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3 Nota de Abertura

4 Nota Editorial

6 Sociedade e Segurança Pública

7 As Revistas “25 de Setembro” e “Defensor” na Construção da Memória Institucional do Sector de Defesa

12 A coordenação inter-sectorial da segurança marítima em Moçambique.


19 Susceptibilidade de incêndios urbanos nos bairros do Município de Maputo
34 A urbanização e as acções de prevenção da criminalidade em Maputo – o caso do Bairro de Magoanine “C”

45 Criminalidade, Violência e Controlo Social

46 Resiliência policial em Moçambique: alguns indicadores para a sua avaliação


56 A mulher no crime: Submissa ou subtil? As atividades rotineiras como fator relevante na incidência de
géneros no fenómeno criminal

66 Organização e Profissão Policial

67 Formação policial, profissionalismo, imagem e identidade

82 Direito e Polícia

83 O princípio da proporcionalidade: os meios coercivos na atividade policial

93 Linha Editorial, Público - Alvo e Instruções Aos Autores

Revisor Linguístico:
Francisco Vicente
Design Gráfico:
Título: Sérgio Tique e Topgráfica
Revista Científica da ACIPOL
Impressão:
Propriedade: Imprensa Universitária
ACIPOL
Tiragem:
Corpo Editorial: 200 Exemplares
Editor-chefe-Mestre Duarte Tembe
Co-editores- Prof. Doutor José Cossa Depósito Legal:
Mestre Florinda Muhate DISP.REG. Nº 01/GABINFO-DEPC/2018
Mestre Sérgio Mendes
Dr. Rivelino Mandlate Número e Ano de Edição:
Dr. Henrique Jaime Langa Edição Zero, 2018

Comissão Editorial: Distribuição:


UERCACIPOL (Unidade Editorial da Revista
Prof. Doutor Fernando Francisco Tsucana Científica da Academia de Ciências Policiais)
Prof. Doutor Francisco Inácio Alar
Prof. Doutor Rodrigues Nhiuane Cumbane Periodicidade:
Profa. Doutora Santa Mónica Mugime Quadrimestral.
Para que este empreendimento editorial se tornasse realidade, contou-se com o apoio abnegado de várias
entidades, colectivas e singulares, às quais vai o nosso reiterado agradecimento. Queremos, porém, de forma
particularmente especial, endereçar o nosso kanimambo:

Ao Prof. Doutor João Gabriel de Barros


Professor do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) e Director da Revista Mensal – Boletim do
Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI),
Moçambique;

Ao Prof. Doutor Manuel Monteiro Guedes Valente


Professor da Universidade Autónoma de Lisboa e antigo Editor da POLITEIA – Revista Científica de
Ciências Policiais,
Portugal;

À Profa. Doutora Aidate Mussagy


Editora-chefe da Revista Científica da Universidade Eduardo Mondlane (UEM),
Moçambique;

Ao Prof. Doutor Nuno Caetano Lopes de Barros Poiares


(Subintendente)
Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) e Editor da
POLITEIA – Revista Científica de Ciências Policiais,
Portugal;

À Profa. Doutora Sarifa Abdul Magide Fagilde


Professora da Universidade Pedagógica (UP) e Directora do Gabinete de Relações Internacionais da UP,
Moçambique;

Ao Prof. Doutor António Caetano Lourenço


Vice-Reitor da Academia de Altos Estudos Estratégicos de Moçambique e antigo Director de Investigação e
Extensão da ACIPOL,
Moçambique;

Ao Mestre Cirineu Ferreira


Advogado e Oficial das Forças Armadas na Reserva
Moçambique;

Ao Mestre Inácio João Dina


(Superintendente da Polícia)
Director do Semanário do Agente/ Comando-geral da PRM,
Moçambique.

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Depois de várias publicações A produção editorial é um
esporádicas, entre pesquisas veículo fundamental que vai poder
independentes e trabalhos anunciar e divulgar os trabalhos
científicos com participação de realizados, na esperança de que o
vários académicos em mesmo veículo seja utilizado
publicações nacionais e para debater, criticar, enriquecer
internacionais, temos, hoje, a estes estudos e, até, desenvolver
honra de apresentar uma revista novas perspectivas de pesquisa.
genuinamente da Academia de Com efeito, apraz-me afirmar
Ciências Policiais, a Revista que a revista concorre,
Científica da ACIPOL. sobremaneira, para a
Porque não pretendemos materialização da nossa visão de
fechar-nos, a autoria primária ser uma instituição de qualidade
José de Jesus Mateus Pedro Mandra
dos artigos publicados nesta reconhecida no país, na região e
Reitor
revista é de académicos e no mundo em formação e
estudantes nacionais e investigação em ciências
estrangeiros com interesse no campo das Ciências policiais.
Policiais e/ ou noutras áreas do saber que possam Aos docentes e investigadores, é escusado
contribuir cientificamente na actividade formativa lembrar que a própria progressão na carreira
da ACIPOL. profissional depende, sobretudo, das suas
Este é também um veículo especial para lançar publicações, sendo que esta revista pode ser um dos
iniciativas e convite de apresentação de projectos a termómetros dessa progressão. Os padrões de
serem avaliados e integrados nas linhas de pesquisa qualidade do ensino superior, entre outros aspectos,
que a ACIPOL já tem. consideram muito a produção científica da
A Revista Científica da ACIPOL aparece em instituição, ou seja, do corpo docente e dos
2018, um ano em que a nossa academia inicia, investigadores.
através de actividades culturais, desportivas e Uma palavra de apreço vai para todos os
científicas, a celebração dos seus 20 anos de académicos que tiveram a coragem de se expor
existência, a assinalar em 2019. nesta edição de lançamento, a Edição Zero,
Vinte anos é uma idade de maturidade que não publicando seus valiosos artigos. Acreditamos que,
pode ser só em corpo, deve demonstrar-se pela desta forma, se vai aguçar o apetite de muitos
capacidade organizativa e, sobretudo, pela outros.
produção científica. Este exercício académico só é
válido se for divulgado, exposto, conhecido e, por A todos, votos de boa participação.
isso mesmo, disponível para a utilização prática.

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O estimado leitor tem, à tempo, editor da revista “25 de Setembro”.
sua frente, a primeiríssima Construído com base na experiência prática do
edição, a Edição Zero, da autor, o artigo procura apresentar o valor estratégico
Revista Científica da Acade- das revistas '”25 de Setembro” e “Defensor”, a partir
mia de Ciências Policiais. de um olhar ao seu passado e o seu papel na
Trata-se de uma publicação actualidade. Este artigo é particularmente inspirador
Duarte Tembe académica quadrimestral, e encorajador desta aventura editorial.
Editor-chefe destinada a divulgar e a O segundo artigo, ainda na mesma linha de
memorizar institucional- pesquisa, aborda um tema candente da actualidade
mente o conhecimento gerado moçambicana, ao discutir a questão da coordenação
a partir de pesquisas realizadas por autores nacionais inter-sectorial da segurança marítima em
e estrangeiros com interesse no campo das Ciências Moçambique. Da autoria de um outro profissional
Policiais e/ ou noutras áreas do saber que possam da carreira militar, nomeadamente da Marinha de
contribuir cientificamente na actividade de polícia. Guerra de Moçambique, Hosten Aly, Especialista
A ACIPOL pretende, desta maneira, promover em Administração Naval, o artigo apresenta
um debate científico, juntando vozes do reflexões a respeito dos novos desafios da segurança
conhecimento académico e científico de quadrantes marítima em Moçambique, decorrentes das
além-polícia e além-fronteira. descobertas de recursos vivos e não vivos no Canal
Nesta edição, participam autores de nações que já de Moçambique, que colocam o país na rota dos
adoptaram e aplicam o Novo Acordo Ortográfico da investidores mundiais.
Língua Portuguesa e também autores de nações que Na mesma linha de pesquisa, desta feita
ainda não adoptaram a nova convenção ortográfica. discutindo a segurança urbana, temos dois artigos,
Assim, no âmbito da presente edição, ficou decido um em co-autoria: o da autoria de Rodrigues
que cada autor escreva conforme a ortografia Cumbane, investigador e docente na ACIPOL, e
vigente no seu país. José Luís Zêzere, Professor Catedrático da
Na presente edição, destacam-se trabalhos Universidade de Lisboa; e o da autoria de Francisco
científicos da linha de pesquisa sobre Sociedade e Bilério, também investigador e docente na ACIPOL.
Segurança Pública, com um total de quatro artigos. O artigo de Rodrigues Cumbane e José Luís
A abrir a revista, temos um artigo que traz para a Zêzer e ap r es en ta- n o s u m d iag n ó s t ico d a
Segurança Pública a larga e rica experiência de susceptibilidade de incêndios urbanos nos bairros do
produção editorial nas Forças Populares de Município de Maputo. Este artigo conclui que a
Libertação de Moçambique (FPLM), agora Forças susceptibilidade de incêndios tende a concentrar-se
Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), da nos bairros de maior urbanização, por exemplo,
autoria de José Mandra, que foi, durante muito Polana Cimento “B”, Alto Maé “B”, Central “A”,

Adjunto do Superintendente da Polícia; Mestre em Ciências Policiais (Especialização em Criminologia e Investigação Criminal), pelo
Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI); Licenciado em Ciências Policiais pela ACIPOL; e Docente da ACIPOL.

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Central “B”, Coop, Costa do Sol, Mahotas, Central do género, derivadas de um longo processo histórico
“C”, Chamanculo “A”, Malhangalene “A”, e que, de socialização, irão também ter divergências no que
excepcionalmente, bairros como Malhazine e respeita às oportunidades criminais.
Zimpeto, não sendo urbanos, apresentam igualmente A terceira linha de pesquisa que orienta esta
elevados níveis de susceptibilidade. O artigo de produção editorial académica é Organização e
Francisco Bilério procura explorar a relação entre a Profissão Policial, com um artigo, da autoria de uma
urbanização e as acções de prevenção da investigadora portuguesa, Fernanda da Silva. O
criminalidade. O autor conclui que a criminalidade artigo aborda a questão da formação policial a partir
ocorre em espaços de territorialidade deficitária, de uma perspectiva multifacetada do profis-
caracterizados por uma fraca comunicação e sionalismo, imagem e identidade. O artigo procura
definição das respectivas formas de uso. O autor perceber o papel da formação policial como
refere ainda que as acções em curso inspiram-se no promotora da eficácia policial, capaz de articular as
modelo de trabalho policial comunitário valências necessárias à construção de uma matriz de
materializado por um chefe do sector que pouco valores e identidade próprias deste profissional,
conhece a realidade do bairro e raramente dialoga condizentes com a complexidade que
com os agregados familiares. hodiernamente caracteriza a actividade das polícias
A segunda linha de pesquisa da ACIPOL tem modernas, num contexto global.
como enfoque Criminalidade, Violência e Controlo A fechar esta edição, temos um artigo na linha de
Social, que contribui, para esta edição, com dois pesquisa sobre Direito e Polícia, que aborda o
artigos. O primeiro, de Fernando Niquice, discute a princípio da proporcionalidade: os meios coercivos
questão da resiliência no seio das forças policiais na actividade policial. O artigo, com enfoque para os
moçambicanas. O artigo procura lançar algumas Direitos Humanos, debruça-se sobre a necessidade
bases que permitam reflectir sobre a resiliência de ponderação na actuação policial. Bruno Torres,
policial em Moçambique, conhecidas que são as Comissário da PSP (Polícia [portuguesa] de
dificuldades com que a instituição policial tem Segurança Pública), postula: estes novos desafios de
lidado para oferecer uma segurança pública de segurança pública, aliados à crítica social, impõem
qualidade ao cidadão. Na mesma linha de pesquisa, que a Polícia adopte certas medidas (de polícia) que
temos um artigo que nos chega das terras lusas, minimizem o risco e usem apenas a força necessária
abordando um tema candente para todas as nações, e suficiente para pôr fim ao dano em causa.
especialmente para a moçambicana. Trata-se do Caro leitor, a nossa filosofia é: transparência,
artigo de Inês Isabel Capão Calixto, que assim nos verdade e debate académico. Assim, estamos abertos
desafia: A Mulher no Crime: Submissa ou Subtil? No à crítica construtiva, sugestões e artigos científicos
artigo, procede-se a uma análise do fenómeno em torno das nossas linhas de pesquisa e/ou doutras
criminal através da experiência feminina, abordando áreas do saber que possam contribuir cientificamente
a forma como as mulheres vivem o crime, na actividade de polícia, o objecto científico das
principalmente no papel de agressoras. A autora ciências policiais.
chega à conclusão de que, visto que homens e
mulheres possuem rotinas diferenciadas em função

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As Revistas “25 de Setembro” e “Defensor”na
Construção da Memória Institucional do Sector de Defesa

Resumo
Este artigo, construído com base na experiência prática do autor, procura apresentar o
valor estratégico das revistas “25 de Setembro” e “Defensor”, a partir de um olhar ao seu
passado e o seu papel na actualidade. Outro aspecto importante aqui discutido prende-se
com a Linha Editorial, que constitui o coração de qualquer publicação. Para além de uma
análise retrospectiva em torno dos passos que foram trilhados na definição de uma
José de Jesus Mateus filosofia e enfoque das publicações, o artigo procura ainda discutir a questão do
Pedro Mandra¹
investimento que sempre é necessário quando uma instituição pretende lançar-se ao
desafio editorial. Mais delicada e quase paradoxal, é aqui chamada a atenção sobre a dicotomia entre a
necessidade de guardar e proteger o segredo do Estado e a necessidade de divulgar, com a devida maximização
das revistas em análise.
PALAVRAS-CHAVE: Revistas, Memória Institucional e Sector de Defesa

Abstract
This article, based on the author's practical experience, seeks to present the strategic value of the magazines “25
de Setembro” and “Defensor”, from a look at their past and their role at the present time. Another important
aspect discussed here is the Editorial Line, which is at the heart of any publication. In addition to a retrospective
analysis of the steps taken to define a philosophy and approach to publications, the article also seeks to discuss the
investment issue that is always necessary when an institution intends to launch itself into the editorial challenge.
More delicate and almost paradoxical, attention is drawn here to the dichotomy between the need to guard and
protect the state's secrecy and the need to divulge, with the proper maximization of the journals under analysis
KEY WORDS: Magazines, Institutional Memory and Defense Sector

Nota Introdutória das Forças Armadas de Defesa de Moçambique –


Este artigo resulta da comunicação FADM; do 4 de Outubro, dia da Paz; e do 19 de
Maximização das revistas “25 de Setembro” e Outubro de 2016, data em que assinalámos o
“Defensor” na divulgação e registo das trigésimo aniversário do desaparecimento físico
realizações do Sector de Defesa, apresentada no do Marechal Samora Moisés Machel, fundador do
âmbito das comemorações do 25 de Setembro, dia Estado Moçambicano e Comandante supremo das

Licenciado em Direito; Antigo Editor - chefe da Revista 25 de Setembro.

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gloriosas Forças Populares de Libertação de 1. Valor estratégico das revistas “25 de
Moçambique – FPLM, que “(…) pisaram com Setembro” e “Defensor”
força os caminhos da liberdade e no fogo das suas As revistas “25 de Setembro” e “Defensor” são
armas fizeram romper o sol de Junho, essa publicações periódicas, de cunho informativo e
Independência que a todos ilumina.” jornalístico, especialmente criadas para a
Das FPLM nasceram as Forças Armadas de divulgação e registo das realizações do Sector de
Moçambique – FAM/FPLM, aquelas que, com a Defesa da República de Moçambique. A Revista
tenacidade e audácia de sempre, nos anos que se “25 de Setembro” teve, no passado, um valor
seguiram à independência, asseguraram a defesa estratégico que transcendia a simples publicação
da soberania, a integridade territorial. de conteúdos. O periódico, por outras palavras,
Não há sombra de dúvidas que, na actualidade, representava actos de verdadeira intervenção
as Forças Armadas de Defesa de Moçambique – social por parte do Sector de Defesa. Que ganhos
FADM, nas diferentes frentes, incluindo a da podem ser alcançados na actualidade com
divulgação das realizações do Sector da Defesa, iniciativas do género?
continuarão a responder aos desafios da Neste âmbito, faz-se aqui uma abordagem das
actualidade com a mesma tenacidade e vigor. duas realidades, numa perspectiva temporal,
Assim, neste artigo, começa-se com uma tendo em vista a maximização dos periódicos em
abordagem sobre o valor estratégico das revistas referência.
“25 de Setembro” e “Defensor”, abordando o seu
passado, e, depois, apresenta-se o seu papel na 1.1. No Passado
actualidade. A Revista “25 de Setembro” é das mais antigas
O segundo aspecto importante aqui discutido no país, tendo sido criada em 1965, no segundo
prende-se com a Linha Editorial, que constitui o ano da Luta Armada de Libertação Nacional. No
coração de qualquer publicação. Para além de período pós independência, a revista apresentava-
uma análise retrospectiva em torno dos passos se como uma expressão da diversificação das
que foram trilhados na definição de uma filosofia actividades do Sector de Defesa de Moçambique,
e enfoque das publicações, nesta secção, procura- através do registo e divulgação das respectivas
se ainda discutir a questão do investimento que realizações.
sempre é necessário quando uma instituição A actividade de Imprensa das então
pretende lançar-se ao desafio editorial. FAM/FPLM, que consubstanciava verdadeiras
Por fim, analisamos a dicotomia entre a intervenções militares de não-guerra , era
necessidade de guardar e proteger o segredo do desencadeada pelo Departamento de Informação
Estado e a necessidade de divulgar, com a devida e Propaganda, integrado no Comissariado
maximização das revistas em análise. Político das FAM/FPLM.
Uma abordagem desta índole não se pode O sentido de missão permitia ao jornalista –
pretender concluída nem almejar fazer militar, através do seu punho ou câmera
recomendações. Por isso, fechamos com singelas fotográfica, proceder ao registo fiel dos
considerações finais. acontecimentos, dando lugar à possibilidade de
Machel, S. M. ( ). Discurso de Encerramento do º Congresso da FRELIMO. Rádio Moçambique. Maputo: Palácio do º Congresso da
FRELIMO.

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os leitores vivenciá-los de forma aprofundada. com a divulgação e projecção de talentos
A ponta da esferográfica do jornalista - militar em sede do desporto recreativo nas
ia mais longe do que uma bala, graças à formação FADM;
militar aliada ao domínio da política nacional de c) As FADM podem, em termos concretos, e
defesa e segurança. Nestes termos, a Revista “25 através das revistas “25 de Setembro” e
de Setembro” trazia, dentre outros, os seguintes “Defensor”, replicar exemplos
ganhos: amplamente vantajosos, considerando
a) Consciencialização crescente da opinião que elas constituem um sector
pública nacional e internacional sobre os privilegiado em termos de unidade
efeitos da guerra, com particular nacional;
referência ao drama dos refugiados no d) As FADM podem, através das tecnologias
país; de comunicação, impulsionar o valor
b) Moralização das forças no teatro de estratégico das revistas “25 de Setembro”
operações, através da divulgação de dados e “Defensor”;
elucidativos sobre pesadas baixas e) As FADM podem reduzir a quantidade de
infligidas ao inimigo e de injecção de mais exemplares na versão impressa à favor da
efectivos com elevado nível de prontidão alternativa Web e/ou distribuição da
combativa; revista por via de lista de endereços
c) Capacitação técnica em matérias de electrónicos. Em termos práticos, os
emprego e conservação de equipamentos; custos de produção, com particular
d) Divulgação e projecção de talentos em enfoque na tiragem, decrescem numa
sede do desporto recreativo nas FADM. relação inversa à distribuição e
circulação.
1.2. Na Actualidade
Nos dias que correm, há ganhos do passado 2. Linha Editorial
que podem ser retomados pelas revistas “25 de A Linha editorial é aquela que é definida pela
Setembro” e “Defensor”, ainda que com os direcção do órgão de comunicação social, tendo
necessários ajustes, considerando os desafios que em vista o estabelecimento de um conjunto de
a actualidade coloca às FADM. valores que deverão caracterizar as respectivas
a) As FADM podem, através das revistas “25 publicações (Pena, 2005).
de Setembro” e “Defensor”, ampliar o Mais do que orientar o modo como cada texto
espaço de encontro e de passagem do será redigido e colocado em termos de
testemunho entre a geração dos precedência na apresentação ou edição final, a
libertadores da pátria e a dos mais novos linha editorial ajuda a seleccionar os conteúdos
no Sector da Defesa; que serão produzidos. É na selecção dos
b) As FADM podem, através das revistas “25 conteúdos que reside o interesse pela leitura dos
de Setembro” e “Defensor”, prosseguir mesmos.

As operações militares de não-guerra são aquelas que, sendo desencadeadas por militares, não visam necessariamente combater e
vencer um adversário. De acordo com Garcia, a ajuda humanitária, a evacuação de não - combatentes são exemplos desse tipo de
operações, cujo objectivo é diverso (Garcia, , p. ).

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Através de uma linha editorial devidamente objectivo de gerar um lucro, ou seja, o que se
aprimorada, um periódico pode comportar-se ganha a mais do que foi inicialmente investido.
como uma artilharia reactiva cujos projécteis Este acto, no caso da informação, pressupõe a
levam um motor a jacto que lhes permite maior aplicação de um capital que permita ao
velocidade e alcance. Nestes termos, o pesquisador ir ao encontro da informação
lançamento e ou publicação de conteúdos directamente ou por intermédio de determinadas
devidamente seleccionados desencadeia, fontes. Implica, ainda, a aquisição de meios,
simultaneamente, a autopropulsão dos mesmos. normalmente tecnológicos, que propiciem a
Mais do que pela publicação, os conteúdos aplicação da informação.
ganham velocidade e alcance graças à vida Alguns autores defendem a tese de que
própria. “investir na informação é investir no futuro.” No
caso das FADM, um investimento tem efeitos na
2.1. Aprimoramento duma Linha Editorial eficiência e deve ser realizado com os olhos no
Como aprimorar uma linha editorial para a futuro da nação. Mais do que apreciar os custos de
geração de conteúdos que suscitem interesse na produção e tiragem das revistas “25 de Setembro”
sua leitura? Como fazer com que a linha editorial e “Defensor”, há que apreciar os ganhos
leve os conteúdos da revista ao encontro dos estratégicos. Lembre-se de que a sociedade de
diferentes leitores? Há que se considerar dois comunicação e informação no campo dos Media é
aspectos fundamentais: interesse pelas dos mais activos construtores. Estes têm a
publicações e investimentos. capacidade de construir ou destruir.
Em síntese, uma linha editorial aprimorada
2.1.1. Interesse pelas Publicações permite que as edições de uma publicação,
Feita a descrição das etapas do aprimoramento principalmente na versão impressa, esgotem, não
de uma linha editorial, uma questão parece porque são distribuídas, mas porque são
inevitável: quais são os leitores que terão interesse procuradas. O fundamental: futuro da nação por
nas publicações? Eis alguns grupos de interesse: via de investimentos nas revistas do Sector de
ü A sociedade, interessando-se em conhecer Defesa da República de Moçambique.
as suas Forças Armadas;
ü Os militares, ao se reverem nas próprias 3. Da soberania e segredo de Estado à
publicações; maximização das revistas
ü Os inimigos da pátria, ao se informarem A maximização, o acto de maximizar, consiste
sobre o Sector de Defesa; em aproveitar ao máximo certos recursos. No caso
ü A polícia, para a prossecução de assuntos vertente, a maximização das revistas “25 de
respeitantes ao Sector de Segurança Setembro” e “Defensor” passa pelo aumento da
Interna. utilização das mesmas nos termos para os quais
foram concebidas: registo e divulgação das
2.1.2. Investimentos na Informação realizações do Sector de Defesa.
O investimento é o acto através do qual uma O Sector de Defesa é parte da soberania do
determinada entidade aplica um capital com o Estado, o conjunto dos poderes que regulam a

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nação politicamente organizada . Neste contexto, 4. Considerações Finais
existem matérias cuja publicação pode corroer a A revista “25 de Setembro”, no passado, teve
prontidão do Estado, designadamente aquelas que um valor estratégico que transcendia a simples
são abrangidas pelo “segredo de Estado” . publicação de conteúdos pelo facto de o Sector de
Considerando que o Sector de Defesa tende a Defesa, através do referido periódico, ter tido a
ser fechado, diminuindo a possibilidade de os oportunidade de desencadear actos de verdadeira
demais cidadãos acederem a informações não intervenção social.
restritas e potencialmente capazes de gerar Os ganhos do passado podem, com emprego
simpatias, as revistas “25 de Setembro” e das tecnologias de comunicação, ser retomados na
“Defensor”podem produzir um efeito volante na actualidade através do constante aprimoramento
imagem da instituição - a forma como o Sector de das linhas editoriais das revistas “25 de Setembro”
Defesa é visto por fora. e “Defensor”, o que fará com que as edições de
Os grandes talentos no domínio das artes, uma publicação, com particular referência na
cultura e outras, forjados à porta fechada em versão imprensa, esgotem, não porque são
instituições militares e no rigor da respectiva distribuídas, mas porque são procuradas.
disciplina, são algumas das matérias cuja Considerando que o Sector de Defesa é parte da
divulgação produz um efeito mobilizador no seio soberania do Estado, em sede da qual existem
da juventude. matérias cuja publicação pode corroer a prontidão
Nestes termos, no concernente à divulgação do Estado, há que se encontrar um meio-termo
das realizações do Sector de Defesa, há que se entre o direito de informar e o dever de observar os
encontrar um meio-termo entre o direito de limites decorrentes da lei.
informar e o dever de observar os limites
decorrentes da lei.

Referências Bibliográficas

Garcia, F. P. (2010). Da Guerra e da Estratégia: a Nova Polemologia. Lisboa: Prefácio.


Machel, S. M. (1984). Discurso de Encerramento do 4º Congresso da FRELIMO. Rádio Moçambique. Maputo: Palácio do 4º
Congresso da FRELIMO.
Maluf, S. (1995). Teoria Geral do Estado. 23 ed. São Paulo: Saraiva.
Maputo (2000). Dicionário Universal da Língua Portuguesa. 2ª Edição. Moçambique Editora, Lda .
Pena, F. (2005). 1000 Perguntas sobre Jornalismo. Rio de Janeiro: Editora Rio.

Legislação
(Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro, que regula o exercício do direito à informação).

Não há Estado perfeito sem soberania. O Estado é soberano ou não é. Jamais existirá Estado soberano se não houver supremacia total e
absoluta de sua soberania (Maluf, ).
“(…) o segredo do Estado designa os dados, informações, materiais e documentos, independentemente da sua forma, natureza e meios
de transmissão, aos quais tenha sido atribuído um grau de classificação de segurança e que requeiram protecção contra divulgação não
autorizada, cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é susceptível de pôr em risco ou causar danos à independência nacional, à
unidade, à integridade do Estado e à segurança interna e externa.” (Cf. Art. da Lei n.º / , de de Dezembro, que regula o exercício do
direito à informação).
Considerando que o volante é a peça que controla e/ou altera a direcção de um veículo, o efeito volante será, por analogia, o elemento
capaz de controlar e/ou alterar o rumo dos acontecimentos no concernente à imagem da instituição.

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A Coordenação Inter-Sectorial da Segurança Marítima
em Moçambique

Resumo
O presente artigo apresenta reflexões a respeito dos novos desafios da segurança
marítima em Moçambique, decorrentes das descobertas de recursos vivos e não vivos
no Canal de Moçambique, que colocaram o país na rota dos investidores mundiais.
Contém questões em torno da coordenação entre os sectores de defesa e segurança para
o controlo, a vigilância e a preservação dos recursos existentes. Examina as
competências da Polícia da República de Moçambique e da Marinha de Guerra no
Hosten Yassine Aly¹
domínio das actividades que concorrem para a garantia da ordem e segurança,
soberania, independência e integridade territorial do país.
Palavras-chave: defesa; segurança; espaços marítimos; controlo e vigilância

Abstract
This article presents reflections on the new challenges of maritime safety in Mozambique, due to the discoveries
of living and non-living resources in the Mozambique Channel, which put the country on the route of world
investors. It contains questions on coordination between the defense and security sectors for the control,
surveillance and preservation of existing resources. It examines the competencies of the Police of the Republic of
Mozambique and the Navy in the field of activities that contribute to the guarantee of order and security,
sovereignty, independence and territorial integrity of the country.
Keywords: defense; safety; maritime spaces; control and surveillance

Da delimitação à defesa e segurança do exclusiva, a zona contígua e os direitos aos fundos


mar em Moçambique marinhos de Moçambique são fixados pela Lei
Nos termos do número 1 do artigo 6 da 4/96, de 04 de Janeiro, Lei do Mar, o instrumento
Constituição da República de Moçambique jurídico interno que define os limites da
(CRM), o território da Republica de Moçambique intervenção do Estado moçambicano no Mar.
abrange toda a superfície terrestre, a zona Os limites da extensão das águas jurisdicionais
marítima e o espaço aéreo delimitado pelas moçambicanas estão estabelecidos na Convenção
fronteiras nacionais. A extensão, o limite e o das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
regime das águas territoriais, a zona económica (CNUDM) de 1982, vulgarmente conhecida por

Mestre em Ciências Militares Navais, Especialista em Administração Naval, Marinha de Guerra de Moçambique.

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Convenção de Montego Bay, nos termos dos jurisdição. Embora as Bassas da Índia sejam
artigos 3º (Mar Territorial), 8º (Águas Interiores), reivindicadas pelo Madagáscar, são ilhas
33º (Zona Contigua) e 57º (Zona Económica francesas e estão a meio caminha de Moçambique
Exclusiva). e de Madagáscar (Lopes, 2014, p. 27).
É evidente que os direitos do Estado no mar Note que, entre as águas jurisdicionais de
vão sendo reduzidos quanto mais se estende da Moçambique e as presumíveis 200 milhas de
linha de base para o mar, o significa que, no mar, resguardo da Ilha de João da Nova e Ilha Europa,
Moçambique é soberano dentro das 12 milhas há uma zona de intercessão de espaços marítimos
náuticas que correspondem à largura ao Mar fronteiriços, delimitando cada Estado a sua
Territorial. Os direitos do Estado vão reduzindo fronteira dentro do outro Estado, colocando em
entre as 12 e 24 milhas e, na Zona Económica causa a territorialidade consignada nos termos do
Exclusiva, o Estado é apenas soberano para fins artigo 6º da CRM.
económicos. Atendendo ao facto de existirem nestas águas
À semelhança da CNUDM, no ordenamento recursos económicos, haverá interesse do Estado
jurídico interno, na Lei do Mar, os artigos 4º, 8º, 9º moçambicano em preservar, proteger e controlar
e 13º definem os limites e os direitos do Estado as actividades económicas que nestas são
moçambicano nas suas zonas marítimas. desenvolvidas (como é o caso das pesca). Então, o
À semelhança de Moçambique, existem outros que acontecerá nestas zonas de intercessão é que
estados costeiros que, baseando-se na CNUDM, haverá presença de dois estados costeiros a
estabeleceram, nos termos dos seus exercerem políticas diferentes para a imposição
ordenamentos jurídicos, os limites e direitos das da presença naval, o que podemos chamar de
suas águas jurisdicionais, como é o caso de conflito de territorialidade, uma questão de defesa
Malawi, Madagáscar, Comores e a França. e segurança.
Embora o Direito Internacional Marítimo Dois pontos-chave devem ser considerados
estabeleça, através da CNUDM, os limites dos nesta abordagem: primeiro, em relação à
estados no mar, há zonas de intercessão entre os delimitação da fronteira leste da República de
espaços marítimos de estados próximos que Moçambique; segundo, em relação à garantia da
colocam em causa a territorialidade e a soberania segurança nacional, uma vez que a dissuasão das
do Estado. ameaças dum Estado costeiro deve começar pelo
Por exemplo, no Canal de Moçambique, entre controlo das suas fronteiras no mar e pela
Moçambique e Madagáscar, encontram-se as operacionalização das forças de defesa e
ilhas de João da Nova, Europa e Bassas da Índia, segurança. Em qualquer dos pontos acima
que não pertencem a Moçambique nem a referidos, os sectores da defesa e segurança têm
Madagáscar. Estas ilhas são de domínio privado uma tarefa importantíssima, que se resume na
da França, sendo administradas pela entidade execução da política de defesa nacional, prevista
indicada pelo Ministro do Ultramar Francês, que na Constituição da República de Moçambique, no
exerce funções administrativas e de controlo de artigo 265º.

Artigo º da Constituição da República de Moçambique. Marinha de Guerra de Moçambique.

13
A Política de Defesa e Segurança (PDS) foi Note que o facto de a PDS não referenciar
aprovada pela Lei 17/97, de 01 de Outubro, tendo directamente outras entidades, para além das
em conta situações conjunturais no país, na FADM e PRM, não significa que não haja espaço
região, no continente e no quadro internacional, para que as mesmas estejam integradas nas
por sinal, donde resultam os conflitos de interesse actividades de defesa e segurança.
referenciados anteriormente. Assim, em
conformidade com a PDS, definem-se: A coordenação sectorial para a segurança
a) Defesa Nacional: actividade marítima
desenvolvida pelo Estado, e pelos No ordenamento jurídico interno, as fronteiras
cidadãos, que visa assegurar a marítimas nacionais são delimitadas pela Lei
independência e a unidade nacional, 4/96, de 04 de Janeiro, que enaltece que as
preservar a soberania, a integridade e actividades marítimas assumem um lugar de
inviolabilidade e garantir o funcionamento relevo no contexto político, económico e social, o
normal das instituições e a segurança dos que justifica a necessidade de se adoptar um
cidadãos contra qualquer ameaça ou quadro legal que redefina os direitos de jurisdição
agressão armada. sobre a faixa do mar ao longo da costa
b) Segurança Interna: é a actividade moçambicana e que disponha sobre as bases
desenvolvida pelo Estado para garantir a normativas para a regulamentação da
ordem, a segurança e tranquilidade administração e das actividades marítimas para o
públicas, proteger as pessoas e bens, país.
prevenir a criminalidade, contribuir para Entretanto, à luz do Artigo 3º da Lei do Mar, a
assegurar o normal funcionamento das Política Marítima do Estado³ assenta sobre três
instituições, o exercício dos direitos e principais vectores:
liberdades fundamentais dos cidadãos e o a. A manutenção da soberania e integridades
respeito pela Constituição e legalidade.Nos marítimas nacionais;
termos da PDS, a questão militar da defesa b. O desenvolvimento e a melhoria da
é assegurada pelas Forças Armadas de economia marítima nacional; e
Defesa de Moçambique, e a não militar c. O desenvolvimento e a melhoria das
pelos demais órgãos do Estado. condições sociais, ambientais e outras
Relativamente à ordem, segurança e decorrentes das actividades marítimas.
tranquilidade, esta é assegurada pela Embora a Lei do Mar tenha por objectivo a
Polícia da República de Moçambique e regulamentação dos espaços marítimos
demais instituições criadas por lei, com o nacionais⁴, a mesma deixou um vazio muito
apoio da sociedade em geral (PDS, artigos significativo em relação à competência dos
8º e 12º). setores com interesse no mar. Como

Por definição da alínea d), do Artigo º da Lei / , de de Janeiro, o Estado significa a República de Moçambique.
Note que, na Lei / , de de Janeiro, utiliza-se frequentemente o termo Zonas Marítimas e não espaços marítimos, deixando em
aberto uma outra discussão, que não é relevante para o presente artigo.

14
consequência desta falta de clareza, resulta que problema associado ao maritime safety, devido à
várias instituições concorrem para as mesmas sua origem e a forma como se desenvolve, pode
actividades marítimas no domínio da segurança rapidamente torna-se num problema de maritime
marítima no geral. O conceito de segurança security e, consequentemente, num problema de
marítima está separado em duas principais defesa e segurança.
vertentes, nomeadamente maritime safety e Portanto, segurança marítima, em quaisquer
maritime security. A vertente maritime safety, dos conceitos acima citados, é tida como
tradicionalmente, engloba o conjunto de acções prioridade de qualquer Estado, à medida que
que visam garantir a segurança da navegação, que emergem, no quotidiano, novas situações que
se traduz nas actividades de busca e salvamento obrigam à reafirmação das fronteiras nacionais
marítimo, monitoria e controlo de trafego nos espaços marítimos. A questão da segurança
marítimo, segurança e apoio à navegação e outras marítima não está somente centralizada na
formas de actuação que possibilitam a definição dos limites marítimos (geográficos) do
salvaguarda da vida no mar, proteção e país, mas na coordenação das actividades que
preservação do meio ambiente e do combate à visam garantir a segurança marítima (de bens,
poluição. A maritime security, tradicionalmente, pessoas e outros).
traduz-se no controlo do cumprimento da Atendendo que o país não dispõe de
legislação no que concerne a actividades ilícitas capacidade para posicionar os seus agentes de
de natureza criminal que decorrem nos espaços defesa e segurança em permanência no mar, uma
marítimos, com incidência no terrorismo alternativa correcta seria a coordenação
transfronteiriço, o contrabando, o narcotráfico, o institucional para colmatar este défice. Todavia, a
tráfico de armas, o tráfico de seres humanos, a Lei 16/2013, de 12 de Agosto, estabelece a
migração clandestina, num leque diversificado de organização funcional da Polícia da Republica de
intervenções que colocam em causa a vida de Moçambique (PRM), enquadrando dois ramos
pessoas e bens (Mota, 2010, p. 6). que importam referir, nomeadamente
Em termos gerais, a garantia da soberania, a. A Polícia de Fronteiras , cuja função é a
integridade territorial e independência nacional protecção e guarda das fronteiras
no domínio marítimo são sustentadas por um moçambicanas;
conjunto de acções desenvolvidas pelo Estado, b. A Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial ,
representado pelos órgãos, entidades e agentes cuja função se resume no desempenho das
que o constituem, através de tarefas de actividades de polícia no espaço marítimo,
patrulhamento marítimo, vigilância e fiscalização lacustre e fluvial.
dos espaços marítimos nacionais, fiscalização das Entretanto, o Decreto 71/2016, de 30 de
actividades marítimas, que traduz na proteção, Dezembro, estabelece que a Marinha de Guerra de
preservação e controlo do mar. Todavia, um Moçambique é o ramo das Forças Armadas de

Prevista na alínea c), do número do artigo da Lei / .


Vide artigo da Lei / .
Prevista na alínea d), do número do artigo da Lei / .
Vide artigo da Lei / .

15
Defesa de Moçambique com as funções de defesa, tem sido definido como a integração das
controlo e vigilância da costa marítima e águas manifestações do Poder Nacional que têm o mar
interiores. como meio de actuação (Carvalho, 1981, p. 126).
Em termos teóricos, ficam claramente Em Moçambique, o poder marítimo necessita
definidas as competências da Polícia de Fronteira, duma reorganização para a sua racionalização, de
Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial e da Marinha forma que o Estado, como um conjunto de
de Guerra de Moçambique. Quando analisadas as instituições, órgãos e agentes, não esteja a
normas que aprovam estes ramos, facilmente despender os escassos recursos financeiros para a
observa-se que, sendo a PRM aprovada por lei salvaguarda da defesa e segurança marítima.
(leia-se a Lei 16/2013) e as FADM por decreto Para a questão sobre o espaço de actuação da
(leia-se Decreto 71/2016), fica a ideia de que sobre Polícia de Fronteira, a resposta certa carece dum
a consciência do legislador pesou mais a questão estudo de investigação profundo . Porém, a
da segurança e não da defesa. Entretanto, esta adequada seria nas fronteiras marítimas
questão não é relevante, sendo o objectivo nacionais, sob coordenação com da Marinha de
promover um mecanismo de coordenação Guerra de Moçambique, somente nas actividades
sectorial. de polícia. Entretanto, importa ressalvar que as
Por um lado, a polícia e a Marinha de Guerra fronteiras marítimas nacionais continuam a ser
actuam nos espaços marítimos sob jurisdição um espaço de necessidade reafirmação, visto que,
nacional sem qualquer legislação que defina os nos termos da legislação vigente, há varias zonas
limites dos teatros de operações de cada força, marítimas cujas fronteiras carecem de acordos
deixando à discricionariedade a definição da área com outros países, situação que é agravada pelo
de responsabilidade de cada uma das forças. Note posicionamento da França no Canal de
que é usual que a Polícia Costeira, Lacustre e Moçambique.
Fluvial desenvolva as suas operações dentro do Portanto, para controlar e vigiar o mar de forma
Mar Territorial, equivalente a 12 milhas náuticas a permanente, deverá existir um núcleo
partir da linha de base. A Marinha de Guerra, por coordenador das actividades quer sejam da
sua vez, actua entre as 12 e 200 milhas náuticas, polícia, quer sejam das forças armadas com
isto é, na Zona Económica Exclusiva a partir do competência para preparar, aprontar e empenhar
limite exterior do Mar Territorial. Por outro lado, os meios navais sempre que necessários para a
as instituições mencionadas anteriormente são intervenção no mar, o que geralmente se designa
parte fundamental do poder marítimo nacional. por Sistema de Autoridade Marítima Nacional
O Poder Marítimo de um país corresponde aos (SAMN). Porém, o SAMN não deverá se limitar
elementos do seu Poder Nacional, ou Força Total, aos sectores de defesa e segurança, podendo ser
que contribuem para a realização dos seus transversal a todos os sectores do Estado
Interesses Marítimos. Poder Marítimo também moçambicano com interesse no mar (pescas,

Este estudo passa por perceber a sua organização funcional, áreas de actuação, formas de actuação, mecanismos de coordenação
com a Marinha de Guerra. Note que, em termos históricos, uma força equiparada à Polícia de Fronteira já fez parte do Ministério da
Defesa Nacional.

16
cultura e turismo, ensino, transportes e económica, e que responda aos desafios colocados
comunicações, ambiente e outros). à promoção, crescimento e competitividade de
O Mar é também um espaço de afirmação uma economia azul, rentável e sustentável .
estratégica em vários domínios, nomeadamente A incontornável decisão de investimento nos
político, diplomático, militar, económico, social e sectores de defesa e segurança para assegurar a
ambiental. Nestes domínios, a imposição da independência e a unidade nacional, preservar a
presença e permanência no mar é variável, uma soberania, a integridade e inviolabilidade e
vez que os investimentos nesta matéria são garantir o funcionamento normal das instituições
elevados , um custo que quem pretende e a segurança dos cidadãos contra qualquer
desenvolver ilícitos no mar se disponibiliza a ameaça ou agressão armada e para garantir a
pagar. ordem, a segurança e tranquilidade públicas,
proteger as pessoas e bens, prevenir a
Considerações finais criminalidade, contribuir para assegurar o normal
Numa fase em que o país caminha para o funcionamento das instituições, o exercício dos
quinquagésimo aniversário da sua independência, direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e
é completamente aceitável que esteja em o respeito pela Constituição e legalidade,
frequentes adaptações, reorganizações e perseguirá o poder político, dadas as várias
restruturações no que concerne aos assuntos de ameaças que têm vindo a emergir no espaço
defesa e segurança no espaço marítimo. Aliás, marítimo nacional.
várias comissões foram criadas desde a década de Contudo, a questão da defesa e segurança
90 até a presente data para encontrar a melhor marítima é não inegociável para o Estado
forma de preservar e beneficiar de forma (moçambicano), justificando-se pelas avultadas
sustentável do mar, garantindo a segurança quantidades de riquezas (recurso vivos e não
marítima. vivos) que jazem nos espaços marítimos
Os meios navais e de vigilância existentes nos nacionais, que poderão estar na origem dos
vários sectores devem ser catalogados no sistema problemas de defesa e segurança. Não é
de autoridade marítima por criar, o que não aconselhável para o país contratar quaisquer
implica que tenham que ser movimentados dum serviços privados, estrageiros ou nacionais para a
lugar para o outro, ou duma instituição para outra. gestão da defesa e segurança ou para a análise da
O pressuposto da coordenação assenta sobre o defesa e segurança. A defesa e segurança são os
conhecimento da situação e a alocação do meio dois grandes segredos para o desenvolvimento e
adequado para uma resposta eficaz, eficiente e crescimento de qualquer nação.

Vide o preâmbulo da Resolução / , de de Setembro, Política e Estratégia do Mar.

17
Referências Bibliográficas
Carvalho, V. d. (1981). Nação e Defesa. Lisboa: IDN.
Lopes, J. (2014). Ilhas dispersar, tesouros no Canal de Moçambique. Maputo : CESAB.
Mota, F. S. (2010). Segurança Marítima, o caso nacional e perspectivas de futuro. Lisboa: IESM.
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar [CNUDM] de 1982
Constituição da República de Moçambique
Lei 4/96, de 04 de Janeiro, Lei do Mar
Resolução 39/2017 de 14 de Setembro, Política e Estratégia do Mar.
Decreto 71/2016 de 30 de Dezembro, Estrutura Orgânica das Forças Armadas de Defesa de Moçambique
Lei 16/2013, de 12 de Agosto, Estabelece a organização e funcionamento da Polícia da República de Moçambique.

18
Susceptibilidade de incêndios urbanos nos bairros
do Município de Maputo

Resumo
Este trabalho analisa a susceptibilidade de incêndios urbanos
em 36 bairros do Município de Maputo, em Moçambique,
com base em registos para o período de 1999 a 2012. Os
modelos de susceptibilidade construídos através do método
do Valor Informativo permitem concluir que a distribuição
dos incêndios no Município de Maputo não é aleatória, sendo
Rodrigues Nhiuane Jose Luís Zêzere influenciada pelas seguintes condições: quarteirões com
Cumbane
dimensão de pelo menos 10 hectares, com mais de 200
edifícios, com uma população superior a 1000 habitantes e uma densidade populacional entre 500 e 5000
2
hab/km , com predomínio de prédios com mais de 2 pisos, destinados à habitação, comércio e serviços. Os
incêndios são ainda favorecidos pela existência de pequenas oficinas ou outras instalações que usam soldadura
como ferramenta de trabalho, bem como pela existência de problemas em instalações eléctricas, tais como
equipamentos sem isolamento, potência consumida superior à potência contratada, indiciando algum improviso
ou desvio de corrente. A susceptibilidade de incêndios tende a concentrar-se nos bairros de maior urbanização,
como Polana Cimento B, Alto Maé B, Central A, Central B, Coop, Costa do Sol, Mahotas, Central C,
Chamanculo A, Malhangalene A. Excepcionalmente, temos bairros como Malhazine e Zimpeto que, não sendo
urbanos, apresentam igualmente elevados níveis de susceptibilidade. A disposição diferenciada da
susceptibilidade é explicada pela heterogeneidade existente entre os espaços geográficos que constituem a área
de estudo, pela presença diferenciada dos factores condicionantes e pelo histórico de recorrência de casos de
incêndios.
Palavras-chave: Incêndios urbanos, Susceptibilidade, Valor Informativo.

Abstract
This paper analyses the susceptibility of urban fires in 36 neighbourhoods in Maputo Municipality in
Mozambique. The analysis is based on time series data from 1999 to 2012. The susceptibility models which were
constructed through Informative Value method lead to conclude that urban fires are not randomly distributed
along the Maputo Municipality, rather, they are influenced by factors such as blocks with at least 10 hectares
containing more than 200 buildings and dwelled by more than 1000 inhabitants; population density in the range
Doutor em Território, Risco e Políticas Públicas pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa;
Mestre em Administração Pública pelo Instituto Superior de Administração Pública (ISAP); Licenciado em Ciências Policiais pela
ACIPOL. Docente-Investigador e Director de Investigação e Extensão da ACIPOL.
Professor Catedrático do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. Investigador do Centro de
Estudos Geográficos e Coordenador do Núcleo de Investigação “Avaliação e Gestão de Perigosidades e Risco Ambiental” (RISKam).

19
500 - 5000 hab/km2; predominance of building with more than 2 floors jointly used for dwelling, business
activities and services. Furthermore, urban fires are influenced by the existing small parcels used for informal
car repair services and others alike; bypass of electric network as well as by troubleshooting in electric due to
non-isolated equipment; power consumption above the supplied capacity. Fire susceptibility tends to be
concentrated in neighborhoods more urbanized such as Polana Cimento B, Alto Maé B, Central A, Central B,
Coop, Costa del Sol, Mahotas, Central C, Chamanculo A, Malhangalene A. Exceptionally, we have
neighborhoods like Malhazine and Zimpeto that, not being urban, also present high levels of susceptibility.
The spatial distribution of susceptibility is due to heterogeneity in the existing geographical spaces of the
study area, by a twisted presence of the driving factors as well as by the historic persistent cases of urban
fires.
Key-word: Urban fire; Susceptibility; Informative Value.

1. Introdução pobreza urbana, com infra-estruturas predomi-


O objecto do presente artigo é a susce- nantemente precárias e com uma grande
ptibilidade de incêndios urbanos no Município de densidade populacional.
Maputo, em Moçambique. Os incêndios urbanos Em Moçambique, acresce-se aos factores
constituem um dos perigos presentes no tradicionais das migrações campo-cidade, a
quotidiano, sendo que a sua ocorrência pode guerra civil que afligiu o país durante 16 anos,
resultar na morte de pessoas, destruição de infra- assim como uma série de calamidades naturais
estruturas, interrupção de actividades, para além (secas, inundações) que agudizaram muito as, já
de efeitos sobre o ambiente. A adopção de de si, precárias condições de vida nas zonas rurais,
políticas e a criação de instrumentos de gestão do fazendo com que Maputo fosse o destino de
risco de incêndios urbanos implica o eleição (Araújo, 2006, p. 3-4). Dados do Instituto
conhecimento detalhado das áreas susceptíveis a Nacional de Estatística indicam que a população
este tipo de perigo e a avaliação das suas do Município de Maputo passou de 966.837
consequências potenciais, em função da habitantes, em 1997, para 1.094.315 habitantes,
vulnerabilidade dos elementos expostos nessas em 2007. Em 2007, a densidade demográfica de
áreas (populações, infra-estruturas e actividades Maputo era de 3.148 habitantes por km²
desenvolvidas). (INE:2007). Paralelamente, o Município de
O facto de as cidades, tendencialmente, Maputo apresenta um parque habitacional antigo
apresentarem melhores condições em infra- e, muitas vezes, mal conservado, ao qual se
estruturas sociais e oferta de oportunidades de acresce a emergência de bairros de expansão
emprego explica a concentração de pessoas nas urbana, por vezes, informais e com elevados
zonas urbanas. Porém, a oferta limitada de terra, o níveis de ocupação, precárias condições de
alto custo de vida e a falta de políticas efectivas de saneamento, fraca rede de infra-estruturas
ordenamento territorial e de habitação para públicas, incluindo instalações eléctricas
responder ao crescimento populacional resultam, vulneráveis, o que espelha a pobreza urbana.
amiúde, no surgimento de bairros assolados pela Considerando a tese de Seito et al. (2008), de que

20
as ocorrências de incêndios são em maior número condicionantes para este tipo de risco e não
em regiões mais densamente povoadas, percebe- existirem, no entanto, estudos preditivos capazes
se do cenário de vulnerabilidade descrito que de determinar a incidência espacial do fenómeno,
existe uma propensão para o Município de o que seria importante para sustentar a
Maputo ser afectado por incêndios. implementação de políticas de protecção civil.
O risco de incêndio urbano tem sido, Acioly & Dadson (1998) estabelecem uma
sobretudo, explorado numa perspectiva estrutural relação directa entre a densidade de ocupação,
do edifício, nomeadamente no contexto da acessibilidade e os incêndios urbanos. Para estes
engenharia civil, onde o enfoque é a segurança do autores, áreas com elevado índice de densidade de
edifício desde a sua projecção, selecção dos ocupação, especialmente nas cidades africanas e
materiais, construção e manutenção. asiáticas, registam um elevado histórico de
Sem a pretensão de proceder à análise ocorrências de incêndios, tendo como causas
completa do risco, este artigo dá um importante principais as precárias condições habitacionais,
passo para que isso aconteça, ao analisar a as ligações clandestinas e improvisadas à rede de
incidência espacial de incêndios (suscepti- distribuição eléctrica, e o uso indiscriminado e
bilidade) numa escala mais alargada (quarteirão e sem os devidos cuidados de madeira e carvão
bairro). como fontes de energia.
O objectivo geral do artigo consiste na análise Adicionalmente, as questões de pesquisa
da susceptibilidade de incêndio no Município de encontram sustentação em trabalhos mais
Maputo. Especificamente, pretende-se: (i) recentes de Palomino (2001), Istre et al. (2001),
efectuar o levantamento e tratamento estatístico Santos et al. (2001) e Warda et al. (2004). Os
do histórico de ocorrências de incêndios em autores referidos defendem a existência de
Maputo entre 1999 e 2012; (ii) identificar áreas factores que condicionam a ocorrência de
com maior incidência histórica de ocorrência de incêndios em espaços urbanos, nomeadamente as
incêndios; (iii) determinar a susceptibilidade de vias de acesso, o tipo de material de construção
incêndios a nível do espaço municipal; (iv) predominante no edificado, a existência de
identificar factores condicionantes mais eficazes edifícios devolutos, a alta densidade das áreas
para explicar a distribuição espacial dos incêndios edificadas (alta taxa de ocupação do lote) e a
urbanos no Município. qualidade das instalações da rede de distribuição
A pesquisa realizada passou por aferir de que eléctrica, pois estas características facilitam a
maneira as ocorrências de incêndios se distribuem propagação dos incêndios e impedem que os
pelo Município de Maputo e que factores bombeiros alcancem facilmente os locais
condicionantes melhor explicam essa afectados.
distribuição? As questões levantadas são A hipótese de investigação é de que “a
particularmente relevantes para esta pesquisa, incidência espacial dos incêndios urbanos no
pelo facto do Município de Maputo possuir Município de Maputo não é aleatória, a sua
bairros com características que configuram os distribuição é condicionada por um conjunto de
factores constatados por vários estudos no factores demográficos e infra-estruturais.
domínio dos incêndios urbanos como Conhecendo-se os factores que condicionam a

21
sua distribuição, é possível, através do método do assenta em métodos com aplicação a escala de
Valor Informativo, prever a localização de edifício.
ocorrências futuras e determinar a importância Outra razão é a constatação de que as políticas
relativa de cada factor na predição espacial dos e instrumentos de protecção civil a nível do
incêndios.” Trata-se, por outras palavras, de Município de Maputo negligenciam a abordagem
procurar identificar, na área de estudo, quais as dos incêndios, não existindo um instrumento de
variáveis que têm mais capacidade explicativa na referência que permita uma intervenção
incidência espacial dos incêndios. planificada, coerente e global em caso de uma
A base para testar a hipótese atrás formulada ocorrência.
implica a sistematização de um inventário do Este trabalho pode contribuir para que os
histórico de ocorrências de incêndios no espaço incêndios urbanos entrem, finalmente, na agenda
em observação, num período temporal suficien- pública em Moçambique e que sejam tidos em
temente alargado para ter significado estatístico, conta na formulação, decisão e implementação de
no caso, o período compreendido entre 1999 e políticas públicas a nível de ordenamento do
2012. espaço urbano municipal.
O uso do método do Valor Informativo
justifica-se pela eficácia que a sua utilização 2. Área de Estudo: Município de Maputo
demostrou em estudos de análise espacial em que O Município de Maputo tem como núcleo a
uma variável dependente binária (pre- cidade com o mesmo nome, capital da República
sença/ausência) se relaciona com um conjunto de de Moçambique, e situa-se na parte sul do país
variáveis condicionantes independentes, como é o (Figura 1).
caso da avaliação da susceptibilidade a
movimentos de vertente (Yan, 1988; Yin & Yan,
1988; Zêzere, 1997; Pereira, 2009; Guillard &
Zêzere, 2012). No caso do presente estudo, a sua
utilização é importante na medida em que, sendo
um método estatístico bi-variado, permite aferir
de forma muito precisa a relação entre a presença
da variável condicionante e a presença de
incêndio numa mesma unidade territorial.
A relevância teórica do trabalho assenta no
facto de abordar uma área científica ainda menos
explorada em Moçambique, esperando-se que o
mesmo venha a suscitar interesse pelo assunto e
sirva de base para o debate académico neste
domínio. Um aspecto inovador é a utilização do
método do Valor Informativo no estudo de
incêndios urbanos, o que permite uma avaliação a Figura 1 – Mapa de Moçambique (Fonte: Guia
Geográfico Moçambique).
uma escala municipal diferente da tradicional, que

22
A cidade de Maputo situa-se a 120 km da fronteira urbano da cidade de Maputo, delimitando-a das
com a África do Sul e a 80 km da fronteira com a áreas mais suburbanas e de expansão municipal
Suazilândia. A capital de Moçambique localiza-se mais recente. Por seu turno, o distrito kaNyaka é
a oeste da baía de Maputo, onde desaguam os rios uma ilha e, à semelhança do distrito kaTembe, está
Tembe, Umbeluzi, Matola e Infulene, a uma fisicamente separado do resto da cidade pela baía
altitude média de 47 metros e os seus limites de Maputo.
correspondem às latitudes 25º 49' 09" S (extremo A área com maiores índices de urbanização
norte) e 26º 05' 23" S (extremo sul) e às longitudes pertence ao distrito municipal kaMpfumu, que
33° 00' 00" E (extremo leste - considerada a ilha de compreende os bairros Central A, Central B,
Inhaca) e 32° 26' 15" E (extremo oeste). A norte, a Central C, Alto Maé A, Alto Maé B, Malhangalene
cidade de Maputo faz fronteira com o distrito de A, Malhangalene B, Polana Cimento A, Polana
Marracuene, a noroeste e oeste com o Município Cimento B, Coop e Sommerchield. Por seu turno,
da Matola, a oeste com o distrito de Boane, e a sul os distritos municipais de kaMavota e
com o distrito de Matutuíne, todos pertencentes à kaMubukwana são os que se localizam nas áreas
província de Maputo. mais periféricas da cidade, sendo resultado do
O Município de Maputo subdivide-se em 7 crescimento urbano dos anos pós independência
Distritos (Unidade Administrativa Autárquica), (Araujo, 2006). Devido à indisponibilidade e/ou
nomeadamente kaMpfumu, Nhlamankulu, incongruência de dados de ocorrências de
kaMaxakeni, kaMavota, kaMubukwana, incêndios nos relatórios do Serviço Nacional de
kaNyaka e kaTembe, que se encontram, por sua Salvação Pública (SENSAP), os bairros dos
vez, divididos em bairros e quarteirões. De acordo distritos de kaTembe e kaNyaka não fizeram parte
com o Centro Nacional de Cartografia, Maputo desta pesquisa. O estudo considerou a parte
ocupa uma área de 347,69 km2. A população do continental do Município de Maputo, de onde
Município de Maputo é maioritariamente jovem, foram seleccionados 36 bairros, em função da
situando-se na ordem dos 60 % os munícipes na disponibilidade e fiabilidade dos dados.
faixa etária entre 15 e 59 anos de idade. O grupo de
idade mais representativo é o dos 20 a 24 anos, 3. Conceitos de Incêndios Urbanos e de
com 12,4 % da população total. Em termos do Susceptibilidade
género, a população masculina é de 48,7 %, Entende-se por incêndio urbano a combustão
enquanto a feminina é de 51,3 %, embora quando sem controlo, no espaço e no tempo, dos materiais
analisado o grupo de idade mais representativo combustíveis existentes em diversas infra-
(20 a 24) a diferença percentual seja ínfima, estruturas ou instalações, provocando a sua
equivalente a 0,2% (Conselho Municipal de destruição parcial ou total em ambiente urbano,
Maputo, 2011). fora de instalações industriais (Palomino, 2001;
O distrito municipal kaMpfumu representa a Castro & Abrantes, 2005).
zona mais urbana do Município, constituindo o A susceptibilidade representa a propensão para
núcleo da cidade de Maputo. Os distritos uma área ser afectada por um determinado perigo
municipais de Nhlamankulu, kaMaxakeni, em tempo indeterminado, sendo avaliada através
kaMavota e kaMubukwana localizam-se na zona dos factores de predisposição para a ocorrência
mista, constituindo a cintura imediata do núcleo

23
dos processos ou acções, não contemplando o seu dia com mais casos; a identificação dos bairros
período de retorno ou a probabilidade de com maior e menor incidência histórica de
ocorrência (incidência espacial do perigo) (Julião eventos; os tipos de elementos afectados; e as
et al., 2009). causas e consequências conhecidas.
Após construir a base de dados do histórico de
4. Dados e Métodos incêndios, iniciou-se a avaliação da incidência
Os dados utilizados foram recolhidos em 2 espacial dos casos (susceptibilidade), o que, numa
níveis fundamentais: fase posterior, possibilitará o cálculo da
i. Recolha de dados do histórico de probabilidade temporal de ocorrência de
ocorrências de incêndios urbanos para o incêndios nestes bairros e a consequente
período 1999-2012, a partir da análise dos determinação da perigosidade (onde e quando
registos existentes nos livros do SENSAP e do podem vir a ocorrer incêndios no futuro no
arquivo do Jornal Notícias de Maputo, território em análise).
buscando a localização, as causas e as A avaliação da susceptibilidade a incêndios
consequências conhecidas. O uso do histórico urbanos foi feita ao nível do quarteirão, com base
de ocorrências em estudos de incêndios no Método do Valor Informativo, de modo a
urbanos é aceitável em contextos em que as identificar o peso específico de cada classe dentro
condições do passado sejam iguais ou de cada variável condicionante. O uso do método
semelhantes às do presente (Yung, 2008) e do Valor Informativo justifica-se pela eficácia
projectáveis para o futuro. demonstrada em estudos anteriores no domínio da
ii. Inventariação dos elementos das variáveis susceptibilidade (e.g. Yan, 1988; Yin & Yan,
necessárias para o estudo da susceptibilidade: 1988; Zêzere, 1997; Pereira, 2009; Guillard &
dimensão dos quarteirões; tipologia da Zêzere, 2012). Embora menos difundida a sua
edificação predominante na área de estudo; utilização na modelação da susceptibilidade aos
número de casas por quarteirão; presença de incêndios urbanos à escala municipal, o método
instalações técnicas susceptíveis de causar do Valor Informativo mostrou-se adequado
incêndio (e.g. bombas de combustíveis e considerando os objectivos definidos e a base de
oficinas de soldadura); qualidade das dados construída.
instalações eléctricas; número de habitantes Sustentado na transformação logarítmica da
por quarteirão; densidade populacional; e razão entre a probabilidade condicionada e a
número de habitantes por edifício. probabilidade a priori, o método do Valor
As informações sobre o histórico de Informativo permite, segundo a verificação de
ocorrências foram integradas numa base de dados Zêzere et al. (2009), a ponderação de cada classe
em Excel 2007, com vista a permitir o seu de cada factor condicionante. Com vista a
tratamento estatístico. Este exercício teve em viabilizar a utilização deste método, procedeu-se
vista descrever a situação dos incêndios no espaço ao cálculo das probabilidades a priori e
de pesquisa, nomeadamente a evolução temporal condicionadas das classes das variáveis de
dos incêndios; a distribuição dos incêndios nos análise, o que permitiu identificar os factores que
meses do ano e a determinação dos períodos do mais contribuem para a explicação da distribuição

24
espacial dos incêndios ao nível dos bairros. A integração dos valores informativos finais
O cálculo das probabilidades condicionadas em cada unidade cartográfica (quarteirão) é dada
foi efectuado através da seguinte equação: pela seguinte equação:
Pccl= Si
Ni
Onde:
PCcl é a probabilidade condicionada da classe Onde:
cl; m = nº de variáveis;
Si = n.º de quarteirões com incêndio e presença Xij é igual a 1 ou 0, consoante a variável cl está
da classe cl; ou não presente na unidade cartográfica q,
Ni = n.º de quarteirões com presença da classe respectivamente.
cl. Para permitir uma análise exaustiva das
Para além das probabilidades condicionadas, o variáveis da matriz, a unidade geográfica
exercício matemático da determinação da considerada foi o quarteirão, aproveitando-se a
susceptibilidade integra a probabilidade a priori divisão administrativa em vigor. A tabela 1
de ocorrência de incêndios urbanos, a qual traduz sistematiza, com detalhe, as variáveis que foram
a probabilidade de uma unidade territorial (neste utilizadas para o cálculo do Valor Informativo,
caso o quarteirão) registar uma ocorrência de conhecendo-se o histórico de incêndios de cada
incêndio sem considerar os factores unidade geográfica e a respectiva área.
condicionantes. Esta probabilidade resulta da A construção dos modelos preditivos com o
razão entre o número de quarteirões com Valor Informativo decorreu em duas fases. Na
incêndios e o número total de quarteirões primeira fase, foi utilizada toda a população das
estudados. A expressão matemática da unidades geográficas que possuem histórico de
probabilidade a priori é dada pela seguinte recorrência de incêndios (2 ou mais ocorrências)
equação: para ponderar as variáveis condicionantes e
construir um primeiro modelo preditivo (Modelo
PP = S
N de Susceptibilidade 1). Na segunda fase, as
unidades geográficas que registam recorrência de
Onde: incêndios passados foram divididas aleatoria-
PP é a probabilidade a priori de ocorrência de mente em dois grupos de dimensão equivalente:
incêndios urbanos; grupo de modelação e grupo de validação. O
S = n.º de quarteirões com incêndio; grupo de modelação foi utilizado para ponderar,
N = n.º total de quarteirões. novamente, as variáveis condicionantes, constru-
O Valor Informativo de uma classe cl é obtido pelo indo, assim, um segundo modelo preditivo
logaritmo natural da razão entre a probabilidade (Modelo de Susceptibilidade 2), o qual foi
condicionada da classe cl e a probabilidade a priori: validado de modo independente por confronto
com o grupo de validação.
Com vista a avaliar a capacidade preditiva do
modelo e assegurar a utilidade dos mapas de

25
susceptibilidade produzidos com o método do 5 . Resultados
Valor Informativo, procedeu-se à sua validação 5.1. Estatística Descritiva do Histórico de
através da construção de curvas ROC (Receiver Incêndios Urbanos no Município de Maputo
Operating Curve), de sucesso e de predição, que (1999 - 2012)
têm a vantagem de dispensar o método tradicional
de “esperar para ver” até que ponto os espaços Através do inventário de casos de incêndios no
preditos pelos modelos voltam a registar novas período de 1999 a 2012, foi possível criar uma
ocorrências (Pereira, 2009; Oliveira, 2012; base de dados do histórico de incêndios urbanos
Marques, 2013;). com 887 ocorrências validadas, distribuídas em
576 quarteirões dos 36 bairros do Município de
Tabela 1 – Matriz de variáveis para o cálculo do Valor
Informativo.
Maputo (figura 2).
A distribuição dos incêndios no território não é

26
uniforme nos trinta e seis bairros estudados, 5.2 Distribuição dos Incêndios pelos meses
havendo tendência para maior concentração nos do ano
bairros mais antigos e de maior urbanização do A tabela 2 ilustra o comportamento dos
município (eg. Central B, Central C, Central A, registos de incêndios urbanos ao longo dos meses
Alto Maé B e Malhangalene B, Polana Cimento B, do ano. Os dados indicam que há maior
Malhangalene A, Xipamanine, Mafalala, concentração de incêndios durante os meses de
Maxaquene A, Maxaquene B e Chamanculo A), Julho (120) e Agosto (93), seguidos de Novembro,
devido à maior presença dos factores Dezembro e Janeiro, todos com um registo acima
condicionantes como: densidade de edificações e de 80 ocorrências. O mês com menor número de
demográfica; a degradação e sobrecarga das ocorrências é Março, com um registo de 44 casos.
instalações eléctricas; a presença de pequenas Esta tendência pode estar relacionada com o mau
oficinas caseiras que utilizam a soldadura como tempo que caracteriza os meses de Julho e Agosto
principal técnica de trabalho; fraco ordenamento (Inverno no hemisfério meridional),
territorial (eg. acessos condicionados). principalmente a ocorrência de ventos fortes que
funcionam como factor catalisador
de desestabilização da corrente
eléctrica, criando curto-circuitos
nos bairros. Para além de provocar
curto-circuitos, a ventania faz com
que a Electricidade de
Moçambique (EDM), empresa for-
necedora de electricidade, desligue
a corrente para evitar acidentes e
isso leva a que muitas pessoas
recorram ao uso de velas e can-
deeiros como fontes alternativas
para a iluminação, aumentando a
probabilidade de ocorrência de
mais incêndios neste período.
Por outro lado, a concentração
de ocorrências nos meses de
Novembro, Dezembro e Janeiro
pode explicar-se pela tendência
natural do maior consumo de
energia e de utilização de outras
fontes de iluminação durante as
férias do natal e do fim do ano,
Figura 2 – Mapa dos quarteirões com incêndios conforme foi assumido pelos
validados no Município de Maputo. técnicos da EDM.

27
Tabela 2– Distribuição das ocorrências pelos meses do ocorrem durante a noite, quando as pessoas estão a
ano (fonte dos dados: registos dos livros diários dos dormir, ou então de dia, quando as pessoas não
bombeiros e arquivo do Jornal Notícias). estão em casa. Entretanto, é de realçar que é
durante o período nocturno que há maior
Mês Nº de ocorrência (%)

Janeiro 82 9,2
probabilidade de os incêndios fazerem vítimas.
Fevereiro 57 6,4
Março 44 5,0
Abril 50 5,6
Maio 75 8,5
Junho 48 5,4
Julho 120 13,5
Agosto 93 10,5
Setembro 74 8,3
Outubro 77 8,7
Novembro 82 9,2
Dezembro 85 9,6
Total 887 100

5.3. Distribuição de Incêndios ao longo do


dia
O inventário de incêndios urbanos no
Município de Maputo foi construído de modo a
permitir uma análise da tendência das ocorrências Figura 3 – Distribuição percentual dos incêndios ao
ao longo do dia. Para tal, dividiu-se o dia em longo do dia (fonte dos dados: registos dos livros diários
quatro períodos, como se indica na figura 3. dos bombeiros e arquivo do Jornal Notícias).

A maior parte dos incêndios ocorre durante os


períodos 3 (das 12 às 18h) e 4 (das 18 às 24h). Com 5.4. Factores Desencadeantes dos Incêndios
efeito, durante o terceiro período ocorreram 309 e Agentes Supressores
incêndios (34,8 % do total dos registos), enquanto A identificação dos factores desencadeantes
ao longo do quarto período houve registo de 300 dos incêndios correspondeu ao que, nos registos
casos (34,6 % do total). Este comportamento era do SENSAP, se considera causa da ocorrência,
de se esperar, tendo em conta que é durante esses tendo sido possível identificar 11 factores,
dois períodos que as pessoas estão nas suas nomeadamente curto-circuito, fogo posto,
residências, ou para o intervalo de almoço ou equipamento de cozinha, vela, fósforo, cigarro,
mesmo porque já terminaram a sua jornada candeeiro, fuga de gás, brasa, auto-aquecimento e
laboral, o que intensifica o consumo de energia soldadura. Entretanto, constatou-se a existência
elétrica que, muitas vezes, culmina com curto- de ocorrências cujas causas não foram
circuitos, principal causa dos incêndios em devidamente esclarecidas e casos decorrentes de
Maputo, como se verá na secção seguinte. causas excepcionais ou raras, como descargas
Durante os dois primeiros períodos do dia, eléctricas atmosféricas e explosivos militares.
período 1 (da meia noite às 6 horas) e período 2 Esses dois grupos de factores foram,
(das 6 às 12 horas), registam-se poucos incêndios. respectivamente, designados por desconhecidos e
Trata-se, na maioria dos casos, de incêndios com outros, conforme consta da tabela 3. Esta tabela
causas desconhecidas ou mal esclarecidas, pois mostra, em termos absolutos e em frequência, a

28
hierarquia dos factores desencadeantes de No entanto, convém explicar que muitos casos de
incêndios urbanos no Município de Maputo. fogo posto ocorreram fora das residências ou dos
estabelecimentos comerciais, atingindo
Tabela 3 – Factores desencadeantes dos incêndios no elementos como contentores de lixo, como será
Município de Maputo de 1999 a 2012 (fonte dos dados:
registos dos livros diários dos bombeiros e arquivo do
demonstrado na secção seguinte.
Jornal Notícias). Na sequência, figuram factores que expressam
a influência do comportamento
Factor desencadeante do Nº de incêndios
% humano na ocorrência de
incêndio registados
Curto-circuito 356 40 incêndios. A negligência humana
Equipamento de cozinha 108 12 manifesta-se em factos concretos
Desconhecido 84 9
Vela acesa 74 8 como esquecer o fogão, o
Fósforo com menor 58 7 candeeiro ou a vela em chama,
Fogo posto 42 5
deixar as crianças brincarem com
Candeeiro artesanal 39 4
Cigarro aceso 38 4 fósforos ou até esquecer um
Fuga de gás 25 3 cigarro aceso sobre algum
Auto aquecimento 23 3
Brasa 22 2 material condutor do fogo. Com
Soldadura 12 1 efeito, esses comportamentos,
Outros 6 1
juntos, foram responsáveis por 23
Total 887 100
% do universo das ocorrências.
A representar 3 % do total,
O curto-circuito foi o factor determinante na encontra-se a fuga de gás doméstico. Este factor
maior parte dos incêndios, com 40 % do universo relaciona-se, por um lado, com a negligência
das ocorrências. Significa que mais de 1/3 das humana e, por outro, com a precariedade das
ocorrências de incêndios deveu-se a problemas instalações de botijas de gás para cozinha. O gás
relacionados com a energia eléctrica, quer devido doméstico ainda não é canalizado, o que
à precariedade das instalações eléctricas, quer por representa uma expressiva exposição ao perigo
negligência no uso de electrodomésticos. em caso de incêndio, sendo certo que seria mais
A influência das precárias instalações fácil fechar a conduta do fornecimento de gás num
eléctricas manifesta-se ainda no elevado número bairro do que desligar todas as botijas existentes
das ocorrências associadas a equipamentos de nas residências.
cozinha (12 % do total), auto-aquecimento e Com uma expressão relativamente menos
soldadura (3 % e 1 % do total, respectivamente), significativa encontra-se a soldadura (1 % do
pois esses factores, muitas vezes, relacionam-se total). Os incêndios associados a este factor
com ligações clandestinas ou instalações desencadeante ocorrem, normalmente, em
eléctricas improvisadas e a consequentes pequenos estabelecimentos de indústria de
sobrecargas de utilização da corrente eléctrica. manufactura e em oficinas de serralharia.
Os dados colocam ainda em destaque o fogo Como já foi referido, não foi possível
posto, um factor normalmente tratado em fórum determinar a causa de 9 % do total dos incêndios.
criminal, que responde por 5 % das ocorrências.

29
O facto de esta categoria ocupar a terceira posição que outras, facto explicado pela heterogeneidade
ilustra as dificuldades que os bombeiros têm na existente entre os espaços geográficos que
determinação das causas dos incêndios. Aliás, constituem a área de estudo, pela presença
Primo et al. (2008) encontraram situação similar diferenciada dos factores condicionantes e pelo
ao estudarem os incêndios na cidade do Porto histórico de recorrência de casos de incêndios.
(Portugal). Pese embora a existência de algumas
diferenças na classificação da susceptibilidade de
5.5. Susceptibilidade a Incêndios Urbanos alguns quarteirões (principalmente os de maiores
Com base no método do Valor Informativo, dimensões) entre os dois modelos de
foram construídos dois modelos de susceptibilidade produzidos com o método do
susceptibilidade, utilizando 8 variáveis descritas Valor Informativo, é assinalável a grande
na secção 3 (Dados e Métodos). O primeiro concordância espacial observada, em geral, entre
modelo considerou a totalidade dos quarteirões os dois modelos.
que possuem histórico de recorrência de incêndios
e o segundo utilizou metade dos quarteirões com Figura 4 – Níveis de susceptibilidade na área de
recorrência de incêndios, reservando a segunda estudo resultante dos dois modelos.
metade para a validação independente.
Deste modo, a probabi-
lidade de recorrência de
incêndio dentro de um
quarteirão de Maputo seria
traduzida pelo valor da
probabilidade a priori
(0,094), no caso da ocor-
rência dos incêndios no
espaço ser puramente
aleatória e admitindo
robustez e representativi-
dade do registo dos
incêndios passados.
A análise georre-
A validação dos dois modelos resultou em
ferenciada resultou em dois modelos de
curvas ROC com Áreas Abaixo da Curva
susceptibilidade, Modelo de Susceptibilidade 1
aceitáveis (AAC> 0,50), não obstante o Modelo
com todos os quarteirões com histórico de
de Susceptibilidade 2 apresentar uma taxa de
recorrência) e Modelo de Susceptibilidade 2
predição inferior (AAC=0,67) à taxa de sucesso
(Figura 4) com metade dos quarteirões com
do Modelo de Susceptibilidade 1 (AAC=0,75),
histórico de recorrência – Grupo de modelação.
diferença que se explica pela maior exigência do
Os mapas mostram que a distribuição da
procedimento da validação independente
susceptibilidade a nível do Município de Maputo
utilizado na validação do Modelo de Susce-
não é uniforme, existindo áreas mais susceptíveis

30
ptibilidade 2 (Figura 5). espacial entre os modelos preditivos gerados.
Com efeito, a validação dos dois modelos resultou
em curvas ROC com Áreas Abaixo da Curva
aceitáveis (AAC> 0,50), não obstante o Modelo
de Susceptibilidade 2 apresentar uma taxa de
predição inferior (AAC=0,67) à taxa de sucesso
do Modelo de Susceptibilidade 1 (AAC=0,75),
diferença que se explica pela maior exigência do
procedimento da validação independente
utilizado na validação do Modelo de Suscepti-
bilidade 2.
O estudo das relações entre a distribuição dos
incêndios urbanos e os seus factores condicio-
Figura 5 – Curvas ROC de Sucesso e de Predição dos nantes mostrou que a distribuição espacial dos
modelos de suscetibilidade 1 e 2, respetivamente.
incêndios no Município de Maputo não é
5. Considerações Finais aleatória, sendo especialmente favorecida pelas
A precariedade da rede de electricidade, a seguintes combinações de condições: quarteirões
elevada densidade da edificação e populacional, com dimensão de pelo menos 10 hectares, com
assim como o deficiente ordenamento territorial mais de 200 edifícios, com uma população
fazem com que o Município de Maputo seja um superior a 1000 habitantes e uma densidade
2
território bastante exposto aos incêndios urbanos. populacional entre 500 e 5000 hab/km , com
A análise do histórico dos incêndios permitiu predomínio de prédios com mais de 2 pisos,
concluir que as deficiências nos sistemas destinados à habitação, comércio e serviços. Os
eléctricos estão associadas à ocorrência de uma incêndios são favorecidos ainda pela existência de
parte significativa dos incêndios em Maputo (40 pequenas oficinas ou outras instalações que usam
% do total), sendo que a maioria dos casos ocorre soldadura como ferramenta de trabalho, bem
durante os meses de Julho e Agosto, ou seja, como pela existência de problemas em instalações
durante o inverno austral. Adicionalmente, a eléctricas, tais como equipamentos sem
maioria dos incêndios ocorre das 12 às 18 (34,8 % isolamento, potência consumida superior à
do total) e das 18 às 24 horas (34,6 % do total), o potência contratada, indiciando algum improviso
que se deve à instabilidade frequente da corrente ou desvio de corrente. Estes resultados confirmam
eléctrica devido a ventos fortes que se fazem integralmente a hipótese e os objectivos definidos.
sentir em Maputo, associada à tendência para o Os resultados apresentados no presente artigo,
incremento do consumo de energia elétrica nesses embora sejam robustos e significativos
períodos, muitas vezes, culminando com curto- estatisticamente, devem ser interpretados como
circuitos. um ponto de partida para o desenvolvimento de
Os resultados obtidos através da modelação da futuros trabalhos de modelação do risco de
susceptibilidade com o Valor Informativo incêndios urbanos em Maputo ou em outras
mostraram que existe uma grande concordância cidades. A próxima etapa será o cálculo da

31
probabilidade temporal que irá permitir a de Trânsito e os Serviços de Saúde, os itinerários
determinação da perigosidade. Posteriormente, de acesso às áreas de maior susceptibilidade e às
será importante um estudo da vulnerabilidade fontes de abastecimento de água e de evacuação
estrutural (capacidade de suporte) e da durante esse período.
vulnerabilidade social (criticidade) dos elementos Os resultados também podem ser usados como
expostos (população e bens) para completar a instrumentos de apoio na formulação de políticas
análise do risco. públicas, por exemplo, na definição de
Acções: Os resultados desta pesquisa podem prioridades para a aquisição dos meios de
servir de base para a orientação da planificação combate a incêndios, a introdução de programas
operativa no combate a incêndios nos bairros de de educação cívica aos munícipes sobre o risco de
Maputo. Por exemplo, considerando que o estudo incêndios, com maior enfoque para as medidas
concluiu que os incêndios ocorrem com maior preventivas.
frequência durante os meses de Julho e Agosto, Grandes medidas estruturais são igualmente
entre as 12 e 18 horas e das 18 às 24 horas, é necessárias no contexto do ordenamento do
possível desenhar e activar um plano coordenado território, nomeadamente na melhoria dos acessos
de intervenção, preparando, junto com a Polícia nos bairros de Maputo.

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33
A urbanização e as acções de prevenção da criminalidade
em Maputo – o caso do Bairro de Magoanine “C”

Resumo
A urbanização do Bairro de Magoanine “C” constitui a continuidade da expansão da
cidade de Maputo, que decorre num ambiente caracterizado por um fraco cumprimento
dos instrumentos de ordenamento do território. Esta situação tem influenciado
negativamente na implementação das acções de prevenção da criminalidade. O artigo
visa explorar a relação entre a urbanização e as acções de prevenção da criminalidade.
Ele é parte integrante da dissertação apresentada à Academia de Ciências Policiais para
Francisco B. Bilério
a obtenção do grau de Mestre em Ciências Policiais, na Especialidade de Segurança
Pública. Neste bairro, nota-se uma relação entre a urbanização e as acções de prevenção
da criminalidade. A criminalidade ocorre em espaços de territorialidade deficitária, caracterizados por uma
comunicação e definição fracas dos modelos de habitações e das infra-estruturas de produção. As acções em
curso inspiram-se no modelo de trabalho policial comunitário materializado pelo chefe do sector, que pouco
conhece a realidade do bairro e, raramente, dialoga com os agregados familiares.
Palavras-chave: Urbanização, Prevenção Criminal, Magoanine “C”

Abstract
The urbanization of the Magoanine neighborhood "C" is the continuation of the expansion of the Maputo City,
which takes place in an environment characterized by poor compliance with the territorial planning instruments.
This situation has had a negative impact on the implementation of crime prevention actions. The article aims to
explore the relationship between urbanization and crime prevention actions. He is an integral part of the
dissertation presented to the Academy of Police Sciences to obtain a Master's Degree in Police Sciences in the
Public Safety Specialty. In this neighborhood, there is a link between urbanization and crime prevention actions.
Crime occurs in areas of deficit territoriality, characterized by weak communication and definition of housing
models and production infrastructures. The ongoing actions are inspired by the model of community police work
materialized by the head of the sector, who knows little about the reality of the neighborhood and rarely talks
with the households.
Keywords: Urbanization, Criminal Prevention, Magoanine "C"

Geógrafo, Mestre em Ciências Policiais na Especialidade de Segurança Pública, Investigador Assistente afecto à Direcção de
Investigação e Extensão da Academia de Ciências Policiais e Doutorando em Desenvolvimento e Sociedade no Departamento de
Sociologia da Universidade Eduardo Mondlane.

34
1. Introdução em espaços de territorialidade deficitária, fraca
A relação entre a urbanização e a criminalidade comunicação entre os espaços, acessibilidade e
constitui o leque das múltiplas indagações da visibilidade reduzida, bem como, de designação e
humanidade no século XXI. Nessa simbiose, a definição não clara nas formas de uso.
preocupação é o fortalecimento das acções As acções policiais de prevenção da
policiais locais de prevenção com vista à criação criminalidade neste bairro estão desenhadas na
de comunidades seguras. A criação de perspectiva do trabalho policial comunitário,
comunidades seguras tem como ponto de partida materializada pelo chefe do sector, que pouco
o trabalho conjunto entre a Polícia e a conhece a realidade local e, raramente, dialoga
Comunidade. Este pressuposto encontra-se com os residentes do bairro.
enraizado em dois modelos de polícias,
nomeadamente, o de proximidade e o orientado 2. A urbanização do Bairro de Magoanine “C”
para o problema. Autores como Araújo (1997, 2001 e 2003),
O artigo visa explorar a relação entre a MICOA/UNIHABITAT (2006), Henriques
urbanização e as acções de prevenção da (2008), Baia, (2009 e 2011), Jorge e Melo (2011),
criminalidade em Maputo, tomando como espaço Maloa (2013) e Meneses (2014) comungam, nas
de análise o Bairro de Magoanine “C”. O artigo suas análises, que a actual estrutura territorial da
em apreço constitui parte da dissertação cidade de Maputo é reflexo de diferentes
apresentada na Academia de Ciências Policiais contextos históricos, destacando-se (i) o colonial,
para a obtenção do grau académico de Mestre em que esteve na génese da sua formação; (ii) o pós-
Ciências Policiais, na Especialidade de independência, de inspiração socialista; e (iii) o
Segurança Pública. neoliberal, após a abertura à economia de
De uma forma geral, a formalização dos mercado no final da década de 1980.
terrenos no espaço urbano moçambicano ocorre Ao longo do tempo, os processos e dinâmicas
posteriormente à sua ocupação, ou seja, a de intervenção urbana têm contribuído para a
urbanização ocorre a par do desenvolvimento do dualidade sócio-espacial existente, acentuada
mercado fundiário e do aprofundamento das pela urbanização acelerada (que se iniciara na
desigualdades sociais que se repercutem na década de 1950 e intensificada durante a guerra de
organização do espaço habitacional e produtivo desestabilização), agravada no contexto de
urbano, materializada pela segregação globalização.
residencial, com impactos na ordem pública, em Do mesmo modo, Métier (2004) defende que a
particular nas acções de prevenção da urbanização inadequada em Maputo resulta da
criminalidade. combinação de vários aspectos, de entre os quais
No Bairro de Magoanine “C”, nota-se uma destacam-se:
relação entre a malha urbana e a criminalidade,
O sistema de planeamento complexo pouco flexível e
sendo que os instrumentos que orientam o moroso, (ii) a fraca capacidade existente para fiscalizar as
processo de urbanização tão pouco fazem menção actividades de desenvolvimento e fazer cumprir os planos
aprovados, (iii) os recursos financeiros locais insuficientes,
da componente de Ordem, Segurança e
devido, entre outros factores, à falta de um sistema de
Tranquilidade Públicas. A criminalidade ocorre cadastro que suporte a aplicação do imposto predial

35
autárquico e (iv) insuficiente preocupação agências internacionais que procuram
com o crescimento económico, força materializar estratégias, políticas, programas e
motriz do desenvolvimento municipal, o planos de urbanização. O bairro tem-se
que é agravado pela falta da sua beneficiado das acções estruturantes contidas no
coordenação com o planeamento físico, Plano de Estrutura Urbana de Maputo, definidas
(Métier, 2004, p.14). em 2008, com enfoque para a centralidade do
A partir da década de 1990, iniciou-se a Zimpeto e da Grande Circular.
publicação de um pacote legislativo com A urbanização do bairro decorreu num
implicações ao nível da gestão e da urbanização, processo de emergência (reassentamento da
no qual se destaca a Lei dos Municípios (1997), a população no âmbito das cheias de 2000), não
Lei de Terras (1997), o Regulamento do Solo fugindo à tradição urbana de muitos bairros
Urbano (2006) e a Lei do Ordenamento do moçambicanos. O processo de urbanização foi
Território (2007). Mais tarde, em Maputo, houve caracterizado por uma componente demográfica
a elaboração do Plano de Estrutura Urbana do sem as infra-estruturas básicas para suportar a
Município de Maputo (PEUMM), em 2008, e os população. As poucas infra-estruturas locais
Planos Parciais de Urbanização de alguns bairros, existentes foram emergindo após a implantação
em Dezembro de 2010. das habitações. Embora, no acto de parcelamento,
Com a elaboração destes instrumentos legais tenha-se deixado reservas para os serviços
de intervenção no processo de urbanização, sociais, estas foram ocupadas por habitações, sob
pretendia-se reverter o processo de desordem a conivência das autoridades municipais.
urbanística com vista a garantir uma melhor Para além do processo de reassentamento, a
organização e planificação física dos bairros. No urbanização deste bairro foi marcada pela pressão
âmbito destes cuidados, na cidade de Maputo, a sobre a procura de terra, associada à (i) ansiedade
proporção urbana da população é calculada em 36 de ter um espaço para habitar fora do bairro em
por cento, três quartos desta vivem em que a pessoa nasceu, (ii) ter um espaço próprio a
assentamentos informais. Os mecanismos curto prazo, (iii) a apetência de viver próximo das
informais são, sem dúvida, os meios mais vias de acesso e serviços básicos, (iv) as
concorridos para o acesso à terra, até mesmo para divergências entre as autoridades municipais e os
terrenos formalmente planeados e demarcados nativos em relação às parcelas atribuídas após as
(UN-HABITAT, 2007). acções de parcelamento e (v) os nativos olham a
No âmbito da planificação, conforme a Mesa terra como possibilidade de melhorar a sua
de Cooperação Moçambique-Brasil, realizada no estratégia de sobrevivência (venda).
dia 23 de Abril de 2013, em Brasília, o Município A ocupação e estruturação dos quarteirões
de Maputo tem a necessidade de realizar a deste bairro obedeceu a quatro áreas
ordenação dos assentamentos irregulares, que sequencialmente diferentes, sendo a primeira
representam cerca de 70% das habitações. correspondente à área central, que foi ocupada
O contexto urbano do Bairro de Magoanine pelas vítimas das cheias de 2000; a segunda,
“C” representa a continuidade do Município de correspondente à área parcelada antes de 2000,
Maputo, caracterizado por uma forte influência de

36
correspondente à reserva para fins sociais, que circulação. A territorialidade tem implicações nas
está ocupada por muitas famílias, sem intervenções policiais, principalmente para o
autorização. direccionamento das patrulhas, bem como na
A obtenção de talhões neste bairro demonstra gestão das denúncias.
a complexidade do mercado de terra , onde parte Os espaços públicos destinados a fontanários
dos agregados familiares adquiriram parcelas de são substituídos por habitações particulares. Os
terra por via de compra, outros através do contentores comerciais são colocados em locais
reassentamento orientado pelas autoridades estratégicos, ocupando as vias de acesso. A
municipais, outros, ainda, por via de herança ou territorialidade é materializada pelo incumpri-
concessão pelo regulado e outros por via de mento do mapa de cadastro de terra.
reservas que pertenciam a alguns Ministérios. A comunicabilidade é marcada pela
A complexidade de intervenção espacial no coexistência de actividade produtiva e residencial
bairro resultou numa paisagem urbanizada no mesmo talhão. As formas de uso não estão
caracterizada por uma territorialidade difusa. A claras. A ausência da manutenção de alguns
territorialidade manifesta-se pela comuni- talhões, a existência de residências semi-
cabilidade, visibilidade, acessibilidade, definição habitadas, associada às árvores frondosas no
e designação deficientes. Estes aspectos são bairro, torna a comunicação dos espaços
fundamentais para a manutenção da ordem, deficitária. A comunicabilidade deficiente é
segurança e tranquilidade públicas. evidente nos quarteirões 39, 40, 43, 24, 126, 35,
Em relação à territorialidade, não existe uma 109 e 108, que até agora, aguardam o
demarcação nítida entre o espaço privado e o parcelamento. É nestes locais onde a comunidade
público. As construções locais erguem-se à custa reclama pelos constantes assaltos.
do espaço público. As reservas locais de espaços A visibilidade é marcada por uma orientação
para futuras infra-estruturas sociais foram deficitária dos edifícios (combinação de
ocupadas por habitações particulares. As construções horizontais, verticais, alternância do
vedações dos quintais (muros) erguem-se em material convencional e precário) e pela dimensão
espaços públicos, diminuindo a dimensão das vias dos muros de vedação (muros de material
de acesso. convencional, que ocupa alguns centímetros do
A actividade comercial desenvolve-se ao espaço público, e os de plantas locais ou material
longo das artérias do bairro criando maior local, que aparecem mais para dentro dos
aglomeração de pessoas. Os vendedores quintais).
abandonaram o mercado municipal local Em relação à visibilidade mecânica, algumas
passando a exercer as suas actividades na praça. casas possuem energia eléctrica. A câmara de
Igualmente, assiste-se ao bloqueio das vias de vigilância funciona no estabelecimento bancário
acesso devido ao estacionamento irregular de local (Procrédito). Por sua vez, a visibilidade
viaturas. Nem todas as vias de acesso têm placas natural é comum em muitos dos agregados
de identificação e são arenosas, dificultando a familiares (as habitações possuem janelas de

O mercado de terra em Moçambique já foi descrito por Negrão ( ), Cruzeiro do Sul ( ), Baia ( e ) e Khiatos et al ( ).

37
vidros). A visibilidade conjuga-se com as marcas agregados familiares abrem covas que servem de
de segurança, notando-se o gradeamento das depósitos do lixo. Ainda persiste a acumulação de
casas, electrificação dos muros de vedação, cães e material de construção fora dos quintais (entulho,
existência de um Posto Policial. A visibilidade é pedra, areia). A designação e definição oferecem
influenciada pelas dimensões dos talhões um ambiente favorável para os criminosos.
diferenciadas e sem iluminação. No mesmo O diagrama 1 resume a descrição do processo
quarteirão, é possível encontrar talhões cujas de urbanização do Bairro de Magoanine “C”. Ela
dimensões variam de 15/30 e 20/40. Esta situação resulta de vários processos de intervenção
tem implicações na actividade policial, (Governo, autoridade local e nativos).
principalmente para as patrulhas nocturnas.
Não existe uma designação clara dos espaços, Diagrama 1: Aspectos que marcam a urbanização
o produtivo coabita com o residencial. O mesmo do Bairro de Magoanine “C”
sucede com a definição, onde são evidentes as
práticas rurais. Nos quintais, é comum o 3. As acções de prevenção da criminalidade no
desenvolvimento de pequenas hortas e a criação Bairro de Magoanine “C”
de pequenas aves. Ao longo das vias de acesso, os As acções de prevenção da criminalidade

38
consistem numa estrutura de intervenção que (2001), no qual o chefe do sector constitui o elo de
agrega a polícia e a comunidade. Elas partem da ligação entre a polícia e a comunidade.
avaliação das oportunidades que cada situação Na perspectiva da prevenção situacional, os
específica fornece para o cometimento do crime agregados familiares desenvolvem acções
(prevenção situacional). Nessas acções, o polícia, individualizadas. Dentre as várias acções
só por si, não pode agir de forma isolada para desenvolvidas, pode-se citar o gradeamento das
conter a criminalidade. Ele precisa de agregar habitações, a construção de muros de vedação, a
conhecimento e habilidades na perspectiva do electrificação das habitações, a remoção de
trabalho comunitário policial. Nessa perspectiva, obstáculos que dificultem a visibilidade (lixo,
a comunidade constitui o parceiro inquestionável podar as árvores), instalação de alarmes, câmaras
na materialização dos pressupostos preventivos. de vigilância, contratação de agentes privados de
Para o MINT (2013), as acções de prevenção segurança e a criação de cães. Outras iniciativas
da criminalidade incluem a recolha e busca de locais de prevenção local da criminalidade
informação, implantação dos conselhos de incluem o trabalho comunitário, materializado
policiamento comunitário voluntários, pelo sistema de comunicação montado nos
patrulhamento, alargamento da rede policial e o quarteirões 108 e 109, através da troca de
reforço contínuo da ligação entre a PRM e as contactos telefónicos entre os moradores e o uso
autoridades comunitárias nas zonas residenciais. de apitos.
Ao nível local (15ª Esquadra e Posto Policial As patrulhas, que constituem um indicador de
de Magoanine “C”), as acções policiais de segurança para comunidade, através da presença
prevenção da criminalidade são diversificadas. permanente do polícia no terreno, decorrem de
Elas incluem as actividades de patrulha, rusgas forma deficitária. Ela decorre num contexto
selectivas, planificação e organização da força, caracterizado pela escassez de meios materiais e
instrução diária da força e reuniões com a humanos, bem como nas difíceis condições físicas
comunidade. No Posto Policial, foram criados do ordenamento do bairro. O ambiente físico do
mecanismos de aproximação da polícia com a bairro é formado por ruas arenosas, com fortes
comunidade, que incluem a disponibilização de ondulações do terreno, propiciando cansaço e
contactos telefónicos, alocação de três chefes de fadiga aos patrulheiros. Em quarteirões não
sectores, patrulha direccionada e a existência de parcelados, as ruas são estreitas e, noutros casos,
um núcleo do conselho comunitário de segurança. são picadas de difícil acessibilidade. Associada a
Associadas às acções policiais, estão as estas deficiências está a ausência de iluminação
desenvolvidas pela comunidade, que incluem a nocturna e a extensão territorial do bairro.
colaboração com a polícia denunciando os Entretanto, o mecanismo de denúncias através
supostos criminosos, envolvimento no conselho dos contactos telefónicos disponibilizados pelo
comunitário de segurança e a participação nas Posto Policial é deficiente, se relacionado com o
reuniões comunitárias do bairro. seguimento dos casos e a protecção dos
As acções policiais e comunitárias neste denunciantes. O cidadão deposita pouca
bairro enquadram-se no modelo do trabalho confiança na polícia, facto que limita a
policial comunitário defendido por Saborit canalização das denúncias criminais. Isto deve-se

39
à fraca divulgação e materialização da estratégia acabam influenciando na definição e designação
de protecção dos denunciantes, bem como o do espaço urbano do bairro, principalmente,
atendimento oferecido pelo serviço de perma- quando se assiste ao problema da arrumação de
nência. carros, que ocupam as duas ruas que o delimitam.
A ausência de um meio de transporte para que Analisando a vertente do chefe de sector como
os agentes da Polícia se desloquem ao local da fundamento importante nas acções de prevenção
ocorrência cria descrédito no uso deste serviço. comunitária da criminalidade, nota-se uma
Igualmente, mesmo com o meio de transporte, as deficiência na busca de informação de inteligência
condições de acessibilidade (parcelamento) policial. A extensão territorial do bairro, o
constituem um obstáculo para o seguimento das domínio do conteúdo do trabalho e a falta de
denúncias. Em adição, está o deficiente clareza nos mecanismos de selecção constituem
endereçamento das ruas, ou sejas, nem todas as as principais deficiências para o funcionamento da
ruas possuem placas de identificação, o que torna sectorização.
impossível chegar ao local. O MINT (2015) aponta como atribuições do
O Conselho Comunitário de Segurança, ora chefe do sector: (i) planificar as actividades
assumido pelas autoridades policiais e pelo operativas, (ii) colaborar com as estruturas locais
secretário do bairro como parte das acções de na identificação dos potenciais delituosos, (iii)
prevenção da criminalidade, é uma ilusão, contacto permanente com a estrutura do bairro
avaliando-o pela sua operacionalização. Esta com vista à obtenção de informação relevante ao
actividade decorre somente no parque municipal trabalho policial e (iv) elaborar relatórios das
de estacionamento de viaturas. A partir da actividades desenvolvidas e fornecê-los ao órgão.
estrutura organizativa , subentende-se que, de O trabalho do chefe do sector neste momento
facto, o parque é que atrai as atenções desta não permite a recolha efectiva de informação que
actividade. Este órgão desenvolve as suas possa servir de base para a inteligência policial.
actividades sem coordenação com outros actores Tanto no Posto Policial como na Esquadra, não
de segurança. existe um calendário de reuniões nem relatórios
Embora as actividades do conselho sobre o trabalho do sector policial. É nos relatórios
comunitário de segurança estejam viradas para a que deveriam constar os aspectos ligados à (i)
protecção do parque, observa-se a ausência de movimentação de pessoas suspeitas, (ii) situação
segurança neste local. Suspeita-se que haja de estrangeiros no bairro, (iii) controlo dos
envolvimento de membros do conselho indivíduos saídos da cadeia, (iv) vigilância de
comunitário de segurança nalgumas práticas indivíduos e locais suspeitos de produção, venda
criminais que ocorrem no parque (subtracção de de estupefacientes e venda de artigos de
acessórios de viaturas, assaltos na via pública e proveniência duvidosa e (v) a situação das
violação sexual dentro de viaturas avariadas). habitações.
As actividades desenvolvidas no parque Devido à extensão territorial do bairro, a

Fazem parte da estrutura, o presidente do Conselho Comunitário de Segurança, o Supervisor do Parque e os guardas do parque. O
secretário do bairro referiu que, apesar de ser competência dele dinamizar o Conselho Comunitário de Segurança, não tem sentido a
presença desta actividade no bairro.

40
figura do chefe do sector quase só dialoga com o infra-estruturas e da arborização. Somando a isto,
secretário do bairro e, raramente, com o chefe do tanto o Posto Policial como os chefes do sector
Posto Policial. Os chefes do sector neste bairro não dispõem de um mapa operativo do bairro.
não dispõem de um documento normativo que Do ponto de vista funcional, as acções
sirva de consulta no acto do desenvolvimento das promovidas pela polícia e a comunidade não
suas actividades. satisfazem o conceito do trabalho policial
Em adição, não existe um plano local que comunitário, principalmente quando se denota
oriente as actividades do sector. O artigo 46 do uma cifra criminal superior a 100 casos anuais.
Regulamento dos Comandos Distritais e das González (2011) defende que o paradigma
Esquadras da PRM refere que os chefes do sector comunitário policial promove o comportamento
elaboram pessoalmente os seus planos de proactivo, o que significa que a polícia define
trabalho. Os planos de trabalho são aprovados acções de intervenção que se manifestam de
pelo comandante do órgão. A funcionalidade do diferentes maneiras. Neste caso, a actividade
chefe do sector, como acção policial de ligação policial antecipa as acções de prevenção da
ente a polícia e comunidade no contexto do criminalidade.
trabalho policial comunitário no bairro, remete a As acções de prevenção da criminalidade
um exercício permanente de repensar numa neste bairro decorrem num ambiente geral e não
adequação do seu modelo. A adequação do situacional das condições locais. Parte das acções
modelo deveria integrar as variantes demográ- de prevenção da criminalidade foram accionadas
fica , agregado familiar , organização em 2000, no contexto de emergência da população
administrativa do bairro e as forças policiais que reassentada. As acções pararam no tempo,
tutelam o bairro. notando-se um desajustamento com a actual
No trabalho policial comunitário, através do dinâmica do bairro, impulsionada pela rápida
chefe do sector, nota-se a ausência de um plano de urbanização.
fiscalização das habitações e dos terrenos baldios. A grande ameaça no bairro está associada à
As autoridades policiais e as do bairro não ausência de segurança, do ponto de vista de
dispõem de um plano de actividades que Tranquilidade Pública, de acordo com os
contemple acções rotineiras de fiscalização do instrumentos que regulam o processo de
arrendamento das habitações, das habitações urbanização. Assim, as acções policiais de
semi-habitadas, dos terrenos desprovidos de prevenção da criminalidade, a sua materialização

Nota-se a necessidade de diminuir o actual rácio chefe do sector-quarteirão. Neste momento, cada chefe do sector está na razão de
quarteirões e para aproximadamente agregados familiares.
As estatísticas actuais evidenciam a impossibilidade de estabelecer uma aproximação deste serviço ao agregado familiar de modo que
colabore na identificação dos focos delitivos. Entretanto, subentende-se que o chefe do sector trabalhe como conselheiros em famílias com
fortes indícios de delinquência.
Os chefes do sector, ao invés de colaborarem apenas com o secretário do bairro, deveriam estabelecer um esforço com vista a dialogar
com os chefes dos quarteirões, chefes de casas ou até com os integrantes do Conselho Consultivo do bairro.
Os relatórios produzidos pelo chefe do sector devem alimentar o posto policial e a esquadra local como forma de potenciar a inteligência
policial. Neste momento, existe um entendimento de que os chefes do sector subordinam-se directamente a um departamento específico
do Comando da PRM-Cidade de Maputo.

41
decorrem num ambiente caracterizado pelo O modelo de gestão do conhecimento de carácter
incumprimento de instrumentos e planos que policial permitiria que os actores focalizassem as
regulam o processo de urbanização. acções nos locais onde há maior probabilidade de
Na materialização das acções policiais de incidência criminal, actuando, assim, na vertente
prevenção da criminalidade, nota-se uma fraca preventiva.
confiança entre a comunidade e a polícia. A É na gestão do conhecimento onde se
confiança mútua e permanente entre a polícia e a materializa o trabalho comunitário do ponto de
comunidade está ausente nas acções policiais. A vista do serviço policial. Conforme González
polícia e a comunidade ainda não assumiram um (2011), o serviço policial, na perspectiva
compromisso permanente e conjunto nas acções comunitária, corresponde ao conjunto de acções
de prevenção da criminalidade. A confiança públicas e secretas que se desenvolvem no âmbito
constitui um elemento primordial para melhorar o dos bairros com a colaboração de diversos actores
fluxo de informação de utilidade policial, bem para prevenir, neutralizar e controlar as acções de
como a própria inserção da polícia nos locais de delinquência.
residência. Aliás, como defende Lourenço (2013), A sensibilização da comunidade em relações
a legitimidade e a confiança na polícia assumem às boas práticas contra a criminalidade
um papel central no quadro das políticas públicas (habitações, arborização, obstáculos colocados
de segurança, enquanto elementos fundamentais nas vias de acesso) é uma das acções a serem
da prevenção da criminalidade. materializadas pelo chefe do sector da Polícia
Nessa perspectiva, todo polícia motivado e Municipal no contexto do serviço policial.
com conhecimento constitui prioridade no Em suma, parte dos problemas urbanos que
aprofundamento do conceito de participação e interferem nas acções policiais de prevenção da
cidadania, de modo que a comunidade se sinta criminalidade neste bairro, a sua gestão compete
envolvida nas actividades. A colaboração entre a ao Município e à PRM, como actores da Ordem
polícia e as estruturas do bairro na materialização Pública. Portanto, as acções de prevenção da
de planos periódicos de levantamento das criminalidade passam pela integração na política
condições locais de ocupação de espaços (plano de ordenamento do território da política de
de ocupação das habitações, proveniência dos segurança pública, ou seja, a inclusão da
residentes, estabelecimentos comerciais, lazer) componente da Ordem e Segurança Pública na
constitui uma das acções policiais de destaque elaboração de projectos urbanísticos, com vista à
para dinamizar a prevenção do crime no bairro. viabilização dos planos operativos policiais.
Nas acções de prevenção da criminalidade, As acções policiais de prevenção da
não existe um modelo de gestão do conhecimento criminalidade estão orientadas na perspectiva do
entre os diferentes actores de segurança trabalho policial comunitário materializada por
(Esquadra, Posto Policial, Chefe do Sector, um chefe do sector que pouco dialoga com os
estrutura do bairro e as instituições de formação). residentes do bairro. Entretanto, entende-se que as

Ferronato ( ) defende que a sobrevivência das organizações contemporâneas depende cada vez mais da capacidade
de se constituir um modelo de gestão do conhecimento, com estratégia, estrutura, decisão e identidade aptas a
responder a um contexto cada vez mais complexo e instável da sociedade.

42
acções policiais deviam agregar o conceito do Tranquilidade Públicas. A criminalidade ocorre
trabalho comunitário policial. O trabalho em espaços de territorialidade deficitária, fraca
comunitário policial fundamenta-se a partir de comunicação entre os espaços, acessibilidade e
acções teóricas e práticas dirigidas à comunidade visibilidade reduzida, bem como a designação e
com a finalidade de estimular o desenvolvimento definição não claras dos modelos de habitação e
social por meio da participação activa e infra-estruturas de produção.
consciente dos agregados familiares no As acções policiais de prevenção da
descobrimento do delito. criminalidade estão desenhadas na perspectiva do
trabalho policial comunitário materializada por
4. Considerações finais um chefe do sector que pouco conhece a realidade
No bairro de Magoanine “C”, nota-se uma local e, raramente, dialoga com os residentes do
relação entre a malha urbana e a criminalidade, bairro. Portanto, a integração do conceito de
sendo que os instrumentos que orientam o trabalho comunitário policial nas acções policiais
processo de urbanização tão pouco fazem menção mostra-se relevante.
da componente de Ordem, Segurança e

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44
45
Resiliência policial em Moçambique: alguns indicadores
para a sua avaliação

Resumo
A resiliência é um conceito que tem sido amplamente abordado nos últimos tempos no
campo da Psicologia, particularmente no contexto da Psicologia Positiva, estando a
merecer atenção de pesquisadores e profissionais da área. Ela refere-se à capacidade do
indivíduo para lidar com situações-problema ou adversas, ou seja, manter-se
relativamente estável mesmo depois de abalado por vivências estressoras. Para além do

Fernando Lives
ponto de vista individual, ela pode ser abordada na perspectiva institucional, estando
Andela Niquice devidamente documentada a capacidade das organizações sobreviverem diante de
várias adversidades. Com o presente artigo, pretende-se lançar algumas bases que
permitam reflectir sobre a resiliência policial em Moçambique, conhecidas as dificuldades com que a instituição
policial tem lidado para oferecer uma segurança pública de qualidade ao cidadão. Algumas questões são
levantadas e analisadas ao longo do texto, a saber: Como se caracteriza a resiliência policial em Moçambique? A
que níveis ela pode ser classificada? Que desafios se colocam para a promoção permanente de um sentido de
resiliência no seio policial? Alguns elementos que subsidiam respostas a estas questões são abordados.
Palavras-chave: Resiliência, Resiliência Policial, Adversidades.

Abstract
Resilience is a concept that has been widely approached in recent times in the field of Psychology, particularly in
the context of Positive Psychology, being deserving attention of researchers and professionals of the field. It
refers to the individual's ability to deal with problem or adverse situations, that is, to remain relatively stable even
after being shaken by stressful experiences. In addition to the individual point of view, it can be approached from
an institutional perspective, with the known capacity of organizations to survive in the face of various
adversities. With the present article, we intend to begin a discussion on the resilience of police members in
Mozambique, as it is known the difficulties with which the police institution has been working to provide a
quality public safety to the citizen. Some questions are raised and analyzed throughout the text, namely: How is
police resilience characterized in Mozambique? At what levels can it be classified? What are the challenges for
the permanent promotion of a sense of resilience within the police force? Some elements that subsidize answers
to these questions are addressed.
Key words: Resilience, Police Resilience, Adversities.

Docente de Psicologia na ACIPOL, Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul-Brasil.

46
Introdução seja, manter-se relativamente estável mesmo
A palavra resiliência é originária do campo da depois de abalado por vivências estressoras. Para
Física e da Matemática, onde é usada para exemplificar este fenômeno, pode-se apresentar
descrever a capacidade dos materiais ou sistemas as seguintes questões que advêm de aconteci-
voltarem ao seu estado inicial, ou não mentos universais para todos os seres humanos:
apresentarem sinais de alteração após serem “Como as pessoas conseguem lidar com a morte
submetidos a estímulos que provocariam a sua de um ente querido?”, “Como as pessoas
modificação (Norris, Stevens, Pfefferbaum, conseguem lidar com fracassos nos seus projetos
Wyche, & Pfefferbaum, 2008; Trzesniak, Libório, individuais?”, “Como as pessoas conseguem lidar
& Koller, 2012). Algumas dimensões essenciais com as crises socioeconómicas, que de forma
deste conceito na área da física são a rigidez, a cíclica marcam os tempos atuais?” Estas
flexibilidade e a plasticidade, relacionadas a inquietações descrevem, de forma inicial, a
respostas a estímulos externos (Trzesniak et al., temática da resiliência.
2012). A rigidez seria a capacidade dos materiais Historicamente, a preocupação pelo estudo
ou sistemas manterem-se intactos diante de dos processos de relacionamento com situações
agentes estressores; a flexibilidade, a propriedade adversas começou quando pesquisadores cons-
de ceder à influência movida por certos estímulos; tataram que, perante situações críticas como
e a plasticidade, a possibilidade de retorno ao doenças, guerras, pobreza e violência, algumas
estado original após a remoção desses mesmos pessoas conseguiam sobreviver e superar os
estímulos (Trzesniak et al., 2012). Esta problemas resultantes desses dilemas (Bonanno
perspectiva de análise da área das ciências exatas & Diminich, 2013). Assim, os pioneiros dos
foi “emprestada” pelas ciências humanas, estudos sobre a resiliência, como Norman
particularmente pela Psicologia, porém, com Garmezy, Irving Gottesman, Lois Murphy,
interpretações que respeitam a natureza e Michael Rutter, Arnold Sameroff, Alan Sroufe, e
especificidade do comportamento humano. Emmy Werner, ocuparam-se em compreender a
O conceito de resiliência tem sido, nos últimos trajetória de vida de pessoas que conseguiam uma
tempos, amplamente abordado nas Ciências recuperação e adaptação em situações
Sociais e na Psicologia em particular. Em estudos consideradas inesperadas para tal (Masten, 2007).
sobre a Psicologia Positiva, ele é um dos Os estudos iniciais concentraram-se em crianças
construtos de referência para a compreensão desta em contextos de risco. Porém, nos últimos anos,
área. Desde o inicio da sua utilização, nas décadas foram também ampliados para adultos (Bonanno
de 1960 e 1970, particularmente na Psicologia do & Diminich, 2013; Luthar & Brown, 2007).
Desenvolvimento Humano (Masten, 2007), tem Nessa altura, para caracterizar o fenômeno da
havido múltiplas abordagens sobre o mesmo, resiliência, foram usados conceitos como
tornando-o difícil de explicar de forma precisa. invulnerabilidade e invencibilidade (Luthar,
Para facilitar a compreensão do conteúdo que Cicchetti, & Becker, 2000), devido às influências
se segue, pode-se definir, numa primeira fase, a da aplicação do termo nas ciências exactas.
resiliência como a capacidade do indivíduo para Contudo, estes termos não são atualmente
lidar com situações-problema ou adversas, ou utilizados na Psicologia, pois, transmitem a ideia

47
de resistência absoluta ao estresse, sugerindo que próprio conceito de resiliência, e consiste em um
as pessoas seriam totalmente imunes a qualquer ajustamento positivo diante de situações com
tipo de desordem, independentemente das potencial de afetar negativamente o/s indivíduo/s
circunstâncias (Luthar et al., 2000), o que não (Bonanno & Diminich, 2013). Há que relativizar
corresponde com a verdade. o uso da palavra “adaptação” no contexto da
Para avançar com uma discussão que ajude a resiliência, pois, ela pode sugerir a ideia de um
compreender a natureza deste conceito, serão ajustamento total do/s indivíduo/s diante de
apresentadas definições de alguns autores que situações adversas. Tal uso ou compreensão não é
abordam a temática. A resiliência é um processo aplicável para o caso do comportamento humano,
dinâmico que envolve uma adaptação positiva uma vez que nunca se consegue, na prática, uma
perante contextos de adversidades (Luthar et al., relação completa e tranquila entre um organismo
2000). É uma adaptação bem sucedida à e seu ambiente (Dorsch, Häcker, & Stapf, 2004).
adversidade (Zautra, Hall, & Murray, 2010). Ela Por exemplo, Ungar (2008) aborda a resiliência
está presente nas situações em que ocorre uma como um processo de “busca” e “negociação”,
adaptação positiva durante ou após exposição a implicando uma procura permanente de
um fenômeno com potencial de causar danos no diferentes possibilidades que permitam o bem-
desenvolvimento humano (Masten, 2007). Ao estar, ou a identificação de respostas significativas
observar estas conceitualizações, dois elementos para lidar com os eventos estressores. Assim,
sobressaem: a adversidade e a adaptação. Ungar evita-se um olhar estático e mecânico da questão,
(2008) explica que a resiliência ocorre diante da atribuindo-lhe uma perspectiva processual,
presença da adversidade, sendo este um construto dinâmica e complexa (Ungar, 2008).
central para a compreensão do fenómeno. Ela Apesar da convergência na literatura sobre
refere-se às experiências ou eventos que têm o estes dois descritores chaves da resiliência, existe
potencial de afetar negativamente o bem-estar uma ampla discussão sobre se o construto deve ser
psicológico, físico e social dos indivíduos (Riley abordado como traço individual, resultado,
& Masten, 2005). A literatura sobre resiliência processo ou de forma integrada (Masten, 2007;
tem mencionado situações de violência, doenças, Zautra et al., 2010). Sobre este aspecto, Masten
eventos traumáticos, pobreza, desastres naturais, (2007) explica que, inicialmente, o foco sobre a
conflitos familiares, abuso de drogas, entre outros resiliência era descritivo, com o objetivo de
problemas como experiências que podem mensurá-la para caracterizar crianças, famílias e
comprometer a saúde geral do ser humano relações. Um segundo enfoque consistiu em
(Luecken & Gress, 2010). Para avaliar o seu compreendê-la como processo, através de estudos
impacto, toma-se em consideração variáveis longitudinais, devido à imprecisão das medidas e
como a severidade, a duração e a forma como da complexidade da vida humana. O terceiro
ocorreu (Norris, Stevens, Pfefferbaum, Wyche, & compreendeu experimentos visando testar o
Pfefferbaum, 2008), além do contexto e do modo fenômeno diretamente em ações de prevenção e
como essas situações são percebidas pelo/s intervenção. O quarto e último, segundo a autora,
indivíduo/s (Libório, Castro, & Coêlho, 2011). consiste em múltiplos níveis de análise exigindo a
Já a “adaptação”, está intimamente ligada ao consideração de diferentes perspectivas no estudo

48
da resiliência. Este debate ainda prevalece, não considerados. Para esse efeito, variáveis
havendo um posicionamento definitivo e individuais e contextuais, fatores de risco e de
consensual sobre a questão. Contudo, existe uma proteção são tomados em consideração para
tendência convergente de se estudar a resiliência explicar o processo de resiliência, conforme se
como um processo dinâmico, e em múltiplos descreve a seguir.
níveis (individual, grupal, familiar, escolar, Na dimensão individual, têm sido
comunitário, etc.), observando as especificidades mencionados os aspectos biológicos, motiva-
do contexto sociocultural em que ela ocorre cionais, temperamentais, comporta-
(Stewart & Yuen, 2011; Tol, Song, & Jordans, mentais e as aptidões como elementos envolvidos
2013; Ungar, 2011); e em diferentes domínios: no processo de resiliência (Windle, 2011). A
biológico, psicológico, sociológico, entre outros Organização Mundial de Saúde (WHO, 2009)
(Luthar et al., 2000; Masten, 2007). Em relação a refere-se à presença de características positivas
este debate, sugere-se que qualquer proposta de como o otimismo, a autoestima e a autoeficácia
estudo da resiliência explicite, inicialmente, a como sendo fundamentais. A título de exemplo,
perspectiva de análise em que o construto será afirma-se que uma boa saúde mental do indivíduo
abordado (Luthar et al., 2000). favorece o desenvolvimento de comportamentos
adaptativos (WHO, 2009). No mesmo sentido,
Como ocorre o processo de resiliência? Derek (2011) menciona as experiências pessoais,
No percurso da sua existência, as pessoas as habilidades e todo o capital humano individual
demonstram uma habilidade extraordinária de se como aspectos singulares da personalidade que
adaptar perante circunstâncias adversas, sendo devem ser considerados. Por sua vez, Yunes
esta uma das características peculiares da natureza (2011) cita estudos que mencionaram melhor
humana (Riley & Masten, 2005), e um exemplo de desenvolvimento intelectual, maior grau de
forças e competências individuais, familiares e autocontrole e sentimento de confiança do
comunitárias (Leadbeater, Dodgen, & Solarz, indivíduo de que os obstáculos podem ser
2005). Assim, vários pesquisadores ligados a esta superados como elementos importantes. Portanto,
área preocupam-se em compreender o processo de aspectos relacionados às características
como as pessoas lidam com as adversidades e individuais ajudam a explicar o processo de
promovem o seu bem-estar psicossocial. No resiliência.
início do artigo, foram levantadas as seguintes Na perspectiva contextual, Riley e Masten
questões: “Como as pessoas conseguem lidar com (2005) destacaram a importância do contexto, nos
a morte de um ente querido?”, “Como as pessoas seus diferentes níveis e formas, para a
conseguem lidar com fracassos nos seus projetos compreensão da resiliência. Segundo as autoras,
individuais?”, “Como as pessoas conseguem lidar os indivíduos estão em permanente interação com
com as crises socioeconômicas que de forma diversos sistemas em sua volta (escola, família,
cíclica marcam os tempos atuais?” A resiliência amigos, comunidade, local de trabalho, entre
ajuda a responder a estas inquietações, porém a outros), e a consideração da dinâmica dessa
compreensão de como ela ocorre não é simples, relação é fundamental. Para além dos
pois, envolve uma série de elementos a serem microssistemas, caracterizados por um contato

49
face a face, deve-se considerar o macrossistema, sociedade no geral, limitadas condições de
que compreende os sistemas de educação, saúde, trabalho nos postos policiais e esquadras, lentidão
políticas de emprego, habitação e de apoio social, na reacção às solicitações para a intervenção
entre outros (Riley & Masten, 2005; Windle, policial imediata, morosidade no esclarecimento
2011). Abordando sobre esta perspectiva, Ungar de casos criminais, dificuldades de lidar com
(2008) explica que as facilidades oferecidas pelo acções criminais cada vez mais inteligentes e
contexto em volta do indivíduo, os diferentes sofisticadas. Por outro lado, quanto ao aspecto
tipos de recursos disponíveis e as mudanças individual, têm sido reportadas, de forma
permanentes que nele ocorrem são aspectos que recorrente, cobranças monetárias e materiais
devem ser fortemente tomados em conta para a ilícitas de agentes da Polícia da República de
compreensão da resiliência. Moçambique (PRM) ao cidadão, dificuldades na
realização de tarefas que denotam deficiências na
Resiliência policial em Moçambique formação e baixos níveis de entrega ao trabalho.
Do exposto anteriormente, pode definir-se a Alguns depoimentos² de figuras proeminentes da
resiliência policial como a capacidade/processo PRM e do Ministério do Interior (MINT)
de enfrentamento/relacionamento com as várias entrevistadas à luz dos 40 anos da polícia,
situações adversas que surgem ao longo da busca retiradas do livro do jornalista Hélio Filimone
da materialização da missão policial: “garantir a (2015), consubstanciam parte destas adversi-
ordem, segurança e tranquilidade públicas”(Lei nº dades, como se pode ler a seguir:
16/2013). Em Moçambique, como é do “A polícia deve continuar a lutar para
conhecimento de todos nós, o exercício da promover continuamente um ambiente de
actividade policial é marcado por inúmeras tranquilidade. Espera-se uma Polícia madura,
dificuldades que afectam significativamente a como esta que celebra os 40 anos. Talento
qualidade dos serviços prestados ao cidadão. suficiente para melhorar o aspecto de segurança
Essas dificuldades podem ser vistas do ponto de no país. ...Nós, aos 40 anos...temos que nos
vista institucional e individual. No primeiro caso, entregar ao máximo e melhorar o nosso trabalho.
pode mencionar-se as limitações nos recursos ...Temos que melhorar o ambiente de segurança
humanos, materiais, financeiros; no segundo, os pública e de segurança rodoviária. Não podemos,
baixos níveis de motivação, dificuldades na aos 40 anos, continuar a ter deficiências. Convoco
satisfação das necessidades básicas de a todos os profissionais da Polícia a agirem como
sobrevivência, problemas de formação, condutas adultos. Tolerância zero às extorsões e ao
inadequadas, entre outras. Portanto, a resiliência comportamento negligente.” (General Jaime
policial pode ser analisada do ponto de vista Basílio Monteiro, Ministro do Interior. In
institucional e individual. Filimone (2015), pp.131-132).
As dificuldades institucionais podem ser “Também, ao nível do MINT vivemos uma era
testemunhadas pela insuficiência de efectivos que das tecnologias de informação. Não temos outra
respondam às demandas das comunidades e saída se não aplicar essas tecnologias não só para a

Essas intervenções foram retiradas nas entrevistas efectuadas a estas personalidades quando se referiam aos desafios
actuais e a mensagem que deixavam aos polícias..

50
polícia, mas para todos os serviços por nós cidadão fala e reclama da presença policial na
prestados. ...A investigação criminal hoje em dia hora que as coisas acontecem. É praticamente
usa tecnologias e rapidamente consegue impossível garantir que haja um polícia para cada
esclarecer processos. Sabemos ainda que ao cidadão. Nestes 10 anos como Vice-Ministro
adquirir meios tecnológicos vamos precisar de marcou-me o facto de termos conseguido duplicar
edifícios para colocar as máquinas e as pessoas a a formação de polícias na Escola Prática de
trabalharem num ambiente à altura dos desafios. Matalana, comparativamente ao que vinha sendo
...Temos que apostar na formação para esse nível formado nos anos passados. O desafio é
de exigência. Esses é que são os desafios: um prosseguir com o trabalho para reforçar o
plano de combate mas também aposta nas efectivo. Outro desafio é conseguir sempre meios
tecnologias, infra-estruturas e pessoal” (General à altura da polícia. Os meios de comunicação têm
Alberto Ricardo Mondlane, antigo Ministro do prioridade neste domínio. Adiciono estes desafios
Interior. In Filimone (2015), p. 145). à educação moral e espírito patriótico. ...Também
“A polícia tem que ser muito corajosa. Tem que apelo aos polícias a estudarem sempre...A
se fazer um trabalho sério para expulsar os resposta ao cidadão só pode ser dada por agentes
corruptos e os que desvirtuam o sentido da missão com elevado grau de conhecimento.” (José
policial. Não se pode ponderar a corrupção. Não Mateus Mandra, antigo Vice-Ministro do Interior
se pode tolerar que na polícia se mantenham e Reitor da ACIPOL. In Filimone (2015), pp.163-
agentes bêbados e que mancham a farda que usam. 164).
Polícia tem que ser exemplo.” (Coronel na A estes factores junta-se a natureza estressante
Reserva, Manuel António, antigo Ministro do da própria actividade, caracterizada por pressões
Interior. In Filimone (2015), p. 153). sociais para responder à urgente demanda de
“A polícia tem que continuar a incidir a segurança pública; o risco de vida que a própria
formação dos quadros em matérias patriótica, actividade envolve; poder de decidir, em função
cívica e ética, para além dos instrumentos de das circunstâncias, sobre a vida e sobre a morte de
formação técnico-profissional que podem ser alguém; e o sofrimento psicológico a eles
sempre aprimorados. Mas a questão do capital associados (Nicolau, 2009). Paralelamente a isto,
humano deve estar sempre no centro das atenções. pode-se associar também a percepção social
Ligado a isso, continuar com o exercício de existente sobre o polícia e a instituição policial
mobilizar recursos e meios auxiliares para que se que, em várias situações, surge de forma
possa realizar com eficiência e eficácia o trabalho. depreciativa. Tem-se verificado, várias vezes,
Finalmente, a questão das infra-estruturas e das comentários de diferentes sectores da sociedade
áreas sociais devem constar das prioridades.” questionando os serviços prestados pela polícia,
(José Pacheco, antigo Ministro do Interior. In alegando-se que ela não vai ao encontro das
Filimone (2015), pp. 157-158). expectativas dos cidadãos. Porém, é de mencionar
“O desafio é conseguir que o rácio que a avaliação da actividade policial, vista de
polícia/população atinja níveis internacio- forma mais aprofundada e considerando as várias
nalmente aceites. A população tem que sentir que dimensões de análise a observar, parece ser um
existe a polícia. Hoje e quase que diariamente o exercício complexo.

51
Diante de toda a dinâmica de funcionamento da tecnologias de informação e comunicação,
polícia em Moçambique, julga-se pertinente exigindo-se uma polícia preparada, tanto em
reflectir sobre a resiliência policial, analisando-a termos materiais como humanos, para lidar com
tanto do ponto de vista institucional assim como esta nova realidade.
individual. Assim, colocam-se as seguintes Terceiro, formação do polícia. A formação do
questões: Como se caracteriza a resiliência capital humano é um elemento chave para
policial em Moçambique? A que níveis ela pode qualquer organização, fundamentalmente uma
ser classificada? Que desafios se colocam para a formação de qualidade, nos aspectos do saber,
promoção permanente de um sentido de saber fazer e saber estar. A crescente qualificação
resiliência no seio policial? A análise sobre alguns dos agentes da PRM é importante para a melhoria
indicadores considerados importantes pode permanente dos serviços que prestam ao cidadão,
ajudar nesta reflexão, a saber: melhor interpretação e reacção aos fenómenos
P r i m e i ro , q u a n t i d a d e d e e f e c t i v o s criminais cada vez mais complexos e organizados
disponíveis para garantir segurança e de forma inteligente. Na aula de sapiência
tranquilidade. Esta é uma das adversidades proferida na Academia de Ciências Policiais de
institucionais visíveis no seio da PRM. Como foi Moçambique (ACIPOL), em 27 de Março de
demonstrado anteriormente, com base nos 2015, o antigo Procurador Geral da República,
depoimentos de algumas figuras da área, há uma Augusto Raúl Paulino, mencionou a necessidade
necessidade de se continuar a reforçar os efectivos de se formar um polícia proactivo e não reactivo;
policiais de modo que se tenha um rácio polícia- preparado para lidar com uma governação policial
cidadão aceitável. Logicamente, a diminuição da em plena era digital e apto para interagir com os
discrepância de polícias por cidadãos pode ser um desafios da informatização, dos sistemas de
elemento chave para a melhoria dos níveis de comunicação e da vigilância electrónica. Estas
prontidão policial. observações são fundamentais para os dias de
Segundo, condições físicas e materiais de hoje, tomando em consideração que a polícia
trabalho. Tal como o primeiro, este também é precisa de transitar do modelo de “esperar” que o
crucial. Conforme se pôde notar nos depoimentos crime aconteça e depois reagir para privilegiar o
citados anteriormente, há um reconhecimento da modelo de prevenção primária dos crimes, isto é,
necessidade de melhoria e construção de infra- evitar, em primeiro lugar, que eles ocorram.
estruturas para o funcionamento da polícia, Paralelamente, é urgente capacitá-la para lidar
apetrechamento das mesmas em meios com a era da globalização e digital e as suas
circulantes, de comunicação e outros implicações na área da segurança pública.
equipamentos que contribuam para a realização Quarto, motivação do polícia. Parece existir
das actividades em ambientes e contextos dignos uma percepção generalizada da necessidade de se
de trabalho. Na actualidade, com a crescente desenvolver acções práticas com vista à
sofisticação e complexificação do “modus motivação dos agentes da PRM. Há um
operandi” dos criminosos, há que reforçar a reconhecimento de que o exercício da actividade
atenção dada a estes aspectos, particularmente por policial exige um esforço abnegado e adicional,
se estar numa fase de massificação do acesso às face à realidade do contexto em que ele acontece,

52
porém, as condições oferecidas para um bem estar barreiras e superando-as ao longo do tempo.
psicológico, social e económico estão ainda O desafio agora seria medir em que nível pode
aquém do desejado. Além da questão salarial, ser colocado esse sentido de resiliência como
aponta-se o facto de se realizarem jornadas de forma de torná-lo mais objectivo e concreto, tal
trabalho de 24 horas sem nenhuma refeição, falta como aconteceu em pesquisas que procuraram
de auxílio em transporte de casa para o trabalho e estudar o fenómeno nessa perspectiva (por
vice-versa, limitações nos serviços de assistência exemplo, Emílio & Martins, 2012; Pieri, 2013), o
social, condições precárias de segurança dos que não foi possível para o presente estudo por se
próprios agentes. A estes elementos juntam-se as tratar de uma reflexão teórica. Contudo, o facto de
limitadas condições de trabalho abordadas se defender aqui a tese de uma polícia resiliente
anteriormente. Esta realidade tem sido em Moçambique, face aos esforços para a criação
frequentemente levantada pelos cadetes da de um ambiente de segurança e tranquilidade,
ACIPOL aquando das suas pesquisas para a apesar de várias adversidades, conduz à
elaboração da monografia de conclusão do curso percepção de existir um nível positivo de
de licenciatura em ciências policiais. resiliência. Portanto, a polícia tem conseguido
Diante deste cenário, há que fazer, em algum oferecer segurança e tranquilidade aos cidadãos
momento, uma análise mais comedida, racional, apesar dos vários constrangimentos que
integrada e menos apaixonada do desempenho caracterizam o quotidiano das suas actividades.
policial em Moçambique. Estas adversidades, em Os dados do “The Institute for Economics and
princípio, levariam a instituição policial a um Peace³”, uma organização internacional que se
fracasso no cumprimento da sua missão. Porém, ocupa em medir o clima de paz e o seu valor eco-
tem se notado, pelo contrário, um esforço no nómico em diferentes países, podem ser
sentido de oferecer cada vez mais segurança e indicadores a tomar em consideração para
tranquilidade aos cidadãos. Conforme foi sustentar esta posição. Por exemplo, no período de
explicado no inicio deste texto, a resiliência é um 2010 a 2015, Moçambique esteve entre os índices
process o no qual indivíduos , famílias, alto e médio em pacificação, conforme se pode
comunidades e organizações lidam com notar na tabela a seguir:
adversidades e conseguem Ano Nº países avaliados Ranking
prosseguir com os objectivos Posição na tabela Índice de pacificação
q u e e s t ã o p e r s e g u i n d o . 2010 149 47 Alto
P o r t a n t o , a P o l í c i a d a 2011 153 48 Alto
República de Moçambique, 2012 a) a) a)

apesar das várias adversidades, 2013 162 61 Alto

parece conseguir levar avante o 2014 162 82 Alto


162 80 Médio
seu papel social. Quando se 2015
fala de resiliência, é
fundamental realçar a ideia de processo, que Fonte: Institute for Economics and Peace (2010, 2011,
clarifica que as pessoas ou instituições vão 2013, 2014, 2015). Global Peace Index
conseguindo relacionar-se com as diferentes a) Dados não localizados

53
Apesar de não se poder estabelecer uma relação de enormes adversidades envolvidas na realização
causa e efeito, pois, há diversos aspectos a serem das suas actividades. O desafio que se coloca neste
tomados em consideração para estes resultados momento consiste em capitalizar esse sentido de
(os vários indicadores usados já chamam atenção resiliência e fortificá-lo permanentemente. Para
para isso), não é de minimizar o papel da polícia isso, é fundamental que sejam melhoradas
na criação deste ambiente. Assim, há que continuamente as condições de trabalho e de
reconhecer a existência de exemplos que podem motivação, através de acções que tenham
contribuir para a demonstração do impacto da implicações visíveis na vida da instituição e do
actividade policial, apesar dos debates que têm polícia. Caminhar nessa direcção pode constituir
sido suscitados em torno do seu desempenho. um factor importante de promoção de resiliência,
Em forma de conclusão, é de evidenciar o sustentando ciclicamente o potencial ora
carácter resiliente da PRM, tanto do ponto de vista existente.
institucional como individual, em função das

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O IEP produz o “Global Peace Index” com base em vários indicadores dentre os quais constam o nível percebido de
criminalidade pela sociedade, rácio polícia-cidadão, número da população prisional, nível de violência e crime, entre
outros. No final os países são ordenados com base nos seguintes índices de pacificação: muito alto, alto, médio, baixo e
muito baixo.
54
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55
A Mulher no Crime: Submissa ou Subtil?
As atividades rotineiras como fator relevante na incidência
de géneros no fenómeno criminal

Resumo
No presente estudo, faz-se uma análise do fenómeno criminal através da experiência
feminina, abordando a forma como as mulheres vivem o crime, principalmente no
papel de agressoras. Mais especificamente, visa-se o relacionamento deste fator com a
Teoria das Atividades Rotineiras, desenvolvida em 1979, por Lawrence E. Cohen e
Marcus Felson, à luz da Criminologia Ambiental, por forma a compreender as
estatísticas da criminalidade feminina. Segundo esta teoria, um conjunto de fatores, tais
Inês Isabel Capão
Calixto como a educação, a socialização, a oportunidade e a motivação, impulsionam o
cometimento de delitos. As rotinas individuais irão contribuir para a convergência
destas variáveis. Visto que homens e mulheres possuem rotinas diferenciadas em função do género, derivadas de
um longo processo histórico de socialização, irão também ter divergências no que respeita às oportunidades
criminais.
Palavras-chave: Mulher Delinquente; Criminologia Feminista; Teoria das Atividades Rotineiras.

Abstract
In this study, the criminal phenomenon is analyzed through the female experience, addressing the way women
live the crime, mainly in the role of aggressors. More specifically, the relationship between this factor and the
Theory of Routine Activities, developed in 1979 by Lawrence E. Cohen and Marcus Felson, in the light of
Environmental Criminology, is aimed at understanding the statistics of female crime. According to this theory, a
set of factors, such as education, socialization, opportunity and motivation, drive the commission of crimes.
Individual routines will contribute to the convergence of these variables. Since men and women have gender-
specific routines derived from a long historical process of socialization, they will also have divergences in terms
of criminal opportunities.
Keywords: Delinquent Woman; Feminist Criminology; Theory of Routine Activities.

Nota introdutória teoria das atividades rotineiras e a incidência de


A presente investigação procurou responder à sexos no fenómeno criminal? Para o cumpri-
seguinte questão de partida: qual a relação entre a mento desse objetivo baseámos o nosso estudo

Mestre em Ciências Policiais e Colaboradora do ICPOL – Centro de Investigação do Instituto Superior de Ciências
Policiais e Segurança Interna (Lisboa, Portugal).
O presente artigo, com a introdução de alguma informação adicional, corresponde, na essência, à síntese de uma
dissertação de mestrado em Ciências Policiais (área de especialização em Criminologia e Investigação Criminal)
defendida publicamente em no ISCPSI.

56
Nota introdutória do que os masculinos? De que maneira as
A presente investigação procurou responder à diferentes formas de socialização de género
seguinte questão de partida: qual a relação entre a influenciam o comportamento criminal? Existem
teoria das atividades rotineiras e a incidência de verdadeiramente crimes tipicamente femininos e
sexos no fenómeno criminal? Para o cumpri- masculinos (em termos de diferenças patológicas
mento desse objetivo baseámos o nosso estudo e sociais em função do género), ou é tudo se
em pesquisa bibliográfica e na recolha de dados prende com uma questão de oportunidade?
qualitativos por via da aplicação de inquéritos por
entrevista a informantes privilegiados, visando a I. História das Mulheres
investigação teórico-conceptual do tema Nogueira ([s.d.], p. 8) defende que toda a
selecionado. Como objetivos específicos, foram história da mulher e todas as lutas pela
definidos os seguintes: realização de uma breve reivindicação da dignidade do ser feminino
abordagem socio-histórica do papel das levaram a que se alcançasse, nos tempos que
mulheres; análise do papel das mulheres no correm e em grande parte da sociedade ocidental,
contexto criminal; definição de Criminologia uma igualdade legal e política para ambos os
Ambiental e da Teoria das Atividades Rotineiras; sexos, mas que isso não se verifica na prática.
e a articulação desta última com a criminalidade Apesar de as mulheres, na sociedade ocidental, já
feminina, de forma a perceber como ambas se possuírem direito ao voto, ao controlo da
relacionam, no sentido de servir como explicação fertilidade, à frequência das instituições de
para a menor taxa de criminalidade feminina. ensino, entre outros, ainda continuam a ser as
Começamos com um breve enquadramento principais responsáveis no que respeita à
histórico, selecionando momentos que, segundo a prestação de cuidados à família, evocando-se
nossa perspetiva, se apresentam como adequados justificações de cariz biológico. Para que isto
para figurar no estudo. Depois da revisão mude, é necessária, além da reivindicação dos
histórica, delimitou-se o objeto de estudo para a direitos humanos das mulheres, a reeducação dos
mulher criminosa, direcionando a nossa atenção homens para que se consiga abolir a “perspetiva
para este campo mais concreto por forma a do valor específico ”.
terminar com a enunciação da Teoria das A situação atual tem as suas raízes nos
Atividades Rotineiras. primórdios da humanidade. Recuando três
Assim, propomos as seguintes hipóteses de milhões de anos, até ao surgimento da espécie
investigação: estão as mulheres mais confinadas à humana, verificamos o início das relações
esfera privada em comparação com os homens? desiguais consoante o sexo. Segundo Oliveira,
Estará o quotidiano feminino mais Gago, Catarino, Cantanhede e Torrão (2012, p.
sobrecarregado do que o masculino? Estarão os 25), tanto no Paleolítico como no Neolítico existia
homens mais expostos a oportunidades uma diferenciação sexual de género. É defendido
criminosas em comparação com as mulheres? que, nos primórdios da humanidade, os homens
Passarão os crimes femininos mais despercebidos estavam encarregues da caça e defesa do

Perspetiva que defende que as mulheres possuem características específicas que as tornam mais adequadas para o
desempenho de determinadas tarefas, nomeadamente, as domésticas (Nogueira, [s.d.], p. 9).. .

57
território, enquanto as mulheres cuidavam das “supremacia da Igreja Católica” e pelo grande
crianças e se dedicavam à recolha de frutos e poder do Clero (Franco, 2001, p. 2), decorreu um
vegetais e à confeção do vestuário, ficando período predominantemente masculino,
excluídas das tarefas mais perigosas e árduas considerando-se este como o sexo superior. À
devido à sua fragilidade e pouca robustez física. O mulher cabia um papel de submissão, devendo
seu papel principal prendia-se com a reprodução. apresentar características como a castidade e a
Passando para a época clássica, as obediência ao sexo oposto. Esta realidade advém
desigualdades continuam a ser visíveis. Na de ela ser encarada como uma inimiga da virtude,
sociedade egípcia, os homens estavam uma “fonte do mal”.
incumbidos do “trabalho exterior”, desde as Por fim, abordamos o Feminismo da
atividades agrícolas às tarefas de guerreiro, modernidade, que encontra os seus primórdios na
enquanto as mulheres eram as principais Revolução Francesa, um movimento
responsáveis pelo “trabalho interior”, desde a revolucionário que originou a Declaração dos
tecelagem ao fabrico de pão e cerveja, passando Direitos do Homem e do Cidadão. Apesar de ser
pelas funções de carpideira e ama-de-leite, um marco importante no que respeita à aquisição
verificando-se uma certa conotação do papel de direitos para a humanidade, Martinsa ([s.d.], p.
feminino direcionado para as tarefas da esfera 3) afirma que as mulheres ficaram excluídas dos
doméstica, não se denotando uma genuína privilégios que daí advieram, o que levou a uma
paridade de género (Beaumont, 2003, p. 21). No maior consciencialização destas para a pouca
que respeita à sociedade grega, as mulheres não atenção que lhes era concedida e para a
possuíam qualquer tipo de direito político ou necessidade de reivindicação dos seus direitos
jurídico, ficando assim submetidas socialmente sociais e da igualdade de papéis e oportunidades,
(Tôrres, 2001, p. 49). Não eram sequer abandonando a conceção de esposa e mãe
consideradas como cidadãs, visto não submissa, para alcançar o papel de cidadã de
preencherem pelo menos um dos requisitos plenos direitos. Passam assim a ambicionar uma
obrigatórios para tal: “ter nascido livre, ser filho voz própria que seja ouvida e valorizada, surgindo
de pai e mãe atenienses e ser do sexo masculino” aqui o início do feminismo contemporâneo.
(Oliveira et al., 2012, p. 61). Dado que apenas os
cidadãos podiam participar na vida política e II. História das Mulheres no Crime
administrativa da Pólis, as mulheres estavam Apesar de o fenómeno criminal no feminino
excluídas do exercício de cargos públicos sempre ter existido, apenas começou a ser
(Oliveira et al., 2012, p. 63), ficando reduzidas, encarado como digno da esfera pública e do
mais uma vez, a uma esfera fechada. À estatuto de fenómeno social a partir dos anos
semelhança da sociedade grega, também na setenta do século vinte, quando começaram a
sociedade romana o papel feminino estava surgir, em vários países, estudos sobre as
limitado à esfera doméstica, sendo consideradas mulheres no papel de transgressoras, vítimas e
como propriedade masculina. figuras do sistema de justiça, chegando este
Na sociedade europeia entre a antiguidade campo de estudo a Portugal em meados dos anos
clássica e o século XVIII, época dominada pela oitenta. Até essa data, elas eram desprezadas pelo

58
sistema de justiça criminal, especialmente
enquanto agressoras, visto que essa prática não Também as tipologias criminais variam
condizia com os estereótipos daquilo que era consoante o género. Gomes (2008, p. 49) procede
considerado feminino (Ferreira, Bendlin,
Horst, Delaporte e Gomes, 2015, p. 165).
Através da análise objetiva das estatísticas
criminais, podemos constatar a realidade de
que as mulheres cometem menos delitos do que
os homens ou, pelo menos, estão menos
presentes no sistema judicial. Tomando a a um estudo onde verifica que o tráfico de droga
estatística portuguesa como referência, passamos surge como o crime de maior peso na esfera
então à análise dos dados quantitativos. No feminina (Gráfico 2).
gráfico 1, referente ao intervalo entre 1960 e 2012, Gráfico 2: Percentagem de Reclusas
verifica-se que a população prisional apresenta Condenadas por Crime.
discrepâncias em termos de género, sendo os
reclusos do sexo masculino mais representados do Constata-se também que diversas correntes
que os do feminino. Esta realidade pode derivar de criminológicas atribuíram pouca dedicação ao
um menor número de crimes cometido por estudo da mulher, encarando o homem como o
mulheres, bem como de uma maior benevolência principal sujeito de análise. A mulher criminosa
surge na idade média, sendo encarada
como um ser sobrenatural. Com o
positivismo, passando a criminologia a
basear-se na experiência e na observação, a
mulher deixa de ser encarada como um ser
sobrenatural mas, mesmo assim, são-lhe
atribuídas características que a afastam da
imagem feminina socialmente aceite e
imposta, afirmando-se que sofre de
anomalias de cariz biológico e psicológico.
Com o surgimento da sociologia criminal,
passa a focar-se a interação do indivíduo
com a sociedade e propõe-se que as
por parte do sistema de justiça ou, até mesmo, por
diferenças criminais consoante o sexo derivam de
uma maior impunidade dos seus crimes, derivada
diferentes modelos de educação e socialização. Já
de diferentes modus operandi e tipologias
a criminologia crítica considera o processo de
criminais.
criminalização como um processo de etiquetação
Gráfico 1: Evolução dos Arguidos de 1960
de uma classe dominante sobre outra. Assim,
a 2012
verifica-se, mais uma vez, uma imposição de
Fonte: Direcção-Geral da Política de Justiça / Ministério
vontades masculinas sobre as femininas,
da Justiça (2015, p. 3).
constatando-se uma distribuição desigual do

59
rótulo de criminoso, sendo as mulheres desejadas, determinado alvo torna-se suscetível
maioritariamente rotuladas como vítimas, visto perante um criminoso motivado ; c) e a ausência
serem os homens a grande maioria dos autores de de um guardião apto para impedir o crime: o termo
crimes. guardião refere-se não só a pessoas, como
De forma a colmatar estas lacunas, surge a também a mecanismos que desencorajem a
criminologia feminista, corrente criminológica prática de crimes. Não é apenas a presença física
cujo principal objetivo se prende com a análise de um guardião em determinado local que
das especificidades do envolvimento feminino na desencoraja as práticas delituosas. Também a
criminalidade, seja enquanto vítimas, criminosas educação dos indivíduos por parte de familiares
ou agentes do sistema de justiça. Visa o combate ou outros entes próximos leva ao encorajamento
da hegemonia masculina no estudo do crime, a ou desencorajamento dessas mesmas práticas,
introdução dos estudos de género no âmbito sendo esses educadores, que tentam afastar o
criminal e o combate da invisibilidade feminina potencial delinquente de problemas, também
nos estudos criminológicos e da distorção das suas considerados como guardiões (Miró, 2014, p. 3).
experiências transgressivas. A teoria em foco defende que as atividades
quotidianas irão influenciar a convergência destes
I. Teoria das Atividades Rotineiras três elementos. Consequentemente, as eventuais
A Teoria das Atividades Rotineiras surge em alterações nas rotinas provocarão maiores ou
1979, através do artigo “Social Change and Crime menores oportunidades para a prática de crimes,
Rate Trends: A Routine Activity Approach”, tornando o sujeito mais vulnerável à tentação de
escrito por Lawrence E. Cohen e Marcus Felson. delinquir através da colocação do mesmo perante
Os autores vêm afirmar que, para a ocorrência de situações propícias à prática de delitos. É no
um crime, é necessária a convergência no tempo e decorrer das atividades diárias, no desenrolar do
no espaço de três elementos mínimos (Cohen & estilo de vida de cada um que se proporciona a
Felson, 1979, p. 588): a) Um agressor motivado: a permanência de um alvo adequado, um criminoso
motivação do agressor está relacionada com a motivado e a ausência de guardiões no mesmo
existência de uma oportunidade criminosa que local e ao mesmo tempo (Cohen & Felson, 1979,
maximize o seu lucro sem que o coloque em risco p. 589).
de sofrer consequências elevadas. Também a Todo um processo histórico, cultural e social,
educação e o meio social do indivíduo irão ser um levou a que as mulheres fossem associadas e
contributo fundamental na tomada de decisão do confinadas à esfera privada, enquanto a pública é
mesmo; b) Um alvo adequado: Refere-se a considerada como território masculino, sendo elas
pessoas ou propriedades que possam ser vítimas consideradas como guardiãs do lar e eles como
de um agressor motivado. Reunidas as condições criadores da moral e mediadores da cultura e das
necessárias e verificadas as características normas formais e sociais (Daly & Chesney-Lind,

Para a Teoria do Estilo de Vida, enunciada em 1976 por Hindelang (Miró, 2014, p. 5), a vitimização e suscetibilidade do
alvo são influenciadas pelas suas rotinas e estilos de vida, “as ocasiões de contacto entre delinquentes potenciais e vítimas
potenciais são, portanto, condicionadas pelo modo de vida de uns e de outros” (Cusson, 2011, p. 168). Neste contexto, pode
dizer-se que a emancipação feminina, aumentando o acesso das mulheres a oportunidades criminosas, também aumentou a
sua suscetibilidade enquanto vítimas através da sua entrada na esfera pública.

60
1988, p. 510). Esta realidade tornou as fornecessem respostas à questão em causa; em
oportunidades de trabalho remunerado e fora de segundo, servirá para a troca de pontos de vista
casa mais restritas para os sujeitos do sexo sobre o assunto, para que o estudo não se torne
feminino, ficando muitas vezes limitadas a demasiado tendencioso, aludindo apenas à visão
profissões relacionadas com o lar e os cuidados do investigador com base na análise das
familiares (Oliveira, 2001, p. 31). Estas diferentes informações recolhidas e analisadas (Quivy &
esferas de circulação (em termos de meio social e Campenhoudt, 2013, p. 53).
mercado de trabalho) levam a diferenças de Optámos por uma entrevista semi-diretiva,
género no que respeita à tipologia de crimes possuindo um guião bem definido, constituído
cometidos, fazendo com que cada um atue através pelas hipóteses de investigação, para que o
das oportunidades que lhes surgem na esfera onde entrevistado possa estruturar o seu pensamento
circula (Oliveira, 2001, p. 74). e m t o r n o d a q u e s t ã o a a b o r d a r, m a s
possibilitando-lhe também a liberdade de ir mais
II. Métodos e Técnicas de Investigação além e exprimir-se naturalmente, deixando fluir o
Selecionados seu pensamento sem grandes restrições (Sousa &
Para responder aos objetivos propostos no Baptista, 2011, p. 80), composta por questões
âmbito do trabalho, selecionámos como técnicas abertas, possibilitando ao entrevistado a
de investigação principais a pesquisa “possibilidade de exprimir e justificar livremente
bibliográfica e a entrevista a especialistas na área a sua opinião” (Sousa & Baptista, 2011, p. 81), e
em questão, tendo em vista a sua adequação ao intensiva, centrando-se em especialistas que não
estudo e a escassez de recursos disponíveis. foram “escolhidos em função da importância
A nossa investigação tem um carácter teórico, numérica da categoria que representam, mas antes
trabalhando um problema que já foi, no passado, devido ao seu carácter exemplar” (Ruquoy, 2011,
analisado por outros autores. Desta forma, é p. 103), visando observações estrategicamente
imprescindível que se proceda a uma pesquisa recolhidas e tratadas em profundidade (Hiernaux,
bibliográfica detalhada para se conhecer trabalhos 2011, p. 172) e contendo perguntas sobre cada
sobre o mesmo tema, afigurando-se esta uma uma das hipóteses pré-estabelecidas (Quivy &
técnica adequada aos nossos objectivos (Saint- Campenhoudt 2013, p. 181).
Georges, 2011, p. 16) Para esse efeito, foram selecionados cinco
É pertinente optar-se pelo uso da entrevista informantes privilegiados, considerando o facto
enquanto método de investigação quando não de serem especialistas nas áreas da Criminologia e
existam dados explícitos e concretos sobre o dos Estudos de Género, a saber: a doutoranda Ana
assunto que queremos explorar, vendo-nos Guerreiro, a doutora Dália Costa, a doutora Irene
obrigados a obtê-los com base nesta técnica Vaquinhas, a doutora Isabel Ventura e a doutora
(Ruquoy, 2011, p. 86). No que respeita às rotinas e Sónia Caridade.
ao quotidiano feminino, não conseguimos dados
explícitos. Por isso, decidimos recorrer a III. Análise e Discussão dos Resultados
entrevistas direcionadas a especialistas na área. Após a revisão bibliográfica e a exposição das
Em primeiro lugar, para que estes nos estatísticas criminais, resta-nos proceder a uma

61
súmula conclusiva que contribua para a facto de, em grande parte, consistirem em
resposta à interrogação presente no título: A pequenos delitos. Finalizando, resumimos
Mulher no Crime: Submissa ou Subtil? concisamente as respostas às hipóteses de
Apresentamos quatro hipóteses explicativas para o investigação, tomando por base toda a revisão
fenómeno, sugeridas ao longo do tempo por vários bibliográfica e as respostas de especialistas
autores, umas em prol da submissão, outras da recolhidas através de entrevistas. Verificou-se que
subtileza.Em primeiro lugar, o maior controlo as mulheres estão mais confinadas à esfera privada
social exercido sobre o sexo feminino. Durante a em comparação com os homens. A evolução do
evolução histórica, as mulheres têm sofrido papel feminino ao longo das diversas épocas
tratamentos diferenciados em comparação aos históricas tem sido direcionada para a esfera
homens, estando sujeitas a uma maior e mais privada, enquanto os homens são os principais
rigorosa vigilância por parte da sociedade, levando elementos da esfera pública. Costa (2016)
a que estas adquiram uma maior conformidade acrescenta que esta realidade constata-se desde
perante as normas que lhes são impostas, ficando tenra idade, visto que as meninas são incentivadas
assim menos suscetíveis ao cometimento de a permanecer em casa e os meninos a fazerem um
crimes. estilo de vida de “rua”, fora do lar. Isto tem o seu
Também a Tese do Galanterio, teoria elaborada ponto positivo, levando as meninas a dedicarem-se
nos anos 50 por Otto Pollack, sugere uma resposta mais à progressão escolar, obtendo assim um
à interrogação. Segundo o autor, as mulheres são maior sucesso académico. Apesar disto, “possuem
tratadas de uma forma mais branda pelo sistema um nível salarial mais baixo em comparação aos
penal de justiça, devido ao facto de os seus crimes homens, sendo este diferencial salarial justificado
serem, geralmente, de pequena dimensão e por com o argumento de que elas possuem uma maior
serem encaradas como mais frágeis e menos responsabilidade no que respeita ao espaço
perigosas, muitas vezes não chegando sequer a residencial, tarefa socialmente atribuída às
serem denunciadas. Assim, as mulheres acabam mulheres. E, paradoxalmente, conforme possuem
por serem condenadas menos vezes e, quando aptidões académicas e posições hierárquicas mais
condenadas, recebem penas mais leves. Em elevadas, mais notórias são as diferenças salariais
terceiro lugar, verifica-se uma maior confinação em relação aos pares masculinos” (Costa, 2016).
das mulheres à esfera privada. Relativamente às Em termos criminais, o confinamento à esfera
esferas de circulação, as mulheres, ao longo da privada poderá contribuir para a subtileza da
História, estiveram sempre mais associadas à criminalidade feminina, tornando propício o
esfera privada, onde existem menos oportunidades cometimento de determinados tipos de crime: “a
criminais e, caso ocorram, maior facilidade em sua posição, no espaço privado, seria igualmente
dissimulá-las. instrumental para alcançar com sucesso a
Por fim, surge a subestimação dos crimes impunidade, ou por recorrerem a formas sub-
femininos. O facto de se verificar uma menor reptícias de «matar» ou por as suas ofensas
percentagem de crimes cometidos por sujeitos do recaírem sobre vítimas especialmente vulneráveis
sexo feminino leva a que estes, muitas vezes, para utilizarem meios de delação” (Simões, 2011,
acabem por passar despercebidos, inclusive pelo p. 133). Relativamente à maior sobrecarga do

62
quotidiano feminino em comparação com o Assim, constata-se que o crime, grande parte
masculino, Guerreiro, Costa, Ventura e Caridade das vezes, depende do contexto em que nos
(2016), afirmam que sim. Uma das justificações inserimos e das oportunidades que ele nos
sugeridas prende-se com o conceito de “dupla oferece. Ventura (2016), no que a esta afirmação
jornada”: além dos compromissos profissionais, diz respeito, acrescenta que, independentemente
as mulheres possuem ainda grande parte dos das oportunidades, depende do sujeito a decisão
compromissos domésticos, visto continuarem final. Ou seja, mesmo que as oportunidades sejam
associadas a este papel, estando encarregues das superiores para um dos sexos, isto não significa
tarefas de manutenção diária do lar. Esta divisão que se verifique uma maior taxa de criminalidade
assimétrica das tarefas leva a que as mulheres desse sexo, interferindo aqui a questão da
estejam mais sobrecarregadas em comparação aos socialização e da aprendizagem, que poderá
homens, possuindo diariamente, em média, mais tornar os sujeitos masculinos mais inclinados para
duas horas e meia de trabalho não remunerado. a perpetração de delitos tendo em conta a sua
Vaquinhas (2016) exprime uma opinião um pouco educação mais virada para a violência, agressão e
diferente, defendendo que o quotidiano está pro-atividade.
dependente dos estratos sociais. Apesar de o Quanto à subtileza da criminalidade feminina,
quotidiano feminino parecer, sem dúvida, mais todas as entrevistadas partilham da mesma
sobrecarregado do que o masculino, é necessário opinião: existe uma dependência com o tipo de
ter em conta que ele irá diferir consoante a classe crime, o “tipo” de mulher, a classe e o contexto
social. social onde esta se insere. Não é que os crimes
A questão da maior exposição masculina a femininos passem mais despercebidos, apesar de,
oportunidades criminosas relaciona-se com os em determinados casos, devido essencialmente ao
diferentes estilos de vida e de aprendizagem. Em modus operandi a que recorrem, elas se
termos educativos, as mulheres são remetidas apresentarem como criminosas mais contidas e
para a submissão e os homens para a agressão. No organizadas em comparação com os homens. O
que respeita ao estilo de vida, os jovens do sexo que se verifica é que a mulher, por um lado, é mais
masculino têm uma maior tendência a saírem desculpabilizada penalmente apelando ao seu
desacompanhados em comparação com os do papel maternal e de cuidado familiar e, por outro,
sexo feminino. Segundo Costa (2016), também os punida mais severamente ao cometer delitos que
locais frequentados são diferentes e existe uma transgridam os papéis socialmente impostos
discrepância muito grande no que respeita ao (crimes relacionados com a maternidade).
acesso, uso e porte de armas por parte de ambos os Relativamente à influência das diferentes
sexos. O incentivo à violência, o estilo de vida, a formas de socialização de género no que respeita
menor vigilância dos sujeitos do sexo masculino, às condutas criminosas, é inegável que, ao longo
a maior facilidade de acesso a armas e a dos tempos, têm-se verificado divergências na
circunstâncias propícias a utilizá-las leva a que educação consoante o sexo: as mulheres são
estes estejam mais expostos não só a educadas e instruídas para a submissão e
oportunidades criminosas, como também a passividade, enquanto os homens são remetidos
situações de vitimação. para a agressividade e pro-atividade. Acrescenta-

63
se ainda que, em termos de controlo, tanto prática criminal. São os fatores e as normas
formal como informal, as mulheres são sujeitas a sociais, fatores ligados ao meio, portanto, que têm
um maior escrutínio em todos os aspetos da sua influência na questão. Fundamentalmente, a
vida: são-lhes pedidas mais justificações para as explicação é social, não genética, cromossómica
suas ações, impostas regras mais rígidas e ou patológica.
julgamentos mais áridos em comparação com os
sujeitos masculinos que, desde jovens, são Considerações finais
incentivados a tornarem-se aventureiros, Qual a relação entre a teoria das atividades
independentes e destemidos. Devemos ter em rotineiras e a incidência de géneros no fenómeno
conta a relação entre a educação e a envolvente: criminal? Foi esta a nossa pergunta de partida.
não apenas o género, mas também o ambiente Após todo o trabalho de investigação, parece-nos
social onde o sujeito está inserido irão influenciar seguro afirmar que a rotina influencia o fenómeno
a sua educação: as diferentes posturas perante a criminal em termos de incidência de género. Não
vida assumidas por parte de mulheres e homens, nos devemos cingir, exclusivamente, a esta
derivadas, em grande parte, do processo educativo vertente. Há que ter em consideração outros
aplicado a cada um, irão, inevitavelmente, fatores, tais como a socialização, a educação, o
interferir na sua incidência criminal. meio onde o sujeito está inserido, as diferenças
A questão da tipicidade dos crimes em função individuais, entre outros. Um conjunto de
do género está relacionada com a estatística, o oportunidades e motivações impulsionam o
contexto e a época histórica. Caridade (2016) cometimento de delitos. As rotinas individuais
afirma que não podemos generalizar e reduzir a irão contribuir para a convergência destas duas
explicação para o fenómeno a um único fator. variáveis: visto que mulheres e homens possuem
Devemos tomar em linha de conta variáveis quotidianos diferenciados em função do seu sexo,
diferenciadas consoante o género, tais como as derivados de um longo processo histórico de
motivações e os funcionamentos individuais do socialização em função de género, irão também
agressor, as oportunidades oferecidas, as questões ter convergências diferentes em termos de
biológicas e as sociais. Ventura (2016) é da mesma oportunidade criminal. A questão da socialização
opinião, referindo que crime é um conjunto de e educação também irá influenciar em termos
oportunidade, socialização e necessidade. Não motivacionais.
desconsiderando as questões biológicas, desde as Por fim, a mulher no crime é então submissa ou
diferenças hormonais à força física entre sexos, subtil? Concluímos que, no crime, a mulher, de
valoriza mais a socialização e o meio social onde o certa forma, soube tirar partido de uma imposição
indivíduo se insere, que irá estimular ou reprimir histórica de submissão. As tipologias criminais e a
determinadas características, consideradas inatas, discrepância nas estatísticas consoante o sexo
como, por exemplo, impulsos psicóticos que carecem de um estudo mais aprofundado mas, no
poderão cumular em comportamentos violentos. que respeita ao modus operandi, a forma subtil e
Costa (2016) vem reforçar esta ideia de que não requintada como a mulher atua (apesar de existir
existe, do ponto de vista patológico, genético ou uma dependência desta afirmação com o tipo de
cromossómico diferenças que influenciem a crime, a mulher e o contexto social em análise),

64
poderá ter sido estimulada pelas barreiras e condicionantes que lhe têm sido impostas, originando a
sua criatividade e subtileza nas formas como ultrapassá-las, seja no crime, seja em outras variáveis da
vida.

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65
66
Formação Policial, Profissionalismo, Imagem e Identidade

Resumo
Em sociedades democráticas, as instituições policiais visam, de um modo geral, dar
resposta às necessidades sociais de segurança e garantir a ordem colectiva. Hoje em dia,
dada a natureza e universalidade do risco, e da sua associação com o sentimento de
insegurança das populações, os Estados democráticos, para lhe fazerem face, carecem
de instrumentos, recursos humanos e tecnologia cada vez mais aperfeiçoados na
protecção dos cidadãos, dos seus bens e das instituições.
Fernanda do Rosário
Carneiro da Silva¹ Segundo Van Maanen (1975), são requisitos para o bom desempenho da função policial
a selecção criteriosa dos indivíduos, atendendo, em especial, às suas dimensões da
personalidade (por ex. impulsividade, agressividade, compulsividade); às atitudes para com grupos específicos
na sociedade (por ex. jovens, minorias); às aptidões cognitivas e motoras; à idoneidade e, por último, à destreza
física. Por sua vez, a dimensão axiológica da actuação policial é sustentada pelo elo emocional à profissão e
constrói-se através de estratégias de socialização organizacional, em especial na fase de integração e
acolhimento, e da sujeição a um exigente processo de aprendizagem do trabalho em contexto policial (Obi, 2008;
Carneiro da Silva, 2017a).
Neste sentido, este artigo tem o propósito de, numa reflexão abrangente, perceber o papel da formação policial
promotor da eficácia policial, capaz de articular as valências necessárias à construção de uma matriz de valores e
identidade próprias deste profissional, condizentes com a complexidade que hodiernamente caracteriza a
actividade das polícias modernas, num contexto global.
Palavras-chave: Formação, Polícia, Profissionalismo, Imagem e Identidade.

Abstract
Police institutions in democratic societies, in general, respond to the social needs of security and ensure
collective order. Now a days, given the nature and universality of the risk and your association with the insecurity
feeling of the people, the democratic States to tackle lack of instruments, human resources and increasingly
improved technology in the protection of citizens, their assets and institutions.
Are requirements for the good performance of the police function according to Van Maanen (1975), the judicious

¹ Doutorada em Gestão, na especialidade gestão de RH (ISCTE-IUL);


Mestre em Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos (ISCTE-IUL);
Técnica Superior de Higiene e Segurança do Trabalho (ULEGE);
Chefe da Divisão de Gestão e Consultoria de RH na Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública; (PSP);
Investigadora no Centro de Investigação (ICPOL) do ISCPSI.

67
selection of individuals, taking into account in particular, to their dimensions of personality (e.g., impulsivity,
aggression, compulsivity); the attitudes towards specific groups in society (e.g. youth, minorities); the cognitive
and motor skills; the reputation and finally the physical dexterity. Being the axiological dimension, sustained by
the emotional link to the profession and is built through organizational socialization strategies, in particular on
integration and reception phase, and the entry for a demanding process of learning work in police context (Obi,
2008; Carneiro da Silva, 2017a).
In this sense, this article is intended to, in a comprehensive reflection; understand the role of police training
promoter of police efficiency, able to articulate the skills necessary for the construction of an array of values and
own identity of this professional, consistent with the complexity that characterizes today the modern police
activity in a global context.

Introdução privilegiados para facilitar a aquisição e


Os benefícios de uma formação académica integração nas identidades individuais dos
orientada para a função, seguida de uma valores, normas e regras associados à prática
oportunidade de transferência de conhecimentos, profissional, com vista à construção da identidade
com supervisão associada, são um bom profissional dos novos polícias.
investimento, quando se analisam as implicações
negativas da utilização de polícias mal A Formação em Contexto Policial
preparados. É com base nesta observação que as A formação policial, em qualquer dos seus
administrações estatais investem na formação dos modelos, é uma configuração essencial no
seus polícias. Os objetivos das escolas e processo de integração na carreira policial e
academias de polícia podem ser resumidos nos fundamental na construção da eficácia e
seguintes: (1) incutir nos seus alunos as tradições identidade policiais. Apesar da comparação entre
institucionais, os conhecimentos e as modelos internacionais ter demonstrado que a
competências necessários ao bom desempenho quantidade de recursos policiais é variável
policial, (2) promover as boas práticas no serviço consoante o país, e evidenciarem diferenças
policial e (3) transmitir a missão e os valores da relativamente ao tipo de formação que recebem e
organização policial. às suas responsabilidades, os polícias de todo o
Nas escolas e academias policiais, um aluno mundo, em particular nas sociedades
tem a oportunidade de construir as suas democráticas, apresentam várias caraterísticas
competências técnicas e interpessoais, bem como comuns (Karp & Stenmark, 2011).
estabelecer uma rede social da qual pode valer-se O policiamento ocorre num quadro político
ao longo da carreira. Os estabelecimentos de que reconhece a importância da justiça e coesão
ensino policial são, deste modo, um começo vital social, da equidade e dos direitos humanos,
para os novos polícias, já que providenciam os enquanto pilares das sociedades contemporâneas.
fundamentos teóricos necessários para que estes Apesar destes valores poderem ser transmitidos
se tornem membros efetivos e eficientes da aos novos polícias (Bayley & Bittner, 1984),
organização policial (White, 2008). Assim, estas Roberg e Bonn (2004) defendem que a formação é
instituições de ensino constituem locais necessária para o desenvolvimento e

68
transferência destes valores para a prática decisão e de resolução de problemas, 9)
profissional como forma de manter o bom competências interpessoais, 10) autocontrolo e
desempenho e o profissionalismo policiais. disciplina, 11) capacidade de planeamento e
Para além da ideologia que carateriza a atuação organização e 12) atitude orientada para o
policial, esta profissão requer um conhecimento desempenho.
específico (Chen, H., Schroeder, J., Hauck, R., De acordo com Sambamurthy e Subramani
Ridgeway, L., Atabakhsh, H., Gupta, H., 2002), (2005), as competências podem ser adquiridas
que se pretende seja facilitador da ação policial na através da formação, que combinada com a
multiplicidade de ocorrências que se lhes experiência, o contexto, a interpretação, a
apresentam no quotidiano (Hughes & Jackson, reflexão, a intuição e a criatividade. Estes
2004). A atividade policial faz apelo a um aspectos permitem ao indivíduo atuar,
conjunto de competências; os polícias enfrentam, eficazmente, nas diversas situações. O
recorrentemente, diversas situações para as quais conhecimento profissional diz, deste modo,
o conhecimento profissional é necessário e que respeito ao conhecimento próprio de uma
podem ser resumidas nas seguintes: empatia com profissão, o qual orienta a prática dos seus
a vítima, priorização de ações e recursos, membros. Em contexto policial, o conhecimento
investigação de uma suspeita, identificação de profissional serve de linha orientadora da conduta
potenciais suspeitos, comunicação com pessoas e policial (Barton, 2004, Smith & Flanagan, 2000),
grupos, compreensão de diferentes tipos de estando este conhecimento intimamente
linguagem, interação com pessoas doentes ou relacionado com a cultura policial e dela
inimputáveis, preocupação em minimizar os constituir parte integrante, podendo manifestar-se
danos, resolução de problemas e disputas, gestão, de forma explícita ou tácita (Kiely & Peek, 2002).
pesquisa e análise de informação e utilização de Para diversos investigadores (e.g., Holgersson
tecnologias de informação e comunicação. & Gottschalk, 2008), o conhecimento
Assim, para dar resposta às exigências da profissional, subdivide-se em três tipos distintos,
função, numa tão diversificada área de tendo cada um, a sua função: 1) o conhecimento
intervenção, torna-se necessário que o polícia, na teórico (ou conhecimento declarativo); 2) o
sua formação, adquira um conjunto de conhecimento prático (ou competências); 3) o
competências específicas e imprescindíveis a um conhecimento habitual/familiar/comum (ou
desempenho eficaz. Num estudo realizado pela conhecimento prático institucional). O
Law Enforcement Foundation (2001), foram conhecimento formulado em diferentes teorias,
identificadas, com base na análise do trabalho métodos e regras, consiste num conhecimento
policial, 12 competências importantes: 1) padrões teórico, enquanto o conhecimento prático é
morais/éticos elevados, 2) imparcialidade e adquirido e utilizado no decorrer da realização das
compreensão da diversidade, 3) orientação para o tarefas. Por sua vez, o conhecimento tornado
serviço, 4) orientação para o trabalho em equipa, familiar, habitual, é transmitido através de rituais
5) boa capacidade de comunicação oral e de que caraterizam as tradições das instituições e
escuta, 6) competências de escrita, 7) altos níveis onde o relacionamento interpessoal é crucial.
de motivação, 8) forte capacidade de tomada de Apesar das diferentes tipificações de

69
conhecimento profissional, um aspecto relevante específica (Hitt, Bierman, Shimizu & Kochhar,
a explorar é o modo como os indivíduos adquirem 2001). Deste modo, as escolas de formação e
esse conhecimento, isto é, como é que se academias têm maior probabilidade de sucesso ao
desenvolve o processo de aprendizagem, promoverem, nos seus alunos, os conhecimentos,
especificamente, dos formandos na polícia. os valores e o carácter que correspondem às
Segundo Sfard (1988), pensar ou falar sobre o exigências específicas da profissão, no sentido de
processo de aprendizagem implica a utilização de assegurar a continuidade, a evolução e a
metáforas, especialmente, a metáfora da sustentabilidade da organização.
aquisição, em conjunto com a metáfora da A capacidade de um indivíduo para
transferência e a metáfora da participação, as desenvolver a autoeficácia e autonomia, e
quais encontramos no seio de muitos debates, em contribuir de forma concreta para a organização,
investigação educacional. No que respeita à está dependente da sua capacidade para adquirir
metáfora da aquisição, o autor conceptualiza a os conhecimentos específicos, inerentes à sua
aprendizagem enquanto um processo de aquisição actividade (Hatch & Dyer, 2004), onde o
de conhecimento pelo indivíduo, sendo a mente processo-chave é a transferência das aprendi-
um recipiente de conhecimento e a aprendizagem zagens, isto é, a passagem do aprendido para a
o processo que enche esse recipiente (Heslop, acção e a sua aplicação na execução das tarefas. A
2011). Por sua vez, a metáfora da transferência este propósito, Fitzpatrick (2001) refere que
assume que a aprendizagem resulta da aplicação apenas cerca de 10% do que é aprendido é
de conhecimentos e competências em contextos aplicado no trabalho, o que constitui um problema
diferentes daqueles onde foram assimilados. para as escolas e academias, principalmente por
Finalmente, a metáfora da participação preconiza sujeitarem os seus alunos a um currículo
que a aprendizagem é teorizada como um altamente técnico e especializado, com pouca
processo de participação em diversas práticas expressão na prática profissional. Nesta linha de
culturais e actividades partilhadas de aprendi- raciocínio, Baldwin e Ford (1988) afirmam que a
zagem, em oposição a um processo simples de transferência implica a transformação do que foi
formação unilateral. Esta última metáfora assume aprendido, para que a transposição se efective na
que o conhecimento não existe na mente de um prática laboral. Porém, para que a transferência
indivíduo como conceito intelectual produzido ocorra, o comportamento aprendido deve ser
pela reflexão, mas como parte do processo de generalizado e mantido durante um certo período
participação na situação imediata, pelo papel dos de tempo.
pares e instrutores na construção social do
conhecimento, através de um processo de Os Currículos de Formação na Polícia
aprendizagem, onde o colectivo desempenha um O currículo policial é concebido para facilitar a
papel muito importante (Sfard, 1988). aquisição de conhecimentos e das competências
Um aspecto que vem sendo defendido na necessárias para que os novos polícias
literatura é o de que o capital humano tem maior desempenhem eficazmente as tarefas que
potencial quando é desenvolvido numa caracterizam o seu trabalho (Holgersson &
determinada organização e utilizado nessa cultura Gottschalk, 2008).

70
Relativamente aos programas de formação contraponto com as formas mais convencionais,
policial, polícias, professores, formadores e em que o aluno é visto como agente passivo e, nas
outros instrutores trabalham em equipa e quais, a comunicação professor-aluno flui apenas
assumem a responsabilidade conjunta do num sentido. A capacidade para utilizar a teoria de
planeamento e implementação dos módulos e aprendizagem para adultos (andragogia), em vez
programas. Os instrutores/formadores, para além de modelos didácticos tradicionais de aprendi-
do seu papel como agentes facilitadores do zagem, é central no processo de reforma
processo de aprendizagem, desempenham, organizacional (Paterson, 2011). Sobre este tema,
também, um papel importante na transmissão da Peace (2006) constatou que as instituições
ideologia policial, moldando as percepções dos policiais em Inglaterra, no País de Gales e nos
alunos relativamente aos valores e missão da Estados Unidos da América (doravante EUA)
polícia (Holgersson & Gottschalk, 2008). ainda não tinham transitado para uma abordagem
De forma adicional, os instrutores, superiores de ensino-aprendizagem assente nos princípios da
hierárquicos e outros polícias desempenham andragogia sendo, por isso, observável um
tarefas em conjunto, o que também facilita a conjunto de lacunas entre a teoria e a prática.
incorporação dos valores que caracterizam o Contrariamente, a aplicação dos princípios da
trabalho policial, como sejam, o espírito de grupo, andragogia em diversas instituições da União
a cooperação e a interajuda entre os profissionais, Europeia, inclusivamente em instituições
entre outros valores, à medida que aprendem e policiais, tem revelado resultados muito positivos
adoptam os atributos da profissão e, em em termos do processo de aprendizagem, o que,
simultâneo, desenvolvem as suas identidades segundo os autores, se associa à flexibilidade
profissionais (Karp & Stenmark, 2011). desta abordagem, particularmente pela ênfase que
O trabalho policial resulta de um esforço coloca no ensino colaborativo e no papel activo
colectivo. Os polícias com mais experiência são dos alunos enquanto agentes da sua própria
de grande relevância no processo de aprendi- aprendizagem (Paterson, 2011).
zagem dos novos polícias, acompanhando-os ao Um dos programas que foi concebido com o
longo das diferentes etapas do percurso objectivo de formar os novos polícias, muito
formativo. A este propósito, Karp e Stenmark utilizado na polícia norte-americana, designa-se
( 2 0 11 ) o b s e r v a r a m q u e o s p r o f e s s o r e s Field Training Officers (FTO). Este programa de
percepcionam, da parte dos alunos, que estes estão formação permite ao aluno utilizar e aplicar
mais atentos aos seus instrutores policiais, competências técnicas aprendidas em sala de aula,
comparativamente com os seus outros a cenários de vida reais (Caro, 2011). Nestes
professores, uma vez que consideram os programas, o superior hierárquico age como um
primeiros como possuidores de conhecimento, mentor. A sua supervisão assegura a monito-
experiência e cultura policial que eles próprios rização do desempenho dos seus alunos no
pretendem adquirir. trabalho e dá feedback contínuo, permitindo-lhes
Actualmente, um dos desafios que a formação corrigir os desvios de actuação e,
policial enfrenta diz respeito ao uso de concomitantemente, desenvolver e reforçar novas
metodologias de ensino mais interactivas, por competências. O modelo de programa FTO, mais

71
acolhido, foi desenvolvido pelo Departamento A Formação Superior na Polícia
Policial de San José, e é o programa mais utilizado Apesar de as instituições policiais poderem
nos EUA (McCampbell, 1987; Conser, Russell, recrutar indivíduos já licenciados pelas
Paynich & Gingerich, 2005; Rojek, Kaminski, universidades, em áreas específicas, existem
Smith & Scheer, 2007), ainda que este modelo de também instituições policiais, como é o caso da
formação não siga o mesmo padrão de actuação, Polícia de Segurança Pública em Portugal, que
designadamente em termos de duração da integram, na sua estrutura orgânica interna,
formação, número de agentes em campo e sistemas de formação superior, dirigida à
avaliação dos formandos. Estes programas formação de oficiais de polícia. Assim, os cursos
consideram como participantes tanto polícias em ciências criminais e de justiça, e outros de
recentemente admitidos como polícias já natureza policial, podem ser desenhados para
experientes. incorporar um conjunto genérico de competências
Os alunos que participam no programa FTO para colmatar as exigências de diferentes
têm, geralmente, diversos mentores, de forma a organizações policiais (Nonaka & Nishiguchi,
desempenharem tarefas cada vez mais 2001).
desafiantes, a quem cabe registar o desempenho e O ensino superior policial auxilia o
dar feedback e orientação acerca do progresso desenvolvimento de competências que melhoram
gradual da autonomia e autoeficácia do a orientação comunitária e a responsabilidade. Em
participante. Os programas deste tipo têm um termos comunitários, é esperado que os polícias
papel importante na formação dos polícias e na coloquem em prática muitas das competências
facilitação da transferência de conhecimentos adquiridas nos cursos de formação,
obtidos nas escolas e academias através da designadamente nos cursos de formação superior,
exposição a experiências reais, onde os por forma a darem resposta aos problemas que
conhecimentos possam ser aplicados (Ellis, 1991; têm de resolver no âmbito das suas
Caro, 2011). A este propósito, Ellison e Genz responsabilidades profissionais (Paterson, 2011).
(1983) afirmaram que a socialização inicial, a O alinhamento entre o ensino superior e a
formação em contexto de trabalho e a selecção de formação policial, que observamos em vários
instrutores, com experiência comprovada, são currículos policiais, surgiu da constatação de que
imperativos para o sucesso de qualquer programa o ensino superior acrescenta valor à formação e ao
de formação policial. No entanto, não podemos desenvolvimento de competências num certo
deixar de referir que a transição dos fundamentos número de áreas e melhora a capacidade de os
do programa FTO para o desempenho no trabalho polícias desempenharem o seu papel profissional
pode ser difícil, como nos alerta McCampbell (Paterson, 2011).
(1987), e, por isso, deve ser desenhado com muito A formação superior promove a criatividade e
rigor, acautelando especificidades contextuais de o pensamento crítico, e cria potencial para
cada polícia e implementado de acordo com um contrariar a tendência de rigidez das disposições
planeamento criterioso e baseado num modelo de culturais das instituições policiais, isto através de
avaliação próprio. sistemas de valores flexíveis mais adequados às
exigências do policiamento, orientado para a

72
comunidade e assentes em comportamentos durante a década de 70, relacionavam-se com o
éticos e profissionais (Caro, 2011). seu impacto nas atitudes destes profissionais,
Adicionalmente, a formação superior dá aos sendo que os polícias formados nas universidades
polícias a possibilidade de estudar e avaliar a se revelam menos autoritários do que os polícias
importância de questões de âmbito global e do seu sem formação universitária (Parker, Donnelly,
impacto no crime a nível local. A globalização tem Gerwitz, Marcus, & Kowalewski, 1976; Roberg,
provocado transformações substanciais na 1978), assim como exibiam níveis de cinismo
natureza do crime e nas exigências dos mais reduzidos (Regoli, 1976) e apresentavam
policiamentos, tornando essencial o foco no crime maior flexibilidade no seu padrão de valores
transnacional e na cooperação internacional. (Guller, 1972).
Estas mudanças sociais têm criado novas Assim, nos EUA, nos anos 90, a literatura
exigências às polícias, aumentando a sobre a formação superior na polícia questionava
complexidade do papel policial e requerendo uma o zelo reformador que os polícias com formação
base mais avançada de competências. Neste universitária apresentavam. Esta literatura
sentido, segundo Paterson (2011), a formação apontou para percepções cada vez mais negativas
superior promove a cooperação internacional do público relativamente às atitudes dos polícias
através da transferência e partilha de (Ellis, 1991); questionou o valor do ensino
conhecimentos sobre questões relacionadas com a superior para o desenvolvimento das
segurança, à escala mundial. competências destes profissionais; e colocou em
Investigações conduzidas nos cinco causa o valor, a legitimidade e credibilidade da
continentes vieram demonstrar a relevância do instituição universitária que confere o grau
ensino superior na formação policial, académico aos elementos policiais. Já o estudo
particularmente, na promoção de valores, comparativo de Owen e Wagner (2008) forneceu
essenciais na conduta e no trabalho policiais (e.g., sustentação para o argumento acerca do zelo
Worden, 1990; Jaschke, 2010). reformador dos polícias com formação
Nos EUA, o governo possui, desde os anos 60, universitária.
um papel fundamental no financiamento da Apesar das divergências teóricas sobre a
formação de oficiais de polícia pelas importância da formação superior dos polícias,
universidades, o que encorajou o desenho de sabe-se que aqueles que possuem um grau
programas curriculares em ciências criminais académico de nível superior são mais valorizados
para polícias (Paterson, 2011). No entanto, o (Carlan, 2007). Segundo este autor, os polícias
rápido crescimento do número de cursos em norte-americanos sentem que os cursos superiores
ciências criminais, nas décadas de 70 e 80, em ciências policiais (criminais ou de justiça)
levantou algumas questões sobre a sua qualidade e potenciam maior capacidade de conceptualização
rigor académicos. Neste cenário, apenas os cursos e de gestão da actividade policial, apesar de este
policiais mais prestigiados foram mantidos sentimento também estar presente nos polícias
(Robert & Bonn, 2004). formados noutras áreas do conhecimento.
Os benefícios da formação superior em Constatou-se ainda que a formação superior
polícias norte-americanos, tal como abordados permite aos polícias melhorar o conhecimento, as

73
competências, as técnicas de resolução de facilitadora da promoção e interiorização destes
problemas e a utilização de estratégias não- valores.
coercivas para resolver situações críticas O profissionalismo descreve a adopção pelo
(Worden, 1990) e assim melhorar a relação entre a profissional da matriz de valores e dos padrões
polícia e o cidadão e reforçar a legitimidade morais e éticos, valorizados institucionalmente, o
policial (Paoline & Terrill, 2007). que inclui construir uma rede de contactos
Á semelhança dos EUA, também na União profissionais, empreender ações de
Europeia se verificou uma proliferação de cursos, desenvolvimento e de defesa da profissão
designadamente em ciências de natureza (Hooley, T., 2015). Segundo Paterson (2011), o
judiciária e criminal, devido à complexificação profissionalismo influencia, essencialmente, três
das obrigações da actividade das forças de áreas principais: a reforma organizacional, a
segurança, em especial das matérias relacionadas formação e a satisfação. O ensino superior é
com a ética, a estratégia e a gestão de âmbito incorporado na formação e no treino policiais
policial (Jaschke & Neidhard, 2007). A ênfase como parte do processo da reforma
colocada nestes cursos deve-se à pluralização das organizacional. O enfoque no profissionalismo da
polícias a nível local, nacional e internacional, o polícia enfatiza a importância da formação
que torna extremamente importante o trabalho em académica, para apoiar as estratégias policiais, o
parceria, num modelo de cooperação que resultou na reforma de programas de
transnacional. formação e de instituições de ensino policiais
(Paterson, 2011). Esta reforma está direccionada
A Formação Policial na Promoção dos Valores para um policiamento orientado para a
Para além de o programa curricular policial comunidade, o qual representa valores
proporcionar formação no âmbito dos saberes democráticos, o que contribui para a
inerentes a toda a actividade da polícia, comunica, profissionalização da aprendizagem policial,
também, ideias, crenças e doutrinas, através de uma mudança do foco eminentemente
fundamentais para a aculturação e desempenho técnico das competências, para uma avaliação
policiais, incluindo a missão, os valores e as mais reflexiva da complexidade do papel policial
regras de conduta. No contexto do policiamento, e da importância da aprendizagem ao longo da
em sociedades democráticas, valores como o vida (Marenin, 2004).
profissionalismo, a responsabilidade e a Na EU, as instituições policiais estão, segundo
legitimidade assumem elevada centralidade, Jaschke (2010), orientadas para o estabelecimento
sendo que vários autores defendem o importante de uma “ciência policial moderna” (p. 303), bem
papel da formação superior na interiorização como para um currículo académico integrado que
destes valores (e.g., Marenin, 2005). utilize uma base de conhecimentos capaz de
Apresentamos, em seguida, uma breve descrição melhorar o profissionalismo da polícia, como é o
da importância desses valores em contexto caso dos cursos superiores integrados no Processo
policial e evidencia-se a relevância da formação de Bolonha, que pretende promover o intercâmbio
superior dos polícias (diferentemente de outras de conhecimentos e de estudantes na vulgarmente
formas de instrução na polícia), enquanto denominada Zona Euro.

74
A formação académica contribui para responder, formação superior para ingresso na polícia tem
de forma mais eficaz, às exigências funcionais sido alvo de algumas críticas e oposições pelo seu
enquanto gera competências transferíveis, que possível impacto discriminatório (Decker &
auxiliam os indivíduos a desenvolver capacidades Huckabee, 2002).
num diverso número de áreas (Jaschke & Em suma, a promoção dos valores centrais à
Neidhardt, 2007). Investigações norte- profissão de polícia, a que fizemos referência, é de
americanas permitiram constatar que a formação grande importância, uma vez que estes valores são
superior pode ter um impacto positivo no parte integrante das dinâmicas que confluem no
desempenho policial (Roberg, 1978), processo de adaptação e vinculação do
principalmente quando existe a possibilidade de profissional ao contexto de trabalho.
conciliar os conhecimentos adquiridos em sala de
aula com o trabalho no terreno (Paoline & Terrill, A Imagem Pública da Polícia e o seu Impacto
2007), promovendo, por esta via, a satisfação no no Autoconceito dos Polícias
trabalho. Estes autores descobriram que os A imagem pública relativa aos serviços
polícias norte-americanos com níveis mais prestados pela polícia é, de acordo com Cao,
elevados de formação receberam menos queixas Stack, & Sun (1998), muito importante, não
acerca da sua actuação e nas áreas onde apenas porque o público constitui o principal
trabalhavam existia maior satisfação da sociedade beneficiário desses serviços, mas também porque
civil com o trabalho desenvolvido pela polícia. muito do trabalho policial depende da relação
A legitimidade policial é afectada pelo estabelecida com a comunidade. O autoconceito é
incremento da confiança dos cidadãos na polícia. a percepção do indivíduo acerca de si próprio, e,
Uma das áreas de maior preocupação, em países nesta medida, a identidade constrói-se quando o
democráticos, respeita à qualidade das relações “eu” se torna “nós”, isto é, quando há
entre a polícia e a sociedade civil (Paterson, 2011). incorporação das características do social no
Neste âmbito, as universidades providenciam autoconceito (Brewer, 1991; Hogg & Terry,
formação em áreas consideradas centrais para a 2001). Assim, a identidade social fornece uma
comunidade, o que reforça a sua legitimidade resposta parcial à questão “quem sou eu?”,
através da acreditação da formação policial. Na constituindo uma das facetas do autoconceito que
Austrália verificou-se que a introdução de deriva da categorização social feita pela
currículos de formação policial superior conduziu percepção de pertença a uma profissão, grupo ou
a níveis mais elevados de apoio disponibilizado à organização (Tajfel & Turner, 1985).
polícia pelos cidadãos. Brewer (1991), no seu modelo “distintividade
Um factor que a literatura identifica como óptima”, argumentou que as identidades
tendo impacto na confiança que o público deposita individuais reflectem duas necessidades humanas
na polícia é a diversidade étnica nas comunidades. básicas que estão em tensão: uma para a inclusão
Nos EUA, a hipótese já ventilada de obrigar à (em que sou semelhante aos outros?) e outra para a

O autoconceito é composto por autopercepções acerca do que somos, do que conseguimos realizar, do que os outros pensam de nós
e de como gostaríamos de ser (Burns, R.B. ( ). The Self-Concept ( rd ed.). London: Longman).

75
individualidade (em que sou diferente dos polícias e os seus níveis de satisfação no trabalho
outros?). Nas situações ideais, estas funções duais sofrem a influência desta percepção negativa da
concorrem para: (1) prevenir a disfunção da comunidade. Segundo estes autores, mesmo os
identidade e (2) permitir processos de identidade polícias com uma auto-imagem inicial positiva,
saudável. Ao serem atingidos os objectivos de ao descobrirem incongruências nas percepções da
inclusão e singularidade, surge o equilíbrio que comunidade sobre o trabalho policial, para além
reduz o stresse e os conflitos e, concomi- do desapontamento experienciado, os níveis de
tantemente, promove o bem-estar e a satisfação. satisfação no trabalho reduziam significa-
A relação entre a imagem pública e a satisfação tivamente.
no trabalho dos profissionais de polícia, segundo Nas relações estabelecidas entre a sociedade e
puderam constatar Fosam, Grimsley & Wisher, a polícia, tal como verificado por Weitzer (2002),
(1998), constitui um preditor de percepções as opiniões relativamente aos polícias são
positivas sobre a instituição policial, e tendem a moldadas pela idade dos cidadãos, etnia, classe
níveis de insatisfação mais reduzidos da social, experiências pessoais com polícias e pelo
comunidade, face aos serviços prestados pela tipo de bairro ou comunidade onde o cidadão está
polícia. Uma das principais causas da insatisfação inserido. De forma semelhante, outras investi-
da sociedade civil face à polícia é a falta de gações revelaram resultados idênticos aos de
compreensão recíproca, o que leva Euwema, Kop Weitzer, ao demonstrarem que indivíduos mais
e Bakker (2004) a considerarem que a eficiência jovens apresentavam, mais frequentemente,
dos polícias depende, de certa forma, da sua atitudes reprovadoras da acção policial, assim
interação com o público, bem como das como percepções mais negativas face à polícia,
percepções que o público tem do trabalho comparativamente com indivíduos mais velhos
desenvolvido pelas instituições policiais. (Leiber, Nalla, & Farnworth, 1998). O extracto
Ora, conforme já estudado na literatura (e.g. social de origem tem sido identificado como um
Yates e Pillai, 1996), as percepções do público preditor de atitudes favoráveis face à polícia:
afectam a motivação dos polícias, na medida em geralmente, são as classes mais desfavorecidas as
que influem na forma como estes se sentem que apresentam atitudes menos favoráveis
relativamente ao trabalho que desenvolvem, relativamente a este grupo profissional (Sampson
influenciando, por esta via, o desempenho & Bartusch, 1998; Weitzer & Tuch, 1999). A
policial. As avaliações negativas da comunidade, experiência pessoal, a vivência com polícias e o
a par das restrições do contexto de trabalho, contexto tendem a afectar e moldar as atitudes em
tendem a afectar, negativamente, a auto-imagem e relação a estes profissionais (Scaglion & Condon,
o desempenho policiais e, desta forma, contribuir 1980). As pessoas que residem em locais mais
para a formação de impressões negativas sobre a problemáticos tendem a reportar de forma mais
polícia. Numa investigação levada a cabo por Yim negativa as experiências pessoais e as opiniões em
& Schafer (2009), verificou-se existir nos polícias relação à polícia, em comparação com residentes
a crença generalizada de que a comunidade onde de bairros menos problemáticos (Sampson &
actuam percepciona a polícia de forma pouco Bartusch, 1998; Weitzer, 1999).
favorável. Deste modo, a auto-imagem dos Um outro aspecto que, conforme alerta Weitzer

76
(2002), tem recebido pouca atenção na literatura gens, tanto ao nível das práticas, como dos
refere-se ao impacto de incidentes relativos à má comportamentos esperados dos novos polícias,
conduta policial. Estes incidentes, ao serem através das vivências e feedback que vão
publicitados nos órgãos de comunicação social, recebendo. Desta forma, o recém-admitido vai, ao
influenciam negativamente as atitudes dos longo do tempo, criando padrões de identificação,
cidadãos para com as instituições policiais e, ajustados com as dinâmicas associadas ao
consequentemente, para com os seus processo de construção da identidade profissional,
profissionais. Este tipo de notícia pode afetar, de à medida que vai internalizando o seu papel e
forma dramática, a confiança depositada na adquirindo as necessárias competências
polícia, bem como a sua reputação. Os resultados profissionais.
do estudo de Weitzer sugerem que os incidentes de Num estudo realizado por Heslop (2011),
conduta policial, como ofensas e episódios de sobre o processo de aprendizagem na polícia e
violência e corrupção, quando muito publicitados sobre a identidade profissional de polícia, uma
nos meios de comunicação social levam a um amostra de formandos britânicos, num momento
aumento de avaliações desfavoráveis sobre a inicial da formação, referiram não se sentirem,
polícia. Ainda no que concerne aos incidentes ainda, polícias. No entanto, após terem adquirido
associados à polícia, os mais perturbadores não alguma experiência operacional revelaram, num
são esquecidos facilmente, podendo enraizar-se segundo momento de entrevistas, algumas
nas crenças das comunidades minoritárias, mudanças nas suas atitudes relativamente ao
contribuindo, cumulativamente, para o papel policial. Deste modo, as informações
ressentimento e a suspeita, senão mesmo para recolhidas no segundo momento revelaram
uma subcultura de oposição à polícia (Weitzer, mudanças a dois níveis. Por um lado, a percepção
1999). Deste modo, as pessoas podem tornar-se dos formandos relativamente à aquisição e
menos empenhadas em cooperar com a polícia e desenvolvimento de competências técnicas e
mais predispostas a proferir argumentos de má sociais promoveu a sua autocategorização
conduta policial, mesmo quando os polícias agem profissional e o desenvolvimento da sua
em conformidade com as leis (Weitzer, 2002). identidade profissional de polícia (para mais
desenvolvimentos, ver Carneiro da Silva, F.
A Formação Policial como Facilitadora da (2016, 2017b) e, por outro lado, demonstrou
Vinculação à Profissão existir uma mudança abrangente no habitus
O processo formativo é, por excelência, o laboral, com clara disposição para o trabalho
momento e o meio utilizado para se transmitirem policial, levando os alunos a sentirem que se
os conteúdos e práticas que permitem a tornaram polícias, resultado este já referido na
aprendizagem do trabalho policial, ao mesmo literatura (Chan et al., 2003; Hodkinson, Biesta &
tempo que vincula as regras, normas e valores James, 2008).
associados aos ideais policiais, fomentando, deste Nesta sequência, é manifesto o papel central
modo, a construção da identificação com a que desempenha a formação policial no processo
profissão. Já o processo de socialização, na sua de transformação pessoal (customização
globalidade, permite reforçar estas aprendiza- identitária) pelo qual passam os candidatos a

77
polícia, desde a sua entrada na instituição policial, forte componente prática na formação dos
no curso de formação de agentes, onde são polícias permitem, através das acções dos
acolhidos e integrados, e o singular contributo da mentores, comprovar a emancipação progressiva
aprendizagem do trabalho para a sua adaptação ao do formando, permitindo-lhe, à medida que vai
contexto policial. Os conteúdos e processos reforçando as suas competências, trabalhar
aprendidos mostraram ter influência nas autonomamente. Estes programas servem, por
dinâmicas da construção da identidade isso mesmo, de mecanismo de aperfeiçoamento
profissional na medida que facilitam, do desempenho da actividade do polícia, através
grandemente, o desempenho profissional, de uma prática contínua de desafio gradual, com
capacitando os novos polícias a responder mais feedback apropriado de um profissional mais
eficazmente às exigências de personalização da experiente (Caro, 2011).
sua identidade profissional, tornando-a mais Apercebemo-nos também que o reforço das
robusta, complexa e estável (Carneiro da Silva, competências através da formação contribui para
2017b). a mitigação das tensões adaptativas pelas quais os
polícias passam, ao longo de toda a sua vida
Conclusão activa, com especial acuidade na fase inicial da
Este trabalho permitiu-nos concluir que, o carreira, em virtude da vulnerabilidade associada
e n s i n o p o l i c i a l , a o a f a s t a r- s e d o c a r i z ao processo identitário, ou seja, por não terem,
eminentemente técnico da formação e ao reforçar ainda, consolidada a sua identidade profissional;
a componente reflexiva, ajuda na transformação para a percepção da autoeficácia e valorização da
do conhecimento teórico em prático, onde a auto-imagem, que, conjuntamente, são o
problemática da transferência da aprendizagem fundamento e o suporte de uma identidade
apela ao ajuste imperativo e judicioso entre o que comum, que agrega os membros desta
se ensina nas escolas policiais e o que a prática comunidade profissional, a identidade policial
exige. É consensual, todavia, que a eficácia desta (Carneiro da Silva, 2017b). Para a vinculação à
transferência está dependente da efectividade da profissão, para além da formação policial, torna-
aplicação do conhecimento na função se crucial ponderar o efeito da qualidade da
desempenhada e do assegurar das condições que o interacção dos polícias com a comunidade onde
permitam. Aos polícias é exigido um estão inseridos, e neste caso particular, diz-nos a
conhecimento atual e abrangente, na sua maior literatura que avaliações desfavoráveis são
parte, de natureza regulamentar, pelo que a sua factores determinantes das atitudes no trabalho,
imanente actualização é condição da eficácia da motivação e do desempenho policiais que, por
policial. sua vez, tendem a afectar o desenvolvimento e a
O entendimento da formação como suporte consolidação de uma identidade sadia.
base da vida profissional deve acompanhar a A identidade profissional consiste na
evolução metodológica e adoptar as melhores autodefinição que está associada ao papel
práticas, uma vez que influi tanto ao nível do profissional e evolui através da socialização e da
desempenho profissional como a nível pessoal. Os observação dos pares. Consequentemente, os
programas de ensino policial que integrem uma polícias recorrerem a estratégias de customização

78
da identidade que amparem ou mesmo que Carneiro da Silva, 2016; 2018), só assim lhes
substituam padrões identitários quando não permitindo a manutenção do equilíbrio pessoal e
estejam de acordo com as suas necessidades e profissional, garantindo a sua disponibilidade
expectativas (para maior desenvolvimento, ver física e psicológica para o trabalho.

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81
82
O princípio da proporcionalidade:
os meios coercivos na atividade policial

Resumo
A sociedade em que todos vivemos, à semelhança de todas as outras sociedades do
mundo, encontra-se sempre em constante mudança e evolução, pelo que se espera cada
vez mais que as polícias sejam capazes de dirimir conflitos que atentem contra ela e a
população da comunidade que servem. Espera-se que o façam positivamente, pelo que
toda a sua Acão deve ter sempre em vista a prossecução do interesse público, sem nunca
Bruno Miguel Fena ofender os direitos e a dignidade da pessoa humana.
Torres
Pontualmente, os polícias deparam-se com situações, frequentemente violentas, incertas
e temerárias, pelo que, nas múltiplas adversidades na sua atuação, têm que recorrer ao uso da força para
salvaguardar os direitos e a segurança dos demais, sempre uma razão de proporcionalidade.
É neste contexto que a forma de atuação das polícias é tema de discussão e de críticas, quer pelos órgãos de
comunicação social que lhes atribuem grande ênfase, quer pelos partidos políticos da oposição do Governo, quer
pelo cidadão anónimo na simples “conversa de rua”. Estes novos desafios de segurança pública, aliados à crítica
social, impõem que a Polícia adote certas medidas (de polícia) que minimizem o risco e usem apenas a força
necessária e suficiente para pôr fim ao dano em causa. Os atos não ponderados e desproporcionais podem causar
danos irreversíveis.
Palavras-chave: Polícia, proporcionalidade, força, meios coercivos.

Abstract
The society in which we all live, like all other societies in the world, is always in constant change and evolving,
so it is increasingly expected that police will be able to solve conflicts that threaten themselves and population of
the community they serve. It's hoped that they will do so positively, so that all their action must always have in
mind the pursuit of the public interest, without ever offending the rights and dignity of the human person.
Every now and then, police officers are faced with often violent, uncertain and reckless situations, so in the
multiple adversities in their actions, they must resort to the use of force to safeguard the rights and safety of
others, always a ratio of proportionality.
It is in this context that the police action is a subject of discussion and criticism, both by the media that attach great
importance to it, either by the opposition political parties of the Government or by the anonymous citizen in the
simple "street talk”. These new challenges of public security coupled with social criticism require that the Police

Comissário da Polícia de Segurança Pública, Mestre em Ciências Policiais, na especialização em Criminologia e Investigação Criminal,
pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI), docente do ISCPSI e investigador assistente integrado do
ICPOL – Centro de Investigação do ISCPSI.

83
adopt certain measures that minimize the risk and use only the necessary and sufficient force to put an end to
the damage in question. Unmeasured and disproportionate acts can cause irreversible damage.
Keywords: Police, proportionality, force, coercive means.

Introdução empregues, devem ser adequados/idóneos e os


A Polícia de Segurança Pública (PSP) “é uma menos gravosos para a integridade física dos
força de segurança com a natureza de serviço cidadãos, a fim de anular o perigo/ameaça atual e
público dotado de autonomia administrativa, que ilícito(a). Segundo Lima (2005, p. 3), “o
tem por “funções defender a legalidade quotidiano da atividade das forças de segurança
democrática, garantir a segurança interna e os deve encontrar um equilíbrio entre uma força
direitos dos cidadãos”, conforme consagrado no policial eficiente e a garantia da segurança dos
artigo 1º, nº 1 da Constituição da República cidadãos” e dos seus Direitos Fundamentais
Portuguesa (CRP) e artigo 1.º, n.º 2 da Lei consagrados no artigo 24.º e 25.º da CRP – o
53/2007 de 31 de Agosto - Lei Orgânica da PSP direito à vida e à integridade pessoal – , visto que é
(LOPSP), pelo que a mesma não pode manifestar da responsabilidade das PSP, juntamente com
vontades que não tenham por objetivo a outras forças e serviços de segurança, promover a
prossecução dos fins que a lei lhe determina. A sua segurança dos cidadãos, através da manutenção
primeira função, “defender a legalidade da ordem pública, e garantir a defesa dos seus

democrática , consiste na defesa do Estado de direitos, liberdades e garantias.
direito estabelecido – o Estado de direito Conforme plasmado no artigo 266.º, nº 1 da
democrático – e visa a prossecução dos fins do CRP e no artigo 4.º do Código de Processo
mesmo; por conseguinte, a PSP tem a faculdade Administrativo , à Polícia, como serviço da
de fazer uso de meios coercivos, quando tal seja Administração Pública, cabe “a prossecução do
necessário. interesse público, no respeito pelos direitos e
Circunstancialmente, a Polícia vê-se na interesses legalmente protegidos dos cidadãos”,
iminência de recorrer ao uso da força, pois, pelo que deduzimos que, por um lado, a Polícia
algumas vezes verificam-se certas peculiaridades deve prosseguir o interesse público, mas, por
adversas na sua atuação. Porém, o valor outro, a sua atividade é limitada em função do
fundamental num Estado democrático é a respeito pelos direitos fundamentais.
dignidade da pessoa humana, pilar basilar da
atuação policial, em especial, quando recorre a 1. Da Polícia como garante da ordem e
meios coercivos. segurança públicas
O uso de meios coercivos suscetíveis de Uma sociedade democrática e organizada sob
perigar a integridade física e/ou a morte dos a forma de um Estado de direito democrático
cidadãos deve ser a ultima ratio da atuação das rege-se, principalmente, por um conjunto de
forças da ordem, sendo que esses meios, quando normas que permitem um inter-relacionamento

Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro.

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entre todos os cidadãos e é função do Governo – mesmo no restabelecimento da ordem e
órgão de soberania do Estado –, eleito segurança públicas; porém, nas suas
democraticamente pelo povo, assegurar todos os intervenções, os agentes da ordem encontram-se,
seus direitos. Porém, como fator inerente ao ser como expõe Severiano Teixeira (2000, p. 18),
humano, por vezes, verifica-se a transgressão “frequentemente perante o dilema de assegurar
dessas regras, o que provoca, muitas vezes, um difícil equilíbrio entre a proteção dos direitos
conflitos sociais. Para combater tal, foi criada, fundamentais dos cidadãos e a segurança da
pelo aparelho estatal, uma organização com coletividade”, uma vez que é princípio basilar da
poderes coativos – POLÍCIA –, cuja missão nossa Constituição a dignidade da pessoa
principal é garantir a segurança, a ordem e a humana, consagrado no artigo 1.º, que é o objeto
tranquilidade públicas, obedecendo a um real da exigência que o indivíduo tem direito, tal
conjunto de normas, visando a prossecução do como a proteção do aparelho securitário do
interesse público. Estado.
A nossa Constituição não contém nenhuma A segurança é uma das necessidades básicas do
definição de polícia; porém, as suas funções vêm Homem e “corresponde a uma representação
consagradas no preceito do n.º 1 do artigo 272.º, psicossociológica dos cidadãos e das populações,
sob a epígrafe de “Polícia”, no capítulo dedicado à traduzindo um sentimento construído e
Administração Pública. sustentado na vivência do quotidiano” (Viegas,
Gomes Canotilho e Vital Moreira (1993, p. 1998, p.190), assente na não-existência do risco e
953) justificam o facto do órgão estatal Polícia se na previsibilidade do futuro, pelo que é condição,
inserir neste capítulo da Lei Constitucional como para que possamos falar em sentimento de
uma apreciação vaga de polícia, isto é, “o segurança, que todos os cidadãos possam exercer
conjunto de órgãos e institutos encarregados da os direitos que lhes são assistidos em liberdade,
atividade de polícia”, cujo destino é a garantia de que é sustentada pela própria segurança que, “em
respeito e cumprimento das leis em geral, no que termos objetivos, consiste na ausência de ameaça
se refere à vida em sociedade. aos valores fundamentais da cidadania.
Nos dias de hoje, a forma de atuação da Certamente, a liberdade representa o valor maior
Polícia assume um amplo espaço na comunicação da vida humana. Por isso, a segurança é a irmã-
social, influenciando a formação da opinião gémea da liberdade” (Clemente, 2015, p.10).
pública, direcionando a crítica à sua forma de Se, por um lado, é função do Estado promover
dirimir conflitos, principalmente os conflitos de os seus esforços na prossecução do interesse
ordem pública onde há a necessidade de se fazer público, a segurança, no que diz respeito a
recurso ao uso da força. condutas consideradas perigosas à vivência em
A atuação policial deve moldar-se pela sociedade, por outro lado, impõe-se-lhe também
condição humana e visar “a prossecução do que não ofenda os direitos, liberdades e garantias
interesse público, no respeito pelos direitos e dos cidadãos, conforme explana a Constituição
interesses legalmente protegidos dos cidadãos ”, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, com exceção das

Cf. artigo 1.º, da Lei nº 53/2007 de 31de agosto, que aprova a Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública (LOPSP) e n.º 1 do
artigo 272.º, da CRP)

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restrições expressamente previstas na ou conflito, que podem colocar a vida e a
Constituição, como e.g., o estado de sítio e/ou de integridade física, de terceiros ou pessoal, em
emergência (artigo 19.º); a detenção (artigo 27.º, causa. Mesmo nestes casos, a atividade levada a
nºs 2 e 3); a prisão preventiva (artigo 28.º); a cabo pelas forças de segurança deverá respeitar,
violação do domicílio e de correspondência entre outros, o princípio da legalidade, da
(artigo 34.º, nºs 2 e 4); a escolha de profissão e igualdade, da imparcialidade, da justiça e da boa-
acesso à função pública (artigo 47.º, n.º 1); o fé, consagrados nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e
direito de sufrágio (artigo 49.º); e as restrições ao 3.º, 5.º e 6.º do Código de Procedimento
exercício de direitos (artigo 270.º). Administrativo , no qual não existe nenhuma
ordem prioritária de aplicação, visto que o seu
2. Os Princípios que regem a intervenção grau de importância varia consoante cada caso
policial concreto. No contexto do nosso estudo, o
A função policial, num Estado de direito princípio que consideramos obrigatório para que
democrático, contrariamente ao que ocorre em qualquer força aplique, corretamente, a(s)
Estados autoritários, absolutistas ou liberais, está medida(s) a tomar perante situações em que o
sujeita “a todas as fontes de direito do sistema recurso a meios coercivos se torna inevitável é o
jurídico português, [como por exemplo], a princípio da proporcionalidade lato sensu, na sua
Constituição, os regulamentos, os atos tríplice vertente de adequação, de necessidade e
administrativos, as decisões dos tribunais e a um de proporcionalidade stricto sensu e o princípio da
Código Deontológico” (Almeida, 2003, p. 115), mínima intervenção necessária.
mas dever-se-á basear, para além da existência de
um corpo de normas e procedimentos específicos 2.1. O Princípio da Proporcionalidade lato
da Acão policial, em princípios gerais sensu e stricto sensu
administrativos que não só limitam a sua Subordinada que se encontra à prossecução da
atividade, mas que a orientam para alcançar o fim legalidade democrática, seguindo o rumo de
nobre da sua função – a prestação do serviço Ferreira (1996, p. 3), a missão da polícia pauta-se
público de segurança dos cidadãos. Nesta pelo respeito de outros princípios que enformam
perspetiva, estes princípios visam proporcionar às essa atuação.
instituições policiais a qualidade e eficácia da sua Perante o tema em estudo, consideramos
atuação e estabelecer laços de confiança entre os essencial abordar o princípio da
cidadãos e a polícia, mas a “eficácia das forças de proporcionalidade. Também designado por
segurança tem por limite os direitos fundamentais princípio da proibição do excesso, encontra
dos cidadãos” (Maximiniano, 1996, p. 40). previsão legal nos artigos 18.º, n.º 2, 266.º, n.º 2 e
Vale a pena salientar que, o elemento policial, 272.º, n.º 2 da Lex Matter e é um limite à própria
no desenrolar da sua atividade, por vezes, atuação das polícias, limitando-a ao estritamente
confronta-se com algumas situações de violência necessário, com especial atenção aos requisitos da

Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro.


Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, de 7 de fevereiro

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necessidade, exigibilidade, adequação e tarefa” (Canotilho & Moreira, 1993, p. 956) a
proporcionalidade (Valente, 2014); limites estes atingir, sob a proposição do princípio da
que não podem ser excedidos, onde se entende proporcionalidade lato sensu (ou da proibição do
que deve existir um equilíbrio e adequação dos excesso).
meios e uso da força empregues e a ordem Este princípio tem como corolários diretos, o
constitucional desejada. princípio da adequação, o princípio da necessidade
Igualmente, o Código Deontológico do Serviço (ou da exigibilidade) e o princípio da
Policial , através do artigo 8.º, exige que o uso da proporcionalidade em sentido restrito (ou da
força pelas forças de segurança deve-se revelar razoabilidade). Na linha de pensamento de Valente
numa base legítima, sob os requisitos da (1995, p. 92-93), a atuação policial deve ser a mais
necessidade, da adequação e da proporciona- adequada, na medida em que se devem adotar
lidade da finalidade a atingir, com as devidas medidas restritivas legalmente previstas, ou seja, a
exceções previstas na lei. Nos casos em que a medida a tomar deve ser idónea, apta, para atingir
intervenção das forças de segurança se torna um fim legalmente permitido, devendo existir um
inevitável, em circunstância alguma, os meios nexo de causalidade entre o meio a empregar e o
coercivos a empregar devem ser superiores ao mal fim a atingir. A atuação policial deve ser,
a evitar, pelo que os polícias só podem utilizar igualmente, necessária, onde a medida a empregar
meios permitidos por lei e após uma avaliação deve-se revelar a mais eficaz e a menos gravosa
minuciosa do caso em particular, com o objetivo de para o ser humano, no sentido de que, antes da sua
garantir o respeito e cumprimento das leis em geral atuação, o elemento policial deve saber se existirá
no que à vida em comunidade diz respeito. outro meio que seja igualmente adequado e menos
Neste sentido, na esteira de Valente (2005), com lesivo que permita atingir o mesmo fim. Por fim, os
base no respeito do princípio da tipicidade legal (a atos devem ser proporcionais em sentido restrito,
correspondência formal entre o que está numa relação de razoabilidade e justa medida,
fundamentado na lei e o que foi praticado pelo onde se impede a adoção de medidas legais
agente no caso concreto), da precedência de lei restritivas desproporcionais ou excessivas em
(um subprincípio do princípio da legalidade) e relação aos fins a atingir.
igualmente do princípio da proibição do excesso, Nesta senda, o princípio da proibição do
estão as medidas de polícia, que são as previstas na excesso ou da proporcionalidade, em consonância
lei, não devendo ser utilizadas para além do com o princípio da concordância prática, conduz-
estritamente necessário (artigo 272.º, n.º 2 da nos à ideia de que se deve sempre optar pelo meio
CRP). que, em abstrato e em concreto, seja menos lesivo
As medidas de polícia englobam as medidas de dos direitos dos cidadãos. Porém, nem sempre é
coerção, como é o caso da utilização de meios assim. Tudo depende do cenário de atuação e da
coercivos, cujo emprego deve assegurar o finalidade dessa atuação. Devem ser sempre tidos
interesse público em causa e devem ser as em consideração fatores como a finalidade da
estritamente necessárias e proporcionais ao fim a atuação e as características humanas desse meio
atingir, com o rigoroso cumprimento de que não se em detrimento da opção do meio a utilizar, na justa
podem adotar “medidas gravosas quando medidas medida que se deve atender a uma escalada
mais brandas seriam suficientes para cumprir a

87
progressiva dos meios coercivos e medidas a seu modo de atuação e encontra-se dotada de
empregar, onde a respetiva escolha deverá ser meios para, sempre que necessário, restringir
feita com prudência e moderação conforme o tipo condutas individuais e/ou coletivas que envolvam
de ameaça ou grau de violência que se enfrente. perigos sociais, com o objetivo de prevenir ou de
afastar os efeitos da sua concretização. Esta
2.2. O Princípio da Mínima Intervenção também está dotada de certos poderes , de entre os
Também conhecido como princípio da mínima quais se destacam os atos de polícia, que
força ou da proibição do excesso, é um princípio “compreendem não só atos administrativos como
que tem como vetores as vertentes do princípio operações dos agentes, que em execução das leis e
anterior: a necessidade, a adequação e a regulamentos, muitas vezes exercendo poderes
proporcionalidade. De acordo com estes discricionários” (Caetano, 1996, p. 279) atuam
requisitos, na senda de Gomes Canotilho e Vital preventivamente ou repressivamente sobre os
Moreira (1993, p. 956), trata-se de “reafirmar, de cidadãos, com o intuito de aplicação de sanções.
forma enfática, o princípio constitucional Dentro dos atos de polícia, assumem particular
fundamental em matéria de atos públicos destaque as licenças, as autorizações e as
potencialmente lesivos de direitos fundamentais e “medidas policiais de segurança, conforme
que consiste em que eles só devem ir até onde seja designa Marcelo Caetano (1990, p. 1166).
imprescindível para assegurar o interesse público Marcelo Caetano (1996), que entre nós, terá sido
em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos o primeiro autor capaz de desenvolver esta
cidadãos”. matéria de forma científica e sistemática no seio
Este princípio pode ser encarado como um do Direito Administrativo, define que as medidas
reforço pelo respeito dos direitos do Homem – de polícia consistem nas “providências limitativas
condição fundamental na atuação policial –, da liberdade de certa pessoa ou do direito de
proibindo o livre arbítrio. Tem como finalidade propriedade de determinada entidade, aplicadas
limitar a própria atuação dos polícias ao pelas autoridades administrativas (…) com o fim
estritamente necessário, ou seja, quando medidas de evitar a produção de danos sociais, cuja
mais brandas sejam eficazes para evitar um prevenção caiba no âmbito das atribuições da
dano/perigo, jamais se devem aplicar as mais polícia” (p. 1170).
gravosas, com a especial incidência na restrição Os princípios da Segurança Interna têm
mínima e indispensável para a resolução do alicerce na própria Constituição da República
conflito. Portuguesa, nomeadamente, como já referido, no
artigo 272º, onde são vinculadas as funções da
3. Das medidas de polícia e do uso de meios Polícia e as medidas de polícia, também vertidas
coercivos no n.º 2 do artigo 2.º, da Lei de Segurança Interna
A Polícia, órgão estatal, encontra-se dotada de (LSI), e também no artigo 27º (Direito à liberdade
direitos e deveres que regulam e compõem todo o e à segurança). Neste direito fundamental à

Como e.g., os regulamentos de polícia (regulamentos de organização e os regulamentos de funcionamento) e os atos de vigilância
(atos preventivos cujo objetivo é a recolha de informações úteis para prevenir quaisquer perturbações).
Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto.

88
segurança, podemos referir duas dimensões: lei. A aplicação destas medidas, como refere
uma dimensão negativa, que se traduz num direito Miranda (1999, p. 29), “depende da sua
subjetivo à segurança, num direito de defesa necessidade, da sua adequação e da sua justa
perante eventuais agressões, e uma dimensão medida, sem arbítrio e sem excesso, pelo que “o
positiva, que se traduz num direito à proteção emprego de qualquer medida de polícia deve ser
através dos poderes públicos contra as agressões sempre justificado pela estrita necessidade dessa
ou ameaças de outrem. medida e que nunca devem utilizar-se medidas
Segundo Valente (2005, p. 70), “qualquer que gravosas quando medidas mais brandas seriam
seja a medida ou ato de polícia está sujeito ao suficientes” (Silva, 2002, p. 63).
princípio da precedência da lei e da tipicidade
legal”, porque a sua aplicação se traduz-se num 3.1. Da necessidade do uso da força na
constrangimento direto sobre um determinado sociedade às suas consequências
indivíduo. Vimos, assim, que as medidas de Toda a atuação da Polícia deve basear-se quer
polícia encontram-se sujeitas ao princípio da na prevenção de factos ilícitos, quer na repressão
tipicidade legal e ao, já anteriormente citado, dos mesmos, daí que, através da sua atuação, deve
princípio da proibição do excesso (Canas, 2005, “obstar que as pessoas se agridam ou ofendam
pp. 189 e ss). umas às outras” (Silva, 2002, p. 63). O alicerce
As medidas de polícia são as estipuladas na lei para que a boa harmonia reine numa comunidade
(artigo 16.º, da LSI e artigo 12.º, da LOPSP), onde não é castigar quem infringe a lei, mas procurar
as autoridades de polícia assumem especial que a mesma não seja violada. A repressão, na
relevo, pois, “podem determinar a aplicação de opinião de Caetano (1996, p. 274), é “um meio
medidas de polícia, no âmbito das respetivas tornado indispensável para a eficácia da
competências” (artigo 32.º, n.º 2, da LSI e artigo prevenção”, condição necessária para coibir atos
10.º, n.º 2, da LOPSP). danosos.
Nos termos do artigo 30.º, da LSI, “as medidas Diversas são as situações em que se torna
de polícia só são aplicáveis nos termos e necessário que a polícia recorra à força, a estrita
condições previstos na Constituição e na lei, necessária e na medida exigida pelo cumprimento
sempre que tal se revele necessário, pelo período das suas funções; conforme estipula o artigo 3.º do
de tempo estritamente indispensável para garantir Código de Conduta para os funcionários
a segurança e a proteção de pessoas e bens e desde responsáveis pela aplicação da lei , sempre na
que haja indícios fundados (…) de perturbação justa proporcionalidade, necessidade e
séria ou violenta da ordem pública. A expressão adequação, sob a observância das regras de
“indícios fundados” deve ser entendida como uma conduta ditadas pela consciência e pelo brio
forte suspeita da preparação da atividade baseada profissional. Este uso não é um direito adquirido
em argumentos; a mera possibilidade que um das forças de segurança, mas sim um dever
indício possa traduzir não será suficiente para o sempre que tenha como fim interromper ou evitar
desencadear das medidas de polícia prevista nesta violações dos direitos fundamentais, tendo em

Resolução 34/166 da Assembleia-geral, de 17 de dezembro de 1976

89
todo o tempo presente os seus limites de intervenções, os agentes da ordem encontram-se
atuação, já referidos. “frequentemente perante o dilema de assegurar
O recurso a meios de coerção, que devem ser um difícil equilíbrio entre a proteção dos direitos
obrigatoriamente os consentidos por lei, consiste fundamentais dos cidadãos e a segurança da
no último argumento da ação policial, cuja coletividade” (Teixeira, 2000, p. 18).
finalidade é fazer face a um evento de natureza A atuação da Polícia tem como fim maior
coletiva na via pública ou em lugar aberto ao prevenir ou afastar os efeitos da concretização de
público (Clemente, 2000, p. 395) e está limitado um perigo social, sempre com observância pelo
por uma panóplia de leis, numa base de princípio da proporcionalidade, princípio este
proporcionalidade e necessidade, tal como já que, nos dias de hoje, tem um maior alcance em
expressado. Deste modo, impera-se e impõe-se termos policiais. Após cada atuação dos
que, ao elemento policial, no desempenho das profissionais de polícia que envolva o uso de
suas funções, faça uma avaliação (por vezes meios coercivos, coloca-se sempre a questão de
individual) da situação com que se depara, porque saber se haveria ou não uma alternativa ao meio
o “emprego imediato de meios extremos contra empregue, pelo que se exige que a sua utilização
ameaças hipotéticas ou mal desenhadas constitui seja sempre feita com base na adequação, na
abuso de autoridade” (Maximiano, 1996, p. 24) e necessidade e na proporcionalidade.
pode ter consequências que se revelam Para que possa existir um bom desempenho
irreversíveis. Assim, nos casos em que os policial, as suas funções, as suas competências e
elementos policiais apliquem os seus limites devem estar bem definidos de
desproporcionalmente, no exercício das suas acordo com os princípios que imperam num
funções, os meios ao seu dispor podem incorrer Estado de direito democrático. Devem pautar a
em responsabilidade civil, criminal e/ou sua atuação pelo respeito dos direitos, liberdades e
disciplinar, dado que se verifica a violação de
garantias dos cidadãos, principalmente quando
direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para
fazem recurso a meios coercivos. É através do
terceiros.
princípio da proporcionalidade que as instituições
Toda a Acão da Polícia deve avaliar e
policiais veem a utilização de tais meios reduzida
determinar a extensão da gravidade dos seus atos,
ao estritamente necessário.
pois, como argumenta Clemente (2000, p. 196), “a
autoridade policial mais respeitada é aquela que
cumpre a missão atribuída sem recurso à força ou
só recorrendo aos meios coercitivos em última «(…) conseguir cem vitórias em cem
instância e de modo proporcional e adequado .

batalhas não é a maior das excelências; a
maior das excelências é subjugar o
Conclusão exército do inimigo sem mesmo combater.»
A atuação policial deve moldar-se pela (Sun Tzu, 2003, p.13)
condição humana aquando do restabelecimento
da ordem e segurança públicas. Porém, nas suas

90
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Diplomas legais

Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, Código de Procedimento Administrativo.


Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de Agosto, Constituição da República Portuguesa de 1976.
Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto, Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública.
Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto alterada pelo Decreto-Lei n.º 49/2017, de 24 de maio; Lei n.º 59/2015, de 24 de junho, Lei de
Segurança Interna.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, de 7 de Fevereiro, Código Deontológico do Serviço Policial
Resolução n.º 34/169, de 17 de dezembro de 1979, da ONU - Código de Conduta das Nações Unidas para os funcionários pela
aplicação

92
Linha Editorial, Público - Alvo e
Instruções aos Autores

Nota introdutória
A Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) criou a Revista Científica da ACIPOL, uma publicação
académica quadrimestral, destinada a divulgar e memorizar institucionalmente o conhecimento gerado
a partir de pesquisas realizadas por autores nacionais e estrangeiros com interesse no campo das
Ciências Policiais e/ ou noutras áreas do saber que possam contribuir cientificamente na actividade de
polícia.
Com o objectivo de uniformizar os procedimentos dos pesquisadores e/ ou investigadores
interessados em elaborar e publicar artigos na Revista Científica da ACIPOL, é apresentado este guião,
essencialmente, constituído por três capítulos: linha editorial, público-alvo e instruções aos autores.
O primeiro capítulo, o da Linha Editorial, apresenta uma espécie de fio condutor dos assuntos
merecedores de espaço de publicação na Revista Científica da ACIPOL. Apresenta, ainda, um conjunto
de características particulares que identificam e distinguem a presente publicação das demais.
No segundo capítulo, é definido o público-alvo da Revista Científica da ACIPOL.
O terceiro e último capítulo, designado instruções aos autores, trata dos procedimentos que deverão
ser adoptados na elaboração e submissão dos artigos.

1. Linha editorial
A Revista Científica da ACIPOL aceita trabalhos originais na forma de artigos de diferentes áreas do
saber que contribuam cientificamente na actividade de polícia - o objecto científico das ciências
policiais.
A Revista Científica da ACIPOL, no plano institucional, centra-se na divulgação de artigos
científicos que estejam em consonância com as suas Linhas de Pesquisa. As Linhas de Pesquisa
aglutinam e orientam esforços e recursos em temas de interesse institucional:

a) Sociedade e Segurança Pública


Temas: Modelos de Policiamento; Participação Comunitária; Análise de Políticas Públicas de
Segurança; Administração e Gestão Estratégica de Segurança Pública; Território e Segurança Pública;
Segurança Rodoviária.

93
b) Criminalidade, Violência e Controlo Social
Temas: Modelos de Prevenção Criminal; Migração e Gestão de Fronteiras; Criminalidade e
Vitimização; Crime Transfronteiriço; Investigação Criminal; Representações da Violência.

c) Organização e Profissão Policial


Temas: Modelos de Formação Policial; Carreiras Profissionais na Organização Policial; Identidade
e Profissão Policial; Liderança na Organização Policial; Planificação Policial e Logística Operacional;
Estatísticas Policiais e Gestão de Informação Policial; Organização Territorial da Polícia.

d) Direito e Polícia
Temas: Organizações Policiais e Sistema de Justiça Criminal; Direitos Humanos; Justiça e Actuação
Policial; Tradições, Costumes e Actividades Policiais; Ética e Deontologia Policial; Sistema
Penitenciário; Dinâmica da Justiça Criminal nas Instâncias Judiciais.

2. Público-alvo
A Revista Científica da ACIPOL é dirigida a professores, estudantes, pesquisadores e/ ou
investigadores, membros das forças de Defesa e Segurança, nacionais e estrangeiros com interesse no
campo das Ciências Policiais e/ ou outras áreas do saber que possam contribuir cientificamente na
actividade de polícia.

3. Instruções aos autores


A instrução aos autores abrange os seguintes aspectos: idioma, dimensão e estrutura; formatação;
normalização bibliográfica; direitos de autor; submissão de artigos; e revisão por pares.

3.1. Idioma, dimensão e estrutura


O artigo deverá:
a) Ser redigido na língua portuguesa;
b) Ter entre 10 (dez) e 15 (quinze) páginas, incluindo as referências bibliográficas e anexos;
c) Título do artigo (letra “Times New Roman”, tamanho 16, a negrito e centralizado e nas duas
línguas); com um máximo de 15 palavras sem abreviaturas ou siglas;
d) Título do Resumo (letra “Times New Roman”, tamanho 16, a negrito) centralizado).
e) Corpo do resumo (letra “Times New Roman”, tamanho 11, espaçamento simples), entre 150 e
200 palavras;
f) Palavras-chave (letra “Times New Roman”, tamanho 10, justificado), entre 3 e 5. O mesmo
procedimento para o abstract (em inglês);
g) Títulos principais (letra “Times New Roman”, tamanho 14, a negrito e centralizado; subtítulos,
tamanho 12, em itálico e à esquerda), espaço entre linhas de 1,5.
h) Corpo do texto (letra “Times New Roman”, tamanho 12, texto justificado). Espaço entre linhas
de 1,5;

94
i) Apresentar as notas de rodapé na página em que a ideia referenciada estiver colocada.
j) Incluir, na parte final, a lista das referências bibliográficas organizada em ordem alfabética (de
acordo com as Normas APA).

3.2. Formatação
O texto, em termos de formatação, deverá:

a) Ser configurado para papel A4;


b) Ter 3 cm nas margens esquerda e superior;
c) Ter 2 cm nas margens direita e inferior;
d) Ter parágrafos justificados;
e) Ter um espaçamento de 1,5 entre as linhas;
f) Ser redigido na fonte Time New Roman, sendo tamanho 12 no corpo do texto e 10 nas notas de
rodapé;
g) Ter, na lista de referências bibliográficas, um espaçamento simples entre as linhas; separadas
por 12pt depois; com deslocamento na segunda linha de 0,75cm e alinhamento justificado.

3.3. Procedimentos de citação


A UERCACIPOL - Unidade Editorial da Revista Científica da ACIPOL- aceita artigos que tenham
sido elaborados de acordo com as normas da APA (Associação Americana de Psicologia). A
UERCACIPOL, nestes termos, adopta os tipos mais comuns de referências que constam dos manuais
APA e os integra no presente capítulo com o objectivo de, tal como já foi dito, harmonizar os
procedimentos dos pesquisadores – autores que queiram publicar artigos.

3.3.1.Citação de publicações com 01 (um) autor


A citação de publicações com um autor deverá ser efectuada através da indicação do sobrenome do
autor, ano da publicação e página do texto citado (Moreira, 2014, p. 30). Vide Exemplo 01.

Exemplo 01

Citação no texto: (Almeida, 1992, p. 32) ou Almeida, (1992, p. 32)


Na lista de referências: Almeida, M.H. (1992). Novas formas de composição dos salários:
Tendências recentes (Estudos. Série B – Rendimentos e 6). Lisboa: MESS/SICT.

3.3.2.Citação de publicações com 02 (dois) autores.


A referência de publicações com dois autores deverá ser efectuada através da indicação do sobrenome
dos autores, iniciais dos nomes, separados por & (e comercial) , tal como o demonstrado no Exemplo 02.

Moreira, (2014, p. 30)

95
3.3.6.Citação de publicações de autoria institucional
Na primeira citação, quando as publicações forem de autoria institucional, o nome deve estar por
extenso, seguido da sigla entre colchetes [ ]. Nas citações subsequentes, cite somente a sigla, desde que
seja de fácil identificação e/ou conhecimento. Nas referências, cite o nome por extenso, seguido da sigla
entre colchetes [ ] . Vide Exemplo 06

Exemplo 06

Primeira citação no texto : (Ministério do Interior, [MINT], 2017, p. 26) ou Ministério


do Interior, [MINT], 2017, p. 26
Citações subsequentes: MINT (2017, p. 26) ou (MINT, 2017, p. 26)
Na lista de referências: Ministério do Interior, [MINT], (2017). Estratégias de
formação de Oficiais de Polícia. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

3.3.7.Citação de publicações com responsabilidade de editor, coordenador, organizador


Para publicações com editor, organizador ou coordenador, faça a identificação após o nome do autor
com as abreviaturas (Ed.), (Org.), (Coord.) (Moreira, 2014, p. 32). Vide Exemplo 07.

Exemplo 07

Citação no texto: Tsucana (2017, p. 18) ou (Tsucana, 2017, p. 18)


Na lista de referências: Tsucana, F. F. (Ed.). (2017). Apontamentos de Segurança
Pública. Maputo.

3.3.8.Citação de publicações sem autoria identificada


Para obras sem identificação da autoria, a citação deverá ser feita pela primeira palavra do título
(Moreira, 2014, p. 32), tal como o demonstrado no Exemplo 08.

Exemplo 08 (Moreira, 2014, p. 32)

Citação no texto: (“Adolescentes”, 2009, p. 16)


Na lista de referências: Adolescentes e o uso de drogas. (2009).

3.3.9.Citação de publicações sem data


Quando não for identificada a data de uma publicação, insira entre parênteses a sigla relativa à
expressão sem data [s.d] (Moreira, 2014, p. 32). Vide Exemplo 09.

Moreira (2014, p. 31).

97
Exemplo 02

Citação no texto: (De Cenzo & Robbins 1996) ou De Cenzo e Robbins (1996)
Na lista de referências: De Cenzo, D.A. & Robbins, S.P. (1996). Human resource
management. New York: John Wiley & Sons .

3.3.3.Citação de publicações com 03 (três) a 05 (cinco) autores


Nos casos de citações com três a cinco autores, cite todos os nomes na primeira citação, separados
por vírgula (,) antes do último autor, coloque & (e comercial) . Vide Exemplo 03.

Exemplo 03

Na primeira citação no texto: Tsucana, Alar, Cumbane, Lourenço e Se da (2016)


Nas demais citações: (Tsucana et al., 2016) ou Tsucana et al. (2016)
Na lista de referências : Tsucana, F.T., Alar, F.I., Cumbane, R.N., Lourenço, A.C. &
Seda, F.L. (2016). Discutindo as frentes da segurança pública . Maputo: Ideias em
Marcha.

3.3.4.Citação de publicações com 06 (seis) ou mais autores


Nas publicações com seis ou mais autores, cite o primeiro acompanhado de et al. em todas as
citações. Nas referências, cite os seis primeiros autores, reticências e o último autor . Vide Exemplo 04.

Exemplo 04

Citação no texto: (Lourenço et al., 2017) ou Lourenço et al. (2017)


Na lista de referências : Lourenço, A.C., Bilério, F., Cossa, L., Taíbo, R., Mugime, S.
M., Tembe, D.,… Cossa, J. (2017). Estratégias de investigação Científica . Maputo:
Mulauze Editora.

3.3.5.Citação de publicações de autores cujos nomes apresentam sufixos e/ou títulos


Os sufixos como Jr, Filho, Sobrinho, Neto, III e outros não devem ser incluídos na citação no texto,
somente na lista de referências após o último nome (Moreira, 2014, p. 31). Vide Exemplo 05.

Exemplo 05

Citação no texto: (Zunguze et al., 2017) ou Zunguze et al. (2017)


Na lista de referências: Zunguze, O. Júnior, Xipikiri, J. J., Mabjaia, S. J. Neto, Nóbrega,
H. J. Filho. (2017). Maravilhas da Piscicultura. Inhambane: Letras Editora.

Moreira (2014, p. 30).


Idem.

96
Exemplo 09

Citação no texto: Homo, A., Ngovene, B. [s.d.]. ou (Homo, A., Ngovene, B. [s.d.])
Na lista de referências: Homo, A., Ngovene, B. [s.d.]. Empreendedorismo de baixo
custo: Maputo: Belas Coisas.

3.3.10.Citação de publicações do mesmo autor e/ ou com datas iguais


Quando citar várias obras do mesmo autor, organize-as por data, separadas por vírgula; para
distinguir publicações do mesmo autor e mesmo ano, utilize letras após o ano. As referências devem ser
apresentadas em ordem crescente de data . Vide Exemplo 10.

Exemplo 10

Citação no texto: Intaka, (2009, 2015a, 2015b) ou (Intaka, 2009, 2015a, 2015b)
Na lista de referências: Intaka, J. (2009). Policiamento comunitário. Maputo: Fimbo
Editora.
Intaka, J. (2015a). Estratégias de plantio de mandioca. Maputo: Fimbo Editora.
Intaka, J. (2015b). Dieta verde: casos de sucesso. Maputo: Fimbo Editora.

3.3.11.Citação de vários autores


Nos casos em que tiver que mencionar a ideia de diversos autores em uma mesma citação, organize-
os por ordem de data, separados por ponto e vírgula. Nas referências, cada documento deve ser citado
individualmente. Vide Exemplo 11.

Exemplo 11

Citação no texto: (Intaka, 2009; Homo, 2014; Ngovene, 2015)


Na lista de referências: Intaka, J. (2009). Policiamento comunitário. Maputo: Fimbo
Editora.
Homo, A. (2014). Jogando N’tchuva. Maputo: Vamos Brincar.
Ngovene, B. (2015). Criação de gatos. Gaza: Press.

3.3.12.Citação de publicações com autores que têm o mesmo sobrenome


Se houver coincidência de sobrenomes de autores, inclua as iniciais do nome em todas as citações,
mesmo que o ano de publicação seja diferente; permanecendo a coincidência, colocam-se os prenomes
por extenso. Vide Exemplo 12.

98
Exemplo 12

Citação no texto:

Matirhandzi, B. (2013, p. 29)


Matirhandzi, B. A. (2016, p. 17)
Gilberto Mabjaia, (2017)
Gonçalves Mabjaia, (2017)
Na lista de referências: Matirhandzi, B. (2013). Jogos tradicionais. 2ª Edição.
Maputo: Girassol.
Matirhandzi, B. A. (2016). Infecções de Transmissão Sexual. Maputo: Índico.
Mabjaia, G. [Gilberto]. (2017). Efeitos do uniforme escolar. Maputo: Luzes da Ribalta.
Mabjaia, G. [Gonçalves]. (2017). Gestão de informação classificada. Maputo: Press.

3.3.13.Citação de um capítulo de livro


Na citação de um capítulo, deverá se referenciar o autor ou autores do capítulo, identificando os
demais dados da obra na referência bibliográfica, antecedidos do “In”. Deverá, ainda, em casos de obras
com vários autores, ser utilizada a abreviatura “Coord.” para indicar o coordenador da obra
referenciada. Vide Exemplo 13.

Exemplo 13 (Almeida, Lopes, Camilo & Choi, 2016, p. 39)

No texto: No entendimento dos autores Almeida, Parisi e Pereira (1999, p. 370), “a


Controladoria enquanto ramo do conhecimento baseada na teoria contábil (…)”.

Na lista de referências: Almeida, L. B., Parisi, C., & Pereira, C. A. (1999). Controlador ia.
In A. Catelli (Coord.), Controladoria: Uma abordagem da gestão econ ómica – GECON (pp.
369-381). São Paulo: Atlas.
3.3.14.Citação de monografias, dissertações e teses não publicadas
A citação de monografias, dissertações e teses não publicadas deverá ser efectuada através da
indicação do autor, título da tese de doutoramento ou dissertação de mestrado, nome da instituição e
local. Vide Exemplo 14.

Exemplo 14 (Moreira, 2014, p. 37)

Prada, C. G. (2002). A família, o abrigo e o futuro: Análise de relatos de crianças que


vivem em instituições. Dissertação de Mestrado não publicada, Curso de Pós-
Graduação em Psicologia da Infância e da Adolescência, Universidade Federal do
Paraná. Curitiba, Paraná.

99
3.3.15.Citação de artigo de periódico impresso
A citação de artigo de periódico impresso deverá ser efectuada através da indicação do(s) autor(es),
ano, título do artigo, título do periódico em itálico, volume (número) e as páginas inicial e final do
artigo. Vide Exemplo 15.

Exemplo 15 (Moreira, 2014, p. 37)

Heshka, S., Anderson, J.W., Atkinson, R.L., Greenwa y, F.L., Hill, J.O., Phinney, S.D.,
. . .& Pi Sunyer, F. X. (2003, Maio). A perda de peso com autoajuda em comparação
com um programa estruturado comercial: Um ensaio clínico padronizado . JAMA,
289, 1792-1798.

3.3.16.Citação de artigo de periódico on-line


A citação de um artigo de periódico On-line deverá ser efectuada através da indicação dos autor(es),
ano, título do artigo, título do periódico em itálico, volume (número), as páginas inicial e final do artigo
e dados de acesso (Moreira, 2014, p. 38). Vide Exemplo 16.

Exemplo 16 (Moreira, 2014, p. 38)

Vorcaro, A. & Lucero, A.(2010). Entre real, simbólico e imaginário: Leituras do autismo.
Psicologia Argumento, 28, pp.147-157. Obtido em 24 de maio de 2010.
Recuperado de http://www2.pucpr.br/reol/index.php/pa?dd1=3562&dd99=view

3.3.17.Citação de artigo de jornal impresso


A citação de um artigo de jornal impresso deverá ser realizada através da indicação dos autor(es), ano,
dia e mês, título do artigo, título do Jornal em itálico e páginas inicial e final do artigo .
Vide Exemplo 17.

Exemplo 17 (Moreira, 2014, p. 38)

Schwartz, J. (1993, 30 de Setembro). A obesidade afecta o estado económico, social.


TheWashington Post, pp. A1, A4.

3.3.18.Citação de publicações do mesmo autor e/ ou datas iguais


A Citação de obras do mesmo autor deverá ser realizada por ordem cronológica (sequência por datas) e
com separação por vírgula. A distinção das publicações do mesmo autor e ano deverá ser efectuada
através da colocação de letras após o ano. A apresentação das referências deverá, igualmente, ser
efectuada por ordem crescente de data. . Vide Exemplo 18.

100
Exemplo 18

Citação no texto: Xipenete, (2016, 2017a, 2017b) ou (Xipenete, 2016, 2017a, 2017b)
Na lista de referências: Xipenete, M. J. (2016). Como alimentar o seu bebé? Maputo:
Pêndulo.
Xipenete, M. J. (2017a). Gestão de conflitos familiares. Maputo: Pess.
Xipenete, M. J. (2017b). Noções fundamentais de economia doméstica. Maputo: Olho Vivo.

3.3.19.Citação de um autor repetida no mesmo parágrafo


Sempre que um autor for citado mais de uma vez no mesmo parágrafo, o ano poderá ser omitido a
partir da segunda citação. (Moreira, 2014, p. 35). Vide Exemplo 19.

Exemplo 19

Primeira citação no texto: (Xipenete, 2017, p. 34)


Segunda citação no texto: (Xipenete, p. 36)
Na lista de referências: Xipenete, M. J. (2017). Gestão de conflitos familiares.
Maputo: Press.

3.3.20.Citação de publicação sem identificação de autoria


A citação de uma publicação sem identificação de autoria deverá ser efectuada através da indicação
do título, subtítulo, ano e local de publicação e editora. (Moreira, 2014, p. 37). Vide Exemplo 20.

Exemplo 20

As barreiras da mente: perguntas e respostas. 2017. Maputo: Editora Verde.

3.4. Direitos e Deveres dos Autor


a) O autor do artigo é o primeiro titular dos direitos patrimoniais e não patrimoniais da sua obra ;
b) O autor, ao submeter o artigo à Revista Científica da ACIPOL para fins de publicação, autoriza a
execução de actos visados pelos seus direitos patrimoniais;
c) A Revista Científica da ACIPOL não se responsabiliza por situações de Plágio contidas no
artigo, sendo da inteira responsabilidade do autor;
d) O autor é responsável pela observância das normas cultas da língua portuguesa e de língua
estrangeira;
e) O autor deverá indicar, em nota de rodapé, junto do título, se o texto resulta de uma pesquisa ou

Vide Lei n.º 4/2001 de 27 de Fevereiro, que aprova os direitos de autor.

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de monografia, dissertação de mestrado ou de uma tese;
f) O autor deverá indicar, igualmente, em nota de rodapé, se o trabalho já foi publicado em outras
revistas Científicas nacionais ou estrangeiras;
g) O autor deverá indicar em que Linha de Pesquisa o seu trabalho se enquadra.

3.5. Submissão de Artigos


A submissão de artigo para fins de publicação na RCA deverá ser efectuada electronicamente,
através do seguinte endereço: acipolrevistacientifica@gmail.com. O autor deverá, para fins de apreciação,
enviar o artigo em formato PDF e em Word para edição e publicação. O autor, no acto da submissão do
artigo, deverá, ainda, anexar os seguintes elementos pessoais:
a) Uma cópia do respectivo documento de identificação (BI ou passaporte) para fins de
certificação de identidade;
b) Uma fotografia actual tipo passe (preferencialmente, de uniforme se o autor for membro das
Forças de Defesa e Segurança nacionais ou estrangeiras), que será colocada no cabeçalho do artigo;
c) Nome completo do autor com uma nota de rodapé indicando a instituição a que pertence, a
função que exerce, os títulos e formação profissional.

3.6. Revisão por pares


Os artigos serão sujeitos à revisão por pares, avaliação dos artigos por outros pesquisadores
conhecedores do objecto pesquisado . O tipo de revisão será duplo cego (double blind peer review),
caracterizado pelo anonimato entre autores e revisores.

Referências Bibliográficas

Almeida, A., Lopes, E.S.S., Camilo, J.T.S. & Choi, V.M.P. (2016). Manual APA: regras gerais de estilo e formatação de trabalhos
académicos. São Paulo: FECAP
Almeida, A., Lopes, E.S.S., Camilo, J.T.S., & Choi, V.M.P. (2016). Manual de normalização para trabalhos científicos de acordo com
as normas da APA. 1ª Edição. São Paulo: FECAP/ Biblioteca Paulo Ernesto Tolle. Acedido aos 19/11/2017. Disponível em:
http://biblioteca.fecap.br/wp-content/uploads/2016/02/Manual-APA-FECAP-2016-1%C2%AAedi%C3%A7%C3%A3o-s%C3%B3-
frente.pdf
Moreira, Lecy (2014). Manual para elaboração de trabalhos técnico-científicos de acordo com a APA. Belo Horizonte: Grupo Anima
Educação. Disponível em http://disciplinas.nucleoead.com.br/pdf/anima_tcc/gerais/manuais/manual_apa.pdf . Acedido aos 14 de
Outubro de 2017
Silva, C. N., Silveira, M., Mueller, S. [s.d.]. Sistema de revisão por pares na ciência: o caso de revistas científicas do Brasil, da
Espanha e do México. IFB/ UFP/ UB. Acedido aos 09/11/2017. Disponível em: http://www.ec.ubi.pt/ec/21/pdf/ec-21-17.pdf

Silva, C. N., Silveira, M., Mueller, S. [s.d.], p. 237.

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