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GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo:Cortez, 1995.

INTRODUÇÃO

Dado o caráter que constitui a profissão, a instrumentalidade dita a “razão de ser”


do Serviço Social e esse caráter instrumental que constitui a funcionalidade é o
mesmo que possibilita a passagem das teorias à prática dentro da sociedade.
Incorpora padrões de racionalidade às teorias e assim as ações instrumentais se
processam.

A instrumentalidade do Serviço Social é um campo de mediações que não fora


discutido na categoria profissional, e nem por ela. Há de se verificar a influência na
intervenção profissional dos assistentes sociais no período de renovação da
profissão vinculando as formas de ação às perspectivas que possam alterar o
caráter instrumental da ação profissional. Assim, coloca-se direta e
organizadamente aos interesses e perspectivas profissionais contribuído de
maneira relevante para essa questão neste momento da profissão.

RAZÃO E MODERNIDADE

O estudo da relação razão e modernidade nos aproximam da racionalidade


buscando as determinações universais quanto às particularidades quanto ao
modo de ser e pensar específico da sociedade entendendo o método histórico-
sistemático.

A busca do significado da palavra racionalidade a limita à sua definição, não nos


permitindo tirar as abstrações mais simples e gerais as quais suas determinações
originárias nos possibilitam. Ela é o que dá inteligibilidade aos fatos e estes aos
fundamentos que obedecem aos princípios de causalidade e contradição.

Os meios empregados pelo profissional da assistência social são incorporados à


racionalidade unindo-se a ela na sua lógica de constituição.

Os sistemas filosóficos postulavam uma racionalidade dada pela ciência apoiada


no princípio da contradição. Para Kant a razão, tendo princípios os quais
fenômenos da natureza concordem entre si, pode valer com lei. Ele distingue com
isso razão de entendimento, e que a razão determina a vontade e que por isso é
moral. Ou seja, da razão pura surge o homem com as normas do dever que as
pode libertar quando o sujeito transcendental põe em prática a sua vontade
racional e da razão teórica surgem leis que, se obedecidas, possibilitam a sua
emancipação, com regras gerais, válidas universalmente que norteiam as ações
socialmente reconhecidas. Assim a humanidade cumpre seu destino: uma ordem
internacional, racional e livre.
No entanto, formulações hegelianas buscam na junção que o sistema kantiano
opera.

Hegel parte da distinção entre razão de ser e a razão de pensar. Ou entre


subjetividade e objetividade do conhecimento. Para ele as limitações dos desejos e
paixões individuais não se constituem em limitação de liberdade sendo a forma
que produz condições para isso. Nesse acaso, é o Estado que, além de fundar a
sociedade civil deve garantir a universalidade através da Burocracia e da Câmara
Alta por meio dos quais o “Espírito Absoluto” se realiza.

O afastamento da reflexão cuja perspectiva está em encontrar um novo padrão de


ciência que permita operar sobre os fenômenos sociais que surgem, encaminha o
debate para duas direções diferentes, porém, não opostas. De um lado, o
historicismo alemão e de outro o positivismo francês onde ambas as vertentes se
desenvolvem na intersecção entre o pensamento kantiano, restaurador da ética e
da moral e a “desordem” gerada pela industrialização.

Ao pensamento de Durkheim pode ser atribuída a institucionalização do


paradigma da racionalidade formal-abstrata na análise das estruturas sociais, na
medida em que suas concepções teóricas e metodológicas encerram a pretensão
de orientar uma programática de ação sobre a sociedade, não apenas de
estabelecer uma explicação totalizada dela.

Fato social é tido como toda a maneira de fazer sobre o indivíduo uma coação
exterior, fixada ou não, ou seja, o que tem ressonância social, independente dos
indivíduos, mas que exerça sobre eles determinado grau de influência.

Nesta forma de sociologia não há espaço para se pensar nas individualidades, não
há interferência finalística dos sujeitos, não há história. As possibilidades desta
última são dadas apenas no âmbito dos acontecimentos individuais e por isso não
se constituem em “fator social”. As instituições sociais (Estado, família, direito)
produzem e reproduzem, por meio da repetição, formas de ser coletivas, que
adquirem um significado simbólico para os indivíduos, exercendo-lhes
ascendência.

O progresso, as mudanças e transformações sociais ocorrem de formas naturais,


ou seja, como Durkheim deseja, do meio social, sendo este fator determinante da
evolução coletiva. A adaptação dos indivíduos às instituições seria o fruto da
transformação da sociedade que, sendo-lhes anteriores, encontram-se legitimados
a exercer o grau de coação necessário para manutenção da ordem. Para ele é
formação de corporações profissionais, cuja influência moral haveria de conter os
egoísmos individuais e manter no coração dos trabalhadores um sentimento mais
vivo de sua solidariedade comum.

A partir de meados do século XX, o pensamento racionalista formal aparece


reposto nas teorias sociais particulares sob a forma de modelo de explicação e
ordenação da realidade social onde para os indivíduos, a aparência é de que a
realidade não determina o conhecimento, de que as sínteses passam de processos
integradores dos indivíduos nas estruturas ou representações imaginárias do
sujeito.

A problemática sobre a legitimidade da vigência de padrões no interior das


ciências sociais cria raízes na polêmica instaurada tanto pelas correntes
historicistas quanto pela tradição marxista, no sentido de anular a pretensão do
positivismo de exercer supremacia no interior da comunidade científica buscando
denunciar limites e reducionismos cometidos pela racionalidade instrumental. Por
outro lado, uma concepção de que a racionalidade instrumental é a racionalidade
substantiva da ordem social burguesa aceitando a possibilidade de que os homens
relacionam-se com a realidade, põem em questão as promessas de autonomia e
liberação dos homens contidos no projeto de modernidade e com isso as formas
socialistas e capitalistas de sociedade.

À medida que a racionalidade do projeto burguês, utilitarista, racional e operativa


exclui qualquer dimensão que não possa ser aprendida por operações intelectivas,
como problemas existenciais, a subjetividade, liberdade, paixões e desejos
complexificados por uma conjuntura de crise de racionalidade, é estabelecida uma
cisão entre a razão objetiva e a subjetividade individual, além de transformar
problemas da ordem capitalista em questões da natureza humana.

Então, na tentativa de correção das propostas clássicas comparecem tanto as


tendências que recuperam o irracionalismo da filosofia alemã, quanto o
positivismo francês. Passam a concorrer, no interior da comunidade científica,
teorias e metodologias de diferentes estirpes e vinculações que vão da mudança
de pensamentos de autores clássicos até a conciliação de supostos pensamentos
inconciliáveis que não corespondem a realidade por inventar modos de viver dos
homens nas sociedades capitalistas que não encontram centralidade no trabalho.

O surgimento de novos fenôenos ou novas teorias que vulnerabilizam as regras


que já se encontram como padrões são afastados até o momento em que surge
um novo modelo capaz de explicá-lo.

Ao atribuírem determinado tratamento aos fenômenos, processos e relações


sociais e proporem programáticas ações diversas, as teorias se especificam. Mas,
ao vincularem seus temas de forma mais ou menos aproximada da realidade
objetiva, as formulações teóricas particularizam-se.

Entendemos que é com esse aspecto da filosofia clássica que algumas teorias
contemporâneas se rompem.

A tendência de eliminação do particular vem na estreita do discurso da


objetividade científica onde este discurso só faz sentido para aqueles que
concebem as ciências sociais como paradigmas, ou que acreditam na possibilidade
de transladar métodos e instrumentos utilizados no domínio da natureza para o
âmbito da sociedade.

RACIONALIDADE DO CAPITALISMO E SERVIÇO SOCIAL

É através do trabalho que o homem satisfaz suas necessidades tendo para isso,
um projeto ou finalidade.

De início o fruto desse trabalho só era trocado de forma quantitativa e logo após
os artigos produzidos passaram a serem igualados qualitativamente por
receberem uma mesma objetividade.

Daí surge então, o primeiro estágio do capitalismo onde o detentor do


conhecimento técnico e das habilidades reúne artesãos em um mesmo lugar
passando a se organizarem para ampliar o que foi investido no processo de
produção.

O agora capitalista decompõe e distribui o trabalho entre diversos trabalhadores


simplificando-o e enfraquecendo a ação individual do trabalhador tendo com isso
a ampliação da classe trabalhadora com trabalho infantil, feminino e
paralelamente, ampliando, criando e recriando ferramentas especiais iniciando
um novo período na história onde passa a deter o controle objetivo da produção
investindo nas primeiras máquinas. Com isso o trabalhador passa a se submeter
às novas determinações qualitativas da atividade que executam estabelecendo
com isso novas relações sociais.

O trabalhador perde, então, a condição de sujeito que tinha no processo de


produção. O trabalho passa a ter um caráter social duplo onde o trabalhador
produz para garantir a sobrevivência e a ampliação do sistema.

O processo de troca se desenvolve e se transforma em dinheiro que acaba por ser


trocado por mercadorias e por trabalho humano proporcionando que o investidor
ganhe acima da quantidade investida que no caso era força de trabalho. O
dinheiro é a mercadoria desenvolvida e ao mesmo tempo a primeira forma de
capital. Passou-se a ter a fórmula da qual todas as coisas se trocam nivelando
todas as coisas mesmo de naturezas diferentes.

Na busca da lucratividade, há uma necessidade do controle e disciplinamento dos


trabalhadores. Com isso, entronizar um sentimento de subordinação e
dependência frutos de uma suposta desqualificação se fazia necessária.

Aparelhos repressivos, discursos tranquilizadores de massas no intuito de fazer


frente ao empobrecimento do trabalhador que deve ser aceito como transitório e
passageiro sendo implantado como decorrência normal do progresso. Com isso
surgem ideias e princípios racionalizadores colocados no discurso de progresso
nacional. Incorporados ao conjunto de valores ético-morais da nossa sociedade
que passaram a anular reivindicações, atravessar as lutas entre classes e
segmentos de classes.

A tensão gerada nas relações nos campos de produção hão de refuncionalizar o


Estado visando assegurar a posse dos meios de produção à burguesia
preservando e ocupando as frentes de trabalho minimizando ainda, a tendência
ao subconsumo através do sistema de previdência e segurança social.

Assim, é criado um campo específico no qual objetivo é atender as questões de


conflito entre o capital e trabalho, que tem como campo específico o atendimento
nas reivindicações da classe trabalhador dando-lhe conciliação, coerência e
instrumentalidade ao nível da racionalidade do Estado. Agora este atua ao mesmo
tempo como conciliador entre os setores público e privado e realiza a oposição
entre o público e o estatal.

A economia brasileira começa a estabelecer relações com o mercado mundial


através das exportações que passam a exigir qualidade nos produtos. Qualidade
esta só pode ser alcançada através da modernização tecnológica associada à uma
manutenção de mão de obra capacitada o que vem a manifestar uma nova
ruptura com surgimento de greves e movimentos sociais protagoniza pela classe
trabalhadora cuja a maior expressão se dá na região do ABC paulista.

Quando o Estado isola as questões sociais do âmbito das relações de trabalho, o


Estado ofusca o elo entre as políticas sociais e o processo de acumulação e
valorização do capital. Quando o Estado fragmenta as questões sociais, ele
institucionaliza práticas profissionais especializadas. Com isso, um novo padrão de
racionalidade é exigido para operacionalizar as medidas de instrumento de
controle social influenciando a conduta humana, manipulando racionalmente os
problemas sociais. Um trabalhador assalariado que vende, além da sua força de
trabalho, ações diferenciadas à administração dos conflitos sociais: o assistente
social.
Com o objetivo de atender as necessidades pós-golpe de 64, surge o que se
convencionou chamar de “reconceituação” na busca de soluções modernizantes
ao agravamento das questões sociais na qual a criação de programas sociais como
FGTS, PIS, PASEP ampliam o trabalho de assistente social.

No final da década de 70 novas forças são colocadas à profissão conduzindo a um


profissionalismo de revisão aos fundamentos teórico-práticos das suas ações
onde as diferentes concepções de políticas sociais com a diversidade de projetos
das classes que os assistentes sociais abordam, adquirem visibilidade para a
categoria profissional.

O Estado, através da intervenção do assistente social, passa a adotar


procedimentos que para sua realização, exigem determinados níveis de
abrangência da razão o que resulta no controle da vida dos usuários dos serviços.

No início o discurso do assistente social negava a prática de assistência por ser


entendida como compensação de uma prática perversa e associada ao
funcionalismo. Agora com a Constituição de 1988, a assistência social surge como
um direito sendo considerado um avanço por tentar preencher os buracos
deixados pela Previdência Social sem, no entanto, colocar que a transferência para
a iniciativa privada proporciona investimentos lucrativos e, além do que, reforça a
separação entre o setor privado e o Estado.

Essa nova maneira de assistir atribui cidadania aos excluídos o que acaba
constituindo o objetivo final da intervenção profissional. A assistência social
aparece como fornecedor de serviços sociais aos segmentos mais explorados
produzidos pelas leis inevitáveis e desconhecidas do capitalismo.

No entanto, o resgate da cidadania por via das políticas sociais reafirma o discurso
da burguesia onde era pregada a necessidade de procedimento político-formais,
nesse caso os da Constituição de 88, para sua realização.

É fato que é na divisão social e técnica do trabalho dentro da sociedade capitalista


que se desenvolve o espaço para o assistente social e por isso, que no
desenvolvimento das forças produtivas que a profissão sofre suas mudanças se
modernizando e se renovando sendo então, vinculadas às necessidades históricas
das formas de existência e sobrevivência do capitalismo. Essa vinculação, força
produtiva, estado social e consciência, são mediações necessárias na
instrumentalidade do assistente social.

Nesse ponto devemos observar que os mesmos mecanismos que produzem


acumulação capitalista, também é a lei que serve de manutenção material e
ideológica de uma classe, dentro dela o Serviço Social, no qual o trabalho do
assistente social se transforma como qualquer outro, em parte do investimento
capitalista e adquire forma de valor onde na maioria dos casos essa relação é
mediada pelo Estado e por consequência, o profissional deixa de perceber a sua
posição na divisão social e técnica do trabalho.

Assim, de um modo, o assistente social pode acreditar que tem suas funções
ofuscadas para qual sua força de trabalho fora adquirida. E de outro modo, pode
incorrer para construção de uma auto representação do profissional como agente
mediador da justiça tendo uma visão “robinwoodiana” do Serviço Social.

Com isso, certo seria procurar instrumento e técnicas que podem variar, porém
devem estar sempre adequados para proporcionar resultados concretos e
esperados.

Em outras palavras, as dificuldades impostas na intervenção do profissional do


Serviço Social obedecem a uma lógica da sociedade capitalista na qual a inversão
desse fenômeno são condições para a sobrevivência dessa ordem social.

A divisão do trabalho se pauta num discurso de cooperação, no entanto, no modo


de produção capitalista de interesses o saber do trabalhador se transformou em
ciência que agora passa a ser pautada na divisão do trabalho intelectual e manual.

O conteúdo de reforma e conservadorismo que são a tônica das formulações no


Serviço Social, quanto ciência, não pode ser tributado historicamente ao
positivismo. Antes ao capitalismo. A verdade é que a divisão entre teoria e prática
não é a causa da limitação dos profissionais e sim a consequência disto. Talvez
porque se atribua a uma categoria profissional a responsabilidade de
transformações na sociedade ou talvez pela virtualidade de transformar conexões
causais em racionais extrapolando os desejos, anseios, atributos pessoais e
profissionais provocando de um lado a inércia e a angústia do assistente social e
de outro acentuando a tendência voluntarista presente na profissão. Ao conceber
a necessidade de modelos, padrões e fórmulas milagrosas na análise e
intervenção, o assistente social neutraliza as possibilidades de renovação na
profissão.

Sabendo que há uma variável que está ao seu alcance, mesmo que esta não
modifique a situação, cria-se a possibilidade de uma unidade variável entre o
pensamento e a ação na cotidianidade que devido a suas características não
atinge seu objetivo nas relações sociais. A teoria e a prática devem ser fundadas
através de atividade que seja ao mesmo tempo consciente e finalística que, por
meio de mediações particulares sejam vinculados os interesses particulares e as
necessidades do gênero humano.
CONCLUSÃO

Entre a racionalidade e a instrumentalidade são estabelecidas particularidades do


modo de ser e pensar do capitalismo. A primeira com base na produção e
reprodução das relações sociais enquanto que a segunda se vê limitada à padrões
que coloquem apenas ações racionais que produzam fins imediatos.

O que é exposto é que a instrumentalidade é atribuída pelos desvios das questões


sociais e as racionalidades, das intervenções profissionais e reproduzidas a partir
de bases concretas acarretando em repetições em níveis cada vez mais
complexas. Temos com isso distinguir intervenções profissionais imediatas das
que se encontra em um plano emergente onde para que estas sejam atendidas, a
intuição, a sensibilidade e a utilização dos modelos não são suficientes. Com isso o
assistente social deve ser detentor de um saber que extrapola a realidade
imediata para que lhe seja possível perceber a dinâmica conjuntural que se
manifesta ou está oculta apesar de que tanto o método positivista quanto o
materialismo mecanicista são incapazes de prever o emergente.

Torna-se relevante que a racionalidade e a instrumentalidade se confrontem, se


mantenham e elevem a um nível superior a prática, pois na instrumentalidade o
homem é realizado quanto ser objetivo, prático, no entanto é na racionalidade que
ele se expressa de forma crítica.

As contradições sociais nos leva a um grau de dificuldade à profissão que para


apreendê-los teríamos que estudar teorias mais abrangentes de racionalidade.
Enquanto que na instrumentalidade podemos interferir, pois é através dela que a
produção e a reprodução da existência humana se realizam. Na medida em que os
homens se desenvolvem enfrentando novos modos e condições de produção os
quais o afastam da natureza, a reprodução de algumas relações passa a
apresentar outra racionalidade. A contradição com que essa racionalidade se
porta e o conforto que é estabelecido com a instrumentalidade põem condições
de superação que só pode ser realizada na prática.

Entendida que a razão se realiza na história e que o que proporciona essa


passagem entre a razão e a história é a racionalidade. Então racionalidade é
história e necessária, mas não pelo pensamento burguês. As conversões entre a
instrumentalidade e a racionalidade mobilizam a própria história dos homens.

O que significa dizer que a história do Serviço Social está atrelada a história dos
homens fazendo com que os assistentes sociais realizassem não como imagem da
realidade, mas numa forma de manifestação da realidade.
Surge daí uma expectativa de um posicionamento que nos permita de forma
imediata atuarmos quando surgirem as situações emergentes.

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