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OUTRA POSSIBILIDADE: ‘UMA PESSOA TERRIVELMENTE DO BEM’

(Seja a vossa bondade conhecida de todos os homens)

Por Anderson C. Pires1

Entramos em uma
nova escalada da
política de crise no
Governo Bolsonaro.
Agora, o que está em
jogo é a ‘indicação de
um nome’ para
assumir uma vaga no
STF deixada pela
saída de Celso de
Melo. A impressão
que me dá é que se
criou nesses tempos estranhos que vivemos uma necessidade de
implementar, no cotidiano de cada brasileiro, uma ‘cultura do eterno-
retorno’ da crise de natureza política. Parece que nos tornamos
dependentes dessa [cultura] para dar um sentido a nossa vida no
mundo. A discussão do momento gira em torno do nome indicado pelo
Presidente Bolsonaro. Apoiadores e críticos da direita brasileira estão
em franco estado de beligerância com o chefe do executivo por conta
desta indicação. Respeito a opinião dos apoiadores do governo, e
acredito que ela deve ser levada a sério. Afinal, o próprio Presidente
Bolsonaro legitimou a emergência de uma ‘democracia participativa’ à
medida que delegou ao povo o poder de governar (com ele). O
Presidente Bolsonaro deve, por isso, ouvir a opinião dessa base de apoio
antes de tomar decisões de interesse nacional.

No entanto, os apoiadores pecam por excesso. A tentativa de


‘desautorizar’ a decisão do chefe do executivo acaba por provocar um
mal ainda maior pela via do reforço negativo de uma crença coletiva: ‘Se
Bolsonaro não é perfeito, então significa que precisamos dar nosso
palpite, sim, para evitar que ele erre’. Isso é um equívoco! Para quem se
considera ‘conservador’, esse tipo de comportamento sugere uma
espécie de subversão velada. À medida que se desautoriza uma decisão

1Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Teologia pelo

Programa de Pós-Graduação das Faculdades EST (PPG-EST) em São Leopoldo, RS. Professor visitante do
Instituto Superior de Teologia Luterana.
do chefe de governo, se reforça uma cultura popular de negação à
autoridade constituída. A crise moral do mundo ocidental moderno se
funda no chamado ‘declínio das autoridades’ constituídas
tradicionalmente (Hannah Arendt). O conservadorismo é um sistema de
crença que defende, vigorosamente, a preservação e manutenção das
instituições tradicionais no mundo de hoje. É um contrassenso se
apresentar como conservador no espaço público da internet e assumir
agora (depois desse ato de indicação de um nome ao STF) uma postura
‘incontinente’ que denota insubordinação ofensiva à autoridade
constituída democraticamente: a do Presidente da República.

Fiquei surpreso por um líder evangélico muito popular no Brasil fazer


exatamente isso, e tudo em nome de Deus. Atitude deplorável! É preciso
frisar que se sujeitar a uma autoridade constituída implica, sim, ‘não’
desautorizar suas decisões publicamente, como que querendo se
afirmar mais competente que ele (o Presidente) para enxergar as
consequências possíveis dessa escolha/decisão. Aceitar a autoridade do
chefe do executivo significa acreditar (mesmo sem ter completa
consciência de tudo o que está implicado em tal decisão) na escolha dele,
autorizá-la como decisão legítima, e se sujeitar a ela, na confiança de
que, se ele assim o fez, deve ter ‘suas razões’ e que, portanto, será uma
decisão para o melhor de todos os que nele depositaram seu voto de
confiança nas eleições passadas. Quem não concorda com as escolhas
feitas pelo Presidente Bolsonaro pode até criticá-las, mesmo que
movido apenas por uma ‘desconfiança intuitiva’. Contudo, ninguém tem
uma ‘bolinha de cristal’ para saber se a escolha feita pelo Presidente
causará prejuízos vindouros para a nação brasileira como um todo. Isso
é ou seria uma presunção infantil, para não dizer ‘imbecilizada’. Assim,
ser ‘conservador’ significa validar a legitimidade das decisões’ tomadas
por uma autoridade constituída democraticamente, e confiar na
plausibilidade delas mesmo sem entendê-las (decisões) com clareza no
momento em que elas são tomadas.

O Presidente Bolsonaro não é inimigo do povo de bem da nação


brasileira. Ele o respeita, e tem trabalhado para o bem de todos,
independentemente da filiação político-partidária de cada um. Contudo,
uma ‘polaridade sutilmente equivocada’ está sendo comunicada no
momento dessa nova crise, a saber: que o indicado ao STF teria que ser
uma pessoa ‘terrivelmente evangélica’ ou uma ‘terrivelmente de direita’.
Essa compreensão é implausível, e para quem diz ser cristão/ã ela se
constitui um ‘entendimento insustentável’. O ‘valor’ que deve se buscar
para qualificar a competência moral de um candidato ao cargo no STF é
a ‘capacidade dessa pessoa fazer o bem a todos, o tempo todo’. O
apóstolo Paulo exorta o cristão e a cristã do seu tempo com a seguinte
recomendação moral: SEJA A VOSSA BONDADE CONHECIDA DE TODOS
OS HOMENS. Ser bom é ser capaz de realizar o bem a todos,
indistintamente. Esse é um valor transversal que precisa ser
compreendido por todos nós como sendo o fundamento parenético de
toda ‘ação moralmente boa’. Portanto, ao considerar um predicado que
deva ser emblemático do perfil moral de um candidato, sugiro algo
diferente: que [ele] seja uma pessoa “terrivelmente do bem”. Ser de
direita ou conservador delimita a fração ideológica de um organismo
social.

Ser ‘terrivelmente do bem’ define o caráter irrepreensível de uma


pessoa comprometida com um valor que vai muito além dessas
‘briguinhas de criança’. Quem é ‘terrivelmente do bem’ deve ser
entendido como aliado da justiça, da liberdade e do bem compartilhado
(bondade). Uma pessoa assim nunca representará uma ameaça político-
ideológica. Por isso mesmo ela pode ser considerada apta para assumir
uma função de responsabilidade moral numa instituição de tradição
histórica que se pauta pela valorização do bem com a prossecução da
justiça. Esperamos que esse candidato indicado por Bolsonaro seja essa
pessoa ‘terrivelmente do bem’. Que Deus seja honrado com essa decisão
do Presidente Bolsonaro, e os/as brasileiros/as de bem sejam
fartamente beneficiados/as com essa indicação ...

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