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FARAH - Processo de trabalho na construção civil

PRODUÇÃO

INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL sempre exerceu um papel importante no país. Fonte


importante para a atividade econômica, contribui atualmente com 6,2% do PIB e computa
34% da indústria brasileira – verificar CBIC

- enorme absorção de mão-de-obra

Anos 70: introdução de inovações na construção civil

ANOS 80: tendência à racionalização da construção – reduzir custos e aumentar a


produtividade. Neste mesmo momento: crise econômica e democratização.

As inovações buscam atender a: redução de prazos e de custos, aumento da produtividade.


Para tanto, as mudanças são incrementais, não marcando uma ruptura com o modelo anteior.

- Persistência de uma base manufatureira na produção civil, em especial na produção


habitacional.

A acumulação se dá, muitas vezes, pela articulação entre o tradicional e o novo.

- perda do saber de ofício, deterioração e desqualificação crescente dos trabalhadores.

- formas precárias de absorção de mão-de-obra

“A tendência e racionalização, identificada no presente trabalho, procura superar tais


contradições, num cenário que exige das empresas eficiência crescente. Este movimento se dá,
simultaneamente, em duas direções antagônicas: de um lado, procura-se resgatar a
qualificação operária; de outro, procura-se adquirir maior autonomia em relação às
qualificações tradicionais. Embora com sentidos opostos, estes movimentos se articulam,
tendendo a dar origem a uma nova estruturação da organização do trabalho no setor que
tende a combinar a estrutura de ofícios ao deslocamento, para fora do canteiro, de um
número cada vez maior de atividades requeridas pela produção de edificações.

Neste movimento, identifica-se o embrião de novas formas de gestão do trabalho, que


combinam a melhoria das condições de trabalho à participação dos trabalhadores no controle
do processo de trabalho” (FARAH, 1996, p. 45).

HABITACIONAL:
- construção tradicional: construção no canteiro de obras:

“Uma primeira característica do processo de trabalho na construção tradicional diz respeito ao


preparo de materiais e componentes. Embora estes sejam fornecidos às construtoras pela
indústria de materiais, é necessária uma intervenção adicional no canteiro de obras, anterior ao
seu uso na construção propriamente dita. A partir dos materiais adquiridos no mercado, uma
série de operações de transformação, envolvendo a mistura ou agregação destes materiais, dá
origem a novos materiais, como ocorre, por exemplo, no preparo do cimento na obra. O mesmo
ocorre com o corte da madeira para fôrmas ou para a estrutura da cobertura.

Os componentes, embora adquiridos em sua forma final, sofrem também uma intervenção no
canteiro. Os tijolos ou blocos são quebrados pelo pedreiro, uma vez que suas medidas não são
compatíveis com as dimensões definidas pelo projeto para as paredes; os fios de eletricidade e
os tubos para as instalações hidráulicas são também cortados para se adequarem a um projeto
específico. De forma similar, ocorre a “fabricação”, no canteiro, de andaimes, caixas de
argamassa e das próprias fôrmas” (p. 80-81).

- além disso, predomínio do trabalho manual como base da atividade produtiva.

- presença de instrumentos e ferramentas tradicionais, como colher, marreta, serrote, metro,


trena, ou mesmo os elétricos (furadeiras, serras)...instrumentos baseados na habilidade manual
e capacidade física dos trabalhadores

“O predomínio da atividade manual no processo de trabalho tem como pressuposto a


preservação de certa habilidade por parte dos trabalhadores. Tal habilidade corresponde, na
verdade, a um saber parcial, relativo a frações do processo de produção, especializações dos
trabalhadores na execução de determinadas atividades, no manuseio e na transformação de
materiais e componentes específicos, associados à execução de partes da edificação” (p. 82).

- a produção se baseia em especializações

- embora haja divisão entre concepção e execução, a base da produção continua sendo a
habilidade do trabalhador

- absorção de mão-de-obra não qualificada (os peões – ver o capital de Marx) – especialmente
os peões e ajudantes

Questões:

- pouco uso das normas técnicas

- os projetos apenas indicam a forma final do edifício, mas não o seu “como fazer”, com detalhes
da execução

- poucas especificações ou especificações genéricas

- o saber do trabalhador é adquirido no próprio canteiro de obras

- o memorial descritivo fornecido pelo arquiteto é mais burocrático, para fins de aprovação na
prefeitura

- o arquiteto raramente sabe como executar o seu próprio projeto.


- trabalho informal, pagamento por serviço realizado

- Sérgio Ferro: frequente desencontro entre as etapas de trabalho fragmentadas; ausência de


uma coordenação eficiente e de planejamento

- necessidade de retrabalho constante, improviso

Falta de planejamento:

- ausência de projeto do canteiro

- planejamento e controle deficientes da entrada de materiais e insumos

- ausência de cuidados com armazenamento de materiais

- transporte inadequado de materiais

- inexistência de cuidado de limpeza no canteiro

- as perdas de materiais no canteiro giram em torno de 20%.

Não houve incorporação do fordismo e do taylorismo no canteiro de obras, que deixariam o


trabalhador submisso às máquinas; entretanto, no canteiro, predomina a participação do
trabalhador no sentido de definir os ritmos do trabalho e o controle sobre seu processo
produtivo.

“O projeto é, antes de mais nada, um projeto de produto, que não se traduz e especificações
relativas ao “como produzir”” (p. 85).

Para a autora: “as características do processo de trabalho na construção não devem ser
entendidas como indicativas de um atraso com relação a um modelo de desenvolvimento
definido a partir da evolução de outros setores, mas sim como uma forma específica de
acumulação neste ramo, em determinado momento histórico” (p. 104).

Isto, visto que “um paradigma industrial – envolvendo um padrão tecnológico e uma forma de
organização do trabalho – convive historicamente com outros modelos de industrialização”, pois
a “hegemonia de um paradigma industrial não significa eliminação de outras de produção, as
quais persistem, de forma diferenciada, em diversos setores e em determinadas situações
históricas” (p. 105).

- Chico de Oliveira: O Ornitorrinco – essas contradições constituem a base da reprodução da


força de trabalho no Brasil
- a propriedade fundiária constitui um obstáculo para o aprofundamento das relações de
produção capitalistas na construção

LIPIETZ: a propriedade fundiária impede a produção em massa e a redução do valor da habitação,


visto que uma porcentagem do excedente gerado pela indústria da construção deve ser
transferida ao proprietário fundiário.

- debate atualizado por SHIMBO

Castells: tal dependência do solo levaria a um descolamento do ciclo de valorização (circulação)


do capital em relação à produção propriamente dita.

“(...) necessidade de intervenção de um capital de circulação que financie o consumo e reduza


o período de rotação do capital produtivo (CASTELLS, 1974). Este é um dos fatores que
contribuíram para tornar crucial a ação do Estado no setor da habitação – através do
financiamento da produção e do consumo – viabilizando a valorização do capital aplicado no
setor imobiliário”. Ou seja: “a propriedade fundiária e o longo período de rotação do capital
requerem a intervenção, na produção habitacional, de um capital de promoção, que coordene
todo o processo, desde a aquisição do terreno e a obtenção de financiamento até a
comercialização das habitações, passando pela construção propriamente dita” (p.110).

“Diante dos lucros obtidos com o terreno e na comercialização, a redução de custos, na


produção, tende a se tornar algo secundário” (p. 111).

- retomado por Rolnik

- PCX – a obtenção de lucros se descola da atividade produtiva no canteiro. Ou seja, a


possibilidade de ganhos extra- produção são um desincentivo para a busca pelo aumento de
produtividade no canteiro

- na construção pesada: incorporação das inovações, principalmente pela exigência de maior


rigor com prazos e com o desempenho, pelo porte da obra.

“A redução de custos na construção de habitações, visando ao aumento dos lucros desta fração
do capital tem-se dado, porém, frequentemente, através de mecanismos que prescindem de
uma alteração, quer da base técnica da produção, quer da organização do trabalho no setor.

Um primeiro mecanismo de redução de custos consiste na redução da área das habitações e no


comprometimento da qualidade da moradia, através da utilização de componentes de baixa
qualidade e da redução no consumo de materiais. (...) Um segundo mecanismo de minimização
de custos consiste na redução de gastos com a mão-de-obra, mantida a baixa composição
orgânica do capital” (p. 117)
- a mão-de-obra representa por volta de 35 a 50% dos custos da construção, segundo a fundação
joão pinheiro (1984)

- exploração

- rotatividade

- falta de vínculo e desrespeito em relação à legislação

“Baixos salários, péssimas condições de trabalho e de reprodução no próprio canteiro


constituem a regra geral neste ramo de atividade” (p. 121).

- falta de segurança e higiene, acidentes

- fator cultural: não utilização dos equipamentos

- mão-de-obra abundante

“ Uma primeira especificidade do processo de trabalho na construção decorre da natureza


imobiliária do produto. A base fundiária implica que a cada produto-habitação haja um
deslocamento da produção para um novo terreno, o que determina uma reorganização
constante do processo de produção e do sítio produtivo. Estabelece-se assim um processo de
trabalho de tipo posicional, no qual à imobilidade do produto corresponde uma grande
mobilidade da força de trabalho e dos instrumentos e ferramentas utilizados na atividade
produtiva” (p. 125).

- além disso, há um predomínio da sucessão de atividades, no lugar da simultaneidade

- a base fundiária implica o espalhamento da produção em diversos lotes, o que dificulta a


produção em escala – a ser revisto com o MCMV – inviabilizando a produção intensiva

- variações de solo e topográficas implicam o estudo de caso a caso, impossibilitando a produção


serial e a padronização

Ou seja: VARIABILIDADE DO PRODUTO

PRODUÇÃO SERIADA x PRODUÇÃO UNITÁRIA

Essa variabilidade impõe restrições ao incremento da produtividade.

Porém!

“A intervenção do Estado, por exemplo, pode reduzir a variabilidade do produto e da produção,


através da concentração da atividade produtiva num espaço relativamente homogêneo e da
uniformização do produto” (p. 128).
- estratégia adotada no pós guerra, modernismo, países socialistas

HISTÓRIA

- período colonial: mão-de-obra escrava para a construção, em geral, a autoconstrução, que


fazia uso de materiais locais, obtidos in loco

Porém, houve uma transição no século XIX:

- abertura dos portos e vinda da família real

- juntamente, vinda da Missão Técnica e Artística Francesa, responsável pela fundação da Escola
de Belas Artes, e a introdução do ensino técnico

-disseminação do tijolo cozido (a partir do Rio de Janeiro)

- sofisticação das moradias requeria uso de materiais importados

- expansão da economia cafeeira, substituição do trabalho escravo pelo assalariado

- construções de infraestrutura urbana e grandes obras, como ferrovias, usinas hidroelétricas

- adensamento urbano

- proliferação de cortiços, vilas e moradias de aluguel (BONDUKI)

Tudo isso levaria, como mostrado por Farah: “(...) a constituição da empresa construtora
nacional decorreu de um longo processo de transição da autoprodução (atividade de construção
centrada no valor de uso) para a produção para o mercado (centrada no valor de troca)” (p. 141).

Pereira mostra que houve uma transição em estágios: autoprodução – produção sob
encomenda – produção para o mercado

“O morar deixara, assim – num processo de transição que durara cerca de um século – de ser
algo que se resolvia como desdobramento de outras atividades, para se estabelecer como uma
“necessidade” autônoma, cuja resolução devia ser buscada junto a uma produção tornada
independente, e que, como tal, dera origem a organizações destinadas exclusivamente a esta
atividade” (p. 142).

- a partir disto: tendência ao uso de materiais fabricados e obtidos fora do canteiro de obras

- a construção torna-se uma mercadoria

- difusão de novas tipologias, trazidas por imigrantes europeus


Portanto, houve uma segmentação entre a produção da edificação e de seus insumos, que até
então eram integrados.

- surgimento do operário da construção

Além disso, “(...) uma tendência de separação entre concepção e execução, através da
cientifização da atividade de projeto. Esta, até então privilégio do Estado e da Igreja e restrita às
obras públicas e religiosas, passou a domínio público, a partir da criação das primeiras
faculdades de engenharia do país, voltadas inicialmente às obras de construção pesada
(ferrovias, barragens etc.), mas gerando conhecimentos que passaram a ser incorporados pela
produção de edificações” (p. 146).

- cientifização do projeto e dos materiais construtivos, segmentação entre escritório e canteiro


(e seus ofícios).

A partir dos anos 30: crise da hegemonia agrário-exportadora, intensificação do processo de


urbanização, reorientação da indústria. Ou seja: crescimento da importância da atividade
imobiliária como campo de investimento.

A partir deste momento, com a crise do modelo de aluguel de moradias – Lei do Inquilinato – a
questão habitacional emerge como uma demanda, uma reivindicação, até então pouco debatida.

“Pela primeira vez, no país, o Estado interveio diretamente no setor habitacional, através da
construção de conjuntos e do financiamento da aquisição e construção de moradias por
trabalhadores urbanos” (p. 153).

- tal ação do Estado seria decisiva para a expansão da indústria da construção civil e para o boom
imobiliário nos grandes centros urbanos.

- regulamentação das profissões do arquiteto e do engenheiro

TEORIA x PRÁTICA: distanciamento crescente entre concepção e execução, seja porque o


conhecimento do trabalhador se tornou obsoleto e foi substituído pelas novas técnicas, seja
porque o profissional (engenheiro/ arquiteto) estavam com sua prática demasiadamente
distante da realidade do canteiro (tornou-se criação e gerência).

Por outro lado, a simplificação do trabalho no canteiro de obras – seja pela supressão de etapas
seja pela transferência para fora do canteiro – acarreta a demanda por mão-de-obra pouco
qualificada.

- 1950: Brasília: produtividade e curtos prazos – as mudanças em termos de processo de trabalho


que lá ocorreram não se verificaram no restante do país

- 1964: golpe militar, BNH


“A política habitacional coordenada pelo BNH parece ter tido, antes de mais nada, uma certa
eficácia ideológica, ao permitir que se constituísse, no plano do imaginário coletivo, a ideia de
que havia, para “todos”, a possibilidade de acesso à moradia (à “casa própria”). Se não para
todos, difundiu-se ao menos a “noção”, entre os segmentos menos politizados, de que o Estado
construía casa para os pobres” (p. 172).

- além disso, expansão do consumo a partir dos anos 1960, especialmente junto à classe média:
“junto com a casa “comprava-se” um estilo de vida orientado para o consumo” (174).

- 1967-1973: milagre econômico, crescimento expressivo das atividades de construção

- a partir de 1974: desaceleração

As inovações no canteiro muitas vezes diziam respeito à substituição de certos materiais, ao


barateamento, à simplificação e aumento da produtividade.

Algumas substituições envolvem a transferência de certas produções para o âmbito da fábrica,


em que há maior prescrição e produção no sentido taylorista, de modo que, no canteiro, o
trabalho em si acaba se simplificando, deixando a base de conhecimento empírico e tornando-
se também prescrevido.

Transformações e incrementos levam, frequentemente, ao aumento da prescrição dos


trabalhos realizados no canteiro, o que significa a sua simplificação.

1930: indústrias, crescimento das cidades

1940: crescimento do setor habitacional

1950: Brasília/ declínio, crise, estagnação

1960: BNH: grandes conjuntos habitacionais, desenvolvimentismo

1970: milagre econômico

1980: crise do setor habitacional. Desenvolvimento da produção informal da habitação. Crise do


SFH. Disseminação das favelas e formas precárias de habitação (autoconstrução). Informalidade
do trabalho.

Então, a partir dos anos 80, houve uma busca pela minimização dos custos de construção, por
meio do aprofundamento dos mecanismos tradicionais, comprometimento da qualidade,
subcontratação (menores salários, falta de segurança).

(p. 248) O trabalho no canteiro torna-se cada vez mais mera montagem de algo já previamente
definido. A grande rotatividade compromete a transmissão dos saberes. Essa perda do saber
por parte do trabalhador, por conta da simplificação, nem sempre é absorvida pelo capital.
Consequente declínio do saber operário. As inovações buscam reduzir a dependência do capital
em relação ao controle do processo pelo trabalhador (saber fazer tradicional e habilidades do
trabalhador).

Assim, a introdução dessas inovações não foi acompanhada pela apropriação de novos saberes:
“Constata-se que a introdução de inovações não tem sido acompanhada pela apropriação do
novo saber, quer pelo capital, quer pelos trabalhadores. De um lado, as inovações são absorvidas
dispensando, de certa forma, a estrutura tradicional de transmissão de conhecimento na
construção; de outro, não se consolida uma estrutura alternativa, que garanta que o novo “saber
fazer” seja integrado ao canteiro” (p. 249).

- a partir do final dos anos 70: tendência de iniciativas de gestão participativa, buscando o
engajamento dos trabalhadores

“no caso específico da construção habitacional, a acumulação tem se dado sem que a base
técnica sofra uma transformação radical no sentido da mecanização do canteiro de obras” (p.
273).

- mudanças tecnológicas, quando ocorrem, são muitas vezes condicionadas por fatores externos,
e não internos à produção.

ÍNDICES DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL:

Dados de: http://www.cbicdados.com.br/menu/pib-e-investimento/pib-brasil-e-construcao-


civil, acesso em 11-08-2020

- 2000: 7% do PIB

- 2013: 6,7%

- 2020: 3,7%, sendo por volta de 18% da atividade industrial total

LÚCIA SHIMBO

P. 271
IN COMPARISON

- Arquiteto: não deveria estar aprendendo justamente a parte prática?

- Distância entre arquiteto e o canteiro de obras

- Conteúdo acadêmico muito abstrato

- Como pensar no edifício juntamente com o processo produtivo

- Por que cada processo é realizado? Parte técnica – dúvidas

- Compreender os porquês e a parte técnica (reações químicas) até a maneira como é utilizado

- Distanciamento entra arquitetos (desenho) e os trabalhadores (processo)

- Condição de exploração do trabalho e do trabalhador: está sempre presente?

- Diferentes tipos de blocos: quais são utilizados em cada caso?

- Autoprodução – mutirão

- métodos tradicionais ainda existem no Brasil: não implica voltar ao passado

- Materialidades e mercado por trás de cada materialidade

- Melhor dar este curso no começo da graduação!!!

- Processo de trabalho do Lelé

- Projetos que propõem uma nova lógica de construção

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