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Apêndice Documental B3

  Documentos Nºs 11 -17  

 Portolani Books Volume Dois: Misérias do Exílio

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APÊNDICE DOCUMENTAL B3  Referências Ap B3


(Documentos Nºs 11 -17, publicados antes do desaparecimento de  7. 'Oú en est
Humberto Delgado) l’opposition
portugaise', Révolution
Africaine, nº 95, 21 de
Novembro 1964,
Documento nº 11 depois reproduzido e
posto a circular por
Onde está a Oposição Portuguesa?7 Humberto Delgado
Por Lounes Laribi (traduzido do original 
francês).
Soubemos, no dia 26 de Julho último, ter rebentado a Frente
Patriótica de Libertação Nacional (FPLN). Sabe-se que este
8.    Comunicado da
movimento reunia as diversas tendências da oposição portuguesa
FPLN - Outubro 1964.
na Argélia, sob a presidência do general Humberto Delgado,
candidato à presidência da República em 1958. Ele agora dirige a
 
Frente Portuguesa de Libertação Nacional (FPLN). Vemos que as
9.   Certos membros
iniciais são as mesmas; é uma questão de pormenor. Pormenor
da FAP, acusada de
sobre o qual o general Delgado se mostra irredutível.
'chinesa'.
‘É uma evidência que nossa frente reúne patriotas, sendo inútil
colá-la em toda a parte,’ diz ele, não sem lógica. 10. Publicado em
É certo que a FPLN (primeira versão) perdeu uma personalidade anexo por Humberto
representativa na pessoa de Delgado. Este último é, com efeito, Delgado. Ver
bem conhecido do povo português. Se não conseguiu ser eleito nas Documento nº 12
eleições de 1958, isso ficou a dever-se aos artifícios fraudulentos neste Apêndice
utilizados pelo clã de Salazar. Em 1961-62 o seu nome é de novo
pronunciado quando da revolta de Beja, infelizmente gorada. 11. Emídio Guerreiro
É evidente que, como o próprio general se orgulha, ele é uma das (N.A.).
raras personalidades públicas do seu país.
12. Tradução do
Ruptura da Frente original francês.
O general Delgado é um militar e, como tal, inimigo da papelada,
isto é, de um certo conceito de organização. Desde a sua chegada
a Argel, ele toma medidas draconianas e deixa claramente 13. Sem data.Pelo
entender que a época do exílio confortável já passou. Dentro em contexto presume-se
breve ele denuncia a insistência com a qual certos meios da ser do 31 de Janeiro
oposição se dedicam há vários anos à sabotagem deliberada de de 1965.
todos os actos susceptíveis de levar à revolução, invocando o
confuso pretexto da necessidade de uma longa e inexplicável
organização fácil de descobrir para a polícia8. ~~~«»~~~ 
À parte este facto, recentemente o general Delgado declarou a um
editor da Révolution Africaine ter ficado chocado com o modo como  
certos responsáveis da FPLN interpretaram as responsabilidades
que lhes foram confiadas e os abusos que praticaram.     

Tiveram até a falta de vergonha de exigir que eu me tornasse


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cúmplice deste estado de coisas. Indo ao ponto de pedir que eu


usasse do meu crédito junto das autoridades argelinas para fazer
expulsar deste país refugiados portugueses que não estavam de
acordo com esta tendência9.

O ponto fundamental que separa o general Delgado da Frente


Patriótica é o conceito diferente das partes sobre o lançamento da
luta armada em Portugal. O general está convencido que com um
grupo de oficiais e alguns civis ele é capaz de, num lapso de tempo
muito breve, lançar uma insurreição nacional. No espírito do
general, o esquema utilizado em Beja (ataque a uma caserna) pode
ser melhorado. Os seus adversários, entre eles o comandante
Ervedosa (seu chefe de Estado-Maior), estão a favor de uma
organização prévia, maduramente estudada, mediante instrução de
quadros militares nos países amigos, propaganda junto dos
militares salazaristas, apelos à deserção etc…
Os ‘Chineses’.
O general Delgado, não é, de resto, o único partidário de um
lançamento imediato da luta armada. A Frente de Acção Popular
Antifascista, a fracção ‘chinesa’ da oposição portuguesa apoia esta
tese. A FAP que se afastou da FPLN antes do general Delgado,
conta sobretudo com as massas para lançar a insurreição armada.
Damo-nos conta que este movimento se esforça por organizar a
imigração portuguesa em França e na Alemanha e tem conseguido
um trabalho considerável junto dos trabalhadores exilados
(alfabetização, cursos de formação política, etc…). Em certos
aspectos, as colónias portuguesas em França e na Alemanha
assemelham-se às colónias argelinas que durante a guerra se
formaram na Europa. As condições em que trabalham os
portugueses no exílio são sensivelmente paralelas às que
conheceram os argelinos.
Os dirigentes da FAP sustentam que a guerrilha é possível desde já
em Portugal e que a topografia do terreno, qualquer que seja a
região, pouco importa se os trabalhadores e os camponeses forem
mobilizados. Apostam que as condições requeridas existem, só
faltando as armas. Entre os trabalhadores portugueses no exílio
formados por eles, existem os que, de volta a Portugal, se
revelaram excelentes agentes de propaganda. São também de
opinião, e neste ponto estão de acordo com o general Delgado,
que os excessos da própria ditadura fascista são a melhor arma dos
revolucionários portugueses, bastando um choque para que o
edifício fascista se desmorone.
Para atingir este objectivo é necessário que as energias individuais
dos quadros portugueses no exílio não sejam desperdiçadas em
lutas intestinas estéreis e prejudiciais para o combate comum: a
luta contra o fascismo. A formula pode parecer gasta, mas é a
união dos oposicionistas portugueses que fará a sua força. Parece
que esta união é possível porque em muitos pontos as diferentes
tendências estão de acordo.

Documento nº 12
Declaração de Emídio Guerreiro10
Frente Portuguesa de Libertação Nacional
Presidente: general Humberto Delgado
Argel, 5 de Dezembro de 1964
(Rubrica de HD)
Anexo do doc. nº 30. Documento nº 1
O presidente do Comité Pró-Libertação de Portugal (Paris), que
ainda é o delegado (em França) do muito importante sector do

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Norte de Portugal, que lançou e propôs a candidatura do general


Humberto Delgado à presidência da República, abandonou a
Conferência, imediatamente depois da primeira reunião
preparatória.
Foi então que enviou à ‘conferência’ o documento anexo (página 2)
onde anuncia:
Nestas condições recuso-me a tomar partido em querelas pessoais
ou outras, e naturalmente, numa reunião que tomara partido de
antemão previsto, dado o estado de espírito e a sua composição.
Depois destas verificações simples, e do resultado previsto, que
infelizmente me deu razão, devo dizer que eu vim à Conferência
não para apertar mais as algemas do Povo Português mas para
‘ajudar a quebrar essas algemas.
A página 2 do documento está anexo em português e fotocopiado.
118, Bd. Salah Bouakir,
5ème étage, Alger - Algérie
Argel, 28 de Setembro de 1964
Declaração
Depois de ter assistido à reunião preparatória da ordem dos
trabalhos da IIIª Conferência da F.P.L.N. (seria preferível chamar-
lhe IIª, visto que a Iª de Roma não foi representativa, como me
afirmou um membro qualificado do PCP, quando me veio convidar
para participar na conferência de Praga), verifiquei:
1) Que o assunto principal e importante que determinou esta
reunião era discutir a ‘coisa’ de Argel.
2) Que a formulação anódina e vaga, vaguíssima, da ordem do dia
era o manto diáfano da ‘coisa’.
3) Que a pressa com que o dr. Cunhal propõe a nomeação de uma
comissão encarregada de convidar o sr. general Delgado a assistir a
esta reunião, revela um estado de espírito impeditivo de trabalhar
com serenidade.
4) Que depois da minha intervenção pedindo que se aprovasse a
proposta do dr. Cunhal mas não a urgência, por a considerar
ineficaz e portanto inoportuna, o dr. Cunhal continuou a defender
com insistência a urgência dessa demarche.
5) Que apesar do apelo ao bom senso, em que declarei que tinha o
sentimento, a convicção, a certeza, a certeza absoluta que o sr.
general diria ‘não’ desde que a comissão se apresentasse com as
mãos vazias, insistiu-se alegremente em não tomar em
consideração o que era ‘a própria evidência’, para quem tivesse um
mínimo de experiência política.
6) Que o estado de espírito manifestado durante a discussão da
oferta da presidência ao sr. general Delgado, explicava a teimosia
que poderia inibir não somente a solução da ‘coisa’ num sentido de
unidade, mas até por que poria em perigo o prestígio pessoal dos
componentes da comissão rogatória.
Depois destas verificações simples, muito simples e de resultado
previsto, que infelizmente me deu razão, devo dizer que eu vim à
Conferência não para apertar mais as algemas do povo português
mas para ‘ajudar a quebrar essas algemas’.
Nestas condições recuso-me a tomar partido em querelas pessoais
e, naturalmente, numa reunião que tomara partido de antemão
previsto, dado o estado de espírito e a sua composição.
Como sempre durante uma longa vida de luta, estarei na Frente,
na verdadeira Frente de combate contra o regime infame de
Salazar e, para tal, os democratas poderão contar comigo.

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Com a consideração que me merece todo o lutador, sou vosso


compatriota e amigo.
a) Emídio Guerreiro

Documento nº 13

Comunicado do General Humberto Delgado


Frente Portuguesa de Libertação Nacional
J.R.P. Presidente: (Gen. Humberto Delgado)
Argel, 5 de Dezembro de 1964

Comunicado
1. Dificuldade de apresentar toda a verdade.
Circunstâncias de segredo a que a cortesia internacional força
vedam-nos, a possibilidade, ao menos por agora, de apresentar à
oposição portuguesa toda a verdade sobre certas facilidades de que
um grupo, aproveitando a força do PC clássico, se apoderou,
quando o general Humberto Delgado estava ausente da Argélia.
Nestas condições falta ao presente comunicado certa substância
que se desejaria dar e se apresentará quando a oportunidade
surja.
2. A oposição portuguesa em Argel
O artigo anexo do nº 95 da Révolution Africaine dá em traços
largos um pouco do que se passa. Acrescente-se que em Argel, ao
contrário do que se julga em Portugal e no mundo, a população
portuguesa emigrada é ridiculamente pequena: apenas quarenta
pessoas (incluindo mulheres), em Argel, o que não pode deixar de
imprimir aos assuntos o ar de pequena aldeia com todas as
inerentes más características. Agrava-se a questão por não haver
operários, mas apenas indivíduos de tipo intelectualizado.
A composição populacional, na cidade, grosso modo, é a seguinte:
— Um terço pertence ao P.C. clássico;
— Um terço é uma família muito falada por representar caso típico
de nepotismo disfarçado em perseguição política.
— O terço restante divide-se por outras facções e não alinhados.
3. O terror entre a população.
Despotismo. À chegada do presidente da Junta Revolucionária
Portuguesa a Argel, a população portuguesa estava aterrorizada e
com razão. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Argélia por
cortesia pedia informações à extinta ‘Comissão Delegada’ a
respeito dos portugueses, antes da sua entrada ou saída. Então
aquela comissão demorava ou não informava os processos. Citam-
se dois casos típicos referente a pessoas que estavam demoradas
no estrangeiro à espera do visto, sem razão visível. Tratava-se de
família, de oposicionistas em más relações pessoais e políticas com
elementos da ‘Comissão Delegada’, que transitaram para a Junta.
Por outro lado, esses mesmos indivíduos, da Comissão ou da Junta,
com o delegado do P.C. clássico à frente, queriam que
o presidente da Junta usasse represálias e a sua posição para
perseguir e até obter a expulsão de inimigos pessoais ou políticos,
embora oposicionistas. O general Humberto Delgado negou-se a
fazê-lo.
4. Posição estranha do PCP.
No dia 31 de Julho de 1964 o delegado do PC clássico insistia
que se despedisse um funcionário (exactamente o que acompanhou
o general a Beja na noite da revolta) com base de que ele
procuraria armas para a FAP (Frente de Acção Popular), facção
dissidente do PC. Clássico!!! No mesmo dia votou contra proposta
apresentada pelo general no sentido de se montar uma acção de
força partindo do exterior, recrutando portugueses onde os

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houvesse. Tal proposta fora feita depois do presidente da Junta


haver tido entrevista com alta entidade estrangeira.
Não mais foi possível o trabalho da Junta em conjunto, pois de
revolucionária só tinha o nome.
5. A IIIª Conferência.
Convocou-se uma conferência para curar a crise, mas o PC clássico
forçou que ela fosse feita em curto prazo. Não havia tempo.
Resultado: dos elementos vindos de fora da Argélia para a pseudo-
conferência, quatro quintos pertenciam ao PC.
O presidente do Comité Pró-Liberdade de Portugal11, vindo de
Paris, negou-se a colaborar na farsa. Abandonou a conferência,
logo no primeiro dia, deixando papel escrito justificativo da sua
atitude. Neste salienta que vista a composição, os resultados se
conheciam a priori.
Realmente, o MNI (Movimento Nacional Independente) com
delegações no Brasil, Canadá, Inglaterra, Itália e Venezuela, e que
obteve fundos e lançou o núcleo da revolta de Beja, não estava
representado; a Frente que desencadeou a candidatura do general
Delgado em 1958, também não. Achou melhor, certamente porque
a temperatura psicológica era inadequada a soluções equilibradas.
E outras não estiveram representadas.
6. Autoridades argelinas.
Na ausência do general, alguns indivíduos ciosos de mando,
pretendendo ser representantes de organismos que no dizer do PC
têm menos filiados do que aquele partido tem de funcionários,
conseguiram iludir as autoridades argelinas.
É hoje do domínio público que a oposição escondeu o paradoxo de
haver em Argel uma Comissão, delegada dela própria, pois em
Portugal não havia organismo que lhe tivesse delegado poderes…
Um ano se passou nessa mentira que convinha manter. Agora,
mutatis mutandis, usou-se a mentira da IIIª Conferência. Criou-se
assim situação difícil de inverter em período próximo.
7. A Frente Portuguesa.
O comunicado de Outubro definiu a posição dos que, dispostos
a aceitar o PC clássico como aliado, o não aceitam como dono dos
homens que querem ser livres, quer antes quer depois da ditadura
cair. A Frente Portuguesa de Libertação Nacional, que dispensa a
pleonástica classificação de patriótica, resolveu estabelecer quanto
possível na clandestinidade os seus elementos de direcção,
reduzindo ao mínimo as tradicionais actividades de propaganda
escrita e oral em que a oposição se gasta há trinta e oito anos,
usando balas de papel em vez de aço, ao ponto de ter estado
durante trinta anos sem fazer uma revolta à mão armada na rua.
Fixar-se-á assim mais activamente na preparação da revolta. Dará
conta, logo que oportuno, da evolução dos acontecimentos e dos
futuros pontos e agentes de ligação para contacto dos adeptos -
isto é, dos que seguem o espírito unitário da campanha de 1958,
quando o PC aderiu à candidatura nacional independente após a ter
combatido da forma selvagem e injusta bem conhecida. Dentro
também do espírito da revolta de Beja feita por todas as classes
militares e civis contra a linha pacífica do PC e até às escondidas
dele - como é bem sabido de todos que nela tomaram parte,
incluindo os homens de bem das esquerdas que pegaram em
armas, já aborrecidos da luta de papéis, da luta legal ou semi-legal
que tanta gente leva às prisões.
8. Os perigos das querelas levadas aos governos estrangeiros.
Após a proclamação da República Espanhola, a oposição
portuguesa emigrada encontrou extraordinariamente boa acolhida
em Madrid. Porém, tantas guerrilhas pessoais surgiram e foram
levadas ao conhecimento do governo espanhol que, de repente,
cortou todas as facilidades concedidas. Muito provavelmente o
mesmo sucederá na Argélia apesar de este país estar habituado a
vivos conflitos entre os grupos de estrangeiros que lhe reclamam
auxílio.
9. Erro a respeito da vinda do general Humberto Delgado para a
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Argélia.
De qualquer forma convém esclarecer um erro frequente: o
general Delgado não deixou o Brasil em 1963 para vir rumo à
Argélia como presidente de qualquer Junta, que nem existiu até
1964, mas sim na sua capacidade de candidato à presidência da
República, símbolo da oposição, e que estaria como chefe de
Estado em Lisboa, não fora a inconcebível fraude das eleições. Pelo
menos assim o disseram em 1958 todos os sectores da oposição, e
assim se afirma bem claro, em especial para informação das
autoridades argelinas e da imprensa internacional.
118, Bd. Salah Bouakouir, 5ème étage, ALGER - ALGERIE

Documento nº 14

Memorando apresentado por Humberto Delgado ao Governo


Argelino12

Frente Portuguesa de Libertação Nacional


J.R.P. Presidente: gen. Humberto Delgado
Argel, 15 de Dezembro de 164
Nº P/301

Memorando apresentado pelo general Humberto Delgado, ex-


candidato à presidência da República portuguesa.
Assunto: perturbações no seio da oposição portuguesa

A Suas Excelências:
O Presidente da República Argelina Democrática e Popular
Ministro da Defesa Nacional
Ministro dos Negócios Estrangeiros
Ministro da Orientação Nacional
Ministro das Comunicações e Transportes
Excelências,
1. Motivo do Memorando
Depois do que alguns chamaram a terceira conferência da Frente, e
que não teve a representação das forças democráticas
portuguesas, um pequeno grupo de cinco indivíduos de
nacionalidade portuguesa, uma espécie de ‘auto nomeados’
(segundo a desigação corrente) visitou as autoridades argelinas
para as persuadir de que não existia nenhuma entidade política em
Argel! Algumas autoridades e alguns jornais parece que
acreditaram nisso. É preciso, por consequência, que eu abandone a
posição até agora adoptada por mim, que tem sido a de evitar
escândalos relacionados com as ‘misérias’ inerentes aos meios
oposicionistas em exílio prolongado e consequentemente próprios
também da oposição portuguesa que existe há mais de 30 anos!
Perante o abuso e prejuízo para a causa do nosso país torna-se
necessário esclarecer o caso.
2. A origem da ofensiva. O ataque aconteceu:
(a) Depois da minha recusa em 31.07.64 de perseguir os
dissidentes revolucionários do Partido Comunista pacifista e de
recusar pedir a sua expulsão.
(b) Depois do delegado do Partido Comunista ter votado (no
mesmo dia), contra a minha proposta visando uma operação de
desembarque em força em Portugal, simultaneamente com acções
internas. (Esta proposta tinha sido feita depois de uma entrevista,
na véspera, com a mais alta personalidade indicada para o efeito e
que nos tinha garantido tudo o que era necessário, excepto homens
evidentemente).
3. Esclarecimento decisivo.

É necessário lembrar às autoridades argelinas, assim como à


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imprensa internacional que acreditaram neste bluff, que eu não vim


para a Argélia como se fosse um pequeno presidente de alguma
pequena comissão ou pequena junta que viria a existir em Argel.
Na realidade, eu deixei o Brasil em 1963, e foi unicamente em
1964, passando pela Argélia, que eu propus a criação de uma Junta
Revolucionária. Ninguém pode inverter a ordem cronológica. Não:
eu não deixei o exílio no Brasil por causa de qualquer comissão ou
junta, como bem o sabe Sua Excelência o presidente Ahmed Ben
Bella. Que não haja confusões: eu deixei esse país por razão de
outros títulos:
a) Ou como candidato à presidência da República, mundialmente
reconhecido como lider da oposição portuguesa, visto que eu fui o
único candidato que durante 38 anos decidiu correr os perigos de
resistir até ao dia das eleições (forcei dessa maneira o governo a
conceder-me alguns votos, segundo as suas contas, apesar de a
oposição ter sido impedida de fiscalizar as urnas);
b) Ou ainda como chefe de Estado no exílio, tendo a maioria dos
votos do povo português a quando das eleições, como é confirmado
por todos os sectores da oposição.
c) Ou ainda como chefe revolucionário, incontestado, que preparou
com base no Brasil e em Marrocos, uma revolução em Portugal,
contra a vontade do Partido Comunista que se opunha contra a luta
armada (esta revolução foi feita, após 30 anos de paz, na noite de
31 de Dezembro de 1961. A última revolta datava de 26 de Agosto
de 1931!!!).
4. Reacção das Forças Democráticas, ligadas à minha candidatura
em 1958.

Ainda que eu não tenha necessidade de novas ‘cartas de


apresentação política’ de quem quer que seja, perante o bluff (doc.
nº 1) que o PC clássico montou em Argel (a ele chama a 3ª
Conferência de uma inexistente Frente), as forças citadas reagiram
(doc. nº 2) e continuam a tentar actuar junto das autoridades
argelinas apesar das dificuldades encontras, acrescidas pela
pequenez da população portuguesa em Argel e pelas ligações do PC
pacifista que instalou aqui uma forte maioria entre os apenas 40
portugueses que residem em Argel.
5. Luta Armada
Enquanto que a parte pacifista do PCP clássico faz em Argel um
jogo ingénuo (aproveitando-se da ingenuidade do pouco
conhecimento das pessoas e das organizações para atrasar a
revolução armada, que não lhe interessa, esperando desta maneira
que futuramente o poder lhe venha a cair nas mãos), a Frente
Portuguesa deseja obter num curto espaço de tempo a libertação
nacional e passar de uma vez da luta de papéis para a luta armada.
Com esse objectivo ausentei-me da Argélia para conseguir o
número de homens suficiente que queiram lutar e agora pretendo
apresentar oficialmente o pedido para o seu treino.
6. Em conclusão:
1º - O grande Movimento Unitário Português criou-se em 1958 a
quando da minha campanha eleitoral sob o nome de ‘Movimento’,
mais em voga que o de ‘Frente’, este mais usual em África. O PC
ainda não dividido atacou-o e atacou-me; depois, perante a
popularidade que eu imediatamente obtive, aderiu ao Movimento
retirando o seu candidato a meu favor, e tornou-se uma das forças
artificialmente das mais entusiastas do ‘Movimento Nacional
Independente’, nome porque é designada a Frente. Em 18 de Junho
desse mesmo ano eu comuniquei ao governo português a formação
desta organização.
2º - O PCP ‘clássico’ começou por tentar fazer o que lhe é
tradicional: ‘Ou mandar ou destruir’. Aproveitando as enormes
facilidades que lhe são concedidas pelos países socialistas e que as
democracias incompreensivelmente negam aos democratas
portugueses, o PC clássico pôde reunir pessoas em ‘conferências’
de grande efeito jornalístico, mas cuja composição foi sempre
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escondida, como pretexto de segurança para aqueles que vinham


do interior e que praticamente eram sempre comunistas. Baseado
nisso, ele tentou passar de meu ‘aliado’ a meu chefe. Eu recusei-
me a este abuso como homem livre que não quer passar das mãos
de uma ditadura fascista para as mãos de qualquer outra.
Depois dos acontecimentos ocorridos na Argélia, uma Conferência
seria a solução. Eu mesmo a propús, e para evitar que ela fosse
uma nova farsa eu próprio sugeri que ela tivesse lugar no interior
de Portugal, apesar do grande perigo que eu correria se aí entrasse
mesmo que fosse disfarçado. O PC preferia fazer a Conferência de
um momento para o outro não tendo respeitado o mais elementar
bom senso e pudor. As forças democráticas de Portugal e eu
mesmo recusámo-nos a cooperar com esta 3ª farsa destinada uma
vez mais a atrasar a revolução armada que não está no programa
do PC clássico como ele declarou e aprovou.
3º - O que se chama a Frente Patriótica, referida também assim na
imprensa, já não existe ou melhor: não existe senão
artificialmente. As forças democráticas que apoiaram a minha
candidatura (representando o povo português) que votaram por
mim em 8 de Junho de 1958, reagiram com força. Sob a
designação de ‘Frente Portuguesa de Libertação Nacional’. Foi
incluída a palavra ‘portuguesa’ em vez de ‘patriótica’ que era um
pleonasmo. A Frente declara-se nacional internacionalmente na
base da Frente Unitária Portuguesa desde 1958, herdeira e
mandatária da oposição em relação a todas as ajudas morais e
materiais que receberam ou que poderão vir a receber para a
nossa luta de libertação - mais orientada, repito, no sentido de
uma revolução a curto prazo do que para a luta escrita ou oral.
7. Um assunto confidencial.
Ainda praticamente público será tratado em anexo e levado
unicamente ao conhecimento dos destinatários do memorando.
8. Repetição do caso em Espanha.
O que se passa em Argel, passou-se exactamente da mesma
maneira em Madrid, onde o governo republicano espanhol, nos
anos 1934, dava grandes facilidades à oposição portuguesa exilada
nesta capital. Mas como a oposição portuguesa em vez de
combater fatigava o governo espanhol com as suas permanentes
querelas pessoais e acusações contra os líderes, este decidiu de um
momento para o outro cortar toda a ajuda. O caso foi grave para
muita gente, pois que contrariamente àquilo que acontece em Argel
não tinham para viver senão do subsídio mensal que lhes dava o
governo espanhol.
9. Aproveito a oportunidade para apresentar ao governo da
República Argelina Democrática e Popular, especialmente ao seu
eminente presidente, Sua Excelência Ahmed Ben Bella, o meu
profundo agradecimento como líder da oposição portuguesa, como
soldado, e como simples ser humano, para exprimir as suas
intenções de revolucionário, irmão de todos aqueles que querem
lutar pela conquista da sua independência.
Pró-Portugal Liberto
(assinado) General Humberto Delgado.

Documento nº 15

Comunicado de Humberto Delgado à Imprensa


Frente Portuguesa de Libertação Nacional
JRP

Presidente: Gen. Humberto Delgado, Alger, 18 de Dezembro 1964


Comunicado

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1. Motivos desta conferência.


É já do conhecimento público o descontentamento que existe entre
os antifascistas portugueses, em especial entre esses residentes
em Argel. Há quem descreva este descontentamento mesmo com a
palavra ‘rompimento’. Contudo, as verdadeiras razões desta
desinteligência não são conhecidas; que representa não mais de
que um simples acidente, em relação à qual tem-se falado imenso,
como também especulado imenso. É exactamente para vos
esclarecer e para pôr fim a estas especulações que vos convidámos
a aparecer cá.
2. Sobre o chamado ‘rompimento’ da Frente
Desde há 40 anos que o povo português, assim como os povos do
ultramar, se encontram sob o jugo fascista e de um colonialismo
estrangeiro que o apoia. Desde há 40 anos que se sofre a influência
e a deformação produzidas por seus procedimentos. A própria
oposição portuguesa ressente-se igualmente disto! Assim, resulta
que desde há mais de duas décadas tem gasto as suas forças com
discussões estéreis quanto à forma de preparação da luta e quanto
aos seus objectivos. Tudo isso para que possa ter a sua utilidade.
Mas o necessário era que mais cedo ou mais tarde a luta fosse
proclamada e abertamente declarada para que tudo o resto fosse
condicionado a esta realidade. É o que aconteceu. Certos sectores
da oposição, que nada nos autoriza a considerar os menos válidos;
certas personalidades políticas, entre as quais ressalta o general H.
Delgado, cuja representatividade e importância não podem ser
contestadas, têm vindo a tomar progressivamente posição a favor
de uma revolução popular armada, a preparar, a promover, e a
desenvolver o mais brevemente possível. É evidente que o
desenvolvimento, no sentido da luta imediata, não podia
desenvolver-se do mesmo modo e com o mesmo ritmo na
consciência de cada português.
Alguns compreenderam a tempo, outros deixaram-se ultrapassar
por esta evolução, onde as massas do continente e das colónias
foram o objectivo determinante; os povos de Portugal, Angola,
Moçambique, Guiné, Timor e S. Tomé, onde alguns já se encontram
envolvidos numa luta armada contra um colonialismo
universalmente condenado, contra uma economia parasitária, uma
ditadura ultrajante e uma vergonhosa passividade. Entre esses que
se deixaram ultrapassar pelos acontecimentos, encontramos
elementos de todas as tendências, inclusive esses que mais do que
quaisquer outros deviam lutar pela libertação de 20 milhões de
seres humanos, pelo fim de tanta dor, de tantas lágrimas, de tanto
luto. O que é mais grave, é que alguns destes elementos,
felizmente muito poucos, ocupam postos de responsabilidade que
não se coadunam com a sua luta, que já é não só um imperativo
nacional, mas também um dever que toda a humanidade nos
impõe.
Ora, a Frente Patriótica não foi senão a última tentativa de chamar
à razão todos os elementos entre os quais se encontra o secretário-
geral do Partido Comunista Português; não foi mais do que uma
última tentativa de união, mas de uma união objectiva, pela acção
e na acção. Infelizmente não houve resultado. Mas é necessário
que seja bem claro, apesar de tudo que for dito, mesmo utilizando
argumentos já conhecidos, que estes sectores não desejam a luta e
contra ela têm-se oposto sistematicamente. Tudo o resto não
conta! Assim, isso não tem sequer destruído a mais pequena
parcela das condições que nos foram oferecidas para progredir na
tarefa da libertação do povo português; para, armas na mão,
participar de modo válido na luta pela libertação dos povos do
ultramar. Em Portugal não pode haver lutas legais ou semi-legais
pelo simples facto de nenhuma luta ser permitida. Não se pode,
com antecedência, doutrinar um povo, quem a toda a tentativa de
uma nova politização responde simplesmente pedindo armas, não
levando a sério papéis e palavras; um povo nestas condições não
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pode ficar politicamente maduro, só por que alguns indivíduos -


não importa quem proclama esta falta de maturidade; e não me
parece que isto possa atrasar a preparação da luta, promovendo
toda uma campanha de desintegração e de desencorajamento;
rejeitando todas as ofertas concretas (e tem havido algumas) que
podem ajudar a revolução armada; fazendo uma guer
ra sem piedade a todos os que activamente se empenham no
desenvolvimento das condições pró-revolucionárias, sendo o caso
dos comunistas dissidentes e da FAP (Frente de Acção Popular), -
seus irmãos ideológicos - e que, de tais elementos que hoje não
desejam a luta, podem aumentar ou manter o seu prestígio. Não
são senão a paliçada de Salazar. Constituem a cidadela fascista de
uma oposição que se proclama progressista; mas não lhes resta
amanhã outra solução senão alinharem alinhar ao lado dos que
combatem: será na acção e para a acção que a unidade acabará de
se promover. A estes argumentos, especialmente aos que nos
acusam de sermos aventureiros, nós respondemos somente que
uma tal acusação foi também pronunciada contra Fidel Castro e
contra esses que em Novembro de 1954 tomaram a decisão de
libertar o povo argelino (discurso do Presidente Ben Bella na Place
des Martyrs, no dia 1 de Novembro de 1962), e a todos os que
optaram por este caminho que é hoje também o nosso.
Nota
No último momento a conferência de imprensa foi suspensa por
ordem do Ministério da Informação, nos seguintes termos:
Ministério da Informação
Nº 7 MI/RP.
República Argelina Democrática e Popular
Argel, 18 de Dezembro 1964
Decisão
A Direcção Geral de Informação pede ao sr. Delgado abster-se, por
razões de oportunidade, de organizar a conferência de imprensa,
prevista para hoje às 15 horas.
Feito em Argel, 18 Dezembro de 1964
P/ O director Geral de Informação
O director da imprensa
Assinatura ilegível
118, Bd. Salah Bouakir, 5ème étage
Argel - Argélia

Documento nº 16

Comunicado de Humberto Delgado, de Dezembro de 1964


IIª Conferência da Frente Portuguesa de Libertação Nacional
Algures na Europa, Dezembro de 1964

Comunicado

A Frente Portuguesa de Libertação Nacional (FPLN), reunida algures


na Europa sob a presidência do sr. general Humberto Delgado e
com a presença dos representantes de diversas forças
oposicionistas do interior e exterior, emitiu o seguinte comunicado:
1º - A reunião discutiu e aceitou os princípios estabelecidos e
aceites na 1ª Conferência e deliberou sob os actos preparatórios
para a revolta armada, num mínimo de tempo, baseada na acção
interna apoiada do exterior.
2º - Aceitou o princípio da colaboração de todos os elementos
activos de quaisquer tendências ideológicas, mas isolados dos
aparelhos políticos de partido, em especial daqueles que vêm
sabotando ou dificultando a acção revolucionária.
3º - Determinou, definitivamente, a constituição dos quadros
superiores de acção revolucionária no interior do país, compostos
de elementos das forças armadas, da academia estudantil e civis,
para uma imediata e rápida reorganização dos diversos sectores
que devem cooperar na revolução.

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Desta forma a FPLN entra definitivamente no seu período


revolucionário, iniciando todas as acções necessárias para uma
revolução vitoriosa.

Documento nº 17
Mensagem de fim de ano de Humberto Delgado13

Frente Portuguesa de Libertação Nacional (FPLN)


Junta Revolucionária Portuguesa (JRP)
Presidente: General Humberto Delgado

118, Bd. Salah Bouakir, 5º Alger - Algerie


Tel.: 64.56.49
60.18.50 Nº P/62/65

Proclamação de S. Excelência o Presidente Gen. Humberto


Delgado

Ao Povo Português
Portugueses!
Este ano não tive possibilidade material de endereçar-vos a
mensagem anual de Natal e no Novo. Sabereis que eu andava
trabalhando pró Revolução. Realmente descobriu-se que eu fora à
Europa, clandestinamente, a tratar militar e diplomaticamente da
revolta, sendo assim meu nome lançado pelas agências urbi et
orbi.
Sabeis também a esta hora que tive oportunidade de reunir
novamente, algures na Europa, elementos representativos dos
sectores que desejam a revolução a prazo curto. Realmente, em
comunicado de uma dúzia de linhas afim de evitar frases
estereotipadas, gastas, cediças e inúteis, se fixaram directivas no
sentido de que a Frente Portuguesa acelere os preparativos da
revolução.
Posso hoje dizer-vos, com certa mágoa, que, se no momento não
estamos mais avançados, o facto se deve às repercussões no
estrangeiro do que é inevitável após trinta e oito anos de ditadura,
especialmente entre latinos, os eternos emocionais. Pior ainda no
caso dos portugueses, fortemente alvejados psicologicamente
como foram, pelo destino, do volte-face da história nas planícies de
Alcácer Quibir, em 1578, onde enterrámos a nacionalidade e onde
começámos a decadência. Isto nos grandes planos. Nos pequenos
planos e na actualidade, muitos espíritos obliteraram-se, passando
a pensar em termos locais em vez de nacionais, ou em termos de
‘clube’ em vez de ampla agremiação. Não nos admiremos muito,
pois que a respeito do tempo que antecedeu a invasão dos liberais
em Portugal, já Oliveira Martins nos disse que em Plymouth,
Inglaterra, onde estavam os emigrados, ‘cada companhia era um
clube e cada batalhão um partido’.
Agora, o papel e a palavra durante trinta anos substituíram a bala.
Na verdade, desde 1931 isto é, desde o tempo em que eu era um
jovem tenente aviador, a oposição só foi capaz de voltar a pôr uma
revolta na rua no 1º de Janeiro de 1962. E ainda assim foi preciso
eu enviar emissários do Brasil a Portugal, dentre eles o bravo e
mártir Manuel Serra, a quem infelizmente não cheguei a dar um
abraço em Beja, apesar de também eu ter entrado em Portugal na
noite da véspera da revolta.
Acresce que uma e outra dessas revoluções representaram apenas
pequenos fogachos, a despeito de a última abranger só gente que
nada tinha de ligações com a Iª República e portanto estar mais à
vontade psicologicamente para se revoltar.
Mas se recordei a revolta de Beja, não o fiz na ideia de apenas
homenagear os camaradas que valentemente nesse dia quebraram

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o ‘tabu’ da impotência da oposição para algo mais do que escrever


e falar. Não: fí-lo porque desejo acentuar a posição dessa revolta
dentro do paralelismo da história.
Assim os espanhóis alcunharam a revolta de Beja com a
designação de ‘Jaca Portuguesa’, querendo assim amavelmente
exprimir o voto de que aquela revolta em Portugal terá condão
análogo ao da espanhola - que foi a excitadora da que levou à
implantação da IIª República em Espanha.
Dentro deste conceito dos paralelismos históricos, convém lembrar
que também o 31 de Janeiro, hoje rememorado e tão análogo ao
levantamento de Beja, foi o fogacho conducente ao clarão de 1910
que derrubou a monarquia; como o fogacho de Alcântara em 1580
e o do Manuelinho de Évora, em 1637, levaram ao clarão de 1640.
E a propósito dos que a pretexto de organização profunda queiram
adiar a revolução portuguesa para data imprecisa, longínqua,
atacando os primeiros ou tentando barrar-lhes a acção, lembremos
que em 1640 nós éramos só quarenta e conseguimos reimplantar a
independência.
Retomando o fio dos fogachos que deram clarões, lembrarei
também o motim do alfaiate Fernão Vasques que em 1367 se
levantou contra um rei fraco. Por exigência da sua amada, o rei
mataria o pobre plebeu na forca, mas o fogacho haveria de ser o
gérmen do clarão que levaria ao poder D. João I; que levaria a
Aljubarrota; que levaria ao aparecimento da ínclita geração a que
se refere o imortal Camões. Como o fogacho de 1127 (em que
Afonso Henriques, derrotado por Afonso VII, abandona Egas Moniz,
o austero português de antanho, à sua sorte de refém) dará lugar
ao parto dos clarões sucessivos de São Mamede em 1128, de
Cerneja e Valdevez em 1139, tudo levando à paz de Zamora que
coroará de jure a independência de facto.
Acaso alguns portugueses, confundindo avanço de ideias com
destruição dos valores históricos básicos das nacionalidades, achem
estranho que se começasse em Beja para acabar em Valdevez, oito
séculos atrás, ademais sendo o passeio histórico feito por general
arejado de ideias, aberto aos anseios das massas, já por tendência
inata, já porque vem de família pobre em que abundavam os filhos
e faltava o numerário. A esses direi que visitei a Yugoslavia, a
Checoslováquia, e agora, há pouco, a Rússia, mãe da maior
revolução da história nos tempos modernos. Pois em todos esses
países, alinhados na extrema esquerda, como soe dizer-se,
encontrei um grande culto pela história e pela tradição, como
factores de indiscutível valor intrínseco na coesão nacional.
Reatando o nosso fio: o 31 de Janeiro, antecessor da proclamação
da Iª Republica, tem algo de semelhante com a pequena revolta de
Beja, como há pouco disse. Ambas as revoltas foram de efémera
duração; em ambas apareceu como maior figura dentro dos
regimentos, um oficial com menos de cinquenta anos e pequeno
posto. Na do Porto o capitão Amaral Leitão, que tinha quarenta e
seis anos; na de Beja o galhardo capitão Varela Gomes, mais
jovem, apenas com trinta e sete. Em 1891 estava indigitado um
general, Correia da Silva, de setenta e dois anos, para comandante
da revolta, general que se negou a chefiá-la por lhe terem mudado
o plano. Na revolta de Beja, também havia um general indigitado,
eu, com cinquenta e cinco anos de idade. Compareci na cidade e na
noite da luta, apesar de circunstâncias ainda mal conhecidas terem
levado os meus colegas revolucionários a mudarem-me o plano,
pelo menos no que respeita ao teatro de operações de deflagração
da revolta. Ainda não fui julgado por estar ausente do país; mas
figuro na cabeça da lista da pronúncia feita pelo juiz. Devo ser
oportunamente punido com outra vintena de anos de prisão com
base na ordem de operações que entreguei a Manuel Serra no
Brasil.
A revolta de 1891, por outro lado, foi essencialmente do tipo
‘aquartelada’, isto é, levada a efeito só por militares. A de Beja
juntou debaixo do fogo, em curiosa unidade, oficiais de carreira, da
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reserva (milicianos), e civis de diversos matizes.


Dentro da vil tristeza e hiper acética crítica que caracteriza o
português da decadência, e portanto mais ainda o da oposição,
talvez seja reconfortante chamar a atenção do povo português para
o que parece ser uma conclusão: apesar de não estarmos
impulsionados por um acto contundente de potência estrangeira,
semelhante ao do ultimato de 1890, julgo verificar-se que, se não
houve melhoria nas circunstâncias político-militares, e creio que
houve, ao menos não piorámos.
Portugueses!
Em 1958, depois das hesitações de alguns grupos da extrema
esquerda resolveu-se que eu fosse o candidato único oposicionista
à Presidência da República. Para o efeito, o delegado inicialmente
apoiado pelo Partido Comunista, patrioticamente desistiu.
Julgo bem ter correspondida à vontade nacional. Realmente não só
não desisti nas vésperas de eleição, ao contrário do que sempre se
fez até mim, mas imprimi tal cunho pessoal de violência e
virulência à campanha eleitoral que, após seis anos, amigos e
inimigos reconhecem que a oposição entrou em fase tipicamente
activa.
O governo foi forçado a atribuir-me votos embora proibisse que os
contássemos. Este acto histórico a que o forçámos, narrado em alto
som por toda a imprensa internacional, embora alguns camaradas
portugueses, de vista curta, o não vejam, habilitou a oposição a
dispor de um símbolo humano, escolhido pelo povo e, segundo
todos os sectores da oposição, eleito chefe de Estado. Dispõe
consequentemente a oposição de um nome e, portanto, de um
indivíduo, que está fora de quaisquer guerrilhas de tipo local
levadas a efeito por grupos ou pessoas que apareçam em regime
de auto nomeação, dentro ou fora de Portugal.
A escolha ou eleição de 1958 cresce de importância se repararmos
que o governo português, aterrorizado perante o tipo de campanha
que levei a efeito, mudou a lei. Hoje o chefe de Estado já não é
eleito por sufrágio universal mas sim por uma centena de
deputados nomeados pelo ditador.
Portugueses!
Honrei e quero honrar a confiança que em mim depositastes. De
chefe político que era, por vossa decisão, passei também a chefe
revolucionário para melhor honrar vossa vontade. Lá fui pôr a vida
em risco, dentro do nosso Portugal. Viajando para ter encontros,
ando a pôr em risco a minha liberdade,
E aqui estou hoje, 31 de Janeiro, dia de uma derrota, como o de
Beja também o foi, a pregar fé na vitória.
Portugueses!
A Frente Portuguesa que chefio, e cujas operações militares
comandarei, logo que rebente a luta, pretende desencadear a
revolta muito proximamente. Para o efeito, teve no último
semestre de 1964 duas reuniões no estrangeiro, com elementos do
interior e do exterior. Nessas reuniões procurou-se ganhar o tempo
perdido em discussões estéreis entre opiniões muito afastadas.
Dia a dia crescem as adesões, desde o centro à extrema esquerda,
desde a oficialidade das Forças Armadas aos pobres assalariados
que me escrevem em linguagem cativantemente bem simples.
Portugueses!
A nação, firme em volta da Frente Portuguesa que lhe oferece a
libertação nacional, caminha para a vitória. Se cada português, a
título individual, como nós desejamos, der um pouco do seu
esforço, a ditadura muito em breve será estrondosamente
derrubada.
Portugueses!
Todos de pé! Em continência à bandeira verde-rubra que
representa não só a pátria mas também a aspiração das massas
para um futuro melhor que merecem e que têm direito!
Portugueses!
Viva a Pátria!
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Viva a Liberdade!
Viva a IIª República!
Pró-Portugal Liberto
General Humberto Delgado, Presidente

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