capítulo 6
língua portuguesa Pontos de vista: modos de olhar,
ver e dizer
Juliengrondin/Dreamstime.com
to, é preciso que o leitor saiba que objeti-
vos orientam sua leitura. Ao buscar as “ideias
principais” contidas num texto, é importante
identificar uma questão que represente o foco
do assunto tratado, para a qual o leitor deve pro-
curar argumentos ou respostas dentro do pró-
prio texto. Periódicos, como
jornais, trazem
Neste capítulo, você terá a oportunidade de notícias sobre o
ler textos argumentativos e de experimentar e cotidiano do nosso
país e do mundo,
refletir a respeito de procedimentos que podem além de informações
contribuir para a identificação do que é funda- úteis sobre negócios,
trabalho e lazer.
mental em um texto.
1. Antes de começar a leitura do artigo, responda à questão proposta pelo autor:“História: por que e para
quê?”. Justifique sua resposta.
2. De acordo com a orientação de seu professor, apresente sua resposta e discuta-a com seus colegas. Ouça as
respostas deles também. Ao final, organizem um painel com o resultado da discussão.
FIQUE ATENTO!
Lembre-se de que o título é, geralmente, muito importante para compreender um texto.
Etapa 1 75
Museus e Galerias do Vaticano, Cidade do Vaticano, Itália. Foto: Alinari/The Bridgeman Art Library/Keystone
conhecimento histórico. Em outras palavras, a História
está na moda! Filmes, séries televisivas, revistas
de ampla divulgação, obras de caráter biográfico e
temático são algumas das expressões que atestam a
receptividade que a produção de cunho histórico vem
obtendo no universo sociocultural brasileiro.
2 Tal panorama parece indicar que, entre nós, a
História atinge sua maioridade, suas pesquisas ganham
consistência e adquirem respeitabilidade. Verdade é que
tudo isso pode ser atribuído, em grande parte, ao fato
de os historiadores, cada vez mais, ampliarem seus
diálogos com as demais ciências.
3 Por isso, instigado pelo nome desta seção
da Nossa História, ponho-me a pensar sobre as
responsabilidades daqueles que se deixam seduzir
pelos encantos de Clio, a musa dos historiadores,
fazendo dessa disciplina sua opção profissional.
4 Afloram em mim leituras e ensinamentos,
a começar pela recorrente profissão de fé legada por
Marc Bloch nas anotações que, publicadas postumamente,
resultaram na sua Apologia pela História ou o ofício do
historiador. Belo título! Incontornável leitura!
5 De imediato, relembro o parágrafo inicial. Clio é a musa da História na mitologia grega da Antiguidade. É filha de
Zeus, o maior dos deuses, e é representada com um rolo de pergaminho
Nele, uma criança, se dirigindo ao pai historiador,
nas mãos. As musas são divindades relacionadas às artes e às ciências.
indaga-lhe: “Diga-me, para que serve a História?”.
Pergunta desconcertante que (felizmente, a meu ver)
inquieta e atormenta estudantes, estudiosos e diletantes de História. Capacitados ou não a respondê-la,
importa registrar a permanência desse desafio ao longo de nossa trajetória profissional.
6 Com efeito, perceber e introjetar o sentido e a função sociais da História, compromisso do
profissional da área, é também dever de consciência, de cada um de nós, na condição de agentes da
nossa História, pois nunca é demasiado salientar que esta só se justifica e se explica porque tem os
homens vivos como sua razão de ser. Estudamos História para conhecer e transformar a vida. Nossas
angústias e interrogações são a força-motriz que nos impulsiona a conhecer o passado e, daí, tentar
identificar e analisar criticamente as condições de e para a compreensão do nosso presente. […]
7 O passado e os mortos se constituem no objeto de nossos estudos, mas é das indagações
e das perplexidades do presente que a História vai sendo re(escrita) e compreendida. É a partir do
contexto em que nos situamos e do qual somos partícipes que construímos a nossa História.
8 Cuidando em não resvalarmos para a prática do anacronismo, GLOSSÁRIO
é no questionamento do passado que buscamos detectar e delinear
Anacronismo: atitude ou fato que não está
nossas identidades. Essas, por seu turno, obviamente, só se delineiam de acordo com sua época.
por contrastação, por antinomia. Vale dizer: o estudo da História Antinomia: contradição, oposição.
objetiva captar e exprimir, predominantemente, nossas diferenças e Avidez: desejo intenso.
não nossas afinidades. Diletante: interessado, amante, que se
9 Assim, o conhecimento do passado, não sendo em si dedica a uma arte, ciência por puro prazer.
mesmo a História, antes de iluminar o futuro, deve proporcionar Introjetar: internalizar, interiorizar.
aos homens viverem melhor o seu presente. Propiciar-nos Partícipe: participante.
referências para a constituição de uma almejada sociedade mais Resvalar: tocar de leve, de maneira
superficial.
justa e solidária.
76 Língua Portuguesa
compreensão textual i
1. Qual foi o parágrafo do texto que mais chamou sua atenção? Por quê?
a) Reúna-se com os colegas que escolheram o mesmo trecho que você e verifiquem se as justificativas de
vocês coincidem ou não. Anote as observações sobre essa conversa.
b) Converse com toda a classe a respeito das anotações feitas nos grupos.
2. A respeito do primeiro parágrafo, responda:
a) Qual é a informação que, aparentemente, responde à pergunta que dá título ao texto?
b) Após a primeira leitura, você confirma que essa é a resposta do autor à questão que ele propõe no
título? Por quê?
b) Que palavra(s), logo no início do parágrafo, dá (dão) pistas de que se trata da posição do autor?
4. No oitavo parágrafo, o autor retoma o argumento apresentado no parágrafo 6. Destaque no texto o trecho
em que essa retomada acontece.
5. Essa mesma ideia continua a ser explorada nos parágrafos 9, 10 e 11. Destaque, em cada parágrafo, o trecho
que sustenta o posicionamento do autor.
6. Você percebeu que, nas três ocorrências da expressão “nossa História”, o pronome FIQUE ATENTO!
“nossa” está em itálico? Qual a sua hipótese para o uso desse recurso pelo autor? Para responder a essa
pergunta, observe to-
das as informações
que aparecem antes do
texto e depois dele.
Etapa 1 77
8. Observe que, nos parágrafos 3 e 4, o autor recorre a outros “textos” para desenvolver sua tese. Ele menciona
Clio, a musa dos historiadores, e o autor Marc Bloch.
a) Qual é a função dessas informações no texto?
b) O que essas informações sugerem a respeito do autor? Para responder a essa questão, retome a noção
de intertextualidade.
análise linguística
Você já deve ter observado que diversos recursos são utilizados em um texto para garantir a articulação das
ideias. A escolha lexical é um desses elementos: o autor escolhe as palavras sempre orientado por sua intenção, seu
objetivo, pelo efeito que pretende provocar no leitor. Outro recurso importante para a construção e compreensão
de um texto é o uso de expressões que estabelecem diversas relações entre as ideias apresentadas: as conjunções.
Conjunções
Um dos processos que pode ser utilizado para articular as ora- Alternativas: indicam ideias alternadas. Exemplos: ou…ou,
ções em um texto é o que chamamos de coordenação. As orações ora…ora, já…já etc.
coordenadas podem ser articuladas sem que sejam explicitadas as “… Ou você toma uma decisão agora ou perde essa oportunidade.”
relações de dependência entre elas. Nesse caso, o encadeamento Adversativas: revelam a ideia de contraste, oposição, de que-
é sinalizado pela pontuação. bra de expectativa. Exemplos: mas, porém, contudo, todavia, entre-
tanto etc.
Exemplos:
“… gosto de você, entretanto não podemos continuar juntos.”
a) Vim, vi, venci!
Explicativas: sinalizam a explicação ou continuação. Exemplos: pois,
b) Li o livro. Gostei da história!
porque, isto é, ou seja, por exemplo, a saber etc.
Observe que nos dois exemplos as orações são justapostas; “… o protagonista aceita que a narradora escreva sua morte (e o
sendo a justaposição indicada pelo uso dos sinais de pontuação. condene, portanto, a morrer), pois esse parece ser, naquela altura, o
Usamos as conjunções para explicitar as conexões entre as desfecho adequado da história…”
orações. Elas podem ser: aditivas, alternativas, adversativas, ex- Conclusivas: indicam conclusão. Exemplos: então, logo, por-
plicativas e conclusivas. Dependendo do contexto, as conjunções tanto, assim, por isso etc.
podem ter sentidos diferentes. Mesmo assim, é importante que “Penso, logo existo.”
você saiba que funções, geralmente, cada uma delas desempenha: É muito comum que as relações entre as orações sejam marca-
Aditivas: remetem à ideia de soma, adição, de complementa- das por expressões equivalentes a essas que acabamos de mencio-
ção. Exemplos: e, nem, mas também etc. nar. Por isso, use esse quadro apenas como referência, para ajudá-lo
“… ela nos apresenta a diversidade do mundo e constitui um a compreender o sentido das conjunções ou de outras palavras ou
repertório do possível…” expressões usadas para articular as informações em um texto.
78 Língua Portuguesa
b) Com efeito, perceber e introjetar o sentido e a função sociais da História, compromisso do profissional
da área, é também dever de consciência, de cada um de nós…
c) Vale dizer: o estudo da História objetiva captar e exprimir, predominantemente, nossas diferenças e
não nossas afinidades.
d) No entanto, como incita o poeta, é mister que eu conheça e (con)viva com o rio de minha aldeia para
que alcance e dimensione a extensão e a profundidade do oceano.
2. Releia o final do artigo e observe que as últimas linhas do texto estão entre aspas.
a) O que isso signfica?
Você leu um texto argumentativo, um artigo em que o autor defende uma opinião, um ponto de vista.
ler discurso
O discurso que você vai ler agora foi elaborado para ser apresentado oralmente, mas sua construção revela
marcas explícitas da produção escrita. É bem diferente daquele depoimento dos irmãos Biano, da Banda de
Pífanos de Caruaru, que você leu no capítulo anterior.
Meus amigos e minhas amigas,
Quatro anos atrás, nesta casa, em um 1o de janeiro, vivi a experiência mais importante de minha
vida – a de assumir a Presidência do meu país. Não era apenas a realização de um sonho individual.
O que então ocorreu foi o resultado de um poderoso movimento histórico do qual eu me sentia – e
ainda hoje me sinto – parte e humilde instrumento.
Pela primeira vez, um homem nascido na pobreza, que teve que derrotar o risco crônico da morte
na infância e vencer, depois, a desesperança na idade adulta, chegava, pela disputa democrática, ao
mais alto posto da República. Pela primeira vez, a longa jornada de um retirante, que começara, como
a de milhões de nordestinos, em cima de um pau de arara, terminava, como expressão de um projeto
coletivo, na rampa do Planalto.
Hoje estou de volta a esta casa, no mesmo 1o de janeiro e quase na mesma hora. Tenho a meu
lado, como em 2003, o amigo e companheiro José Alencar, cuja colaboração inteligente e leal tornou
menos árduas as tarefas destes quatro anos. E assim o será no governo que se inicia.
Tudo é muito parecido, mas tudo é profundamente diferente. É igual e diferente o Brasil; é igual
e diferente o mundo; e eu sou, também, igual e diferente. Sou igual naquilo que mais prezo: no
profundo compromisso com o povo e com meu país. Sou diferente na consciência madura do que
Etapa 1 79
Compreensão textual ii
1. Releia o fragmento do discurso do ex-presidente Lula. Destaque, pelo menos, três expressões que foram
usadas para estabelecer contato mais direto com os interlocutores.
2. Releia o primeiro parágrafo do discurso e identifique qual é a ideia central apresentada pelo ex-presidente.
3. Destaque no texto a oração que justifica a resposta dada à questão anterior.
80 Língua Portuguesa
produzir texto
Você deve ter observado que os textos argumentativos discutem sempre uma questão e que, a partir de um
posicionamento em relação a ela, o autor escolhe argumentos e constrói o seu texto.
Agora é sua vez.
Etapa 1 81
Há três quartos de século, a cada fevereiro renova-se a pergunta: e se a cor pegasse? Foi logo
depois da Revolução de 30 que Lamartine Babo lançou “O teu cabelo não nega”, coautoria dos irmãos
Valença. Como ensinam as professoras às crianças com direito a creche, cantam os versos: “Mas
como a cor não pega, mulata/ Mulata eu quero o teu amor”.
Pela lógica da letra, a resposta é inescapável: se a cor pegasse, tchau, mulata, bye-bye, amor.
Sem dúvida, marchinhas carnavalescas não foram feitas para consagrar a lógica. Bem como, se a
maldição do politicamente correto se impusesse à folia, a festa correria o risco de acabar.
“Cabeleira do Zezé” tem mesmo certa dose de homofobia. Porém não se compara à ideia implícita,
do mal em si, na cor da mulata.
Argumentam que era a cultura da época, sem conotação discriminatória. O racismo, contudo, é
inegável. E, fosse para eternizar cabeças do passado, talvez valesse reintroduzir a escravidão e a chibata.
Incomoda que se trate como natural o que não é. Dizer que só topa a moçoila porque cor não
se transmite é barbaridade, não liberdade poética. Reconsiderar o que cantamos desde o berço não
implica avalizar desvarios autoritários como cartilhas para sufocar a arte. Muito menos proibir a
composição de Lamartine Babo e dos Irmãos Valença, criadores da marcha que, reinventada por Lalá,
virou sucesso.
O Brasil só teria a ganhar se, vez por outra, pensasse sobre aberrações como essa. Fizesse isso
em relação a outras tantas expressões de segregação, quem sabe fosse menos racista. Da minha parte,
recuso-me a perpetuar o “espírito d'antanho”.
Quando o bloco vai de “O teu cabelo não nega”, ouço calado. É o tal protesto silencioso.
MAGALHÃES, Mário. Folha de S.Paulo, 2 fev. 2007. p. 2.
Lamartine Babo
Conexão Editorial
82 Língua Portuguesa
Ao comparar a linguagem cotidiana utilizada no Brasil e as exigências do comportamento "politicamente correto", o autor tem
a intenção de
a) criticar o racismo declarado do brasileiro, que convive com a discriminação camuflada em certas expressões linguísticas.
b) defender o uso de termos que revelam a despreocupação do brasileiro quanto ao preconceito racial, que inexiste no Brasil.
c) mostrar que os problemas de intolerância racial, no Brasil, já estão superados, o que se evidencia na linguagem cotidiana.
d) questionar a condenação de certas expressões consideradas "politicamente incorretas", o que impede os falantes de usarem
a linguagem espontaneamente.
e) sugerir que o país adote, além de uma postura linguística "politicamente correta", uma política de convivência sem preconceito racial.
2. Enem (2011)
Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir o risco de infarto, mas também
de problemas como morte súbita e derrame. Significa que manter uma alimentação saudável e praticar atividade
física regularmente já reduz, por si só, as chances de desenvolver vários problemas. Além disso, é importante para
o controle da pressão arterial, dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse
e aumentar a capacidade física, fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-se, nesses casos,
com acompanhamento médico e moderação, é altamente recomendável.
ATALLA, Marcio. Nossa vida. Época, 23 mar. 2009.
As ideias veiculadas no texto se organizam estabelecendo relações que atuam na construção do sentido. A esse respeito, identi-
fica-se, no fragmento, que
Etapa 1 83
capítulo 7
língua portuguesa Conviver: manifestar-se, defender e
sustentar ideias, formar opinião
A todo momento, pessoas procuram defender e fazer valer suas ideias, seja nas rela-
ções pessoais, em casa ou entre amigos, seja nas relações de trabalho, de estudo, de
compra e venda. Uma simples discussão sobre futebol pode levar horas, se cada debate-
dor quiser recordar performances de seu time, a fim de demonstrar que ele é o melhor.
Ninguém gosta de “comprar gato por lebre”, nem de deixar de tomar posse daquilo que
lhe pertence, ou ainda deixar que outros ocupem o espaço que lhe é de direito.
A dificuldade está em demonstrar que se tem razão ou direito àquilo que se está plei-
teando, pois as outras pessoas também se esforçam em ocupar espaços que reconhecem
como seus e em fazer valer suas ideias. Quem está com a razão? Que argumentos são
mais convincentes? Como avaliar os fatos que se apresentam no cotidiano e assumir uma
postura coerente diante deles?
Neste capítulo, você terá contato com diferentes pontos de vista. Entretanto, percebe-
rá que, às vezes, a maneira de defender uma ideia não está totalmente explícita. Perceberá
também que a defesa de ideias está em toda parte. O tempo todo, as pessoas são expostas
à “maneira dos outros” de encarar os fatos, sejam eles amigos ou parentes próximos, se-
jam jornalistas, literatos ou governantes, aparentemente tão distantes.
Ricardo Stuckert/PR
Ricardo Stuckert/PR
Pelé e Maradona, protagonistas da polêmica que divide opiniões: qual deles foi o melhor jogador de futebol do mundo?
84 Língua Portuguesa
Vamos começar analisando alguns recursos que os jornais costumam empregar na veiculação de mensa-
gens: manchete, olho, imagem. Leia a manchete a seguir. Responda oralmente às perguntas propostas, para ver
o que você consegue descobrir antes de ler o texto completo da reportagem.
Agora, passe a analisar o intertítulo ou olho (pequeno texto abaixo do título) e descubra um pouco mais
sobre a reportagem.
Etapa 1 85
Agora que você já sabe do que tratará a notícia, amplie ainda mais sua compreensão, visualizando uma foto
do local que será o tema da notícia. Leia também a legenda que acompanha a imagem. Responda oralmente às
questões.
Ricardo Nogueira/Folhapress
Reinaugurada pelo prefeito Gilberto Kassab, em 2007, a praça da República, na capital paulista, ganhou novos pisos e canteiros.
Na imagem, jovem se ajeita em banco antimendigo da praça. Agora, os moradores de rua dormem no chão.
Perceba que somente com a leitura dos breves textos anteriores você já sabe muito sobre o fato que será
apresentado na reportagem completa. Leia atentamente os textos a seguir, pois ainda há muito a perceber quan-
to ao que está por trás dessas informações.
86 Língua Portuguesa
Etapa 1 87
Ficou pior. Antes, eles se deitavam nos bancos, que não ficavam no meio do caminho. Agora a
gente tem de passar por cima, […] Ficou tudo mais bonito, tirando os mendigos.
Rosa Amélia Pires, vendedora, 28.
Não adianta colocar esses bancos porque, além de reduzir o espaço para a gente descansar, não
resolve o problema [da retirada dos moradores da praça]. Era preciso mandá-los para um abrigo.
Madalena Pinheiro, secretária, 32.
É uma atitude complicada porque os moradores não querem sair e não se pode tirá-los à força.
Por outro lado, o paulistano tem o direito de circular (a prefeitura tem de assegurar a liberdade de os
munícipes transitarem pelo local).
Mário de Oliveira Filho, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.
O diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Aton Fon, criticou os novos bancos.
Segundo ele, é preciso encontrar novas saídas como, por exemplo, oferecer emprego e melhores
condições de vida para essas pessoas.
O secretário municipal de subprefeituras e subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, responsável
pelas obras de revitalização da praça da República (centro de SP), disse ontem não ver problemas
no fato de os moradores de rua usarem a praça como dormitório e afirma que os bancos não foram
trocados com a intenção de impedir que eles durmam no local. “Não há problema que eles durmam
no passeio ou onde quiserem. Qualquer um pode dormir ali”, afirmou.
O prefeito Gilberto Kassab desconversou na manhã de ontem quando perguntado sobre os motivos
que levaram sua administração a adotar os bancos antimendigos. Ele afirmou apenas que o propósito
não é o de impedir os moradores de rua de os utilizarem.
Agora, organize os posicionamentos dos opinantes, escrevendo, a seguir, os nomes e as funções de cada um.
a) Manifestaram contrariedade quanto à situação causada pelos novos bancos.
Não há problema que eles durmam no passeio ou onde quiserem. Qualquer um pode dormir ali.
Andrea Matarazzo, ex-secretário municipal de ex-subprefeituras e subprefeito da Sé, responsável pelas obras de revitalização da praça da República, centro de SP.
88 Língua Portuguesa
4. Agora, dê a sua opinião. Com qual desses posicionamentos você concorda? De qual discorda? Por quê?
Etapa 1 89
Marc Ferrez/IMS
outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem
a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia
também a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder o vício da
embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous
para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado.
Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era
dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam
dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca
tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o
grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda,
na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.
Machado de Assis (1839-1908)
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma De origem humilde, mestiço, nasceu no Rio
coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao de Janeiro na época em que a escravidão
alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era ainda não tinha sido abolida.
menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse,
mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da
escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada.
Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono
não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói.
A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas
comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não
raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas
folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por
onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á
generosamente”, ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado
uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se
com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento
da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações
reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de
uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda
que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
Cândido Neves – em família, Candinho, – é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga,
cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse
homem, não aguentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo.
Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor
bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio
chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho.
A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou
seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao
Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.
Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque
morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu
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92 Língua Portuguesa
Etapa 1 93
compreensão textual ii
1. O título do texto sugere que uma disputa entre duas partes será apresentada. No entanto, a situação do
“pai”ganhou mais espaço na narrativa. Que interpretações poderiam ser dadas para esse fato?
2. Leia a seguir o significado da palavra “cinismo”, especialmente o de número 2.
Cinismo. substantivo masculino 1. Rubrica: filosofia. como modelo ideal e exemplo prático destas virtudes. 2.
Doutrina filosófica grega fundada por Antístenes de Derivação: por extensão de sentido. Atitude ou caráter de
Atenas (444-365 a.C.), que prescrevia a felicidade de uma pessoa que revela descaso pelas convenções sociais e pela
vida simples e natural através de um completo desprezo moral vigente; impudência, desfaçatez, descaramento.
por comodidades, riquezas, apegos, convenções sociais 3. Regionalismo: São Paulo. Diacronismo: obsoleto.
e pudores, utilizando de forma polêmica a vida canina monotonia, sensaboria.
Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
Agora, procure explicar o que há de cinismo na seguinte passagem, respondendo às questões a seguir.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da
escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada.
Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono
não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói.
a) Quando escreve que “nem todos gostavam de apanhar pancada”, o que o autor está querendo dizer a
respeito dos outros escravos?
b) E o que ele quer dizer com “o sentimento de propriedade moderava a ação”?
c) Qual dos três significados transcritos do dicionário melhor se relaciona com as respostas dadas por
você aos itens a e b? Justifique.
d) Em sua opinião, que sentimento(s) o autor quer provocar no leitor ao elaborar um trecho como esse?
3. O narrador afirma inicialmente que a escravidão levara consigo “os ferros”, ou seja, a situação que será narrada
já não existe mais em 1906, data em que o conto foi publicado. Embora tal ofício e os “ferros” já não existam
mais, que herança tais procedimentos podem ter deixado à sociedade atual?
4. Você considera que a narrativa se posiciona a favor ou contra Candinho? Compartilhe a sua opinião oral-
mente justificando-a.
Análise linguística
Machado de Assis empregava a norma-padrão de modo bastante peculiar. Você deve ter se impressionado
com as construções linguísticas raras utilizadas por ele, não usuais nos textos de nosso cotidiano; por exemplo,
“gratificar-se-á generosamente”, “via-se-lhe pela cara”.
94 Língua Portuguesa
1. No título “Pai contra mãe”, que palavra é extremamente reveladora quanto ao conteúdo a ser encontrado pelo
leitor? Justifique.
2. Das palavras a seguir, circule aquela que poderia substituir a palavra “contra” do título, sem alterar demasia-
damente o sentido da narrativa.
após sem até por perante
4. De acordo com a gramática, “preposição é a palavra invariável que relaciona dois termos. Nessa relação, um
termo completa ou explica o sentido do outro”. As palavras “contra” e “perante” correspondem a essa defini-
ção. Justifique essa afirmação.
Preposição de em
As preposições são palavras invariáveis que de + o = do
relacionam dois termos. Nessa relação, um termo de + a = da em + o = no
de + ele(a) = dele(a) em + a = na
completa ou explica o sentido do outro. Elas classi- em + ele(a) = nele(a)
ficam-se em essenciais e acidentais. As essenciais de + este(a) = deste(a)
de + isto = disto em + este(a) = neste(a)
só funcionam como preposições: a, ante, após, até, de + esse(a) = desse(a) em + isto = nisto
com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, de + isso = disso em + esse(a) = nesse(a)
sem, sob, sobre, trás. Já as acidentais são palavras de + aquele(a) = daquele(a) em + isso = nisso
que pertencem a outras classes gramaticais, mas, de + aqui = daqui em + aquele(a) = naquele(a)
de + ali = dali em + um(a) = num(a)
às vezes, funcionam como preposições, tais como:
afora, como, conforme, consoante, durante, median-
te etc.
A relação que as preposições estabelecem entre a per
dois termos é chamada de regência. Algumas das
relações estabelecidas pela preposição ou locução a + o = ao per + o = pelo
a + os = aos per + a = pela
prepositiva são: de ausência, de assunto, de causa ou per + os = pelos
motivo, de companhia, de concessão, de conformi- a + onde = aonde
per + as = pelas
dade ou modo, de direção, de finalidade, de instru-
mento, de lugar, de matéria, de oposição, de origem, Existem os casos de contração de preposições:
de posse, de tempo, dentre outras. É bom destacar Preposição a + artigo feminino a
que, no entanto, nem sempre é possível determinar
essa relação. a+a=à a + as = às
A locução prepositiva é um grupo de duas ou
mais palavras com valor de preposição, tais como:
Preposição + pronomes demonstrativosaquele(s), aquela(s), aquilo
abaixo de, acima de, além de, apesar de, junto de,
por trás de, devido a, em função de, por causa de etc. a + aquele(s) = àquele(s)
Esse grupo de palavras sempre termina com uma a + aquela(s) = àquela(s)
preposição. a + aquilo = àquilo
Algumas preposições combinam-se com outras
palavras, constituindo um novo vocábulo. Observação: a contração é marcada com o acento grave (`).
Etapa 1 95
(C) ausência uem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a
( )Q
quem lho levasse.
(D) causa unha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido.
( )P
(E) lugar uita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta.
( )M
(F) finalidade ( ) Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.
(G) modo ou conformidade ( ) Era preciso gratificar para reaver o negro fugido.
6. Tente descobrir, no período a seguir, que preposições estabelecem as relações de origem e direção.
Pegou a criança, saiu de casa e rumou para a rua dos Barbonos.
7. Nas frases a seguir, localize onde há combinações semelhantes às do quadro Preposição. Consulte-o para
separar o artigo da preposição, a fim de que fiquem mais visíveis.
da = de + a
preposição artigo
a) Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas
públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava
e a quantia de gratificação.
b) Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inap-
tidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via,
davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
c) Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava
com um primo, entalhador de ofício.
d) O credor entrou e recusou sentar-se, deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou
que pouco.
96 Língua Portuguesa
f) Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido. Cândido Neves andara a pesquisá--
-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio.
produzir texto
O conto de Machado nos dá oportunidade de refletir sobre aspectos socioeconômicos da realidade bra-
sileira, tanto na época em que o texto foi escrito como nos dias de hoje. Observando as orientações a seguir,
produza um texto com suas opiniões sobre o conto lido.
1. Destaque duas partes que mais lhe chamaram a atenção no conto e formule justificativas para suas escolhas.
2. Procure identificar, nesses trechos que você escolheu, aspectos da realidade brasileira problematizados pelo autor.
3. Em seguida, manifeste a sua opinião sobre esses aspectos e estabeleça uma comparação com o tempo presente.
4. Ao escrever, procure empregar os elementos articuladores (conjunções) com que teve contato no capítulo
anterior. Utilize, por exemplo, as conjunções explicativas (pois, porque, isto é, por exemplo) para justificar
as suas escolhas e opiniões.
5. Em duplas, leiam o que cada um escreveu e façam sugestões para o aperfeiçoamento de suas produções textuais.
aplicar conhecimentos
1. Enem (2010)
Em uma reportagem a respeito da utilização do computador, um jornalista posicionou-se da seguinte forma: A
humanidade viveu milhares de anos sem o computador e conseguiu se virar. Um escritor brasileiro disse com orgulho
que ainda escreve a máquina ou a mão; que precisa do contato físico com o papel. Um profissional liberal refletiu que o
computador não mudou apenas a vida de algumas pessoas, ampliando a oferta de pesquisa e correspondência, mudou
a carreira de todo mundo. Um professor arrematou que todas as disciplinas hoje não podem ser imaginadas sem os
recursos da computação e, para um físico, ele é imprescindível para, por exemplo, investigar a natureza subatômica.
Como era a vida antes do computador? OceanAir em Revista, n. 1. 2007 (adaptado).
Entre as diferentes estratégias argumentativas utilizadas na construção de textos, no fragmento, está presente
a) a comparação entre elementos.
b) a reduplicação de informações.
c) o confronto de pontos de vista.
d) a repetição de conceitos.
e) a citação de autoridade.
2. Enem (2010)
Duke
Etapa 1 97
Ministério da Saúde
lhas linguísticas que o compõem. O texto da campanha publicitária
e o da charge apresentam, respectivamente, composição textual
pautada por uma estratégia
Jornalista
O jornalista é um profissional da notícia. É recomendável que o jornalista consulte Área de atuação: O maior segmento do merca-
Em seu trabalho, ele investiga e divulga fatos diversas fontes para preparar suas matérias, do de trabalho para este profissional está nos
e informações de interesse público, redige e colhendo diferentes opiniões e posições sobre trabalhos de assessoria de comunicação, muitas
edita reportagens, entrevistas e artigos. Para um determinado tema. É desejável também vezes feitos de forma autônoma, sem vínculo
que a comunicação com o público aconteça, que tenha espírito investigativo, mas princi- empregatício. Empresas tradicionais de comu-
ele deve adaptar a abordagem e a linguagem palmente que privilegie o interesse público na nicação, como revistas, jornais e emissoras de
dos textos ao veículo e ao leitor a que se des- hora de apresentar a informação. rádio e TV, vêm contratando os jornalistas como
tinam. No caso de reportagens, ele apura os Exige-se desse profissional o pleno domínio freelancer. A dependência em relação a receitas
fatos e define o enfoque, possíveis entrevis- da língua, de técnicas de redação e edição, sen- de publicidade nesses órgãos muitas vezes leva
tados, o tamanho do texto e a edição final. so crítico apurado e capacidade de expressão. O à demissão de funcionários ou à precarização
Ele deve se preparar para a reportagem pes- conhecimento a respeito de elementos políticos, das relações de trabalho, tanto para jornalistas
quisando, colhendo informações e trocando sociais, econômicos e culturais que configuram como para outros profissionais. Por isso, muitos
ideias com diferentes interlocutores. Pode as sociedades contemporâneas poderá trazer procuram abrir sua própria empresa de assesso-
atuar como assessor de imprensa de em- também muitas contribuições ao seu trabalho. ria de comunicação. Sob diferentes regimes de
presas, organizações diversas e órgãos pú- No dia a dia, ele precisará dominar e se manter contratação, o jornalista pode também fazer re-
blicos, com a tarefa de coletar informações atualizado sobre softwares de edição de textos visão e edição de textos e publicações e escrever
e redigir textos para divulgação ou preparar e imagens e outras ferramentas da informática. para websites. O jornalista pode também realizar
material institucional para mídia impressa e Formação escolar exigida: Ensino superior cursos de pós-graduação, habilitando-se para a
eletrônica. completo (4 anos). pesquisa e a docência no ensino superior.
UNIDOS DO LIVRAMENTO
Nesta página da TV Cultura, é possível assistir à minissérie Unidos do Livramento, uma adaptação de quatro
contos de Machado de Assis realizada por Renata Pallottini e dirigida por Maucir Campanholi.
Disponível em: <www.tvcultura.com.br/direcoes/unidos-do-livramento>. Acesso em: 10 out. 2011.
98 Língua Portuguesa
capítulo 8
língua portuguesa Cantar o amor, cantar o feminino
A mar e manifestar esse sentimento são situações vividas há muito tempo pela huma-
nidade. A Bíblia possui um conhecidíssimo livro que não foi escrito para demons-
trar o poder divino, mas sim para manifestar o amor (ou amores) de um rei: Salomão. O
livro Cantares de Salomão contém versos de apreciação de um homem apaixonado por
uma mulher e também de admiração acerca da beleza feminina. “Cantar” parece ser uma
decorrência natural do “amar” e é uma prática que vem acompanhando as sociedades
humanas por séculos.
Neste capítulo, você estudará a modificação na maneira de “cantar” o amor ao longo
dos séculos e como, ao mesmo tempo, foram mantidos alguns padrões que se repetem
ainda hoje. Verá também que a literatura traz registros dessas diversas formas de amar e
que o modo de “cantar” o amor, hoje em dia, deve muito ao passado literário.
Etapa 1 99
Queixa
©Selva/Leemage. Otherimages
Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa
Um amor assim violento
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento
Oceano sem água
Ondas, desejos de vingança Cena de amor cortês, Itália, século XV.
Nessa desnatureza
Batem forte sem esperança
Contra a tua dureza
Sente-se em sofrimento em
função do sentimento que
experimenta
2. Que palavras o eu lírico empregou para caracterizar a posição de poder da mulher? Destaque-as no texto.
3. Observem as duas imagens que acompanham o poema e avaliem qual delas melhor expressa a posição de
apaixonado em que o eu lírico se coloca: Cenas de amor cortês ou O beijo? Justifiquem.
4. Releiam a terceira estrofe e respondam: que motivos tornaram esse amor impossível ou irrealizável?
Etapa 1 101
Cantiga de amor
Senhora minha, desde que vos vi, que me causais me vai levar à morte,
lutei para ocultar esta paixão direi, chorando minha triste sorte:
que me tomou inteiro o coração; “Senhor, por que me vão assim matar?”
mas não o posso mais e decidi E, vendo-me tão triste e sem prazer,
que saibam todos o meu grande amor, todos, senhora, irão compreender
a tristeza que tenho, a imensa dor que só de vós me vem este pesar.
que sofro desde o dia em que vos vi.
Quando souberem que por vós sofri
tamanha pena, pesa-me, senhora, Já que assim é, eu venho vos rogar
que diga alguém, vendo-me triste agora, que queirais pelo menos consentir
que por vossa crueza padeci, que passe a minha vida a vos servir,
eu, que sempre vos quis mais que ninguém, e que possa dizer em meu cantar
e nunca me quiseste fazer bem, que esta mulher, que em seu poder me tem,
nem ao menos saber o que eu sofri. sois vós, senhora minha, vós, meu bem;
E quando eu vir, senhora, que o pesar graça maior não ousarei rogar.
FERNANDES, Afonso. Cantiga de amor. Disponível em: <www.graudez.com.br/literatura/obras/afernandes.html>. Acesso em: 12 dez. 2011.
Compreensão textual i
1. Você deve ter notado semelhanças entre as canções mencionadas anteriormente. preencha com versos da
“Cantiga de amor” um quadro parecido com o anterior, numa comparação entre as canções.
Sente-se em sofrimento em
função do sentimento que
experimenta
Responda agora às seguintes questões, analisando outros componentes da canção de Afonso Fernandes.
2. Observe a última estrofe de cada uma das canções e aponte uma diferença básica entre a situação de cada
apaixonado.
3. Em mais de um verso, o eu lírico da cantiga de Afonso Fernandes mostra-se preocupado com a opinião
pública em sua declaração de amor. Que versos mostram essa preocupação? Destaque-os.
4. Que hipótese você levantaria para explicar esse fato?
Como acreditavam os gregos, cada tipo de expressão literá- Entre os gêneros literários, o lírico, lirismo, também chamado
ria dá lugar ou exige uma forma e um estilo próprios. A despei- poesia lírica, ou simplesmente poesia, é a forma literária em que o artis-
to de condenada à morte por diversos críticos e escolas literá- ta utiliza uma série de meios intermediários – os artifícios líricos – para
rias, a noção de gênero continua viva e necessária. Ela é ligada traduzir a sua visão da realidade e veiculá-la ao leitor. É, pois, o encon-
à própria natureza formal da literatura e não há como suprimi-- tro da inspiração lírica e de uma forma literária – o poema. […] a poesia,
-la. […] O ato criador consiste mesmo em dar “forma” a uma por sua vez, corresponde a outra inclinação elementar do homem: a de
visão da realidade pelo artista, que retira da natureza a sua ins- vazar emoções por meio de expressão rítmica – o verso e o canto. As-
piração e experiência, recriando-a ou transfigurando-a numa for- sim, a poesia é inerente ao homem desde o mais primitivo nas fases de
ma, derramando-se essa visão numa “forma”, os gêneros. […]. literatura não escrita. […] Originalmente, entre os gregos, era a forma
(p. 763, v. I) literária destinada a ser cantada com a lira […] . (p. 948, v. II.)
Coutinho, Afrânio; Souza, José Galante de (Orgs.). Enciclopédia de literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/Departamento
Nacional do Livro/Academia Brasileira de Letras, 2001. v. 1. p. 763; v. 2. p. 948.
Etapa 1 103
ler poema II
compreensão textual ii
1. Leia duas ou três vezes, em voz alta, o texto de Camões. Identifique o ritmo, a métrica e as rimas do poema.
O que você entendeu desse poema? Converse com um colega e em seguida compare sua resposta com a dele.
2. Agrupe-se com alguns colegas e ensaiem a declamação dessas estrofes. Dividam-nas entre si. Apresentem-
-se para a classe, após estarem certos de que a leitura e a pronúncia das palavras será bem clara aos ouvintes.
3. Preencha com versos do poema o quadro a seguir, incluindo nele suas percepções quanto às semelhanças e
diferenças entre o texto de Camões e “Cantiga de amor”.
Quanto ao comportamento da
mulher amada (diferenças e
semelhanças)
Quanto à linguagem
empregada (diferenças e
semelhanças)
análise linguística
Para responder às questões a seguir, observe pontos do poema que mostram a situação do eu lírico em
relação ao amor sentido.
1. Nos pares de versos a seguir, as palavras em destaque nos versos “b” se referem a que outras palavras dos
versos “a”? Grife-as.
a) Se as penas com que Amor tão mal me trata
b) Permitirem que eu tanto viva delas,
a) Que veja escuro o lume das estrelas,
b) Em cuja vista o meu se acende e mata;
2. Escolha uma das opções a seguir como sendo a mais indicada para a correta significação dos versos “b”.
Permitirem que eu tanto viva delas
• Permitirem que eu sobreviva ao escuro
• Permitirem que eu sobreviva a essas mesmas penas
• Permitirem que eu sobreviva às estrelas
Em cuja vista o meu se acende e mata
• Em cuja vista o meu lume se acende e mata
• Em cuja vista o meu olhar se acende e mata
• Em cuja vista o meu escuro se acende e mata
3. Para entender melhor a primeira estrofe, reescreva-a em seu caderno substituindo os versos com as pala-
vras destacadas pelas opções escolhidas por você na questão anterior.
4. Consulte o quadro Os pronomes, a seguir, para resolver esta e as próximas questões. Os pronomes posses-
sivos indicam que algo ou alguém detém a posse ou propriedade de algo. Essa definição esclarece uma série
de significados dos textos. Há ainda outro pronome empregado nesta estrofe que também se relaciona a
algum elemento anteriormente mencionado no poema. Observe e compare:
a) No segundo par de versos, que palavras foram alteradas, em relação ao primeiro par?
b) Em qual delas alterou-se apenas uma letra?
c) Por que foi necessária essa alteração?
d) “Cujo mirar” se refere ao brilho de quê?
e) “Cuja vista” se refere à vista de quê?
Etapa 1 105
De acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra, pronomes são Os pronomes relativos recebem esse nome por se referirem,
palavras que “podem representar um substantivo ou acompanhá-- regra geral, a um termo (palavra ou expressão) que já foi mencio-
-lo”. Os pronomes possessivos “acrescentam à pessoa gramatical nado anteriormente – o antecedente.
uma ideia de posse”. Veja a tabela a seguir: Esses pronomes apresentam formas variáveis e invariáveis.
Observe:
Um Vários
possuidor possuidores
Variáveis Invariáveis
Um objeto → um objeto →
vários objetos vários objetos Masculino Feminino
5. Observe a alteração ocorrida na estrofe a seguir e explique-a de acordo com o quadro Os pronomes. Avalie
se houve alteração de sentido devido a essa modificação.
Você deve ter notado que a leitura do poema de Camões é mais complexa que a da “Cantiga de amor” de
Afonso Fernandes. Camões investiu bastante na forma e nas ideias que transmitia, buscando dar-lhes origina-
lidade e profundidade. Como já vimos, ele desejava diferenciar sua produção da do Trovadorismo, de caráter
mais popular e de fácil entendimento. O tema é o mesmo, mas a maneira de expressá-lo modificou-se bastante
e exigiu um leitor mais cuidadoso. Chamamos de “estilo” a maneira particular com que os autores elaboram
seus textos. Para construir uma maneira própria, eles empregam recursos especiais. Respondendo às questões a
seguir, você vai perceber alguns dos recursos empregados por Camões, que tornaram sua maneira de cantar “o
sofrimento do amor” tão diferenciada.
1. Compare as seguintes formas de expressão, apontando em cada par apenas o verso em que a afirmação
tenha sido dita de forma mais direta
2. Você deve ter notado que Camões prefere a forma indireta para expressar algumas das suas ideias. Que
efeito isso causa no leitor?
3. O poema alerta para o fato de que, possivelmente, com o passar do tempo, “a linda cor das tranças belas”
será mudada de “ouro fino” para “bela prata”.
a) Se as tranças eram de “ouro fino”, que informação sobre os cabelos da dama podemos subentender?
b) Se as tranças se modificarão em “bela prata”, o que podemos entender que acontecerá a elas, com o
passar do tempo?
c) De acordo com a estrofe, que elemento é o grande causador de tal mudança?
4. Observe:
Tranças → cabelos
Ouro fino → louros
Bela prata → embranquecidos
• A vingança do amado será em que etapa da vida? Que vingança será essa?
Chama-se metáfora a figura de linguagem que emprega imagens ou símbolos em lugar de uma situação ou
de certa característica de um ser, representando-a: “mostrando a linda cor das tranças belas mudada de ouro
fino em bela prata” = quando vier o envelhecimento (situação); tranças de ouro fino = tranças louras (carac-
terística).
É quase um “jogo” no qual o leitor tem de identificar qual é a relação de significação que os elementos
manifestam entre si. É também uma forma indireta e muitas vezes surpreendente de se dizer algo.
5. Releia todo o poema e procure descobrir qual é o significado do verso “Se o tempo secar as frescas rosas sem
colhê-las”. Apresente suas hipóteses oralmente aos seus colegas.
Etapa 1 107
7. A forma de divisão dos versos também foi planejada de modo a causar impressões no leitor ou fazer da
leitura algo lúdico. Observe.
Se as/ pe/nas/ com/ que A/mor /tão/ mal/ me /tra/ta Que/ ve/ja es/cu/ro o/ lu/me/ das/es/tre/las,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Per/mi/ti/rem/ que eu /tan/to/ vi/va/ de/las, Em/cu/ja /vis/ta o /meu /se a/cen/de e/ ma/ta;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
a) Experimente pronunciar em voz alta cada segmento numerado. Eles são chamados de “sílabas poéticas”.
b) Agora, tente repetir essa leitura, forçando as sílabas em destaque. O que você observa quanto à
musicalidade?
c) Observe também as terminações dos versos (as rimas). Que versos se relacionam pelas mesmas rimas?
d) Tente dividir em sílabas poéticas as próximas estrofes do poema, observando mais de perto a habilidade
de Camões em montar essa espécie de jogo de palavras, musicalidade e significados.
Soneto de fidelidade
Você agora vai produzir um texto baseado na compreensão do “Soneto da fidelidade”, de Vinicius de Mo-
raes. Para tanto, inicie “brincando” com a melodia do poema (como você já percebeu, os poetas “contam” com
essa diversão por parte do leitor).
1. Leia-o em voz alta, para si mesmo, tentando dar-lhe entonação expressiva (mesmo que ainda não o tenha
compreendido por completo). Obedeça à pontuação (pausas leves nas vírgulas e ao fim de cada verso).
2. Procure fazer com que a entonação de sua leitura busque as rimas no fim do verso, acentuando-as.
3. Você pode também destacar em sua leitura as palavras que considerar mais marcantes, acentuando-as na
pronúncia.
4. Feito isso, localize as estrofes em que a declaração de amor fica mais intensa e procure dar-lhes uma ento-
nação que as torne o mais sinceras e verdadeiras possível.
5. Discuta com seu professor e com seus colegas o que entendeu a respeito de algumas das figuras de lingua-
gem que apareceram no poema.
6. Agora, reflita a respeito do título do poema. Nele está contida uma promessa, que se propõe ao longo do
poema. Você vai transformá-la numa “Carta à(ao) amada(o)”.
Essa carta deverá conter todas as declarações que aparecem no poema, porém numa conversa direta com
quem se ama. Por exemplo, onde se lê “De tudo ao meu amor serei atento”, na carta, apareceria algo como:
Meu amor,
Eu quero lhe dizer que serei atento a você em todas as coisas, nos menores detalhes possíveis…
Não se esqueça das características formais de uma carta (iniciar com local e data, indicar o vocativo, encer-
rar com uma saudação e assinatura). Mãos à obra!
Se tiver a quem enviá-la, não perca a oportunidade! Envie também o lindo soneto de Vinicius de Moraes
que a motivou.
Etapa 1 109
2. Enem (2010)
Texto I
XLI
Ouvia:
Que não podia odiar
E nem temer
Porque tu eras eu.
E como seria
Odiar a mim mesma
E a mim mesma temer.
hilst, H. Cantares. São Paulo: Globo, 2004 (fragmento).
Texto II
Transforma-se o amador na cousa amada
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
a) o “outro” transformado no próprio eu lírico, o que se realiza por meio de uma espécie de fusão de dois seres em um só.
b) a fusão do “outro” com o eu lírico, havendo, nos versos de Hilda Hilst, a afirmação do eu lírico de que odeia a si mesmo.
c) o “outro” que se confunde com o eu lírico, verificando-se, porém, nos versos de Camões, certa resistência do ser amado.
d) a dissociação entre o “outro” e o eu lírico, porque o ódio ou o amor se produzem no imaginário, sem a realização concreta.
e) o “outro” que se associa ao eu lírico, sendo tratados, nos textos I e lI, respectivamente, o ódio e o amor.
N em todas as pessoas têm uma religião, mas boa parte delas gosta de manifestar sua
crença em Deus, em alguma entidade ou força que estaria acima da compreensão
humana. Essas crenças acabaram por estimular criações no campo das artes, de maneira
que até hoje nos vemos cercados de símbolos religiosos que as representam.
Neste capítulo, você entrará em contato com algumas obras literárias que incorpo‑
raram os valores religiosos e que serviram de base para a difusão de ideias e de práticas
educativas. Essas obras são representativas de duas importantes épocas da história literá‑
ria, que também serão apresentadas neste capítulo.
Etapa 1 111
pera o paraíso e o outro pera o inferno: os quais batéis têm cada um seu Scilicet: isto é.
Glossário
Etapa 1 113
1. De acordo com o que você pôde compreender, que personagem foi para o céu? E para o inferno?
3. O Fidalgo demonstra certa arrogância em determinado ponto de sua fala. Destaque esse trecho.
4. Há passagens bastante engraçadas na fala do Parvo. Identifique algumas delas e explique a seus colegas por
que são cômicas.
5. Conforme diz a abertura do texto, o auto foi dedicado à rainha “muito católica” dona Lianor e é um “auto
de moralidade”. Como você explica a linguagem por vezes chula de Joane?
6. Você considera que a linguagem de Joane atrapalha a mensagem religiosa que o auto quer transmitir? Justifique.
O bacharel em artes cênicas recebe uma cenógrafo ou produtor de eventos artísticos. de teatro. Há casos também de atores que são
formação que o habilita a usar a voz, expres‑ Sua capacidade técnica de representação lhe autodidatas.
sões faciais e movimentos corporais para trans‑ permite também fazer dublagens de filmes ou Área de atuação: Esse profissional poderá atu‑
mitir ao público histórias, ideias, sentimentos escrever críticas e resenhas sobre espetáculos ar em teatro, televisão ou publicidade. Pode
e emoções. Os atores e atrizes são recrutados teatrais para as mídias impressa ou eletrônica. também dar aulas em escolas da educação
para trabalhar em peças teatrais, filmes, docu‑ Pode atuar como pesquisador em sua área, básica e em cursos livres de teatro. Estudantes
mentários, telenovelas e comerciais para a TV. participando de publicações especializadas. e profissionais poderão também montar seu
O bacharel pode também especializar‑se na Formação escolar exigida: Ensino superior próprio grupo ou companhia teatral.
direção de espetáculos, como autor de peças, completo (em média 4 anos) ou cursos livres
O Humanismo foi o movimento intelectual “que se espalhou Quinhentismo é a “designação do período histórico, artístico,
pela Europa no final da Idade Média e no século XVI, reunindo literário, compreendido pelo século XVI, e correspondendo à fase do
aspectos filosóficos e artísticos e pondo ênfase no desenvolvi‑ baixo Renascimento […] Nesse período também surgiram textos de‑
mento das qualidades do homem, que seria o centro da civiliza‑ nominados “informativos” ou “literatura de informação”, que cuida‑
ção (antropocentrismo). O método particular empregado pelos vam de descrever as novas terras e seus habitantes. Seus escritores
chamados “humanistas”, que deram a fisionomia especial ao Re‑ eram viajantes que se aventuravam nas novas terras pelas razões
nascimento, foi a valorização dos estudos dos textos antigos, gre‑ mais distintas: padres, militares, estudiosos, por vezes aventureiros,
gos e romanos, sobretudo estes últimos. […] E porque os autores registravam suas impressões quanto ao que viam, naturalmente
antigos foram os modelos, os livros que deviam ser lidos em influenciados por sua condição sócio‑histórica, o que gerou visões
“classe” para a boa formação do homem, esses autores passa‑ bastante tendenciosas dos fatos narrados, sendo que muitas vezes o
ram a chamar‑se “clássicos”, como também os que os imitavam. que viam é o que “queriam ver” ou “o que podiam ver”.
Foram os sábios e literatos da Itália meridional que deram início A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manuel, em que narra
à ressurreição maciça das letras antigas. Dante, Petrarca, Bocácio o “descobrimento” do Brasil, é um exemplo da literatura dessa época.
e outros, em Roma, Florença, Veneza, deram grande impulso ao Ela conta ao rei com entusiasmo sobre as suas novas possessões:
culto antigo, e bibliotecas se fizeram nessa base.[…]" riquezas naturais que a terra oferecia e os indígenas aqui encontrados.
Coutinho, Afrânio; Souza, José Galante de (Orgs.). Enciclopédia de literatura Coutinho, Afrânio; Souza, José Galante de (Orgs.). Enciclopédia de literatura
brasileira. 2. ed. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/ brasileira. 2. ed. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/
Departamento Nacional do Livro/Academia Brasileira de Letras, 2001. v. 1. p. 840. Departamento Nacional do Livro/Academia Brasileira de Letras, 2001. v. 2. p. 1 329.
Leia agora um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha e observe a maneira com que descreveu os indígenas
e a terra a ser explorada.
[…] Parece‑me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam
logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto
se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que
eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual
praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. […]
E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos
serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de
vir clérigo para os batizar […]
[…] Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro;
nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre
‑Douro‑e‑Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas;
infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo‑a aproveitar, dar‑se‑á nela tudo; por causa das
águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece‑me que será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. […]
A carta de Pero Vaz de Caminha. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv00092.pdf>. Acesso em: 12 dez 2011.
Etapa 1 115
Leia a seguir um trecho do auto Na festa de São Lourenço, de José de Anchieta, no qual você perceberá al‑
gumas das características anteriormente mencionadas.
A peça foi apresentada pela primeira vez por volta de 1585, no terreiro da Capela de São Lourenço,
em Niterói.
Personagens:
Guaixará, rei dos diabos
Aimbirê, criado de Guaixará
Saravaia, criado de Guaixará
Tataurana, Urubu, Jaguaruçu, e Caboré, companheiros dos
diabos
Décio, imperador romano
Valeriano, imperador romano
São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro
São Lourenço, padroeiro da aldeia de São Lourenço
Velha
Anjo
Temor de Deus
Amor de Deus
Acompanhantes
Meninos
Análise literária ii
1. Que semelhanças quanto ao conteúdo e à forma você percebe entre esse fragmento e o do Auto da barca do
inferno lido anteriormente?
2. Os indígenas apresentados como satanás falam de seus próprios pecados e maldades. Destaque esses peca‑
dos no texto.
3. Os indígenas‑demônios também associam‑se a determinados animais. Quais são eles? Indique os possíveis
motivos que levaram Anchieta a escolher esses animais para tal caracterização.
4. Um dos demônios enumera os pecados dos indígenas que os fazem retornar aos poderes do mal. Que pe‑
cados são esses?
5. São Lourenço explica a fórmula que conduzirá o indígena pecador à salvação. Qual é ela?
Na visão do autor do auto Na festa de São Lourenço, os indígenas eram pecadores de maus hábitos e deviam
ser salvos física e espiritualmente. Leia agora um fragmento de texto escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro
sobre o que, segundo ele, teria acontecido no encontro entre indígenas e colonizadores europeus.
Etapa 1 117
Agora, veja o que diz o historiador Roberto Catelli Jr. sobre a forma de organização social e sobre a produ‑
ção artística dos indígenas.
1. Elabore um quadro, registrando lado a lado as seguintes características: “Qualidades dos indígenas descri‑
tos por Darcy Ribeiro e Roberto Catelli Jr.” e “Defeitos dos indígenas descritos no auto de Anchieta e na
carta de Caminha”.
2. Após preencher o quadro, escreva um pequeno texto em que responda à seguinte questão: Darcy Ribeiro e
Roberto Catelli Jr. concordam com a ideia de que os indígenas possuíam maus hábitos e que precisavam de
salvação? Justifique sua resposta, transcrevendo trechos que a comprovem.
ler quadrinhos
Texto 1
©2006. King Features Syndicate/Ipress
Norma‑padrão
É muito comum encontrar‑se o pronome interrogativo “onde” empregado incorretamente. Em geral, confunde‑se “aonde” com
“onde”. A diferença entre eles é que “aonde” apresenta a preposição “a”, que indica direção: “para que lugar”. Já o pronome “onde” quer
dizer “em que lugar”. Portanto:
Onde: em que lugar / Aonde: para que lugar
Também é importante esclarecer que o pronome relativo onde só deve ser empregado para indicar lugar, evitando‑se, por exemplo:
Os amigos travaram uma conversa “onde” esclareceram a situação.
O correto é: Os amigos travaram uma conversa na qual esclareceram a situação.
1. Analise a primeira tira e descreva a cena retratada: cenário, construção, personagens e sua atuação.
2. Indique os elementos da imagem que permitem afirmar que a primeira tira se passa na Idade Média.
3. O humor, como já vimos neste capítulo, é também uma forma de criticar. Na primeira tira, que atitude está
sendo criticada? O que torna a cena engraçada?
4. “Sarcástico“ pode caracterizar “aquele que emprega ironia cáustica”, destrutiva. Escolha uma das alternati‑
vas a seguir. Sendo “sarcástico”, o “perdedor” tornou Hagar e seus homens:
a) arrependidos pelo mal que praticaram.
b) ofendidos.
c) irritados, por terem sido expostos em sua brutalidade mesquinha.
5. Observando a segunda tira, o que você acha que a palavra “rufiões” significa? Discuta sua hipótese com
seus colegas.
6. Consulte o dicionário e confronte o significado da palavra “rufiões” com as hipóteses levantadas por você
e seus colegas.
7. No terceiro quadro da segunda tira, o pronome interrogativo onde foi empregado de acordo com a norma
‑padrão? Justifique de acordo com o quadro “Norma padrão”, acima.
8. Que semelhanças você observa entre a atitude do padre que conversa com Hagar e a do padre José de Anchieta?
Etapa 1 119
Dividam‑se em grupos para encenar os trechos dos autos deste capítulo. Distribuam os papéis entre si e os
apresentem para a classe. Para valorizar as apresentações, procurem:
• incluir um fundo musical na abertura, conclusão e no momento de maior tensão da peça (tocar e/
ou cantar alguma canção que contextualize a ação);
• incluir alguma peça de vestuário ou acessório que faça referência a alguma característica das perso‑
nagens (chifres, crucifixo, chapéu, arco e flecha etc.).
Vocês devem treinar muito bem a leitura e, se possível, memorizar algumas falas. É importante que a ex‑
pressão oral ganhe bastante clareza no momento da apresentação.
AplicAr cOnhecimentOs
• Enem (2011)
Quando os portugueses se instalaram no Brasil, o país era povoado de índios. Importaram, depois, da
África, grande número de escravos. O Português, o Índio e o Negro constituem, durante o período colonial,
as três bases da população brasileira. Mas no que se refere à cultura, a contribuição do Português foi de
longe a mais notada.
Durante muito tempo o português e o tupi viveram lado a lado como línguas de comunicação. Era o tupi
que utilizavam os bandeirantes nas suas expedições. Em 1694, dizia o Padre Antônio Vieira que “as famílias dos
portugueses e índios em São Paulo estão tão ligadas hoje umas com as outras, que as mulheres e os filhos se
criam mística e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é a dos Índios, e a portuguesa a vão os
meninos aprender à escola.”
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1984. (Adaptado.)
A identidade de uma nação está diretamente ligada à cultura de seu povo. O texto mostra que, no período colonial brasileiro, o
Português, o Índio e o Negro formaram a base da população e que o patrimônio linguístico brasileiro é resultado da