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Os S , ie E REALISADA SOBRE UMA PRUCISSUD DE CORPY , ©Copyrigth 2001 by herdeitos de Flavio de Carvalho, Capa Clarice Soter © Diana Acselead DUOTOM DESIGN Primeira pdgina Reprodugio da capa da primeira edisio do livto claborada pelo autor Catalogagio na Fonte do Departamento Nacional do Livro. Carvalho, Flavio de, 1899-1972, Experigncia n.2: realizada sobre um procissio de Corpus- ‘Christi: uma possivel teoria e uma expetiéncia / Flavio de Carvalho: (ilustragio do autor). - Rio de Janeieo: Nau, 2001 15Ip5 14X21, ISBN 85-85936-44-4 (broch.) 1. Psicologia - Miscelanea, 2, Comportamento humano - Miscelinea. I. Tiealo _ _ epps0. NaU Editora Trarepa Leda Av. Nossa Senhora de Pétima, 155 Eng? Paulo de Frontin — RJ — CEP 2650-000 Telefax: (21) 2542 4272 — email: nau@alternex.com.br Nao encontrando este livro na livratia pedir via fax ou email Esta obra foi composta pela EdvoraTrarepa Leda em Agaramond para o texto € leg para oslo ¢ impressa na Grifca Voze em julho de 2001 cm papel off se 90 gm’ para omioloe papel carto supremo 250 g/m para capa Fiavio DE CARVALHO ENGENHEIRO CIVIL, MEMBRO_ DO. INSTITUTO DE ENGENHARIA, FTC. EXxPERIENCIA N.2 REAUZADA SOBRE UMA FROCISSAO DE Corrus-Curist UMA POSSIVEL TRORIA E UMA EXPERIENCIA NmaAU Rio de Janeiro 2001 UMA EXPERIENCIA SOBRE A PSICOLOGIA Das MULTIDORS DA QUAL RESULFOUSERIO DISTURBIO. leon ange ale el roargrtien omen ice eearenger sel ce fi Bem Si cen er 2 scm figs, eutando-se na kites Campo Belo site’ ade Sto Beto onde sin ealeadon plano na poli polica Cox ral onde dew grants aa do pow, Na policia Cencal, pars onde foi cond ido, dedarou a vlima'dsexlago popular, sero Engensizo Fivio de Carvalho, te 31 nos de dade, resident & praya Oswaldo rea compa 20 moco, protege tem decando actus soba pk. ct epee» paca 4 orga cs eis cvs ou detrniar sea for {du Senge € maior do qu fod ee do cepa vida ua estou 0 po do quando pusivaa pronto de Crit mo fe decoy, sendo que bn tspeia de fv qu se ia a ‘© ESTADO DE SKO PAULO" 9 de juno de 1931 CONTEUDO A cxperiéncia .. Anilise ee Tdtia de Deus ¢ de Patria .. Adoragito e édio Totemismo " Totemismo politico atual ... A figura do Cristo. A interferéncia no cortejo Conduta feminina .. Eu e 0 Cristo O objeto mais prbxim anu As fllas de Maria Totemismo mulher. O organismo vive do cortejo Quando um pase machuea.. Penetrando na zona joven. Duas pessoas discitind 0.0 Proceso de fetichismo Possveis equagbes sree Nos momentos de perigo Quando 0 homem morre. O vebho e a sua saudade . parimetto da asticia... A trilogia..... © complexo da onipoténcia «su seve IBS Instinto gregéti ADVERTENCIA Todas as idéias expostas, todas as conclusées, so tenta- tivas para atingir uma suposta verdade. Algumas das exposi- $6¢s se apresentam de uma maneira aparentemente exagerada — € uma ampliagio da vida normal, uma espécic de visio Iicroseépica da vida animica, fendmeno ilusorio e impercep- tivel a olho nu. AS. Santidade 0 Papa Pio XI AS. Eminéncia D. Duarte Leopoldo O autor APRESENTACAO “Palpar psiquicamente a emogio tempestuosa da alma coletiva, registrar 0 escoamento dessa emosio, provocar a re- volta para ver alguma coisa do inconsciente’,' este era o obje- tivo de Flavio de Carvalho ao realizar sua Experiéncia n.2. Atravessando em sentido contririo a procissao de Corpus Christi, com seu boné de veludo verde? na provinciana Sio Paulo de 1931, Flavio teve a oportunidade de ver muito de perto as conseqiiéncias de uma multidio enfurecida, e no seu quase linchamento ele pode “palpar psiquicamente” uma nova emogao — 0 medo. O evento, noticiado com destaque, deu ao artista uma aura diabélica — que ele cultivava — ¢ iniciou sua presenga nas crénicas policiais. Experitncia n.2&um contundente documento, no qual autor relata e analisa as reacoes da procissao e da assisténcia Carvalho, Flavio de Rezende. Experiéncia n.2.Sio Paulo: Inmios Ferraz, 1931, p38. Toledo, J. Flavio de Carvalho: 0 comedor de emogées. Sao Paulo: Brasilense / Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Cam- pinas, 1994, p.105, isram plasticam eg lente toda es ah inet atilse da experiencia med : senta fra, foi levado, pelo p de suas emogies — dos partcipantes do cortejo, lo ‘exto mento, muito comum it fester pulsacio, conclu que da pos, ‘ Posigao inici- Pelo panico, a um des » ‘scontrole ficando assim num estado semahunge (0 Pardmetro da astticia hos scus escri Scus escritos, onde o tema é apenas andlises, “discutibilis- Ainvestigaca: 5 dennis Cana fe Celésica 0 fio condutor de toda ob Ese atitade sng onh®. © ue 0 aproximou do Sune hee 2 ji Ssustadora paraaineclectualidade d spose a epoca e, nalismo, foi a razio da reeigao ng conte ‘guiram por este * Millict, Sergic. In Cunt i Paulo, 1988 |" Cetdloge Kavi de Cervalb, da 170 Bienal de Sao 10 Experiéncia n.26 uma raridade bibliogrifica a que pou- acesso. O langamento desta nova edigio permitiri 20s avaliagio de mais uma faceta de Flavio de Carvalho, O autor escreveu durante muitos anos na imprensa paulista ¢ publicou «és livros: A Experiéncia n.2' 1931, Os Ossos do Mundo? 1936, ¢ A Origem Animal de Deus e 0 Bailado do Deus Morto’ 197: Durante 0 processo de realizagio da exposigio come- morativa do centenario de Flavio de Carvalho’ foi impressio- nante verificar as reagdes emocionadas que ainda asua obra, A onda de “turbuléncia mental” que ele considerava es- sencial, se desprende até hoje de seu trabalho, em artes plist as, arquitecura, dramarurgia, literatura, despertando admira- 0 e desconforto — sempre de modo 10, comogao, ingui dramatico. Nenhum outro artista de sua gerago conseguiu manter esta atualidade. * Carvalho, Flavio de Rerende. Experiénci n.2 Sio Paul: Iemios Fert, 1931 > Carvalho, Flavio de Revende. Os Osos do Mundo, Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1936. ® Carvalho, Flavio de Rezende. A Origem Animal de Deus eo Bailado do Deus Morte. Sio Paulo: Difusio Européia do Livro, 1973. “0 Bailado do Deus Morro” foi encenado em 1933, inaugurando 0 Teatro da Experiéncia, imediatamence fechado pela policia. Em 1973 o Teatro de Arena decidiu remontar 0 espetéculo e por isso. lio foi editado. Coma morte de Flavio de Carvalho, o espeticulo nao 2con- teceu, sendo reencenado somente em 1999 no Teatro da FAAP, por ‘ocasiio da exposigio Flavio de Carvalho — 100 anas devon Revolci- ondrio Romamtco, Mattas, Denise. (org.) 100 anos de um Revolucionarios Romanaico. Catdlogo da expasigio retrospect. Rio de Jancico, CCBB / Séo Pau lo, FAAP, 1999, “ Agradego a Guilherme Castelo Branco ¢ Francisco Por ‘ugal queacolheram imediatamente minha Sugestio de teeditar este lito, dentro do conjuno de eventos ester Sutrealismo no Centro Cultural Banco do Brasl-Rjs*e agradeso, especial- ‘mente, 0 convite para realizar este precio Srlvio Rabel escreveu uma ertica ao ivro Os Osos do Mundo que pode ser estendida a toda a Produgio de Flavio de Carvalho: {-.) "As coisas tém para o St. Flavio de Carvalho um ‘envide esranho, como seos seus olhas penetrares; mais fundo fing nimidade delas. Explica os fatos apanhanda aqui e ali, fios suis ¢ desapercebidos pela maiorie doy homens e quase sari; a8 suas explicagbes sao de um imprevisto que faz pen- ideas di- ferentes arrepiam e chocam, como se fossemos perder subita- mente o equilfbrio. O Sr, Flavio de Carvalho coth semprea dar cuits Bs Fotina e-no lugar comum, a ferme perder o equilibrio...” > Denise Mattar Junho de 2001 * Exposigo OSu lina Cero Calta Banc do Brasil, 20 agosto 2.28 de outubro de 2001, Rio de Jenene ° Toledo, J. op. cit, p318, 12 Padres rendiados, evian evan com epargt Omis pinades sje de A EXPERIENCIA Era dia de Corpus Christis um sol agradvel banhava a cidade, havia um ar festive por toda parte; riangas moviam cores berrantes de tecido ordinarios negras velhas de culos ¢ batina ou qualquer coisa de parecido; gru- pos de homens de cor segurando estandartes, velass anjinhos Sujos enfeitados com estrelas de papel dourado mal pregadas; mulheres gordas vestidas de cor de rosa cabelo bem emplastado olhavam 0 mundo em redor com infinita piedade. Uma suces- sio de gaze amarela, de tecidos pretos, veludos, padres renda- ddos, criangas engomadas, pintadas e sujas de pé de arroz, n com espanto; freiras gordas e pélidas se mexiam como besouros enormes, ¢ 0 trifego parado, Olhei para a catedral ¢ vi no topo da escadaria homens beatos que arranjavam com cuidado sexual ramos de folhas, flores, panos dourados ¢ coisas em torno de um altar. A luz viva do sol destacava 0 pé de arroz oxo das negras ¢ os enteites sujos das fachadas. Parecia que 0 vestudtio do povo fazia um todo harmoni- ‘0s0 com a arquitetura em redor; o protesto da alma pelas vestes coloridas, pela sujeira pintada se conciliava perfeitamente com © exibicionismo infantil, carola e pacato da arquitetura. As Comnijas, 0s 6vulos, as flechas dos prédios semelhavam ser tam- bhém de papel de seda e veludo. julheres, homens € olhay: Contemplei poralgum tempo este movimento estranho de f colorida, quando me ocr, cia de fazer uma expe- riéncia, desvendar a alma dos en ualquer que permitisse estudar ESTOS, no passo, no olha meio de um teagente has fisionomias, nos sents enfin © pulso do ambiente Palpar psiquicamentea emogao fempestuosa da alma coletiva, ver ale Seoamente dessa emogdo, proce @ revolta pa Jar alguma coisa do inconsciente. Des hen volta, subi rapi deat em ditesdo 4 catedtal, comei um elétrico e meia hora depois voltava munida de umn bong, A procissio formada escoava vagarosa a0 som de um clintico sem cadéncia, Massas de Povo, cabesas descobertas, ato fesst8eM, embevecdos, saturadae de bondade ¢ doc gtisto. Parecia que todos tiohany cangado o limite «lo céu; uns olhavam para os outing satisteitos, saciados, Tomei logo a resolucio de passar at revista 0 cortejo, Span aindo © meu chapés na cabeca ¢ andando em diregio ate gist le sepula para melhor observers efeito do meu demah me tomava mais vsivel, destacanie a minha arrogin- cr ¢ facilitando a tarefa de chamae atengio. A principio me elhavam com espanto — me refine 4 assisténcia, porque aque- Kes que cram da procsséo se portavan, diferentemente, eles erum os cleitos de deus, os escolhidos « formavam uma massa em movimento lento, contrastando em qualidade com a assiscén_ cia imével; eram, portanto, Mraticamente, 0 nico movimento £m todo 0 imenso pereurso da pro, issfo e esta situacdo demo. dima mee aturalmente exigia 0 monopdlio ds atengio geral, ¢ diferent? Petturbadora como era mvishe deveria influir diferentemente na procisséo enn movimento e na assisténcia A procissao era o principal areating Exigia os olhares de ‘odos ¢ um elemento perturbador ae fornava assim, em maior ou menor grau, um rival da beata a ser desejada, Isto explicard ‘mals tarde porque a aticude da procisego ara comigo era bem 16 2 que caminhava ¢ da assisténcia, A m 2 ees: eos ds anita elaresgnudis © fweebia da parce jov Bip ism ceo dept sn denon un 4o, um grande mimero Peecens, aee dos; as velhas de ambas oe lava pacatamente, 1 vba de amas a cor a Be gncvam; lbar fe abmicio oi que i Bade min’ es parte de ter dé diminuia eee al Sica iat Than iando insistia na minh: a han Be opener nn is vee sm BN ee ca ina vela posi parla que fore BRE vcs cochicharam a deeabers da mia Ps mentava. As vezes sv iat amassbst ci padres vlhos c vez em quando me espiavam sorra- een ero ‘tie de sua attade sobre 0 insslita OI A vv ora ex a assisténcia se comprimia. rua era estreita ¢ a a om en com difiealdade, penetrando a mult <0 como ina folha de papel, de lado, ondulando-me o mais p y es is cineca menea Sadi pand por ‘ i sstava ciente de que cle m: fingin Jue no o via mas esta " ‘aol Bok tulpons pr dnd a é e reconhecer e virar a ca Justamente a tempo para velo me cca vine tt rque estava acompanl sa Heda A minha aitude provocadors Teo agin devido & minha ati 2 Papo algun tmp agem de uma irmandade de se ee olen consent ne oe cor, todos vest 1 olhavam com cutiosi- mostrando a sujeira do uso), todos m fs ae indigna- ¢ passa, com incompreensio mesi . fe. 2p4 eruma cet ngnsio get ign comegava a aparece: incgnasio ger, una ind jo contida; ninguém se manifestava ma rinse adda Asistentes ea hurlhagio pacata da masa F oo halt fervor, as freiras incré Os padres rezvam com mas f pes da ie las ndo compreendiam, os velhos se parecia 7 = tia sujos,fta, cruciigos, pas as evelhos que eviden- minha atieude, mas areciam orgulh: “gulhosos de pertencerem & unidade ext movi vimen- autoconviegso de ibmissio cfeminada ao rama, ven “ de um nov pacts, utendo com diffculdade, através da gare eo » eeebendo 0 contato index eam 7 Wvel di Cn par pans bjuds mages com cameos es © para a procissio € vejo um no acab, fi ara Pos ev acabar mais de fl i iene He tRCO € Palidas,codasjovens.e mung is oe Maria tas. Era -ealmente um ne ane uma nova emoga bora ee ais cheia de it, Parecia-me que o, -orte lara Mais yi it hema Be oluptuosamente efeminado, o el ar ence rinha mudado, to ecomennne smexian « Mam unas sa Siva estandartes ow crue bem a maioria nao fazia ne o1 1a mao um brevisri fa lt ou tinha na maj " canal terge. Nem sequet cantavam i luele momento, Per- eq 01 Corti mais demoradamer con 'moraclamente toda a extensio br igumas carts aqui e ali, Alguin nino conn 18. depois, sem divida possuida de arrependimento sacro, le agtaciou com um sortiso quase satanico, em perfeita Jonia com o meu estado aventureiro. Agradeci de longe, Inia maneira nfo compromeredora, mais eu estava muito interessado na moga ao lado, que jé comegava a me pare- auraente. Meu estado ficticio experimental se aprazia de encontrar Apsticulo, uma qualquer coisa que destacasse a minha fanta- | dando-me a idéia de que tinha de ir longe para me tornar re das coisas, Ciente da minha observacio, ela ocultava iicamente o seu olhar do meu, aumentando a minha cora le monstruosidade. Minha atitude atraia © em parte monopolizava a aten- ‘lo, JA comecavam a discutir ¢ raciocinar sobre © meu gesto, uidres ¢ feiras. J4 me olhavam de um modo esquisito. Um ou ‘outro individuo protestava timidamente, de longe, esconden- ilo seu gesco; as filhas de Maria se entreolhavam timidas e me fixavam submissas, encantadoramente, apertando na mao 0 Inevidrio ou um acessério. Empreendi imediatamente uma série de flirts, escolhen- do entre outras 2 louras bonitas, 2 morenas bonitas e 2 feias de ieada tipo, Procure manter com as escolhidas um flirt razodvel, tanto ce que se tornava quanto me era possivel dentro de um ambi ‘:cida instance mais host. Fui lentamence correspondido, prin- ‘Trocamos longas ¢ voluptuosas mensa- cipalmente pelas gens, promessas ficticias, arrependimentos, enfim toda a costumada gama amorasa humana, ‘A minha atitude era realmente provocadora. A assistén- cia até entao passiva, comecou a inquierar-se, Os comentirios jdcorriam abertamente. Vio perigo da minha situagao ea gran- de dificuldade de qualquer fuga entre a massa compacta; po- rém, 0 alcance da experiéncia era maior do que parecia & primeira vista. As filhas de Maria excediam a toda expectativa. 19 Wali pena arriscar mais cinco minutos, Fu queria realmente Wer S€ todas se manifestavam de uma maneira conquistada ¢ submissa. Iniciei imediaramente umn Vigoroso vempingcom toda «maakt branca, principio dando predilecton gor ua outra Gumente a todas. O meu sucesso ngo foi completo, mas de todas aquelas que cederam & minha arrogiincia, vamos dizer tins 70% do toral presente, uma meia die arecia nio se pre- Scupar coma prisio religiosa, me ene, wando resolutamente sub- cram submissas timidamente, Viacse que uardavam una cera recordasio grata dosouns delator, o Cristo Era evidente que o meu mundanismo atraia pelo seu ca. Titer audacioso, herbico — as fills de Maria cedendo sorsa- ‘Giramente, se mostravam unicamente mulhers na dela, porém, destoou claramente das outras, Bra nag, ost alea, um tanto cheia,tinha um nari arcade e segu- cava Cttandarte, Ela se parecia mais com uaa sargento de

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