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INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA
O texto poético:
uma introdução
1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
2 COMEÇANDO A HISTÓRIA
Caro aluno, na aula anterior, você ficou sabendo sobre a teoria dos gêneros
literários, cujo início da discussão foi com Platão e Aristóteles. As bases teóricas
foram, portanto, lançadas na Antiguidade, mas, ainda hoje, se sustentam,
naturalmente com mudanças e vários desdobramentos.
Você deve lembrar que são três os gêneros literários basilares: o lírico, o
épico/narrativo e o dramático. Nesta aula, especificamente, vamos fazer uma
introdução ao estudo do texto poético ou, em outros termos, uma introdução
ao gênero lírico. Isso significa que vamos ler e discutir sobre poesia, algo
extremamente interessante, você não acha?
Mais adiante, no nosso curso, você vai aprofundar esse estudo numa
disciplina chamada Teoria da Literatura I. Por enquanto, vamos dar o pontapé
da discussão.
3 TECENDO CONHECIMENTO
Para começar nossa conversa sobre o texto poético, é importante falarmos
sobre gênero lírico e lirismo. Qual a origem desses termos? O que eles significam?
Após responder a essas questões, trataremos, como já foi adiantado, das
diferenças entre poesia, prosa e poema, e, em seguida, de alguns comentários
a respeito do discurso poético como algo inato ao ser humano. Por fim,
discutiremos sobre o que são imagens poéticas. Tudo isso com alguns textos
poéticos interessantíssimos.
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Solitário
EXERCITANDO
Aproveitando o poema “Solitário”, transcrito acima, responda aos seguintes
questionamentos:
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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - O Texto Poético: uma introdução
Soneto de fidelidade
Vinícius de Moraes
POEMA
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto versos
Que mesmo em face do maior encanto
estrofes
Dele se encante mais meu pensamento.
ritmo
Quero vivê-lo em cada vão momento rimas
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
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O pavão
Rubem Braga
PROSA
E considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor
frases
de suas cores; é um luxo imperial.
orações
parágrafos Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas
não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há
são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta,
como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.
É claro que essa distinção que estamos fazendo tem um caráter didático,
como mencionamos antes, e atende à noção “moderna” de poema. Esses
são apenas os primeiros passos de uma discussão que pode ser ampliada e
aprofundada. Veja, por exemplo, o que diz o professor e crítico literário Alcir
Pécora:
o que se tem chamado genericamente de “poema” não se
reconhece, numa preceptiva de tradição clássica, como
“poema” – termo cômodo pela totalização de objetos
de tradições letradas muito distintas e, muitas vezes,
impossíveis de justapor ou englobar –, mas, digamos,
como soneto, como madrigal, como romance pastoril,
como epístola satírica, formas poéticas precisas, com teoria,
história e efeitos particulares. (PÉCORA, 2001, p. 12)
Ainda no que diz respeito à distinção entre poema e prosa, afirma o poeta e
ensaísta mexicano Octavio Paz, Prêmio Nobel de Literatura de 1990, que o ritmo
é o elemento diferenciador: “o ritmo se dá espontaneamente em toda forma
verbal, mas só no poema se manifesta plenamente. Sem ritmo, não há poema;
só com o mesmo, não há prosa. O ritmo é condição do poema, enquanto que é
inessencial para a prosa” (PAZ, 2009, p. 11).
Pode haver poesia, portanto, num quadro, no poema, na prosa, num gesto...
Por outro lado, para o poeta Octavio Paz, “só no poema a poesia se recolhe e
se revela plenamente”. Vejamos as palavras do autor que ora coincidem com o
que já afirmamos, ora ampliam nossa discussão:
Para fecharmos essa discussão, saibamos a origem dos dois termos: poema
e poesia, segundo o Dicionário de termos literários, de Massaud Moisés (2004):
POESIA – do grego poíesis, fazer, criar, alguma coisa, pelo latim poesis.
Primeiro, você já deve ter notado que a crônica O pavão, de Rubem Braga,
transcrita acima para exemplificar a estrutura da prosa, é um belo exemplar de
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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - O Texto Poético: uma introdução
prosa poética. Releia o texto, agora com esse novo olhar. O último parágrafo é
de uma beleza poética extraordinária!
Texto I
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara
riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto
sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de
se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando
estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há
muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto
pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter
descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria
uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.
(Fragmento do conto “Amor”, do livro Laços de Família, de Clarice Lispector)
Texto II
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se
o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu
sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha
achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por
quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar
do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada
do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira,
brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha
tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro.
(Trecho extraído do conto “A terceira margem do rio”, do livro Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa)
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Texto III
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da
carnaúba;
Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco
aventureiro manso resvale à flor das águas.
[...]
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu,
onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal
roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
(Fragmentos iniciais dos capítulos 1 e 2 do romance Iracema, de José de Alencar)
Você deve ter percebido que, nos três textos, escritos em prosa, há elementos
típicos do gênero lírico: subjetividade, linguagem carregada de poeticidade e
até certa sonoridade e ritmo. Em suma, as narrativas em questão não se limitam
a contar uma história. Elas vão além desse aspecto. Em Iracema, por exemplo,
há um ritmo típico de poema. No texto de Clarice Lispector, repetições que
são muito mais comuns no texto em versos. Ainda em Clarice e também em
Guimarães Rosa, uma profunda interiorização das personagens.
melhor, você concorda com essa afirmativa? Vejamos, então, o que diz o filósofo,
antropólogo e sociólogo francês Edgar Morin:
Inicialmente, é preciso reconhecer que, qualquer que seja
a cultura, o ser humano produz duas linguagens a partir
de sua língua: uma racional, empírica, prática, técnica;
outra, simbólica, mítica, mágica. A primeira tende a
precisar, denotar, definir, apóia-se sobre a lógica e ensaia
objetivar o que ela mesma expressa. A segunda utiliza mais
a conotação, a analogia, a metáfora, ou seja, esse halo de
significações que circunda cada palavra, cada enunciado e
que ensaia traduzir a verdade da subjetividade. Essas duas
linguagens podem ser justapostas ou misturadas, podem
ser separadas, opostas, e a cada uma delas correspondem
dois estados. O primeiro, também chamado de prosaico,
no qual nos esforçamos por perceber, raciocinar, e que
é o estado que cobre uma grande parte de nossa vida
cotidiana. O segundo estado, que se pode justamente
chamar de “estado segundo”, é o estado poético.
O estado poético pode ser produzido pela dança, pelo
canto, pelo culto, pelas cerimônias e, evidentemente, pelo
poema.
[...]
O objetivo que permanece fundamental na poesia é o de
nos colocar num estado segundo, ou, mais precisamente,
fazer com que esse estado segundo converta-se num
estado primeiro. O fim da poesia é o de nos colocar em
estado poético. (MORIN, p. 35-6 e 43)
Você percebeu, caro aluno, a tese defendida por Morin? Para ele, existem
duas linguagens a partir de nossa própria língua: uma associada ao mundo
do trabalho, das informações, da burocracia e dos documentos; outra, ligada
à imaginação, à arte, à música, à poesia. As duas podem se misturar ou andar
separadas. Mas, ambas existem sempre.
Para Octavio Paz (2009, p. 12), “a poesia pertence a todas as épocas: é a forma
natural de expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os
que não têm prosa. [...] é inconcebível a existência de uma sociedade sem
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Comida
Figura 3
Agora, para fecharmos este tópico, vamos nos utilizar das palavras de um
dos mais importantes críticos literários do nosso país: Antonio Candido. Aliás,
são observações que já foram iniciadas na aula 5 (sobre as funções da literatura)
e que serão também mencionadas na aula 8 (sobre narrativa). Mas, valem à
pena serem reforçadas.
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Figura 5
Figura 4
Figura 6
Antonio Candido, um dos mais
respeitados críticos brasileiros.
Autor de inúmeros livros e de en-
saios clássicos, como: “Dialética da
malandragem” (sobre o romance
Memórias de um sargento de milí-
cias) e “De cortiço a cortiço” (sobre
a obra de Aluísio Azevedo), ambos
disponíveis na internet.
Formação da literatura bra-
sileira: momentos decisivos.Um
clássico da história literária brasi-
leira, indispensável para qualquer
aluno de Letras.
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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - O Texto Poético: uma introdução
Debaixo do Tamarindo
EXERCITANDO
Releia os textos literários transcritos nesta aula (Solitário, Soneto de Fidelidade,
O pavão, trechos do romance Iracema e dos contos Amor e A terceira margem do
rio) e, a partir deles, comente as imagens poéticas suscitadas pela linguagem
empregada por cada escritor.
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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - O Texto Poético: uma introdução
Site: www.jornaldepoesia.jor.br
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5 TROCANDO EM MIÚDOS
Nesta aula, você se deparou com algumas observações sobre o texto poético.
Esperamos que tenha compreendido o “estado poético”, o que é um texto lírico e
quais elementos o caracterizam. Fizemos, ainda, a distinção entre poema, prosa
e poesia, entendendo que os dois primeiros termos se diferenciam, entre outros
aspectos, pela forma textual, pela estrutura (texto escrito em versos x texto
“normal”) e que a palavra poesia está associada à beleza, ao encantamento, à
linguagem geradora de imagens poéticas. Vimos, ainda, que a poesia é inerente
ao ser humano e que é possível encontrar poesia em qualquer lugar e não
somente no texto literário, apesar de que, para Octavio Paz, a manifestação do
poético só se dá plenamente no poema.
6 AUTOAVALIANDO
Levando em consideração o que foi tratado nesta aula, você pode se fazer os
seguintes questionamentos:
a) Sei explicar o que é lirismo e o que faz um texto ser classificado como
pertencente ao gênero lírico?
Se suas respostas foram todas positivas, é sinal que você compreendeu bem
a proposta de nossa aula. Parabéns! Se ainda há dúvidas, releia a aula e exponha
seus questionamentos nos fóruns de dúvida.
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REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Saraiva, 2006.
ANJOS, Augusto dos. Eu. 52. ed. João Pessoa: UFPB, 2001.
BRAGA, Rubem. O pavão. In: Ai de ti, Copacabana. 27. ed. Rio de Janeiro: Record,
2009, p. 139.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 4. ed. São Paulo; Rio de
Janeiro: Duas Cidades; Ouro sobre Azul, 2004, p. 169-191
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
MORAES, Vinícius de. Soneto de Fidelidade. In: Livro de sonetos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991, p. 55.
MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
______. Signos em rotação. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009 (Debates, 48).
ROSA, Guimarães. Primeiras estórias. 15. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.