (2000, p.10), “atingir patamares aceitáveis de qualificação dos professores (...)”
2)  Quando o autor não faz parte do texto:
O professor tem sido o foco de intensas críticas relativas ao fracasso escolar
(FERNANDES, 2005).

As referências bibliográficas ao final do trabalho (aquelas que você


indicou ao longo do trabalho, especialmente) devem ser completas e
em ordem alfabética.

EXEMPLO
Veja alguns exemplos para cada tipo de referência:
1)  Livro de um só autor:
SOBRENOME, Nome. Título em itálico. Edição. Local de edição: Editora, ano de edição.

Exemplo: MARCUSE, Herbert. Razão e Revolução: Hegel e advento da teo-


ria social. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

capítulo 3 • 81
2)  Livro de dois autores:
SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome. (O restante permanece como no primeiro exemplo).

Exemplo: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

3)  Livro de três autores:


SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome. (O restante permanece como no pri-
meiro exemplo).
4)  Livro de mais de três autores:
SOBRENOME, Nome et al. (et al, em Latim, significa “e outros”). (O restante permanece como no
primeiro exemplo).
5)  Capítulo em livros:
SOBRENOME, Nome. Título do artigo. In: SOBRENOME, Nome (Ed./Org.). Título do livro em itálico. (O
restante permanece como no primeiro exemplo). Número das páginas inicial e final.

Exemplo: SANFELICE, José Luís. Dialética e pesquisa em Educação. In: LOMBARDI, J.; SAVIANI,
Demerval. (Org.). Marxismo e educação: debates contemporâneos. Campinas: Autores Associa-
dos, 2005. Pgs. 41-59.

6)  Artigos em periódicos:


SOBRENOME, Nome. Título do artigo sem aspas ou itálico. Nome da Revista em itálico, Local da publica-
ção, volume, número, página(s), mês/ano.

Exemplo: DELUIZ, Neize; et al. Trabalho, meio ambiente e educação: um estudo das práticas
educativas das ONGs. Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p. 23-34,
jan./jun.2004.

7)  Dissertações e Teses:


SOBRENOME, Nome. Título da dissertação ou tese em itálico. Total de folhas. Tipo (Dissertação ou Tese).
Nome do curso. (Mestrado em Educação ou Doutorado em Educação), Nome da Instituição (Faculdade,
Universidade), Local, data.

Exemplo: COSTA, Viviane da. Argumentos católicos contra John Dewey: análise retórica do dis-
curso de oposição à pedagogia nova. 205p. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Fa-
culdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2005.

8)  Artigos em jornais:


SOBRENOME, Nome. Título do artigo sem aspas ou itálico. Nome do jornal em itálico, Local, data, Cader-
no/Seção, número, página(s).

Exemplo: MATTOS, Paulo. Crianças e internet. Diário Catarinense, Florianópolis, 16 fev. 2013.
Caderno Variedades, p.3.

82 • capítulo 3
9)  Trabalho em evento:
SOBRENOME, Nome. Título do artigo sem aspas ou itálico. In: Nome do evento em maiúsculas, ano, local,
Título dos Anais em itálico. Local de Edição: Editora, ano. página(s).

Exemplo: GUIMARÃES, Edilene. O trato com o conhecimento escolar no ensino público técnico
profissional. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, XI., 2002, Goiâ-
nia. Anais: igualdade e diversidade na educação. Goiânia: ENDIPE, 2002. 1 CD-ROM.

10)  Material disponível na internet:


Referenciar de acordo com o tipo de material, como nos itens acima, e ao final acrescentar Disponível em:
<endereço da página>. Acesso em: data do acesso.

Exemplo: CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória
e de identidade. Niterói: EdUFF, 2005. Disponível em:
http://www.uff.br/trabalhonecessario/MMGN3.htm> Acesso em: 10 abr. 2005.

ATIVIDADE
Fazendo a bibliografia do seu trabalho científico
Esta atividade vai servir para experimentar os conhecimentos que você obteve sobre a bibliografia.
1)  Da sua revisão bibliográfica, pegue três títulos. Faça a referência deles.
2)  Compare o que fez com os exemplos das referências deste livro. Verifique se faltou alguma coisa, vír-
gulas, pontos, letra maiúscula etc.

COMENTÁRIO
A bibliografia de seu trabalho deve ser feita constantemente. Não deixe para o final. Quando termi-
namos um trabalho, é difícil prestar atenção a detalhes, e a bibliografia é cheia de detalhes. Cada
vez que ler uma obra, um artigo, um livro, uma dissertação de mestrado, uma monografia, faça logo
a referência bibliográfica dela. Quando acabar seu trabalho, a bibliografia estará pronta.

Agora, conhecendo as várias etapas de elaboração do seu TCC, você estará preparado
para avaliar o que irá utilizar para obter os dados de que necessita para fazer seu trabalho
final. Nos capítulos que seguem, você vai encontrar diversas ferramentas ou técnicas de
investigação que poderá utilizar para a coleta e a análise de dados de pesquisa, seja ela feita
na internet, com pessoas, em jornais, em bibliotecas ou em outros trabalhos científicos.

capítulo 3 • 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTI, V. Manual de história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
ALVES-MAZZOTTI, A. J., GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e
qualitativa. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 2000.
ALVES-MAZZOTTI, A. J. Usos e abusos dos estudos de caso. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos
Chagas/Cortez, n. 129, 2006.
BASTOS, L. R; PAIXÃO, L.; FERNANDES, L.M.; DELUIZ, N. Manual para a elaboração de projetos e relatórios de
pesquisa, teses, dissertações e monografias. 6ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003.
BOGDAN, Robert, BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. In:
Coleção ciência da educação, 12. Portugal: Porto, 1994
BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
BIANCHETTI, L.; MACHADO, A. M. N. (Org.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e
dissertações. São Paulo: Cortez, 2002.
CASTRO, Monica Rabello de; FERREIRA, Giselle; GONZALEZ, Wania. Metodologia da Pesquisa em Educação. Nova
Iguaçu: Marsupial, 2013.
DE BRUYNE, P. et al. Dinâmica da pesquisa em Ciências Sociais: os pólos da prática metodológica. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1977.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991.
HIRANO, Sedi (Org.). Pesquisa social: projeto e planejamento. São Paulo: TA Queiroz, 1979.
MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2010.
RIZZINI, I.; CASTRO, M. R.; SARTOR, C. Pesquisando: guia de metodologia de pesquisa para programas sociais. Rio de
Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1999.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
SELLTIZ ET AL. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1974.
TURATO, E. R. Tratado da Metodologia da Pesquisa Clínico-qualitativa. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
ZAGO, N.; CARVALHO, M. P.; VILELA, R. A. T. (Org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em Sociologia
da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

84 • capítulo 3
4 Técnicas de
pesquisa

wania gonzalez
4 COMENTÁRIO
Técnicas de pesquisa

Este capítulo pretende auxiliar você na reflexão sobre questões impor-


tantes que o acompanharão no processo de elaboração do seu Trabalho
Científicas de Conclusão de Curso – TCC. Buscaremos tratar de temas que o ajudem
As pesquisas científicas requerem, en- a entender a importância da pesquisa na sua formação e ofereceremos
tre outros aspectos, rigor na obtenção e indicações para desenvolver a sua investigação.
análise dos dados. Nesse sentido, o capítulo privilegiará a observação, a realização de
entrevistas e a aplicação de questionários, pois são as técnicas de coleta
de dados mais usadas pelos pesquisadores iniciantes, como é o caso de
CONCEITO um aluno de graduação.

Amostragem ATENÇÃO
É o procedimento que o pesquisador
adota para definir a representatividade Destacaremos, também, a tendência crescente de se utilizar nas pesquisas acadê-
da amostra. micas, informações retiradas da internet, apontando orientações gerais para a sua
execução. Nesse caso, serão enfatizados os estudos de redes sociais.

Na parte final, faremos a diferenciação entre pesquisa documental e


pesquisa empírica, bem como serão apresentadas algumas recomenda-
ções do ponto de vista ético, que deverão nortear a coleta de dados com
o intuito de esclarecer o que é considerado fraude acadêmica.

Como a pesquisa está presente no


nosso dia a dia?

A pesquisa é Pesquisamos os preços dos objetos que que-


uma atividade remos comprar, das moradias que queremos
alugar, o perfil dos nossos amigos nas redes
que está
sociais, entre vários outros exemplos. Como
presente em vimos discutindo desde o Capítulo 1, essas
nossa vida pesquisas não são científicas em virtude do
cotidiana. seu caráter informal.
Por outro lado, nós consultamos pesquisas
científicas no nosso cotidiano, a televisão frequentemente exibe pes-
quisas, como as pesquisas eleitorais, as pesquisas sobre o crescimento
financeiro do país etc. Em períodos eleitorais é comum a mídia apresen-
tar pesquisas sobre a intenção dos votos dos eleitores.
Essas pesquisas são feitas pelo processo de amostragem, abrangen-
do todas as classes sociais. Elas são feitas usando estatísticas refinadas

86 • capítulo 4
que alcançam coletar dados de um número relativamente pequeno de COMENTÁRIO
pessoas, que, no entanto, é representativo do conjunto dos grupos da
sociedade, e com isso muitas vezes conseguem prever e acertar quem Campo de estudo
vence ou perde uma eleição. Se formos tomar alguns exemplos, vere-
Como você viu no Capítulo 1, não necessariamente as informações di- mos que a Sociologia estuda a socieda-
vulgadas, mesmo com a alegação de que possuem base científica, são con- de, os processos sociais e os diferentes
fiáveis. Por isso, é importante ter condições de se posicionar frente a elas e grupos que a compõem; a Biologia tem
questionar sobre sua origem, aumentando assim sua possibilidade de crí- como objeto de estudo os fenômenos
tica. De certa forma, esse também é o sentido deste livro e de sua formação relacionados aos seres vivos; a Astrono-
como pesquisador iniciante durante o curso de graduação, sobretudo no mia investiga os objetos celestes e os
processo de elaboração do seu TCC. fenômenos que acontecem no universo,
fora da atmosfera terrestre...
REFLEXÃO

Acreditamos que esta formação será importante para que você possa entender criti- COMENTÁRIO
camente os resultados das pesquisas disponíveis no seu cotidiano e também realizar
a sua própria pesquisa. Método
Podemos definir como um conjunto de
Desse ponto de vista, o processo de elaboração do seu TCC deverá ser regras, acordadas pela comunidade
uma experiência enriquecedora não apenas para uma futura inserção científica, para resolver um determina-
profissional mais bem qualificada, mas também para sua inserção so- do problema de pesquisa no âmbito da
cial como cidadão capaz de tomar decisões informadas. pesquisa científica (ALVES-MAZZOTTI;
GEWANDSZNAJDER, 1998).
ATIVIDADE

Procure na internet (ou em um jornal) uma pesquisa e leia atentamente. Com base
na discussão feita no início do texto escreva um parágrafo no qual você analise criti-
camente os resultados da pesquisa.

Quais são as especificidades dos métodos de pesquisa nas ciências


da natureza e nas ciências humanas e sociais?
Como vimos no Capítulo 1, diferentemente do conhecimento pro-
duzido pelo senso comum, o conhecimento científico utiliza métodos
mais precisos para desenvolver suas pesquisas. As ciências são diversi-
ficadas, e cada uma possui campo de estudo e métodos próprios. Pode-
mos dividi-las em dois grandes grupos:

Ciências que se dedicam a estudar os fenômenos da natureza,


como Física, Química, Biologia, Astronomia etc.

Ciências que se dedicam a estudar a realidade humana e social,


como Sociologia, Psicologia, História etc.

De modo abrangente, os métodos implicam a escolha de procedi-


mentos sistemáticos que vão da observação do fenômeno em estudo até
a sua explicação. Assim, um dos primeiros passos de qualquer pesquisa,

capítulo 4 • 87
COMENTÁRIO como vimos no Capítulo 3, é delimitar com precisão o problema de estu-
do, fundamentando-se nas teorias existentes e no conhecimento cientí-
Problema fico já acumulado sobre o problema de estudo, observá-lo, aprofundá-lo
No capítulo 1, você discutiu sobre a e interpretá-lo com base nas relações encontradas em suas observações
neutralidade, a confiabilidade e as e da interlocução com outros pesquisadores.
possibilidades de validação do conhe-
cimento científico. A perspectiva mais EXEMPLO
aceita hoje é de que a pesquisa cien-
tífica começa com a identificação de Podemos citar, como exemplo de problema no âmbito das ciências da natureza, a
um problema, de um ponto de vista que busca de um medicamento que cure o câncer do estômago em suas diferentes ma-
deve ser bem definido, pois a pesquisa nifestações. Os cientistas que se envolvem com esse tipo de problema testam suas
só poderá ser avaliada a partir do ponto hipóteses em ratos, depois em macacos, e, por último, em seres humanos que concor-
de vista escolhido. dam em participar de um grupo experimental, auxiliando na verificação dos efeitos do
medicamento produzido. Inúmeras testagens são feitas, todas demandam muito rigor,
margens de segurança, especialmente quando são realizadas em humanos.

A explicação dos procedimentos e instrumentos, além dos resultados


obtidos, exige clareza, de modo que as inferências (conclusões) possam ser
compreendidas e verificadas pelo maior número possível de pesquisado-
res, e possibilitem o contínuo avanço do conhecimento sobre o problema.
É usual que o cientista tenha as suas hipóteses e faça previsões
do que irá acontecer. O teste de hipóteses é importante para que os
resultados encontrados por determinado pesquisador possam ser
verificados várias vezes por outros cientistas e os resultados obtidos
inicialmente confirmados ou não. Caso sejam repetidamente confir-
mados, podem integrar teorias, que reúnem hipóteses, conceitos que
possuem uma ligação entre si.

EXEMPLO
Um problema recorrente no campo educacional brasileiro refere-se à evasão de alu-
nos ao final do Ensino Fundamental. Esse problema é mais bem compreendido com
base em um estudo de amplitude nacional, envolvendo dados que possam indicar os
motivos da evasão escolar e a eficácia de algumas ações ou políticas que visam es-
tancar a evasão, por exemplo. A Educação é um campo das Ciências Sociais e, nesse
exemplo, pode ser particularmente interessante realizar um estudo com dados sobre o
alunado de diferentes redes de ensino que desenvolvem diferentes políticas, analisan-
do as correlações estatísticas entre as características dessas redes e de suas políticas,
e as taxas de evasão antes e depois da implementação dessas políticas.

No exemplo citado seria interessante ouvir os pais, professores e gestores,


por meio de entrevistas, para conhecer sua percepção sobre as políticas ou
sobre o problema da evasão escolar.

88 • capítulo 4
Dados qualitativos e quantitativos COMENTÁRIO
Vale a pena salientar que o pesquisador das ciências humanas e sociais Abordagens qualitativas
pode conjugar, em uma mesma investigação, dados quantitativos e qua- Entre outros aspectos, essas aborda-
litativos para efetuar uma pesquisa. Nas Ciências Sociais, abordagens gens procuram analisar interações so-
qualitativas são frequentemente usadas pelos pesquisadores para com- ciais e diferentes fatores individuais e
preender comportamentos, motivações, percepções etc. coletivos que as influenciam, discutem
Bogdan e Biklen (1998, p.38) afirmam que, na pesquisa qualitativa, relações de/em grupos sociais, apro-
o pesquisador “objetiva compreender o processo pelo qual as pessoas fundam e classificam processos dinâmi-
constroem significados e descrevem o que são aqueles significados”. cos vividos por sujeitos e grupos sociais.
Para tanto, a observação empírica é fundamental, pois com base nos da-
dos obtidos na concretude da vida social se pode refletir e melhor com-
preender a condição humana. COMENTÁRIO
ATENÇÃO Rigor científico
Por isso, especialmente nas Ciências
O fato de não realizar estudos estatísticos não significa que a pesquisa qualitativa Humanas e Sociais é indispensável
possa prescindir do rigor em sua coleta e análise dos dados. O rigor deve ser per- manter certo distanciamento de seu
seguido sempre que se pretende produzir um trabalho científico, como condição objeto de estudo para minimizar o en-
indispensável para sua validação junto à comunidade de pesquisadores da área. volvimento com a coleta, análise e os
achados da pesquisa.
É preciso também ressaltar que, nas pesquisas qualitativas, o pes-
quisador e seu objeto de pesquisa estão de tal forma imbricados que
pode ocorrer um processo de identificação, desenvolvendo o que muitas COMENTÁRIO
vezes se denomina um viés de observação e análise, que pode ameaçar o
rigor científico e comprometer os resultados da pesquisa. Livros
Pelo caráter predominantemente qualitativo das pesquisas nas Ciên- Você encontra livros completos para fa-
cias Sociais, são necessários cuidados especiais na coleta de seus dados. zer download na internet, por exemplo,
É o que vamos ver a seguir, partindo do contexto da internet, por ser um no Google Books.
espaço que vem ganhando força entre os estudantes de cursos superiores.

Quais cuidados devemos ter ao buscar


dados para uma pesquisa na internet, na
biblioteca e nas instituições?
A primeira recomendação, ao fazer uma pesquisa, é que você con-
verse com os seus professores e peça a eles indicações de livros, docu-
mentos, artigos ou mesmo de sites confiáveis para realizar a busca de
materiais pertinentes ao seu estudo. Tratando-se de pesquisa em sites,
consideramos que os mais adequados são aqueles que têm vínculos
com universidades do país e do exterior, institutos de pesquisa, órgãos
do governo, assim como os blogs dos professores ou pesquisadores de
temas relacionados ao que você está pesquisando.

capítulo 4 • 89
COMENTÁRIO No caso de você não possuir a indicação de sites específicos, utilize os
sites de busca tradicionais, como Google, Scholar Google ou Yahoo, entre
Busca outros, pois eles possuem uma grande quantidade de registros. Para facili-
Quanto mais precisa for essa definição, tar a sua busca tente especificar claramente aquilo que procura, definindo,
maior será a chance de achar artigos como você viu no Capítulo 3, as palavras-chave que o auxiliarão na busca.
relacionados ao seu tema de pesquisa. É provável que você se depare com outra questão: o que fazer com uma
grande quantidade de textos encontrados na internet? Mais uma vez reco-
mendamos que você converse com um professor, para que ele o ajude a
COMENTÁRIO identificar os autores mais importantes no assunto da sua pesquisa. Seja
paciente no levantamento de textos nos sites de busca, separando aque-
Levantamento de textos les que mais interessam por meio da leitura dos respectivos resumos.
Você pode recorrer, também, ao Plano A seguir, relacionamos alguns aspectos que o auxiliam a avaliar tan-
de Ensino da disciplina na qual essa te- to os sites de onde os documentos foram extraídos como também os
mática é tratada, para verificar os auto- próprios documentos:
res e os livros indicados. É recomendá-
vel que você inicie seus estudos a partir Cheque se o site é confiável e quem é o autor das
desses textos. Leia-os e faça os respec- informações contidas nele. Assim, você poderá verificar
se o autor do documento é um especialista na matéria.
tivos fichamentos, conforme as orienta-
ções apresentadas no Capítulo 3, para Analise a pertinência das informações encontradas em
facilitar a sua utilização posteriormente. relação às finalidades da sua pesquisa. Outros aspectos
importantes a serem averiguados dizem respeito a onde,
quando e por que as informações foram produzidas.

Organize as informações extraídas dos sites de acordo


com as normas vigentes da ABNT, conforme indicado no
Capítulo 3. Além de copiar o endereço do site, tal como
ele aparece na tela, você deverá também incluir a data de
acesso ao documento.

Lembre-se de que as regras de citação válidas para os


documentos impressos também são válidas para os
documentos capturados da internet.

Adaptado de Como pesquisar informação na internet? Disponível em: www4.fe.uc.pt/


fontes/pesquisa_na_internet/pesquisar/como_pesquisar.htm Acesso em: 09/01/2014.

Como pesquisar nas bibliotecas

RESUMO
As pesquisas nas bibliotecas englobam três momentos:
a)  consulta ao catálogo de livros, revistas, vídeos, DVDs, teses e dissertações;
b)  identificação das estantes na sala de leitura; e
c)  identificação dos materiais nas estantes, ou solicitação ao bibliotecário.

90 • capítulo 4
Todo o material catalogado recebe uma etiqueta com seus dados, COMENTÁRIO
presentes na ficha contida no catálogo, que pode estar em gavetas ou
online. Essa ficha possui as seguintes informações: nome do autor, Empréstimo
nome do livro e assunto. Assim, você poderá localizar um livro ou outro É muito importante que você zele pela
material destas três maneiras: no fichário de autores (procurando pelo boa conservação dos livros: não faça
sobrenome), no catálogo de títulos e no catálogo de assunto. anotações no seu interior e jamais retire
páginas. Se quiser fazer anotações no
EXEMPLO texto, tire uma cópia da página e faça
nela as anotações necessárias. Lem-
Por exemplo, você quer localizar o livro Macunaíma, de Mário de Andrade, então, bre-se de que outras pessoas também
deve iniciar a busca pelo sobrenome do autor: ANDRADE, Mário. Se você desco- podem se beneficiar do material e, por
nhecer o nome do autor poderá fazer a busca pelo título do livro. Ainda, existe a isso, é preciso cuidar.
possibilidade de você localizá-lo a partir de assuntos correlatos ao do livro. Nesse
caso específico, você poderia achá-lo em romances modernistas.
COMENTÁRIO
Posteriormente, você deve achar a sessão ou sala na qual está locali-
zada a estante do material que você procura. Isso acontecerá quando a Análise detalhada
biblioteca for de grande porte, onde o acervo pode estar organizado em A visita à instituição só deve ocorrer
salas por assuntos afins. A última etapa é a de localização do material na após você efetuar esse procedimento,
estante. Estas têm etiquetas que as identificam e nos auxiliam na verifi- tendo, então, duas finalidades princi-
cação do material que estamos procurando, se ele se encontra naquele pais: coletar informações não encontra-
local. Fique atento, pois os números são extensos. das na internet e aprofundar as informa-
Após encontrar o livro ou outro material, você deverá se dirigir ções existentes.
ao bibliotecário e efetuar os procedimentos necessários para obter
o empréstimo ou cópia, no caso da biblioteca disponibilizar esse ser-
viço. Guarde o prazo de entrega do material, que usualmente é pelo COMENTÁRIO
período de duas semanas, com possibilidade de renovação do em-
préstimo. Atenção à cobrança de multas efetuadas pelas bibliotecas Livros
quando os livros e outros materiais são entregues fora do prazo. Você encontra livros completos para fa-
zer download na internet, por exemplo,
no Google Books.
Como pesquisar nas instituições

Antes de você visitar determinada instituição, é recomendável verifi-


car se as informações desejadas estão disponíveis na internet. Obser-
ve se a instituição possui um site e faça uma análise detalhada das
informações existentes.
Alves-Mazzotti (1998) aborda alguns cuidados que devemos ter ao
efetuarmos uma pesquisa em instituições, tais como escola, empre-
sas, hospitais e sindicatos. Ela relata a importância de uma carta de
apresentação da instituição à qual sua pesquisa está vinculada — por
exemplo, a Universidade Estácio de Sá.

capítulo 4 • 91
CONCEITO ATENÇÃO
Pesquisa exploratória Esse procedimento formalizará a sua entrada no campo e poderá facilitar o seu
Esse tipo de pesquisa “busca proporcio- acesso às instalações e à consulta aos documentos existentes no local. Nas situa-
nar, por meio de imersão do pesquisa- ções em que o pesquisador conhece alguma pessoa da instituição, o vínculo pode
dor no contexto, uma visão geral do pro- facilitar sua entrada no campo.
blema considerado, contribuindo para
a focalização das questões e a identi- Ultrapassada essa primeira barreira, você tem de estar apto a respon-
ficação de informantes e outras fontes der perguntas que são usuais a todos aqueles que iniciam suas pesquisas,
de dados” (ALVES-MAZZOTTI; GEWA- ou seja, relativas à construção de sua problemática ou projeto de produto:
NDSZNAJDER, 1998, p.161).
REFLEXÃO
Perguntas mais usuais
•  O que você vai investigar?
•  Essa pesquisa (ou produto) será utilizada por alguém? Qual é a finalidade?
•  Seu estudo vai interferir na rotina de pessoas aqui da instituição?
•  O que você vai fazer com os resultados?
•  Que tipo de benefício a pesquisa ou o produto vai trazer para a instituição ou para
a comunidade?

Esta fase inicial de contato com a instituição na qual a pesquisa será


desenvolvida é denominada de pesquisa exploratória.

ATIVIDADE
Você reparou que as perguntas mais usuais que acabamos de ver são um ótimo
roteiro para você ter na ponta da língua? As respostas a tais perguntas são de gran-
de valia em todas as situações nas quais você for indagado sobre sua pesquisa ou
projeto de produto.

Elabore um texto de aproximadamente dois parágrafos, no qual você res-


ponda às quatro questões efetuadas anteriormente, com base na pesquisa
que pretende desenvolver no seu TCC.

Quais as técnicas de coleta de dados mais


apropriadas para o pesquisador iniciante?
Os TCCs diferem Um produto deve ser pensado le-
muito na finalidade vando em conta sua utilização pelo
a que se propõem. usuário, uma pesquisa vai informar

92 • capítulo 4
outras ações que serão concebidas com base nas conclusões encontra- COMENTÁRIO
das... De um modo ou de outro, o que fazer vai sempre depender dos
objetivos definidos para o seu trabalho. Coleta de dados
Existem dois tipos de dados muito uti-
lizados nas pesquisas em Ciências Hu-
A pesquisa feita para uma monografia manas e Sociais: os da comunicação
formal (jornal, programas de rádio, qua-
A pesquisa acadêmica é realizada com base na coleta de dados no cam- dros, fotografias, escritos musicais, ritu-
po escolhido. Os métodos de coleta e de análise de dados fazem parte ais sonoros), e os da comunicação infor-
dos procedimentos da pesquisa. São fundamentais na busca de infor- mal (entrevistas, desenhos de crianças,
mações junto aos outros indivíduos participantes da pesquisa. rabiscos feitos ao telefonar, cantos es-
pontâneos, sons diversos).
ATENÇÃO

Diferentes técnicas de coleta de dados são usadas nas pesquisas, inclusive nos CONCEITO
trabalhos de conclusão de curso. A definição da(s) técnica(s) a ser(em) utilizada(s)
dependerá do problema que vai ser pesquisado. Fontes primárias
Fonte primária é aquela obtida direta-
mente, ou seja, é a fonte original a qual o
pesquisador recorre para elucidar o seu
Como obteremos os dados de que preci- objeto de estudo. As fontes primárias

samos para fazer a pesquisa? Qual a me- são reunidas pelo próprio pesquisador,
mas não resultam do seu próprio es-
lhor maneira de obtê-los? forço pessoal. Por exemplo: você pode
analisar fotografias tiradas por outras
Em algum momento, você vai fazer essas indagações e, para facilitar a pessoas, entrevistas concedidas a jor-
execução da sua investigação, vamos fazer uma distinção que facilitará a nalistas e depoimentos gravados para
resposta às questões mencionadas. Existem diferentes tipos de pesqui- programas de TV. Assim, você poderá
sa, mas nos deteremos aqui na diferenciação entre pesquisa documen- usar na sua pesquisa materiais que não
tal, pesquisa bibliográfica e pesquisa empírica por avaliarmos que esse foram analisados por outro pesquisador,
conhecimento é importante para a elaboração do seu TCC. e sim, em alguns casos, apenas coleta-
dos e reunidos por outras pessoas.

Pesquisa documental
A pesquisa documental é aquela efetuada tanto com base em materiais
escritos como também por meio do uso de imagens. Este tipo de pesqui-
sa pode ser realizado a partir de fontes primárias.
Resumidamente, os dados que são utilizados nesse tipo de pesquisa:
•  documentos de arquivos públicos;
•  estatísticas (censos);
•  documentos de arquivos privados;
•  cartas;
•  contratos.

capítulo 4 • 93
COMENTÁRIO Existe a possibilidade de você recolher documentos antigos, compi-
lados após o acontecimento, tais como:
Censos •  diários;
Para ter acesso a esse tipo de informa- •  relato de visitas às instituições;
ção, consulte o site do órgão governa- •  relato de viagens;
mental do Instituto Brasileiro de Geo- •  fotos;
grafia e Estatística (IBGE). •  gravações;
•  filmes;
•  mapas.
COMENTÁRIO
Também é possível a realização de pesquisa documental, com base
Órgãos governamentais em fontes secundárias, obtidas por outras pessoas:
Por exemplo, para pesquisar as esta- •  transcritos de fontes primárias contemporâneas;
tísticas criminais, no âmbito do estado •  relatórios de pesquisa;
do Rio de Janeiro, deve-se consultar o •  pesquisa estatística, usando censos;
Instituto de Segurança Pública, que é •  transcritas de fontes primárias retrospectivas;
subordinado à Secretaria do Estado de •  pesquisa recorrendo a diários ou autobiografias.
Segurança. Os dados estatísticos muni-
cipais podem ser consultados nas Se- ATENÇÃO
cretarias de Estado de Planejamento do
referido município. A questão da credibilidade dos documentos a serem usados na pesquisa é um as-
pecto importante e será retomado na parte final deste capítulo, quando abordaremos
alguns aspectos sobre a fraude acadêmica.
COMENTÁRIO
Os documentos estatísticos podem ser analisados nas pesquisas docu-
Arquivo Nacional mentais, como os censos. Para ter acesso a esse tipo de informação, consul-
te o site do órgão governamental do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística (IBGE). Outros tipos de documentos estatísticos podem ser obtidos
nos sites de órgãos governamentais de acordo com a área de interesse do
pesquisador. Tais documentos são considerados oficiais.
Os documentos pessoais compreendem autobiografias, diários e car-
tas. Os arquivos públicos e as bibliotecas são os locais mais adequados para
O Arquivo Nacional conserva, na sede, localizarmos esse tipo de documento quando investigamos pessoas que
no Rio de Janeiro, e em sua Coordena- possuam importância na nossa sociedade. No Rio de Janeiro, por exemplo,
ção Regional no Distrito Federal, mais de temos o Arquivo Nacional e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
55 quilômetros de documentos textuais, O exame sistemático de documentos, na pesquisa documental, não
cerca de 1,74 milhão de fotografias e se restringe aos pessoais e aos estatísticos, pois o pesquisador pode re-
negativos, 200 álbuns fotográficos, 15 correr a documentos dos mais variados tipos como romances, poemas,
mil diapositivos, 4 mil caricaturas e char- jornais, revistas etc.
ges, 3 mil cartazes, mil cartões postais,
300 desenhos, 300 gravuras e 20 mil EXEMPLO
ilustrações, além de mapas, filmes, re-
gistros sonoros e uma coleção de livros Vamos exemplificar com base em uma pesquisa realizada nos classificados dos
raros que supera 8 mil títulos. jornais. A pesquisa buscava fazer um acompanhamento das demandas de empre-
go e do perfil exigido aos trabalhadores, em âmbito nacional, no período de janeiro

94 • capítulo 4
a fevereiro de 2001. Foi analisado pelo menos um jornal, por capital do nosso país, COMENTÁRIO
aos domingos, com o intuito de verificar os atributos requeridos aos trabalhadores
pelos empregadores, assim como identificar as ocupações mais demandadas pelo Pesquisa documental
mercado (GONZALEZ; PRADO, 2001). Esse tipo de pesquisa é indicado quan-
do o acesso aos dados é problemático,
A análise documental é frequentemente utilizada junto com outras seja pela falta de disponibilidade de
técnicas de coleta de dados. Com base na leitura minuciosa dos docu- pessoas ou pela distância. Ela também
mentos, você identificará questões importantes para a sua pesquisa. é um instrumento muito útil para confir-
mar informações obtidas por intermé-
REFLEXÃO dio de outras fontes. É o que aconte-
ce quando o pesquisador examina as
Pesquisadores mais experientes recomendam que a análise documental deva ocor- cartas de determinada pessoa. Nos
rer como uma técnica exploratória, ou seja, antes da utilização de outras técnicas de livros de pesquisa, encontramos uma
coleta de dados. advertência de que os documentos
encontrados podem ser pouco repre-
No que tange às principais vantagens na utilização da pesquisa docu- sentativos dos fenômenos estudados,
mental, destacam-se: a) o fato de serem poderosas fontes de informação principalmente se forem escolhidos ar-
que podem ser usadas pelo pesquisador independente da disponibili- bitrariamente pelos pesquisadores.
dade das pessoas; e b) comparativamente a outras técnicas de coleta de
dados, costuma ser a menos dispendiosa e de fonte não reativa.
CONCEITO
Pesquisa bibliográfica Verbete
É um texto escrito, associado a um con-
A pesquisa bibliográfica é indispensável em qualquer pesquisa, como ceito ou palavra, com a finalidade de ex-
foi assinalado no capítulo 3. Nosso objetivo aqui é diferenciá-la dos ou- plicar e/ou definir seu significado, con-
tros dois tipos de pesquisa e aprofundar a apresentação de seus procedi- texto, uso etc. O verbete é encontrado
mentos. Para começar, vamos observar os estudos exploratórios que são em dicionários e enciclopédias, e nor-
feitos à luz de pesquisas bibliográficas. malmente carrega a fonte de referência
da qual a definição foi extraída.
A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA É FEITA QUANDO...

... buscamos adquirir conhecimentos com base em referências
teóricas publicadas (livros, artigos, monografias, dissertações de
mestrado ou teses de doutorado).

É preciso, no entanto, ter cuidado, pois algumas fontes secundári-


as podem conter dados equivocados, levando o pesquisador a
reproduzir incorreções.

Por isso, é importantíssimo que você se certifique junto aos seus


professores sobre a qualidade das fontes bibliográficas que serão
utilizadas no seu TCC.

Os dicionários e as obras de referências são, em muitos casos, os


pontos de partida para a pesquisa bibliográfica. Você poderá iniciar o
seu levantamento bibliográfico com base na bibliografia apresentada ao
final de um determinado verbete.

capítulo 4 • 95
COMENTÁRIO ATIVIDADE
Pesquisa empírica Busque identificar os autores mais renomados que discutem a temática que você
Nas Ciências Humanas e Sociais signifi- pretende investigar. Selecione, no mínimo, 10 artigos e/ou livros e organize as suas
ca que você precisará ir a campo, ou seja, referências de acordo com as normas da ABNT NBR.6023.
ir aos locais nos quais os acontecimen-
tos estão ocorrendo, com o intuito de ob-
ter os dados necessários a sua pesquisa
tal como o expresso no(s) objetivo(s) do Pesquisa empírica
seu projeto de pesquisa. Nas Ciências
Físico-Químicas e Biológicas o pesquisa- O que você deve fazer quando o seu problema de pesquisa não pode ser
dor adota a experimentação como méto- elucidado apenas com documentos e livros? Como você deverá proce-
do de investigação e efetua, muitas vezes der? Que tipo de pesquisa deverá realizar? Para responder a essas e ou-
em laboratório, a testagem de hipóteses. tras perguntas, você deverá realizar uma pesquisa empírica, que deman-
da a sua presença nos locais onde o objeto de pesquisa se encontra.
Nesse tipo de pesquisa, diferentemente do que acontece na pesquisa
COMENTÁRIO documental e na pesquisa bibliográfica, você irá interagir com outros
indivíduos ou objetos para analisar um fenômeno.
Analisar um fenômeno A importância da pesquisa empírica para alunos de graduação con-
Convém ressaltar que os dados coleta- siste na oportunidade de reflexão que ela possibilita sobre os principais
dos no local da pesquisa, ou seja, os da- problemas da nossa sociedade, a partir dos futuros profissionais que nela
dos empíricos, só ganham significados atuarão. Os vários métodos de pesquisa empírica indicam diferentes ca-
quando são analisados a partir de uma minhos e técnicas de investigação na realização de estudos monográficos.
teoria, como já vimos, que chamamos
referencial teórico. REFLEXÃO

A importância da pesquisa empírica perpassa todas as áreas do conhecimento
COMENTÁRIO das ciências. Tal fato pode ser justificado em função da rapidez das mudanças da
vida, tanto da natureza física, quanto da sociedade, acarretando a necessidade
Analisar o comportamento de mais informação.
Essa técnica frequentemente é adota-
da de forma complementar à realização Na investigação empírica, isto é, na pesquisa de campo onde os fenô-
de entrevistas e à análise documental. menos acontecem, os dados podem ser obtidos mediante o uso de dife-
Os livros de metodologia nos fornecem rentes técnicas de coleta de dados. A seguir, destacaremos a observação, a
algumas diretrizes gerais para orientar realização de entrevistas e a aplicação de questionários como as técnicas
a coleta e organização dos dados que de coleta de dados mais recomendadas para os pesquisadores iniciantes.
resumimos a seguir.

Observação
Essa técnica é utilizada em vários campos. Vamos nos deter na ob-
servação de indivíduos em seu ambiente natural. Nesse caso, as circuns-
tâncias em que essa técnica pode ser utilizada são as mais variadas; de
maneira geral, é usada quando desejamos analisar o comportamento dos
indivíduos na realidade social.

96 • capítulo 4
Inicialmente, é importante reiterar a relevância de registrar os COMENTÁRIO
conteúdos das observações com ênfase na descrição dos sujeitos, dos
locais, dos diálogos, dos eventos especiais das atividades e do compor- Registrar o conteúdo das
tamento dos observados. observações
Essas anotações devem ser realizadas o mais próximo possível do Nesses apontamentos, você também
momento da observação, caso contrário, você correrá o risco de esque- deverá incluir as suas reflexões pessoais
cer aspectos importantes. Essas anotações serão usadas na hora de sobre aquilo que está sendo observado
triangular os dados da pesquisa. (o que viu, ouviu, apreciou, estranhou,
achou diferente etc.), pois isso lhe auxi-
REFLEXÃO liará no desenvolvimento da pesquisa.

Privilegiamos a observação nas Ciências Humanas, mas esse procedimento é ori-
ginário das Ciências da Natureza, nas quais também é bastante utilizado. Galileu foi
pioneiro na utilização do método experimental a partir do qual usou um plano incli-
nado para observar o movimento de queda dos corpos. Ele se utilizou de observação
para preparar seu experimento.

O que devemos fazer para tornar a ob-


servação uma técnica de coleta de dados
que tenha rigor científico?
O planejamento rigoroso do que será observado e de como você efetuará a
observação é o primeiro aspecto ao qual você deve se dedicar. Faz parte desse
planejamento o estabelecimento do período e da duração da sua observação.

ATENÇÃO
Você também deve estar preparado para não deixar que as suas preferências pes-
soais interfiram na sua observação. Por exemplo: não privilegie a observação de um
grupo de pessoas com as quais você mais simpatizou em detrimento de outras.

É recomendável que você faça um roteiro de observação. Para exem-


plificar, apresentamos a seguir o modelo de um instrumento de obser-
vação de sala de aula.

Instrumento de observação de sala de aula


1)  Todos os espaços contidos na sala de aula.
2)  O espaço físico e a disposição dos objetos.
3)  Como os objetos são manipulados.
4)  Ventilação e iluminação do ambiente.
5)  Materiais pedagógicos em uso.

capítulo 4 • 97
COMENTÁRIO 6)  Como o quadro é utilizado.
7)  Como as pessoas se vestem.
Grau de participação
8)  O que falam e como falam (conteúdos e entonações).
Existem variações quanto aos graus de
9)  Normas ou regras de convivência.
participação do pesquisador no decor-
... Entre tantas outras possibilidades...
rer das observações, que podem ir da
Adaptado de MEKSENAS, Paulo. Pesquisa social e ação pedagógica: con-
observação sem a menor interação com
ceitos, métodos e práticas. São Paulo: Loyola, 2002, p. 141.
o que está se observando até a observa-
ção com a intervenção do pesquisador.
Esse tipo de observação é característico Outro aspecto importante da técnica da observação diz respeito à de-
da pesquisa participante na qual a co- cisão sobre seu grau de participação durante as observações. É recomen-
munidade é envolvida na análise de sua dável que você faça um treinamento prévio antes de iniciar a observação.
própria realidade, buscando promover Antes de entrar em campo, você deve definir que tipo de observação
sua transformação. fará. O tipo de observação feita determina, de certo modo, o alcance da
pesquisa. Por isso, pergunte-se por que quer fazer do modo como pen-
sou e que dados poderão ser obtidos desse modo.
O dado será o seu diário de observação, por isso ele deve ser feito em de-
talhes, sempre marcando local e hora do que foi observado. Mesmo contatos
telefônicos devem ser anotados. A análise será feita com a ajuda desse diário.

ATIVIDADE
Conforme abordamos, o planejamento da sua pesquisa é muito importante no processo
de elaboração do seu TCC. Reflita sobre a pertinência, ou não, de você utilizar a observa-
ção como técnica de coleta de dados na sua pesquisa. Se a sua resposta foi afirmativa,
chegou o momento de você montar o seu instrumento de observação. Escreva dois
parágrafos, explicando por que vai utilizar a observação como técnica de pesquisa.

Entrevista
O que é a entrevista do ponto de vista acadêmico? É o processo de inte-
ração entre duas ou mais pessoas no qual uma pessoa (o entrevistador)
tem por objetivo obter informações da outra pessoa (o entrevistado).

RESUMO
Os componentes da entrevista são:
•  o(s) entrevistador(es);
•  o(s) entrevistado(s);
•  a situação/contexto e o ambiente da entrevista;
•  os instrumentos que serão utilizados para a captação dos dados e informações
(roteiro, questionário, gravador, filmadora etc.).

98 • capítulo 4
Você deve utilizar a entrevista como técnica de coleta de dados nas COMENTÁRIO
situações em que as informações procuradas podem ser obtidas com su-
jeitos e não estão disponíveis de outras formas, ou quando é necessário Informações procuradas
complementar dados existentes. Não é recomendável o seu uso para a
Não se esqueça de elaborar o instrumento a ser utilizado na sua en- obtenção de informações disponíveis
trevista de acordo com o(s) objetivo(s) expresso(s) no seu projeto de pes- em livros, em documentos publicados,
quisa. O estudo piloto serve para você verificar se o seu roteiro está claro em estatísticas confiáveis ou para ad-
para o entrevistado e de acordo com o seu projeto. quirir informações quando a sua pre-
Existem diferenças quanto aos tipos de entrevistas no que tange ao sença poderá dificultar a obtenção das
direcionamento do diálogo realizado pelo pesquisador, como veremos mesmas (CASTRO et al., 2013).
em continuidade.

CONCEITO
Entrevista dirigida ou estruturada
Estudo piloto
É aquela em que são dadas opções de respostas ao entrevistado. No Devem ser aplicados em um pequeno
exemplo que se segue, as questões transcritas são fechadas na medida grupo e analisados se os resultados
em que o respondente só tem duas opções de resposta, sim ou não. estão coerentes com o que era espera-
do. Caso contrário, se os indivíduos de-
EXEMPLO monstraram não entender as perguntas
ou se sentiram coagidos a responder
1) Você faz controle clínico e radiológico? de um determinado modo etc., deve-se
( ) SIM  (  ) NÃO procurar modificar o roteiro para que as
distorções não se repitam.
2) Você cobra menos por seus honorários pelo procedimentos em
sessão única?
( ) SIM  (  ) NÃO

Adaptado de http://www.endonline.com.br/artigos/integra/05.htm. Acesso em:


04/01/1014.

Entrevista semidirigida ou semiestruturada

É aquela efetuada a com base em perguntas específicas para facilitar a


sistematização e codificação, mas que o entrevistado responde com as
suas próprias palavras, como pode ser observado no exemplo a seguir,
elaborado para a pesquisa Século XXI — Novas ocupações.

capítulo 4 • 99
EXEMPLO
1) Dados pessoais
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Endereço:

2) Antecedentes profissionais
(descrever outras ocupações/atividades realizadas antes da ocupação atual)

3) Fatores que contribuíram para a escolha da ocupação atual


(indicar por ordem de prioridade)

4) Principais vantagens e desvantagens da ocupação atual


(indicar primeiro as vantagens; em seguida, as desvantagens)

Adaptado de Departamento Nacional do SENAC. Workshop de Metodologia de Pesquisa, 1999, p.29.

No roteiro de entrevista, o número de tópicos a serem abordados deve ter entre 10 e


20 itens. Excesso de perguntas deixa o respondente pouco à vontade ou até mesmo ir-
ritado, por isso o roteiro deve ter apenas o número de perguntas necessário à obtenção
das informações que se quer.

Entrevista não dirigida, não estruturada, não diretiva ou aprofundada

Nesse tipo de entrevista, o pesquisador tem a liberdade de conduzir a conversa da forma


que ele considera satisfatória, sem perder de vista os objetivos da sua investigação. Aqui, o
pesquisador ajusta as suas perguntas às respostas do entrevistado e, por isso, ele deve estar
atento e ser ágil na formulação das perguntas.

ATENÇÃO
Esse tipo de entrevista é longo e requer disponibilidade do entrevistado. É utilizado em estudos explorató-
rios quando não se tem muita informação sobre determinado assunto. Essa técnica é recomendada para
a obtenção de informações que vão subsidiar a elaboração de um questionário. É muito útil no aprofunda-
mento qualitativo de respostas dadas em questionários.

As entrevistas são realizadas tanto individualmente como em grupo, mas recomenda-


mos aos pesquisadores iniciantes que privilegiem as primeiras. Tal fato se deve a possíveis
dificuldades que a entrevista em grupo pode trazer a quem não tem experiência em atuar
como moderador, interagindo com várias pessoas ao mesmo tempo. Para você, será mais
fácil entrevistar individualmente as pessoas.

100 • capítulo 4
Quem deverá participar das entrevistas?

O ponto de partida para a escolha dos participantes ou sujeitos da pesquisa é a identifica-


ção daqueles indivíduos que poderão dar as informações para a sua pesquisa de acordo
com o(s) objetivo(s) mencionados no projeto.

EXEMPLO
Por exemplo, na pesquisa que tem como objetivo conhecer as crenças, os valores e o significado atribuído
à experiência do parto por mulheres de comunidade de baixa renda (GUALDA; STEFANELI, 2003 p.93.),
as autoras selecionaram os seus participantes em virtude do conhecimento mais profundo do tema, pela
facilidade de expressão e também pela maior disponibilidade de tempo dos indivíduos.

Quanto à quantidade de entrevistas, alertamos: quando as entrevistas não trouxerem


mais informações novas para a pesquisa, é o momento de parar tanto a entrevista semidi-
rigida (ou semiestruturada), como a entrevista não dirigida, não diretiva ou aprofundada.

ATENÇÃO
Cuidados necessários antes, durante e depois da entrevista

•  Busque obter o máximo de informações possível sobre o entrevistado, tais como perfil e outros dados
disponíveis na internet, tanto no Google como na Plataforma Lattes do CNPq, se for o caso;

•  Confirme com o entrevistado a sua disponibilidade para a entrevista na véspera. Certificar-se, com ante-
cedência, do local da entrevista, distância, instalações etc.;

•  Organize o material que será necessário à entrevista (questionários ou roteiros, resumo da pesquisa,
gravador, celular, câmera);

•  No dia da entrevista, apresente-se e informe, de forma sucinta, o que se pretende com a entrevista, como
os dados serão utilizados etc.;

•  Tranquilize o entrevistado sobre a confidencialidade das informações obtidas na entrevista e seu


direito de não resposta;

•  Inicie a entrevista com uma questão de fácil resposta para o entrevistado, deixando as questões mais
complexas ou polêmicas para o final;

•  No decorrer da entrevista busque:


 a) 
fazer uma pergunta de cada vez,
 b) 
não induzir as respostas,
 c) 
falar menos e ouvir mais e
 d) 
observar o funcionamento do gravador e/ou da filmadora sempre que estiver sendo utilizado.

capítulo 4 • 101
COMENTÁRIO
No final da entrevista, agradeça ao entrevistado e solicite sua permissão para
Aplicação de questionários futuros contatos, se houver necessidade de alguma informação adicional. Após
O uso do questionário é sugerido para a entrevista efetue os seguintes procedimentos:
as situações em que o pesquisador já •  escreva um resumo dos principais aspectos da entrevista,
conhece sobre o tema, ou se o tema já •  suas impressões pessoais,
foi tratado em outros estudos, ou se for •  cumpra com as promessas que tenham sido feitas ao entrevistado e
uma situação já bastante conhecida. •  transcreva a gravação da entrevista o mais breve possível.

Para mais detalhamento, consulte CASTRO et al. (2013) ou KVALE; BRINKMAN (2009).

ATIVIDADE
Você observou que devemos tomar muitas providências antes de iniciarmos uma
entrevista e que a elaboração do roteiro é um procedimento crucial para o seu êxito
na adoção dessa técnica. Propomos, então, que você monte um roteiro de entrevista
com base no objetivo do seu TCC.

Questionário
O questionário é constituído por um conjunto de perguntas que po-
dem ser fechadas ou abertas, conforme abordamos na parte das en-
trevistas. É recomendável a realização de pilotos antes da aplicação de
questionários ou entrevistas. Assim, você poderá verificar a clareza das
perguntas apresentadas em relação à linguagem, pertinência e ordem.
Quanto às principais vantagens e desvantagens do uso de questioná-
rios, Kvale (1996) destaca os seguintes aspectos:

VANTAGENS
• Possibilita a abordagem de um número elevado de participantes
mediante a seleção de grandes amostras;
• Diminui a interferência que pode ser ocasionada pelo entrevistador em
função da padronização das perguntas.

DESVANTAGENS
• O questionário e seus respondentes não podem ser alterados no
decorrer da pesquisa;
• A fase de preparação do instrumento (elaboração de questionário,
codificação, piloto etc.) requer muita dedicação do pesquisador;
• Com base nesse tipo de instrumento não é possível obter informações
muito detalhadas e específicas.

102 • capítulo 4
ATENÇÃO COMENTÁRIO
Você sabia que é fácil criar um questionário de pesquisa online? A sua pesquisa Redes sociais
poderá ser respondida diretamente no corpo do e-mail, e os dados são automatica- O estudo das redes sociais é anterior
mente organizados em planilhas. Veja como fazer: ao surgimento da internet. Desde o iní-
cio do século XX, sociólogos estavam
PRIMEIRO PASSO preocupados em estudar a interdepen-
dência dos grupos e do ambiente em
Vá para a página do Google e crie uma conta; se já tiver, faça login.
seu conjunto de relações (FRAGOSO
SEGUNDO PASSO et al., 2011). Ainda assim, a existência
das novas tecnologias de informação e
Localize as ferramentas que aparecem na tela. Selecione “aplicativos” e
comunicação, em particular a internet,
depois selecione “Drive” (ou “Google Docs”).
trouxe novas possibilidades na realiza-

TERCEIRO PASSO ção dessas pesquisas.



Selecione “create” (criar) no Google Drive – ou “file” (arquivo) e depois
“new” (novo) no Google Docs. Selecione a opção “form” (formulário).

QUARTO PASSO
Elabore o questionário de acordo com as recomendações dadas anterior-
mente, quanto à extensão e clareza no vocabulário. Posteriormente, efetue
o envio do questionário. Para isso, clique no botão Enviar esse questionário
por e-mail, selecione seus destinatários e lembre-se de conferir se a caixa
Incluir formulário no e-mail está marcada. Caso não dê certo o envio,
encaminhe o link que aparecerá na parte de baixo da tela de edição.

QUINTO PASSO
Para finalizar, você tem a opção de conferir as respostas na planilha. Ao
clicar em Ver respostas, escolha se quer vê-las em uma planilha ou um
resumo já com os gráficos prontos.
A visualização da planilha pode ser compartilhada com outras pessoas.

Com o uso da informática você pode facilitar a realização da sua pes-


quisa, mas lembre-se de que os gráficos e tabelas gerados nessas ferra-
mentas terão de ser trabalhados por você! Essa etapa diz respeito à aná-
lise de dados.

A realização de pesquisas na internet: os


estudos em redes sociais

É inegável a crescente utilização das redes sociais, dentre as quais des-


tacamos Facebook, Twitter e Instagram. A possibilidade de utilização
dessas redes tem suscitado algumas reflexões entre os pesquisadores ao

capítulo 4 • 103
COMENTÁRIO mencionarem que a análise das redes sociais é efetuada a partir de uma
junção de métodos existentes na pesquisa empírica.
Abordagem etnográfica
As técnicas das pesquisas etnográfi- REFLEXÃO
cas se aplicam ao estudo das culturas
e das comunidades existentes na in- Para fazer uma pesquisa em uma rede social é preciso, de acordo
ternet. Neste caso, há uma adaptação com Fragoso et al. (2011):
da pesquisa de campo tradicional à •  Selecionar o objeto e a forma de análise de dados. Buscar estabelecer a relação
pesquisa na web, sem perder de vista o entre o objeto a ser estudado e os atores que serão privilegiados. Investigar quais
contexto offline dessas interações, in- conexões eles possuem que podem nos auxiliar na obtenção de novos dados;
clusive o do próprio pesquisador. Essa •  Determinar o que serão consideradas conexões em virtude da possibilidade quase
adaptação da etnografia às pesquisas ilimitada de contatos. Definir até que grau de conexão será contemplado na pesquisa;
na internet tem suscitado muitas polê- •  Estabelecer como os dados serão coletados (por meio de questionários, entrevis-
micas, mas vem ocorrendo em diferen- tas, análise documental online?);
tes áreas do conhecimento. •  Elaborar as matrizes/quadros para mostrar a conexão entre os atores.

A abordagem etnográfica é considerada uma das metodologias mais
adequadas para o estudo empírico da internet. Notamos a utilização de
diferentes termos, tanto sinônimos como também com significados di-
ferentes: etnografia virtual, netnografia, etnografia digital, webnografia
e ciberantropologia, entre outros.

EXEMPLO
Alguns pesquisadores têm realizado pesquisas via internet, usando questionários
padronizados, que posteriormente são consolidados em instrumentos como o sur-
veymonkey, uma plataforma de criação de questionários e pesquisas de opinião, com
ferramentas de gerenciamento, compartilhamento e analíticos.

Convém ressaltar que as redes sociais não compreendem todas as pos-


sibilidades de realização de pesquisas na internet: blogs, fóruns, chats,
mundos virtuais são exemplos de outros objetos possíveis de investigação.

Recomendações éticas que deverão nor-


tear a coleta de dados

A reflexão sobre o papel do pesquisador e seu nível de intervenção nas co-


munidades faz parte dos limites éticos da pesquisa, tanto aquela tradicio-
nal, desenvolvida de forma presencial, quanto a executada de maneira vir-
tual. O amplo aspecto das pesquisas no âmbito da internet varia das mais
participativas àquelas que se restringem à observação. Cabe nesses casos o
questionamento sobre o anonimato do pesquisador que observa determi-
nada comunidade: ele deve ou não revelar a sua identidade de pesquisador?

104 • capítulo 4
REFLEXÃO COMENTÁRIO
Na perspectiva da revelação, a sua atuação pode variar segundo o tipo de ob- Ponto de vista ético
servação que ele efetuará. Assim, existem três possibilidades de comportamento A pesquisa na internet vem se configu-
para o pesquisador: rando como um campo novo de pesqui-
•  se manter anônimo; sa, mas não deve prescindir dos critérios
•  revelar a sua identidade e ter algum tipo de interação com a comunidade que éticos atribuídos às pesquisas em geral.
pesquisa; e
•  revelar a sua identidade e não ter qualquer tipo de interação com a comunidade
que pesquisa, atuando como um mero observador.

Do ponto de vista ético, é sempre preferível a revelação da identidade


do pesquisador, mas seu grau de inserção na comunidade pode variar.
Além disso, aquele que revela a sua identidade para o grupo tem mais
chance de contar com a boa vontade do grupo, diferentemente do que
acontece com aquele que prefere o anonimato. No que tange à divulga-
ção dos resultados da pesquisa, deve-se resguardar o anonimato dos en-
trevistados tal como foi acordado com eles no início da pesquisa.
Para termos uma ideia da importância desse assunto, abordaremos
a seguir as principais diretrizes que norteiam os Códigos de Ética dos
pesquisadores americanos (DENZIN; LINCOLN, 2006):

•  Direito à informação sobre a natureza e as consequências da pesquisa


para os seus participantes — os indivíduos devem escolher, sem qualquer
tipo de coerção, se querem ou não participar da pesquisa;
•  Postura contrária à fraude — não são permitidas distorções, manipulações etc.;
•  Direito à privacidade dos participantes da pesquisa — a autorização para a
revelação dos nomes dos participantes da pesquisa deve ser combinada no
momento em que ela acontece. Os autores advertem que a adoção de pseu-
dônimos para os participantes da pesquisa e de locais disfarçados muitas
vezes revelam os dados da pesquisa;
•  Assegurar a precisão dos dados, tanto externa como internamente — não
são admitidas mentiras, fraudes e omissões nas investigações.

ATIVIDADE
1)  No que tange aos aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos,
pesquise e acesse a Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional da Saúde do
Ministério da Saúde.
2)  Faça um resumo das principais exigências que devem ser observadas pelo
pesquisador, em qualquer área do conhecimento, nas pesquisas que envolvam
seres humanos.
3)  Elenque, também, as principais atribuições dos Comitês de Ética em Pesquisa.

capítulo 4 • 105
As considerações apresentadas sobre os princípios éticos que têm de estar presentes
em qualquer pesquisa acadêmica nos leva a admitir que:

ATENÇÃO
Inventar ou omitir dados, efetuar cópia de outras pesquisas sem citar a fonte ou pagar alguém para fazer
o seu TCC são procedimentos fraudulentos e podem ocasionar algum tipo de punição pela Universidade.
Recorra sempre às normas da ABNT, de citações em documentos, NBR 10520, para mencionar adequa-
damente os trabalhos dos autores na sua pesquisa.

Enfim, esperamos ter orientado você para que faça a pesquisa do seu TCC de maneira
cuidadosa, que descubra o prazer das descobertas geradas pela sua investigação e dê con-
tribuições à sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES-MAZZOTTI, A.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira, 1998.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação — uma introdução à teoria e aos métodos. Porto:
Porto Editora, 1994.
CASTRO, M. R.; FERREIRA, G; GONZALEZ, W. Metodologia da pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Marsupial, 2013.
Como pesquisar informação na internet? Disponível em: <http://www4.fe.uc.pt/fontes/pesquisa_na_internet/
pesquisar/como_pesquisar.htm> Acesso em: 09 jan. 2014.
DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y.S. (Orgs.) O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre:
Artmed, 2006.
FRAGOSO, S.; RECUERO R.; AMARAL, A. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina,2011.
GONZALEZ, W.; PRADO, L. S. Banco de dados: trabalho e emprego através dos classificados dos jornais. In: Boletim
Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 27, p. 60-68, 2001.
KVALE, S. Inter Views: An introduction to qualtitative research interviewing. Thousand Oaks, CA: Sage, 1996.
Workshop de metodologia de pesquisa, Departamento Nacional do SENAC 1999, (mímeo).

IMAGENS DO CAPÍTULO
p. 94 Arquivo Nacional
Arquivo Nacional · Wikimedia . cc

106 • capítulo 4
Conhecimento,

5
pesquisa e formação
profissional: projeto
pedagógico de curso
superior

laélia moreira e
giselle ferreira
5
Conhecimento, pesquisa e formação
profissional: projeto pedagógico de
curso superior
Neste ponto de nosso livro, você já aprendeu a distinguir ciência e senso comum, pois
seu estudo já lhe deve ter capacitado a compreender a especificidade do conhecimento
científico. Obteve também informações sobre o papel da universidade como instituição
responsável pela produção e disseminação do conhecimento científico e formadora de
profissionais para o mundo do trabalho, e teve a oportunidade de conhecer e aplicar di-
versas técnicas de estudo e pesquisa.
Como fechamento de nosso livro, você terá a oportunidade, agora, de aplicar alguns
desses entendimentos em uma análise da relação entre a pesquisa e a construção do co-
nhecimento no contexto da formação profissional oferecida na Educação Superior.
O presente capítulo introduz algumas questões relativas à formação profissional em ge-
ral e oferece oportunidades para que você explore a formação oferecida especificamente
pelo curso superior no qual está matriculado. Para isso, além de uma discussão sobre for-
mação profissional, pesquisa e Ensino Superior, analisaremos a importância do Projeto Pe-
dagógico (PP) como ferramenta de apoio à sua formação, por meio da exploração das possi-
bilidades de aprendizagem oferecidas, não apenas durante as aulas, mas também a partir
de sua participação nas diversas atividades extracurriculares específicas do seu curso.
Para a adequada exploração do Projeto Pedagógico (PP) e da forma como este se concre-
tiza em cursos diferentes, torna-se necessário analisar o PP no que se refere às possibilida-
des de pesquisa e de incentivo à formação profissional, entendendo-o, ao mesmo tempo,
como um recurso necessário à orientação do planejamento das atividades extracurricula-
res destinadas a enriquecer a formação discente e como uma forma de complementá-la
com vistas à integralização de cada curso.
Esperamos que, ao completar o estudo do capítulo, você seja capaz de discutir a rele-
vância da pesquisa em sua formação e que, plenamente familiarizado com os diversos ele-
mentos que compõem o PP de seu curso, possa entendê-lo como um instrumento de apoio
à sua formação e desenvolvimento profissional, e não apenas como um documento formal,
elaborado para atender a exigências externas.

ATENÇÃO
O material principal do capítulo está dividido em duas seções:
•  A primeira dedicada a uma discussão sobre a relação entre pesquisa, Educação Superior e a
formação profissional;
•  A segunda analisa o Projeto Pedagógico e as possibilidades formativas extracurriculares oferecidas
pela instituição.

Ao final do capítulo, você encontrará também um resumo e uma lista das referências
utilizadas ao longo do texto. Recomendamos, no entanto, que você componha seu próprio
resumo, seguindo as orientações dadas no capítulo 3.

108 • capítulo 5
Sobre as atividades propostas
Você verá que cada seção inclui uma série de atividades. Estas têm o propósito de apoiar
seus estudos e auxiliar a consolidação dos conhecimentos que você vem construindo ao
longo de seu estudo da disciplina. Como estamos tratando de assuntos que têm varia-
ções significativas entre diferentes cursos, em áreas do conhecimento distintas, o uso
de atividades foi uma opção que nos permitiu incluir exemplos diversos para que você
explore os materiais relativos ao seu próprio curso, sem termos de construir um capítulo
desnecessariamente longo.

ATENÇÃO
Ressaltamos que é essencial que você complete as atividades propostas no capítulo, ou seja, não se atenha
apenas à leitura dos enunciados e nossos comentários. É por meio da experiência nesses exercícios que
você poderá avaliar sua compreensão das ideias, conceitos e tópicos tratados no capítulo. Você verá que
todas as atividades terão seus respectivos comentários (alguns estão ao final do capítulo). Na maioria dos
casos, não se trata de questões que têm respostas certas ou erradas, mas, sim, de leves provocações no
sentido de encorajá-lo a se engajar mais profundamente no texto e com as ideias nele contidas. Lembre-
se: é importante compor respostas bem argumentadas, que mostrem claramente suas razões e motivos.

Complementando o capítulo, você encontrará uma atividade final, o que é de suma


importância para o seu crescimento intelectual e formação profissional em sua área de
escolha no futuro.
Antes de passarmos para a próxima seção, propomos um exercício de preparação para
o estudo do capítulo 5, que consiste em uma atividade com o propósito de apoiá-lo na inte-
gração dos conhecimentos já adquiridos na disciplina.

ATIVIDADE
Atividade 1 - Recapitulação
Conforme mencionamos anteriormente, você já foi apresentado, em capítulos anteriores, às diferenças
entre o conhecimento científico e o senso comum. Nesta atividade, tomamos essas diferenças como ponto
de partida. Para cada um dos itens abaixo, escreva um parágrafo curto, articulando suas ideias:

1)  Explique, usando suas próprias palavras, as diferenças entre o conhecimento científico e o senso comum;

2)  Agora reflita sobre a seguinte questão: qual imagina ser o papel do conhecimento científico em sua
futura vida profissional? Não se esqueça de explicar as razões nas quais sua perspectiva se baseia.

Após completar a atividade, verifique os comentários ao final do capítulo.

capítulo 5 • 109
COMENTÁRIO Pesquisa, Educação Superior e
Presença ubíqua das tecnolo-
Formação Profissional
gias digitais
A palavra ubiquidade está associada Um cenário de economia globalizada e de aceleradas transformações
à ideia de presença em todos os luga- nas relações sociais e produtivas traz, para o mundo do trabalho, no-
res ao mesmo tempo. Nas Ciências da vas e complexas exigências. Como nos lembra Giddens (2012, p. 16), “o
Computação e na Informática, fala-se mundo em que agora vivemos não se parece com aquele que foi previs-
sobre a computação ubíqua ou compu- to, nem o vemos como tal”. É um mundo “virado do avesso”, em que
tação pervasiva, isto é, uma forma de diminuem as certezas e aumenta a complexidade do trabalho e das rela-
onipresença de dispositivos computa- ções humanas em geral. Um dos aspectos da vida contemporânea mais
cionais na vida contemporânea. discutidos (e frequentemente criticados) é a presença ubíqua das tecno-
logias digitais, que alguns autores consideram o principal responsável
pelas mudanças no mundo do trabalho atualmente. De computadores a
tablets, smartphones ou, simplesmente, eletrodomésticos programáveis
como cafeteiras e relógios digitais, há cada vez menos espaços que não
incluam essas tecnologias. O lazer, a vida em família, as relações sociais,
enfim, todas as áreas de atividade humana estão implicadas em um pro-
cesso de mudanças que é, de alguma forma, bastante radical.

ATIVIDADE
Atividade 2 - Tecnologias no cotidiano
Reflita sobre alguma mudança que você percebe em sua própria vida que tenha
relação com a adoção de alguma tecnologia. Pode ser, até mesmo, um smartphone:
como você compararia sua vida antes e depois da adoção de um desses artefatos?
Se você trabalha, pense em mudanças que presenciou especificamente em seu am-
biente de trabalho.

Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

O mundo do trabalho, em particular, tem sofrido modificações sig-


nificativas relacionadas não somente à introdução de novas tecnolo-
gias mas também, ao crescimento dos conglomerados e corporações,
à emergência de novas formas de gestão e à diversificação e ampliação
dos mercados. Nesse contexto, a Educação Superior enfrenta um gran-
de desafio. Segundo Sobrinho (2005), esse desafio é derivado de sua res-
ponsabilidade social, que reside na produção e socialização de conheci-
mentos que tanto tenham mérito científico como valor social. Dentre os
papéis da educação superior figura, além da produção de conhecimen-
to, a formação de profissionais capazes de lidar com um contexto em
contínua transformação.

110 • capítulo 5
A educação superior no Brasil

A Educação no Brasil é normatizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


à qual normalmente nos referimos como LDBEN/1996. A LDBEN vigente, lei nº 9.394, foi
promulgada em 1996 (BRASIL, 1996) e você pode verificar na caixa a seguir o que a lei deter-
mina como finalidades da Educação Superior.

Finalidades da Educação Superior segundo o art. nº 46 da lei 9394/1996

I – Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

II – Formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua;

III – Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciên-


cia e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento
do homem e do meio em que vive;

IV – Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem


patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras
formas de comunicação;

V – Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a cor-


respondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos em uma es-
trutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI – Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais


e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação
de reciprocidade;

VII – Promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e
benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Como você pode ver, estão presentes, na exposição das diversas finalidades da Educação Superior,
além do estimulo à pesquisa, à extensão e à divulgação de conhecimentos, a formação de diplo-
mados nas diferentes áreas do conhecimento, sem esquecer a importância do desenvolvimento do
espírito crítico e pensamento reflexivo, bem como o estudo dos problemas nacionais e regionais.

A partir da década de 1990, e especialmente após a promulgação da LDBEN 1996, a edu-


cação superior no Brasil experimentou um crescimento vertiginoso, como vimos no Capí-
tulo 2. Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2011 (BRASIL, 2013), o número de
universitários no país chegou a 6,7 milhões em 2011, um aumento de 5,6% em relação a
2010, ou seja, 360 mil novos alunos matriculados.

capítulo 5 • 111
COMENTÁRIO Entretanto, apesar dessa expansão recente da oferta, é importante
constatar que o Brasil segue ainda atrás de países desenvolvidos e mes-
Sobre a OCDE – Informações mo de vizinhos da América do Sul, em número de estudantes matricu-
Gerais lados. A situação do país em relação aos países membros da Organiza-
A Organização para Cooperação e ção para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é crítica.
Desenvolvimento Econômico (OCDE), Apenas 6,37% da população com 23 anos ou mais de idade, no Brasil,
criada após a Segunda Guerra Mun- tem educação formal de nível superior, enquanto a média dos países
dial é uma organização internacional e membros da OCDE é de 22% da população adulta com ensino superior
intergovernamental que agrupa os paí- completo (NUNES, 2007).
ses mais industrializados da economia Tal situação torna o fato de você estar cursando uma graduação ou
do mercado. Tem sua sede em Paris, um curso tecnológico um grande privilégio, independentemente da pro-
França. Na OCDE, os representantes fissão que você venha a exercer, o que aumenta sua responsabilidade e
dos países membros se reúnem para também os desafios que terá de enfrentar. A etapa de formação superior
trocar informações e definir políticas vai exigir de você esforço, organização e participação em uma série de ati-
com o objetivo de maximizar o cresci- vidades que expressarão real engajamento em seu processo de formação.
mento econômico e o desenvolvimen-
to dos países membros. Atualmente a
OCDE agrega 34 países. Educação superior, pesquisa e formação
Os objetivos da OCDE são:
profissional
•  Realizar a maior expansão possível
da economia, do emprego e do pro- Conforme já foi assinalado em passagens anteriores deste livro, a
gresso da qualidade de vida dos países construção do conhecimento na universidade depende, fundamen-
membros, mantendo a estabilidade fi- talmente, de uma postura ativa discentes frente às oportunidades ofe-
nanceira e contribuindo assim com o recidas pela instituição, tanto durante as aulas, quanto em atividades
desenvolvimento da economia mundial; extracurriculares. Você precisa se familiarizar com todas essas oportu-
•  Contribuir com uma expansão eco- nidades, aproveitando-as ao máximo, não somente porque são pré-re-
nômica saudável nos países membros, quisitos para a obtenção de seu diploma, mas, principalmente, porque
assim como nos países não membros; irão prepará-lo para a atuação profissional em um mundo do trabalho
•  Favorecer a expansão do comércio cada vez mais exigente.
mundial sobre uma base multilateral e Do ponto de vista da formação profissional oferecida pela Educação
não discriminatória, conforme as obri- Superior, a emergência de novas formas de atividade laboral e a possi-
gações internacionais. bilidade de as pessoas construírem e reconstruírem suas trajetórias
profissionais ao longo da vida implicam um repensar da qualificação.
Mais informações em www.oecd.org Assim, torna-se necessário compreender que os modelos de formação
demandam, das Instituições de Educação Superior (IES), uma revisão
dos perfis dos egressos de seus cursos e, consequentemente, da estrutu-
ra da educação que oferecem.
Mais que a simples capacitação técnica e treinamento profissional,
a universidade, como parte da sociedade, necessita colocar à disposição
dos estudantes os meios para aprenderem e continuarem aprendendo
constantemente, proporcionando ainda uma reflexão ampla e funda-
mentada sobre a sociedade e o mundo atual.
Note, porém, que a formação profissional da qual estamos falando é
constituída por duas dimensões igualmente importantes:

112 • capítulo 5
Uma dimensão coletiva, a qual reside no papel a ser assumido pelo governo
e pela sociedade em geral em prover os recursos e oportunidades às pessoas
para se tornarem profissionais.

Uma dimensão individual, que diz respeito à responsabilidade do indivíduo


pela gestão de sua carreira (PAIVA; MELO, 2008), o que implica a busca
constante por aperfeiçoamento cultural e humanístico, além da aquisição de
habilidades e competências, que possibilitem o enfrentamento das dificuldades
presentes no complexo mundo do trabalho contemporâneo.

ATIVIDADE
Atividade 3 - Exploração
Segundo explicamos acima, a formação profissional também envolve uma dimensão individual em termos
de uma busca constante por aperfeiçoamento cultural e humanístico. Em outras palavras, mesmo as ativi-
dades que não são normalmente vistas como parte do processo de profissionalização no Ensino Superior,
mas que promovem seu desenvolvimento pessoal e cultural, também são muito importantes.
Exemplos desse tipo de atividades são a leitura de bons jornais e visitas a museus.
Quais atividades você conduz, fora de sua experiência na educação superior, que poderiam
ser consideradas formativas nesse sentido? Pense também em atividades que você não conduz
rotineiramente, mas que poderiam contribuir para seu crescimento pessoal.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

A formação profissional nunca pode ser considerada acabada, pronta, pois essa ideia é
incompatível com a realidade do trabalho no mundo de hoje. Além disso, a noção encoraja
pouco comprometimento por parte dos alunos, que muitas vezes se contentam com um
desempenho apenas regular em seus estudos, que se tornam um arremedo de formação,
fragmentada e superficial. Tornou-se essencial aprender a aprender. Daí a importância da
pesquisa e da criação de meios para construir o conhecimento necessário ao exercício pro-
fissional competente e eticamente responsável, o qual certamente não deriva apenas da-
quilo que se consegue apreender em sala de aula, mas inclui a pesquisa e a busca constante
por aperfeiçoamento, como vimos no Capítulo 2.
Nos Capítulos 3 e 4 você encontrou as informações e orientações relativas à pesquisa
que usualmente é exigida em cursos de graduação, que se concretiza na elaboração de um
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Além do TCC, a pesquisa na graduação também se
desenvolve por meio de atividades de Iniciação Científica (IC), caracterizadas pela partici-
pação dos estudantes em pesquisas realizadas por professores da Universidade.

REFLEXÃO
Sabemos da dificuldade que representa, principalmente para o aluno que trabalha, frequentar grupos de
pesquisa e reuniões acadêmicas, fora do horário de funcionamento regular de seu curso. Entretanto, tam-
bém sabemos que muitos não se engajam nessas atividades por falta de informação e de compreensão da

capítulo 5 • 113
importância da pesquisa para uma formação mais completa, bem como pela falta de um planejamento mais
informado de sua participação no curso, de modo a aproveitar as oportunidades que a universidade oferece.

Como você deve já ter compreendido, a sala de aula é apenas parte de um espaço de apren-
dizagem que se estende para além do campus onde você estuda, bem como dos muros das
próprias instituições de ensino. A experiência de um estágio em uma empresa ou outro local
de atuação profissional pertinente é uma condição para a integração entre o que se aprende
teoricamente e a prática. Cabe lembrar também que grande parte das profissões modernas
exige, dentre outras competências, excelente capacidade de leitura, de redação e ainda de lo-
calizar e interpretar adequadamente dados e informações pertinentes aos diversos assuntos
relacionados a uma profissão. É preciso saber aprender para ser um profissional competente.
No entanto o que é uma profissão? E o que é necessário para que alguém seja consi-
derado um profissional? Usualmente uma profissão é definida pela existência de um co-
nhecimento específico, associado com o desempenho de determinadas atividades, que são
também ensinadas e aprendidas.

ATIVIDADE
Atividade 4 - Exploração
Faça algumas notas preliminares sobre o que você compreende por “profissão” e por “ser profissional”.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2009) define profissão como “ativi-
dade ou ocupação especializada e que supõe determinado preparo”. O dicionário Aulete
(versão online/UOL) apresenta as seguintes definições: “1. Atividade especializada que
requer formação e pode ou não servir de meio de vida .2. Trabalho para obtenção dos
meios de subsistência. Ocupação; Ofício”.
Dada a dificuldade de se encontrar um conceito único e globalmente aceito, vamos
apresentar algumas características ressaltadas por alguns autores, assinalando o que
elas têm em comum.
Segundo Monteiro (2010, p. 6), profissão é “[...] ocupação permanente de alguém, como
fonte principal dos seus meios de vida, e ocupação especializada, bem remunerada e
prestigiada”. Os seguintes aspectos, segundo o autor, dentre outros, distinguem socialmen-
te as profissões: “[…] o objeto de sua atividade, [o] grau de especialização de seus saberes, [o]
sucesso que obtêm e vantagens associadas”.
Com base no campo da sociologia das profissões, este autor distingue três níveis de sig-
nificação do conceito de profissão: um fraco, um intermediário e um forte.

Na primeira acepção, profissão indica “[...] qualquer atividade, ocupação ou


NÍVEL FRACO emprego que serve para ‘ganhar a vida’”.

Consiste em um saber-fazer bem específico com legitimidade e utilidade


NÍVEL
socialmente reconhecidos, adquirido por meio de aprendizagem e exercido de
INTERMEDIÁRIO meio dependente ou independente.

114 • capítulo 5
No sentido mais restrito, consiste “[...] num saber-fazer COMENTÁRIO
com uma complexa e sistematizada base de saberes
NÍVEL FORTE adquiridos através de uma formação teórica e prática Trabalho em equipe
mais ou menos longa, geralmente em instituições de
Por exemplo, a confecção deste livro
ensino superior”.
envolveu professores-autores, organi-
Freidson (1989), um estudioso da teoria das profissões, critica a ima- zadores (responsáveis, dentre outras
gem, disseminada na literatura convencional, de profissão como uma coisas, pela consistência da obra),
atividade exercida por um indivíduo autônomo, que trabalha sozinho editores, programadores visuais e ilus-
em seu escritório servindo aos seus clientes. Para o autor, essa não é tradores; para a versão eletrônica, con-
uma imagem muito útil para pensarmos o que acontece na atualidade, tribuíram também desenhistas instru-
quando essa imagem se aplica apenas a algumas profissões e, mesmo cionais, designers gráficos e revisores.
assim, a nem todos desse grupo.
Para o autor, o conceito de profissão deve ser constantemente rear-
ticulado e não representado por apenas uma ou duas ideias. Trabalho
em equipe, especificamente, tem se tornado cada vez mais comum e, de
fato, necessário, diante da complexidade do conhecimento especializa-
do, que cria a necessidade de equipes que reúnam profissionais de áreas
e especialidades diferentes e complementares.

ATIVIDADE
Atividade 5 - Recapitulação
Com base nas concepções de profissão explicadas acima, quais os aspectos que
você destacaria como comuns a todas essas definições?

Quanto ao processo de profissionalização, Morgado (2011) nos traz a


definição de Tardif e Faucher (2010), que entendem a profissionalização
como um processo de transformação de uma pessoa em um profissio-
nal, habilitando-o a assumir funções profissionais complexas e varia-
das. Na prática, é indiscutível a exigência de qualificação e requalifica-
ção constantes por parte dos que exercem e/ou pretendem exercer uma
profissão. Em outras palavras: é essencial saber aprender em situações e
contextos diversos, e cabe à educação superior preparar indivíduos que
tenham as habilidades necessárias ao crescimento e atualização conti-
nuados que o mundo do trabalho atual demanda.

ATENÇÃO
Neste momento, cabe lembrar as orientações sobre as técnicas de resumo, ficha-
mento e outras orientações relativas a seus estudos e pesquisas apresentadas
nos capítulos precedentes. Note que essas informações, sugestões e técnicas não
têm como foco apenas os momentos finais do curso, quando você estiver desen-
volvendo sua pesquisa de TCC, mas na verdade deverão auxiliá-lo durante todo
seu percurso acadêmico.

capítulo 5 • 115
ATIVIDADE
Atividade 6 - Recapitulação e reflexão
De que forma você organiza seus estudos tendo em vista a importância de sua participação ativa na
construção do conhecimento relativo à sua futura profissão? Escreva algumas notas na forma de uma
lista ou um parágrafo curto.

Projeto Pedagógico: um guia para sua


trajetória acadêmica

Todo curso de nível superior possui um documento denominado Projeto Pedagógico (PP), ela-
borado em consonância com as Diretrizes Curriculares correspondentes e com o Plano de De-
senvolvimento Institucional (PDI), texto em que a instituição apresenta sua missão, objetivos,
metas e demais informações sobre as políticas e atividades de ensino, pesquisa e extensão.

ATENÇÃO
O Projeto Pedagógico é um documento que cumpre uma exigência legal emanada do artigo nº 12, inciso I da
LDBEN nº 9394/1996, segundo o qual “[...] os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as
do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica” (BRASIL, 1996).

A partir da promulgação da LDBEN e legislação complementar, o PP revestiu-se, no que


se refere à educação superior, de importância fundamental nos trâmites de reconhecimen-
to de cursos e credenciamento de IES junto ao Ministério da Educação (MEC), tornando-se
um texto referência dos cursos oferecidos em nível superior. A responsabilidade pela elabo-
ração e consolidação dos projetos pedagógicos de cursos é do Núcleo Docente Estruturante
(NDE), composto por professores mestres e doutores dedicados integral ou parcialmente
ao curso, atendendo às especificidades do mesmo.
Como você deve estar pensando, e com toda a razão, trata-se de um processo bastante
complicado, envolvendo uma legislação relativamente vasta, publicada ao longo de vá-
rios anos. Portanto, vamos nos limitar a apresentar algumas informações sobre o PDI da
Estácio e sobre as DCN, para, na sequência, passarmos para uma exploração do Projeto
Pedagógico, assunto central desta seção.
A título de ilustração, apenas, veja na caixa um extrato do PDI 2013-2017 da Universida-
de Estácio de Sá. O extrato apresenta a formação que a Unesa se propõe a oferecer a seus
estudantes, mostrando, sucintamente, a missão da instituição.

Extrato do PDI 2013-2017 da Unesa


A Universidade Estácio de Sá tem como missão, por meio da formação de recursos humanos quali-
ficados, contribuir para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social do país com com-
prometimento ético e responsabilidade social, proporcionando o acesso de diferentes segmentos

116 • capítulo 5
da população ao ensino de qualidade articulado aos benefícios da pesquisa, da extensão e da
formação continuada, privilegiando a descentralização geográfica e o valor acessível das mensa-
lidades, buscando ao mesmo tempo a inclusão social na construção, pelo conhecimento, de uma
sociedade mais justa, mais humana, mais igual (UNESA, 2012).

De acordo com o PDI, que tem como pilares a qualidade, a inclusão e a sustentabili-
dade, a educação oferecida pela instituição tem como propósito formar cidadãos capazes
de assumir com ética, competência e responsabilidade social o compromisso profissional
vinculado ao curso em que está inserido.
As Diretrizes Curriculares (DC) são orientações mandatórias, que foram criadas
para substituir os antigos currículos mínimos e têm como objetivo [...] garantir a flexi-
bilidade, a criatividade e a responsabilidade das instituições ao elaborarem suas propostas
curriculares (BRASIL, 2001). É também em consonância com as DC que os PPs dos cur-
sos são elaborados.
Para que você tenha uma pequena noção, veja a seguir um extrato das DCN relativas ao
curso de Administração.

§ 1º O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de graduação em Admi-


nistração, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:
I – objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política,
geográfica e social;
II – condições objetivas de oferta e a vocação do curso;
III – cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;
IV – formas de realização da interdisciplinaridade;
V – modos de integração entre teoria e prática;
VI – formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
VII – modos de integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
VIII – incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instru-
mento para a iniciação científica;
IX – concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes
formas e condições de realização, observado o respectivo regulamento;
X – concepção e composição das atividades complementares; e,
XI – inclusão opcional de trabalho de curso sob as modalidades monografia, projeto de iniciação
científica ou projetos de atividades, centrados em área teórico-prática ou de formação profissional,
na forma como estabelecer o regulamento próprio (Brasil, 2005).

Veja que o incentivo à pesquisa, à integração teoria e prática, bem como outras atividades
que ocorrem fora da sala de aula, estão presentes nessas orientações, aspectos que, dentre
outros, você também vai encontrar enfatizados e viabilizados no PP específico de seu curso.

capítulo 5 • 117
Conhecendo o Projeto Pedagógico de seu curso
Um Projeto Pedagógico de curso não é simplesmente um requisito burocrático e de interes-
se restrito a instituições de ensino em busca de credenciamento ou recredenciamento. Na
prática, o PP de um curso é um recurso valioso também para você, estudante. Nesta seção
vamos explorá-lo, demonstrando a necessidade de você conhecê-lo e entendê-lo como um
instrumento norteador de sua trajetória acadêmica.
É essencial lembrar que há variações entre os projetos de diferentes cursos, de modo
que, para tornar o capítulo relevante para todos os cursos oferecidos pela Estácio, não
focalizaremos um único PP, mas, sim, extratos estrategicamente escolhidos e retirados
de diferentes documentos.
Após a leitura e reflexão sobre nossos comentários acerca dos exemplos apresentados,
você deverá completar as atividades propostas utilizando como base o PP de seu curso.
Vejamos, para começar, os objetivos do curso de Engenharia Química, mostrados na
caixa a seguir.

PP do curso de Engenharia Química: objetivos do curso


Entre os objetivos principais podemos ressaltar: proporcionar aos alunos um sólido conhecimento
técnico e científico a fim de que possam se integrar no mercado de trabalho; possibilitar uma
ampla cultura geral que proporcione a capacidade de análise e síntese; formar profissionais com
determinação empreendedora que, posta a serviço de qualquer organização, produza o resultado
necessário para as necessidades exigidas pelo mercado; incentivar a atualização constante de
modo a manter-se atualizado com tecnologias emergentes e investindo em sua formação (...). (RIO
DE JANEIRO, Projeto Pedagógico Matriz do Curso de Engenharia Química, [s./d].)

Como você pode constatar com base na leitura desses objetivos, está presente na forma-
ção prevista para o engenheiro químico egresso da Estácio a ideia de uma formação ampla,
baseada na inter-relação teoria e prática e que, além de incentivar a busca constante pelo
aperfeiçoamento, também privilegia o trabalho em equipe.

ATIVIDADE
Atividade 7 - Explorando o PP
Localize o Projeto Pedagógico de seu curso e identifique o objetivo geral e os específicos.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

Detalhando agora um pouco mais a nossa exploração de um projeto pedagógico de cur-


so superior, vamos examinar os seus componentes, a partir da apresentação do roteiro do
Projeto do Curso de Direito.

Estrutura do Projeto Pedagógico do Curso de Direito


1 – Título
2 – Tipo de curso (Se graduação ou de outro tipo)
3 – Modalidade (Se presencial ou a distância)

118 • capítulo 5
4 – Integralização – Número de períodos, de disciplinas (obrigatórias e eletivas), distribuição da
carga horária em disciplinas e atividades complementares e estágio.
5 – Formas de acesso
6 – Histórico e missão da IES (Introdução e contexto regional)
7 – Apresentação do curso (Concepção, pressupostos e princípios pedagógicos, objetivo geral e
objetivos específicos)
8 – Perfil do egresso
9 – Metodologia
10 – Material didático
11 – Concepção curricular (Formação fundamental e formação profissional)
12 – Formação prático-profissional
13 – Disciplinas optativas e eletivas
14 – Matriz curricular
15 – Atividades complementares
16 – Trabalho de conclusão de curso
17 – Estágio curricular supervisionado/prática profissional
18 – Procedimentos de avaliação dos processos de ensino e aprendizagem
19 – Avaliação institucional
20 – Atividades de extensão
21 – Pesquisa e iniciação científica
22 – Monitoria
23 – Atendimento ao aluno
24 – Gestão acadêmica do curso.

(Extraído de RIO DE JANEIRO, Projeto Pedagógico Matriz do Curso de Direito, [s./d].)

Como é fácil perceber, além da concepção e objetivos do curso, perfil do egresso e carga
horária com seus conteúdos correspondentes, a instituição, no intuito de seguir as dire-
trizes curriculares, destina determinado número de horas para integralização do curso na
forma de atividades complementares, TCC e estágio supervisionado/prática profissional.
Com base nesse exemplo, e de uma forma mais forma resumida, podemos dizer
que um projeto pedagógico contém, com pequenas variações de títulos e subtítulos, os
seguintes elementos:

CONTEXTUALIZAÇÃO
Inclui um breve histórico e as características do curso.

ORGANIZAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
Apresenta os objetivos do curso, o perfil do egresso, bem como a matriz curricular com as
ementas das disciplinas.

FUNCIONAMENTO E GESTÃO DO CURSO


Abrangem, além dos critérios de avaliação, as atividades complementares, estágio/prática
profissional e trabalho de conclusão de curso (TCC), com a respectiva indicação das coorde-
nações e das normas.

capítulo 5 • 119
ATIVIDADE
Atividade 8 - Explorando a estrutura do PP
Examine o Projeto Pedagógico de seu curso e identifique sua estrutura, criando uma lista com o título das
partes como fizemos com o PP do curso de Direito.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

Um importante aspecto norteador dos cursos e, portanto, do PP correspondente, é o


perfil do egresso, pois a partir da definição do profissional que se objetiva formar é que são
elaboradas as matrizes curriculares e tudo o mais que delas deriva. A título de ilustração,
veja o perfil do egresso do curso Odontologia.

Perfil do egresso do curso de Odontologia


O egresso do curso de Odontologia da Universidade Estácio de Sá pode ser descrito como o de
um cirurgião dentista generalista humanista e ético, com formação embasada em conhecimentos
técnico-científicos e orientada para a promoção da saúde; capaz de atuar em todos os níveis de
atenção à saúde (diagnóstico, tratamento, prevenção e reabilitação da cavidade bucal) no sentido
de resolver os problemas de saúde bucal do indivíduo e da comunidade, seja no âmbito da iniciativa
privada, ou no Sistema Único de Saúde (SUS); seja capaz de trabalhar em equipe (multidisciplinar
ou multiprofissional); dotado de visão crítica e ciente da importância da educação continuada.
(RIO DE JANEIRO, Projeto Pedagógico Matriz do Curso de Odontologia, [s./d].)

ATIVIDADE
Atividade 9 - Qual é o perfil do egresso do seu curso?
Na seção anterior, quando apresentamos algumas definições de profissão, destacamos como um ele-
mento comum ao que os vários autores citados disseram sobre o assunto, o domínio de conhecimentos
e habilidades específicos, dentre outros aspectos. Além do perfil do egresso, os Projetos Pedagógicos
também definem as competências e habilidades a serem desenvolvidas por meio da formação oferecida
em cada curso. Localize, no projeto pedagógico de seu curso, o que você estará apto a fazer ao final de
sua formação acadêmica.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

Considerando que os projetos pedagógicos de cursos, com base nas orientações conti-
das nas diretrizes curriculares, procuram observar o princípio da flexibilidade e que as IES
têm relativa autonomia para organizar as matrizes curriculares de seus cursos, cabe agora,
falar das atividades complementares. Oferecidas na própria instituição ou fora dela, essas
atividades compõem, juntamente com o estágio curricular supervisionado e o TCC, o cur-
rículo integral de cada curso.
A lista apresentada a seguir mostra algumas das atividades complementares previstas
no Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia. Repare que as atividades listadas incluem
tarefas consistentes com a dimensão individual da formação profissional, que discutimos
na seção anterior.

120 • capítulo 5
Atividades complementares previstas no PP do curso de Pedagogia
1 – Participação em atividades de iniciação científica;
2 – Participação em projetos de extensão;
3 – Participação em concursos de monografia;
4 – Desenvolvimento de pesquisa educacional com produto final publicado em periódico, obra
coletiva ou autoria de livro (texto integral);
5 – Assistência a congressos, seminários, simpósios, conferências, oficinas de trabalho e similares,
versando sobre temas educacionais ou afins;
6 – Apresentação de trabalho em congressos, seminários, simpósios, conferências, oficinas de
trabalho e similares, versando sobre temas educacionais ou afins;
7 – Participação em seminários, simpósios, conferências, oficinas de trabalho e similares,
versando sobre temas acadêmicos, mas pertinentes ao conteúdo programático de disciplinas
do curso de graduação;
8 – Participação em eventos educacionais ou do curso de Pedagogia; participação em programas
de assistência educativa, desde que não configurem estágio;
9 – Participação em intercâmbio ou convênio cultural;
10 – Visitação a exposições, a mostras de arte e cultura, a acervos museológicos e arquivísticos;
11 – Assistência a espetáculos cênicos, coreográficos, musicais e cinematográficos recomenda-
dos pelos professores responsáveis pelas disciplinas em que o aluno esteja matriculado;
12 – Assistência a aulas inaugurais;
13 – Participação em cine-debate ou fóruns de discussão.

ATIVIDADE
Atividade 10 - Explorando as atividades complementares de seu curso
Examine o Projeto Pedagógico de seu curso e identifique as atividades complementares previstas no
documento.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do texto.

Os Projetos Pedagógicos de cursos também contêm detalhes sobre as disciplinas


centrais que compõem a grade curricular. Naturalmente, essas são a parte central de
suas atividades, mas, como você já deve ter compreendido, seu processo de formação
não se esgota na sala de aula.

ATENÇÃO
Além de assistir às aulas, elaborar os trabalhos solicitados e fazer provas, há várias outras atividades que
integram seu curso e otimizam a sua formação profissional. Para a melhor integração das atividades que
você deverá completar, existem, em cada campus, setores, núcleos ou coordenações específicas.

Conforme já explicamos, o Projeto Pedagógico deve traduzir concretamente as


orientações contidas nas DCN, daí a existência de setores específicos destinados à or-
ganização, coordenação e acompanhamento das diversas atividades extracurriculares

capítulo 5 • 121
que complementam a carga horária de cada curso. Assim, é essencial que você se fami-
liarize com essa estrutura.
Para finalizar o capítulo, propomos uma atividade de recapitulação de uma ideia que
perpassa este livro: a importância da pesquisa na formação profissional.

ATIVIDADE
Atividade 11 - Recapitulação e síntese
Componha um texto (aproximadamente 700 palavras) discutindo, com base no que aprendeu sobre o pro-
cesso de formação profissional e o papel do Projeto Pedagógico de curso nessa formação, a importância
da pesquisa em sua formação.
Após completar a atividade, veja o comentário correspondente no final do capítulo.

Resumo
Como você pode deduzir, a partir da leitura das seções anteriores, podemos saber quando
começa a formação profissional, mas não é possível determinar quando esta termina, visto
que a pesquisa e a busca por conhecimentos úteis e atualizados devem ser constantes. A
pesquisa e a criação de meios para construir o conhecimento necessário ao exercício pro-
fissional competente e eticamente responsável são fundamentais e, nessa direção, o Proje-
to Pedagógico reveste-se de fundamental importância.
O Projeto Pedagógico de Curso é um instrumento que expressa o processo de discus-
são institucional relativo aos objetivos e às estratégias utilizadas para alcançá-los. Além de
definir os propósitos, define ainda o perfil do egresso, os conteúdos das disciplinas, bem
como a metodologia adotada pelos professores em cada uma delas. Constitui o elemento
norteador de todas as atividades previstas para cada curso. Deve ser entendido, ao mesmo
tempo, como produto e processo.
Nesse sentido, as Instituições de Educação Superior (IES) buscam meios de transfor-
mar concepções teóricas em práticas, traçando estratégias e organizando ações destinadas
a orientar a práxis educativa.
Note-se que um Projeto Pedagógico de Curso deve ser concebido de acordo com a
missão da universidade, que além do ensino, inclui também a pesquisa e a extensão.
Traduz, portanto, a concepção institucional sobre a Educação Superior em suas diver-
sas facetas, incluindo tanto a formação profissional oferecida, quanto a do cidadão que
pretende formar para a participação na vida em sociedade. Demanda, nesse sentido,
reflexão sobre a universidade, sua história, sua função social e a forma como esta orga-
niza a docência, a pesquisa e a extensão.
De fato, um Projeto Pedagógico, além de atender às exigências normativas já mencio-
nadas da Lei nº 9394/1996, destina-se a definir, não só a concepção pedagógica de cada
curso, aspectos mais especificamente relacionados à estrutura acadêmica e ao currículo,
como tudo que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem: do planejamento das dis-
ciplinas à sua avaliação. Cabe lembrar que a concretização desse projeto só vai ocorrer na
prática, podendo-se, portanto, dizer que sua completude depende de uma reconfiguração

122 • capítulo 5
dada pela participação ativa e consciente de todos os envolvidos no processo, e para os pro-
pósitos deste capítulo, de seu próprio engajamento como futuro profissional.

Comentários sobre as atividades deste capítulo

Comentários sobre a Atividade 1 - Recapitulação

Uma das diferenças principais entre o conhecimento científico e o senso comum é a forma
como o conhecimento é construído. O conhecimento científico é construído de forma sis-
temática por uma comunidade de pessoas envolvidas em pesquisas e debates.
A resposta aqui depende de vários fatores, incluindo a profissão de sua escolha e, cru-
cialmente, sua própria experiência (pessoal e de trabalho, pois é possível que já exerça al-
guma função relacionada à profissão que almeja). O importante é que registre suas ideias
neste momento do curso. Sugerimos que revise essa atividade ao final do estudo do capítu-
lo e, principalmente, ao final de seu curso, pois certamente terá uma perspectiva renovada,
com novos entendimentos e conhecimentos.

Comentários sobre a Atividade 2 - Tecnologias no cotidiano

Nossas atividades como docentes e pesquisadoras têm mudado radicalmente com o uso
de tecnologias digitais. Na realidade, a escrita deste capítulo foi um exercício bastante di-
ferente do que estávamos acostumadas. Ao invés de trabalharmos separadamente, cada
uma em uma parte do texto, trocando comentários em papel e conduzindo discussões
em horários determinados, trabalhamos no mesmo documento, cada uma em seu es-
critório, com o documento armazenado online e acessível a modificações de ambas, a
qualquer hora. Pudemos discutir o trabalho a distância e assincronamente, isto é, utiliza-
mos mensagens e chat para trocar ideias e sugestões sem estarmos conectadas ao mesmo
tempo. Em nossa opinião, fomos mais produtivas enquanto pudemos manter uma flexi-
bilidade de horários de trabalho que seria impossível caso tivéssemos de nos encontrar
fisicamente para tomar decisões. Essas mesmas tecnologias nos permitem trabalhar co-
laborativamente com colegas em outras localidades do Brasil e mesmo no exterior, o que
era impraticável há apenas alguns anos atrás.

Comentários sobre a Atividade 3 - Exploração

Já exemplificamos algumas dessas atividades (leitura de jornais e visitas a museus), mas


poderíamos adicionar ida a concertos e shows, leitura de livros de ficção e não ficção, bem
como a participação em atividades comunitárias.

capítulo 5 • 123
Comentários sobre a Atividade 4 - Explorando a pesquisa em sua instituição

Além de seus professores e de seu coordenador de curso, você pode obter mais informa-
ções sobre pesquisas desenvolvidas na Estácio por meio do site da Diretoria de Pesquisa
Aplicada (http://portal.estacio.br/quem-somos/pesquisa-aplicada/home.aspx). No link Do-
cumentos da Diretoria de Pesquisa você poderá acessar detalhes sobre as pesquisas condu-
zidas em cada um deles. Se você está baseado no Rio de Janeiro, fique de olho nas oportuni-
dades de participação como aluno de IC nos projetos dos professores da instituição, bem
como editais e chamadas. A Universidade Estácio de Sá (UNESA), no Rio de Janeiro, oferece
cinco Programas de Pós-Graduação (cursos de mestrado e doutorado), nas seguintes áreas:
Administração e Desenvolvimento Empresarial, Direito, Educação, Odontologia e Saúde da
Família. Visitando o site dos Programas (http://portal.estacio.br/cursos/mestrado-e-douto-
rado/introducao.aspx), você poderá acessar detalhes sobre as pesquisas conduzidas em
cada um deles. Se você está baseado no Rio de Janeiro, fique de olho nas oportunidades de
participação como aluno de IC nos projetos dos professores dos cursos de pós-graduação.

Comentários sobre a Atividade 5 - Recapitulação

Todas as definições têm em comum a noção que uma profissão envolve o domínio de um
saber (específico da área; por exemplo, as Ciências da Saúde envolvem um domínio diferen-
te daquele das Ciências Exatas) e o domínio de um saber-fazer (também específico da área;
por exemplo, o saber-fazer de um professor é distinto do saber-fazer de um fisioterapeuta).

Comentários sobre a Atividade 6 - Recapitulação e reflexão

Busca por informações e textos em sites confiáveis, leitura crítica acrescida de comentários,
anotações em forma de resumos, resenhas e relatórios são atividades frequentemente soli-
citadas pelos professores das disciplinas, daí a importância de que a elaboração cuidadosa
e tecnicamente correta dessas atividades seja incorporada em seu cotidiano de estudos.

Comentários sobre a Atividade 7 - Explorando o PP

Pode ser que, durante essa leitura você tenha a possibilidade de confirmar que os objetivos
de seu curso expressam exatamente o que você veio buscar quando se matriculou. Pode ser
também que você precise fazer alguns ajustes nas suas expectativas, a partir do aprofunda-
mento da compreensão de que, como você já teve a oportunidade de aprender, o caminho
da construção do conhecimento não é percorrido sem esforço e comprometimento.

124 • capítulo 5
Comentários sobre a Atividade 8 - Explorando a estrutura do PP

Diferentes cursos terão seus PP organizados de forma ligeiramente diferente, mas você
deverá ser capaz de identificar as seções relativas à contextualização do curso, sua organi-
zação didático-pedagógica e aos detalhes sobre o funcionamento do curso, em particular,
atividades complementares, estágio e TCC.

Comentários sobre a Atividade 9 - Qual é o perfil do egresso do seu curso?

Uma vez que você localize as informações, será importante contrastá-las com as expecta-
tivas que trouxe ao ingressar no curso. Se tiver dúvidas, converse com seus professores e,
especialmente, com seu coordenador.

Comentários sobre a Atividade 10 - Explorando as atividades complementares


de seu curso

Além de se inteirar sobre a natureza das Atividades Complementares de seu curso, é de fun-
damental importância que você procure saber quantas horas dessas atividades você preci-
sa completar até o final de seus estudos. Assim poderá aproveitar as muitas oportunidades
oferecidas pela própria instituição, além daquelas a que você comparece em outros locais.
Essa informação está disponível também no Projeto Pedagógico de seu curso

Comentários sobre a Atividade 11 - Recapitulação e Síntese

Alguns pontos que você poderia incluir em seu argumento são:


•  Aspectos da dimensão individual de sua formação e a contribuição da pesquisa para
auxiliá-lo em seu percurso acadêmico;
•  Importância do aproveitamento das oportunidades oferecidas pela Universidade;
•  Comentários sobre aspectos do PP de seu curso que julga mais interessante.
Lembre-se de lançar mão das técnicas que aprendeu nos capítulos anteriores para com-
por um texto bem argumentado.

capítulo 5 • 125
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graduação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0583.pdf> Acesso em: 22 jan. 2014.
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em Administração, bacharelado, e dá outras providências. Administração, 2005. Disponível em: <http://portal.mec.gov.
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126 • capítulo 5
ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES

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