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A14e
Abrams, M. H. (Meyer Howard), 1912-
0 espelho e a lâmpada: teoria romântica e tradição crítica / M. H.
Abrams; tradução Alzira Vieira Allegro. - São Paulo : Editora Unesp ,
2010.
482 p.
Tradução de: The mirror and the lamp
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-393-0067-9
1. Romantismo. 2. Romantismo na arte. 1. Allegro, Alzira Vieira.
li. Título.
10-4130. CDD: 809.9145
CDU: 82.02
Editora afiliada
1 Republic x. 596.
52 M. H. ABRAMS
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a/ Thinking ( Lon '942);ef �mbém
dres, 1945 ). Dorothy M
O ESPELHO E A LÂMPADA 53
A mente do pintor deve ser como um espelho que sempre toma a carda coisa que
reflete e que é preenchido por tantas imagens quantas são as coisas colocadas diante
Quando elucidou sua concepção de poesia n'A República, o próprio Platão fez
referência a imagens em um espelho, depois à obra de um pintor e, finalmente,
aplicou as distinções extraídas de ambas as ilustrações para definir o caráter
mimético da poesia. A progressão é significativa. O espelho como um analogismo
da poesia sofre do evidente defeito de ter imagens fugazes. Antes da invenção da
fotografia, a obra de um pintor era o melhor exemplo disponível de algo que capta
e retém uma imagem de semelhança. Um quadro, portanto, enquanto em si mes
mo uma obra de arte, era um acessório útil ao espelho para iluminar a qualidade
mimética menos óbvia de uma arte como a poesia, que, por meio da significação
das palavras, reflete indiretamente o mundo visível.
Plutarco popularizou a frase de Simônides: "pintura é poesia silenciosa e poesia
é um quadro que fala". Essa frase e a de Horácio, "ut pictura poesis", retiradas de
seu contexto e distorcidas para promover um paralelismo abrangente entre as duas
artes, tornaram-se axiomas da sabedoria estética popular. Como afirma com bas
tante pertinência Irving Babbitt, "é raro ler um tratado crítico, seja sobre arte, seja
sobre literatura, escrito entre meados do século XVI e meados do século XVIII,
sem encontrar uma menção elogiosa ao símile de Horácio... [ou] à expressão equi
valente daquela criada por Simônides" . 11 Em 17 58, ainda parecia a dr. J ohnson que
dos paralelos que foram feitos por perspicácia e curiosidade, alguns são literais e ver
dadeiros, como aqueles entre poesia e pintura ... que diferem apenas no sentido de que
um representa coisas por marcas permanentes e naturais, e o outro por sinais aciden
tais e arbitrários.12
O teórico que sustentou que a arte refletia a natureza dedicou-se a olhar "lá
fora", em vez de olhar dentro do artista, em busca do assunto de uma obra. Ele
esteve, a um só tempo, confrontado com o fato manifesto de que a imagem rara
mente é um fac-símile de qualquer objeto particular ou evento do mundo externo
e algumas vezes apresenta ao espectador uma espécie de ser do qual não existe
absolutamente qualquer modelo no mundo dos sentidos. Esse distanciamento
entre arte e realidade sempre foi um problema primordial para a filosofia estética
e a principal base para as investidas de escritores indiferentes ou hostis à arte,
afirmando que ela é trivial ou decididamente perniciosa. Defensores tanto clássi
cos como neoclássicos da arte resolveram o problema, argumentando que a poesia
imita assuntos, qualidades, tendências ou formas não reais, mas selecionadas, que
se encontram no interior ou atrás do real -elementos verídicos na constituição do
universo, que são de maior valor do que a própria realidade, crua e preterida. Ao
refletir esses elementos, o espelho mantido diante da natureza reflete o que, em
oposição à "natureza real", os críticos ingleses com frequência chamavam de "na
tureza aperfeiçoada", "intensificada", ou "refinada", ou como na expressão fran
cesa, la bel/e nature. Isso, dizia Batteux, não é" le vrai qui est; mais le vrai que peut
être, /e beau vrai, qui est représenté comme s'il existait réellemenl, & avec tÕutes les
perfections qu'il peut recevoir"H [o verdadeiro que é, mas o verdadeiro que pode
ser; o belo verdadeiro, que é representado como se existisse de fato; e com todas as
perfeições que pode receber). Fiéis ao seu ponto de vista pragmático, muitos teó
ricos do século XVIII acrescentaram que a justificativa para esse procedimento
estava na necessidade de agradar (e, algumas vezes, esclarecer) o leitor. "Nada
agrada a pessoas de bom gosto", dizia Hume, "senão a natureza retratada em to
dos os seus encantos e ornamentos, la belle nature" .'5 James Beattie resumiu a
opinião prevalente quando afirmou:
15 OfSimplicity and Refinement in Writing, Essays Moral, Political and Literary, org. T. H. Green
e T. H. Grose (Londres, 1882), I. p.240.
16 Essays on Poetry and Music (3.ed.; Londres, 1779). p.86-7; Johnson, Ramblern.4, in Works, IV,
p.23.
O ESPELHO E A LÂMPADA 59
Na imitação, o artista separa alguma forma da matéria à qual ela está unida na na
tureza-não é, entretanto, a forma "substancial", mas alguma forma perceptível pelas
sensações - e junta-a novamente à matéria da arte que ele cria, ao ambiente que ele
usa... A arte imita a natureza; a forma unida à matéria no mundo físico é a mesma
forma expressa na matéria da arte. 17
17 Literary Crilicism and the Concept of Imitation Critics and Criticism, org. R. S. Crane. p.162.
18 Rejlections 011 Aristotle's Treatise of Poesie, trad. para o inglês de Rymer (Londres, 1694 ), p.57.
19 Discourse on Poetical lmitation. \.Vorks, 1 I. p.111.
60 M. H. ABRAMS
ureza. Os
enc ontradas separadamente na nat
(2) Objetos sin tetizados de parte s binado fa
pouco mais complexa, do ideal com
proponen tes dessa doutrina, um o a c ondi
dade que torna a indiferença ao tédi
zem referência - com uma unanimi a versão de
a história do pin tor Zeuxis, que (n
ção sine qua non da pesquisa- à velh as do lugar
tar Juno, "fez todas as j o vens donze
l
Plínio), quando desej ou represen a
de adaptar em seu qu
olheu ci n co delas, a fim
se despirem para um exame e esc hist ória re
Enquanto "a
uváveis na forma de cada uma" .
20
de Zeuxis na Renascença, d
5obre a popularidade da história
20 Naturalis historia, XXXV, 36.
Pan ofsky, ldea, p.24 e ss. org. J. W. M. Gibbs. Londres..
. The \Vorks of Oliver Goldsmith,
21 On lhe Cultivation of Taste , On Poetry and Music
Les Beaux Arts, p.4 5 e ss.; e Be'!ttie
1884, 1, p.337-8. Cf.. p. ex., Batteux,
p.105-6. p.334. Para um..
so. Tii e Litemry \Vorks, org.
H. W. Beechy. Londres, 1855, 1.
22 Terc eiro d i scur t, Artistic Theory in /tal}
a de Leon Battista Alberti, cf. Blun
doutrina semelhante em De statu
p.17-8.
O ESPELHO E A LÂMPADA
61
por meio da analogia do pên
dulo vibrando em planos dif
do mesmo ponto central. Tra erentes sempre a partir
duzindo na linguagem estatís
pode-se dizer que a forma ide tica dos tempos atuais,
al é o "modo" - que é ao me
tra] e mais frequente - em smo tempo o valor cen
uma distribuição normal das
uma característica biológica var iáveis estatísticas de
.
( 4) O tipo humano genéric
o, mais do que o individual
quando o neoclássico fez um . Poderia parecer que,
levantamento da humanidade
ele viu um mundo de hom -da China ao Peru -,
ens idênticos, um pouco div
por um incremento de difere ers ificados fisicamente
nças locais e individuais. "H
de na condição do homem", á uma tal uniformida
conforme Johnson definiu
mum de sua época, "consider o prevalente lugar-co
ada em separado das decora
tais, que há pouquíssimas pos ções e disfarces aciden
sibilidades de bem ou mal,
humana". 2·1 Ao mostrar ess mas é comum à espécie
es aspectos em que todos os
pre serão os mesmos, um art homens foram, são e sem
ista tem a melhor e mais ace
seus escritos interessarão tan ssível garantia de que
to ao público de sua época
quer época, pois "nada pod como ao de toda e qual
e agradar a muitos, nem agr
senão representações justas adar por longo tempo,
de natureza geral. Costume
conhecidos de poucos e, por s particulares podem ser
tanto, apenas poucos podem
ram copiados". 24 Dessa manei julgar o quão bem fo
ra, é demonstração da superio
que seus personagens "ajam ridade de Shakespeare
e falem por influência daquel
gerais que agitam todas as as paixões e princípios
mentes... Tos escritos de out
nagem com frequência é um ros poetas, uma perso
indivíduo; nos de Shakespea
de uma espécie".25 re trata-se geralmente
( 5) Os aspectos proeminente
s, uniformes e familiares do
terior. Nas descrições dos mundo exterior e in
objetos do sentido, de acordo
Imlac, o poeta "não enume com a famosa máxima de
ra as nervuras da tulipa"; isto
apenas aquelas qualidades é, ele deve representar
visuais amplas, de massa, for
quais qualquer pessoa identi ma, cor, luz e tons pelas
fica a classe-homem, árvore
víduo é um membro. Como , tulipa-da qual o indi
Imlac prossegue:
Para alguns críticos posteriores, parece que a ênfase neoclássica no típico, uni
forme, notável e familiar como ideais de imitação poética torna a originalidade, ou
até mesmo a diversidade, impossível; que, em última análise, a doutrina sugere
que todos os poemas sérios devem ter um único herói, o homem comum, apresen
tado em um ambiente generalizado, exprimindo platitudes, descrevendo o que
todos os homens já viram e mostrando os princípios permanentes de ação huma-
na em situações que poderiam ocorrer a qualquer um. O que sempre nos passa
despercebido, entretanto, é que o particular e o circunstancial não foram empre
gados como contrários simples e exclusivos do geral e do uniforme. Conforme
Reynolds afirmou, "aquele que não expressa particularidades, não expressa ab
solutamente nada"; 29 e, em muitos excertos, esses críticos propuseram chegar ao
geral por meio de justa seleção daquelas particularidades que a maioria possui.
Ademais, conforme R. S. Crane instila em nossa mente, o teórico neoclássico ten
dia a propor o padrão de excelência estética - como o de excelência moral - em
termos de uma média entre extremos ou, de outra maneira, em termos de uma
conjunção de qualidades opostas.JºTomada em seu contexto pleno, a recomenda
ção do típico, do gera] e do familiar como requisitos básicos de arte geralmente
acaba acompanhada de uma afirmação da necessidade de qualidades alentadoras
de individualidade, particularidade e também de inovação.
A visão global de Johnson é muitas vezes mal interpretada porque ele geral
mente mantém sua argumentação do único ponto ou documento em questão, ape
lando somente para o princípio geral conforme requer o caso. Embora louve as
personagens de Shakespeare, por exemplo, porque elas são espécies, posterior
mente ele prossegue afirmando que "personagens amplas e gerais assim não eram
diferenciadas e preservadas com muita facilidade; ainda assim, talvez nenhum
outro poeta jamais tenha mantido suas personagens mais distintas umas das
outras". 31 A admoestação de Imlac ao poeta para descrever as propriedades gerais
e imagens familiares da natureza deve ser tomada em conjunto com a exaltação
que Johnson faz de Shakespeare como "um investigador arguto do mundo inani
mado", cujas "descrições sempre têm algumas peculiaridades", juntamente com
sua admiração por James Thomson, porque ele "ao mesmo tempo abarca o amplo
e observa o infinitesimal" e combina uma "vasta extensão de visões gerais" com
uma "enumeração de variedades circunstanciais" . 32 E, embora Johnson meneio-
ne o que disse La Bruyere - "viemos a esse mundo tarde demais para produzir
qualquer coisa nova" -em descrição ou em sentimento, ele, não obstante, refuta a
versão de Pope acerca de inteligência genuína como simplesmente "o que sempre
se pensou", e substitui por uma "definição mais adequada", exprimida como uma
união de extremos. Inteligência, afirma ele, é aquilo" que é, ao mesmo tempo na
tural e novo", e "embora não óbvio, é, em sua primeira produção, reconhecido
como justo". 33 (A doutrina de Johnson poderia ser parafraseada da seguinte for
ma: os melhores pensamentos em poesia são tão proporcionais à natureza huma
na essencial que, ao serem anunciados pela primeira vez, chegam a todos os ho
mens como se novidades fossem reminiscências.) A originalidade, portanto, é
superior, desde que não exclua seu oposto; assim, Johnson reserva seu melhor
louvor para passagens como as quatro estrofes da Elegia, de Gray, que, diz ele,
"para mim são originais: jamais vi essas noções em qualquer outro lugar; ainda
assim, aquele que as lê aqui se convence de que sempre as sentiu" . 34
Quando se lê a obra de Johnson por completo em vez de considerar passagens
selecionadas, pode-se dizer que ele localiza a grandeza maior e mais rara na repre
sentação do tipo individualizado, do circunstancialmente geral e do familiar novo.
Não obstante, Johnson, e mais ainda Reynolds, Hurd e outros defensores do que
A. O. Lovejoy chama de estética "uniformitária", concedem o lugar mais proe
minente ao segundo termo em cada um desses pares de opostos; as normas que
despontam com mais força, conforme lemos sua crítica aplicada, são o típico, o
geral e o familiar. Alguns dos contemporâneos de Johnson reverteram esse equilí
brio com relação, pelo menos, às descrições da cena visível e colocaram mais ênfa
se no papel da particularidade para a obtenção da excelência poética. Assim, Joseph
Warton afirmou que "o uso, a força e a excelência da linguagem certamente con
sistem em levantar imagens claras, completas e circunstanciais"; e advertiu que
"acho que posso perceber muitos sintomas, mesmo entre autores eminentes, de
distanciamento dessas representações verdadeiras, estimulantes e minúsculas da
Natureza, e de insistência em generalidades" . 35 E, entre extremistas (poucos em
33 Rambler n.143, in Worhs, Vl, p.14; Life ofCowley, Lives of the Poets, l, p.20. Johnson opõe-se
à original idade dos pensamentos dos poetas metafísicos somente porque mostrar apenas a me
tade de uma virtude estética é incorrer em um equívoco: eles "são sempre novos, mas rara
mente naturais".
34 Life ofGray, Lives of the Poets, III, p.442. Também Thomson "tem direito a um grande elogio:
seu modo de pensar e de expressar seus pensamentos é original" (Life ofThomson, Lives of tl,e
Poets, III, p.298). Sobre esse assunto, cf. também 5cott Elledge, "The Background and
Development in English Criticism of the Theories of Generality and Particularity", PMLA
(1947), p.147-82.
35 Essay on Pope (Londres, 1782), 11, p.222-3, 230; cf. 1, 40.
O ESPELHO E A LÂMPADA 65
36 Gleanings (Londres, 1785), 1, p.29-30. Na Alemanha, Novalis afirmaria: "quanto mais pessoal.
local. temporal e peculiar um poema é, mais próximo ele está da essência da poesia" (f�omantische
Welt: Die Fragments, org. Üllo }.-lann, Leipzig, 1939, p.326).
37 lbid .. p.107, 109. Cf. também o resumo de Elizabeth L Mann sobre "The Problem ofOriginal
ity in English Literary Criticism, 1750-1800", Pl,ilological Quaterly, XVIII (1939), p.97-118.
66 M. H. ABRAMS
O ideal transcendental
Ainda assim, as artes não devem ser desprezadas com base no argumento de que
elas criam imitando objetos naturais; pois ... precisamos reconhecer que elas não ofere
cem qualquer reprodução nua da coisa vista, mas retornam às ideias das quais a pró
pria Natureza se origina e, além disso, q ue muito do seu trabalho é somente seu; as
artes são receptáculos de beleza e acrescentam beleza onde ela faj ta na natureza. Assim
Fídias fez o Zeus, sem base em qualquer modelo dentre as coisas dos sentidos; ele
apreendeu a forma que Zeus deveria ter se escolhesse tornar sua presença visível. 38
Essa justificativa neoplatônica para a arte se distanciar da real idade teve efei
tos profundos quando foi revigorada com muita força na teoria estética da Itália
do século XVI.39 Aí estava um argumento para resgatar a arte do domínio dos
fluxos e das sombras e elevá-la a um patamar de eminência sobre todas as buscas
humanas, em conexão íntima com as ideias e com o próprio Deus. O artista, sen
do um artífice, tornou-se (em uma nova e significativa metáfora e&,J:ética) um cria -
dor, pois se dizia algumas vezes que, de todos os homens, o poeta é o que mais se
assemelha a Deus, porque ele cria de acordo com aqueles modelos sob os quais o
ade de próprio Deus modelou o universo. Dessa maneira, a teoria das ideias, que Platão
usara para rebaixar o artista tradicional a um nível de utilidade social inferior àquele
de um sapateiro honesto, tornou-se -e continua até hoje-o recurso por meio do
qual um crítico alcança a estratosfera do panegírico das artes.
Outro efeito dessa versão do ideal artístico foi, potencialmente, não menos
importante. Desde o início, teóricos pós-Platão tendiam a atribuir domicílio du
plo às ideias; além da região de sua subsistência transcendental, elas ganharam
um endereço secundário dentro da própria mente humana. As artes, Platino de
clarara, "voltam às ideias das quais a própria Natureza se origina", mas em uma
estátua "essa forma não está no material; ela está no autor antes mesmo de entrar
na pedra". 4º E mais de dois séculos antes, em uma passagem que acabou se tor
nando a mais importante fonte do conceito, Cícero havia recorrido ao próprio Pla
tão como testemunha de que a arte imita as ideias, e que as ideias residem na men
�a estrutu- te. Nenhuma beleza em arte, diz ele, pode se igualar à beleza da qual ela é uma
cópia, e esse modelo não é acessível aos sentidos externos, mas apenas ao pensa
mento e à imaginação.
i:::.�ia-se que a
i-,--,-.,.,,, natureza
Nem [Fídias] quando ele moldou Júpiter ou Minerva, teve diante de seus olhos um
modelo para seguir detalhadamente, mas em sua própria mente ele teve uma extraor
dinária ideia do belo, que ele contemplou e na qual fixou sua atenção; e para reproduzi
-lo, ele guiou sua arte e sua mão ... A essas formas das coisas Platão denomina ideias... e
essas, sustenta ele, não surgem ocasionalmente em nossas mentes, mas estão sempre
presentes na razão e na inteligência; outras coisas nascem, morrem, fluem, desapare
cem e nunca permanecem por muito tempo na mesma condição. 41
E=uJ.s. V. vüi. I.
-\:! M Brutum Orator ii. p.8-1 O. Cf. Seneca, Epistle LXV.
68 M. H. ABRAMS
Meu bom amigo! quando a escuridão se abate sobre mim, e a terra ao meu redor e o
paraíso habitam minha alma sob a forma da mulher amada; então, muitas vezes penso
com ardor: Oh, se pudesses apenas expressar, se pudesses expressar nessa folha tudo o
que vive tão intensamente dentro de ti, que pudesse tornar-se o espelho de tua alma.
� empírico como se tua alma fosse o espelho do Deus infinito!45
..____... :ransição do
adas efigu- "\ ideia divina irradiada de Deus para o espelho da alma, e então projetada na
� escrita, combinava com as fantasias eróticas e emoções exaltadas do artista
.::zro; do movimento alemão Sturm und Drang [ tempestade e ímpeto 1-
A versão transcendental do ideal na aiie tornou-se conhecida dos críticos in
�do século XVIII com a tradução de Cícero e, com bastante frequência, tam
b&:n com as análises de críticos platonistas italianos. 46 De vez em quando, ouvi-
-ecos diretos da doutrina, como, por exemplo, quando John Dennis interpreta
foi algumas :eco violência o verso de Horácio, "Respicere exemplar vitae morumque jubebo"
qual raios de =andarei considerar o exemplo da vida e dos costumes], como um conselho para
�espelhos- i:.:ão mostrar homens em particular ... mas consultar aquele original inato e aque-
:.2 ideia universal que o Criador fixou na mente de cada criatura racional", um
.:cmentário mais tarde repetido por Richard Hurd.47 As implicações metafísicas
:.:essa maneira de pensar, entretanto, eram estranhas aos teóricos mundanos e de
ceme empírica do neoclassicismo inglês. Quase sem exceção, esses autores psi
.ool!LJgizaram a ideia platônica e empiricizaram a forma de atingi-la. Sir Joshua
�eynolds nos fornece um exemplo interessante. Falando do alto de sua eloquên-
l=:::::::;;:i:J:1e11to, nas es .:r.i. na peroração a um discurso celebrando a mudança da Royal Academy para
ca metafísica e -:nerset Place, ele diz: "A beleza que buscamos é geral e intelectual; é uma ideia
..z. seu domicílio ...� subsiste apenas na mente; a visão jamais a notou e a mão jamais a expres
J :" Desde Coleridge, essa passagem e outras semelhantes vêm sendo citadas
=::::lança. "Sinto",
-5 Die Leiden des jungen \Verthers. anotação feita em 1O de maio de 1771.
- Cf. a análise feita por L. l. Bredvold, 'The Tendency toward Platonism in Neo-Classical
:.?:=.l ao meu redor e o Esthetics', EU-l, 1(1934), p.91-119.
::::mras vezes penso -- lhe Critica/ Works of John Dennis, 1, 418. A doutrina de Horácio, afirma Hurd, coincide com a
afinnaçào de Aristóteles de que a poesia é mais filosófica do que a história, e refuta o argumento de
cessa folha tudo o
Platão de que "a imitação poética está a uma grande distância da verdade". "Pois, ao abstrair
das existências tudo o que, de maneira peculiar, respeita e discrimina o individual, a concepção do
poeta, como se estivesse negligenciando os objetos particulares intermediários, captura - até
(ll)(fe pode- e reflete a ideia arquetípica divina, tornando-se, assim, ela própria a cópia ou imagem
da verdade" (Notes on the Art of Poetry, The \Vorks of Richard l lurd, 1, p.255-7).
- Xono discurso, Literary Works, II, 4. Coleridge sustentava a opinião de que Reynolds se re
belou contra a teoria e a prática tradicionais de seu tempo porque "havia bebiqo muito na
fonte do platonismo" (Tlte Philosophica/ Lectures, org. Kathleen Coburn, Nova York, 1949,
p.19-1); cf. também Bredvold, The Tendency toward Platonism. Para um corretivo dessas con
cepções, cf. HoytTrowbridge, Platonism, e Sir Joshua Reynolds, Eng/ish Studies, XXI (1939),
p.1-7; cf. também a introdução de Elder Olson a Longinus on the Sublime and Sir }os/tua
Reynolds, Discourses on Art (Chicago. 19-15), p.xiii-xviii.
70 M. H. ABRAMS
à psi
. Sobre redução semelhante da Ideia intelectual
49 Literary Worhs, 1. p.330-3; cf. ibid., p.351 upon
5; e Sir Richard Blackmore, Essay
Sever al
cologia empírica, cf. Beattie, op. cit., p.54-
s
Subjects(l716) 1, p.19-21.
50 Décimo discurso, Literary Works, li. 8.